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FLAP INTERNACIONAL 53 FLAP INTERNACIONAL 52 O ser humano aprendeu a voar observando os pássaros. Mas tanto pássaros quanto animais terrestres subestimam o perigo de cruzar o caminho de aviões e helicópteros. Por: Solange Galante ESPAÇO DISPUTADO

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Page 1: ESPAÇO DISPUTADO · A320 envolvido em uma “bird strike” resultou na indenização de 700 mil dólares à empresa aérea. Já um Embraer 195 teve o motor substituído e a empresa

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O ser humano aprendeu a voar observando os pássaros. Mas tanto pássaros quanto

animais terrestres subestimam o perigo de cruzar o caminho de aviões e helicópteros.

Por: Solange Galante

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Page 2: ESPAÇO DISPUTADO · A320 envolvido em uma “bird strike” resultou na indenização de 700 mil dólares à empresa aérea. Já um Embraer 195 teve o motor substituído e a empresa

e foi relatado em livro e filme. De acordo com o segundo-tenente Weber

Galvão Novaes, doutor em Ecologia e responsável pela Assessoria de Gerenciamento de Risco de Fauna do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), apenas urubus e abutres causam prejuízos de aproximadamente 2,9 milhões de dólares ao ano para a aviação civil norte-americana americana. Só em 2017 – e antes do ano terminar – a seguradora líder no segmento aeronáutico no Brasil já tinha pago mais de 3,253 milhões de dólares a clientes envol-vidos com esse tipo de sinistro. Um único Airbus A320 envolvido em uma “bird strike” resultou na indenização de 700 mil dólares à empresa aérea. Já um Embraer 195 teve o motor substituído e a empresa recebeu 400 mil dólares.

Em maio de 2014, um ATR 42 da Total Linhas Aéreas atropelou uma anta enquanto decolava do aeroporto de Coari (AM) e o seguro acabou pagando cerca de 1 milhão de dólares. Trem de pouso, radares, motores, para-brisas e bordo de ataque das asas são algumas das partes – todas muito caras – mais atingidas na maioria dos casos. O coronel Henrique Rubens de Oliveira, investigador do Cenipa, apurou que em 2016 foram registradas 2.195 colisões com fauna, das quais 961 com e 1.234 sem danos ou prejuízo. Do total, 213 aeronaves tiveram que ficar AOG, ou seja, indisponíveis para voo. De 151 colisões cujos custos diretos foram informados, a média foi de quase 24.950 dólares em custos por colisão. Para custos indiretos, a média foi de 54.412,59 dólares para cada uma das 92 colisões com custos informados. “Custos diretos e indiretos são muito pouco reportados”, observou Henrique de Oliveira. O que dificulta a análise de custo-benefício para a aplicação de medidas de controle.

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O primeiro registro oficial de colisão envol-vendo uma ave e uma aeronave ocorreu em 3 de abril de 1912, em Long Beech, Califórnia (EUA), quando o piloto americano Calbralth Rodgers morreu após colidir com uma gaivota e cair ao mar. A partir daí teve-se a certeza de que mesmo os maiores aviões não intimidam nenhum animal, enquanto que, por menor que seja um passari-nho, os estragos podem ser enormes quanto à segurança de voo e custo financeiro. Imagine-se, então, um bando de aves muito maiores e pesa-das: que o diga o comandante Chesley “Sully” Sullenberger!

O ano, 2009, começaria com uma tragédia não fosse a perícia da tripulação liderada por Sully e uma boa dose de sorte. O voo US Airways 1549 decolou de Nova Iorque (La Guardia) rumo a Charlotte, na Carolina do Norte, e o avião teve que amerissar no Rio Hudson, após apenas seis minutos de voo, pois a colisão com um bando de gansos canadenses provocou a perda de potência de ambos os motores do Airbus A320. Todos os passageiros e tripulantes conseguiram deixar a aeronave já parcialmente submergida e foram resgatados por embarcações. O caso tornou-se um marco na aviação comercial

Arremetida monomotorEm agosto de 2014 um Airbus A320 da TAM,

com 134 passageiros, aproximava-se da pista 02 do aeroporto de Belém quando perdeu o motor 1 devido à ingestão de dois urubus, arremeteu em condição monomotor e quase atingiu um bando também de urubus durante o procedimento. Não houve feridos, mas os danos materiais ultrapassa-ram 9,65 milhões de dólares.

