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www.pneumoatual.com.br ISSN 1519-521X Espirometria Autores Carlos Alberto de Castro Pereira 1 Publicação: Mar-2002 1 - O que é a espirometria? Espirometria é a medida do ar que entra e sai dos pulmões. A palavra é escrita com s e não com x, porque vem do latim spirare, que significa respirar + metrum, que significa medida. 2 - Por que a espirometria é diferente de outros exames de laboratório? A espirometria difere dos exames usuais por diversos aspectos. Exige a compreensão e colaboração do paciente em todas as manobras; o equipamento utilizado deve estar calibrado e deve ser acurado, e, finalmente um técnico treinado é essencial para obtenção de um exame adequado. A espirometria é um exame simples apenas na aparência. Erros podem acontecer em diversas etapas. Os valores tidos como normais diferem de país para país. Finalmente a interpretação deve levar em conta dados clínicos e epidemiológicos. Um paciente com DPOC avançada será classificado como portador de distúrbio obstrutivo grave por todas as tabelas de previstos utilizados, porém a adoção de previstos inadequados em indivíduos que realizam check-up pode ter conseqüências indesejáveis. 3 - Como deve ser feito o controle de qualidade dos exames? Estudos realizados em países avançados, como Nova Zelândia, demonstraram que 70 a 90% dos testes não preencheram os critérios técnicos estabelecidos para um exame adequado. No Brasil, este tipo de estudo não foi realizado, porém pode-se afirmar que a qualidade em geral é ruim. A maioria dos laboratórios não dispõe de técnicos treinados e certificados pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e muitos laudos são assinados por não médicos ou médicos não especialistas. Exames inadequados podem ser facilmente detectados pela inspeção dos gráficos, valores numéricos e laudos que acompanham os testes. Estes exames devem ser denunciados aos prestadores de serviço. 4 - Como comprar um bom equipamento? Dezenas de opções são disponíveis. Inicialmente deve-se levar em conta quantos testes por dia serão realizados, que testes e valores funcionais são necessários ou desejáveis, quem irá conduzir os testes e qual seu nível de conhecimento, se o sistema deve ser portátil e finalmente qual o custo que pode ser coberto. Os espirômetros caem em 2 categorias: deslocamento de volume e sensores de fluxo. Alguns espirômetros de volume não são computadorizados, são baratos e simples de operar. Os sensores de fluxo são computadorizados ou têm um microprocessador, e portanto permitem a realização de muitos testes rapidamente. Uma nova geração de espirômetros, ditos "de bolso", com sensores de fluxo, podem ser usados em consultórios. Nos últimos 2 a 3 anos, sua acurácia alcançou a dos equipamentos tradicionais. Uma vez selecionado um tipo de sistema, deve-se escolher 2 ou 3 fabricantes e fazer contato com seus representantes. Demonstrações em congressos são úteis. Deve-se verificar: se a acurácia do sistema foi testada por uma agência independente; a facilidade de operação e os recursos do software; como é feita a assistência técnica; quanto irão custar as atualizações do software e qual a freqüência com que serão feitas; capacidade de armazenamento dos exames e facilidade de transporte do sistema; individualização dos relatórios: cabeçalho, formato e aparência e, se além dos previstos, são assinalados os limites de referência; disponibilidade de valores de referência brasileiros. 1 Coordenador do grupo de doenças intersticiais da Escola Paulista de Medicina e Hospital do Servidor Público Estadual - SP

