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Estabilidade Primária de Implante em Cimento de Fosfato de Cálcio: Análise Clínica, radiográfica e Histológica Vânia B. Coutinho 1 , José A. Silva, Luís A. Santos 2 , Marcus V. Lia Fook 1 1 DEMA-UFGG [email protected] 2 UFRGS, Brasil O Cimento de Fosfato de Cálcio (CFC) tem sido usado como material de preenchimento de defeitos ósseos por apresentar as propriedades de osteocondutividade, bioatividade e biocompatibilidade. Recentemente estudos, em sua maioria em animais, sinalizam seu uso como coadjuvante no tratamento com implantes osseointegrados. Assim este trabalho, tem como objetivo relatar caso em que alvéolo pós-exodontia foi preenchido com CFC à base de α-fosfato tricálcico e sulfato de cálcio e após quatro meses, instalou-se implante em meio ao cimento ainda não reabsorvido com ótima estabilidade primária. No momento da reabertura dos implantes, após seis meses, a aparência clínica da região perimplantar foi considerada normal. Radiograficamente, não se observou mais o aspecto radiopaco do CFC na região do alvéolo teste. Histologicamente visualizou-se remanescente de CFC em contato direto com osso sem intervenção de tecido conjuntivo fibroso. Conclui-se que o CFC demonstrou comportamento osteocondutivo. O material testado parece ser uma opção aceitável para preenchimento de alvéolos pós-exodontia com finalidade de manutenção do volume ósseo, no entanto, são necessárias novas pesquisas para generalizar a indicação. Palavras chave: Cimento de fosfato de Cálcio; implantes; alvéolos; humanos INTRODUÇÃO Após a perda dentária, o osso do processo alveolar está sujeito a um processo de reabsorção contínua, pronunciado de forma significativa nas fases que ocorreram posteriormente à remoção do dente. Sabe-se que 23% da reabsorção alveolar ocorre nos primeiros seis meses [1]. Sendo assim, torna-se iminente a necessidade de técnicas de enxertia que possibilitem a manutenção do volume do processo alveolar após a perda dentária, evitando reconstruções ósseas mais complexas e de custo biológico maior. Dentre os materiais biológicos de escolha para reconstruções ósseas, temos os enxertos autógenos. Estes apresentam, porém, a desvantagem de morbidade do local doador, limitação em quantidade para grandes defeitos, reabsorção e dificuldade em se obter contorno preciso [2]. O osso alógeno é mais comumente utilizado como alternativa para enxerto autógeno, contudo, oferece risco potencial de transmissão de doença, potencial de rejeição e reabsorção [3]. Diante de tais limitações, ressalta-se o uso dos biomateriais aloplásticos como as cerâmicas bioativas, dentre as quais a mais difundida é a Hidroxiapatita (HA) que apresenta limitações quanto ao seu uso nas apresentações em blocos ou grânulos, como dificuldade de moldagem, estabilização do material no leito cirúrgico e baixa resistência mecânica. Estas desvantagens estariam ausentes se um material obtivesse composição similar às das cerâmicas de fosfato de cálcio, exibissem também as propriedades de biocompatibilidade, bioatividade e osteocondutividade e que fossem moldáveis na forma e dimensões do defeito que se pretendesse corrigir. Estas e outras possibilidades de interesse são encontradas em um tipo de cimento a base de hidroxiapatita recém desenvolvido: o Cimento de Fosfato de Cálcio (CFC).

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Estabilidade Primária de Implante em Cimento de Fosfato de Cálcio:

