este estudo tem como proposta analisar as marcas de...

11
INTERTEXTUALIDADE NA PUBLICIDADE: O JÁ DITO, DITO DE UMA MANEIRA CRIATIVA Breno Ponte de BRITO 1 RESUMO: Este estudo tem como proposta analisar as marcas de intertextualidade no gênero publicitário. As bases teóricas que alicerçam a pesquisa são os postulados de Fairclough (2001) e os fundamentos da Análise Crítica do Discurso. O material de análise é composto por anúncios publicitários de mídia impressa coletados em revistas e em pesquisas na internet. Verificamos a presença de discursos anteriores resgatados com uma nova roupagem e o seu papel no funcionamento do processo persuasivo. PALAVRAS-CHAVE: Intertextualidade. Interdiscursividade. Publicidade. Persuasão. 1 Introdução A propaganda é hoje responsável por um dos tipos de discursos mais presentes na sociedade contemporânea. A proliferação das formas de mídia e a facilidade de acesso aos meios de comunicação colocam a propaganda à frente de um estilo coloquial de linguagem dirigida a grandes massas, emprestando-lhe grande influência. A todo momento o indivíduo é assediado por anúncios, seja em casa, no trabalho ou nas ruas. Este estudo traz uma reflexão sobre como o gênero publicitário se apropria da intertextualidade, ou seja, como ele resgata outros discursos, dando a estes uma nova roupagem, transformando a intertextualidade num mecanismo de persuasão. Para tal investigação, tomamos como base as noções de intertextualidade de Fairclough (2001). Fairclough centra-se na corrente da Análise Crítica do Discurso, que emprega estudos de base crítico-analítica com uma visão político-ideológica nítida, na qual as noções de “poder” e “dominação” são amplamente exploradas, aspectos que muito nos interessa para explicar alguns pontos do funcionamento da intertextualidade no gênero publicitário. A visão de intertextualidade de Fairclough é abrangente, pois considera outras formas menos óbvias de introdução de vozes nos textos, tais como as várias formas de discurso indireto ou as várias formas de se atribuir ou não o que é dito, escrito ou resumido às pessoas que disseram ou escreveram algo. 1 Aluno regular do curso de Mestrado em Letras da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Formado em Comunicação Social com Habilitação Publicidade e Propaganda pelo CEUT. Especialista em Marketing.

Upload: duongmien

Post on 25-Aug-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Este estudo tem como proposta analisar as marcas de ...brenobrito.com/...Intertextualidade_na_Publicidade-Breno_Brito.pdf · Kristeva no final dos anos 1960 com base nos trabalhos

INTERTEXTUALIDADE NA PUBLICIDADE: O JÁ DITO, DITO DE UMA MANEIRA CRIATIVA

Breno Ponte de BRITO1

RESUMO:

Este estudo tem como proposta analisar as marcas de intertextualidade no gênero publicitário. As bases teóricas que alicerçam a pesquisa são os postulados de Fairclough (2001) e os fundamentos da Análise Crítica do Discurso. O material de análise é composto por anúncios publicitários de mídia impressa coletados em revistas e em pesquisas na internet. Verificamos a presença de discursos anteriores resgatados com uma nova roupagem e o seu papel no funcionamento do processo persuasivo.

PALAVRAS-CHAVE: Intertextualidade. Interdiscursividade. Publicidade. Persuasão.

1 Introdução

A propaganda é hoje responsável por um dos tipos de discursos mais presentes na

sociedade contemporânea. A proliferação das formas de mídia e a facilidade de acesso aos

meios de comunicação colocam a propaganda à frente de um estilo coloquial de linguagem

dirigida a grandes massas, emprestando-lhe grande influência. A todo momento o indivíduo é

assediado por anúncios, seja em casa, no trabalho ou nas ruas.

Este estudo traz uma reflexão sobre como o gênero publicitário se apropria da

intertextualidade, ou seja, como ele resgata outros discursos, dando a estes uma nova

roupagem, transformando a intertextualidade num mecanismo de persuasão. Para tal

investigação, tomamos como base as noções de intertextualidade de Fairclough (2001).

Fairclough centra-se na corrente da Análise Crítica do Discurso, que emprega

estudos de base crítico-analítica com uma visão político-ideológica nítida, na qual as noções

de “poder” e “dominação” são amplamente exploradas, aspectos que muito nos interessa para

explicar alguns pontos do funcionamento da intertextualidade no gênero publicitário.