Segundo estudo do Cenipa, cada modelo de aeronave é construído com certa resistência à energia causada por colisões com fauna, razão pela qual somente 5% a 10% das colisões geram danos ou efeitos negativos em voo. Entretanto, aquele acidente no Rio Hudson, em Nova Iorque, que deu origem ao filme Sully, trouxe à tona a necessidade de rever critérios de certificação de motores aeronáuticos. No caso da colisão ocorri-da com a TAM em Belém, o Anuário de Risco de Fauna do Cenipa afirma que se o motor remanes-cente também tivesse sofrido ingestão de aves, as consequências poderiam ter sido bastante severas. “Dificilmente, o resultado do acidente americano, mostrado nos cinemas, seria igualado, pois este não é conhecido como milagre sem razão concre-ta”, diz o documento.

Sim, a ingestão de apenas um pássaro por um motor a jato ou sua colisão com partes importan-tes da aeronave podem ser trágicas. Em setembro de 2012 um avião Dornier 228 que levava alpi-nistas para a região do Monte Everest caiu logo após decolar de Katmandu, Nepal, matando as 19 pessoas a bordo. A aeronave havia colidido com uma ave.

A assessoria de imprensa da Latam Airlines in-forma que a companhia “mantém suas tripulações treinadas para eventos como estes para que atuem sempre conforme as premissas de segurança da As companhias aéreas sabem que podem ser responsabilizadas pelos passageiros prejudicados em decorrência das colisões.

No aeroporto internacional do Rio de Janeiro, entre as atividades de manejo de fauna, é usada a falcoaria.

Em 2014 um Airbus A320 da TAM aproximava-se da pista do aeroporto de Belém quando perdeu um motor devido à ingestão de urubus e arremeteu em condição monomotor.

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companhia e do setor aéreo”. Ela informa ainda que em 2016 a Latam Airlines Brasil registrou cerca de 240 ocorrências de colisões com pássaros, o que corresponde a 0,974% de cada 1.000 de-colagens e que, ainda que o risco de colisão seja baixo, a maioria delas ocorre com as aeronaves voando até 3.500 pés de altura e as partes dos aviões mais envolvidas são os para-brisas, as asas e os motores.

De janeiro a outubro de 2017, a MAP Linhas Aéreas, companhia que opera em municípios do Amazonas e do Pará, registrou, segundo informa sua assessoria de imprensa, duas colisões com pássaros, mas que não causaram problemas para a execução de pouso e decolagem das aerona-ves. “No ano passado, no aeroporto de Parintins (distante 534 quilômetros de Manaus), ocorreu uma colisão durante o pouso, porém a manobra foi realizada sem complicações. O pássaro colidiu com uma pá de hélice do motor esquerdo de um dos ATR da empresa. Nesse caso, a MAP teve prejuízo de 600.800 reais com a troca do equipa-mento.” As partes das aeronaves operadas pela empresa amazonense que mais são afetadas pelas colisões com pássaros são estabilizador vertical e fuselagem, próximo à asa. A MAP diz não possuir registro de colisão com animais terrestres e acredi-ta que os órgãos responsáveis pela administração dos aeroportos de Carauari, Parintins e Barcelos precisam aumentar o monitoramento, a fim de

que os riscos de colisão sejam minimizados. Outra empresa regional brasileira, a Passaredo

Linhas Aéreas informa que, até outubro de 2017, teve apenas uma ocorrência com danos significa-tivos, afetando radome, para-brisas e fuselagem de um dos seus ATR. Outras partes que costumam ser afetadas em casos semelhantes são o bordo de ataque das asas, antenas, tubos de pitô, hélices e spinners. Já no caso de colisão com animais terrestres a parte mais afetada é o trem de pouso.

No mesmo mês dessa colisão (maio passado) houve outra ocorrência, mas com danos meno-res, bem como outras com danos reduzidos ou ausência de danos ocorreram também em outros meses. A assessoria de imprensa da Passaredo destaca que, embora na maioria das colisões não aconteçam danos significativos, normalmente provocam atrasos, pois as aeronaves devem ser inspecionadas. Segundo a Passaredo, quando uma de suas aeronaves é obrigada a ficar fora de ope-ração após um evento desses, o custo é de cerca de 1 mil dólares/hora e o custo de substituição de peças danificadas é aproximadamente 33 mil dólares para um radome e 12 mil dólares para um para-brisa. Na malha da companhia, os aeroportos com risco maior são os de Vitória da Conquista (BA) e Rondonópolis (MT), além de seu próprio aeroporto-sede, Ribeirão Preto. Já a Avianca Brasil informou que, entre janeiro e setembro de 2017, registrou 41 casos de bird strike.