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Page 1: espirometria

www.pneumoatual.com.br ISSN 1519-521X

Espirometria

Autores Carlos Alberto de Castro Pereira1

Publicação: Mar-2002 1 - O que é a espirometria? Espirometria é a medida do ar que entra e sai dos pulmões. A palavra é escrita com s e não com x, porque vem do latim spirare, que significa respirar + metrum, que significa medida. 2 - Por que a espirometria é diferente de outros exames de laboratório? A espirometria difere dos exames usuais por diversos aspectos. Exige a compreensão e colaboração do paciente em todas as manobras; o equipamento utilizado deve estar calibrado e deve ser acurado, e, finalmente um técnico treinado é essencial para obtenção de um exame adequado. A espirometria é um exame simples apenas na aparência. Erros podem acontecer em diversas etapas. Os valores tidos como normais diferem de país para país. Finalmente a interpretação deve levar em conta dados clínicos e epidemiológicos. Um paciente com DPOC avançada será classificado como portador de distúrbio obstrutivo grave por todas as tabelas de previstos utilizados, porém a adoção de previstos inadequados em indivíduos que realizam check-up pode ter conseqüências indesejáveis. 3 - Como deve ser feito o controle de qualidade dos exames? Estudos realizados em países avançados, como Nova Zelândia, demonstraram que 70 a 90% dos testes não preencheram os critérios técnicos estabelecidos para um exame adequado. No Brasil, este tipo de estudo não foi realizado, porém pode-se afirmar que a qualidade em geral é ruim. A maioria dos laboratórios não dispõe de técnicos treinados e certificados pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e muitos laudos são assinados por não médicos ou médicos não especialistas. Exames inadequados podem ser facilmente detectados pela inspeção dos gráficos, valores numéricos e laudos que acompanham os testes. Estes exames devem ser denunciados aos prestadores de serviço. 4 - Como comprar um bom equipamento? Dezenas de opções são disponíveis. Inicialmente deve-se levar em conta quantos testes por dia serão realizados, que testes e valores funcionais são necessários ou desejáveis, quem irá conduzir os testes e qual seu nível de conhecimento, se o sistema deve ser portátil e finalmente qual o custo que pode ser coberto. Os espirômetros caem em 2 categorias: deslocamento de volume e sensores de fluxo. Alguns espirômetros de volume não são computadorizados, são baratos e simples de operar. Os sensores de fluxo são computadorizados ou têm um microprocessador, e portanto permitem a realização de muitos testes rapidamente. Uma nova geração de espirômetros, ditos "de bolso", com sensores de fluxo, podem ser usados em consultórios. Nos últimos 2 a 3 anos, sua acurácia alcançou a dos equipamentos tradicionais. Uma vez selecionado um tipo de sistema, deve-se escolher 2 ou 3 fabricantes e fazer contato com seus representantes. Demonstrações em congressos são úteis. Deve-se verificar:

• se a acurácia do sistema foi testada por uma agência independente; • a facilidade de operação e os recursos do software; • como é feita a assistência técnica; • quanto irão custar as atualizações do software e qual a freqüência com que serão

feitas; • capacidade de armazenamento dos exames e facilidade de transporte do sistema; • individualização dos relatórios: cabeçalho, formato e aparência e, se além dos

previstos, são assinalados os limites de referência; • disponibilidade de valores de referência brasileiros.

1 Coordenador do grupo de doenças intersticiais da Escola Paulista de Medicina e Hospital do Servidor Público Estadual - SP

