esfinge

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Victor Del Franco SFING E E

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Literatura Brasileira / Poesia

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Page 1: EsfingE

Victor Del Franco

SFINGE E

Page 2: EsfingE

Copyright 2010 - Victor Del Franco

Este livro, integral ou em partes,pode ser usado para fins não comerciais

desde que sejam citados o nome do autor,o nome do livro e o link correspondente.

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[email protected]

Capa, projeto gráfico e revisão:Victor Del Franco

2010Publicado na Internet

Franco, Victor Del, 1969 -

EsfingE / Victor Del Franco. -São Paulo: Edição do autor, 2010.

1. Poesia brasileira I. Título.

Page 3: EsfingE

O sagrado e o profanoconstituem duas modalidadesde ser no mundo.

Mircea Eliade

Page 4: EsfingE

fereo fio da navalhano meio-fioda meadacortando as veias de

asfaltopor onde fluio sangue tensoque escorreaos subterrâneosdo turvo medooculto por detrásde muros imundose paredes erguidas em

concretoarmado até os dentesdas novas arquiteturasenvelhecidas nas alturasde edifícios quearranham os céuscarregados de poeira

e fumaçapor onde vazaa seca luz

do Solinsondável

04

Page 5: EsfingE

ferea fina retinados olhosa luz ilusória das telasque trans

figuram os fatosem teatros do real,em cenas e cenários

reluzentesque invadem as casas,quartos e salas,todos os cantos

e recantosdo seu refúgioinviolável

a sua poltronamais confortávela sua atençãomais atônitao seu silênciomais soturnodiante demosaicos modernos

devidro

e violência

05

Page 6: EsfingE

ferea fina peledos diasa fome vorazdos tempos con

temporâneos

metalencravadonos coraçõesque corremainda maisatrás do temposem tempo de ser

tempoo tempo quevoa velozem ciclosconstantes

a revolver

o próprioTempo

06

Page 7: EsfingE

ticc a tt a cc i tt i c c ta at c ci tt i cc ta at cc i tt i cc a tt a cci t t icc a tt ac ci t tic taci ct cat

ticc a tt a cc i tt i c c ta at c ci tt i cc ta at cc i tt i cc a tt a cci t t icc a tt ac ci t tic tac ci t cat

ti cc a tt a cc i tt ic c ta at c ci tt i cc ta at cc i tt i cc a tt a cci tt icc a tt ac ci t tic tac ci t cat

ticc a tt a cc i tt i c c ta at c ci tt i cc ta at cc i tt icc a tt a cci t t icca tt ac ci t tic taci ct cat ticc a tt a cc i tt i cc ta at cc i tt i cc a tat cc i tt icc a tt a cci t t icca tt ac ci t tic tc cai t cat

07

Page 8: EsfingE

e mais um diaque contémtodas as manhãsde um novo dia

mais um diaescavando as camadascontidas em muitosoutros dias

dia após diasol após sol

e um outeiro nascedo oceano primordial

dias de uma outra dinastiauma civilização

construindo identidade aindaconstruindo

muito maisque moradia

dia após diapedra após pedra

alicerces do Antigo Impériosob os pés de Menes

pequena Mênfisàs margens de divinas águas

cheia após cheiasol após sol

08

Page 9: EsfingE

Rá, senhor de Maat,proclama soberano:

venha junto nessa travessiaque corta o céu numa barcaaté mergulhar no escuro abismo,líquido caos onde Apófis serpenteia

o ritual da eternidadenavega entre os mortos,litanias para sair à luze atingir a esfera celestepor onde fluia passagem dos dias

sou o supremo Sol,a alma clara e primordial;sou aquele que em clamorcriou os deuses todose as mil feras do mundo inferior;sou o Senhor que sai da escuridão,lá de onde as frias formas da existênciafazem cela e severa moradia;sou aquele que vem do limite extremo,sou ontem, hoje e amanhãe ainda tenho o dom de renascer