Análise Clínica, radiográfica e Histológica

Vânia B. Coutinho 1, José A. Silva, Luís A. Santos2, Marcus V. Lia Fook1

1 DEMA-UFGG [email protected] 2 UFRGS, Brasil

O Cimento de Fosfato de Cálcio (CFC) tem sido usado como material de preenchimento de defeitos ósseos por apresentar as propriedades de osteocondutividade, bioatividade e biocompatibilidade. Recentemente estudos, em sua maioria em animais, sinalizam seu uso como coadjuvante no tratamento com implantes osseointegrados. Assim este trabalho, tem como objetivo relatar caso em que alvéolo pós-exodontia foi preenchido com CFC à base de α-fosfato tricálcico e sulfato de cálcio e após quatro meses, instalou-se implante em meio ao cimento ainda não reabsorvido com ótima estabilidade primária. No momento da reabertura dos implantes, após seis meses, a aparência clínica da região perimplantar foi considerada normal. Radiograficamente, não se observou mais o aspecto radiopaco do CFC na região do alvéolo teste. Histologicamente visualizou-se remanescente de CFC em contato direto com osso sem intervenção de tecido conjuntivo fibroso. Conclui-se que o CFC demonstrou comportamento osteocondutivo. O material testado parece ser uma opção aceitável para preenchimento de alvéolos pós-exodontia com finalidade de manutenção do volume ósseo, no entanto, são necessárias novas pesquisas para generalizar a indicação.

Palavras chave: Cimento de fosfato de Cálcio; implantes; alvéolos; humanos

INTRODUÇÃO

Após a perda dentária, o osso do processo alveolar está sujeito a um processo de reabsorção contínua, pronunciado de forma significativa nas fases que ocorreram posteriormente à remoção do dente. Sabe-se que 23% da reabsorção alveolar ocorre nos primeiros seis meses [1]. Sendo assim, torna-se iminente a necessidade de técnicas de enxertia que possibilitem a manutenção do volume do processo alveolar após a perda dentária, evitando reconstruções ósseas mais complexas e de custo biológico maior.

Dentre os materiais biológicos de escolha para reconstruções ósseas, temos os enxertos autógenos. Estes apresentam, porém, a desvantagem de morbidade do local doador, limitação em quantidade para grandes defeitos, reabsorção e dificuldade em se obter contorno preciso [2]. O osso alógeno é mais comumente utilizado como alternativa para enxerto autógeno, contudo, oferece risco potencial de transmissão de doença, potencial de rejeição e reabsorção [3].

Diante de tais limitações, ressalta-se o uso dos biomateriais aloplásticos como as cerâmicas bioativas, dentre as quais a mais difundida é a Hidroxiapatita (HA) que apresenta limitações quanto ao seu uso nas apresentações em blocos ou grânulos, como dificuldade de moldagem, estabilização do material no leito cirúrgico e baixa resistência mecânica.

Estas desvantagens estariam ausentes se um material obtivesse composição similar às das cerâmicas de fosfato de cálcio, exibissem também as propriedades de biocompatibilidade, bioatividade e osteocondutividade e que fossem moldáveis na forma e dimensões do defeito que se pretendesse corrigir. Estas e outras possibilidades de interesse são encontradas em um tipo de cimento a base de hidroxiapatita recém desenvolvido: o Cimento de Fosfato de Cálcio (CFC).

Como trabalho pioneiro, Brown e Chow desenvolveram o CFC, que consiste em uma mistura de um ou vários pós de fosfato de cálcio com uma solução aquosa. Os CFC são a segunda geração de HA. Muitos destes cimentos são injetáveis, moldáveis ao local e endurecem a temperatura corporal. São formulados como componentes sólidos e líquidos que, quando misturados em proporções predeterminadas, reagem para formar HA [4]. Salienta-se que não produzem reação exotérmica durante o processo de endurecimento, evitando necrose tecidual [5].

O seu uso, outrora restringido a Ortopedia, estendeu-se para odontologia, cirurgias plásticas e bucomaxilofacial. Estudos sinalizam seu uso como coadjuvantes ao tratamento com implantes imediatos [6,7], reconstrução de rebordo alveolar para ganho em altura em mandíbula associado a implantes [8] e como material de enxerto em seio maxilar [9].