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Finalmente, deve-se pedir o endereço ou o telefone de usuários do sistema, e deve-se fazer consultas para avaliar facilidades e dificuldades. 5 - Quais são os parâmetros básicos usados na interpretação da espirometria e como devem ser expressos? A Capacidade Vital representa o maior volume de ar mobilizado em manobra expiratória, após o enchimento máximo dos pulmões. Pode ser medida lentamente (CV lenta) ou de maneira rápida (CV forçada). As 2 manobras, de CV lenta e forçada devem ser feitas rotineiramente. VEF1 é o volume de ar exalado no primeiro segundo da manobra da CVF. Tanto a CV(F) como o VEF1 são expressos em litros corrigidos para as condições BTPS (temperatura corporal em pressão ambiente e saturado com vapor d’água). As curvas expiratórias forçadas devem ser registradas plotando-se o volume no eixo vertical contra o tempo no eixo horizontal (curva de volume-tempo) e também plotando-se o fluxo no eixo vertical contra o volume no eixo horizontal (curva de fluxo-volume). O fluxo atinge seu valor máximo no início da expiração e decai gradualmente até o final da manobra. O pico de fluxo, que reflete o esforço máximo inicial, será facilmente observado na curva fluxo-volume. A manobra pode ser encerrada ao observar-se um platô ao final da curva, significando que não existe mais ar para ser exalado. Este platô será facilmente perceptível na curva volume-tempo. É recomendável ainda a obtenção de um fluxo derivado do meio da curva - fluxo derivado entre 25-75% da CVF na curva volume-tempo, ou fluxo instantâneo do meio da curva expiratória na curva de fluxo-volume (FEF50). Os fluxos são expressos em l/s, em condições de BTPS. 6 - Como se comporta a espirometria em indivíduos normais ao longo da vida? A função pulmonar aumenta exponencialmente dos 6 aos 14 anos de idade, sendo nesta faixa etária grandemente influenciada pela estatura. Nos adolescentes, a variação é complexa e influenciada pela estatura, idade e peso. Este último reflete o ganho muscular nesta faixa etária. A função pulmonar atinge valores máximos aos 20 anos no sexo feminino e aos 25 anos no sexo masculino. O pulmão deixa de crescer antes, porém, a força muscular se eleva no sexo masculino, o que eleva a capacidade vital. Após o máximo, a função pulmonar permanece estável até os 35 anos de idade aproximadamente, quando começa a decair gradualmente ao longo da vida. O VEF1 cai 28 ml/ano, em média, no sexo masculino e 21 ml/ano no sexo feminino. 7 - O que ocorre com a função pulmonar ao longo da vida em indivíduos predispostos às doenças obstrutivas? O indivíduo pode chegar ao início da vida adulta com uma menor função pulmonar, por diversos fatores intervenientes na infância, entre os quais o fumo passivo e ativo. Após atingir a função máxima, o VEF1 pode declinar precocemente ou ainda de maneira acelerada, mais tarde na vida. Indivíduos com hiperresponsividade brônquica, aí incluídos os asmáticos, perdem função mais rapidamente. O mesmo ocorre com 15% dos fumantes, que são suscetíveis aos efeitos do tabagismo. 8 - Como calcular a idade pulmonar de um fumante suscetível? Os fumantes suscetíveis perdem, em média, 60 ml/ano de VEF1, mas a variação individual é ampla, podendo chegar a centenas de ml, daí a importância de medidas seriadas anuais. Um fumante masculino de 50 anos e com VEF1 previsto de 3,60 l (limite inferior previsto de 3,0 l) e VEF1 encontrado de 2,16 l, perdeu teoricamente 0,84 l de VEF1 por efeito do cigarro, o que significa 30 anos a mais se a perda fosse a usual de 28 ml/ano. Pode-se contar ao doente que sua idade pulmonar estimada é de 80 anos. 9 - Todos os sistemas de espirometria mudam os valores previstos quando a raça é mudada de branca para negra. O que explica tais achados? Tabelas de valores previstos derivadas da população norte-americana revelam que os valores são em média 15% inferiores para a raça negra. Este fator de correção não se aplica aos valores publicados para a população brasileira, onde os valores previstos são semelhantes. Os negros norte-americanos têm menor proporção entre o tronco e os membros, o que não ocorre

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entre nós. Se uma equação norte-americana for adotada para uso, deve-se digitar sempre raça branca na inserção dos dados gerais. 10 - Quando a espirometria deve ser indicada? Os testes de função pulmonar, em particular a espirometria, são úteis para diagnóstico e monitorização de diversas condições. O grau de disfunção também pode ser de auxílio na avaliação da incapacidade laborativa. 11 - Quais são as indicações diagnósticas? O diagnóstico de doença pulmonar obstrutiva não pode ser feito de maneira confiável utilizando-se apenas os dados de história e exame físico. O pulmão exibe uma grande reserva funcional, de modo que sintomas estarão presentes quando o VEF1 situar-se em geral abaixo de 60% do previsto. Mesmo em valores abaixo deste limiar, a percepção da dispnéia é muito variável, tanto em asma, como em DPOC. Pacientes com tosse crônica, dispnéia e chiado devem fazer espirometria. As causas mais comuns de dispnéia na prática clínica são DPOC, asma, insuficiência cardíaca e doenças pulmonares intersticiais. Em todas estas situações a espirometria dá contribuições, incluindo ICC, onde a melhora do quadro (ou a piora) pode ser facilmente avaliada por mudanças da Capacidade Vital, embora isto seja pouco utilizado pelos cardiologistas. 12 - A espirometria pode ser usada como exame de triagem de doenças obstrutivas, em grupos de risco, como os fumantes? Sim. A espirometria preenche os critérios para utilização como teste de triagem para a detecção precoce de DPOC já que:

• a doença se detectada tardiamente resulta em morbidade e mortalidade substanciais, e o que se pode fazer tem efeito limitado;

• existe atualmente tratamento eficaz para a cessação do tabagismo; • a espirometria é simples e confiável, desde que as normas técnicas sejam seguidas; • espirômetros portáteis são largamente disponíveis.