09

Page 10: EsfingE

salve, Senhor do altíssimo santuário!salve, divino Sol em plenitude!em todos recantos da Terraos homens fazem festa em teu louvor

salve, Senhor do altíssimo santuário!salve, divino Sol em plenitude!teu coração se alegra e cantapor essa formosura na manhã

salve, Senhor de imensa trajetória!derrama a tua bênção sobre mime que meu coração seja leve agorae na hora em que for posto na balançapara receber a inevitável pena

salve, Senhor de imensa trajetória!fortalece meus braços e pernaspara que eu possa abrir passagemneste covil de feras e demônios

10

Page 11: EsfingE

vou pelos átrios subterrâneose enquanto meu sanguecorre em lavaeu avanço entre as garrasde todos que se juntamcontra mim

sou o guerreiromergulhado em trevas

sou o guerreironas trilhas de cegas possessões

sou o guerreirotornado breupronto a enfrentar as batalhasdo mundo inferior

11

Page 12: EsfingE

venha, Senhor do abismo,venha com suas armas,armadilhas e estratégias!

venha, Senhor do abismo,com toda a fúria que está em ti!

venha, Senhor do abismo,e não adie um só instantea hora do inevitável confronto!

Page 13: EsfingE
Page 14: EsfingE

salve, Senhor do altíssimo santuário!salve, divino Sol em plenitude!acolhe então o coração que pulsae percorre as voltase revoltas da travessia

salve, Senhor de imensa trajetória!pois agora, após as grades da escura cela,o meu espírito alça vooe alcança o azulna presença de teu esplendor

sou o guerreiroque agora sai à luz

sou o fôlegoque incorpora os ventosem ascensão

sou a forçaque renasce em sabedoriae consciência

sou a trilhapor onde caminhoe deixo pegadas

sou o filho da terrae aqui minhas sementesgerminarão

14

Page 15: EsfingE

sou ontem, hoje e amanhã,desci e entrei no mundo inferiorfeito homem sem compreensão,renasci com o espírito em fortalezae assim sempre será na eternidade

dia após diapedra após pedra

outro monumentooutro templooutro centrooutra cidade

EriduLarakSipparShuruppak

outra realidadeentre águasque se espalhampelas margens

moradas dispersadiversos povoadosque disputamo mesmo espaço

15

Page 16: EsfingE

terra entre riosentre muros e muralhas

Suméria:desde o nascer ao pôr-do-Sol

Suméria:de muitos rebanhos, leite e mel

Suméria:de colheitas em planícies irrigadas

Suméria:os deuses todos olham por ti

Enkiconduz o aradosobre a terrae desenha as artériasdos sagrados sulcos

Ninurtaestende as mãossobre os campose os grãos germinamem flor e fruto

Ziusudrahumana centelhaque acende fogueiraspara celebrar a mesa fartade pão e cevada

16

Page 17: EsfingE

na alvorada,Utu desponta em Mashue conclama:

eu sou o esplendor de Dilmune o Senhor do portal do leste,eu danço no céu e abraço a terraem toda a sua extensãoe nessa longa trajetóriaeu desço às profundezaspara renascer através dos séculos

do alto de um zigurateouve-se um clamor:

salve, Senhor das alturas!salve, divina luz da imensidão!venho pedir a tua forçapois preparo uma jornada

salve, Senhor das alturas!salve, divina luz da imensidão!o destino reserva a todo homemo mesmo infortúnio,mas em lápide algumaainda não foi esculpidoo meu nome

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Page 18: EsfingE

salve, Senhor das alturas!salve, divina luz da imensidão!já ergui os olhos para as esferas do norte,observei os astros do leste,voltei-me às luzes do sule olhei as nuvens do oeste

contemplei o céu por completoe anotei os seus presságios,aprendi a lei das estrelase de todos os corpos celestes

tracei no chãoo esboço de mil constelaçõese marquei com pedraso halo de cada magnitude

reflexo inverso,pequeno espelho desconexo

eclípticaeclipse

equinócio

salve, Senhor das alturas!salve, divina luz da imensidão!agora preparo uma jornadapara desbravar a cavernaonde habita a terrível fera

se o temor sondar meu coraçãoe o horror espreitar meu espíritoo teu lume será meu escudoe minha fortaleza prevalecerá

