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Especialistas ouvidos pela "Vida Económica" rejeitam orçamento da PAC para 2021-2027 e receiam os efeitos no segundo pilar Proposta de orçamento europeu 2021-2027 é "péssima" para a Agricultura

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Especialistas ouvidos pela "Vida Económica" rejeitam orçamento da PAC para 2021-2027e receiam os efeitos no segundo pilar

Proposta de orçamentoeuropeu 2021-2027é "péssima"para a Agricultura

ESPECIALISTAS OUVIDOS PELA "VIDA ECONÓMICA" REJEITAM ORÇAMENTO DA PAC PARA 2021-2027 E RECEIAM OS EFEITOS NO SEGUNDO PILAR

Proposta de orçamento europeu 2021

2027 é "péssima" para a AgriculturaA Comissão Europeiaapresentou há um mês umaproposta de orçamentode longo prazo de 1,135mil milhões de euros deautorizações (a preços de2018) para o período de2021 a 2027, equivalentea 1,11% do rendimentonacional bruto (RNB) daUE27, devido ao 'Brexit'.Para a Política AgrícolaComum (PAC), propõe um

orçamento de apenas 365mil milhões de euros (faceaos 408,31 mil milhões

disponíveis no atualquadro), acrescidos de 10mil milhões de euros atravésdo Horizonte 2020.A "Vida Económica" foiouvir opiniões. E, apesar das

diferenças nos argumentos,todas são unânimes,podendo resumir-se na

afirmação da eurodeputadado PSD quando diz que"qualquer proposta quecontenha uma redução no

orçamento da Agriculturaé péssima", rejeitando-a"veementemente".Sofia Ribeiro vai aindamais longe: "esta propostatorna-se ainda mais gravequando acompanhada deuma redução na políticade coesão" que, a seraprovada, "aumentaria asassimetrias entre Estados-membros, dentro das suas

regiões e de cada país". E

isso, diz, "é inadmissível".

TERESA SILVEIRA

[email protected]

A União Europeia (UE) temnovas prioridades emmatéria orçamental pa.ra

o período 2Q21-2027 - as mi-

grações e o sistema europeu dedefesa - e propõe-se financjá--las com novos recursos (cercade 80%), reafetações e poupan-ças (à volta de 20%) e atravésda diversificação das fontes definanciamento, que representa-rão cerca de 12% do futuro or-

çamento total da UE.O problema está nas conse-

quências que isto traz para o

orçamento da PAC. E apesar deo comissário europeu da Agri-cultura, Phil Hogan, ter dadoa garantia de que, apesar da

proposta de redução de 5% nas

verbas para a Agricultura, Por-

tugal não deverá sofrer cortes

nos pagamentos diretos aos

agricultores, os especialistasouvidos pela "Vida Económica"estão receosos.

O presidente da CAP fala deuma "redução extremamenteelevada e penalizadora para o

setor agrícola" e, quanto ao se-

gundo pilar, "a situação é mais

preocupante, uma vez que a

redução é da ordem dos 1 7%,não se conhecendo a divisão

por país, o que é inaceitável,

particularmente tendo em con-ta a importância" que este pilartem para Portugal.

O dirigente concede que,"num cenário de redução orça-mental, não poderemos dizer

que seja um mau ponto de par-tida, mas também não devere-mos deixar de ter em conta quePortugal se encontra na 23a

po-sição em termos das verbas de

que beneficia por hectare e queo nosso país é, de facto, dos

que menos auferem no conjun-to dos países europeus".

Eduardo Oliveira e Sousa nãotem dúvidas de que, "desta for-

ma, o desígnio da convergênciade Portugal com a média co-munitária fica comprometido e

que, na realidade, o aumentode um curo por hectare para onosso país nem sequer se podeconsiderar uma medida conver-

gente".

Frisando que a PAC é "uma

política com muito mais verten-tes do que apenas a competiti-vidade e o rendimento", Olivei-ra e Sousa antevê que a rubricado desenvolvimento rural, queabrange medidas agroambien-tais, biodiversidade, manuten-ção das paisagens, ecocondi-cionalidade, proteção da águae floresta, entre outros aspetos,"irá obrigatoriamente ser afeta-da num cenário de decréscimo

orçamental". E isso, diz, "refle-tir-se-á necessariamente numaredução destas atividades".

"Um péssimo sinal

político que a Europadá aos cidadãos"

Francisco Gomes da Silva nãoalimenta ilusões. Diz que este"é o ponto de partida expectá-vel" ou, se quisermos, de "bu-siness as usual", ou seja, "maiscoisa menos coisa, é a redução

que resulta da saída do ReinoUnido" da UE.

No entanto, o professor doInstituto Superior de Agrono-mia de Lisboa (ISA) e sóciofundador da Agroges faz uma"leitura pessimista" deste pon-to de partida para a Europa. E

não tem dúvidas de que, "num

período que se adivinha deenormes desafios coletivos (al-

terações climáticas, migrações,defesa, etc), este é um péssimo

sinal político que a Europa dáaos cidadãos ao afetar menosmeios financeiros para resolver

problemas maiores" .

