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Revista Esperança Bento XVI reconhece Virtudes Heroicas de Assunta Marchetti Presença missionária junto aos haitianos em Manaus Ele está sempre conosco: Missão Scalabriniana na Indonésia Ano IV – nº 7 – 1º semestre de 2012

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RevistaEsperança

Bento XVI reconhece Virtudes

Heroicas de Assunta Marchetti

Presença missionária junto

aos haitianos em Manaus

Ele está sempre conosco: Missão

Scalabriniana na Indonésia

Ano IV – nº 7 – 1º semestre de 2012

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Sumário

fundAmentAção

Discípulo-missionário na América Latina .........................................2

“Ai de mim se não evangelizar” Paulo Apóstolo: convite à universalidade e diversidade ................................................4

Prolongando a ação de Jesus na história ............................................7

Madre Assunta Marchetti: Papa Bento XVI reconhece as Virtudes Heroicas da Missionária ..................................................... 10

Comunicar a caridade de Cristo aos migrantes ............................. 14

expeRiência pastoRal

Discípulas e missionárias no mundo das migrações .................... 16

Paixão pelos migrantes, paixão pelo Reino ..................................... 18

Servir e evangelizar na Índia ............................................................... 20

Ele está sempre conosco: Missão Scalabriniana na Indonésia .................................................. 22

Chamada a ser sinal profético: Missão em Reggio Calabria................................................................. 24

Nova forma de evangelizar: Presença Missionária junto aos haitianos em Manaus ................ 26

Na rota dos migrantes temporários: Missão em Fernandópolis ................................................................... 28

Superações e conquistas: Nova Rosa da Penha – Cariacica ........................................................ 30

O outro lado do muro .......................................................................... 32

capa: Detalhe do cartaz do 3º congresso Missionário nacional – poM e coMina

REvista EspERança

publicação semestral das irmãs Missionárias de são Carlos Borromeo – scalabrinianas

província nossa senhora aparecidaMaio de 2012

Diretorair. neusa de Fátima Mariano, mscs

Superiora Provincial

Coordenação Geralir. sandra Maria pinheiro, mscsConselheira e Secretária Provincial

Direção de redaçãoir. elizangela chaves Dias, mscs

ir. Rosa Maria Martins silva, mscsamanda Galdino

ColaboradoresDom Demétrio Valentini

ir. erta lemos, mscsir. inês Facioli, mscs

ir. ires de costa, mscsir. Jaquelina Vicente, mscs

ir. Mª Manuela cabral amaral, mscsir. Maria teresa Mercado, mscs

ir. osani Benedita da silva, mscsir. sonia Delforno, mscs

Jornalistas responsáveisir. Maria lélis da silva, mscs

amanda Galdino

Revisão Geralir. sandra Maria pinheiro, mscs

amanda Galdino

Fotografiasarquivo da congregação Mscs

e província nsa

Diagramação e arteinês Ruivo – Hi Design

impressão e acabamentoedições loyola

Rua 1822, nº 34704216-000, são paulo, sp

tel 55 11 3385-8500

tiragem1000 exemplares

Contatoprovíncia nossa senhora aparecida

praça nami Jafet, 9604205-050 – ipirangasão paulo – sp – Brasil

tel (11) 2066-2900www.mscs.org.br

e-mail: [email protected]

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Caros Leitores

Esta edição da revista Esperança aborda o tema da “missão scalabriniana na Igreja hoje” à luz

dos documentos eclesiais, do carisma scalabriniano e da leitura atenta da realidade migra-

tória. As escritoras dos artigos que, em sua maioria, são as próprias Irmãs Missionárias de

São Carlos Borromeo – Scalabrinianas, partindo de vários enfoques, partilham conosco lindas e

significativas experiências vividas nos diferentes países onde marcamos presença de serviço evangé-

lico e missionário junto aos migrantes e refugiados.

Estas experiências missionárias são no vasto campo das migrações, pequenos raios de luz e refle-

xos da missão que Cristo transmitiu à sua Igreja, e demonstra nossa busca para sermos “resposta

eclesial às novas necessidades pastorais dos migrantes, a fim de conduzi-los, por sua vez, a trans-

formar a experiência migratória em ocasião não só de crescimento na vida cristã, mas também, de

nova evangelização e de missão”, evidenciando assim as “alegrias e as esperanças, as tristezas e as

angustias” dos povos em mobilidade humana.

Os artigos, relatos, entrevistas e testemunhos demonstram tudo aquilo que Deus vem realizando

no campo das migrações, através das Irmãs Missionárias Scalabrinianas a favor dos migrantes e

refugiados. Ao mesmo tempo, expressam a espiritualidade que perpassa a missão, a qual brota da

própria experiência com os migrantes, construtores providenciais da grande civilização universal, e

espaços onde se vive a experiência maravilhosa de estar junto com povos de diferentes nacionalida-

des, etnias e credos, num determinado momento histórico, apoiando-os em sua peregrinação rumo

à Pátria celeste. Nesta caminhada, a experiência espiritual do povo de Israel e da comunidade cristã

ilumina a experiência concreta realizada pelas Irmãs junto ao povo migrante.

Faço votos que, por meio da leitura destas páginas, todos possam conhecer um pouco mais da

missão que a Igreja confia à nossa Congregação, e sintam-se também motivados a acolherem os

migrantes em suas diferentes categorias, onde as diferenças se tornam harmonia no Espírito e uni-

dade na diversidade, em sintonia com as palavras do Evangelho “Eu era peregrino e me acolheste!”.

Boa leitura,

Ir. Neusa de Fátima Mariano, mscsSuperiora Provincial

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FuNdaMeNtação

A Revista Esperança, ao tratar o

tema da missão, dá uma vol-

ta ao mundo para conhecer e

compreender o fazer missionário das

Scalabrinianas, mas vale refletir sobre

o pensamento da Igreja Latinoameri-

cana, nos últimos anos, sobre sua ação

evangelizadora no continente e a mo-

bilidade humana como provocadora

de um novo jeito de ser Igreja.

Falar sobre a missão na América La-

tina é trazer à consciência a memória

de uma história de colonização que

ainda permanece em nossos dias. Faço

minhas as palavras do Padre Paulo

Suess. De acordo com ele, a coloniza-

ção é memória, diferente da missão

que, além de memória é, e precisa ser

projeto. A memória e o projeto são os

suportes da vida missionária.

Isto porque a memória não nos deixa

cair no esquecimento de um passado

marcado por uma ideologia colonial.

Nesse período, ser missionário nada

mais era que “cristianizar as culturas”,

o que significava domar os nativos,

aprender a sua língua para lhes impor

novos conceitos e experiências de Deus

a modo europeu; e dizer aos africanos

a “verdadeira forma de entrar em con-

tato com a divindade”.

Dizimados das suas terras, das suas

origens, do seu modo de falar com

Deus, indígenas e africanos ainda vivem

as duras consequências de uma evan-

gelização e colonização que, por mais

que seja difícil aceitar, dificultou as re-

lações destes povos com o seu Deus, o

seu protagonismo sociocultural

e às margens da socie-

dade ainda estão

até os dias de hoje.

Os indígenas, na

luta constante

pe la recu peração

da terra e do direito de nela viver

e tirar o seu sustento, e acima

de tudo conservá-la a partir da

sua espiritualidade, vê a nature-

za como direito de todos, a qual

deve ser amada e reverenciada.

Os imigrantes africanos aqui

instalados e refugiados nas senza-

las, para não perder a relação com

suas divindades as relacionavam aos

santos católicos como, por exemplo,

Iemanjá (Nossa Senhora da Concei-

ção), Oxossi (São Jorge), Iansã (Santa

Bárbara).

A sociedade atual é uma sociedade

em movimento na qual a globalização

favorece o contato com outras etnias,

religiões, culturas, línguas e provoca a

Igreja a colocar-se em constante movi-

mento, a sair de “si mesma” e das “es-

truturas” que significa abertura e olhos

para ver, ouvidos para ouvir, e pés para

tocar o chão da realidade para ser tes-

temunho do amor de Deus, lá onde Ele

se encontra, como servo da Palavra.

O Documento de Aparecida faz um

apelo à conversão como um elemento

fundamental para a renovação missio-

nária. O discípulo-missionário deve

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Discípulo-missionário na América Latina

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abraçar os processos de renovação mis-

sionária abandonando as estruturas

do passado que não ajudam na trans-

missão da fé (DA, 365). “Para uma

frutuosa pastoral de comunhão, po-

derá ser útil atualizar as tradicionais

estruturas que atendem os migrantes

e refugiados, dotando-as de modelos

que correspondem melhor às novas

si tuações em que aparecem diferentes

culturas e povos a interagir” (Bento XVI

na Mensagem para o Dia Mundial do

Migrante, 2012).

E essa conversão que deverá ser pes-

soal, desperta a capacidade de subme-

ter tudo em vista do projeto de instau-

ração do Reino de Deus. E aqui, todo

o povo de Deus, sacerdotes, religiosos,

religiosas e leigos são chamados a ou-

vir o que o Espírito tem a dizer atra-

vés dos sinais dos tempos (DA, 366).

O Documento de Aparecida nos apre-

senta três dicas fundamentais para

o discípulo-missionário no exercício

de sua missão:

Deixar-se tocar pelo Evangelho de

Jesus e tornar-se “casa dos pobres”.

A conversão leva a comunidade a

sair de uma pastoral de conserva-

ção e, com novo ardor missionário,

manifestar-se como mãe que vai ao

encontro, como casa acolhedora,

como uma escola permanente de

comunhão missionária (DA, 370);

Deixar-se tocar pelo Evangelho de

Jesus e tornar-se “samaritano”: de-

dicar atenção a eles, mostrar-se in-

teressado pela sua causa, ter uma

proximidade tal que torne o mis-

sionário de verdade, um amigo. No

texto do Evangelho, duas pessoas

eram bastante religiosas, mas para

Jesus não serviu nem a oração do

levita nem o culto do sacerdote,

mas o bom samaritano que soube

acolher e proteger. O missionário

é aquele que se faz presente, que é

testemunha do amor de Deus, que

acolhe como o bom samaritano;

Deixar-se tocar pelo Evangelho de

Jesus e ser advogado dos pobres:

não há missão sem a defesa dos

pobres. O Santo Padre nos recorda

que a Igreja é convocada a ser “ad-

vogada da justiça e defensora dos

pobres” frente às “intoleráveis de-

sigualdades sociais e econômicas”

que “clamam aos céus” (DA, 395).

Para cumprir essa missão profética

contamos com a Doutrina Social

da Igreja. Ela “é capaz de desper-

tar esperança em meio às situações

mais difíceis porque, se não há es-

perança para os pobres, não haverá

para ninguém, nem sequer para os

chamados ricos” (DA, 395).

O projeto como suporte para missão

nos ajuda a trabalhar para que a Igreja

da América Latina e Caribe continue

sendo a companheira de caminhada

dos nossos irmãos mais pobres, inclu-

sive até o martírio (DA, 396).

Migrantes: protagonistas e destinatários da missão

Ao fazer memória do passado vale

lembrar que a verdadeira evangelização

se deu com os migrantes. Para manter

a fé e alimentados por ela, iniciaram

comunidades porque não tinham con-

sigo os seus respectivos párocos e nem

a Igreja estava preparada para acolhê-

los. Inventaram então suas confrarias,

pregavam como sabiam, e dessa expe-

riência surgiam líderes do povo, como

Antonio Conselheiro e outros.

No contexto atual não se pode negar

que os migrantes no processo de mu-

dança, correm também o risco de per-

der a própria fé vivenciada na região de

origem. Neste sentido, Bento XVI su-

gere aos “religiosos, religiosas, clérigos

e leigos serem sensíveis e ajudarem aos

irmãos que, fugindo da violência tem

que se confrontar com novos estilos

de vida e com dificuldades de integra-

ção, pois o anúncio de Jesus Cristo será

fonte de alívio, esperança e alegria...”

(Mensagem para o Dia Mundial do

Migrante, 2012). Como protagonistas

da missão, as pessoas em mobilidade

desempenham papel precioso no cam-

po da evangelização, porque podem

tornar-se anunciadores da Palavra, e

testemunhas do Senhor Ressuscitado,

esperança do mundo (DV, 105).

