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João Felinto Neto Espinhos Do deserto Poemas – 1ª Edição – Mossoró - 2008

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Page 1: ESPINHOS DO DESERTO - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/1291996.pdf4 Fino vestido 33 Das respostas 34 Quadro da morte 35 Nas trevas 36 Sou solitário

João Felinto Neto

Espinhos

Do

deserto

Poemas – 1ª Edição – Mossoró - 2008

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2008 © Copyright by João Felinto Neto

F315e Felinto Neto, João.

Espinhos do deserto / João Felinto Neto. – Mossoró, 2008.

120p. ( 1ª Edição)

ISBN: 978-85-60656-17-2

1. Literatura brasileira 2. Poesia norte-rio-grandense

CDD: B867.1 CDU: 82 (813.1) - 1

João Felinto Neto Rua: Francisco de Assis Silva, 1001 - Santa Delmira I

– Mossoró, RN CEP: 59 615 – 790

Fone – (0XX84) 3318 4245 e-mail: [email protected] Site: joaofelintoneto.xpg.com.br Site: joaofelintoneto.xpg.com.br Site: joaofelintoneto.xpg.com.br Site: joaofelintoneto.xpg.com.br

Proibida a reprodução total ou parcial, por

quaisquer meios. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do código

penal. Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei nº.

10994 de 14 de dezembro de 2004.

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Índice

Dedicatória 09 Prefácio 11

Dados biográficos 13 Espinhos do deserto 15

Insanidade 16 O servo e a princesa 17

Não verdadeiro 18 Muitas histórias 19

Simplesmente sofrer 20 Possuído 21 Manibu 22

O segredo 23 Censura 24 Para trás 25

Urgência inesperada 26 Ao vento 27

Soneto da declaração 28 O fracasso 29

O palhaço estuprador 31 Sem alma 32

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Fino vestido 33 Das respostas 34

Quadro da morte 35 Nas trevas 36 Sou solitário 37 De alguém 38

Outra opinião 39 Modernidade e desgraça 40

O líder 41 Madeira aproveitada 42

Vida breve 43 Atos proibidos 44 Dama ardente 46

Penúltima entidade 47 Histérica 48

Como outrora 49 Ofensa 50

Mulher amada 51 Sem par 53 Carona 54 Ofendido 55

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Pela raiz 56 Natureza 57

A hora do orgasmo 58 Olhos de azulão 59

Como vê 60 Uma mão 61

Se fossem sãos 62 Entre corpos nos quintais 63 Em tom de brincadeira 64

Meu coração morre por mim 65 Aquela saudade 66 Paraíso anônimo 67

A inversão 68 A fantasia 70

Quando choro 72 A resposta é não 73 Minha geração 74 Tentativas 75

Exploração do medo 76 Remoinho 77

Os três poderes 78

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6

O pedinte 81 Por ser louco 83

Romã 84 Tolos 85

Sonho especial 86 Sade 87

A centenária 88 O rosto 89

Em silêncio 90 Melito 91

No ponto 92 Uuh! 93

A pizzaria 94 O ambiente 95 Manhas 96

Todos vocês 97 Perturbador 98

Se não me dou 99 Porta aberta 100 Voa pra casa 102

O fruto proibido 103

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7

Na raia 104 Entre flores e espinhos 105 Entre espada e poder 106

Trágica visão 107 O perdão 109 Complexo 110

Versos mórbidos 111 Até a morte 112 Desprezível 113 Vazio imenso 114

Para fugir de tudo 115 Vulto 116

No meu rosto 117 Pela calçada vazia 118

Imerecidos 120

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Dedicatória

Aos que temem os espinhos da vida, talvez por desconhecer sua necessidade, ou simplesmente por medo de ferir-se.

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Prefácio Aguilhoada por versos que como espinhos, chamam a minha atenção, prefacio Espinhos do deserto, com o mesmo entusiasmo que um biólogo analisaria um espécime rústico e ao mesmo tempo exuberante.

O poeta enveredou-se na solitária trilha de um deserto causticante para intitular sua mais recente criação, extraindo dos espinhos a beleza e a agudeza ao ferir para proteger sua sobrevivência. Espinhos do deserto realça em suas páginas, a temeridade ante o perigo de ferir-se e o deleite diante do colorido das composições poéticas. Os caminhos mais difíceis, muitas vezes, nos levam a lugares exuberantes. Espinhos do deserto é um deles.

Anita Hélida

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Dados biográficos No dia 04 de outubro de 1966, nasce

João Felinto Neto, em Apodi, Rio Grande do Norte. São seus pais Maria Dália Pinto, natural de Apodi e Francisco Felinto Neto, natural de Pombal. São seus irmãos e irmãs, Francimar Felinto Pinto, Francisco Felinto Filho, Gilberto Felinto, Maria da Conceição Felinto e Maria de Fátima Felinto. Em 1969, parte com sua família para Tabuleiro do Norte no Ceará. No mesmo ano passa a residir em Limoeiro do Norte, sua pátria emotiva e ponto de partida de uma fase migratória que duraria toda a sua infância, e o levaria até Santa Isabel/PA (1971), Limoeiro do Norte/CE (1973), e Mossoró/RN (1974), onde ingressa, no Instituto Dom João Costa no ano de 1975. Retorna novamente a Limoeiro do Norte (1977), onde permanece até 1982, ano em que conclui o 1º grau no Liceu de Artes e Ofícios.