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Page 19: EsfingE

terra entre riosentre guerras e territórios

aqui e alicasas vulneráveisaqui e alium instável domínioaqui e alia todo instantea batalha se anuncia

dia após diasol após sol

e mais um dia acordae incendeia a cidade

a cabeça inerteo corpo inertea alma inerteinerte cidadela

o instanteem que o despertartorna-se armamento

o seu uniforme impecáveldos pés à gravata

a bravatana ponta da língua

o amargo caféengolido às pressasno giro das engrenagens

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Page 20: EsfingE

tropas em trânsitoseguem sua sina pelas ruasao passo em que o tempo invadeos domínios da autarquiadevastando um mundo vasto

escritóriosconsultóriosdiretóriosdepartamentos

documentos por favornome:endereço:telefone:identidade:

e o tempo invade as construçõese escala os andaimes da cidade

e se infiltrapelas frestas das janelaspelos vãos embaixo das portaspor todos os poros do seu corpoque lentamente vai

e se esvaino fluxo da ganânciaque corre no sanguee alimenta o moinhodas civilizações

dia após diahora após hora

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Page 21: EsfingE

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Page 22: EsfingE

habitações modestasde argila e tijolossão erguidas emoutras cidades

vias e ruasde Harappae Mohenjo-Daro

ancestraisque amanhecem

e adormecemnuma estruturade castas

sacerdotesguerreirossenhorese servos

banham-se em riose em crenças milenares

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Page 23: EsfingE

Hastinapura em conflito:uma guerramuito mais que físicaeclode ao redor

Arjuna e seu mestreem meditaçãosobre o campo de batalha,navalha suspensaentre o Bem e o Mal

sacerdotesguerreirossenhorese servos

seguem o fluxoe purificam-se em águas sagradas

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Page 24: EsfingE

ano após anociclo após ciclo

árduo caminhode mil voltas,

veias e artériasna eterna sucessãodos impérios

do Nilo ao Indusoutra supremacia

de Susa a Sardisoutro percurso

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Page 25: EsfingE

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Page 26: EsfingE

o torvelinho do tempoe das águas

gira em carne vivae no embalo da manhã expressao dia se arrastadiante de seus olhos

entre divisórias precáriasde um rotineiro escritório,ordens de urgência urgentíssima

soam exasperadas

o prazo é sempre curtopra tanto compromisso

(e qual é mesmo a importância de tudo isso?)

e-mails e arquivos na memóriapapéis e relatórios sobre a mesa

gira inquietaa monotonia das horasnas salas de trabalho

e através das janelasdo edifício

a vista alcança os limites da Terra

fronteira azulem perfeita curvatura

gira inquietaa monotonia das horas

e numa fração de silêncioo absurdo sentido das coisasilumina a impermanência

26

Page 27: EsfingE

azulecer

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Page 28: EsfingE

( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( () ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) )

( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( () ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) )

fronteira onde o corpo flutua além da percepção,além da razão do próprio corpo. fronteira alémdo azul, safira repleta. dimensão que se expandeao infinito na leveza que ultrapassa o impossível,alma em translúcida atmosfera, esfera do espírito,dimensão do olhar que alcança o invisível alémdos sentidos( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) )

( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) )

( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( dissolve-se no arum estado de consciência, vivência no despertar damente e do coração, a centelha original em completoentendimento, energia que envolve a matéria emconstante alteração ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) )( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( () ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) )

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.. _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ ..

.. _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

singularidade

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Page 29: EsfingE

azulecer

29

Page 30: EsfingE

fogo celestesamadhie quietude

altitudenum vooindizível

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Page 31: EsfingE

azulecer

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Page 32: EsfingE

vooalém do urbano,além do arranha-céu

profano

(an)(ti)

(ax)(is)

(mu)(nd )(i

32

Page 33: EsfingE

toca o telefonee o azul desaba

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Page 34: EsfingE

outro monumentooutro templooutro centrooutra cidade

outra realidadeem torno das águasque se espalhampelas margens

Pinheiros e Tietêde Piratininga

vila fundadaao som de missas

e missões

missas no pátiomissões no colégio,

a catequeseem nome de Deuse na Companhia de Jesus

AnhangáAnhangáAnhangá

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Page 35: EsfingE

a doutrina da Igrejae os interesses da Coroaem boa companhia

AnhangáAnhangáAnhangá

os espíritos fogem do massacree se abrigam na floresta

AnhangáAnhangáAnhangá

cabe indagar:canibais sem alma,

quem eram?quem são?