Ir. Rosa Maria Martins, mscsBrasília – DF

“… todo o povo de Deus, sacerdotes,

religiosos, religiosas e leigos são chamados a ouvir o que o Espírito

tem a dizer através dos sinais dos tempos”

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“Ai de mim se não evangelizar”Paulo Apóstolo: convite à universalidade e diversidade

Abordar o tema missão, tendo

como referência as Sagradas

Escrituras, implica a necessi-

dade de delimitar o foco da atenção,

devido à amplitude e a pluralidade do

que pode vir a ser explorado numa re-

flexão. Por isso, escolheu-se aqui falar

de um missionário que, certamente,

não é estranho para a maioria dos lei-

tores. É evidente que, entre tantas ima-

gens de missionários, aquela de Paulo

desponta com certa vivacidade.

Antes de falar da ação é importan-

te contextualizar o leitor a respeito

da identidade deste genuíno missio-

nário. Alguns dados das Escrituras

demonstram que o Apóstolo Paulo

nasceu entre os anos 5 e 10 d.C, em

Tarso, na Cilícia (At 21,39; 22,3). Era

filho de judeus, da tribo de Benjamin

e como era costume, foi circuncidado

ao oitavo dia (Fl 3,5). Cresceu seguin-

do a mais perfeita tradição judaica

(Fl 3,3-6). Tinha uma irmã e um so-

brinho que moravam em Jerusalém

(At 23,16). Sua profissão era artesão,

fabricante de tendas (cf. At 18,3). O

seu estado civil parece ser um tanto in-

certo ainda que, na maioria das vezes,

se afirme que era solteiro. De fato, em

I Cor 7,8 ele escreve: “Aos solteiros e

às viúvas, digo que seria melhor que

ficassem como eu”. Mas em I Cor 9,5

ele pergunta: “Não temos o direito de

levar conosco nas viagens uma mulher

cristã, como fazem os outros Apósto-

los e os irmãos do Senhor e Pedro?”.

Ainda jovem foi para Jerusalém e, na

escola de Gamaliel, se especializou no

conhecimento da sua religião. Tornou-

-se fariseu, ou seja, especialista rigo-

roso e irrepreensível no cumprimen-

to de toda a Lei em seus pormenores

(At 22,3). Muito zeloso pela sua reli-

gião a defendia perseguindo aqueles

que a contrariasse (Fl 3,6; At 22,4s;

FuNdaMeNtação

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Uma das características marcantes

da vida e da missão de Paulo é a mo-

bilidade e a itinerância. Ele não se

instala, não se acomoda, não se fixa

por muito tempo num só lugar. Está

sempre a caminho. Anuncia o Evange-

lho, cria comunidades eclesiais, parte

sem jamais as esquecer. Parte de novo,

vai além, é inquieto, vai para frente,

avança, como que “esquecendo-me do

que fica para trás e avançando para

o que está adiante, prossigo para o

alvo” (Fl 3,13-14).

Ao longo do caminho ele se dedica

por completo ao anúncio do Evange-

lho. No encontro com os outros soube

respeitar as diferenças (judeus, pagãos,

fracos) com a finalidade de ganhá-los

para Cristo, pois o Evangelho é desti-

nado a todos e pode ser anunciado com

eficácia, sem a necessidade de pagani-

zar os judeus ou judaizar os pagãos.

esperança | 1º semestre de 2012 | 5

Através de suas expressões, é possí-

vel aproximar-se do modo como Paulo

compreende a missão. Antes de tudo

ele realça a importância e a centrali-

dade da Morte e Ressurreição de Jesus:

Ele morreu e ressuscitou por todos, ai

está o fundamento da missão, pois é o

amor de Cristo que o anima a anun-

ciar o Evangelho (II Cor 5,14-15). Em

decorrência deste evento, Paulo se

tornou “embaixador de Cristo”, “mi-

nistro da reconciliação” (vv. 18-20).

Assume então o anúncio da Boa Nova

de Jesus Cristo: “Anunciar o Evan-

gelho é uma necessidade que se me

impõe: ai de mim se eu não evange-

lizar” (I Cor 9,16).

26,9-12; Gl 1,13). Esteve presente no

martírio de Estevão, cujas vestes fo-

ram depositadas aos seus pés (At 7,58).

Deste modo, perseguiu a Igreja (At 8,1-

4; 9,1-2) até o encontro com o Senhor

na estrada de Damasco (At 9,3-19).

O acontecimento de Damasco

(At 9; 22; 26; I Cor 9,1-2; 15,8-10) é

fundamental para compreender e de-

finir a sua missão: “Deus me enviou...

para proclamá-Lo entre os Gentios”

(Gl 1,15s). Sua missão é universal, por

isso afirma “não há mais distinção

entre judeus e gentios, o mesmo Se-

nhor é o Senhor de todos...” (Gl 3,28;

At 10,36). Ele mesmo se apresenta

como “servo de Jesus Cristo... apóstolo

escolhido para anunciar o Evangelho

de Deus” (Rm 1,1), por isso se crê “deve-

dor a gregos e a bárbaros...” (Rm 1,14)

sabendo que a sua missão depende to-

talmente da iniciativa divina.

“Fez-se tudo para todos a fim de ganhar todos para o Cristo!”

ImpérIo romano no tempo de CrIsto – VIagens de paulo

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A leitura de suas Cartas permite

notar o caráter do Apóstolo: às ve-

zes meigo e carinhoso, outras vezes,

severo. Escrevendo às comunidades,

comparou-se à mãe que acaricia os fi-

lhinhos e é capaz de dar a vida por eles

(I Ts 2,7-8). Sentia pelos fiéis as dores

do parto (Gl 4,19). Amava-os, e por

isso se sacrificava ao máximo por eles

(II Cor 12,15). Mas era também pai

que educava (I Ts 2,11), que gerava as

pessoas, por meio do Evangelho, à vida

nova (I Cor 4,15). Tinha um cuidado

ardoroso (II Cor 11,2) pelas comuni-

dades que fundou, temendo que elas

perdessem a fé. Quando se fazia neces-

sário, exigia obediência (I Cor 4,21).

Em sua incansável missão de anun-

ciar o Evangelho, Paulo sofreu muito,

mas não desistiu. Ele mesmo relata

algumas das situações difíceis que

passou: “Muitas vezes, me encontrei

em perigo de morte. Dos judeus recebi

cinco vezes os quarenta golpes menos

um. Três vezes fui flagelado. Uma vez

apedrejado. Três vezes naufraguei. Pas-

sei um dia e uma noite em alto-mar.

Fiz numerosas viagens. Sofri perigos

nos rios, perigo dos ladrões, perigos

por parte de meus irmãos de estirpe,

perigos dos gentios, perigos na cida-

de, perigos no deserto, perigos no mar,

perigos dos falsos irmãos! Mais ainda:

fadigas e duros trabalhos, numerosas

vigílias, fome e sede, múltiplos jejuns,

frio e nudez!” (IICor 11,23b-27).

Paulo tornou-se o símbolo de todos

os missionários que souberam levar a

Boa Nova de Jesus Cristo pelo mundo

afora e continua sendo um mo-

delo inspirador para todos os

que desejam dispor de sua vida

a serviço do anúncio do Evange-

lho. Assim como ele, Scalabrini

soube ver o Cristo no migrante, e

por isso, fez-se tudo para todos a

fim de ganhar todos para o Cristo.

Para as Irmãs Missionárias Scala-

brinianas, São Paulo é um con-

vite de abertura à diversidade, à

saída de si, uma provocação para

ir ao encontro do diferente, um

exemplo de inculturação.

Ir. elizangela Chaves dias, mscsPotim – SP

“servo de Jesus Cristo... apóstolo

escolhido para anunciar o

Evangelho de Deus”

Como método missionário, Paulo

escolhe os grandes centros urbanos

onde se desenvolve a cultura, o comér-

cio, a religião, e são formadas as opi-

niões e filosofias. Nestes centros ele

funda comunidades cristãs, suscitan-

do lideranças de modo que o Evange-

lho seja irradiado alcançando os povo-

ados vizinhos. A missão do apóstolo

é abrangente e quer alcançar a todos,

o que implica também despesas, por

isso, para não criar problemas aos ou-

tros ele faz questão de trabalhar com

as próprias mãos (I Cor 4,12; I Ts 2,9).

Depois de ter fundado as florescen-

tes comunidades cristãs no mundo he-

lenístico, ele não as deixou privadas de

assistência, mas as acompanhou com

a sua guia pastoral: a “preocupação

por todas as Igrejas” representa como

ele mesmo afirmava, a sua “preocupa-

ção quotidiana” (II Cor 11,28). E para

manter os contatos com essas comu-

nidades, para ajudá-las a resolver os

seus problemas e para rendê-

-las mais eficazes no seu

testemunho ao mundo

ao seu redor, Paulo

tornou-se escritor.

As suas cartas

nas ceram da

missão e em vis-

ta da missão.

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Prolongando a ação de Jesus na história

“Ide, pois, fazei discípulos

entre todas as nações” (Mt 28,19).

Esta palavra de Jesus é dirigida

a todos os batizados para que

se tornem discípulos e missio-

nários e levem sua Palavra até os con-

fins do universo. Este apelo tem uma

conotação especial para quem consa-

gra toda sua vida a serviço do Reino e

esta missão é realizada de modo muito

particular pelos que decidem entre-

gar toda sua vida a serviço do Reino

de Deus. Começa com a descoberta

e o assumir da própria vocação, que

é sempre um chamado, um convite,

uma convocação feita por Deus a seus

filhos, também através dos aconteci-

mentos históricos em que vivem.

Este chamado é acompanhado de

graça especial para que a pessoa encon-

tre luzes e a força necessária para reali-

zar a missão que lhe é proposta.

A realidade vista com olhos de fé

A segunda metade do século XIX foi

marcada historicamente pela emigra-

ção massiva que, de diferentes países da

Europa, dirigiam-se a outras partes do

mundo, inclusive às Américas. Foi per-

cebendo esta realidade em seu país, a

Itália, que o bispo de Piacenza, D. João

Batista Scalabrini, tocado pela graça,

percebeu no clamor dos emigrantes o

apelo que Deus lhe estava fazendo, de

promover na Igreja, um serviço pasto-

ral específico para eles.

FuNdaMeNtação

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Depois de refletir e rezar

sobre os fatos, Scalabrini

começou a convocar sacer-

dotes para acompanhar es-

tes emigrantes que busca-

vam condições de vida em

países distantes, por não

encontrá-las na própria

pátria. Também buscou

quem se dispusesse a de-

dicar este mesmo serviço

pastoral no lugar de des-

tino destes emigrantes.

Como Pastor de uma

vasta diocese, não se limi-

tou apenas a olhar para o

interior da mesma, mas

abriu-se para as regiões

distantes, percebendo

que muitos dos seus co-

nacionais, ao distanciar-

-se geograficamente da

pátria que lhe viu nascer,

começavam também a

deixar de lado a própria

cultura, os valores culti-

vados e, sobretudo, a par-

ticipação na vida eclesial, deixando-se

envolver na luta pela subsistência e no

interesse apenas imediato, perdendo

de vista os valores que dão sentido à

vida, ao trabalho, à integração social,

à vida de fé e esperança, próprias dos

filhos de Deus.

Num primeiro momento a preocu-

pação foi com o acompanhamento

durante a longa travessia do Oceano

e a permanência em lugares de desti-

no dos migrantes, sobretudo de maior

concentração dos mesmos. Mas a expe-

riência foi demonstrando a necessida-

de de uma intervenção não apenas ime-

diata que apesar de trazer algum alívio,

deixava em aberto a atenção a outras

necessidades importantes à vida do ser

humano. Além de providenciar missio-

nários, ele empreendeu mesmo duas

viagens missionárias, uma para os

Estados Unidos, em 1902, e outra para

Brasil e Argentina, em 1904, para ir ao

encontro dos migrantes e dos missio-

nários a eles enviados.

A colaboração do Padre José Marchetti

Este jovem sacerdote conhecia atra-

vés de informações o fenômeno migra-

tório, mas quando acompanhou, mais

de um terço de seus paroquianos que

embarcaram para o Brasil, até o por-

to de Gênova, viu a realidade também

com olhos de fé, experimentou no seu

interior, o apelo de Deus para inserir-

-se naquele mundo novo que a dura

realidade lhe revelava. Sem titubear,

Marchetti deixou tudo para fazer-se

“migrante com os migrantes”, como

missionário, não apenas para difundir

a doutrina, mas para revelar o amor de

Deus àqueles corações que,

impulsionados pela espe-

rança de encontrar condi-

ções de vida e de trabalho

que pudessem garantir a

sobrevivência da família, se

punham a caminho.