A visão de intertextualidade de Fairclough é abrangente, pois considera outras

formas menos óbvias de introdução de vozes nos textos, tais como as várias formas de

discurso indireto ou as várias formas de se atribuir ou não o que é dito, escrito ou resumido às

pessoas que disseram ou escreveram algo.

1 Aluno regular do curso de Mestrado em Letras da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Formado em Comunicação Social com Habilitação Publicidade e Propaganda pelo CEUT. Especialista em Marketing.

Page 2: Este estudo tem como proposta analisar as marcas de ...brenobrito.com/...Intertextualidade_na_Publicidade-Breno_Brito.pdf · Kristeva no final dos anos 1960 com base nos trabalhos

2

No primeiro momento de nosso estudo expomos os conceitos de intertextualidade e

interdiscursividade na visão de Fairclough (2001). No segundo momento passamos à análise

de anúncios publicitários de mídia impressa identificando a presença de intertextualidade na

sua construção. Observamos as marcas de intertextualidade em relação à forma em que se

manifestam, conforme as categorias propostas por Fairclough (2001), com o objetivo de

especificar o que outros textos estão delineando na constituição do texto que está sendo

analisado, e como isso ocorre.

2 Intertextualidade e Interdiscursividade

Para Fairclough (2001), as mudanças na prática social são inicialmente marcadas no

plano da linguagem pelas mudanças no sistema de gêneros discursivos2. Uma sociedade

possui uma configuração particular de gêneros com relações particulares entre eles,

constituindo um sistema. Devido às transformações naturais que ocorrem na sociedade, acaba-

se alterando as relações entre os gêneros, e conseqüentemente, o seu sistema.

Essas relações, na Teoria Social do Discurso, podem ser denominadas intertextuais

ou interdiscursivas. Na perspectiva da prática discursiva, a análise intertextual é uma análise

de textos em que gêneros e discursos são combinados na produção e no consumo de textos, e

esses transformam e encaixam outros textos que estão em cadeias de relações com eles.

O termo ‘intertextualidade’, segundo Fairclough (2001, p. 133), foi cunhado por Julia

Kristeva no final dos anos 1960 com base nos trabalhos de Bakhtin. Embora Bakhtin não use

o termo ‘intertextualidade’, o desenvolvimento de uma abordagem intertextual era tema de

destaque no seu trabalho e estava diretamente ligado às questões de gênero. Segundo Bakhtin

(2000, p. 308), cada enunciado “é um elo na cadeia da comunicação”. Os enunciados ou os

textos são constituídos por elementos de outros textos, inerentemente intertextuais, pois todos

os enunciados são ‘povoados’, preenchidos com palavras de outros, que podem se apresentar

mais ou menos explícitos ou completos.

Fairclough (2001, p.114) define intertextualidade como “a propriedade que têm os

textos de ser cheios de fragmentos de outros textos, que podem ser delimitados explicitamente

ou mesclados e que o texto pode assimilar, contradizer, ecoar ironicamente, e assim por

diante”. Dessa forma, os textos podem transformar textos anteriores e reestruturar as

2 Bakhtin (2000) define gêneros do discurso como sendo “tipos relativamente estáveis de enunciados”, que se caracterizam por seu conteúdo temático, unidade composicional e estilo.

Page 3: Este estudo tem como proposta analisar as marcas de ...brenobrito.com/...Intertextualidade_na_Publicidade-Breno_Brito.pdf · Kristeva no final dos anos 1960 com base nos trabalhos

3

convenções existentes (gêneros, discursos) para produzir novos textos. Mas essa

produtividade na prática é socialmente limitada e condicional às relações de poder. Nesse

sentido, a teoria da intertextualidade não pode explicar essas limitações sociais, e assim ela

precisa ser combinada com uma teoria de relações de poder e de como elas moldam estruturas

e práticas sociais, e são, por sua vez, moldadas por elas.

Fairclough busca na teoria de discurso de Foucault a explicação para a relação entre

discurso e poder. A intertextualidade é um elemento significativo na Análise de Discurso.