povoadovilacidademetrópole

Amém

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Page 36: EsfingE

fim do expediente

a volta pra casanas voltas do labirinto,esquinas e travessasda travessia incerta

placas e setasque apontamdescaminhos,frágeis destinosestampados em faróis,

olhos vermelhosque invademo final de tardee congestionama noite

em meioao caosdo ocaso

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Page 37: EsfingE

a concepção de tempoe espaço

que envolve a cidadedeixa de fluirem sua órbita natural

ruas e avenidasencerradas na velocidade

imóveldas máquinas

nas calçadas deformadas,milhares de pernas

apressadasque não chegam a lugar algum

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Page 38: EsfingE

na arritmia contemporâneao homem neolíticosegue em sua aventura pedestre

o homem neolíticoainda cria seus deuses inacessíveis

o homem neolíticocarrega seu celularcom centenas de conexões

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o homem neolíticopermanece incomunicável

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.. _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

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.. _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ ..

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Page 39: EsfingE

silêncio

os deuses não respondem

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Page 40: EsfingE

o homem desconexoprocura algum sinal

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Page 41: EsfingE

silêncio

não foi possível completar a ligação

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Page 42: EsfingE

o homem esfaceladoprocura a sua face,algum rostoque se reconheça

no espelhotrincadodas cidades

o homem reduzidoa quase nada

quase nanoquase não

nanocircuitosde alguma tecnologia

inovadora

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Page 43: EsfingE

sinapses traduzidasem processos binários,memórias sintéticascom bilhões de

gigabytes

0 h0mem d1g1tal1zad0em t0d0s 0s seus cód1g0s

01000001 - 0101010001000111 - 0100001101010100 - 0100000101000011 - 01000111

o homem degene

radoe a vida reduzidaa quase nada

quase nanoquase não

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Page 44: EsfingE

0 h0mem ne0lít1c0permanece 1nc0mun1cável

44

Page 45: EsfingE

01110011 0110100101101100 11101010 0110111001100011 01101001 01101111

a palavra reduzida a quase nada

45

Page 46: EsfingE

e nessa trajetóriavista em perspectivaa cidade crescesem pontos de fuga

a cidade crescesobre camadas de entulho,

ossos anônimose restos esquecidos

a cidade arqueológicaenterra o seu passadocamada

porcamada

e os espíritosde todos os índios

indigentesfazem pajelançaao redorde uma oca

petrificada

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Page 47: EsfingE

ibirapuera

ca tu ocu or mu v i ci * u bim mi ar ci m á uit go arro ajr ó * g éru aaiman usa ize bs mc uo rt oox

mó é * p aip utir aa t ngmia a p ti a *c a ãe tm nab tu u bj a úb aa jq aru ga r ãa n c aa çr aja n adi mr eu o* m

47

Page 48: EsfingE

a cidade arqueológicaenterra o seu passadocamada

porcamada

e, no entanto,entre os resquícios

da memóriao inesperado vem à tonana ladeira da Jandaiae a história se revelaem arcos e arcadas

a cidade arqueológicasobre

vive em obrascamada

porcamada

e se alimentadas sobras da estrutura

asfaltoconcretovidrometal

encravado nos coraçõesque correm ainda maisatrás do tempo

hora após horapulso após pulso

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Page 49: EsfingE

e sem pausa ou descansoa noite imprevisível

se ofereceem sorrisosde néon

representaçãodas trincheiras imundasonde as almas se aglomeramem busca de incertezas

a vida só se valepela Vontade?

resposta alguma satisfaze a primeira doseé bem-vinda

nas mesas ao redoro rumor de conversasentrecruzadasecoam em ressonânciassem sentidos

a seiva do Serhabita o sagrado?

