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ESTADO DE GOIÁS MINISTÉRIO PÚBLICO EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE LUZIÂNIA- GO. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por intermédio da 3ª Promotoria de Justiça – Curadoria do Meio Ambiente – desta Comarca, com fundamento nos art. 129, inciso III e art. 225, ambos da Constituição Federal; art. 117, inciso III, § 3º, da Constituição do Estado de Goiás, art. 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei Federal nº 8.625/93 (LONMP), art. 46, inciso VI, alínea “a”, da Lei Complementar Estadual nº 25/98 (LOEMP), nas Leis Federais de nº 9.605/98 (LCAmb), nº 8.078/90 (CDC), nº 6.938/81 (Lei que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente), nº 7.347/85 (LACP), nº 4.471/65 (Código Florestal), nas Leis Estaduais de nº 8.544/78, nº 12.596/95, na Lei Municipal de nº 2.221/98, nas Resoluções Conama nº 001/86, 009/90, 010/90 e demais dispositivos aplicáveis à espécie, vem, respeitosamente, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA (com pedido liminar) contra o MUNICÍPIO DE LUZIÂNIA, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Praça Nirson Carneiro Lobo nº 34, Centro, Luziânia-GO, e ODILON AIRES CAVALCANTE, brasileiro, inscrita no CNPJ sob o nº 48.540.421/0001- 31 e estabelecida na rua Deputado Vicente Penido, nº 25, Vila Maria, São Paulo-SP, com base nos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos. 1

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ESTADO DE GOIÁS MINISTÉRIO PÚBLICO

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA 2ª VARA

CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE LUZIÂNIA- GO.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por

intermédio da 3ª Promotoria de Justiça – Curadoria do Meio Ambiente – desta Comarca, com

fundamento nos art. 129, inciso III e art. 225, ambos da Constituição Federal; art. 117, inciso

III, § 3º, da Constituição do Estado de Goiás, art. 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei Federal nº

8.625/93 (LONMP), art. 46, inciso VI, alínea “a”, da Lei Complementar Estadual nº 25/98

(LOEMP), nas Leis Federais de nº 9.605/98 (LCAmb), nº 8.078/90 (CDC), nº 6.938/81 (Lei

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente), nº 7.347/85 (LACP), nº 4.471/65

(Código Florestal), nas Leis Estaduais de nº 8.544/78, nº 12.596/95, na Lei Municipal de nº

2.221/98, nas Resoluções Conama nº 001/86, 009/90, 010/90 e demais dispositivos aplicáveis

à espécie, vem, respeitosamente, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

(com pedido liminar)

contra o MUNICÍPIO DE LUZIÂNIA, pessoa jurídica de direito público interno, com sede

na Praça Nirson Carneiro Lobo nº 34, Centro, Luziânia-GO, e

ODILON AIRES CAVALCANTE, brasileiro, inscrita no CNPJ sob o nº 48.540.421/0001-

31 e estabelecida na rua Deputado Vicente Penido, nº 25, Vila Maria, São Paulo-SP, com base

nos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos.

1

ESTADO DE GOIÁS MINISTÉRIO PÚBLICO

A presente ação tem por objeto impedir a continuidade dos danos

ambientais ocorrentes na Fazenda Águas Claras, zona rural, Luziânia-GO, em desobediência à

Constituição Federal e às normas legais e regulamentares sobre o licenciamento, bem como

visa a recuperação da área degrada.

DA LEGITIMIDADE DO AUTOR PARA ATUAR

NA PRESENTE DEMANDA

O Ministério Público do Estado de Goiás, legitima-se pelas

determinações contidas nos artigos 127 e 129 - III e 225 da Constituição Federal, no artigo 5º-

III – e, VII – c e XIV – d da Lei Complementar nº 75/93, bem assim no artigo 117 – III - § 3º

da Constituição do Estado de Goiás, artigo 25 – IV - a da Lei Federal nº 8.625/93 (LONMP) e

artigo 46 – VI - a da Lei Complementar Estadual nº 25/98 (LOEMP).

DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE REGEM A MATÉRIA

A Constituição Federal dispõe que:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

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II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

..............................................................................................................

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

..............................................................................................................

VII - proteger a fauna e a flora (...).

..............................................................................................................

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados" (ênfases acrescidas).

1. Dos Fatos

Consta das peças anexas que instruem e integram a presente demanda que aos 28 de

agosto de 2002, às 17h50min., na Fazenda Águas Claras, Luziânia-GO, o Sr. Odilon Aires

Cavalcante, proprietário do imóvel, foi autuado em razão de ter destruído e danificado floresta

considerada de preservação permanente com infringência das normas de proteção (auto de

infração nº 000022).

Na oportunidade, foi aplicada uma multa de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil) reais e

apreendido um trator de esteira AD7B, utilizado como instrumento para a consecução dos atos

ilícitos. Os fiscais ambientais, em relatório de vistoria, instruído com diversas fotos aptas a

caracterizar os danos ambientais, assim se manifestaram:

“Aos vinte e oito do mês de agosto de dois mil e dois, constatou-se um

Desmatamento na Fazenda Águas Claras.

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Conforme fotos anexo (sic), o trabalho estava se realizando no momento em que

procedia-se o reconhecimento da área desmatada que corresponde

aproximadamente (pra mais ou pra menos) 50 hectares.

Nenhuma licença para a atividade fora apresentada, motivando a infração e o

embargo da atividade.

Justifica-se a advertência a medida que existe ainda um remanescente de vegetação

na propriedade, e que em virtude da exploração realizada deve enquadrar-se na

Legislação Ambiental.”(doc. anexo).

Instaurado o devido processo administrativo, em conformidade com o disposto no art.