Foucault (1972, p.98, apud FAIRCLOUGH, 2001, p.133) afirma que “não pode haver

enunciado que de uma maneira ou de outra não reatualize outros”. Pode-se destacar o modo

como os textos e enunciados são moldados por textos anteriores aos quais eles ‘respondem’ e

por textos subseqüentes que eles ‘antecipam’. Pois os textos sempre recorrem a outros textos

contemporâneos ou historicamente anteriores e os transformam. Apesar da sua visão

constitutiva do discurso, Foucault não inclui na sua teoria a análise discursiva e lingüística dos

textos.

Fairclough também faz alusão à distinção usada pelos analistas de discurso franceses

entre as relações intertextuais de textos com outros textos específicos e as relações

intertextuais de textos com as convenções: a intertextualidade “manifesta” oposta à

intertextualidade “constitutiva”. Para se referir à intertextualidade constitutiva Fairclough

introduz o termo “interdiscursividade”.

A intertextualidade manifesta é o caso em que se ocorre explicitamente a outros textos específicos em um texto, enquanto interdiscursividade é uma questão de como um discurso é constituído de uma combinação de elementos de ordens de discurso. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 152)

Ou seja, na intertextualidade manifesta outros textos estão explicitamente marcados

por aspectos na superfície do texto, como as aspas, enquanto que na intertextualidade

constitutiva (interdiscursividade), um texto pode incorporar outro texto, sem que o último

esteja explicitamente apresentado; ou melhor, é a configuração de convenções discursivas que

entram em sua produção.

Vejamos a seguir um maior detalhamento desta distinção.

2.1 Intertextualidade manifesta

Como vimos, na intertextualidade manifesta outros textos estão expressamente

presentes no texto sob análise: eles estão “manifestamente” marcados ou sugeridos na

Page 4: Este estudo tem como proposta analisar as marcas de ...brenobrito.com/...Intertextualidade_na_Publicidade-Breno_Brito.pdf · Kristeva no final dos anos 1960 com base nos trabalhos

4

superfície do texto. Fairclough discute a intertextualidade manifesta em relação a cinco

aspectos:

1) Representação de discurso: o autor usa o termo “representação do discurso” em

lugar do termo tradicional “discurso relatado”. Existe uma relação dinâmica entre as vozes do

discurso representado e representador. Os limites entre o discurso representador e

representado e a extensão em que o discurso representado é trazido na voz do discurso

representador é parcialmente uma questão de escolha entre representação direta ou indireta do

discurso. A representação direta reproduz as palavras exatas usadas no discurso representado.

Geralmente é marcada por aspas. O discurso indireto, ao contrário, é ambivalente: não se pode

ter certeza que as palavras do original são reproduzidas ou não. Nesse caso, a escolha do

verbo representador, ou o verbo do “ato da fala” é sempre significativa. É comum o uso de

verbos como ‘disse’, ‘falou’, ‘alertou’, ‘assinalou’, que marcam a força ilocucionária do

discurso representado, o que é uma questão de impor uma interpretação para o discurso

representado.

2) Pressuposição: são proposições tomadas pelo produtor do texto como já

estabelecidas ou “dadas”. Verbos como ‘esquecer’, ‘lamentar’ e ‘perceber’ marcam

pressuposições. Por exemplo: “Eu esqueci que ele tinha viajado novamente” pressupõe que a

pessoa já tinha viajado outra vez. Artigos definidos também indicam proposições que têm

significados “existenciais”. Por exemplo: “a crise norte-americana” pressupõe que há uma

crise norte-americana.

3) Negação: contesta ou rejeita outros textos. Ao dizermos, por exemplo, “nosso

entendimento é de que a crise não afetará o Brasil” pressupõe que em algum outro texto existe

alguém afirmado que a crise afetará o Brasil. Portanto, as frases negativas carregam tipos

especiais de pressuposição que também funcionam intertextualmente.

4) Metadiscurso: possibilita o controle dos diferentes discursos dentro do texto. Há

várias formas de se conseguir isso, como o uso de expressões evasivas (espécie de, tipo de), o

uso de paráfrase ou a reformulação de uma expressão. O metadiscurso implica que o falante

esteja situado acima ou fora de seu próprio discurso e esteja em uma posição de controlá-lo e

manipulá-lo.

5) Ironia: acontece quando um enunciado ecoa outro enunciado, havendo uma

disparidade entre o significado a que se dá voz e a função real do enunciado que foi ecoado.

Para o reconhecimento da ironia é necessário que os intérpretes sejam capazes de reconhecer

que o significado de um texto ecoado não é o significado do produtor do texto.