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Retorna definitivamente, com sua família à cidade de Mossoró. Conclui em 1985 o 2º grau na Escola Estadual Prof. Abel Freire Coelho.

Em 1986 ingressa no serviço público, como técnico de Laboratório do Hospital Regional Tancredo Neves, atual Tarcísio Maia.

Conclui o curso de Ciências Econômicas, pela UERN, em 1991, ano em que se casa com Lucineide Régis Felinto. O primeiro filho do casal, João Vítor Regis Felinto, nasce em 1997. Somente aos 34 anos, começa escrever e catalogar poemas e crônicas. Até então seu mundo literário se resumia à leitura e ao pensamento.

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Espinhos do deserto

Vegetação que é rude pela vida. Sobrevivência e defesa; Espinhos do deserto,

Uma certeza Que lutar é o correto.

São versos

Que perfuram nosso anelo, Para não serem sozinhos.

Espinhos

Que são duros, porém, belos, Num deserto de carinhos.

Espinhos do deserto, Um oásis poético No caminho.

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Insanidade

Arrebentar meu corpo Sob a mão querida,

Não seria Racional.

Minha insanidade mental Mentiria

Ao dizer que sou normal. Cansei de demonstrar um equilíbrio

Emocional, Enquanto o tal

É o meu desequilíbrio. Já não me interessa o bom senso.

Meu contra-senso É a loucura.

Esta é a minha conduta, A postura

De um mísero canibal.

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O servo e a princesa

Eu diria que você É apenas uma escrava Que me tira as sandálias

Por prazer.

Lava os meus pés nas lágrimas Que seus olhos

Acabaram de verter.

Eu queria entender O que se passa;

Uma princesa que se agacha Para ao seu servo,

Atender.

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Não verdadeiro

Amo esse teu jeito De manter-se à distância,

Mesmo quando minha mão alcança O seu leito.

Amo esse teu jeito

De criança, Onde a esperança

Tenta superar o meu defeito.

Amo Tanto quanto amaria,

Uma filha Ao seu pai não verdadeiro.

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Muitas histórias

Talvez, por muitas histórias, Fosse a história perdida.

Um conto Que conta Um tanto Do quanto

Se escreveria.

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Simplesmente sofrer

Aquela vontade de ver, De ter, de sentir.

Que não nos deixa dormir E muito menos comer.

Aquela vontade de querer Possuir.

Vontade de nos despir Para morrer.

Vontade que não se pode esconder. Aquela vontade,

Pode crer, É simplesmente sofrer.

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Possuído

Tenho a sensação de que você me possuiu Tal uma virgem

Tem a alma exposta ao diabo. Tenho a impressão de um sacrifício

A um deus omisso Que condena os meus pecados.

Na satisfação, Fiquei perdido.

Na desilusão, Fui encontrado.

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Manibu

Um senhor, uma senhora, O filho, o neto e a nora,

Sem importar-se com as horas, Desfrutam do bom humor.

Uma coberta de palha, Uma carnaúba pintada, Fincada à beira da água, Amenizando o calor.

Um lugar aconchegante,

Onde observo, um instante, O vento mover a água. Fica tão próximo à praia, Que a água meio salgada, Tem um estranho sabor.

Por que não darmos valor Às coisas de nossa terra? A vida parece eterna

No lugar onde eu estou.

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O segredo

Não há esperança onde há medo, E nunca é cedo Para lutar.

Se queres desvendar O segredo,

Procura em si mesmo Que irás encontrar.

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Censura

O que querem os homens Quando se censuram? Querem ser tão puros Quanto os seus mitos Ou ditarem os ritos De seu próprio culto?

Já somos adultos Para calar o riso,

Para deter as lágrimas Desse triste luto.

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Para trás

Quão grande amor seria desfrutado, Não fosse eu, agora, Um eterno defunto

Que sob a lápide sente-se enojado Com seu caixão rachado, Com esse chão imundo.

Queria um espelho

Para olhar meus olhos fundos Por ter chorado tanto Pelo dia macabro.

Um noivo amado, Deixou para trás

O mundo.

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Urgência inesperada

Sento-me Pela urgência inesperada,

Enquanto o corpo Arrepia-se de cólica.

Bucólica, A nudez que nos desarma E o gemido que se solta. O ar pútrido se espalha;

A face amarelada Se deforma.

Esdrúxula hora, A que o homem não controla

E desova Sua líquida e fecal massa.

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Ao vento

Deuses sucumbiram ao silêncio; Sob eles, os pagãos.

O monoteísmo atravessa o tempo, Sob a égide dos cristãos.