70, parágrafo 4º, da Lei nº 9.605/98, o réu Odilon Aires Cavalcante apresentou sua defesa,

limitando-se a arguir aspectos meramente formais, ou seja, não contestou a existência dos

danos ambientais perpetrados.

Encaminhado, em seguida, o processo administrativo à Procuradoria-Geral do

Município para análise e parecer, estranhamente, e de forma censurável -- devido às razões

infundadas --, opinou-se pelo “acolhimento da Defesa apresentada tornando nulos de pleno

direito os autos de Infração juntados às fls. 01 e 02, dos autos, em face das irregularidades e

ilegalidades praticadas”, o qual foi desacertadamente acatado pelo prefeito municipal que

assim decidiu:

“Vistos, etc.,

Acolho o parecer da Procuradoria.

Em face das irregularidades existentes nos Autos de Infração de fls. 01 e 02 declaro

nulos os referidos atos administrativos.

Determino à Secretaria de Desenvolvimento que designe um topógrafo para proceder

o levantamento da área desmatada e apresentar relatório circustanciado informando

a exata área que foi objeto de desmatamento, bem como a espécie de vegetação ali

existente, a fim de que se possa tomar providências quanto a possível infração

ambiental.

Gabinete do Prefeito Municipal de Luziânia, aos 24 dias do mês de setembro de

2002”.

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Ao proceder dessa forma, querendo dar ares de legalidade a sua decisão, determinou

diligências descabidas e inoportunas, posto que ao anular o auto de infração, decidiu-se, por

força irresistível dos raciocínio lógicos, pela extinção do processo administrativo, cuja

instauração teve como razão de ser e primeira a lavratura do auto de infração.

Em verdade, ao anular o auto de infração e por fim ao processo administrativo, aqueles

que assim procederam deixaram de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental, bem

como obstaram e dificultaram a ação fiscalizadora do próprio poder público no trato questões

ambientais.

Ante a escancarada inércia do poder público municipal, o Ministério Público

requisitou a elaboração de vistoria no local objeto do auto de infração, a fim de constatar a

veracidade e idoneidade da ação dos fiscais, o que, frise-se, foi efetivamente confirmado.

Instados, portanto, a produzir laudo sobre danos ambientais na Fazenda Águas Claras,

o Perito Ambiental e a Assessora Jurídica do CAO de Defesa do Meio Ambiente do

Ministério Público, depois de realizada vistoria técnica in locu, pelo primeiro, elaboraram no

dia três (03) de outubro de 2002, LAUDO TÉCNICO circunstanciado e pormenorizado

contendo 12 (doze) laudas e memorial fotográfico com 15 figuras enumeradas.

Constatada a voracidade da degradação ambiental (v.g. desmatamento e construção de

lagoa sem licença) assim discorreram:

“Na vistoria técnica pode-se observar, além do desmatamento, outra ação

predatória promovida pelo proprietário da referida fazenda, a construção de um

lago ao lado da sede.

2.DOS DANOS AMBIENTAIS

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Os danos ambientais observados no local são descritos a seguir:

3.1 Da construção do Lago

Na vistoria técnica realizada na Fazenda Águas Claras, pode-se observar a

existência de um lago artificial ao lado da sede, construído recentemente e,

conforme informação do Fiscal Ambiental Sr. Marizon Batista de Oliveira

Barreiros1, a mesma foi realizada sem a devida licença ambiental.

A sede da fazenda está localizada sobre as coordenadas 16º43’793”S e

48º09’383”W, e suas benfeitorias chegam bem próximo à margem do lago (Fig.

01) e neste trecho não preservou-se nada da vegetação nativa.

Há fartos indícios de que o referido lago teve sua construção em um passado

muito recente, como uma grande quantidade de árvores mortas na cabeceira do

lago (coordenadas 16º43’755” S e 48º09’347”, Fig. 02), o que evidencia que esta

região não era alagada e que o foi recentemente.

Outro indício da recente construção do lago é observado nas margens do mesmo.

Às margens da cabeceira, vê-se claramente indícios de desmatamento recente, com

troncos cortados, tocos, e uma rebrota intensa de arbustos. Toda margem

esquerda do lago está desprovida de vegetação arbórea, tendo apenas gramíneas,

herbáceas e sub-arbustos. Tratava-se de uma área de transição entre mata ciliar e

cerrado, pelas espécies observadas em rebrota: Matayba guianensis, Dipteryx alata

(baru), Zeyera montana (bolsa-de-pastor), Caryocar brasiliense Camb. (piqui),

Xylopia aromatica (Lam.) Mart. (pimenta-de-macaco), Erythroxillum suberosum,

Pseudobombax spp. entre outras).

A jusante do lago, na margem direita, preservou-se um trecho da vegetação nativa

(Figs 03 e 04), mas eliminou-a à margem do lago, construindo-se em seu lugar uma

estrada (Fig. 04).

1 Agência Ambiental de Goiás, convênio com Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, da Prefeitura Municipal de Luziânia

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A água do lago escorre por tubulação por baixo da estrada que o limita a jusante,

construída para tal fim, e abaixo desta há indícios de desmatamento recente, com

troncos, galhos, solo removido, e instalação de uma bomba d’água (Fig. 05).

3.2 Do desmatamento para formação de novas pastagens

A área desmatada, e que foi o motivo desta vistoria técnica, está parcialmente

delimitada por cerca de arame, tendo partes fazendo limites com pastagem

desprovidas de cerca.

A figura 06 mostra a área que o Perito Ambiental subscrito percorreu, desenhada a

partir dos pontos geográficos coletados com GPS, marca Garmin, modelo GPS II

plus. Em conseqüência da grande extensão da área desmatada, não foi possível

percorrê-la toda.