Área de Segurança Aeroportuária (ASA)

As aves não entendem que estão perto de um aeroporto e alguns seres humanos parece que também não dão importância a isso. Por esse motivo, Áreas de Segurança Aeroportuárias (ASAs) foram estabelecidas por meio da Resolução Cona-ma (Conselho Nacional do Meio Ambiente) nº 4, publicada no DOU nº 236, de 11 de dezembro de 1995. As ASAs são as “áreas abrangidas por um determinado raio a partir do centro geométrico do aeródromo, de acordo com seu tipo de operação,

divididas em duas categorias: primeira, raio de 20 quilômetros para aeroportos que operam de acor-do com as regras de voo por instrumentos (IFR); e segunda, raio de 13 quilômetros para os demais aeródromos”. E determina que “dentro da ASA não será permitida implantação de atividades de natureza perigosa, entendidas como ‘foco de atra-ção de pássaros’, como por exemplo matadouros, curtumes, culturas agrícolas que atraem pássaros, assim como quaisquer outras atividades que pos-sam proporcionar riscos semelhantes à navegação aérea”. Por isso, no caso daquela colisão da TAM em Belém, ocorreu um embargo de funciona-mento da empresa frigorífica Socipe, localizada a pouco menos de 3 quilômetros do aeroporto internacional de Belém, que tinha sido notificada pelo Ibama para dar tratamento adequado aos resíduos que atraíam urubus. Posteriormente, no final do mesmo ano, o juiz federal Marcelo Honorato decidiu, por meio de medida cautelar, que manteve o embargo de funcionamento, que as atividades irregulares da empresa frigorífica tinham relação direta com o risco aeronáutico da região de Belém, mesmo porque a Socipe estava dentro da ASA. Agentes políticos locais e a prefei-

Dentro das Áreas de Segurança Aeroportuárias (ASAs) não será permitida implantação de atividades de natureza perigosa, entendidas como foco de atração de pássaros.

Em 2009 a colisão com um bando de gansos provocou a perda de potência de ambos os motores do A320 da US Airways em Nova Iorque.

Aeronaves militares também sofrem com a presença de aves durante voos de treinamento.

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tura de Belém também foram multados.O caso do aeroporto de Parintins, no interior

do Amazonas, administrado pela prefeitura local, também é emblemático. Um aterro sanitário nas proximidades do aeroporto atraía tantos urubus que em 2010 uma ação civil pública proibiu todos os voos, mas posteriormente foram permitidos apenas os noturnos. A restrição só foi retirada quase quatro anos depois, após o Tribunal de Justiça do Amazonas ter determinado que a prefeitura do município desativasse o aterro sanitário e construísse outro em local adequado.

Por meio de sua Comissão de Gerenciamento do Risco da Fauna (CGRF), a Infraero participa de muitas ações diárias para afastar as aves e demais espécies da fauna das áreas críticas dos sítios aeroportuá-rios, ações estas definidas nos Planos de Manejo

da Fauna. Lorena Almeida, bióloga do aeroporto internacional de Belém, explica que “a fiscalização se dá por conta do órgão municipal, ambiental, ou da própria prefeitura”. Ela comentou a dificuldade de controlar o problema em nível municipal: “alguns prefeitos justificam dizendo ‘meus eleitores não têm avião e não voam de avião’ ou então ‘eu não voo de avião e não tenho nada a ver com isso’. Isso se deve à falta de conhecimento geral do risco aviário e até mesmo quando se consegue que a prefeitura limpe locais que servem de foco para atração de aves, a própria população volta a jogar lixo no mesmo local”. Às vezes somente por meio de ações civis públicas consegue-se a urbanização dos lixões clandestinos. “Os órgãos municipais (Secretaria de Saneamento, Secretaria de Urbanismo, Secretaria de Meio Am-biente, etc.) não se conversam para pensar numa forma de melhorar o local.” Outro problema é a falta de recursos de algumas prefeituras. Os secretários e prefeitos alegam que não têm dinheiro para fazer as modificações que são solicitadas. E quando há mu-dança de gestores, todos os planos voltam ao zero.

Belém é apenas um dos aeroportos onde mais se verificam as colisões com aves. Segundo Relatório de Risco de Fauna do Cenipa, de 2015, a maior incidência de bird strike ocorreu nos ae-roportos de Congonhas, Campo Grande e Porto Alegre, seguidos por Belém e Fortaleza.