Em meu ateísmo, Sacramento

É sinal que ao vento Voa, minha salvação.

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Soneto da declaração

Quero declarar o meu amor De uma maneira não moderna; Com flores e recados à janela,

Com versos declamados ao sabor.

Eu quero por Seu rosto em aquarela;

À luz de velas, Beijar-lhe com pudor.

Quero ter o vento a meu favor

Para sentir o cheiro dela, Para saber aonde vou.

Quero para sempre, meu amor, Acreditar que a vida é bela

Enquanto ainda sinto seu calor.

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O fracasso

Eu sei que a vida me leva em trapos. Caldeirões de barro De bruxos modernos. Favelas de inferno, Diversos buracos.

São armas de ferro. São balas de aço. Sou eu, o fracasso

De um programa sem sucesso.

Eu sei que a morte me olha de perto; Que chego a sentir o seu frio abraço.

Eu fumo, eu prego Minha mão no maço De notas sem eco.

São barras de ferro. Algemas de aço.

Eu sei que sou o fracasso De um programa sem sucesso.

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Eu seu que caminham lado a lado, O errado e o certo,

A ira de Deus E a fama do diabo, Senhores e servos,

Patrões e empregados, Progresso e atraso.

São os mãos-de-ferro Em torres de aço.

Sendo eu, o fracasso De um programa sem sucesso.

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O palhaço estuprador

Entre sorrisos, A ingenuidade aflora.

E o palhaço vê crianças irem embora. Mas o palhaço, quando sai do picadeiro,

Vê a si mesmo E se apavora.

Então oculta Sua culpa

Por trás de um nariz vermelho Tal o sangue de uma virgem que deflora.

E nessa hora, O seu crime é descoberto. A população, decerto,

O deplora. Ao ser linchado,

O palhaço é condenado Enquanto a morte o devora.

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Sem alma

O que sou na verdade? Me pergunto.

Sou poeira em um mundo De migalhas Ou a gralha

Que voa sem ter rumo Para ser mera caça. O que faço da vida Que me culpa.

O que faço com a culpa Que me abraça.

Fujo para dentro de mim mesmo? Tenho medo

Desse corpo tão sem alma.

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Fino vestido

Se eu falo de amor, Ela diz: - Que ridículo. Com o olhar inibido De quem ama.

Se a convido para a cama...

- Atrevido.

Se eu sair escondido? - Um sacana.

Se levanto o seu fino vestido,

Sou um velho enxerido Que se engana.

No entanto, se fico contido... Ela tira o seu fino vestido

E me ama.

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Das respostas

Quando o homem necessita Busca respostas para a fome,

Para as doenças que o consome Todos os dias.

Quando tem em abundância,

O supera a ganância E o homem a si, basta.

Quando em desgraça,

Enlouquece. De sua existência esquece

E vive de melancolia.

Quando está em harmonia, O homem se questiona,

Busca respostas para a vida Que tanto o emociona.

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Quadro da morte

Sonho que a morte É extremamente bela; Põe o rosto na janela E me diz: - Poeta, Não és de sorte. Vim buscar-te.

Sua voz não era grave. Era meiga e suave,

E um pouco acanhada.

Com a janela escancarada, Faço da morte uma arte

Na qual, ela não sustentava Uma adaga afiada De fino corte.

Pintei a morte cabisbaixa E em silêncio.

Acordei com o frio vento Que pela janela entrava.

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Nas trevas

Agora, a vida não me espera. Agora, o tempo não me espera. E eu não espero mais nada.

Não há para mim Noites sem trevas.

Onde encontro luz na terra, Minha humanidade apaga.

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Sou solitário

Não vivo só, Sou solitário

Tal um peixe no aquário Entre vários semelhantes

Da mesma espécie. Não me aborrece Ser diferente;

É que toda essa gente Não me esquece.

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De alguém

Você não é só minha. Também não é sozinha. Jamais será de todos

Por não ser de ninguém. Talvez, pertença a si mesma

Ou simplesmente seja De alguém.

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Outra opinião

Disse-me um dia, um senhor, Que quem vive de ilusão É um mero perdedor. Sou de outra opinião. Não importa a razão, O credo ou a condição, Para quem vive de amor. Pois, quem vive de amor Também vive de ilusão. Perdoe-me a conclusão: Mas quem vive de ilusão É um mero sonhador.

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Modernidade e desgraça

Você pode até achar Que eu estou imaginando

Todavia, enquanto Um carro passa,

Um velho carneiro pasta E um urubu paira,

Voando. Modernidade e desgraça

Assolam o homem do campo.

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O líder

Quando minhas palavras Não forem suficientes Para vos dar firmeza, Com atos e proezas Deveis ir em frente

Em formações coesas.

Quando nossas armas Ferirem o oponente Com a mais vil frieza, Seremos inocentes

Por sermos mais valentes, Podeis ter certeza.

Nossa vitória é a mesma. Oh! Bravos dissidentes,

O ideal presente Será nossa grandeza.