Fumantes ou ex-fumantes com mais de 45 anos, ou fumantes sintomáticos devem ser considerados para a espirometria. 13 - Quando a espirometria está indicada na asma? Em pacientes com sibilância ou aperto no peito a espirometria está indicada para confirmar o diagnóstico de asma. Em outros casos a asma manifesta-se por dispnéia ou tosse, isoladamente. Todo asmático deve fazer espirometria por ocasião da avaliação inicial e após estabilização dos sintomas e do pico de fluxo expiratório para documentar o nível alcançado de função pulmonar (normal ou não). Alguns asmáticos têm um componente de obstrução largamente fixo. Nestes pacientes a espirometria reflete melhor a evolução do que as medidas mais simples, de pico de fluxo. Na emergência, a medida do grau de obstrução em asmáticos, é essencial. Embora medidas de pico de fluxo sejam em geral suficientes, se a espirometria for facilmente disponível, é preferível. 14 - Como são classificados e caracterizados os distúrbios espirométricos? Os distúrbios espirométricos são classificados em: 5 grupos:

1. restritivo 2. obstrutivo 3. obstrutivo com capacidade vital reduzida 4. misto ou combinado 5. inespecífico

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A inspeção dos gráficos permite imediata inferência do distúrbio presente.

Curva de fluxo-volume expiratório em normais, em portadores de distúrbios restritivos e distúrbios obstrutivos. Distúrbio restritivo é caracterizado por ausência de obstrução e CV(F) reduzida na presença de causa potencial para restrição, ex. fibrose pulmonar, com relação VEF1/CVF normal. CV(F) normal pré ou pós broncodilatador exclui presença de distúrbio restritivo. Algumas doenças de vias aéreas como bronquiectasias e alguns casos de asma, podem levar ao fechamento completo das vias aéreas periféricas e podem dar este padrão, pseudo-restritivo, denominado então de inespecífico. Distúrbio obstrutivo é caracterizado por presença de obstrução, com VEF1 reduzido e CV(F) normal, com relação VEF1/CVF diminuída. Na obstrução, se o aprisionamento de ar elevar muito o volume residual, a capacidade vital pode estar reduzida. Aqui refere-se ao distúrbio obstrutivo com capacidade vital reduzida. Quando a CVF se reduz pode levar a uma relação VEF1/CVF normal. Entretanto a causa mais freqüente de relação VEF1/CVF normal associada a distúrbio obstrutivo normal é a incorreta realização da manobra de CVF com pouco tempo de expiração. Se a CV(F) estiver muito baixa, na presença de obstrução e na presença de doença clínica potencialmente restritiva associada (ex, asma + obesidade), pode-se caracterizar distúrbio misto. Como podemos ver a espirometria deve estar sempre associada à avaliação clínica. 15 - Como se caracteriza obstrução ao fluxo aéreo na espirometria? Em geral pela relação VEF1/CV(F) reduzida. A obstrução resulta em esvaziamento mais lento dos pulmões, de modo que a relação cai. Embora valores abaixo de 70% sejam sugeridos para caracterizar obstrução em adultos, deve-se preferir a utilização de valores abaixo de um limite inferior particular. Este depende do sexo e da idade – mulheres tem vias aéreas maiores em proporção ao volume pulmonar, e portanto valores previstos maiores. 16 - O encontro de relação VEF1/CVF baixa, sempre indica doença? Não. Indivíduos de grande estatura (acima de 1,85 m), com tórax grande (CV acima de 120% do previsto) ou com grande força muscular, podem "esmagar" as vias aéreas numa manobra de expiração forçada e exibir valores para relação reduzidos. Nestas situações o laudo deve contemplar a possibilidade de "variante normal". 17 - Quando a espirometria deve ser repetida em DPOC? VEF1 é o parâmetro espirométrico fundamental a ser seguido, para documentar a história natural da DPOC, porque é o melhor indicador prognóstico. A repetição anual, fora de períodos de exacerbação, permite avaliar o declínio funcional. Para isto, devem ser considerados os valores após broncodilatador. A espirometria não muda após programas de reabilitação e outras medidas devem ser feitas para avaliar o impacto sobre a doença. A espirometria também deve ser repetida em DPOC após algumas intervenções como cursos de corticóides, para avaliar possível componente reversível.