As companhias aéreas não gostam muito de tratar do tema, pois sabem que podem ser responsabilizadas pelos passageiros que se sin-tam prejudicados em decorrência das colisões. O juiz federal Marcelo Honorato, especialista em legislação relacionada a incidentes e acidentes aéreos, explica que as empresas de transporte aéreo regular e não regular são concessionárias autorizadas para a exploração dessa atividade e a própria Constituição brasileira afirma que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responde-rão por danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa”. É a chamada responsabilidade civil ob-

jetiva, que apenas exclui casos fortuitos externos (como um sequestro), fatos exclusivos da vítima ou de terceiros. No caso de colisão com a fauna, o TJ de São Paulo já considerou a sucção de um urubu pelo motor de um avião de empresa internacional responsabilidade objetiva da mesma “pelo pró-prio risco inerente ao negócio que se desenvolve e, se a existência de aves nas proximidades do aeroporto é fato previsível, não há como negar sua veiculação à prestação de serviços”. Assim, considerou que era de conhecimento da compa-nhia aérea e do próprio aeroporto a presença de urubus nas proximidades da área de decolagem e pouso. O evento foi considerado um risco do empreendimento e falha na prestação do serviço, dando à companhia aérea o dever de indenizar o passageiro devido a atrasos. Mas, observa o juiz Marcelo Honorato, como a companhia aérea não cria animais da fauna, não explora atividades que a atraem e nem explora os aeroportos onde a fauna surgiu, é vítima da omissão de terceiros (como o administrador aeroportuário) e órgãos públicos que deveriam fiscalizar os atrativos de fauna dentro da ASA. Porém, isso não afasta a responsabilidade do transportador e o passageiro deverá cobrar a indenização da companhia aérea, que, por sua vez, em ação regressiva, cobrará do terceiro culposo.

CapturaAs práticas de combate principalmente no

caso dos conflitos aéreos consideram sempre em último lugar abater os animais, mesmo porque isso não resolve o problema de forma definitiva, tal como ocorre com a captura: muitos dos urubus que já foram transportados mais de 200 quilô-metros além de onde foram capturados em aero-portos no Nordeste retornaram ao mesmo local.

No aeroporto internacional do Rio de Janeiro (Galeão), desde 2013, ainda sob gestão da In-fraero, entre as atividades de manejo de fauna é usada a falcoaria. Ao assumir as operações do aeroporto em 2014, o RIOgaleão deu continuidade ao trabalho. A assessoria de imprensa informa que entre 2015 e 2016 o conjunto de práticas de manejo resultou em uma redução de mais de 30% no número de colisões com aves, de 109 para 74.

O trabalho de manejo de fauna no Galeão é realizado por um grupo de aproximadamente 15 profissionais, entre eles biólogos, veterinários e estagiários. Na parceria com o Centro de Preser-vação de Aves de Rapina (Cepar), que conta com a atuação de gaviões, falcões e cães da raça pointer inglês, o objetivo é o de afugentar ou capturar outras aves que possam ameaçar a operação do

Em 2016, segundo o Cenipa, a média foi de quase 24.950 dólares em custos por colisão com animais informada às autoridades.

Nos aeroportos tenta-se afugentar as aves com pirotecnia ou até mesmo com predadores falsos.

Dependendo da parte da aeronave afetada, além dos prejuízos financeiros, pilotos correm o risco de ferir-se gravemente.

Aves não se concentram em determinados locais gratuitamente: quase sempre há um foco de atração dentro ou fora do aeródromo.

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aeroporto, diminuindo o risco de colisões. As aves de rapina são adestradas não para matar, mas ape-nas para capturar e afugentar outras aves, como urubu, carcará e garça branca. As aves capturadas são soltas no Parque Natural de Gericinó, em Nilópolis, após passarem por exames e cuidados veterinários. “O problema dos pássaros vem desde os primórdios do voo porque o habitat deles é justamente onde pretendemos nos deslocar. É um problema perpétuo e que vai persistir ao longo do tempo. Vamos sempre trabalhar na mitigação do risco, não iremos eliminá-lo porque, na realidade, o ar é deles, nós é que somos os intrusos”, diz Ronaldo Jenkins, diretor da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear).

A importância de identificarColisões com animais, decolagem abortada ou

arremetida causada pela presença de fauna são também ocorrências aeronáuticas que podem ser classificadas em uma dessas categorias: acidente aeronáutico, incidente grave ou apenas incidente. Qualquer uma dessas situações exige a adoção de medidas e procedimentos relacionados ao Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer). O próprio Código Brasileiro de Aeronáutica, em seu artigo 88, informa que “toda pessoa que tiver conhecimento de qualquer acidente de aviação ou da existência de restos ou despojos de aeronave tem o dever de comuni-cá-lo à autoridade pública mais próxima e pelo meio mais rápido”. O dever de comunicar uma ocorrência aeronáutica nem sempre é cumprido, ou apenas de forma tardia e informal, por alguns dos operadores e pilotos envolvidos, trazendo prejuízo à prevenção. Sem dados apurados, nin-guém pode ser responsabilizado. De acordo com o Cenipa, entre 2011 e 2015, somente uma em

cada três colisões (29,34%), que geraram custos aproximados de 65 milhões de dólares na aviação brasileira, foi registrada no Sistema de Gerencia-mento de Risco Aviário (Sigra). A notificação é obrigatória e a identificação da espécie animal envolvida é importante para a prevenção futura de incidentes semelhantes.