resposta alguma é precisae a segunda doseainda é pouco

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Page 50: EsfingE

o olhar vitrificadoafoga seu abandonono fundo do copo

meio cheiomeio vazio

no meio da cidadeem dissolução

a decadência do corpoé a providência do profano?

resposta alguma é necessáriae a terceira dosenão é o bastante

um lapsouma fissurauma voz estrangeira

e ancestralinvade o coração em chamasdo homem neolítico

por que não embarcar na travessiae mergulhar na madrugada?

resposta alguma é suficientee a quarta dosecompleta a saideira

50

Page 51: EsfingE

passos embriagadosseguem sinuososenquanto a luz se propagaem linhas tortas

( )( )

ruas sem prumono meio do universo

curvo

reflexo inverso,pequeno espelho desconexo

a vida todaem linhas tortas

os deuses não respondemos deuses não falamos deuses não escrevemnem em linhas tortas

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Page 52: EsfingE

o homem neolíticopermanece incomunicável

52

Page 53: EsfingE

silêncio

a Sé reduzida a quase nada

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Page 54: EsfingE

escadaria de pedrasolidão em ruínasmarco zero e catedral

o suor impuroescorre pelo rostoe umedece o olhar

perdido na distância

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Page 55: EsfingE

55

Page 56: EsfingE

no alto campanárioos sinos alucinadosproduzem doze abalose o som que se espalhasussurra em desafio

blem... decifra-meblem... decifra-meblem... decifra-me

e o sussurroquase surdoressoanos princípiosda incerteza

blem... decifra-meblem... decifra-meblem... decifra-me

56

Page 57: EsfingE

no efêmerode cada segundoo Tempo faz-se

infinito

no cernede cada milésimo

uma parcelada eternidade

blem... devoro-teblem... devoro-teblem... devoro-te

então a cidade desabaa cada volta dos ponteiros

no relógio

e o homem definhaa cada golpe do destino

na memória

blem... devoro-teblem... devoro-teblem... devoro-te

57

Page 58: EsfingE

58

a torre da catedralnão esconde as rachadurase mesmo assimaponta ao imensurável

(an)(ti)

(ax)(is)

(mu)(nd )(i

Page 59: EsfingE

silêncio

o centro reduzido a quase nada

59

Page 60: EsfingE

vozes rodopiam em tumultono labirinto inconsciente:

_ _ _ ( ( _ _ _ _ ) _ _ __ não ) ) _ há _ seiva _ nem _ sagrado (( na _ ( ( Vontade _ do _ Ser _ )_ ) _ _ _ _ ( _ _ _ ) ) _ _ _ ( _( não _ há _ seiva _ nem ( ( sagrado _ )_ _ ) ) na _ Vontade _ do _ Ser _ (

_ ( ( não _ há _ providência _ _ __ _ ) não _ há _ providência _ ) ) __ ) _ _ _ ) _ ( ( _ _ _ ) _ ( _ _( e _ o _ profano _ habita _ o ) ) cerne () _ do ( ( corpo _ que _ se _ inflama ) _

( não _ há _ seiva _ nem _ ) )sagrado () _ _ na _ ( ( Vontade _ do _ Ser _ )_ _ ( _ _ _ _ _ _ ( _ _ ) ) _ __ ( ( não _ há _ seiva _ nem _ sagrado _ )( _ na _ Vontade _ do _ ) ) Ser ( _ _

) _ no _ ( ( abismo _ do _ corpo _ (( a _ cidade _ em _ ) ) decadência _ ( __ ( ( _ _ ( _ _ _ _ ) _ _ ( _ _ _ _ __ não _ há _ ) ) Providência _ _ __ _ _ ( não ( ( _ há _ Providência (_ _ _ _ ) _ _ ) ) _ _ _ _ _ _

e a vida reduzidaa quase nada

quase nanoquase não

_ __

__

_

__

__

_

__

__

_

__

__

__

60

Page 61: EsfingE

( )

( )

( )

( )

( )

( )