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18 - Quais são as indicações da espirometria para monitorização? A efetividade de diversas intervenções terapêuticas pode ser verificada pela espirometria. Usualmente isto envolve tratamentos destinados a reverter a obstrução ao fluxo aéreo ou diminuir a extensão ou gravidade de processos pulmonares infiltrativos difusos. A história natural da doença pode ser avaliada por medidas funcionais seriadas. Pacientes com silicose ou fibrose pulmonar podem permanecer estáveis ao longo dos anos ou ter rápido declínio funcional. O mesmo vale para DPOC e outras condições pulmonares. Indivíduos expostos a poeiras e irritantes no trabalho devem ser submetidos a espirometrias periódicas. Declínio funcional excessivo aponta para lesão pulmonar. Usuários de drogas potencialmente lesivas aos pulmões, como amiodarona e bleomicina, não devem ser seguidos por função pulmonar para detectar agressão potencial. Diversos estudos comprovaram a inutilidade da espirometria (e difusão) nestes casos. 19 - Como saber que um teste espirométrico foi bem realizado? Quando o médico recebe os exames, deve inspecionar as curvas de fluxo-volume e volume-tempo. Pelo menos 3 testes aceitáveis devem ser feitos e 2 devem ser reprodutíveis. Os testes são aceitáveis quando:

• o pico de fluxo é bem precoce, significando que o esforço inicial foi satisfatório; • o traçado deve estar livre de oscilações abruptas como as causadas por tosse ou falta

de esforço máximo e uniforme; • a curva deve durar pelo menos 6 s em adultos, se os valores são normais, ou pelo

menos 10 s, em indivíduos com obstrução ao fluxo aéreo; • um platô deve ser observado no último segundo na curva volume-tempo.

O computador irá selecionar muitas vezes apenas uma curva para ser impressa, mas estes dados são facilmente observáveis, pelo menos nesta melhor curva. Os critérios de reprodutibilidade envolvem a diferença entre os 2 maiores valores de VEF1 e CVF abaixo de 0,2 l, o que significa que provavelmente o máximo foi obtido. Estes valores não constam dos relatórios, mas o laudo deve ser iniciado por comentários a respeito do preenchimento (ou não) dos critérios de aceitação e reprodutibilidade. 20 - Qual a importância da espirometria nas doenças infiltrativas difusas? É um exame rotineiro básico, porém insuficiente. As 2 doenças mais freqüentes são a fibrose pulmonar idiopática e a sarcoidose. A sarcoidose tem um prognóstico muito melhor, de modo que em 2 pacientes com CV(F) de 60%, um com sarcoidose e outro com fibrose pulmonar idiopática , aquele com FPI estará em fase final; já o paciente com sarcoidose raramente morrerá por efeito da doença. Na sarcoidose, a CV(F) espelha bem a extensão da doença e a resposta ao tratamento. Na fibrose pulmonar, a melhor correlação entre extensão da doença é refletida pela difusão do CO e pela queda da PaO2 com o exercício. Já a estabilização da CV(F) após meses de tratamento (ou não), em portadores de FPI, assegura melhor prognóstico, com vários anos a mais de sobrevida. 21 - Todo paciente submetido a espirometria deve repetir o exame após broncodilatador (Bd)? Todos os pacientes com obstrução ao fluxo aéreo devem repetir o teste após broncodilatador. Existe um tônus brônquico de repouso, o que significa que haverá mudanças na espirometria após broncodilatador, mesmo em indivíduos normais. Alguns autores sugerem que broncodilatadores sejam fornecidos de rotina, mas é preferível ser seletivo. Em indivíduos assintomáticos submetidos o check-ups, se a espirometria inicial é normal, repetição após Bd não se justifica. Em portadores de asma diagnosticada, a repetição após Bd pode mostrar incremento significativo, mesmo na ausência aparente de obstrução inicial. O laudo mudará para obstrução leve, desde que a resposta esperada em normais (10% de aumento do VEF1) seja excedida. Já na suspeita de asma, se a espirometria é normal, é preferível fazer um teste de broncoprovocação que tem sensibilidade muito maior para diagnóstico. O médico pode solicitar a prova funcional respiratória e acrescentar a observação: se normal incluir teste de broncoprovocação. Em indivíduos com distúrbio aparentemente restritivo na espirometria, pode-se descobrir obstrução inaparente se houver elevação significativa do VEF1 (acima de 0,2 l) após Bd.