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Madeira aproveitada

Sou uma árvore tombada Em silêncio, Pelo tempo

Que minha avó a plantara.

Sem dividir meus frutos, Sem revelar minh’alma.

Os meus ossos corrutos,

Serão madeira aproveitada.

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Vida breve

Por que a vida é tão breve Para os que tentam vivê-la, Enquanto outros vivem tanto Sem ao menos merecê-la?

Talvez viver o bastante,

Ainda seja Viver os poucos instantes, Da maneira que se deseja.

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Atos proibidos

Um jovem urinou atrás de um carro, No mesmo ato Sofreu um tiro.

Um outro, seu irmão, ao seu lado, Também foi alvo.

Duas mortes sem sentido.

Quem nunca deu o dedo Quando se manda alguém tomar no C.?

Acredite você, Alguém se achou tão ofendido

Que disparou dois tiros. Mais duas mortes sem sentido,

Sem porquê.

Queria eu saber, Onde está escrito

Que um homem pode ser executado Por viver

E que os mais simples atos Levam-nos ao extremo, que é morrer?

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Pretendo defender Que ninguém ande armado, Nem mesmo um soldado Cumprindo seu dever.

Nenhum dos assassinos, nesses casos,

Eram bandidos vis e procurados. Mas cidadãos armados Que estavam ofuscados Com o brilho do poder; Poder de tirar vidas,

Simplesmente por querer.

Está em nossas mãos. Na próxima eleição,

Vote em quem merecer. Talvez seja ilusão. O que vamos fazer?

Dá o dedo pra morrer.

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46

Dama ardente

Eu adoro o seu nome, Mesmo que você não goste. Está bem o seu decote, Não requer o silicone. Não seja tão exigente

Consigo mesma; Você esbanja beleza,

Dama ardente. Sua boca é inocente

Quando fala. Mas peca cruelmente,

Quando beija.

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47

Penúltima entidade

Deixo os meus pecados enterrados Nas profundezas do inferno.

Enquanto o verbo Alimenta-se de minha carne,

A minha alma parte Sob as asas do eterno.

Eu sou, decerto, A penúltima entidade.

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48

Histérica

Tenho medo de sair às ruas, Não por temer as suas

Pretensões, Mas por razões

Diversas Que não me cabe às pressas,

Gritar a plenos pulmões. Não cabe a mim

Sermões E nem lições Ou regras.

E pouco me interessa Sua maneira histérica De ver as relações.

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49

Como outrora

Os dias de hoje Não são como outrora; Não há mais senhora, Pois não, por favor, Com sua licença, Perdão, paciência, Palavras amenas De enorme valor. Os dias de hoje

Não são como outrora.

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50

Ofensa

A minha felicidade, Após a sentença,

Não é pela promessa De sua crença,

Se eu fosse perdoado. Mas, pelo que eu fiz no meu passado,

Pelo sabor de minha inocência. E quando soam os sinos no campanário,

O meu veredicto de culpado: É pura ofensa.

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Mulher amada

Sem os arroubos de minha juventude, Numa atitude Precipitada,

Eu daria minha própria vida Pela mulher amada.

Sem temer a tumba escancarada,

O ataúde Já de tampa aberta,

Eu trocaria de lugar, na certa, Com a mulher amada.

Eu fitaria seu rosto,

A envolveria com calma Com meu próprio corpo Que somente morto

Possuiria alma.

Meu corpo Antes vazio,

Só teria agora um desafio:

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O de guardar para sempre, A alma tão presente Dessa mulher ausente Por ele tanto amada.

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Sem par

Tentei matar Esse amor no coração Por inteiro, em solidão, Depois de nos separar.

Todavia, entre fazer e falar, Há uma enorme distância.

Você é bem mais que lembrança, É uma presença no ar.

Fugir para um outro lugar, Tentar esquecer é em vão; Você é uma estranha visão

Que não sai do olhar.

Quem sabe, eu possa encontrar Um jeito de silenciar

A voz que ainda grita em mim?

Talvez, seja também o fim De um louco sem par.

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Carona

Despem-se sob a lona, Damas de saia. E cada uma,

Aranha Que suga o sangue

Das palavras. De mão vazia, anda

Tecendo a teia que agarra Os grãos de areia

Que o vento apanha E semeia

No chão da estrada.

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55

Ofendido

Acreditou na ilusão De que o inferno se acabou.

Mas não queria ver Ninguém chorar no céu.

As próprias lágrimas, enxugou. No coração, se arrependeu.

Não perdoava Deus Por tê-lo feito ateu.

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Pela raiz

Prefiro lamentar a vida toda, Por ter feito a escolha

De viver à toa E ser dono do nariz,

Do que acreditar que sou feliz De mãos atadas,

Como árvore desgalhada E imobilizada Pela raiz.

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57

Natureza

Vejo o céu cerzido ao mar Pela linha do horizonte; Uma anciã a costurar

Com a luz do sol defronte, Tão sombria e tão distante. Talvez, seja a natureza Encoberta da tristeza

Que ainda lhe causa o homem.