Como o alvéolo dental é uma cavidade ideal para a avaliação do reparo ósseo [10], e pela necessidade de se encontrar um material que auxilie na preservação do contorno alveolar, investigou-se o efeito osteocondutivo do CFC em alvéolos pós-exodontias humanos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Paciente, sexo feminino, 27 anos, sofreu uma intervenção cirúrgica para exodontia de raízes fraturadas (12,21) e enxerto com CFC no alvéolo teste (AT) e o outro alvéolo serviu como controle (AC) (fig.1a). Uma segunda cirurgia para instalação de implantes foi realizada após quatro meses (fig.1b). A composição do CFC utilizado para o preenchimento dos alvéolos é α-fosfato tricálcico (85%) com adição de sulfato de cálcio (15%), confeccionado no laboratório de Biomateriais (Biomat), UFRGS, Brasil.

Após as exodontias minimamente traumáticas e preparo do alvéolo, o CFC foi manipulado e inserido, moldando-se à loja cirúrgica permitindo endurecer por volta de sete minutos. Em revisão de literatura, autores explicam que durante o período de conversão ou de presa, o cimento deve ser mantido livre do acúmulo de fluidos evitando sua dissolução, tendo como resultante, a presa do material na forma particulada [11]. Então, neste momento, os fluídos sanguíneos permaneceram afastados do cimento por meio de sugador cirúrgico e tamponamento com gazes estéreis. Após a presa inicial, os tecidos moles foram suturados.

Após quatro meses da primeira cirurgia, aproveitou-se o instante da instalação do implantes para realização de biópsia do local enxertado com CFC. Para remover a quantidade óssea necessária, fez-se uso de trefina cirúrgica (2mm) correspondente às brocas iniciais de fresagem em Implantodontia. Para não haver prejuízos funcionais e estéticos, a trefina foi inserida no local ideal para a instalação do implante. Realizada a biópsia, as outras fresas cirúrgicas foram utilizadas e o implante instalado com torque de 40N, apresentando assim ótima estabilidade primária. Em seguida, os retalhos foram reposicionados e suturados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após os quatro meses, nos cortes tomográficos referentes ao alvéolo teste, percebeu-se massa radiopaca preenchendo o alvéolo o que se confirmou clinicamente após a abertura dos retalhos para a instalação dos implantes planejados (fig 1a). O CFC estava presente sem aparente reabsorção. A parte cervical do alvéolo não estava coesa, mas não se apresentava destacado do corpo do cimento. Não havia presença de cápsula fibrosa e aparentemente o cimento estava integrado ao alvéolo.

No presente trabalho, o implante dentário foi instalado em meio ao cimento não reabsorvido (fig 1b) inspirado em pesquisa em que avaliaram a possibilidade do uso do CFC na reconstrução de uma crista alveolar defeituosa de cães Beagles em conjunção com a instalação de implantes. A metade apical dos implantes estava inserida em osso alveolar e a outra metade coronal, no bloco pré-formado de CFC. Os resultados mostraram que o CFC foi

substituído gradualmente por osso natural [8]. Corroborando também com a terapêutica utilizada , autores utilizaram o CFC para preencher os gaps nos implantes imediatos em cães e concluíram que poderia ser um substituto efetivo para pequenos defeitos na cavidade oral, tais como: locais de extração ou como preenchedor de diástases em implantes imediatos [12].

a) b) Figura 1: a) CFC após quatro meses (seta) b) Implante conexão Master Porous HE instalado em meio ao CFC ainda não reabsorvido (seta).

Clinicamente, seis meses após a instalação do implante e no momento da reabertura para a conexão dos cicatrizadores, destaca-se a normalidade da aparência clínica gengival das regiões perimplantares (fig 2a). Na radiografia panorâmica de controle, não se detectou radiopacidade próximo ao implante que pudesse ser atribuída ao CFC (fig. 2b).

b) a) b) Figura 2: a) Aspecto clínico no momento reabertura do implantes b) Panorâmica seis meses após a instalação dos implantes osseointegrados.

a) b)

Figura 3: a) Destaque ao aspecto macroscópico do cimento envolto por osso (seta) b) CFC em contato com osso. Coloração HE; aumento original 100x. Após o afastamento dos retalhos, visualizou-se macro partícula do CFC ainda não reabsorvida, mas totalmente integrado ao osso neoformado Fig 3a (seta azul). A reabsorção

do cimento é dependente do contato com o osso hospedeiro [13]. A substituição óssea depende da idade, sexo e saúde metabólica geral, local anatômico, porosidade, volume do defeito, cristalinidade, composição química, tamanho de partícula e a taxa P/L do cimento. Considerando estes fatores, o cimento pode levar de 3 a 36 meses para ser completamente reabsorvido e substituído por osso [14].