Ainda assim, diz Gomes da

Silva, "se, num cenário de redu-

ção do orçamento comunitário,Portugal conseguir manter a

dotação de verbas no âmbitodo que existe hoje nos primeiroe segundo pilares da PAC, au-mentamos a nossa 'importân-cia relativa' nesta importantepolítica europeia". Para além

disso, se o ponto de partida for"a manutenção das verbas daPAC para Portugal", isso signifi-ca que, "na negociação que seirá seguir, poderemos conseguiraumentar os valores em causa".

Seja como for, e "não desva-

lorizando a importância de se

conseguir um valor global sa-

tisfatório", é "mais importanteconseguirmos regras de apli-cação que nos permitam apli-car esse montante da maneiramais leorreta, tendo em contaa- nosâa especificidade", diz. E

cõmó "não é fácil um 'corpoião grande' como é a Europater um 'cérebro suficientemente

ágil' que lhe permita conhecerbem todos os recantos desse

corpo", a solução inteligente"também poderá passar pelamaior articulação efetiva entreos diversos fundos (FEADER,FEDER, FSE, FQ".

"Agricultores terãomuitas dificuldadesem concorrerao Horizonte 2020"

Os eurodeputados MarisaMatias (Bloco de Esquerda) eNuno Melo (CDS) não respon-deram às questões colocadas

pela "Vida Económica". ,Já os

responsáveis pela área da Agri-cultura dos restantes partidos- PCP, PS e PSD - com assento

europeu disseram 'sim' a esse

repto.Miguel Viegas (PCP) não he-

sita em dizer que este é "um

péssimo ponto de partida".Para além de que "a reduçãode 5% nem sequer correspon-de à realidade", pois, "à medi-da que mais informação é liber-

tada, verificamos que os cortesem termos reais são da ordemdos 1 5% e poderão atingir 23%no desenvolvimento rural (se-

gundo pilar)". E, acrescenta o

eurodeputado, "este corte no

segundo pilar afeta duplamentePortugal, porque no nosso casoo peso do segundo pilar repre-senta 50% do envelope global,enquanto a média europeia re-

presenta cerca de 20%".O PCP "opõe-se", portanto,

a estes cortes, "na medida em

que afetam a nossa capacida-de produtiva", diz Miguel Vie-

gas, frisando que, para o seu

Partido/ "a prioridade está naCoesão; e no Desenvolvimentoe não na Segurança e Defesa".

Questionado sobre um futu-ro reforço de 10 mil milhões deeuros para a Agricultura atravésdo sucessor do Horizonte 2020,o programa-quadro para a in-

vestigação e inovação, MiguelViegas não se convence.

"Quem conhece o meio agrí-cola sabe que isto não tem pésnem cabeça", diz o eurode-

putado, avisando que "o Ho-rizonte 2020. é um programacompetitivo onde Portugal e,

por maioria de razão, os seus

agricultores terão muitas dificul-dades em concorrer com paísesmaiores e mais avançados, queacabam por ficar com a esma-

gadora maioria do bolo".

POSEI "estásalvaguardado "

Ricardo Serrão Santos (PS)

constata que "esta propostaorçamental surge num contex-to de pressão financeira semantecedentes", que obriga a

cortar os cerca de 10 mil mi-lhões de euros que se perdemcom a saída do Reino Unido.

Mas, apesar de um "contextodifícil de gerir" em matéria de

repartição financeira, o euro-

deputado socialista está con-fiante que, desta proposta de

orçamento, ainda que "sujeitaa negociação", "Portugal temuma grande probabilidade desair beneficiado da negociaçãorelativamente ao passado, pela

posição relativa que ocupaatualmente na distribuição das

ajudas diretas" (primeiro pilarda PAC).

No entanto, diz o eurodepu-tado socialista, isto "deixa an-tever que pode estar previstoum corte no desenvolvimentorural (o segundo pilar da PAC",o que, "a confirmar-se, não nos

agradaria").Ricardo Serrão Santos não

tem dúvidas de que "a resiliên-

cia, sustenta bil idade e com-

petitividade do setor agrícola

exigem um grande empenhofinanceiro, porque a agriculturaé uma atividade económica pe-culiar, vulnerável aos efeitos do

clima, doenças e pragas". Es-

ses requisitos exigem também"um grande empenho - e de-

sempenho - dos agricultores",embora, no seu entender, a

agricultura portuguesa tenha já"demonstrado que há setores

com sucesso, independente-mente de receberem ajudas da

PAC mais modestas, como é o

caso do setor das frutas".