Aberto e sensível tanto ao

grito silencioso dos irmãos

migrantes, quanto ao apelo

que Deus lhe fazia no mais

íntimo do coração, Padre

José Marchetti faz-se com-

panheiro de caminhada,

sendo o “discípulo mis-

sionário que torna visível

o amor misericordioso do

Pai, especialmente para com

os pobres e os pecadores”

(DA, 147).

Enquanto construía um

orfanato em São Paulo para

abrigar os filhos dos emi-

grantes que ficaram órfãos,

ia ao encontro dos que tra-

balhavam nas fazendas, le-

vando o conforto da Palavra

de Deus e dos Sacramentos, encorajan-

do-os a permanecer firmes na fé e nos

valores cristãos.

A partir desta experiência foi perce-

bendo novas exigências de uma pasto-

ral migratória mais completa, que re-

quer não apenas atenção aos adultos e

às famílias, mas também aos enfermos,

às crianças órfãs, educação e assistên-

cia que possibilitasse escolaridade, ca-

tequese, profissionalização aos jovens

para inseri-los no mercado de trabalho.

De tudo o que realizava, informava

a Dom Scalabrini, sempre solicitando

sua aprovação, pois se sentia apenas

um colaborador na grande obra de

evangelização no mundo dos emigran-

tes. Percebendo, mais de perto, a ne-

cessidade da presença feminina neste

campo, apresenta a Dom Scalabrini

sua mãe, sua irmã Assunta Marchetti

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“… discernir nos sinais da história e das

pessoas em mobilidade, a forma mais adequada

de atuar para que o Reino de Deus seja

implantado”

cimento e não saem de moda. Com o

passar do tempo, percebemos que res-

plandece sempre mais sua luminosida-

de, convocando novos membros: sacer-

dotes, religiosas e leigos a se dedicarem

a esta missão tão necessária e significa-

tiva para o Povo de Deus.

Eles nos convidam não só ao silêncio

exterior, mas também ao interior para

que possamos ainda hoje ouvir a voz

de Deus e orientar a nossa vida, con-

sumindo-a numa missão que leve mais

vida e dignidade aos nossos irmãos e

irmãs migrantes. É também um convi-

te aos jovens para que reservem tempo

para ouvir e válida ao tomar decisão

em investir a vida em algo que abra a

horizontes mais amplos que o peque-

no mundo que os rodeia, para ajudar

a transformar o mundo em que vivem

em Reino de Deus. Assim poderão re-

alizar a proposta que Jesus Cristo faz

ainda hoje de se tornarem discípulos e

missionários do Seu Reino.

Ir. Sônia delforno, mscsJundiaí – SP

Na vida de cada um deles encontra-

mos um ponto comum, o encontro ín-

timo e pessoal com Jesus Cristo, pela

vida de oração, elemento que ainda

hoje capacita as Irmãs Missionárias

Scalabrinianas a discernir nos sinais da

história e das pessoas em mobilidade,

a forma mais adequada de atuar para

que também nesta realidade o Reino

de Deus seja implantado.

Dom Scalabrini, Padre Marchetti

e Madre Assunta são pessoas que per-

manecem na história, tanto pela santi-

dade de vida quanto pela missão rea-

lizada, razão pela qual nunca perdem

sua força atrativa, não caem no esque-

e mais duas jovens de sua paróquia

que já havia encaminhado para a Vida

Religiosa, formando assim o primeiro

grupo das Missionárias dos Migrantes.

A fim de que a obra seja completa

Do Brasil, onde estava em missão

juntos aos migrantes, Padre José Mar-

chetti escreve a Dom Scalabrini que a

casa para as Irmãs já está bem adian-

tada. Fala também que elas poderão

marcar presença no hospital para os

imigrantes, que logo seria inaugura-

do e conclui dizendo: “Assim a nossa

Missão será completa: recebe os imi-

grantes, embarca-os, os acompanha

sobre o mar, acolhe no seu seio os ór-

fãos, tem um sorriso e um conforto

para os doentes, encaminha-os ao tra-

balho, torna a visitá-los, enxuga-lhes as

lágrimas e os reconduz ao solo nativo

(Carta 04/04/1895).

Como se percebe, o elemento deci-

sivo da missão não é constituído por

formas exteriores, organizações ou es-

truturas, mas pela pre-

sença de pessoas que

encarnam o carisma

e o espírito proposto

por Jesus Cristo, no

Evangelho.

Desta forma, Ma-

dre Assunta, motiva-

da pelo irmão, passa

a ser parte integrante

da missão Scalabri-

niana, com um projeto

dinâmico de inserção no

mundo da mobilidade

humana, acolhendo os

órfãos e abandonados,

promovendo a educação,

a catequese, favorecen-

do também a formação

de famílias, segundo o

projeto de Deus.

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FuNdaMeNtação

A Congregação para as Cau-

sas dos Santos, com a auto-

rização do Papa Bento XVI,

promulgou no dia 19 de dezembro

de 2011, o Decreto de Reconhecimen-

to das Virtudes Heroicas da Serva de

Deus Madre Assunta Marchetti, co-

fundadora da Con gregação das Irmãs

Missionárias de São Carlos Borromeo,

Scalabrinianas.

Madre Assunta Marchetti: Papa Bento XVI reconhece as Virtudes Heroicas da Missionária

Madre Assunta foi declarada virtu-

osa de modo heroico porque, pacien-

temente, enfrentou cada dificuldade

no cotidiano de sua vida e missão. Ela

acreditou na Palavra de Deus e a co-

locou em prática através de sua dedi-

cação total e generosa ao serviço dos

migrantes. Como disse o Cardeal Arns:

“Madre Assunta é um modelo de mis-

sionária para o mundo de hoje, pois

ela soube viver a radicalidade do seu

batismo e de sua consagração como

religiosa e missionária, entregando-se

totalmente no serviço aos órfãos e mi-

grantes doentes e pobres no mundo

da migração”.

O Decreto das Virtudes inicia citan-

do a frase de Assunta dirigida às Irmãs

Missionárias de São Carlos: “Deus se

serve dos instrumentos menos aptos e

10 |ao centro, Madre assunta e as primeiras Irmãs com os órfãos – 1899

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esperança | 1º semestre de 2012 | 11

vir ao Brasil junto com mais

três companheiras, para se

tornar a mãe dos órfãos

e o alívio dos necessita-

dos. Em 25 de outubro

de 1895, depois de ter

sido apresentada ao

Bispo Dom João B.

Scalabrini, e dele ter

recebido a bênção e

envio para sua mis-

são junto aos mi-

grantes, passou a fa-

zer parte do primeiro

grupo das Irmãs Mis-

sionárias de São Carlos

Borromeo, Scalabrinia-

nas. Em São Paulo, ela

assumiu o trabalho junto

aos órfãos, sentia-se feliz e

“honrada de ter sido chamada ao

apostolado”, e ao serviço da caridade

aos mais desfavorecidos do fenômeno

das migrações.

Para as crianças, ela era a “mãe”, a

costureira, a enfermeira, a cozinheira.

Ela acreditava que a obra em favor dos

órfãos e migrantes era um “querer de

Deus”. Por isso mesmo diante das di-

ficuldades enfrentadas na missão, fir-

mou e fez crescer e frutificar na Igreja

a Congregação das Irmãs Missionárias

Scalabrinianas. Além das cidades onde

atuou como missionária no estado

de São Paulo (Vila Prudente e Ipiran-

ga, Mirassol, Monte Alto e Jundiaí)

ela também desenvolveu sua missão

no sul do Brasil, nas comunidades de

Bento Gonçalves, Nova Bréscia e Nova

Vicenza, retornando mais tarde para

São Paulo.

“Todos estes lugares a viram cons-

tantemente numa total dedicação ao

serviço dos irmãos mais necessitados.

A sua incansável operosidade se encon-

trava numa profunda vida interior. O

curso de sua vida se distingue por uma

assídua busca da vontade de Deus e

por um heroico exercício da virtude”.

– afirma o Decreto.

O texto ainda continua: “Embora no

meio de fadigas e doenças, ela jamais

descuidou da vida de oração, a pieda-

de eucarística e mariana, e o recolhi-

mento que favorecem uma profunda

comunhão com o Senhor e o abando-

no confiante à sua divina Providência.

Completamente esquecida de si mes-

ma, Madre Assunta com absoluta sim-

plicidade tudo orientava para a maior

glória de Deus e a salvação dos irmãos.

Por isso, a caridade brotava límpida

do seu coração e alcançava, com hu-

mildade e doçura, a todos aqueles que

a encontravam: sobretudo os órfãos,

mais insignificantes, para realizar suas

obras”. “Coloco toda minha confiança

no seu dulcíssimo coração”: é aqui, ex-

plica o Decreto, que “se resume o teste-

munho de sua vida de mulher austera

e terna, plena de equilíbrio humano e,

sobretudo, de humildade e caridade.

A Missionária

Assunta Marchetti nasceu em 1871,

em Lombrici di Camaiore, na Italia.

Embora desde pequena pensasse em

ser religiosa contemplativa, sua his-

tória como Religiosa e Missionária

inicia-se em 1894, quando seu irmão,

o Padre José Marchetti, que acompa-

nhava os migrantes que vinham para

o Brasil como capelão de bordo, sentiu

que era necessária a presença feminina

junto aos migrantes, “para curar uma

chaga que os sacerdotes não podiam

sanar”, junto às famílias italianas em

terras brasileiras.

Sendo assim, Assunta que já alimen-

tava o sonho de ser Carmelita, aceitou

“… Deus se serve dos instrumentos

menos aptos e mais insignificantes,

para realizar suas obras”

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12 |

O processo diocesano conclui-se em

1991, e desde 1992, passou a ser estu-

dado e analisado em Roma, pelas auto-

ridades da Congregação para as Causas

dos Santos. Durante todos estes anos

A menina dos olhos de Madre Assunta

O orfanato Cristovão Colombo, atualmen-

te conhecido como “Casa Madre Assunta

Marchetti”, foi inaugurado em agosto de 1904 e,

já acolheu mais de seis mil crianças. A entidade

sem fins lucrativos, atualmente funciona como

abrigo para menores carente. É coordenada

pela Irmã Lidia Cardoso de Andrade e é manti-

da pela Congregação das Irmãs Missionárias

Scalabrinianas, bem como, com a ajuda e apoio

de vários voluntários.

O abrigo nasceu da caridade do Padre José

Marchetti que sensibilizado com a orfandade dos

até o presente, são inúmeras as graças

e bênçãos alcançadas pelos seus devo-

tos que sempre são atendidos em situ-

ações difíceis de problemas familiares,

de saúde, trabalho, negócios, etc.

as famílias em dificuldade e os do-

entes que sempre foram o centro de

suas atenções”.

Madre Assunta faleceu em 1º

de julho de 1948, no bairro de

Vila Prudente, em São Pau-

lo, onde atualmente se en-

contra seu memorial.

Intercessora junto a Deus

O testemunho de vida de

Madre Assunta levou mui-

tas pessoas a acreditarem em

seu poder de intercessão junto

a Deus. Sua Fama de Santidade foi

crescendo em muitas regiões do Bra-

sil, sobretudo, em São Paulo e no Rio

Grande do Sul. Em fevereiro de 1985,

foi iniciado seu processo de canoniza-

ção, e seus restos mortais foram trans-

feridos em julho de 1991 para a Capela

do Orfanato Cristóvão Colombo, em

Vila Prudente, São Paulo.

Ir. Clarice, Ir. Ângela, d. Carolina e Madre assunta. ao fundo, Marieta e Filomena, irmãs de Madre assunta

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esperança | 1º semestre de 2012 | 13

fé a intercessão de Madre Assunta jun-

to a Deus pela cura do paciente, que

voltou à vida sem nenhuma sequela de

suas funções vitais e intelectuais. Todo

o processo de reanimação durou cerca

de uma hora e dez minutos.

O reconhecimento das Virtudes He-

roicas de Madre Assunta pelo Papa

Bento XVI é a coroação de um pro-

cesso de estudo de uma vida que foi

totalmente doada aos mais pobres e

necessitados, sobretudo, aos migran-

tes órfãos e doentes. É, também, uma

forte motivação para que as Irmãs Mis-

sionárias Scalabrinianas continuem a

servir com generosidade e compaixão

aos povos em mobilidade, além de ser

um verdadeiro testemunho cristão

para muitos leigos e leigas que querem

assumir a sua vocação de seguimento a

Jesus Cristo.

amanda GaldinoJornalista

mento público, mas espera-se que não

esteja muito distante.