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A hora do orgasmo

A hora do orgasmo É a hora em que eu encontro

Deus e o Diabo Sentados,

Frente a frente, Olhos nos olhos

E em completo silêncio. Então, eu quebro este silêncio Com meu grito de prazer.

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Olhos de azulão

O que busca essa mulher Pela qual minto,

Senão A mesma solidão

Que sinto Quando longe de seus olhos de azulão?

Os mesmos olhos

Que me olham da gaiola Quando eu abro a porta E eles vêem a imensidão.

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60

Como vê

Por que o mundo vê meu rosto Como vê,

Enquanto não consigo enxergar nada?

Talvez, minha pergunta Esteja errada Ou jamais haja

Alguém pra responder.

Será que meu semblante Só não retrata minha alma

Para o meu ser?

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61

Uma mão

Quero reter Minha vida nos seus braços.

Quero viver De orgias e orgasmos.

Todas as noites que eu passo

Só, em claro, Aumenta minha aflição.

Sob a nudez e o fracasso,

Apelo desesperado Por uma ajuda,

Uma mão.

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62

Se fossem sãos

A rima É mera aflição

Dos versos que me espelham Naquilo que são.

De forma nenhuma dirão

Do que são feitos.

Meus versos Seriam perfeitos Se fossem sãos. Mas nada são,

Senão Defeitos.

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63

Entre corpos nos quintais

Os que lutam pela liberdade Estão atrás das grades.

Estão em guerra, Os que lutam pela paz.

O que faz Aquele que os menospreza?

Será na certa, Destaque nos jornais.

Estão loucos, Os que buscam ideais.

Talvez mortos, Entre corpos, Nos quintais.

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64

Em tom de brincadeira

Pensei que teria a vida inteira Para consolidar meu compromisso.

Mas, tua ironia foi preciso, Para a percepção de minha asneira.

Se minha condição não é aceita, Não quero mais correr tal risco,

E tudo acaba aqui, em um sorriso, Em tom de brincadeira.

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65

Meu coração morre por mim

Meu coração Não diz que não, Nem diz que sim, Talvez, por que,

Quem sabe, então, Quando está em solidão,

Quando já não está em mim.

Meu coração Pede perdão,

Na ilusão que não tem fim. Na mais esdrúxula compaixão,

Meu coração Morre por mim.

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66

Aquela saudade

Sinceramente, o que sinto É na verdade uma queixa, Como quem parte sozinho

E mesmo indo Se deixa

Ficar ali, à vontade; No peito, aquela saudade De quem há muito deseja Voltar no mesmo caminho.

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67

Paraíso anônimo

Nesta solidão em que me encontro, O mundo ficaria pronto

Em um só dia. Pois tudo que existe eu deixaria, Menos, claro, o ser humano.

Por tudo que vem dele ser profano,

A natureza me agradeceria. Jamais ia querer tal companhia.

Nem mesmo eu, existiria Nesse paraíso anônimo.

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A inversão

Dizem que sou um louco Por inverter minha vida.

O meu cotidiano, o dia-a-dia, É para mim, um mero sonho. E tudo aquilo que componho

Em meus sonhos, Não considero utopia, Mas sim, a realidade.

Eu sou assim, um animal noturno, Por viver durante a noite.

Passo o dia todo de olhos abertos Num sonho, desperto, irreal; Sendo um homem normal, Com problemas, com tédio

E uma falsa moral. Considero que quando fecho Meus olhos e adormeço,

Eis aí o começo Do mundo real,

Onde sou bem e mal, Um herói, um bandido

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Ou um deus imortal E não corro perigo.

Não há dor Que eu não possa sanar.

Não há mal Que eu não possa curar.

Sou capaz de voar, De fazer com que algo aconteça. Que ninguém nunca esqueça

Que viver, na verdade, é sonhar. Vem o sol, me desperta

Para o sonho que é a vida real; Sou agora um mortal, Um completo pateta

Que trabalha e tem pressa De chegar.

Eu prefiro voltar Para o mundo ideal. Adormeço, e afinal Volto à realidade

Do que chamam sonhar.

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A fantasia

Amo você Com o mesmo ardor da juventude,

Na quietude De minha atual idade. Amo-a na ausência

Como num dia de saudade, Detenho-me a cada ínfima lembrança,

Com a mesma paz Que traz

Aquela esperança Após uma guerra. Amo-a em terra

Com a cabeça pelas nuvens. Amo atitudes

Que jamais seriam minhas, Como entre linhas, Leio uma poesia.

Amo como se ama o alvorecer De cada dia,

Como o sorriso Na inocente alegria

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De um bebê. E ter você,

Ainda parece utopia. Mas, quis a vida

Que eu vivesse a fantasia De meu ser,

Que é para sempre, Você.

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Quando choro

Onde andam os meus olhos Quando choro,

Se não consigo encontrar As minhas lágrimas?

Nas migalhas, Além de meus remorsos?

Nos meus ossos, Aquém de minha alma?