Para observação da área degradada partiu-se de um ponto onde há um poste de

madeira para cerca, em que a cerca tem forma de “T”, sobre as coordenadas

16º43’669”S e 48º08’610”W, este ponto será denominado ponto 1. A figura 07

ilustra a visão deste ponto em direção ao ponto 2.

O desmatamento segue, rente à cerca, deste ponto até o ponto 2, que está sobre as

coordenadas 16º43’367”S e 48º08’485”W (Fig. 08) e é o limite da área desmatada.

Daí o desmatamento segue em direção a leste.

Ao longo de todo este trecho (ponto 1 até ponto 2) existe grande quantidade de

vegetação removida, seca e alinhada, podendo-se observar folhas secas aderidas

aos ramos das árvores removidas – evidenciando sua recente remoção! (Figs 08,

09, 10 e 11).

A figura 09 em sua metade esquerda mostra uma vegetação de cerrado baixo, com

vegetação densa e cerca de 2,5-3m altura, enquanto na sua metade direita pode-se

observar a área desmatada com algumas árvores de maior porte preservadas, que

servem como testemunho da formação vegetacional do local.

A figura 11 (coordenadas 16º43’611”S e 48º08’307”W) mostra em segundo plano a

mata onde há uma nascente. O desmatamento chegou muito próximo desta

nascente, cerca de 10m, desrespeitando a legislação que determina um “raio

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mínimo de 50 (cinquenta) metros” (Lei 4771/65, art. 2º). A figura 12 mostra a

nascente, a mesma está sobre as coordenadas 16º43’621”S e 481º08’242”W).

Esta área encontra-se cercada com arame, e em seu interior foram observados

vários troncos cortados (a figura 13 ilustra um destes), além de um número muito

grande de troncos secos derrubados, indicando ação antrópica recente (em interior

de floresta úmida a ação de organismos saprófitos é intensa, levando a uma rápida

decomposição da matéria morta, não permitindo, portanto, o acúmulo de grande

quantidade de troncos como se pode observar no local).

A figura 14 mostra a floresta ciliar remanescente, limitada em parte por pastagens,

área recentemente desmatada e plantação de cana. No interior desta floresta existe

um córrego (Fig. 15). Aqui a vegetação florestal possui cerca de 10 (dez) metros de

largura, novamente infringindo a legislação visto que a lei 4771/65, em seu art. 2º

estabelece “30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros

de largura”. A referida lei e artigo define esta vegetação como de preservação

permanente.

4. CARACTERIZAÇÃO DA FLORA LOCAL

A área da Fazenda Águas Claras está inserida no domínio cerrado, onde observa-

se uma predominância do bioma cerrado, apresentando também outras formações

vegetais, como florestas mesófilas de interflúvio e matas de galeria. Dentro do

bioma cerrado há predominância do cerrado sensu stricto, embora esteja presente

também áreas com campo cerrado e cerradão.

No local onde foi construído o lago a vegetação predominante é a Floresta

Mesofítica de Interflúvio, vegetação de solos bem drenados e um pouco mais ricos

em nutrientes que os solos do cerrado em geral (EITEN, 1994:36)2, ou , segundo a

classificação do IBGE3 Floresta Estacional Semidecidual (Floresta Tropical

Subcaducifólia).

2 EITEN, G. Vegetação do cerrado. In: PINTO, M.N. Cerrado: caracterização, ocupação e perspectivas. Brasília: Universidade de Brasília, 2ed, 1994.

3 FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Manual Técnico da Vegetação Brasileira. Série Manuais Técnicos em Geociências, 01. Rio de Janeiro, 1992.

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Na margem esquerda da cabeceira do lago, toda desmatada atualmente, observou-

se a rebrota de muitas espécies de cerradão, podendo-se, assim, afirmar que ali era

um ecótono4.

Pela diversidade de biomas, e suas variações, existe uma grande riqueza florística

na área. A tabela 1 ilustra uma pequena relação de espécies observadas no local.

Muitas espécies foram identificadas apenas até o nível de gênero por encontrarem-

se sem flores ou frutos (estruturas de identificação).

Tabela 1: Relação das espécies vegetais observadas no área desmatada e no seu entorno.

Nome científico Nome popularAegiphila lhotzkyana Cham.Alibertia sp MarmeloAnadenanthera macrocarpa (Benth.) Brenan

angico

Anacardium humile St. Hil.

Cajuzinho

Andira spAnnona coriacea Mart. AraticumAspidosperma tomentosum Mart.Bauhinia aff. nitida Benth.Bauhinia sp 2Bauhinia sp 3Byrsonima aff nitida Benth.Byrsonima crassaByrsonima sp 3Caryocar brasiliense Camb.

piqui

Cochlospermum regium Vog.Croton urucurana Baill. sangra-d’água Curatella americana L. lixeira Dalbergia spDavilla elliptica

4 Ecótono: transição entre duas formações vegetais, no caso a transição entre a floresta mesofítica de interflúvio e o cerradão.

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Didymopanax morototoniiDimorphandra mollis Benth.

barbatimão-folha-miúda

Dipteryx alata Vog. baru Duguetia furfuracea (St.Hill.) Benth & Hook f.Eriotheca sp.Erythroxylum suberosum St. Hill.Eugenia spGuazuma ulmifolia Lam. mutambo Kielmeyera coriacea Mart.

pau-santo

Machaerium acutifolium Vog.Matayba guianensis Miconia spOuratea spPouteria aff. torta (Mart.) Radlk.Psidium spPseudobombax spQualea grandiflora Mart. pau-terra Tabebuia sp 1 ipêTabebuia sp 2 ipê-roxo Terminalia spTocoyena spVirola sebifera Aubl. ucuúba-do-

cerradoVochysia thyrsoidea Pohl Gomeira Xylopia aromatica (Lam.) Mart.

pimenta-de-macaco

Zeyera montana Mart. bolsa-de-pastor

Esta diversidade de espécies realça a importância ecológica da área, tanto para a

preservação da flora quanto para a fauna, que obtém abrigo e alimento junto a

esta.