(

61

Page 62: EsfingE

na altura do zênite, uma supernova

62

Page 63: EsfingE

luz de estrelaque explodeem remotaconstelação

substância que incendeiao insondável

na breve ruptura do espaço

luz de estrelaque atravessa o tempoe invade as ruínasdo homem

o horror diante da imensidãoque envolve o firmamento,o horror diante do Nada

o vazio que se estendepara além do desconhecido,resíduo disformeque reverbera em ondas

desmedidas

o limiar entre dois mundosna imagem que transcende

mysterium tremendum

hierofaniaque inaugura a existência,experiência numinosanum pequeno arcode translação

63

Page 64: EsfingE

a cidadedeixa-se percebercomo Cosmosno instante em que

transfigurao Caos

o homempercebe-se espíritono instante em quea vida se revela

sagrada

referência primáriado Tempo originalquando nenhum tempoainda havia

o Tempo primordialtornado presentenuma sucessão de eternidades,a diversidade dos ritmosque o homem vivenciaem sua pequena travessia,rito de passagemda substânciaque volta à origempara renascer:

o homemin statu nascendia cidadein statu nascendio Solin statu nascendi

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Page 65: EsfingE

e nas calçadas da madrugadapouco antes do alvorecer

na penumbra dos bares sem almapouco antes de esmorecer

o homem neolítico incorporapouco antes do alvorecer

um pobre diabo transtornadopouco antes de esmorecer

um homem loucoe embriagado,

talvez mais lúcidoque a luz deste alvorecerpronunciando seu discurso

desafinadopouco antes de esmorecer

vida!

vida singular e diversa,verso menos que alba,alma menos que sopro,corpo: coisa nenhuma

65

Page 66: EsfingE

vida!

vida vivida e por viver

a minha vidacomo este céuentre claro

e escuro

mais escuro que claro

a minha vida escurase afoga nesse breu

se afoganessa imensidão disforme,nesse mar de estrelasardendo no vazio

inconstante ritualda passagem dos dias

erguer casastemplos e cidades,muros e muralhaspor todos os ladose em cada canto

e em cada cantoum pranto afloraem desatino

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Page 67: EsfingE

nenhuma fontenenhum oásis

nenhum refúgioinviolávelgarante a paze a segurança

absurdo medoentre paredes,

absurdoespanto

o meu espantoofuscado pela luzdesta cidade

a luz que me absorvee absorve o espelho ancestralque se estilhaça a cada dia

respiro o cheiro fortede combustível queimado

respiro a podre fumaçaque invade os pulmões

respiro a poeirade todos os dias

dia após diaapós dia

após dia

67

Page 68: EsfingE

o homem então se calae o silênciopaira nas calçadas

nos degraus da escadariaapenas os degrausnos pontos de ônibusapenas os pontosnas portas das lojasapenas as portas

sentado no meio-fioo homem olha ao redor

:nada

olha a praça:ninguém

olha para si mesmo:

deita-se no asfaltoe fecha os olhos

fecha-se para cidadefecha-se por inteiro

no fio da navalhadeseja a morte

e espera

_____(fetal)_____

68

Page 69: EsfingE

entre as voltas do acasoo vento se manifestanum sopro furtivo

a respiração quase nulaenquanto o céu gira ensandecido

a secura na bocao suor nas mãosmas a morte não vem

os edifícios em silêncioas esquinas em silêncioos orelhões em silêncio

parece haverum terno respeito

da cidadeperante o homeme sua dor

silêncio nas placassilêncio nos cartazessilêncio no alvorecer

na boca do homem:silêncio

mas em seu interioroutra voz está em ebuliçãocom o mesmo vigorde instantes

69

Page 70: EsfingE

outra vozque está prestes a nascercom os primeiros

raios de Solexplodindona manhã

outra vozque rasga o fino véu

sombrioe se infiltra no vaziodos alicerces

outra vozque corta o asfalto

o concretoo vidro

e o metal

70

Page 71: EsfingE

71

Page 72: EsfingE

disparocontra a cidadetodo res

sentimentorepresado

disparoem cada cantoem cada bancoem cada porta

de edifício

disparoem cada orifícioque estiverna minha frente

disparono marco zeroe no arcoda catedral

72

Page 73: EsfingE

disparoem todo excesso

de asfaltoconcretovidrometal

disparoem todo processo

de crescimentodesordenado

disparocontra a cidadetoda angústiaacumulada

disparoa minha agonia

dia após diaapós dia

após dia

73

Page 74: EsfingE

e o homemem solitário abandono,urinando no meio da praça

no meio da cidade,passa a refletir internamente

[o asfaltocompletao concretoque completao vidroe completao metal

um completa o outrooutro completa o um

o asfalto completao concreto que completao vidro e completao metal

nem um é o outronem outro é o um

mas todos se completame apodrecem

nos alicerces desgastados

um no outrooutro no um

o corpo da matériaem silêncio apodrece]