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22 - Quando a resposta ao Bd é considerada significativa na espirometria? Em normais, o VEF1 pode se elevar até 10% do seu valor inicial após Bd. Portanto, se a espirometria é normal, estes valores devem ser excedidos para caracterizar reversibilidade. Nos pacientes com obstrução ao fluxo aéreo, considera-se que elevações do VEF1 de 0,2 l e da CVF de 0,35 l excedem a variação ao acaso (dada por placebo), de modo que esta resposta é considerada significativa do ponto de vista então estatístico. A espirometria sugere mais asma do que DPOC se o VEF1 se elevar 10% ou mais do valor previsto, em geral mais do que 0,3 l. A ATS (American Thoracic Society) considera como resposta broncodilatadora positiva uma elevação de 12% da CVF ou VEF1 pós em relação ao pré e 200 ml em termos absolutos. 23 - Como explicar a melhora clínica após Bds relatada por pacientes com DPOC, sem que o VEF1 mude? VEF1 é um parâmetro derivado do início da manobra expiratória forçada e portanto reflete o esvaziamento de unidades pulmonares com vias aéreas mais permeáveis . Além disso a manobra expiratória forçada comprime dinamicamente as vias aéreas. Estas se tornam mais compressíveis pelo efeito do Bd. A obstrução em DPOC se dá nas vias aéreas periféricas. O aprisionamento de ar resulta em hiperinsuflação que é a causa fundamental da dispnéia. A redução do ar aprisionado (volume residual) após o Bd irá resultar em aumento da CV lenta e da capacidade inspiratória CI, que não é avaliada rotineiramente nas espirometrias. 24 - Quais são as implicações deste achado e como valorizá-lo? A elevação da CV e da CI acima de 0,4 e 0,3 l, respectivamente, associam-se à melhora clínica em portadores de DPOC, o que não ocorre com o VEF1. A implicação é que todos os estudos que avaliam a eficácia de agentes para a obstrução ao fluxo aéreo em DPOC, através do VEF1, tem escassa relevância clínica. Isto inclui comparações entre diferentes tipos de Bds e corticóides inalados. 25 - Qual o papel da espirometria na avaliação de risco cirúrgico pré-operatório? Todos os candidatos a cirurgia de ressecção pulmonar devem realizar avaliação funcional pré-operatória. Dependendo dos resultados espirométricos, difusão de CO, gasometria e testes cardiopulmonares de exercício podem ser necessários. Em outros procedimentos cirúrgicos os testes devem ser indicados seletivamente. Em geral, o risco de complicações geralmente declina à medida que a distância do tórax ao local cirúrgico aumenta . Cirurgias de abdome superior e torácica sem ressecção pulmonar são associadas com risco aumentado de complicações pulmonares. Pacientes que serão submetidos a cirurgia abdominal baixa, onde se estima prolongado tempo cirúrgico, e a cirurgia de cabeça e pescoço, que envolve freqüentemente grandes fumantes, devem ser incluídos nas indicações. História e exame físico cuidadosos são fundamentais para avaliar o risco pulmonar no pré-operatório. Tosse crônica, dispnéia e intolerância ao exercício devem ser questionadas. Idade avançada, obesidade, e tabagismo, sem outros achados pulmonares não são indicativos para espirometria pré-operatória. O exame físico pode identificar achados de doença pulmonar não reconhecida. Entre tais achados, dados indicativos de obstrução ao fluxo aéreo merecem destaque, como roncos, sibilos e redução do murmúrio vesicular. 26 - Como é classificada a gravidade do distúrbio espirométrico obstrutivo? O distúrbio obstrutivo é classificado em distúrbio leve, moderado e acentuado. Pacientes com obstrução ao fluxo aéreo e VEF1 ou VEF1/CVF abaixo de 40% são classificados como portadores de distúrbio ventilatório obstrutivo (DVO) acentuado. Em DPOC, a sobrevida torna-se menor com a redução progressiva do VEF1, sendo especialmente afetada, quando os valores do VEF1 pós-Bd situam-se abaixo de 40% do previsto. Metade dos pacientes com estes valores funcionais morrerão nos 5 anos seguintes ao teste. Pacientes com VEF1 e relação VEF1/CVF acima de 60% são classificados como portadores de DVO leve. Pacientes com valores intermediários são classificados como portadores de DVO moderado.