Outra questão que aumenta a gravidade do dado destrutivo dos dois

empreendimentos observados na Fazenda Águas Claras (construção da represa e

desmatamento) é que, na vistoria técnica realizada, não se observou outras áreas

com vegetação que pudesse compreender a reserva legal da propriedade – muito

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provavelmente esta área desmatada constituía a referida reserva.” (ênfases

acrescidas)

Por todo o exposto, resta inegável a existência dos danos ambientais e da

responsabilidade e repará-los

DA NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO EXARADO PELO PREFEITO

MUNICIPAL ANULANDO O AUTO DE INFRAÇÃO

A par da existência dos danos ambientais e da conseqüente responsabilidade de repará-

los, evidenciam-se, equívocos, irregularidades e deficiências na decisão do chefe do poder

público municipal que anulou o auto de infração.

Em sua defesa, o réu Odilon Aires Cavalcante, alegou, em síntese, que: o “mandado de

citação/notificação” não continha prazo para defesa, conforme preceitua o art. 225, VI, do

CPC; “lavratura do relatório de vistoria do auto posteriormente a verificação da suposta

infração”; valor elevado da multa (R$ 75.000,00) e ausência de motivação legal e fática para a

lavratura do laudo.

Esses desarrazoados argumentos foram acolhidos desacertadamente pela Procuradoria

Geral do Município, que desqualificou, ainda, a atuação da própria ação fiscalizatória.

Destarte, em sua parecer, o procurador do Município afirmou que o auto de infração

não estava dotada da “devida precisão e clareza”, nem especificou a vegetação existente.

Mais, asseverou que não foi justificada a “legalidade da elevada multa”. Por fim, assim

concluiu:

“A conclusão a que se chega é que houve um despreparo total na ação perpetrada

pelos intitulados fiscais ambientais, razão porque opina-se pelo acolhimento da Defesa

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apresentada tornando nulos de pleno direito os Autos de Infração juntados às fls. 01 e

02, dos autos, em face das irregularidades e ilegalidades praticadas”.

Ad primum, é preciso esdarecer, caso levássemos à sério a conclusão da procuradoria

municipal, que se despreparo houve, foi da própria Prefeito Municipal, que, por meio da

Portaria Municipal nº 195 de 18 de abril de 2002, que designou os fiscais – desqualificados

pela Procuradoria Municipal – para “exercerem as atribuições de fiscalização da área

ambiental da Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente –SAMA”.

Dessa maneira, a Procuradoria do Município está imputando fato desidioso ao

próprio chefe do poder executivo municipal, a quem deveria prestar assessoria jurídica.

Para sua sorte, contudo, os fiscais agiram com o devido denodo e retidão no exercício de

suas funções.

Os danos ambientais foram lavrados com correção e minuciosamente

confirmados pelo laudo técnico elaborado pela equipe do Ministério Público. Além disso,

a demonstrar a incorreção dos dizeres do Procurador do Município, um dos fiscais,

subscritor do laudo, Danil Correa Carvalho, é engenheiro agrônomo, com especialização

em fruticultura, gestão e manejo florestal.,

. A despeito da expressiva quantidade, vale mostrá-los ao Juízo, para uma melhor ponderação

acerca do objeto desta ação:

O Estado tem atribuição constitucional de defender o meio ambiente, entretanto não

apenas editando leis, mas cumprindo-a e fazendo que seja cumprida por todos, para tanto é

obrigação de todos e em especial do Poder Público preservar o meio ambiente para esta e as

futuras gerações, conforme art. 225, que em seu § 1º determina:

“§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:omissis...VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,

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provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (grifo nosso)”.

Neste mesmo artigo a Constituição de 1988 consagrou a responsabilização penal,

administrativa e civil daquele que degradou, provocou poluição visando a recomposição

ambiental, senão vejamos:

“§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (grifo nosso)”.

A legislação infraconstitucional pátria existente anteriormente à promulgação da Carta

Magna de 1988, que dispunha sobre meio ambiente, foi em grande parte recepcionada pala

Constituição, de tal forma que seus dispositivos estão em vigor, com plena eficácia, podendo

ser citada a Lei 4.771 de 1965, Código Florestal, que conceitua área de preservação

permanente em seu artigo 2º:

“Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

omissis...b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais

(grifo nosso)”.

Evidenciando-se a necessidade de estabelecer a plantação de espécimes da região no

local circundante das águas, independente de seu tamanho, se natural ou artificial, sendo que

qualquer tipo de vegetação existente esta deve ser preservada, neste caso o desmatamento não

observou as áreas de preservação permanente e ao implantar um lago não cuidou do replantio

em suas margens.

Segundo a vistoria constatou-se um grave dano provocado pelo empreendedor que ao

desmatar não observou nenhuma das determinações legislativas ambientais vigentes,

analisando primeiramente a questão do desmatamento próximo à nascente advinda da mata

(Fig.11), a legislação é clara quanto a esta área ser de preservação permanente, inexistindo

qualquer possibilidade de manejo ou destruição, conforme a alínea “c” do artigo acima:

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ESTADO DE GOIÁS MINISTÉRIO PÚBLICO

“Art. 2º. Omissis...omissis...c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura (grifo nosso)”.