Page 5: Este estudo tem como proposta analisar as marcas de ...brenobrito.com/...Intertextualidade_na_Publicidade-Breno_Brito.pdf · Kristeva no final dos anos 1960 com base nos trabalhos

5

2.2 Interdiscursividade

A intertextualidade constitutiva ou interdiscursividade de um texto pode ser

considerada como a incorporação das relações complexas que tem com as convenções

(gêneros, discursos, estilos, tipos de atividades) que estão estruturadas juntas e constituem

uma ordem de discurso. A interdiscursividade estende a intertextualidade em direção à ordem

de discurso, que tem primazia sobre os tipos particulares de discurso, que são constituídos

como configurações de elementos diversos de ordens de discurso (FAIRCLOUGH, 2001). A

interdiscursividade se aplica a vários níveis: a ordem de discurso societária, a ordem de

discurso institucional, o tipo de discurso, e mesmo os elementos que constituem os discursos,

como por exemplo: o discurso pedagógico, o discurso jornalístico e o discurso acadêmico.

A ordem de discurso institucional tem uma configuração particular de gêneros em

relações particulares uns com os outros, constituindo um sistema. Essa configuração de

gêneros caracteriza a interdiscursividade. Além disso, a configuração e o sistema estão

abertos à mudança, para serem redesenhados à medida que as ordens de discurso são

desarticuladas e rearticuladas em novas ordens. Isso pode afetar apenas a ordem de discurso

‘local’ de uma instituição, ou pode transcender a instituição e afetar a ordem de discurso

societária.

3 A presença da intertextualidade na publicidade

A publicidade é caracterizada por adquirir vários e importantes aspectos pertencentes

ao discurso. Sua função de linguagem é de ordem comunicacional, já que o locutor procura

agir sobre o outro (a sociedade), a fim de persuadir o público-alvo a consumir um produto, um

serviço ou até mesmo uma idéia.

O discurso publicitário se torna, portanto, um dos instrumentos de controle social e,

para bem realizar essa função, simula igualitarismo, remove da estrutura da superfície os

indicadores de autoridade e poder, substituindo-os pela linguagem da sedução com o objetivo

de produzir o consumo (Carvalho, 1996).

O discurso está presente na publicidade como retórica argumentativa persuasiva e

manipuladora sob a forma textual e lingüística, produzido, distribuído e consumido através de

um contexto, sendo constituído através do uso de materiais socioculturais, e cuja produção de

sentido se faz através de um senso comum compartilhado, ou seja, cognoscível entre as partes.

Page 6: Este estudo tem como proposta analisar as marcas de ...brenobrito.com/...Intertextualidade_na_Publicidade-Breno_Brito.pdf · Kristeva no final dos anos 1960 com base nos trabalhos

6

Esses materiais socioculturais de conhecimento geral, sejam populares ou eruditos,

são utilizados como pontos de partida para a criação das peças de propaganda, aparecendo sob

a forma de citação explícita ou implícita, o que nos leva ao conceito de intertextualidade de

Fairclough. Ou seja: encontramos no discurso publicitário textos cheios de fragmentos de

outros textos, que dialogam entre si. A trama de todo texto é, portanto, tecida com elementos

de outros textos, revelando nesse cruzamento as posições ideológicas de seu enunciador. E, de

acordo com Fairclough (2001) essa tessitura pode ser obtida por meio da representação do

discurso, pressuposição, negação, metadiscurso ou ironia.

No anúncio da Hyundai para seu automóvel Azera (figura 1) a intertextualidade é

manifestada através da representação de discurso. A chamada do anúncio diz “Hyundai

Azera. Sucesso de público e de crítica”. A seguir, é exposta uma série de citações que

destacam pontos positivos do automóvel. Todas as citações são marcadas por aspas e foram

retiradas da revista AutoEsporte. O criativo fez questão de destacar a fonte, identificando-a

logo abaixo das citações e mostrando a logomarca da referida revista em destaque no início do

texto. Além disso, parte das páginas da revista foi inserida no anúncio, destacando a foto do

carro e o título da reportagem. Nesse caso a representação do discurso se deu de forma direta,

pois as frases entre aspas fazem crer que elas foram colocadas no anúncio da mesma forma

em que foram publicadas na revista. Vale ressaltar que o criativo não optou por reproduzir um

discurso qualquer, mas sim um discurso de uma revista que é autoridade no assunto.