Uma cura inesperada

O milagre atribuído à intercessão da

Venerável Madre Assunta ocorreu em

Porto Alegre. Conta-se que, em janeiro

de 1995, durante uma cirurgia na qual

o paciente já havia sofrido um primei-

ro infarto do miocárdio e, tinha sido

reanimado (os primeiros exames com-

provam oclusão completa da artéria

coronária direita e disfunção ventricu-

lar moderada da esquerda), o paciente

sofreu outra parada cardíaca, ficando

desta vez por mais de 15 minutos sem

receber a oxigenação cerebral.

Os médicos que já tinham dado o pa-

ciente por morto, só continuaram com

os procedimentos dada a insistência da

esposa. Durante este tempo, a esposa e

pessoas que acompanhavam a gravida-

de do caso, rezaram e suplicaram com

Processo do Milagre

Outra parte do Processo de Beatifi-

cação é aquela do estudo de um mila-

gre atribuído à intercessão de Madre

Assunta Marchetti. No início de feve-

reiro de 2012, a Comissão de médicos

da Congregação para as Causas dos

Santos, que estudou o processo do mi-

lagre, deu parecer positivo sobre a vera-

cidade do milagre sob o ponto de vista

da ciência médica.

O próximo passo de estudo e análise

do milagre será feito por uma equipe

de teólogos; e posteriormente, por uma

equipe de Cardeais. Superada a fase do

parecer dos Senhores Cardeais se todos

os três níveis derem o parecer positivo,

o mesmo será enviado ao Papa Bento

XVI para declarar a veracidade do mi-

lagre, e promulgar assim o Decreto

de Beatificação de Madre Assunta. Os

tempos para a realização destes possí-

veis passos ainda não são de conheci-

filhos de migrantes, resolveu construir um prédio

para atender essas crianças. Para dar continuida-

de ao projeto, depois da morte do irmão, Madre

Assunta dedicou-se integralmente a esta obra

pioneira. Foi então que realmente se consolidou

o orfanato. A entidade passou a acolher órfãos de

todas as procedências, desde filhos de migrantes

até filhos de ex-escravos.

Atualmente o abrigo atende aproximadamente

quarenta crianças. Os menores recebem educa-

ção cristã, praticam esportes, tem aulas de músi-

ca, artes, danças, teatro, catequese e outros. Pen-

sando no futuro e no mercado de trabalho, elas

estudam, aprendem a fazer artesanato e tem au-

las de informática. Os familiares ou responsáveis

são envolvidos no processo de aprendizagem. To-

das as atividades são desenvolvidas para promo-

ver a criança, como sujeito de direitos e deveres.

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14 |

A missão da Igreja fundamenta-

-se sobre o mandato de Jesus

“ide a todos os povos e anun-

ciai a Boa Nova” (Mt 28,19). Obedientes

a este mandato os apóstolos e discípu-

los de Cristo se colocaram a caminho.

O anúncio de Cristo constitui, portan-

to, tarefa e missão, que as reais e pro-

fundas mudanças da sociedade atual

tornam ainda mais urgente (EN, 14).

A humanidade é testemunho do flo-

rescimento de um mundo onde a que-

da das fronteiras e os novos processos

de globalização aproximam pessoas e

povos, tanto pela expansão dos meios

de comunicação, como pela frequên-

cia e a facilidade com que indivíduos

e grupos podem se deslocar. Este novo

contexto indica a necessidade de des-

pertar o entusiasmo e a coragem que

impeliram o apóstolo São Paulo a afir-

mar: “ai de mim, se eu não evangeli-

zar!” (I Cor 9,16).

A Igreja atenta às reais necessida-

des dos novos tempos, vê nos desafios

atuais, deste encontro de povos e na-

ções, o espaço propício para comuni-

car a caridade de Cristo para com os

migrantes. Deste modo a Igreja fazen-

do uma leitura das migrações hodier-

nas procura dar uma resposta pastoral

através de uma instrução que busca si-

tuar e animar os missionários. A instru-

ção Erga Migrantes Caritas Christi enten-

de atualizar, tendo em conta os novos

fluxos migratórios, suas características

e tendências, da pastoral migratória.

Sendo assim, a Instrução salienta

algumas disposições da Igreja sobre o

fenômeno migratório, nas linhas te-

ológica e pastoral: a centralidade e a

defesa dos direitos da pessoa do mi-

grante; a dimensão eclesial e missio-

nária das migrações; a revalorização

do apostolado dos leigos; o valor das

culturas na obra de evangelização; a tu-

tela e a valorização das minorias, bem

como a contribuição específica da mi-

gração para a paz universal.

Na Igreja todos devem encontrar a

“sua Pátria”, ela é o mistério de Deus

entre os homens, o mistério do Amor

revelado por Jesus Cristo em sua vida,

morte e ressurreição para que todos

“tenham vida e a tenham em abundân-

cia” (Jo 10,10). Que todos encontrem a

força para superar as divisões, fazendo

assim com que as diferenças não levem

à ruptura, mas à comunhão mediante

a acolhida do outro na sua legítima

diversidade (27).

Em suas disposições, a Igreja valoriza

a contribuição específica dos Institutos

de vida Consagrada e das Sociedades

de Vida Apostólica no cuidado pas-

toral dos migrantes, o que comporta

acolhida, respeito, tutela, promoção,

amor autêntico a cada pessoa, nas suas

expressões religiosas e culturais (28).

Comunicar a caridade de Cristo aos migrantes

FuNdaMeNtação

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O documento afirma que o homem é a via

da Igreja, insiste sobre os direitos funda-

mentais da pessoa e, em particular, so-

bre o direito de emigrar para alcançar

uma melhor realização das próprias ca-

pacidades, aspirações e projetos.

Por outro lado, denuncia os desequi-

líbrios sócio-econômicos que são, na

maioria dos casos, a causa principal

das migrações, os riscos de uma glo-

balização sem regras, na qual os mi-

grantes parecem ser mais vítimas que

protagonistas e o grave problema da

imigração irregular, sobretudo quan-

do o migrante se torna objeto de tráfi-

co e de exploração por parte de bandas

criminosas (29).

Ainda insiste na necessidade de uma

política que assegure para todos os

migrantes a certeza do seu direito de

emigrar, “evitando cuidadosamente as

possíveis discriminações”, salientan-

do uma vasta gama de valores e com-

portamentos como: hospitalidade,

solidariedade, partilha e exortando a

sociedade de acolhida a rejeitar os sen-

timentos e as manifestações de xenofo-

bia e de racismo. Recomenda atenção à

unidade familiar, à tutela dos menores,

frequentemente comprometida pelas

migrações e à formação, sobretudo no

relacionado às migrações em socieda-

des multiculturais. Reconhece que a

pluralidade é riqueza e o diálogo já é re-

alização, embora imperfeita e em con-

tínua evolução, daquela unidade defi-

nitiva à qual a humanidade aspira (30).

Acolhida e solidariedade

O atual contexto de mobilidade hu-

mana é um convite à acolhida e à so-

lidariedade. Deste modo, a instrução

Erga Migrantes Caritas Christe define a

missão dizendo: “missão é ir até cada

homem para anunciar-lhe Jesus Cristo

e, nele e na Igreja, colocá-lo em comu-

nhão com toda a humanidade” (97).

Neste sentido cabe ainda a afirmação

segundo a qual “a acolhida do estran-

geiro é inerente, portanto, à natureza

própria da Igreja que testemunha a sua

fidelidade ao Evangelho” (22).

Na missão junto aos migrantes, o

missionário encontra no “estrangeiro”

o mensageiro que surpreende e rompe

a regularidade e a lógica da cotidiani-

dade. Nos “estrangeiros” a Igreja con-

templa Cristo, que “arma a sua tenda

entre nós” (Jo 1,14) e “bate à nossa por-

ta” (Ap 3,20). Quando a porta se abre

acontece o encontro, feito de atenção,

acolhida, partilha e solidariedade, de-

fesa dos direitos dos migrantes e do

empenho evangelizador. Na missão,

também os migrantes desempenham

um papel fundamental, pois, pelo ba-

tismo, os mesmos são “anunciadores

da Palavra de Deus e testemunhas do

Senhor Ressuscitado, esperança do

mundo” (VD, 105).

Estando em situação de vulnerabili-

dade, o migrante se encontra sedento

“… promover uma cultura da acolhida,

partilha e solidariedade”

esperança | 1º semestre de 2012 | 15

de “gestos” que o façam sentir acolhi-

do, reconhecido e valorizado como

pessoa. Até mesmo uma simples sau-

dação pode ser um desses gestos. Dian-

te de tal aspiração, os consagrados e as

consagradas, as comunidades, os mo-

vimentos eclesiais e as associações de

leigos, bem como os agentes de pasto-

rais, devem promover uma cultura da

acolhida, solidariedade e abertura aos

estrangeiros, a fim de que as migrações

se tornem uma realidade significativa

para a Igreja, e assim possam contem-

plar as sementes do Verbo presentes

em diversas culturas e religiões (96).

É neste contexto socioeclesial que

o carisma Scalabriniano encontra seu

terreno propício para gerar frutos de

comunhão, solidariedade, acolhida,

partilha, diálogo, universalidade, in-

culturação, respeito e inclusão, de

modo particular assumindo a missão

a exemplo de Cristo, fonte e fim de

toda missão. Ele mesmo se fez migran-

te, vindo habitar entre os homens. Do

mesmo modo também as Missionárias

Scalabrinianas são convidadas a as-

sumir sua missão, de modo singular,

“sendo migrante com os migrantes”.

Ir. erta Lemos, mscsBruxelas – Bélgica

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“De fato, os que mais desfrutam da vida são

os que deixam a segurança da margem e se

apaixonam pela missão de comunicar sua

vida aos demais” (DA, 360)

Peregrinar, abrir caminhos e

avançar em direção a novas cir-

cunstâncias e realidades, como

discípulas-missionárias, para que em

Jesus Cristo - Caminho, Verdade e Vida

- nossos povos tenham vida; implica

colocar-se em estado de permanente

missão a serviço da vida e do Evange-

lho. Neste sentido, a missão representa

um processo contínuo, que busca unir

a preocupação pela dimensão trans-

cendente do ser humano e todas as

suas necessidades concretas (DA, 176),

conhecer a realidade e nela mergulhar

com o olhar da fé, em atitude de discer-

nimento (DGAE, 17).

Como discípulas e missionárias de

Jesus Cristo reconhecemos que Ele é

Discípulas e missionárias no mundo das migrações

o primeiro e maior evangelizador en-

viado por Deus para anunciar a Boa

Nova do Reino aos pobres e pecado-

res (Lc. 4,18-19) e que a Igreja é cha-

mada a cumprir sua missão, seguindo

os passos de Jesus e adotando suas

atitudes (DA, 31).

As Irmãs Missionárias Scalabrinia-

nas, consagradas ao seguimento de Je-

sus Cristo, em uma Congregação que

tem como missão própria o serviço

evangélico e missionário aos migran-

tes, preferencialmente aos mais pobres

e necessitados, encontram no Docu-

mento de Aparecida referências rele-

vantes e indicativas sobre a urgência de

estar em contínuo processo de renova-

ção missionária diante das transforma-

ções profundas que vem ocorrendo na

sociedade. “A globalização faz emergir

em nossos povos, novos rostos pobres:

migrantes, as vítimas da violência, os

deslocados e refugiados, as vítimas dos

tráficos de pessoas (DA, 402); a migra-

ção forçada pela pobreza está influindo

profundamente na mudança de costu-

mes, de relacionamentos e inclusive de

religião (DA, 90); e em muitos casos,

as consequências da migração são de

enorme gravidade, em nível pessoal,

familiar e cultural” (DA, 73).

Se estabelecermos um diálogo a par-

tir da trajetória histórica da Congrega-

ção, com 116 anos de existência e de

presença missionária no mundo das

migrações: onde estivemos, onde esta-

mos e o que queremos alcançar, temos

que ter presentes os esforços e as adap-

tações já realizadas em nossas obras e

frentes missionárias, bem como os de-

safios que se multiplicam às propostas

do momento atual. Podemos também

constatar que, caminhamos entre mo-

tivações e perspectivas. As motivações

determinam nossa conduta, o nosso

ser missionário; as perspectivas com-

16 |

expeRIêNCIa paStoRaL

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esperança | 1º semestre de 2012 | 17

provam e apresentam a razão da opção

que fizemos e do compromisso com a

causa que abraçamos.