A figura 14 mostra o que restou da mata ciliar do córrego, suprimida de forma

arbitrária ocorrendo a plantação de cana e pastagem florestal sem observância da Lei 4.771 de

1965, Código Florestal, que no mesmo artigo 2º em comento alínea “a”:

“a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja:

1) de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura”.

Conforme se depreende da vistoria realizada não se constatou a reserva florestal legal

exigida na legislação ambiental.

O Código Florestal, Lei 4.771/65, em análise exige que toda propriedade deve reservar

20% de sua cobertura vegetal com destinação de preservar as espécies e

espécimes locais, sendo denominada área florestal de reserva legal, de acordo

com o artigo abaixo transcrito:

Art. 16. As florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de utilização limitada e ressalvadas as de preservação permanente, previstas nos artigos 2º e 3º desta Lei, são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes restrições:

a) nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro Oeste, esta na parte sul, as derrubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada, a critério da autoridade competente;

omissis...§ 2º. A reserva legal, assim entendida a área de , no mínimo, 20% (vinte por cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área.

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ESTADO DE GOIÁS MINISTÉRIO PÚBLICO

A legislação protegeu especificamente as áreas de nascentes editando Lei 7.754/89,

que determina:

“Art. 2º Para os fins do disposto no artigo anterior, será constituída, nas nascentes dos rios, uma área em forma de paralelograma, denominada Paralelograma de Cobertura Florestal, na qual são vedadas a derrubada de árvores e qualquer forma de desmatamento.§ 1º Na hipótese em que, antes da vigência desta Lei, tenha

havido derrubada de árvores e desmatamento na área

integrada no Paralelograma de Cobertura Florestal, deverá

ser imediatamente efetuado o reflorestamento, com espécies

vegetais nativas da região”.

Conforme se constatou na vistoria in loco o desmatamento e a construção da represa

aconteceram de forma totalmente arbitrária e ilegal, pois necessário seria para tais atividades a

apresentação dos estudos ambientais pertinentes a cada um dos casos para análise do órgão

estadual competente visando prévio licenciamento ambiental, conforme se depreende da letra

da Lei 6.938/81 em seu art. 10:

“Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis”.

A Lei 12.596/95, Código Florestal do Estado de Goiás estabeleceu quanto ao

desmatamento a seguinte obrigatoriedade, vejamos:

“Art. 30 – As autorizações para desmatamento através de corte raso, para uso alternativo do solo em áreas de grande relevância ambiental, a juízo do órgão de controle ambiental competente, ou superiores a 500 ha (quinhentos hectares), em qualquer local do Estado, somente poderão ser concedidas depois de apresentados e aprovados tanto o Estudo de Impacto Ambiental quanto o respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, elaborados conforme dispuser o regulamento dessa lei”.

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O artigo 8º do Decreto 4.593/95, que regulamenta a Lei12.596/95, Código Florestal do

Estado de Goiás, determinou:

“Art. 8º - Qualquer exploração da vegetação nativa e formações sucessoras dependerá sempre da aprovação prévia do órgão de meio ambiente, bem como da adoção de técnicas de condução, exploração, reposição florestal e manejo sustentado compatíveis com o respectivo ecossistema.omissis...omissis§ 3º - O proprietário, arrendatário ou comodatário formalmente autorizado, para obter a aprovação prevista neste artigo, deverá formalizar processo junto ao órgão de meio ambiente competente, iniciado com pedido de vistoria da propriedade (grifo nosso)”.

A atividade realizada pelo proprietário do imóvel rural vistoriado é, conforme fatos e

fundamentos apresentados, passível de responsabilização penal, civil e administrativa.

O Auto de Infração lavrado no local do cometimento do desmatamento e da construção

da represa, conforme assinatura da Senhora Neusa Maria Lopes Cunha e da testemunha

Elisvan Machado Chagas, não respeitaram a legislação pátria em vigência no país, posto

inobservância da necessidade de prévia autorização do órgão estadual competente, ademais as

áreas de preservação permanente e a reserva legal deveriam, por força de lei, ser preservadas e

registrada a reserva na margem da escritura pública.

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4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Diante da exposição da realidade observada na Fazenda Águas Claras, ficam

evidenciadas as seguintes infrações, que caracterizam crime ambiental:

- desmatamento irregular de duas áreas:

- para construção do lago (fig. 04, coordenadas 16º43’970”S, 48º09’383”W);

- para formação de pastagens (fig 07, coordenadas 16º43’669”S, 48º08’610”W);

- destruição de vegetação de preservação permanente (fig. 12, coordenadas 16º43’611”S,

48º08’307”W – nascente – e fig. 15, coordenadas 16º43’781”S, 48º08’069”W - córrego);

- corte de árvores em área de preservação permanente (coordenadas 16º43’621”S,

48º08’244”W, fig. 12).

4.1 Recomendações

O proprietário deverá, a título de reparação dos crimes ambientais cometidos:

1) fazer a recomposição da vegetação no entorno do lago, com espécies da flora nativa, esta

recomposição, além de envolver todo o entorno do lago deverá ter área mínima igual à

destruída para construção do lago;

2) recompor a vegetação no entorno da nascente, a fim de se manter os 50 (cinqüenta) metros

exigidos pela legislação;

3) recompor a vegetação no entorno do córrego, a fim de se manter os 30 (trinta) metros

exigidos pela legislação;

4) isolamento, com cerca de arame, de toda área de preservação permanente (na nascente e

ao longo do córrego), nos limites com pastagem, para impedir o acesso do gado;

5) replantar com espécies nativas da flora local, a área degradada para formação de

pastagens;

6) apresentar o registro das áreas que constituem a Reserva Legal, a fim de se confirmar se as

mesmas constituem os 20% da propriedade conforme exige a Lei;

7) caso a Reserva Legal não tenha área igual ou superior a 20% fazer o reflorestamento,

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conforme a legislação, a fim de se garantir a área mínima exigida legalmente.