A intertextualidade marcada pela representação de discurso é comum na publicidade,

principalmente de automóveis, pois transfere a responsabilidade do que é dito a outra pessoa,

geralmente com respaldo para falar do assunto. Esse recurso agrega valor ao produto e

estimula a confiança do consumidor, visto que quem fala bem do produto não é a própria

empresa que o fabrica (o que poderia se tornar suspeito), mas sim uma revista (ou

especialista) que, pelo menos teoricamente, analisa o produto de forma técnica e

independente, sem interferência do fabricante.

Já no anúncio da Sabesp (figura 2) a intertextualidade se dá através do metadiscurso.

O texto “Se não existisse a Sabesp, 9 entre 10 estrelas do cinema não tomariam banho” é uma

paráfrase do famoso slogan usado pelos sabonetes Lever na década de 1940: “Usado por 9

entre 10 estrelas do cinema” (figura 3).

Há casos em que a paráfrase resulta não apenas de uma citação no campo verbal e se

instaura também no plano visual, como no anúncio da agência de propaganda BorghierhLowe

(figura 4). O anúncio dialoga com os cartazes da campanha presidencial do candidato Barack

Obama (figura 5), atual presidente dos Estados Unidos. A imagem dos proprietários da

Page 7: Este estudo tem como proposta analisar as marcas de ...brenobrito.com/...Intertextualidade_na_Publicidade-Breno_Brito.pdf · Kristeva no final dos anos 1960 com base nos trabalhos

7

agência possui o mesmo efeito visual das fotos de Obama nos cartazes: o rosto desenhado

com traços vetoriais em cores que lembram a bandeira norte-americana. No anúncio da

agência há ainda a presença da expressão “Yes, we can” numa clara alusão ao “bordão”

freqüentemente utilizado por Barack Obama em seus discursos quando candidato.

Encontramos também presença de intertextualidade nos anúncios publicitários em

forma de ironia. Como vimos, a ironia acontece quando um enunciado ecoa outro enunciado,

havendo uma disparidade entre o significado a que se dá voz e a função real do enunciado que

foi ecoado. Exemplo é o anúncio do motel Garden (figura 6), que traz a chamada “Tá certo

secretário, a gente vai mais cedo pra cama”. O anúncio ecoa o enunciado do secretário de

segurança do Piauí, Robert Rios, que no ano de 2005 adotou uma resolução denominada “Boa

Noite Teresina”, a qual determina que os bares, boates (e similares) de Teresina devem

encerrar suas atividades até as 2 horas da manhã. Tal medida ganhou grande repercussão na

mídia local, sendo alvo de polêmica e protesto de pessoas que não se agradaram com a idéia

de “ir mais cedo para casa”. O texto do anúncio surpreende por ir contra os protestos e aceitar

a idéia proposta pelo secretário de segurança. Entretanto, é claro o tom de sarcasmo do texto,

que na verdade não incita as pessoas irem para casa após o horário estipulado pela resolução,

e sim convida as pessoas para irem para o motel.

Conforme ressalta Fairclough (2001), para o reconhecimento da ironia é necessário

que os intérpretes sejam capazes de reconhecer que há um texto ecoado e identificar as

diferentes noções de sentido entre eles. Nesse caso, o reconhecimento da ironia se dá pela

falta de combinação entre o significado aparente e o contexto situacional. Uma pessoa que

venha de outro estado, ou outra cidade, e que não conheça a resolução adotada em Teresina,

certamente não conseguirá entender a ironia, ocasionando um anulamento da compreensão da

intertextualidade, e conseqüentemente impossibilitando a construção de sentidos do anúncio.

No último anúncio analisado neste momento, encontramos intertextualidade

manifesta em relação à negação. O outdoor do Serviço de Saneamento Ambiental de Santo

André – SEMASA (figura 7) alerta sobre o uso consciente da água. A peça mostra uma

criança de olhos arregalados diante de uma escova de dente e um conta-gotas liberando um

pingo d'água para molhar a escova. A frase diz: "Para economizar água você não precisa

exagerar. Basta um pingo de bom senso". Essa primeira oração negativa pressupõe a

proposição, em algum outro texto, de que para se economizar água é preciso exagerar, fazer

sacrifícios, e, conseqüentemente, abrir mão do conforto. Portanto, as frases negativas também

funcionam intertextualmente, incorporando outros textos para contestá-los ou rejeitá-los.