Dentre as inúmeras propostas apre-

sentadas pelo Documento de Apare-

cida sob o prisma da missão que nos

ajudam a contemplar e referendar nos-

so ser e testemunho como Irmã Scala-

briniana nos diversos campos de nossa

ação missionária, podemos ter presen-

te: a credibilidade do nosso testemu-

nho e o compromisso alicerçados em

Jesus Cristo; o fazer de nossas obras,

lugares de anúncio explícito do Evan-

gelho, segundo o carisma congregacio-

nal; a conversão e renovação pastoral

diante dos sinais dos tempos; o tornar-

-nos discípulas missionárias sem fron-

teiras, dispostas a ir “à outra margem”,

àquela onde Cristo ainda não é reco-

nhecido como Deus e Senhor, e onde a

Igreja não está presente.

Podemos também recordar que os

migrantes, destinatários de nossa mis-

são, por motivos diversos deixam a

“segurança da margem” e partem ao

encontro de novas situações que lhes

proporcionem melhores condições de

vida, inclusão social e econômica, in-

teração cultural, e a busca de sentido

diante de um mundo fragmentado e

sombrio nos horizontes da mobilida-

de humana. Em suas diferentes moti-

vações espirituais e opções religiosas,

buscam referências de proteção, de

segurança e de coragem para alcançar

seus objetivos, enfrentar as ameaças

do mal e desfrutar de seus sonhos e

realizações. “Os migrantes são igual-

mente discípulos e missionários, e

são chamados a ser nova semente de

evangelização” (DA, 377).

Através de nosso olhar missionário

inspirado nos testemunhos do Beato

João Batista Scalabrini, de Madre As-

sunta Marchetti e do Padre José Mar-

chetti e a paixão de viver e comunicar a

vida nova em Jesus Cristo, buscamos nos

aproximar sempre mais com fidelidade

ao Evangelho e ao Carisma próprio.

Ir. Inês Facioli, mscsFernandópolis – SP

“Os migrantes são chamados a ser

nova semente de evangelização”

esperança | 1º semestre de 2012 | 17

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expeRIêNCIa paStoRaL

“Eu vi, eu vi a aflição de meu povo que está

no Egito, e ouvi os seus clamores por causa

de seus opressores.

Sim, eu conheço seus sofrimentos...”

A vocação

Foi através da visita de duas tias re-

ligiosas à sua casa, no interior de San-

ta Catarina quando ainda Irmã Elena

tinha 6 anos de idade que o chamado

de Deus se fez ouvir por ela pela pri-

meira vez. “Eu as senti tão diferentes,

via nelas santidade e pensei: quero

ser como elas”, afirma. Mas o pai não

era de acordo com a decisão, diferen-

te da mãe que a apoiava, mas no fim,

segundo ela, acabou aceitando a idéia.

Aos doze anos Elena foi para a cidade

de Arroio Trinta, em Santa Catarina,

onde permaneceu por três anos, e mais

tarde veio para a região sudeste para

dar continuidade à formação para a

Vida Religiosa. Aos 17 anos entrou no

noviciado na cidade de Aparecida, São

Paulo. Transferido o noviciado para

Jundiaí, ali ela terminou sua formação

para a Vida Consagrada. Consagrou-

-se aos 20 anos e dedicou os primeiros

anos de sua vida religiosa à catequese,

e deu continuidade aos estudos acadê-

micos. “Acho que Deus usa meios di-

ferentes para chamar alguém, no meu

caso, Ele me chamou por meio de mi-

nhas tias”.

A paixão pelo migrante

O conhecimento da realidade dos

migrantes deu-se trabalhando junto

com eles. Foi o que levou Irmã Elena

a ser uma apaixonada por essa causa.

“Ser migrante com eles, nas lutas, na

evangelização, na libertação, na bus-

ca de melhores condições de vida, na

comunidade onde eles vivem, faz com

que a gente se apaixone por esta causa,

vendo o interesse, a intensa busca de

melhores condições de vida, e a própria

participação das lideranças”.

A primeira missão

A primeira experiência junto aos mi-

grantes se deu em Vicente Carvalho, na

baixada santista. Irmã Elena recorda

com emoção as experiências de fé e de

luta junto a um bairro constituído por

migrantes, em situações muito precá-

rias. Naquele período ainda era efer-

vescente na Igreja, as Comunidades

Eclesiais de Base. “O trabalho missio-

nário somado à participação na Vida

Irmã Elena Vígolo assume a missão como defensora dos pobres e dos excluídos,

dos migrantes mais necessitados e indefesos. Uma de suas maiores alegrias é ser missionária.

Paixão pelos migrantes, paixão pelo Reino

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esperança | 1º semestre de 2012 | 19

Comunitária junto às outras Irmãs,

dava impressão clara de que Jesus se

fazia humano e saia caminhando com

a gente, nas lutas, naquele engajamen-

to das CEBs, naquele novo jeito de ser

Igreja. Isso faz um bem imenso no sen-

tido de a gente assumir com mais em-

penho essa opção de vida, de ser mis-

sionária junto aos migrantes”.

Experiências marcantes no campo da missão

Para Irmã Elena, algumas experi-

ências foram marcantes no campo da

missão junto aos migrantes mais po-

bres e necessitados. A experiência em

Vicente Carvalho, em São Paulo, é um

bom exemplo. “As próprias lideran-

ças assumiram com tanto empenho

o novo jeito de ser Igreja”. A oração

voltada para a ação criava um sentido

profundo de comunhão. O movimen-

to das comunidades, a atuação para

melhorar a situação do bairro, os en-

contros feitos nas casas ao ar livre, e a

visita aos doentes.

Outra experiência marcante foi o

acompanhamento aos desabrigados

pelas enchentes em Teodoro Sampaio,

e o trabalho com os sem-terra. Na épo-

ca das cheias, os Rios Paraná e Parana-

panema transbordavam e a população

era obrigada a deixar as próprias casas:

“As pessoas se abrigavam em quartos

cedidos pela prefeitura e tínhamos a

missão de levar alimentos e prestar

orientações necessárias”.

O bairro de Nova Rosa da Penha, no

Espírito Santo, surgiu do trabalho mis-

sionário das Scalabrinianas. Era ante-

riormente chamado Itanhenga, uma

fazenda imensa, discriminada pela so-

ciedade, porque em parte dela se abri-

gava os leprosos. Migrantes vindos do

norte e nordeste do país e interior do

Espírito Santo ocuparam a outra par-

te da fazenda que estava desativada e,

daí nasceu Nova Rosa da Penha, nome

dado pelas Irmãs e pelo povo, em con-

senso após anos de luta para a emanci-

pação do lugar. “No início não tínha-

mos água, luz, telefone, atendimento à

saúde (posto de saúde), as escolas eram

precaríssimas, bem como as outras

condições para viverem dignamente...

“Não me lembro quantos eram os ha-

bitantes que existiam na época no bair-

ro, mas, em cada reunião participavam

entorno de 500, 800, 1000 pessoas da

comunidade. Quando o Estado resol-

veu construir a estação de tratamento

de água, semanalmente, as Irmãs com

um grupo de pessoas da comunidade

andavam 14 quilômetros a pé para visi-

tar e acompanhar as obras de constru-

ção da estação de tratamento de água e

ao mesmo tempo pressionar para que

o trabalho tivesse continuidade”.

“Foi belíssimo o trabalho com o

povo, me lembro, da sede e da espe-

rança que tinham de conseguir trazer

a água, luz, esgoto para o local, e to-

das as demais condições básicas para

viverem dignamente. A participação

era massiva. A oração sem as obras não

leva a nada. Como dizia São Paulo, a

fé sem obras, é morta. Enquanto lutá-

vamos, nos reuníamos para encontros

de Círculos Bíblicos e iam surgindo

as pequenas comunidades. Celebráva-

mos debaixo de uma árvore, os tijolos

serviam de altar para o Santíssimo Sa-

cramento e a Palavra de Deus. Ali tam-

bém, eu sentia Deus caminhando com

o povo e me emociono de lembrar das

nossas lutas, sofrimentos e as nossas

conquistas”.

Ameaças

Todo trabalho missionário junto

aos excluídos, geralmente tem como

consequência a ameaça à vida do mis-

sionário. Com Irmã Elena, não foi dife-

rente. “Em Teodoro Sampaio assumi-

mos o trabalho junto aos sem-terra em

beiras de estrada. Fazíamos reuniões e

assumimos a catequese. Ali, fazendei-

ros nos ameaçavam e mandavam avisar

que queriam as nossas cabeças, minha

e a do Sacerdote. Não nos preocupáva-

mos com isso, queríamos que a justiça

fosse feita e não lembrávamos que a

nossa vida estava ameaçada”.

O papel da mulher

A mulher ocupa papel fundamental

na família, na Igreja e na sociedade, por

ser forte, por não se deixar abater, as-

sim como Maria aos pés da cruz, que

estava morrendo de dor ao ver o Filho,

mas não fez escândalo, se manteve ver-

dadeira forte e firme. A mulher é racio-

nal, mas humana ao mesmo tempo,

enxerga longe, pensa em si e nos ou-

tros. A Igreja, graças à participação da

mulher, deu passos imensos e sempre

foi um marco em todos os tempos.

Missão junto às Irmãs idosas

Para mim, é uma grande meditação,

é uma experiência muito bonita. Eu

tive que me converter muito, como

por exemplo, aprender a andar deva-

gar para dar passinhos com elas... Da

nossa vida ficam só as coisas bonitas, o

humano vai se desfazendo com o tem-

po. O que fica é o nosso “servir”. O que

me realiza como missionária é atender

solicitações, servir, rezar e atuar. Aqui

reflito constantemente: preciso me

converter muito. Irmãs que conhece-

mos ativas e de repente não tem mais

forças. A nossa vida passa, só Deus per-

manece e nós Nele.

A alegria do chamado

“Eu me sinto feliz por ter sido cha-

mada à Vida Consagrada e não pensa-

ria numa vida diferente. A plena reali-

zação acontece na missão, onde quer

que as superioras me coloquem”.

Ir. Rosa Maria Martins, mscsBrasília – DF

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expeRIêNCIa paStoRaL

A missão na Índia é um dos

grandes desafios enfrentados

pelas Irmãs Missionárias Sca-

labrinianas no continente asiático. No

final de 2004, para responder a uma

preocupação da Igreja local em relação

ao fenômeno das migrações, e com a

colaboração de Dom Soosa Pakiam,

arcebispo de Trivandrum, Kerala, o

primeiro grupo de Missionárias pisa-

ram terras indianas, e organizaram a

Comissão Arquidiocesana de Assistên-

cia Pastoral às Pessoas em Mobilidade.

Essa resposta sem precedentes em

favor das pessoas em mobilidade, fez

de Trivandrum a primeira diocese da

Igreja indiana a ter uma estrutura

organizativa e um ministério coorde-

nado para prestar assistência aos mi-

grantes estrangeiros e nacionais, turis-

tas in ter nacionais e locais, nômades

e pescadores.

Servir e evangelizar na Índia

Realidade das Migrações

Nos últimos trinta anos, as migra-ções tem sido o motor chave de mu-dança social, política e econômica na Índia. Os altos índices de migração e seu impacto socioeconômico, cultural e religioso influenciaram significativa-mente a cultura e o processo político, sobretudo, no estado do Kerala, ao sul da Índia, onde estamos. A cidade de Trivandrum, como qualquer outra cidade da Índia, vem enfrentando os insidiosos efeitos da globalização. Re-messas altas ajudaram a diminuir o desemprego e a pobreza mas, parado-xalmente, deram origem a uma cultu-ra consumista, à mercantilização dos serviços públicos tais como a educação e a saúde.

Conforme o censo anual, vinte mi-lhões de pessoas migraram de um es-tado para outro. Houve aumento do

fluxo de turistas estrangeiros e nacio-

nais, além de um constante êxodo de

mão de obra para os países do Golfo.

O motivo da migração é sempre o mes-

mo: busca de um novo trabalho, sen-

do muitos destes migrantes, menores

que procuram trabalho em outro es-

tado. Os menores, muitas vezes, são

maltratados e abusados pelos patrões.