Somente após referida autuação, e sem apresentar qualquer Plano de

Recuperação da Área Degradada – PRAD, estudo de impacto ambiental ou Plano de Controle

Ambiental – PCA, etc. ao Município -- situação que perdura até o presente momento --, como

que confessando os delitos cometidos.

o desconsiderou sem demonstrar e provar – certamente sabedor da

impossibilidade – a legalidade e moralidade de seus atos.

5. Do Direito

Diz o art. 225, caput, da Constituição Federal:

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, impondo-se ao poder Público e à coletividade o

dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras

gerações.

Parágrafo Primeiro – Para assegurar a efetividade desse direito,

incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o

manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do

País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de

material genético;

(...)

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade

potencialmente causadora de significativa degradação do meio

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ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará

publicidade;

(...)

V – proteger a fauna e a flora (...)

(...)

Parágrafo 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio

ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções

penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar

os danos causados” (ênfases acrescidas).

A Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1.981, que dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, dispõe em seu artigo 3º e incisos, o que se segue:

"Art. 3º - Para fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e

interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e

rege a vida em todas as suas formas:

II - degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das

características do meio ambiente;

III - poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de

atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões

estabelecidos.

IV – poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou

privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade

causadora de degradação ambiental”. (grifamos).

No parágrafo 1º, do art. 14 da citada Lei está expresso:

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"Parágrafo 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas

neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência

de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente

e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da

União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de

responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio

ambiente." (grifamos).

A Lei Estadual nº 8.544, de 17 de outubro de 1.978, que dispõe sobre o

controle de poluição do meio ambiente, estabelece:

“Art. 2º. Considera-se poluição do meio ambiente a presença, o

lançamento ou liberação, nas águas, no ar, no solo, de toda e qualquer

forma de matéria ou energia, com intensidade, em quantidade de

concentração ou com características em desacordo com as que forem

estabelecidas em lei, ou que tornem ou possam tornar as águas, o ar

ou o solo:

I - impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde;

II - inconvenientes ao bem-estar público;

III - danosos aos materiais, à fauna e à flora;

IV - prejudiciais à segurança, ou uso e gozo da propriedade e às

atividades normais da comunidade

(...)”

A Lei Federal nº 4.771/65 (Código Florestal), por sua vez, estabelece

em seu art. 2º e 4º, com a modificação deste último dada pela Medida Provisória n º 2.166-67,

de 24 de agosto de 2001:

“Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito

desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

(...)

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c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos

d’água”, qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio

mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura;

d) no topo dos morros, montes, montanhas e serras;

e) nas encostas ou partes destas com declividade superior a 45º,

equivalente a 100% na linha de maior declive;

(...)

g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura

do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções

horizontais”.

Art. 4º. A supressão de vegetação em área de preservação permanente

somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de

interesse social, devidamente caracterizados e motivados em

procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa e

locacional ao empreendimento proposto.

Parágrafo Primeiro. A supressão de que trata o caput deste artigo

dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente,

com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal

de meio ambiente, ressalvado o disposto no art. 2º deste artigo. (ênfase

acrescida).

A vistoria realizada por técnico ambiental, in loco, quando da lavratura

do auto de interdição/embargo (fls. ), bem como o parecer da Secretaria de Agricultura e

Meio Ambiente do Município (fls. ) e os RELATÓRIOS da Comissão de Agricultura e Meio

Ambiente da Câmara dos Vereadores (fls. ) e do Conselho Municipal de Defesa do Meio

Ambiente – COMDEMA (fls. ), não deixam dúvidas quanto ao fato da área objeto da

presente quoestio ser considerada de preservação permanente.

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Da mesma forma, e em consonância com a legislação federal, a Lei

Estadual nº 12.596/95, em vários incisos de seu art. 5º, considera a área licenciada e objeto da

certidão de Uso do Solo, como de preservação permanente. E estabelece, ainda, em seu art. 3º:

Art. 3º“Atividades exercidas no Estado de Goiás que envolvam, direta

ou indiretamente, a utilização de recursos vegetais, somente serão

permitidas se não ameaçarem a manutenção da qualidade de vida, o

equilíbrio ecológico ou a preservação do patrimônio genético, sempre

que observados os seguintes princípios:

I – função social da propriedade;

II – preservação e conservação da biodiversidade;

III – compatibilização entre o desenvolvimento econômico-social e o

equilíbrio ambiental;

IV – uso sustentado dos recursos naturais renováveis”.

Os parágrafos art. 6º do mesmo diploma legal, expressamente dispõem

que:

“A utilização de vegetação de preservação permanente, ou das áreas

onde elas devem medrar, só será permitida nas seguintes hipóteses:

I – no caso de obras, atividades, planos e projetos de utilidade pública

ou interesse social, mediante aprovação de projeto específico pelo

órgão ambiental competente, precedida da apresentação de estudo de

avaliação de impacto ambiental;

II – na extração de espécimes isolados, mediante laudo de vistoria

técnica que comprove o risco ou perigo iminente, obstrução de vias

terrestres ou fluviais, ou que a extração se dará para fins específicos,

aprovados pelo órgão ambiental competente.

Parágrafo segundo: O licenciamento para exploração de áreas

consideradas de vocação minerária dependerá da aprovação prévia de

projeto técnico de recomposição da flora, com essências nativas locais

ou regionais, que complementará o projeto de recuperação da área

degradada, previsto no Decreto nº 97.632, de 10 de abril de 1989.