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27 - Por que usar 2 parâmetros para classificar o DVO? Não se poderia usar apenas o VEF1? A American Thoracic Society sugeriu que o diagnóstico de obstrução ao fluxo aéreo seja feito pela relação VEF1/CVF reduzida e a partir daí a classificação de gravidade deveria seguir o VEF1 expresso como percentual. Em pacientes com valores grandes para a CVF, entretanto, uma relação VEF1/CVF muito baixa pode ser observada, com VEF1 relativamente preservado. A SBPT a partir disto sugeriu que a classificação siga o parâmetro mais alterado. 28 - Como se classifica a gravidade do distúrbio ventilatório restritivo (DVR)? O padrão-ouro para caracterizar restrição é a redução da capacidade pulmonar total, que é a soma do volume residual e da capacidade vital. A medida do VR exige métodos especiais. Na falta de mensuração da CPT, a CV(F), expressa em porcentagem, é usada para graduar o DVR: abaixo de 50% é acentuado, e acima de 60%, leve; entre estes valores é classificado como moderado. 29 - Como se classifica um distúrbio ventilatório combinado (DVC)? Consenso da SBPT sugere que o distúrbio seja classificado pelo parâmetro mais anormal, seguindo o que foi sugerido para os distúrbios obstrutivo e restritivo. 30 - Como se resume a classificação dos distúrbios espirométricos? A classificação dos distúrbios espirométricos é mostrada na tabela abaixo.

Distúrbio VEF1 (%)

CV(F) (%)

VEF1/CV(F) (%)

Leve 60 – LI 60 – LI 60 – LI Moderado 41 – 59 51 – 59 41 – 59 Grave ≤ 40 ≤ 50 ≤ 40

• Na presença de FEF25-75/CV(F) isoladamente reduzida o distúrbio será classificado como leve, na presença de sintomas e/ou tabagismo importante.

• LI limite inferior da normalidade 31 - Quando os fluxos do meio e do final da curva devem ser valorizados? O diagnóstico de obstrução ao fluxo aéreo pode ser caracterizado se estes fluxos estão reduzidos em sintomáticos respiratórios ou grandes fumantes. Nesta situação o distúrbio deve ser chamado de DVO leve e não obstrução de pequenas vias aéreas. Em assintomáticos respiratórios, estes fluxos podem estar eventualmente reduzidos, o que não significa progressão funcional acelerada ao longo dos anos. 32 - Leitura recomendada Aaron SD; Dales RE; Cardinal P. How accurate is spirometry at predicting restrictive pulmonary impairment? Chest 1999; 115:869 -873. Eaton T; Withy S; Garrett JE; et al. Spirometry in primary care practice. The importance of quality assurance and the impact of spirometry workshops. Chest 1999; 116:416-423. Faresin SM; Barros JA; Beppu OS; et al. Quem deve realizar a espirometria durante a avaliação pulmonar pré-operatória? A Folha Médica/UNIFESP, 1998; 116:85-90. Ferguson GT, Enright PL, Buist S et al. Office spirometry for lung health assessment in adults. A consensus statement from the National Health education Program. Chest 2000;117:1146-1161. Kurosawa H; Hida W; Kikuchi Y; et al. Hyperinflation estimated by residual volume can predict benefit of lung volume reduction surgery in patients with emphysema. Am J Respir Crit Care Med 1997; 155:605. Pereira CAC, Barreto SP; Simões JG et al. Valores de referência para espirometria em uma amostra da população brasileira adulta. J Pneumol 1992; 18:10-22. Rodrigues Jr R; Pereira CAC. Resposta a broncodilatador na espirometria: que parâmetros e valores são clinicamente relevantes em doenças obstrutivas? J Pneumol 2001; 27:35-47. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). I Consenso Brasileiro sobre Espirometria. J Pneumol 1996; 22:105-64. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). I Consenso Brasileiro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC). J Pneumol 2000; 26 (Supl 1):S1 – S51.