Outros são trabalhadores da cons-

trução ou do campo. Ultimamente, o

Estado do Kerala tem sofrido forte im-

pacto das migrações provenientes do

norte da Índia.

A Índia tem milhares de pessoas que

migram por todos os continentes. Nos

países do Golfo há quatro milhões e

meio de Indianos que trabalham nes-

tes países (Golfo wives). As mulheres

que ficam na Índia se sentem sozinhas

e devem assumir a responsabilidade da

educação dos filhos. Os jovens voltam

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Além do projeto de pastoral que

busca acompanhar e orientar as fa-

mílias migrantes na região, estamos

articulando uma pesquisa em todas

as paróquias da cidade, para analisar

mais profundamente a realidade vivi-

da pelos imigrantes e migrantes da lo-

calidade. Após a leitura de realidade, se

buscará estabelecer um plano de ação

para responder às necessidades apre-

sentadas pelas próprias pessoas em

mobilidade, constatadas na pesquisa.

Dificuldades encontradas

Como qualquer outro projeto, algu-

mas dificuldades são enfrentadas para

levar adiante a missão. A maior delas

é a obtenção de visto para permanên-

cia no País, que só é concedido por um

tempo de três a seis meses, o que gera

instabilidade para as Missionárias que

devem cruzar as fronteiras a cada mo-

mento e, consequentemente, sem saber

se poderão retornar ou não, o que vem

afetando a continuidade da missão de-

senvolvida. Mas graças a Deus, já temos

uma Irmã Indiana que pode continuar

o trabalho sem interrup-

ção e, pouco a pouco, va-

mos ampliando e

ganhando maior

para Índia para se casarem, e logo após

seu matrimônio, voltam para os países

onde trabalhavam anteriormente dei-

xando as esposas com os seus pais.

Expansão Missionária na Índia

A presença das Irmãs Missionárias

Scalabrinianas junto com a Associa-

ção de Serviços Sociais de Trivandrum,

além de organizar a Comissão para

atender as pessoas em mobilidade,

buscou estabelecer um plano de tra-

balho que respondesse às questões e

preocupações de uma sociedade mul-

ticultural, plurirreligiosa e pluripolíti-

ca, a partir das orientações próprias da

Igreja Católica, no que diz respeito às

diferenças e às culturas.

Além de coordenar a Pastoral da

Mobilidade Humana, as Irmãs Scala-

brinianas atendendo à solicitação de

muitas jovens da região que querem

vincular-se à missão de serviço ao mi-

grante, através da Vida Consagrada

Scalabriniana, organizaram o serviço

de animação da pastoral das vocações,

vinculando-o com a pastoral às pesso-

as em mobilidade. Além desta etapa,

foi aberta uma casa de formação para

preparar as jovens que no futuro as-

sumirão a missão com os migrantes.

Atualmente, a comunidade conta com

um grupo significativo de jovens

que estão sendo acompanha-

das e formadas para a vida

missionária. Também com

a presença da primeira jo-

vem que já fez sua consa-

gração na Congrega-

ção, se buscar am-

pliar a atuação

missionária na

Comissão pa-

ra as Migra-

ções, na Ar-

quidiocese de

Trivandrum.

esperança | 1º semestre de 2012 | 21

estabilidade no País. A outra dificul-

dade enfrentada é a aprendizagem do

idioma e a compreensão da cultura,

pois, na Índia há mais de 22 línguas

oficiais, que são estabelecidas e faladas

em cada Estado, além do inglês que é

usado para fim oficial e comercial.

Compromisso de serviço e evangelização

O nosso compromisso de serviço e

evangelização na Índia é sustentado

pelo amor a Jesus Cristo e ao carisma

scalabriniano que nos incentiva, dá

forças e impulsiona para enfrentar

destemidamente nossa missão como

Religiosas Consagradas. E acima de

tudo o que nos sustenta é a vida de

oração, a vida comunitária que nos

alimenta fisicamente mas, sobretudo,

a Santa Eucaristia, e o exemplo do

Fundador, o Bem-aventurado João Ba-

tista Scalabrini, e dos Cofundadores, o

Servo de Deus Padre Jose Marchetti, e

a Venerável Madre Assunta Marchetti,

bem como, a necessidade enorme do

povo indiano que nos motiva a conti-

nuarmos lutando pelo bem desta po-

pulação migrante.

Ir. Mª Manuela C. amaral, mscsTrivandrum – Kerala – Índia

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expeRIêNCIa paStoRaL

Ele está sempre conosco:Missão Scalabriniana na Indonésia

A presença das Irmãs Missio-

nárias Scalabrinianas na In-

donésia iniciou-se em 25 de

maio de 2007, quando Irmã Maria Te-

resa Mercado, juntamente com a Irmã

Geothesa Atalli foram enviadas pela

Congregação para assumir a pastoral

migratória na diocese de Maumere,

na Ilha das Flores, e para iniciar um

trabalho de promoção vocacional e

formação das jovens que estavam in-

teressadas em ser missionárias para os

migrantes, através do conhecimento

que obtiveram no contato com os sa-

cerdotes e seminaristas scalabrinianos,

que foram os primeiros a nos acolher

com alegria e fraternidade em sua casa,

neste País.

A expansão missionária

Desde o ano de 2006, ainda quando

estudava em Roma, fui designada para

trabalhar com a juventude nas Filipi-

nas, e vinha recebendo alguns pedidos

de jovens que queriam ser missionárias

através do contato de Pe. Leonardo

Adaptar, Missionário Scalabriniano.

Em 27 de outubro de 2007, fui envia-

da por Ir. Maria Manuela C. Amaral,

nossa superiora provincial, para visitar

a Indonêsia. O objetivo da visita era o

de conhecer a realidade das migrações,

contactar as jovens que estavam inte-

ressadas em nossa missão, averiguan-

do a possibilidade de abrir uma nova

comunidade que pudesse encarregar-

-se da missão com os migrantes e a for-

mação das jovens.

Depois de vários contatos, justamen-

te na Festa da Apresentação de Maria,

em 21 de novembro de 2007, conversei

com Dom Vinsensius Sensi Potokota, o

novo bispo de Maumere. Neste encon-

tro expressei o desejo da Congregação

de estar em sua diocese para ajudar o

povo da Indonésia, especialmente aos

migrantes mais pobres e necessitados,

e àqueles que estariam migrando por

causa da situação de pobreza enfrenta-

da. Com alegria, Dom Vinsensius nos

deu permissão para abrir a nova comu-

nidade em sua Diocese e iniciar a mis-

são com os migrantes.

Realidade das migrações

Ao falar sobre a realidade das migra-

ções na Indonésia, podemos dizer que

ela é bastante complexa, justamen-

te porque a Indonésia é composta de

17.508 ilhas, da quais 6.000 foram re-

centemente habitadas. Assim a situação

é diferente em cada ilha. Vou dar ape-

nas alguns flashes ao falar sobre a Ilha

das Flores, que está localizada no cen-

tro da Indonêsia, e onde a maioria das

pessoas são católicas e muito pobres.

Sua única fonte de sustento é a agri-

cultura e a pesca. Consequentemente,

isso não é suficiente para cobrir as ne-

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cessidades das famílias, embora elas te-

nham um estilo de vida muito simples.

Sendo assim, muitas pessoas come-

çam a buscar um emprego em outras

ilhas ou países para poder ajudar às

suas famílias. Diante desta situação,

pessoas inescrupulosas e traficantes

humanos passaram a recrutar mulhe-

res jovens entre 14 a 22 anos de idade,

prometendo-lhes um bom trabalho e

altos salários. Mas, na realidade elas

chegam num lugar totalmente dife-

rente, onde o trabalho é difícil, sujo e

perigoso. Também há recrutamento de

mão de obra para ser enviada a Malásia

e Singapura. Mulheres trabalhadoras

qualificadas ou não são levadas para

exercer o serviço doméstico nestas loca-

lidades, enquanto os homens são con-

tratados para o trabalho na colheita de

bananas e plantação de côco. Alguns

Serviço aos MigrantesCom o apoio de Dom Vinsensius,

logo depois de nossa chegada em Flo-

res, embora não soubéssemos ainda o

idioma local, o Yet Then, foi aberto um

pequeno escritório e criada a Comis-

são para atender os trabalhadores mi-

grantes no Centro Pastoral Diocesano.

Irmã Geothesa Atalli foi nomeada

pela Diocese de Maumere como res-

ponsável da Comissão para os Traba-

lhadores Migrantes. O projeto inicial

era o de apoiar as pessoas pobres que

planejavam sair para trabalhar no es-

trangeiro. Com a escassez de recursos

do local, foi necessário primeiro iniciar

a articulação e realização de projetos

para a consecução de ajuda econômi-

co. Obtido alguns recursos, inclusive

com o apoio de nossas Irmãs em ou-

tros países, iniciou-se a organização de

um programa para estudo da realida-

de, recolhendo dados e informações

sobre a realidade das migrações a

partir das visitas nas paróquias.

Também iniciou-se o proces-

so de conscientização sobre

esperança | 1º semestre de 2012 | 23

ainda trabalham nas construções re-

cebendo apenas uma parte mínima do

salário. O recrutamento de migrantes

na Indonésia não se dá apenas para o

trabalho internacional, mas há tam-

bém o recrutamento interno para as

outras ilhas mais desenvolvidas, tais

como na capital Jacarta, ou em outras

ilhas como Batam, Bali, Surabaya, Kali-

mantan e Sulawese.

as migrações com a realização de semi-

nários nas paróquias, e pesquisa com

as famílias migrantes, contando atual-

mente com a colaboração dos semina-

ristas scalabrinianos.

Sustentadas por Deus

O que nos sustenta e dá força para

nos comprometermos cada vez mais

com esta missão tão especial, é a nos-

sa fé profunda em Deus e na pessoa do

irmão migrante. Nós acreditamos fir-

memente que Ele está sempre conosco

apesar das dificuldades que encontra-

mos e dos poucos recursos que possuí-

mos. Continuamos nossa luta pelo

crescimento da missão, porque acima

de tudo, está o amor que arde em nos-

sos corações, para servirmos aos mi-

grantes mais pobres e necessitados. O

testemunho missionário deixado por

Madre Assunta, motiva-nos concreta-

mente diante dos desafios, pois, como

ela dizia nos momentos difíceis: “sorri-

-nos uma grande esperança”.

Ir. Maria teresa Mercado, mscsMaumere – Flores – Indonésia

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expeRIêNCIa paStoRaL

Chamada a ser sinal proféticoMissão em Reggio Calabria

A presença das Irmãs Missio-

nárias Scalabrinianas não se

limita ao Brasil. Atualmen-

te a Congregação marca presença em

28 países no mundo. Um exemplo é a

missão realizada por Irmã Ires de Cos-

ta, em Reggio Calabria, na Itália. Esta

experiência está ligada à Província São

José que tem sua sede jurídica em Pia-

cenza, Itália.

Segundo a Irmã Ires a crise geral vi-

vida pela Europa vem afetando enor-

memente os migrantes. “Sabemos que

o sonho de todo o migrante é a busca

de uma vida melhor, e de um trabalho

digno. A grande desocupação entre os

migrantes na Europa vem causando

uma série de problemas. Há pouca ou

quase nenhuma colaboração dos servi-

ços sociais do Estado. Muitas das res-

postas às necessidades dos migrantes

estão sendo dadas apenas pela Igreja”.

Revista Esperança: Quando iniciou-se a missão Scalabriniana em Reggio Calabria e o que motivou a presença nesta região da Itália? Irmã Ires: A missão das Scalabrinia-nas na região iniciou-se em 1992. Com a vinda dos primeiros migrantes norteafricanos, Dom Antonino Deni-se, diretor da Pastoral na Diocese de Reggio Calabria, convidou as Irmãs para trabalharem no Centro Migrantes “Popoli Fratelli” na periferia da cidade, obra que até então era assumida pelos Padres Xaverianos, que também aten-diam pastoralmente aos domingos a comunidade dos imigrantes filipinos no Centro da cidade.

Revista Esperança: Como se deu a expan-são das Irmãs Missionárias Scalabrinia-nas em Reggio Calabria?Irmã Ires: Alguns anos depois, em 1996, para ampliar a missão, as Irmãs muda-

ram para o centro da cidade de Reggio Calabria, onde abriram o “Centro di As-colto per Immigrati G. B. Scalabrini” para o atendimento aos migrantes, onde esta-mos atualmente. Neste espaço continu-amos a acompanhar pastoralmente a comunidade filipina, que foram os pri-meiros imigrantes que chegaram nos últimos anos em Reggio Calabria, além de estender o atendimento a outros grupos de imigrantes que chegavam clandestinamente à Itália, provenientes da África e do Oriente Médio entran-do através do Mediterrâneo, sobretu-do, nigerianos, marroquinos e etíopes.