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Parágrafo terceiro: Para compensação das áreas superficiais

ocupadas com instalações ou servidões de atividades minerais, na

forma do parágrafo anterior, deverão ser prioritariamente

implantados, em locais vizinhos, projetos de florestamento e

reflorestamento, contemplando essências nativas locais ou regionais,

inclusive frutíferas”.

Diante desse amplo e significativo arcabouço legal, é fácil concluir pela

invalidação da licença e certidão do Uso do Solo expedidas, pois, como vimos, a área

licenciada e objeto da certidão de Uso do Solo é considerada de preservação permanente, e

não foi adotada, também, nenhuma técnica de condução, exploração, reposição florestal e

manejo sustentado compatíveis com o respectivo ecossistema.

Por outra banda, a ré Serveng Civilsan, empreiteira sócia da Corumbá

Concessões S.A., aproveitando que está no local para construir a Usina hidrelétrica, adquiriu

essa área, gananciosamente, em benefício próprio, posto que está fora da área de

empreendimento da UHE Corumbá IV, não se enquadrando a atividade exercida, dessa

forma, em quaisquer dos incisos autorizadores do art. 3º da Lei Estadual nº 12.596/95.

Não se trata, também, de caso de utilidade pública ou interesse

social.

Dessa maneira, faz-se mister que as medidas urgentes elencadas nessa

exordial sejam tomadas, evitando-se, assim, que danos maiores venham a ocorrer. Isso

porque, necessário se faz harmonizar o desenvolvimento sócio-econômico de uma região com

as atividades de proteção da qualidade do meio ambiente, controlando-se adequadamente a

poluição ambiental.

O meio ambiente é um patrimônio a ser necessariamente assegurado e

protegido. Além disso, toda a sociedade é prejudicada pela supressão dos recursos ambientais.

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A licença ambiental, se presta justamente, a controlar preventivamente

atividades que seja potencialmente causadoras de significativo impacto ambiental e a

assegurar a incolumidade do direito (difuso) ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

(cf. art. 10, caput, da Lei nº 6.938/81).

O devido processo legal ambiental impõe a observância de uma série

de princípios, dentre os quais, destaca-se o princípio da motivação (requisito de ordem formal

do ato).

A douta Procuradoria Municipal, por sua vez, não apresentou qualquer

justificação, fundamentação legal e fática acerca da desconsideração do parecer contrário da

Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente.

Ademais, apesar da evidente ausência de documentos indispensáveis,

não houve qualquer enunciação de razões técnicas, lógicas e jurídicas a justificar a

dispensa das exigências legais, de molde a legitimar a expedição da aludida licença e da

certidão do uso do solo inquinadas de nulidade.

A censurável ausência de motivação, vem, aqui,

justamente a dificultar a análise pelo Poder Judiciário dos fundamentos de fato e de direito da

licença ambiental e certidão de uso do solo outorgadas em cotejo com os princípios e normas

constitucionais e legais referentes ao meio ambiente, posto que, a licença e a certidão, nos

moldes em que foram expedidos, são manifestamente ilegais.

A ilegalidade é manifesta: a motivação diz respeito às formalidades do

ato, que integram o próprio ato.

“Constitui garantia de legalidade, que tanto diz respeito ao

interessado como a própria Administração Pública; a motivação é que

permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até

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mesmo pelos demais Poderes do Estado” (DI PIETRO, Maria Sylvia

Zanella. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2.000,

pág. 195).

3. Da necessidade da medida liminar

Em razão dos argumentos ora aduzidos, a concessão de medida liminar

é imprescindível para que se evitem danos e não acarrete maiores prejuízos ao meio ambiente

e à saúde da coletividade.

Visualiza-se, pois, pelo exposto, a urgência de solução da problemática

causada pela atividade exercida pela Serveng Civilsan S.A., estando presentes os requisitos

necessários para a concessão da medida pleiteada, quais sejam: fumus boni iuris, consistente

nos dispositivos fáticos e legais retro mencionados e o periculum in mora, presentes no

agravamento da situação e a ocorrência dos danos daí decorrentes, eis que a Serveng Civilsan

não tomou as medidas cabíveis para a supressão ou atenuação dos danos nocivos ao meio

ambiente, embora esteja em avançado processo de extração mineral na área.

A verossimilhança das alegações é visível e incontestável, conforme

fazem prova os pareceres da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente do Município e os

RELATÓRIOS -- todos adredemente reproduzidos -- da Comissão de Agricultura e Meio

Ambiente da Câmara dos Vereadores e do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente

- COMDEMA, datados estes últimos, respectivamente, de 07 de agosto de 2002 e 26 de

agosto de 2002.

Trata-se, ainda, como vimos, de um ponto turístico, e a área explorada é

considerada de preservação permanente.

A relevância do fundamento da demanda se encontra na franca

manifesta irreversibilidade do dano, como são, por excelência, os de natureza ambiental, bem

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como na incúria da empresa ré Serveng Civilsan de apresentar medidas mitigadoras do

impacto ambiental.

Uma singela análise do processo administrativo é por demais suficiente

para a concessão da medida liminar ora requerida, pois a desídia do Município de Luziânia, ao

postergar a juntada de documentos importantíssimos e indispensáveis, certamente trará danos

sociais e, sobretudo, ambientais, irreversíveis.

A degradação ambiental, como regra, é irreversível. Eventual

responsabilidade civil, especialmente quando se trata de mera indenização (não importa o

seu valor), é sempre insuficiente e de utilidade duvidosa.

A tônica, nesta matéria, é a prevenção. É a melhor, quando não a única

solução (v.g. como reparar o desaparecimento de uma espécie ?).