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A resposta é não

Quero a resposta Pra meu corpo que ainda pede

O toque de tua pele Na imprecisão imposta. Ao ver as tuas costas,

Eu entendo que me negue. A vontade que espere

Por ser não, tua resposta.

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Minha geração

Essa amargura Que me faz um homem rude,

É mera atitude De defesa.

Odeio a pobreza Que aos pés de Deus se ilude;

Enquanto a juventude, Nada almeja.

Desprezo a mania de grandeza Que o rico tem com tudo. Não sou um carrancudo

Por frieza; Somente faço uso

Da tristeza De um sisudo, Por ser fruto

De uma geração que aceita.

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Tentativas

Tento, tento, Não me engano.

A cada dia morrendo; É o mal de ser humano, A paga de estar vivendo.

Tento, tento, Não reclamo

Por estar envelhecendo; É sinal de muitos anos.

Nas rugas, espelho o tempo.

Tento, tento, Tento tanto.

Talvez, a morte sem pranto Seja o melhor acalento.

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Exploração do medo

O que está preso Em meu peito

E que à noite, me apavora, Que não controlo e me dá medo,

É a violência de agora. Está dentro de mim mesmo E se espalha em segredo Pelos corações lá fora. O que ainda me controla É saber que morre cedo, Todo aquele que explora Com violência, o medo.

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Remoinho

Surpreende-me o vento Que atravessa o meu caminho,

Elevando a poeira, E joga um punhado de areia, Em meus olhos desatentos; Cobrindo o meu pensamento Que faz um redemoinho De idéias e asneiras.

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Os três poderes

Quantos poderes nós temos? Temos poderes demais. Os quais, não funcionam.

Seriam três? Talvez,

Se não me engano. Vamos citá-los um de cada vez:

O executivo,

À beira do lixo, Nada executa. É só desculpa E embromação.

Enquanto à nação? Uma enorme estação

De corrupção E filhos da culpa.

O legislativo

Já está no lixo, Só tem ladrão.

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Há exceção? Sim, lá tem bandido,

Cara de pau E mercenário.

O judiciário

É um triste cenário. Mas teatral. Gente do mal Fingindo bem. Que porcaria, A hipocrisia

Manda tão bem.

Bem, na verdade, Não há poderes, Há poderosos

Que sobre os ossos De nosso ofício, Erguem o vício Da impunidade.

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80

Põem a justiça na contramão E atrás das grades,

O cidadão.

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81

O pedinte

À mesa ainda bem posta, Uma jovem meiga, inocente,

Tão fina e sorridente, De uma beleza espantosa.

A observo da porta.

Sinto-me tão impotente, Que não escuto a resposta

Do homem que toma a frente.

Com uma voz insistente, Obriga-me a dar-lhe as costas. Vagueio por longas horas, Com a sacola pendente. Estava alheio ao presente, Já não pedia esmolas.

Pensava: Que faço agora

Que descobri que ser gente É coisa bem diferente

Do que acreditava outrora?

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Eu sou aquele que chora, Em meio aos indiferentes. Talvez, eu seja descrente

Com o mundo que me explora.

Não estou sozinho; embora Não tenha amigos presentes. Sei que a miséria é crescente,

Que em si, é paciente, Morre à míngua sob a glória.

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Por ser louco

Teus olhos negros me espiam Dentre as trevas, Pelas frestas

De tábuas velhas E úmidas.

Enquanto ouço teus gemidos

Sob a terra, Negocio o teu preço,

Sem apreço Pela vida em minhas unhas.

Cravei teu corpo

E selei a tua morte; Não por ser forte. Mas, por ser louco.

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Romã

Com a graça de Deus, Encontrei o inferno. E lá estavam os anjos

Ao lado de satã. Era uma bela manhã

De inverno. Uma jovem pagã,

Que tentava decerto, Colher uma maçã; Exibia seu sexo

A um velho perverso Que a chamava

Romã.

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Tolos

O mais tolo de nós dois É o que se acha mais esperto.

Que decerto, É você.

Pois, se eu dissesse o ser, Estaria me gabando.

Dessa forma, condenando A ser tolo sem querer.

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Sonho especial

Tive um sonho especial, No qual,

Um talento musical Dedilhava bons versos.

Nesse universo

Cultural, O valor estético

Era a essência musical, Não o voltívolo sucesso.

Mas, ao inverso, Na vida real,

O cenário habitual De letra sem muito nexo,

De melodia banal, É a mídia, É o sucesso.

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Sade

E com meu sangue Nas paredes, eu faria Como o marquês.

Escreveria, Por minha vez,

Poemas obscenos. Em meus acenos,

Investiria contra deus E seus

Pretensos mandamentos.

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A centenária

Eram paredes largas. De uma altura imensa, O teto desta casa.

Cem anos de existência.

Dos ancestrais, a falta Da eterna insistência De mantê-la habitada.

Dos herdeiros, a mágoa Por tê-la exposto à venda.

Casa,

Casarão da fazenda. Mato seco molhado Pelo tempo esperado Na saudade expenda.