Revista Esperança: Qual é a realidade atual da chegada dos imigrantes prove-nientes da África e países de conflito do Oriente Médio ?Irmã Ires: Em relação ao crescimento migratório, a Itália está entre os países que mais recebem imigrantes. Apro-

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esperança | 2º semestre de 2011 | 25

ximadamente cinquenta mil migran-

tes entraram pelo mar Mediterrâneo

somente em 2011, o que levou o país

a solicitar ajuda da União Europeia

para enfrentar a situação. O aumento

do número de entradas de imigrantes

na Itália através da ilha de Lampedu-

sa está relacionado com os fluxos de

refugiados provocados pela guerra na

Líbia e por outros movimentos políti-

cos na Tunísia e no Egito. Lampedusa

continua sendo a grande porta de en-

trada de imigrantes para os países da

União Europeia pela sua proximidade

com o norte da África. Atualmente, a

cidade de Reggio Calabria tem aproxi-

madamente vinte e três mil migrantes

provenientes de diversos países, mas

especialmente do norte da África e les-

te europeu.

Revista Esperança: Quais são os projetos

pastorais atualmente desenvolvidos para

atender aos imigrantes?

Irmã Ires: A atuação das Irmãs Scala-

brinianas na região é extensa e diversi-

ficada. Atuamos em âmbito de Diocese

no serviço de promoção e pastoral com

os imigrantes e refugiados. Coordena-

mos o “Centro di Ascolto per Immigrati G.

B. Scalabrini” que é um espaço de aco-

lhida, de orientação para a consecução

de documentação, de informações a

respeito dos vários serviços de atenção

humanitária existentes na cidade, e das

oportunidades de trabalho, de aloja-

mento, além da organização de encon-

tros, momentos culturais e de integra-

ção (festa dei popoli, dia do migrante, Natal

multiétnico, etc.).

Outra preocupação é com as mulheres

migrantes. Dado o aumento da imigra-

ção feminina estamos desenvolvendo o

projeto “Mulheres Migrantes: dos talentos

à ação”. A ideia é recolher e colocar em

rede os saberes e as riquezas que as

mulheres imigrantes trazem com elas,

além de oportunizar um espaço para

o encontro, o diálogo, a troca de expe-

riências e a partilha dos valores cultu-

rais, habilidades e saberes.

Nossa metodologia pastoral parte sem-

pre da realidade concreta da pessoa do

imigrante para, junto com ele, chegar a

uma maior integração e superação das

dificuldades próprias encontradas no

processo migratório.

Revista Esperança: O que a motiva e

sustenta em seu compromisso de serviço e

evangelização dos migrantes?

Irmã Ires: No mundo em que vivemos

o paradoxo de uma “aldeia global” que

é cada vez mais “individualista”, o de-

safio da alteridade religiosa e cultural

tornou-se uma prioridade absoluta,

sobretudo no que concerne o dia-a-

-dia da atuação com os imigrantes e

refugiados. O carisma scalabriniano

nos apresenta grandes desafios. Sinto-

-me chamada a ser sinal profético e a

dar a mão a todos sem exclusão de ra-

ças, culturas, línguas ou religiões, para

construir a comunhão universal. Fazer

do migrante o lugar de encontro entre

Deus e a humanidade, sendo sinal de

esperança, de fé, de humildade juntos

aos migrantes e refugiados, é o nosso

desafio constante.

Ir. Sandra Maria pinheiro, mscsSão Paulo – SP

esperança | 1º semestre de 2012 | 25

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expeRIêNCIa paStoRaL

Desde o terremoto que asso-

lou o Haiti em 2010, o Brasil

se tornou a rota mais segura

para os imigrantes haitianos. De acor-

do com autoridades brasileiras, a rota

dos imigrantes começa na República

Dominicana passando pelo Equador,

Peru, Bolívia até entrar no Brasil pelo

Acre onde permanecem por um tempo

na cidade de Basileia. Depois de um

tempo, normalmente os haitianos par-

tem para Manaus.

Em Manaus, onde residem as Mis-

sionárias Scalabrinianas desde 1992,

através do Serviço de Pastoral dos

Migrantes, elas se dedicam em orien-

tar os migrantes para a obtenção

de documentos, moradia, comunica-

ção, políticas públicas e aprendiza-

gem de português. Em 2009, com a

em en-

contrar logo

um trabalho, e enfrentando

condições difíceis de sobrevi vência de-

pendem totalmente, por mais algum

tempo, da ajuda humanitária que ofe-

rece a Pastoral dos Migrantes para lo-

comoção, alimentação e moradia.

“A Paróquia São Geraldo adminis-

trada pelos Padres Scalabrinianos têm

sido também uma referencia impor-

tante para os haitianos em Manaus.

Nesta é feito um trabalho conjunto

com paróquias, pastorais sociais e ou-

tras entidades: trabalho de orientação,

assistência espiritual, encaminhamen-

tos para saúde, trabalho, moradia”,

chegada dos Sa-

cerdotes Scala-

brinianos a pastoral

foi fortalecida, e os pro-

jetos de atenção e acompanha-

mento de migrantes vem crescendo e

consolidando-se.

Presença da Igreja Católica

Os migrantes haitianos que chegam

a Manaus são acolhidos pela Pastoral

dos Migrantes e encaminhados para os

alojamentos provisórios da Igreja Ca-

tólica ou de Ongs, até providenciarem

o CPF e a Carteira de Trabalho. Em se-

guida, são orientados para a consecu-

ção de um trabalho e alguma moradia

que pode ser alugada, em casa de ami-

gos ou parentes, que já estão alojados

em Manaus. Muitos, tendo dificuldade

Nova forma de evangelizar:Presença Missionária junto aos haitianos em Manaus

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Universidade Federal são promovidos

projetos de inclusão da população hai-

tiana, oportunizando aos estudantes a

convalidação de seus cursos profissio-

nais. A Pastoral dos Migrantes ainda

proporciona um espaço para a con-

vivência religiosa e cultural à popu-

lação haitiana.

Irmã Osani conta que, no início,

tanto o Governo Federal como o Mu-

nicipal estiveram bastante ausentes,

mas mediante as várias intervenções

da Pastoral, sobretudo, junto ao go-

verno local, e com o apoio do Institu-

to de Migrações e Direitos Humanos

(IMDH), e através da divulgação da mí-

dia nacional, bem como, da presença

de órgãos internacionais, pouco a pou-

co, foi percebendo-se alguns pequenos

movimentos e avanços na construção

de políticas públicas para atender a

essa realidade migratória emergencial,

presente em Manaus.

Todavia estes são projetos ainda pe-

quenos, nos quais a Pastoral do Mi-

grante está presente nos espaços de

discussão e encaminhamentos. Através

da Cáritas Arquidiocesana é possível

viabilizar alguns recursos para atendi-

mentos emergenciais dos imigrantes

haitianos que, até então, só eram aten-

didos pela ajuda solidária da comuni-dade amazonense.

Inúmeras são as dificuldades en-frentadas para concretizar uma ação emergencial desta magnitude: faltam estruturas adequadas, maior compro-misso do Governo Federal e Muni-cipal, recursos financeiros e falta de pessoas liberadas para o atendimento dos haitianos. O maior desafio hoje é o atendimento dos doentes em estado grave, que se encontram sem familiares e sem um espaço adequado para recu-perar sua saúde.

Irmã Osani se sente fortalecida e en-corajada para continuar lutando por esta causa, quando recorda a experiên-cia de Scalabrini que dizia: “no migran-te vejo o Senhor”. Para ela, a pessoa de cada migrante a fortalece para conti-nuar seu trabalho missionário, pois sente que o rosto de Cristo Peregrino se faz presente na pessoa de cada hai-tiano, que é acolhido e amado no gesto solidário de tantas Congregações Reli-giosas, Ongs e leigos comprometidos com a construção de um mundo mais humano e fraterno a favor daqueles que estão sofrendo as consequências da migração.

amanda GaldinoJornalista

conta Irmã Osani Benedita da Silva,

Coordenadora Diocesana da Pastoral

dos Migrantes de Manaus.

Projetos desenvolvidos

O Serviço de Pastoral dos Migrantes

diante do grande desafio para atender

aos migrantes haitianos, assumiu de

forma especial o trabalho de sensibili-

zação e articulação junto à Igreja local,

sociedade civil e aos órgãos governa-

mentais, buscando sistematizar uma

prática que responda às necessidades

humanitárias do contexto migratório.

São desenvolvidos projetos de acolhi-

mento, moradia, alimentação, docu-

mentação, encaminhamento ao traba-

lho, tanto em âmbito local como para

outros Estados.

Em parceria com o Estado são ofere-

cidos cursos de Português para estran-

geiros, artesanatos, cursos profissiona-

lizantes e, a organização de pequenos

empreendimentos para trabalhos al-

ternativos para quem não é absorvi-

do pelo mercado de trabalho formal

(mulheres grávidas, pessoas doentes,

entre outros), equipe de atendimen-

to aos doentes, articulação junto aos

meios públicos, bem como, um serviço

de ajuda humanitária. Com o apoio da

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expeRIêNCIa paStoRaL

Nossos povos não querem andar pelas som-

bras da morte. Têm sede de vida e felicidade

em Cristo. Buscam-no como fonte de vida.

(DA, 350)

Há pouco mais de um ano, as

Irmãs Scalabrinianas am-

pliaram sua atuação mis-

sionária junto aos migrantes, abrindo

uma comunidade na cidade de Fer-

nandópolis, diocese de Jales, no noro-

este do Estado de São Paulo. Este fato

ocorreu em fevereiro de 2011, levando

em consideração o avanço da expansão

canavieira, a instalação de novas usinas

e o aumento da migração temporária

na região do noroeste paulista.

Área de abrangência

Na área de abrangência dos 46 muni-

cípios da diocese de Jales, numa exten-

são de 13 mil km² estão instaladas 10

Na rota dos migrantes temporários:Missão em Fernandópolis

usinas/destilarias de açúcar e álcool.

Atualmente o setor sucroalcooleiro

brasileiro, ganha grande importância

econômica, social e ambiental, sendo o

Estado de São Paulo, o maior produtor

de cana no Brasil. Um novo incentivo

para a região do noroeste paulista, a

partir de 2010, por parte do Governo

Federal foi a criação de uma Zona de

Processamento de Exportações (ZPEs)

na cidade de Fernandópolis instalada

numa área de 156 hectares. A ZPE é

um distrito industrial no qual empre-

sas produtoras de bens exportáveis

irão operar com isenção de impostos e

incentivos administrativos.

Migrações

No período da safra da cana (abril a

dezembro) a região recebe milhares de

trabalhadores migrantes provenientes

dos estados de Minas Gerais, Bahia,

Maranhão e Piauí. Há dois alojamen-

tos coletivos de cortadores de cana,

um com 360 trabalhadores em Gene-

ral Salgado, e outro, com 480 em Santo

Antonio do Aracanguá. Em outros mu-

nicípios há dezenas de moradias coleti-

vas com menor número de migrantes

(6 a 12 pessoas) e inúmeras casas com

famílias de migrantes. Paralelamente

a esta realidade de mão-de-obra mi-

grante na área rural, há trabalhadores

migrantes em duas novas frentes de

trabalho: na duplicação da Rodovia SP

320, cobrindo um trajeto de 191 km, e

na construção civil de 570 casas popu-

lares na cidade de Fernandópolis. Esses

“… testemunhar os sinais do amor de

Deus presentes neste povo a caminho”

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trabalhadores estão agrupados em mo-

radias coletivas em diversos bairros das

cidades de Fernandópolis e são prove-

nientes da região nordeste do Brasil e

de cidades do interior paulista.