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e o homemcom o sexo entre os dedos,sentindo o cheiro da urinaque se espalha,olha para o alto

surgem as primeirasexplosões do Solque incidem nos vidros

e estruturasdos edifícios

as primeirasexplosões do Solfundindo luzes

e coresem suaves tonsinebriantes

as primeirasexplosões do Solque causam sensaçõesquase anestésicasno tal homem

as primeirasexplosões do Solque há bilhões de ciclos

resplandece

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e ele, mergulhadoem seu silêncio reflexivo,fica extasiadocom os efeitos de luzes

na manhã

e seus olhosvoltam-se ainda maispara si mesmo

e entãoo homem se reconhececomo sendo o Solque incide no asfalto

no concretono vidro

e no metal

ele se reconhececomo sendotoda essa estruturaem que o asfaltocompleta o concretoque sustenta o vidroe risca o metal

ele se reconhececomo sendouma massa disforme de asfaltoenvolto pelo concretocom estilhaços de vidroe metais retorcidosem seu interior

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ele não se reconhececonhecedesconhece

e não mais conheceo que se conheceu

não reconheceo juízo

que se perdeu

tudo então se misturanum imenso jogo de nuances

sem sentido

um amontoadode fios e linhasque estão alémdos objetos palpáveis

tudo se entrelaçanesse emaranhado

infinito

o corpo ao homemo homem ao mundoo mundo ao universoo universo ao corpo

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e assim como na cidadeos quatro elementosse completam e apodrecem

o corpoo homemo mundo

e o universoseguem a mesmainevitável trajetória

nem um é o outronem outro é o um

mas todossão os mesmosna essência

( )( )

e de repentetudo atingeo incerto fluxodo intangível

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Tempo infinitomaldito Tempo

já que é impossível decifrá-lovenha então me devorar

o mesmo vale pra você

insignificante metrópolemetrópole gigante

e ao amanhecero homem neo

lítico prossegue trançando as pernas

e vomitandosua áspera náusea

vomitando e andandovomitando e andandovomitando em seus passos em falsopara evitá-los novamente

vomitando e andandovomitando e andandovomitando a sua angústia carnal

o seu grito visceral

vomitando e andandovomitando e andandovomitando todo asfalto

concretovidro

vomitando todo metal ingerido

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pois todo metaltem seu brilhoe sua podridão

e todo diatem sua luze sua treva

assim como toda barcaque atravessa o céutem seu inferno

e a junção dos contráriosencontra morada constantenas camadas da alma humanade onde ergue-se

imponenteno centro da cidadea fria e insondável

ESFINGEE

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Victor Del Franco nasceu na cidade de São Paulo em 1969.

• Editor da CELUZLOSE - Revista Literária Digital( );

• Durante o ano de 1994 participou das atividadesdo Grupo Cálamo realizadas na Casa Mário de Andrade;

• Entre 1995 e 2005, produziu pequenos volumes de poesiachamados FÓTON (edição do autor);

• Participou da organização da FLAP! de 2006 a 2008;• Em 2007, fez parte da organização do Tordesilhas

Festival Ibero-americano de Poesia Contemporânea;• Colaborou com O Casulo - Jornal de Literatura

Contemporânea de 2006 a 2008.

• Livros publicados A urdidura da tramA (Giordano, 1998) O elemento subterrâneO (Demônio Negro, 2007) EsfingE (Edição do Autor, 2010).

• Participou das coletâneas de poemasOitavas (Demônio Negro, 2006)Antologia Vacamarela (Edição dos Autores, 2007).

http://celuzlose.blogspot.com

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IN HOC SIGNO VINCES

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