Assim, a mera potencialidade lesiva justifica a tomada de medidas a

evitar danos ao meio ambiente, mediante a aplicação do princípio da precaução.

Trata-se de princípio básico do Direito Ambiental, haja vista que os

objetivos deste são primordialmente preventivos. Por conseguinte, volta-se para momento

anterior à da consumação do dano – o do mero risco.

Tal princípio, também denominado princípio da prevenção, consta

expressamente do princípio 15 da “Conferência da Terra” (ECO 92) que assim estabelece:

“Com o fim de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar

amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades.

Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza

científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar

a adoção de mediadas eficazes em função dos custos para impedir a

degradação do meio ambiente”.

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Para finalizar, repisamos a obrigatoriedade da observância do princípio

da precaução, tendo em vista que o mesmo foi inscrito expressamente na legislação brasileira

por intermédio da “Conferência sobre Mudanças do Clima”, acordada pelo Brasil no âmbito

da Organização das Nações Unidas por ocasião da ECO 92, e ratificada pelo Congresso

Nacional via Decreto Legislativo 1, de 3 de fevereiro de 1.994.

A infração ao princípio da precaução, implica ofensa a um princípio

que constitui uma verdadeira viga mestra do ordenamento jurídico ambiental.

Violar princípios é mais danoso do que violar normas positivadas, pois,

ocupam posição de preeminência e “exercem função importantíssima dentro do ordenamento

jurídico-positivo, já que orientam, condicionam e iluminam a interpretação das normas

jurídicas em geral, aí incluídos os próprios mandamentos constitucionais” (CARRAZA,

Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 14ª ed. São Paulo: Ed.

Malheiros, pág. 36).

Ressalte-se que a utilização do meio ambiente, por ser patrimônio

público, prescinde de ato do Poder Público, a quem compete protegê-lo, segundo normas

legais e constitucionais.

No mais, cumpre ressaltar que a tarefa da defesa do meio ambiente

alcança níveis notáveis de eficiência quando desenvolvida de forma a prevenir a ocorrência do

dano.

O que deve prevalecer na análise e apreciação da liminar é o fato de

estarmos diante de interesses considerados como difusos, pertencentes a todos, onde a saúde,

a dignidade e a vida são a lei suprema que deve prevalecer e se sobrepor sobre qualquer

argumentação.

Daí a presença indelével do "fumus boni juris" e do "periculum in

mora", realçando que o primeiro materializa-se na demonstração inequívoca do direito

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alegado e o segundo na inocuidade da imediaticidade do pedido, uma vez que a situação

requer medidas rápidas e salvaguardoras.

4. Do Pedido

Ante o exposto, o Ministério Público requer:

(i) a concessão da LIMINAR, inaudita altera pars, nos termos do artigo 12 da Lei nº

7.347/85, consistente na SUSPENSÃO da Licença de nº 0009/2002 e da certidão do Uso do

Solo, as quais autorizaram a extração de “xisto” na Fazenda Corumbá (Serra da Canastra e

Canstrinha), zona rural, nesta cidade, pela Serveng Civilsan S.A. – Empresas Associadas de

Engenharia, sob pena de cominação de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil) reais;

(ii) a concessão da LIMINAR, inaudita altera pars, nos termos do artigo 12 da Lei nº

7.347/85, consistente em OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER ao Município de Luziânia para que

se abstenha de conceder a “Certidão do uso do Solo” e a “Licença para extração de substância

mineral”, as quais autorizaram a extração de “xisto” na Fazenda Corumbá (Serra da Canastra

e Canastrinha), zona rural, nesta cidade, pela Serveng Civilsan S.A. – Empresas Associadas

de Engenharia, sob pena de cominação de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil)

reais;

(iii) a concessão da LIMINAR, inaudita altera pars, nos termos do artigo 12 da Lei nº

7.347/85, consistente na OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER à Serveng Civilsan S.A. para que se

abstenha de realizar qualquer atividade de pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais na

Serra da Canastra e Canastrinha, sob pena de cominação de multa diária no valor de R$

5.000,00 (cinco mil) reais;

(iv) caso V.Exa. entenda desnecessário o deferimento da medida liminar, seja determinada à

empresa-ré, com fulcro no art. 805 do CPC, o depósito de caução real no valor mínimo de R$

5.000.000,00 (cinco milhões) de reais para cobrir possíveis danos que estão ocorrendo e

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venham a ocorrer devido à extração de recursos minerais, considerando-se os argumentos

expostos nesta peça vestibular;

(v) a publicação de Edital para se dar conhecimento a terceiros interessados e à coletividade,

tendo em vista o caráter erga omnes da presente demanda;

(vi) a citação das rés, na pessoas de seus representantes legais, para, em querendo,

responderem a presente ação, sob pena de revelia e confissão;

(vii) a procedência, "in totum" do pedido liminar, e, ao final, da presente ação, convertendo-se

em definitivas as providências a serem deferidas em sede de cognição sumária, de modo a

satisfazer integralmente os objetivos perseguidos na presente peça vestibular,

principalmente os elencados nos itens supra (I, II e III), bem como a cominação de sanção

pecuniária, para o caso de descumprimento no prazo estipulado, nos termos do art. 11 da Lei

7.347/85;

Protesta provar o alegado por intermédio de todos os meios de

prova em direitos admitidos, notadamente a prova testemunhal, pericial e documental, bem

como depoimentos pessoais dos representantes das rés.

Embora seja de valor inestimável, dá-se a presente causa o valor

de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões) de reais.

Luziânia, 20 de setembro de 2.002.

Ricardo Rangel de Andrade Robertson Alves de Mesquita Promotor de Justiça Promotor de Justiça

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