Atividades pastorais

A partir do Plano Diocesano que

contempla a Pastoral dos Migrantes,

iniciamos nossas atividades identifi-

cando as localidades com presença de

migrantes e de lideranças envolvidas

nesta pastoral através de contatos,

obtenção de informações e dados. Du-

rante o período da safra são agendadas

visitas, encontros catequéticos e cele-

brações nos dois alojamentos coletivos

de cortadores de cana. Para os migran-

tes que residem em moradias coletivas

nas cidades são realizadas visitas do-

miciliares com maior frequência e, em

algumas ocasiões, há espaço para um

momento de oração. Também fazemos

visitas ao canteiro de obras na Rodovia

SP 320 e na área da construção civil no

Jardim Ipanema. Em 2011 foi elabora-

do um folder “Migrantes na Diocese

de Jales” para a divulgação e visitas às

Paróquias, e criou-se a “Página das Mi-

grações” no site da diocese.

Aproximar-se dos migrantes que vi-

vem temporariamente em nossa área

de abrangência pastoral, ouvir relatos

de sua vida, de suas trajetórias em bus-

ca de trabalho e sobrevivência, com-

preender minimamente seus dramas e

aspirações, compartilhar de suas lutas

com gestos de solidariedade e em de-

fesa de seus direitos, tem contribuído

para evitar o isolamento e a invisibili-

dade dessa população, perceber e tes-

temunhar os sinais do amor de Deus

presentes neste povo a caminho, desa-

fiando-nos continuamente no anúncio

e na vivência do Evangelho como Mis-

sionárias Scalabrinianas.

Ir. Inês Facioli, mscsFernandópolis – SP

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expeRIêNCIa paStoRaL

Situado no sudeste do Brasil,

o Estado do Espírito Santo, a

partir da década de 70, passou

por um grande desenvolvimento eco-

nômico e industrial, com a instalação

de grandes empresas de siderurgia e

celulose. Outros aspectos que também

favoreceram esse crescimento foram a

extração do petróleo e gás natural, bem

como, a exportação de mármore, aço e

minério, através dos sete portos marí-

timos que estão distribuídos ao longo

do litoral do Estado, que consequente-

mente, trouxe crescimento também na

área da construção civil.

Todo esse desenvolvimento econô-

mico fez da Grande Vitória, uma das

cidades brasileiras mais atrativas pelas

ofertas de trabalho. Desde a década

de 80, a Capital do Espírito Santo é

considerada um destino atrativo para

Superações e conquistas:Nova Rosa da Penha – Cariacica

muitos migrantes, vindos isoladamen-

te, outros com famílias, outros ainda,

em grupos de trabalhadores com a es-

perança de poder construir sua vida

na “cidade grande”. Muitos bairros de

Vitória foram surgindo e sendo for-

mados com a grande leva de migran-

tes provenientes de diversos estados

brasileiros.

É neste contexto que as Irmãs Scala-

brinianas, no ano de 1985, iniciaram

sua missão de acompanhar, orientar

e acolher os migrantes. Nesta região,

durante 27 anos de presença e “sendo

migrantes com os migrantes”, enfren-

taram junto com o povo as lutas de

conquistas, de superação das necessi-

dades básicas, e de políticas sociais e

públicas para o bairro, apoiando e pro-

movendo a conquista de seus direitos.

As melhorias obtidas no bairro

como água potável, luz, ônibus urba-

no, telefone, escolas e postos de saúde

só foram possíveis, depois, de muitas

passeatas, caminhadas e manifesta-

ções de reivindicações dos moradores

que foram liderados pelas Missioná-

rias Scalabrinianas, reivindicando das

autoridades políticas e sociais que vol-

tassem seu olhar aos excluídos deste

“Os desafios são imensos, mas a alegria

de serem acolhidas pelos próprios

migrantes e de estar com eles fazem com que as dificuldades sejam superadas”

Page 33: Esperança Revista - mscs.org.br · FuNdaMeNtação A Revista Esperança, ao tratar o tema da missão, dá uma vol-ta ao mundo para conhecer e compreender o fazer missionário das

bairro. O antigo terreno abandonado,

lugar onde antes viviam os leprosos e

era depósito de lixo da grande cidade,

conhecido como “Itanhenga”, passou

a chamar-se “Nova Rosa da Penha”,

nome dado ao bairro para designar

a proveniência dos moradores, bem

como as conquistas e superações da

realidade degradante e sofrida como

era conhecida na região. Mas tarde esse

bairro passou a fazer parte do municí-

pio de Cariacica.

As Missionárias Scalabrinianas além

de sustentarem as ações sociais no

bairro, também acompanham pasto-

ralmente as Comunidades Eclesiais de

Base (CEB’s), a formação de lideranças,

as celebrações da Palavra, a catequese,

a infância missionária, os grupos de

mulheres e dão orientações às famílias.

Realizam também visitas aos doentes

e atividades pastorais junto aos mi-

grantes recém-chegados no município

da Serra e no “Albergue Noturno para

Migrantes”, projeto da Secretaria Mu-

nicipal de Assistência Social (SEMAS),

no intuito de ser Igreja acolhedora e

das. Para muitos migrantes o trabalho

da Pastoral e a presença das Irmãs Sca-

labrinianas é “algo inédito”, pois além

do anúncio da Boa Nova, também são

oferecidas oportunidades de formação

e promoção que lhes ajudam na con-

quista de um novo espaço, no qual to-

dos tenham vida e vida em abundância.

Assim, nesta sociedade capitalista

e excludente, na qual o ser humano é

visto como mercadoria barata e lucra-

tividade para o capital, e muitos são

vítimas do desemprego, da fome, da

violência, do trabalho escravo, do trá-

fico e das drogas, da discriminação e

de preconceitos, as Missionárias Scala-

brinianas, alimentadas pela palavra de

Deus que diz: “Eu era migrante e você

me acolheu” (Mt 25,35), são impulsio-

nadas à fidelidade criativa do carisma

Scalabriniano, e a romper as barreiras

desse mundo individualista, indo ao

encontro dos migrantes, para cons-

truir junto com eles um mundo mais

justo e humano.

Ir. Jaquelina Vicente, mscsCariacica – ES

esperança | 1º semestre de 2012 | 31

fraterna para aqueles que estão a cami-

nho. Outras paróquias da Arquidioce-

se de Vitória também são acompanha-

das com atividades na área da Pastoral

do Migrante. No ano passado foram

iniciados o trabalho de orientação e

formação por meio de palestras e cur-

sos de artesanatos para os migrantes

pescadores e suas famílias, no bair-

ro de Jacaraípe, também no municí-

pio da Serra.

Os desafios são imensos, mas a ale-

gria de serem acolhidas pelos próprios

migrantes e de estar com eles fazem

com que as dificuldades sejam supera-

“… além do anúncio da Boa Nova, também

são oferecidas oportunidades de

formação e promoção que lhes ajudam

na conquista de um novo espaço”

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O outro lado do muro

A visão do muro que separa

o México dos Estados Uni-

dos permanece gravada em

minha retina. Tão logo não desapare-

cerá. É como selecionar uma imagem

para servir de tela permanente do

computador.

O pior é que o muro permanece não

só na retina, mas na realidade. Tão fá-

cil este muro não vai cair. Assim como

muitos outros muros vão continuar

existindo. Alguns parecem ter a voca-

ção da muralha da China. Vão se in-

tegrar na própria realidade, como se

fizessem parte natural dela. Então fica

a questão, nada irrelevante. Como con-

viver com os muros. Pois precisamos

aprender a contorná-los, como o rio

contorna a montanha.

Os muros não conseguem deter a

vida, que não se limita a fronteiras aber-

tas para o comércio e para a livre circu-

lação de pessoas. A vida tem outros va-

lores. Quando obstaculizados, parecem

crescer e se firmar de maneira surpre-

endente. Não precisamos esperar que

os muros desapareçam, para despertar

em nós energias novas e valores insus-

peitados. A vocação humana continua

nos desafiando para a convivência fra-

terna neste pequeno planeta que nos

aponta para a infinitude do universo.

Um Padre que há muito tempo tra-

balha nas proximidades da fronteira

do México com os Estados Unidos,

passou a enxergar o muro de maneira

diferente. Sem o muro, milhões de me-

xicanos, com certeza, passariam para

o outro lado. Mas quem disse que não

é possível ficar no México, e fazer da-

quele país um lugar onde se pode viver

com alegria e desenvolver as esplên-

didas potencialidades deste país, tão

abençoado por Deus, e tão próximo

aos Estados Unidos?

Isto é, os muros podem inverter seu

sinal, e despertar para desafios saluta-

res e providenciais, como o fortaleci-

mento da identidade própria de cada

país, e a valorização de suas caracte-

rísticas humanas e culturais. Verdade

é que não precisamos construir muros

para isto. Mas se eles foram construí-

dos, vamos tirar deles o proveito que

podem nos proporcionar.

Mas o muro suscitou em Tijuana

uma realidade comovente, patrocinada

pelos Padres e Irmãs da Congregação

de São Carlos Borromeo, Scalabrinia-

nos. Foram fundados pelo bispo ita-

liano D. João Batista Scalabrini, com

a finalidade específica de acompanhar

e apoiar os migrantes. Naquele tempo

eram migrantes que demandavam aos

milhares da Europa para o continente

americano. Agora, esses Padres e Irmãs

se dedicam a acompanhar as novas

ondas migratórias, que inverteram as

rotas antigas, e demandam em direção

à Europa e aos Estados Unidos. Pois

bem, eles intuíram que Tijuana era um

ponto estratégico para a sua beneméri-

ta missão. Construíram duas casas de

acolhida, uma para mulheres, assumi-

da pelas Irmãs, e outra para homens,

assumida pelos Padres. Diariamente,

cada casa acolhe em média 120 mi-

grantes, procedentes em sua maioria

dos deportados, que os Estados Uni-

dos se encarregam de despejar em ter-

ritório mexicano, centenas por dia.

O que impressiona é o contraste que

os migrantes experimentam. Despe-

jados com frieza, são acolhidos com

muito respeito pelos Missionários e

Missionárias Scalabrinianas. Podem

pousar à noite, recebem roupa limpa,

fazem sua refeição, recebem pessoal-

mente seu travesseiro e o cobertor para

se abrigarem na cama que lhe é desti-

nada. São colocados em contato com

suas famílias. Assim podem melhor re-

definir seu rumo, e buscar a saída para

a sua situação. Tentavam uma fantasia

enganosa. Acabam descobrindo uma

riqueza diferente que podem encontrar

dentro de si próprios. Não há muros

que detenham a vocação humana para

a sua realização pessoal e o relaciona-

mento fraterno com todos.

dom demétrio ValentiniBispo de Jales – SP

expeRIêNCIa paStoRaL

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Não te preocupes aonde levam teus passosAbraça todas as pessoas e todos os povos

Pois tua casa é o mundo sem fronteiras.

Não te preocupes com o que oferecerOferece a ti mesmo no altar do serviço

o maior dom de tua missão.

Não te preocupes com o que dizerOuve todos os corações e todas as culturas

Aí encontrarás o Verbo Encarnado.

Não te preocupes em semear palavras ao vento

Colhe silêncios, olhares, gestos, vozesPresenças vivas da verdadeira Palavra.

Não te preocupes em desvendar mistériosContempla-os como às estrelas

E aos poucos a noite se fará dia.

Não te preocupes em acender luzesDescobre, em meio às trevas

O brilho da vida na face de teu irmão.

Não te preocupes em abrir caminhosAbre poços nas curvas da estrada

E a água saciará a sede dos peregrinos.

Não te preocupes se Deus oculta seu rostoE tudo em volta se torna deserto

A solidão nem sempre é má companheira.

Não te preocupe com a cor da pele ou da bandeira

Nem com o credo de quem cruza tua portaAcolhe o outro, o estrangeiro, o diferente

Não como estranho, mas como amigo e irmão!

Pe. Alfredo Gonçalves

Missionário que partes

Venha fazer parte de nossa missão:Levando a Boa Nova de Jesus Cristo

aos migrantes!

CENtrO VOCACiONAL SãO CArLOSRua Vereador Osvaldo Elache, 7112570-000 Aparecida – SPTel (012) 3105-1008E-mail: [email protected]

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Oração pelas Vocações Missionárias

Senhor, que chamaste os

apóstolos para serem pescadores de homens

e construtores de um mundo novo,

chama também agora muitos jovens

para os diversos serviços e ministérios da Igreja.

Alarga os seus horizontes ao mundo inteiro

e fá-los ouvir as súplicas de tantos irmãos e irmãs

que anseiam por luz e verdade.

Santifica-os pelo teu Espírito e comunica-lhes

a tua sede de redenção para que respondam ao teu

apelo e sejam sal e luz até aos confins da terra.

Amém.