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O rosto

A dor do silêncio, Por abafar um grito

De morte. O mesmo silêncio

Que não me permite gritar Mais forte.

Na expressão de cada olhar, Vê-se o medo De um segredo

Pelo mundo ocultado. Em um retrato,

Vê-se um rosto tão perfeito, Que não se nota

As feridas do passado.

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Em silêncio

Eu não fico em silêncio. Talvez, o burburinho

Faça-me pensar melhor.

Na garganta, Um nó

Desatado.

Assim, se engana Um homem acostumado

A ficar só.

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Melito

Vejo tantos Procurando um artifício

Que é difícil Encontrar uma saída

Em uma luta persistente pela vida.

Ainda corre-se o risco De herdar tal precipício,

A diabetes melito, Um eterno sofrimento.

São picadas, Insulina,

Uma luta que não finda, Luta árdua, de lamento. Jamais, se sai vencedor. Mas, pode com ardor, Controlar tal inimigo.

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No ponto

Ponto de pontuação. De entrada e de saída. Onde está a condução Para a hora da partida.

Ponto para união Na costura e cirurgia. Na disputa, a emoção.

Em cada ponto, a conquista. Ponto para aprovação, Na matéria pretendida.

Para a localização Da embarcação perdida. Eis o meu ponto de vista (Ponto como opinião).

No ponto, está minha pizza; Ponto aqui é perfeição.

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Uuh!

O que chama a atenção Num velho trem ou navio

É a sonorização. Em nossa boca,

O assovio. Uma mera interjeição:

Uuh! Teria a mesma função. Nesse caso, então,

Quer dizer o melhor pão Que esta cidade já viu.

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94

A pizzaria

Venha, você mesmo, veja! Esse lugar é demais. Enquanto o pedido sai, Podemos tomar cerveja Ou mesmo ficar à mesa, Entre conversas banais. Entre gestos casuais,

Mantemos a idéia acesa. A espera, não nos deixa Perder a calma e a paz, Por termos plena certeza Que sorriso e gentileza

São ingredientes adicionais.

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O ambiente

Qual seria seu segredo? Seria a massa, o queijo, O presunto, o tempero, O calor do forno aceso Ou a mera dedicação?

Não há fórmula, nem segredo.

O que faço é o mesmo Que faz cada parceiro Numa longa relação.

Na verdade, meu desejo É a sua satisfação.

Sei que o sabor vem primeiro; Mas, o ambiente inteiro, Além de muito aconchego, Tem que ter animação.

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Manhas

As manhas De um tempo de ressaca,

Onde a cachaça Alcançava as manhãs,

Eram tantas, Que ainda deixam embriagadas,

As noitadas Que são agora, vãs.

E permanecem em mim, Tão abraçadas,

Que chego a sentir n’alma, Seu afã.

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97

Todos vocês

Talvez, A lucidez

Não me acolha, E ao não ter escolha,

Serei louco de uma vez. Se à estupidez, Ninguém perdoa; Que vá à porra, Todos vocês.

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Perturbador

O amor nos regenera Das feridas Que a vida Nos flagela.

Eu diria isso a ela, Se aceitasse me escutar. É estranho a gente amar Quem não nos preza.

É perturbador, Você querer alguém

Que está além De seu amor.

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Se não me dou

Eu saberia me dar Se soubesse ser. Por não saber

Se sou, Não saberia

Se sei, Se me daria,

Se dei, Se não me dou.

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Porta aberta

A porta está aberta. O mundo está lá fora.

Aqui dentro, a espera me devora. Aonde iria a esta hora?

A qual lugar? O que faria,

Se viesse a me encontrar? Há escuridão

Por trás das últimas luzes. Há desilusão

Por trás das últimas cruzes. Vozes que dizem amém.

Eu irei também. É noite,

As estrelas me intrigam. Há curiosidade

Ao que é real de fato. Estou fora.

Estou descalço. Estou farto De retórica.

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Minha vista não alcança o infinito. O meu grito

Não se escuta em alto mar. Vou entrar;

Já que em casa, Eu me conformo que a vida

É um véu sob medida Para a ilusão contida

Em meu pesar.

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Voa pra casa

Volta no tempo, Batendo asas. Voa pra casa. Volta pra mim. Não há um fim Para quem casa, Só a desgraça

De achar que sim.

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O fruto proibido

Você é o fruto proibido Que ousei tocar.

Um amor que só se dá Sem receber.

Quanto mais perto está, Eu posso ver

A distância que separa O céu e o mar,

E que teima em separar, Eu e você.

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Na raia

Se você me beija, Me deseja.

Desejar, que eu saiba, É querer.

Eu quero dizer, Antes que saia, Que cair na raia

É perder.

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Entre espinhos e flores

Como posso Abandoná-la no caminho,

Se sozinho, Eu jamais irei chegar? Eu teria que voltar

Entre flores e espinhos, Para lhe acompanhar.

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Entre espada e poder

Linda criatura, Os teus olhos são a cura

Para o meu ser. Nem tento viver Sem tua ajuda, Minha armadura.