Page 8: Este estudo tem como proposta analisar as marcas de ...brenobrito.com/...Intertextualidade_na_Publicidade-Breno_Brito.pdf · Kristeva no final dos anos 1960 com base nos trabalhos

8

Neste estudo, não apresentamos exemplos de intertextualidade constitutiva

(interdiscursividade) presente em anúncios publicitário, pois compartilhamos do pensamento

de Tavares (2006) que entende que “a intertextualidade constitutiva é a própria essência

narrativa publicitária, através do uso das palavras e o seu artifício lingüístico de produção

dirigido ao consumo como estratégia social de pertencimento, aceitação e valorização.” Para

Magalhães (2005) o gênero discursivo anúncio publicitário é caracterizado pela heterogeneidade

semiótica, mesclando cores, linguagens (oral, escrito, visual) e estabelecendo uma

interdiscursividade (descrição, com os preços dos produtos, e depoimentos). Segundo a autora, “a

publicidade explora a interdiscursividade para ocultar a venda da imagem dos produtos”. Ou seja,

a interdiscursividade é parte integrante do mecanismo publicitário, que auxilia no processo de

persuasão, camuflando as intenções de poder e convencimento do anúncio.

4 Considerações Finais

A análise da intertextualidade na publicidade nos mostra que o gênero anúncio

publicitário apóia-se freqüentemente em outros enunciados diversos para realizar seu

propósito comunicativo.

Como o propósito comunicativo da publicidade é influenciar um público definido, a

presença da intertextualidade se torna um recurso que ajuda na assimilação da mensagem que

o anúncio deseja transmitir, mostrando ao leitor o que ele de certa forma já conhece, embora

haja um trabalho para “vestir” esse conhecimento já apreendido que é a própria finalidade do

ato criativo publicitário.

Assim, ao resgatar discursos anteriores, por meio da intertextualidade, atualizando-o

com um novo sentido que, no entanto não prescinde daquele que lhe deu origem, a

publicidade se soma a outros produtos mediáticos que, inegavelmente, vão tecendo a trama

das identidades culturais.

5 Referências

CARVALHO, N. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 2003.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

FAIRCLOUGH, Norman. Language and Power. 2. ed. London: Pearson/Longman, 2001.

Page 9: Este estudo tem como proposta analisar as marcas de ...brenobrito.com/...Intertextualidade_na_Publicidade-Breno_Brito.pdf · Kristeva no final dos anos 1960 com base nos trabalhos

9

__________. Discurso e mudança social. Org., revisão da trad., prefácio à ed. bras. I. Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

MAGALHÃES, Izabel. Análise do discurso publicitário. Revista da Abralin, v. 1, n. 1-2, 2005. Disponível em < http://www.abralin.org/revista/RV4N1_2/RV4N1_2_art8.pdf> Acesso em 31/01/2009.

TAVARES, Fred. Publicidade e consumo: a perspectiva discursiva. Revista Comum. Rio de Janeiro: v. 11, p. 117-143, 2006.

6 Figuras

Figura 1

Page 10: Este estudo tem como proposta analisar as marcas de ...brenobrito.com/...Intertextualidade_na_Publicidade-Breno_Brito.pdf · Kristeva no final dos anos 1960 com base nos trabalhos

10

Figura 2 Figura 3

Figura 4 Figura 5

Page 11: Este estudo tem como proposta analisar as marcas de ...brenobrito.com/...Intertextualidade_na_Publicidade-Breno_Brito.pdf · Kristeva no final dos anos 1960 com base nos trabalhos

11

Figura 6

Figura 7

7 Créditos

Figura 1 – Hyundai: Revista Veja, 16 de abril de 2008.

Figura 2 – Sabesp: Revista Propaganda, 1986.

Figura 3 – Lever: Disponível em: <http://www.unilever.com.br/ourcompany/aboutunilever/ historia_das_marcas/lux/lux_anunciosimpressos.asp>

Figura 4 – BorghierhLowe: Revista Meio & Mensagem, 19 de janeiro de 2009.

Figura 5 – Cartaz da campanha presidencial de Barack Obama: Disponível em: < http://www. mudepraagosto.com.br/?p=781>

Figura 6 – Garden: Jornal Diário do Povo, 2005.

Figura 7 – Semasa: Disponível em: < http://www. meioemensagem.com.br>