Por outro lado, diz, "há re-

giões, como as ultraperiféricas,ou seja os Açores e a Madeira,no caso de Portugal, que, pelasua pequena dimensão, insula-

ridade e dependência, carecemde um apoio continuado ao se-tor agrícola, de forma a garantira viabilidade das explorações".Tudo, porque "a agricultura é,

para estas regiões, o setor cha-

ve da economia regional e da

criação de emprego".O eurodeputado socialista,

oriundo dos Açores, mostra-seconfiante quanto às verbas co-munitárias para os Açores e a

Madeira, explicando que "tudoindica" que o POSEI - Progra-ma de Opções Específicas parafazer face ao Afastamento eInsularidade das duas regiõesautónomas - "está salvaguar-dado", o que "é um sinal po-sitivo a favor do equilíbrio ter-ritorial".

Mudar o princípio políticodo 'é precisodar dinheiro a todos'

A experiência de décadas detrabalho do engenheiro agró-nomo e fundador da Ruris e da

Espaço Visual, José Martino,dão-lhe margem para afirmar

que "estes processos de nego-ciação dos pacotes de ajudas à

agricultura no âmbito da PAC

iniciam-se com propostas bai-

xas que terminam em melhorias,maiores ou menores, em funçãoda qualidade dos negociadoresem presença em cada quadro".

Portanto, "haverá um mon-tante limitado de ajudas quenão fomentará a desejável con-

vergência consignada nos trata-dos da EUE".

José Martino está ciente de

que "a negociação tem poucamargem para melhorar a pro-

posta inicial". Só não será assim

"se o Governo português correrriscos políticos e ameaçar blo-

quear a decisão final caso nãotenha um valor de ajudas subs-

tancialmente mais elevado, emconsonância com o princípioda convergência de desenvolvi-

mento", o que, em sua opinião,"não é previsível" que suceda.

Já quanto a saber se a inova-

ção, a resiliência, sustentabilida-de e a competitividade do setor

agrícola são compatíveis com

uma redução de orçamento,José Martino relativiza. Diz que"os pacotes de ajudas finan-

ceiras públicas devem ser estí-

mulos aos agentes económicos

para que estes sejam resilientes

e promovam atividades susten-táveis e competitivas". E o queanota na atribuição das ajudasda PAC desde que Portugaladeriu à CEE é que se "mantémuma certa tradição/'status quo',quer na repartição entre países,

quer dentro dos países na distri-

buição por fileiras e 'players'".Ou seja, "impera o princí-

pio político do 'é preciso dardinheiro a todos'. E para JoséMartino este era, justamente,o momento de mudar. Paraeste engenheiro agrónomo,"é preciso inovar, correr riscos,

ser capaz de utilizar as ajudascomo instrumentos de apoio a

objetivos de políticas concre-tas de resposta aos superioresinteresses das agriculturas de

Portugal", como para os jovensagricultores, a mudança da es-trutura fundiária, o desenvolvi-

mento das regiões interiores de

Portugal, para respoder às alte-

rações climáticas ou às necessi-dades da digitalização.

Defende, por isso, que "a

aplicação das ajudas da PAC

2021-2027 deva ser uma opor-

tunidade e um exemplo da mu-

dança".

"Impacto dos cortesé muito superiorao anunciado"

Sofia Ribeiro diz que esta é,

"por princípio, uma péssima

proposta inicial [de orçamen-to], que rejeitamos veemente-mente", desde logo porque o

"impacto dos cortes é muito

superior ao anunciado", coma proposta da Comissão Euro-

peia a assentar "num corte demais de 15% para a Agricultu-ra".

A eurodeputada do PSD etambém relatora do relatóriodo Parlamento Europeu sobre

o próximo Quadro FinanceiroPlurianual lembra que "já re-

jeitávamos, por proposta mi-

nha, qualquer redução no setor

agrícola" e alerta para o factode a proposta orçamental ser

"agravada pelo facto de as-

sentar em pressupostos que deforma alguma podem ser assu-midos como garantidos".

A eurodeputada avisa que "um

possível aumento ou manuten-

ção do orçamento da PAC paraalguns Estados-membros, no-meadamente para Portugal, fruto

de uma melhor redistribuição as-

sente no 'capping', na degressi-vidade e na convergência, podeconstituir um aliciante e corfes-

ponder às nossas expectativas".No entanto, "não pode, de for-

ma alguma, ser dado por garan-tido", dada a "grande controvér-

sia entre Estados-membros". Em

todo o caso, rejeita que a "Agri-cultura, de forma global, volte a

perder financiamento".

Por outro lado, diz, esta pro-posta torna-se ainda mais gravequando acompanhada de uma

redução na política de coesão

que, como sabemos, se destina

a apoiar os Estados-membros

e as regiões menos desenvol-

vidas, e que acaba por ter uma

expressão fundamental nas zo-

nas rurais". Sofia Ribeiro não

tem dúvida: "Estamos peranteuma proposta de orçamento

que, a ser aprovada, aumen-taria as assimetrias europeias,quer entre Estados-membros,

quer entre as suas regiões,mesmo dentro de cada país". E

isso, diz, "é inadmissível".