Entre espada e poder, És minha jura

De novamente nascer.

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Trágica visão

Minha vida tão sem cor, Não tem matiz. E por um triz,

Eu não conheci o amor.

Minha alma não tem par; Meu falar

Não tem razão E minha mão

Não consegue alcançar.

Minha cama tem lugar Para mais dois. Mas, e depois?

Só o tempo me dirá.

É preciso emergir Da solidão, Um coração

Que não pára de sonhar.

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Minha cabeça Ainda teima Em pensar, Ao mergulhar

Para a eterna escuridão, Onde a emoção

Sopra a tenra luz que há, Iluminando sutilmente, meu pesar,

Numa trágica visão.

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O perdão

O que seria o perdão, Senão

Uma esdrúxula fraqueza?

Para um erro grave, O perdão quem sabe,

Só burrice, seja.

Perdoar a todo custo, Não seria justo

Para a vítima indefesa.

O perdão, talvez Seja, mera estupidez De quem o deseja.

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Complexo

Enquanto todos se lembram, Eu sou o único esquecido. Nunca estou em foco Por ser imprevisível.

Enquanto todos se tocam, Eu me afasto e evito.

Talvez, por que não suporto Esse ato presumível.

Nem mesmo a mão de um amigo, Serve de apoio.

Num vasto campo de trigo, Eu sou o joio.

Estou um tanto perplexo Que ninguém veja a verdade.

Não é apenas complexo, A minha inferioridade.

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Versos mórbidos

Em meio a tantos pensamentos tortos, Meus anjos

Nasciam mortos. Entre seus corpos,

Eu nasci. Tão só,

Que não ouvi Nem o meu choro.

Tão louco, Que não sabia chorar. Tiveram que arrancar Os meus dois olhos, Pra meu remorso,

Entre lágrimas, jorrar. Tentaram me escutar Ao som de ossos

Que teimavam me quebrar. Em seu lugar,

Puseram um velho relógio, Que em versos mórbidos,

Parecia minhas horas não marcar.

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Até a morte

Sei que meu amor Valeria minha vida. Sem dúvida, lutaria

Até a morte.

Não seria por grandeza; Mas por ter plena certeza, Que meu amor mereceria

Minha sorte.

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Desprezível

Aos poucos, que percebem que eu existo, Insisto

Que esqueçam quem eu sou. Eu quero ser apenas desafeto,

O inseto Que uma bota esmagou. Um véu tão transparente

E sem cor, Que a toda gente, Se torne invisível.

Desejo ser um homem desprezível, Que o mundo não me dê nenhum valor. Que o meu nome cause tanto horror,

Que seja evitado se falar. Desejo para sempre, me ocultar, Por ser considerado um maldito. Espero que ao ter me esquecido,

O mundo nunca mais volte a lembrar.

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Vazio imenso

Faz pouco tempo Que sai de casa; A deixei deitada, Junto ao rebento.

O dia é lento,

A hora não passa, A saudade agasta

O meu pensamento.

Já não agüento Esse sentimento, Um vazio imenso

Dentro de minh’alma.

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Para fugir de tudo

Fujo Da melancolia,

Para não cortar meus pulsos. Quando a pele arrepia, Sinto calafrios, impulsos De trocar a minha pele,

Pela agonia Que me fere, Que me alicia A deixar a vida

Para fugir de tudo.

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Vulto

Sob a lua, quis chorar, Meu ser confuso.

Um intruso Na vontade de pensar.

Já não canta, Por querer manter-me mudo

No absurdo De nem mesmo me falar.

Se eu não moro em seu lugar, Serei só vulto

Desse ser, que em mim oculto, Quer ficar.

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No meu rosto

Pelos meus olhos, Não sei se sou louco

Ou serei outro Que não quer se achar.

Perdi meu ar De bom moço. Perdi meu gosto

De amar.

Pelos meus olhos, Não sei se sofro; Se, é de desgosto, Esse meu pesar.

Eu tento ver no meu rosto, Se ainda é pouco,

O que há.

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Pela calçada vazia

Pela calçada vazia, Perambulava.

Meu peito aberto, fazia Papel de escudo Ao vento e a tudo Que ele trazia Da noite fria

Que me queimava. Meu corpo ardia, Alheio e mudo Eu insistia,

Ainda teimava. Chegasse a noite, Chegasse o dia,

Eu estaria Perambulando Pela calçada Quase vazia

Da madrugada. Pela rua movimentada, De vez em quando,

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Esbarraria Com o rosto humano Que eu já não via Quando o espelho Me espelhava.

Enquanto perambulava Pela calçada vazia,

Ao esquecer que existia, Perdia A alma.

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Imerecidos

Andei perdido Por diversos pensamentos, Atrelados ao momento Que dividi com você, Que duvido viver Mais uma vez. Era uma vez

Nós dois, talvez, Como amantes.

Nunca será como antes. Eu e você, Bons amigos Imerecidos

De uma noite de prazer.