Na última década, a melhora nos reportes de avistamento de animais, o ingresso de biólogos na Infraero e a atenção provocada pelo incidente de “Sully” foram alguns dos fatores que têm contribuído para o aprimoramento do tratamen-to do problema por autoridades e particulares. Da mesma maneira, o início do convênio entre a Universidade de Brasília (UnB) e a Infraero e a primeira identificação de espécie por código de barras de DNA, resultante desse convênio, e início de identificação de espécies por código de barras de DNA realizada pelo Departamento de Polícia Federal/Cenipa também foram importantes.

Mas o principal fator de resistência ao reporte de eventos com fauna ainda é a cultura organi-zacional por parte de tripulantes, especialmente na aviação civil de transporte de passageiros. É muito comum a falta de reportes em decolagens abortadas, por exemplo. Por sua vez, operadores de aeródromos e mecânicos não incentivam tri-pulantes a dar informações essenciais de colisões que acabaram de ocorrer na chegada da aeronave ao aeródromo. Muito menos ficam sabendo se o evento ocorreu na chegada àquele aeródromo ou na decolagem na origem. O processo de gerenciamento de risco depende da geração de informações precisas, sejam elas de avistamentos, quase colisões, colisões e censos de fauna, em quantidade suficiente para viabilizar a identifi-cação de ameaças e a análise de tendências em cada aeródromo. Sempre que a espécie deixa de ser identificada em uma colisão, perde-se

uma oportunidade para reduzir o risco de fauna naquele aeródromo. A identificação de espécies envolvidas em todas as colisões possíveis serve para criar o nexo de causalidade entre empreen-dimentos mal operados na ASA e a segurança da aviação em operação em cada aeródromo. “Se não tivermos dados objetivos e comparativos, as decisões serão baseadas em opiniões subjeti-vas e ninguém será responsabilizado. E se você não pode medir ou quantificar o problema, não pode resolvê-lo”, afirmou o dr. Richard Dolbeer, do United States Department of Agriculture, em um seminário sobre o risco da fauna ocorrido há alguns meses em São Paulo.

O dr. Richard Dolbeer comentou que a iden-tificação de espécies já catalogadas pelo DNA é importante, mas também pode pregar peças. Ele falou do caso de uma aeronave que a 2.000 pés colidiu em voo com uma ave e a coleta de fragmentos mostrou que se tratava do DNA de um cervo! Ante a perplexidade de todos os cientistas, constatou-se que o material coleta-do indicava conter DNA de cervo que estava no estômago de um urubu.

Aviões, helicópteros e aves, principalmente, e, em menor escala, animais terrestres continuarão disputando espaço entre si. Os especialistas con-cordam que é ilusão achar que um dia o risco será eliminado por completo. Os prejuízos materiais e operacionais são uma grande motivação para buscar soluções adequadas para minimizar o pro-blema, especialmente diante do risco de perda de vidas humanas. O problema mesmo, na verdade, é quando ocorre o descaso de todos os envolvidos, sejam governantes, operadores aeroportuários, operadores de aeronaves, órgãos de fiscalização. Animais movimentam-se sempre com algum objetivo e desmotivá-los quando próximos a aeró-

dromos deve ser constante, como informar sobre a presença dos animais o mais detalhadamente possí-vel, identificar sua espécie, colocar barreiras físicas para que não entrem em pistas e pátios, eliminar focos atrativos e respeitar a legislação pertinente ao tema. E deve haver integração entre todos os envolvidos direta e indiretamente com as operações aéreas. “O poder público municipal deve considerar cada vez mais a aviação no planejamento do uso do solo”, observa o Cenipa em seu documento de 2015. “A responsabilidade por esta tarefa complexa transcende o próprio setor aéreo, condição que exige integração neste setor.”

Animais terrestres também geram problemas: a colisão com uma anta causou grandes danos neste ATR na Amazônia.

Fragmentos de animais das colisões devem ser analisados.

A identificação das aves por meio de DNA ajuda a reduzir o problema por facilitar seu manejo.

Restos de um helicóptero que se acidentou por colisão com ave.

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