O desafio do desenvolvimento de um cimento ósseo a base de Fosfato de cálcio, situa-se no balanceamento das características de reabsorção/remodelação com as propriedades mecânicas do cimento [15]. O reagente final determinará se o produto final será, ou não, minimamente ou completamente reabsorvido [16]. O processo que leva a transformação da fase final das diferentes formas de sais de fosfato de cálcio é resultante da solubilidade constante do produto e pH. A natureza da apatita faz a forma biocompatível final e promove a união química ao osso hospedeiro [17].

Observa-se nesta fotomicrografia (fig 3b), remanescente de CFC em contato com osso, destaque (seta) para a linha de união entre o CFC e o osso, sem intervenção de tecido conjuntivo fibroso quatro meses após o enxerto, o que demonstra o efeito osteocondutivo do cimento. No entanto, ainda não são totalmente elucidados os mecanismos de biodegradação do cimento de fosfato de cálcio, contudo, presume-se que a reabsorção ocorre por dois mecanismos: um é o processo solução mediada em que o material do implante dissolve em um meio fisiológico, outro é um processo mediado por células (osteoclastos, células gigantes multinucleadas, monócitos e macrófagos) em que ocorre a fagocitose [7,18].

CONCLUSÕES

Clínica e Histologicamente, o CFC apresentou comportamento osteocondutivo por haver ligação direta entre o cimento e o osso, sem intervenção de tecido conjuntivo fibroso. O material testado demonstrou ser uma opção aceitável para preenchimento de alvéolos com finalidade de manutenção do volume ósseo. Os resultados indicam que o CFC poderia ter outras aplicações em Implantodontia, como no tratamento de perimplantite, poderia ser utilizado como material de preenchimento ósseo em roscas expostas de implante, e em seio maxilar, no entanto, são necessárias novas pesquisas para generalizar a indicação.

REFERÊNCIAS

[1] Kan, J. Y.; Rungcharassaeng, K. Compend. Contin. Educ. Dent 2001; 2: 230-1. [2] Kurashina, K. et al. Biomaterials 1998; 9: 701-6. [3] Clockie, C. M. et al. J. Craniofac. Surg 2002;13:111-21. [4] Brown, G. D. et al. J. Periodontol 1998; 9:146-57. [5] Driessens, F. C. et al. Proc. Inst. Mech. Eng 1998; 212: 427-35. [6] Boix, D. et al. J. Periodontol 2004; 75: 663-71. [7] Ooms, E. M. et al. Biomaterials 2003; 24: 989-1000. [8] Sugawara, A. et al. J. Biomed. Mater. Res 2002;1: 47-52. [9] Mazor, Z. et al. J. Periodontol 2000; 1:1187-94. [10] Becker, W.; Becker, B. E.; Caffesse, R. J. Periodontol 1994;65:1994. [11] Moore, W. R.; Graves, S. E.; Bain, G. I. Anz. J. Surg 2001;71: 354-61. [12] Lew, D. et al. Implant Dent; 2000; 9: 45-50. [13] Miyamoto, Y. et al. J. Biomed. Mater. Res 1999; 48: 36-42. [14] Ambard, A; Mueninghoff, L. J.Prosthodontics 2006; 15:321-328. [15] Gadaleta, J. S.; Sapieszko, S. R.; Erbe, M. E. Bioceramics 1998;11: 435-438. [16] Schmitz, J. P. et al. J. Oral Maxillofac. Surg 1999; 7: 1122-6. [17] Jansen, J. et al. Orthop. Clin. North Am 2005;36: 89-95. [18] Lu, J. et al. J. Biomed. Mater. Res 2002; 3: 408-12.