esfinge
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Literatura Brasileira / PoesiaTRANSCRIPT
Victor Del Franco
SFINGE E
Copyright p 2009 - Victor Del Franco
Este livro, integral ou em partes,pode ser usado para fins não comerciais
desde que sejam citados o nome do autor,o nome do livro e o link correspondente.
Capa, projeto gráfico e revisão:Victor Del Franco
2009Publicado na Internet
Franco, Victor Del, 1969 -
EsfingE / Victor Del Franco. -São Paulo: Edição do autor, 2009.
1. Poesia brasileira I. Título.
O sagrado e o profanoconstituem duas modalidadesde ser no mundo.
Mircea Eliade
fereo fio da navalhano meio-fioda meadacortando as veias de
asfaltopor onde flui o sangue tensoque escorre aos subterrâneosdo turvo medooculto por detrásde muros imundose paredes erguidas em
concretoarmado até os dentesdas novas arquiteturasenvelhecidas nas alturasde edifícios quearranham os céuscarregados de poeira
e fumaçapor onde vazaa seca luz
do Solinsondável
04
ferea fina retinados olhosa luz ilusória das telasque trans
figuram os fatosem teatros do real,em cenas e cenários reluzentesque invadem as casas,quartos e salas,todos os cantos
e recantosdo seu refúgioinviolável
a sua poltronamais confortávela sua atençãomais atônitao seu silênciomais soturnodiante demosaicos modernos
devidro
e violência
05
ferea fina peledos diasa fome vorazdos tempos con
temporâneos
metalencravado nos coraçõesque correm ainda maisatrás do temposem tempo de ser
tempoo tempo quevoa velozem ciclosconstantes
a revolver
o próprioTempo
06
ticc a tt a cc i tt i c c ta at c ci tt i cc ta at cc i tt i cc a tt a cci t t icc a tt ac ci t t ic ca t t aci ct ticc a tt a cc i tt i c c ta at c ci tt i cc ta at cc i tt i cc a tt a cci t t icc a tt ac ci t t ic ca t t ac ci t
ti cc a tt a cc i tt ic c ta at c ci tt i cc ta at cc i tt i cc a tt a cci tt icc a tt ac ci t t ic ca t t ac ci t
ticc a tt a cc i tt i c c ta at c ci tt i cc ta at cc i tt icc a tt a cci t t icca tt ac ci t t ic ca t t aci ct ticc a tt a cc i tt i cc ta at cc i tt i cc a tat cc i tt icc a tt a cci t t icca tt ac ci t tic ca t t c cai t
07
e mais um diaque contémtodas as manhãsde um novo dia
mais um diaescavando as camadascontidas em muitosoutros dias
dia após diasol após sol
e um outeiro nascedo oceano primordial
dias de uma outra dinastiauma civilização
construindo identidade aindaconstruindo
muito maisque moradia
dia após diapedra após pedra
alicerces do Antigo Impériosob os pés de Menes
pequena Mênfisàs margens de divinas águas
cheia após cheiasol após sol
08
Rá, senhor de Maat,proclama soberano:
venha junto nessa travessiaque corta o céu numa barcaaté mergulhar no escuro abismo,líquido caos onde Apófis serpenteia
o ritual da eternidadenavega entre os mortos,litanias para sair à luze atingir a esfera celestepor onde fluia passagem dos dias
sou o supremo Sol,a alma clara e primordial;sou aquele que em clamorcriou os deuses todose as mil feras do mundo inferior;sou o Senhor que sai da escuridão,lá de onde as frias formas da existênciafazem cela e severa moradia;sou aquele que vem do limite extremo,sou ontem, hoje e amanhãe ainda tenho o dom de renascer
09
salve, Senhor do altíssimo santuário!salve, divino Sol em plenitude!em todos recantos da Terraos homens fazem festa em teu louvor
salve, Senhor do altíssimo santuário!salve, divino Sol em plenitude!teu coração se alegra e cantapor essa formosura na manhã
salve, Senhor de imensa trajetória!derrama a tua bênção sobre mime que meu coração seja leve agorae na hora em que for posto na balançapara receber a inevitável pena
salve, Senhor de imensa trajetória!fortalece meus braços e pernaspara que eu possa abrir passagemneste covil de feras e demônios
10
vou pelos átrios subterrâneose enquanto meu sanguecorre em lavaeu avanço entre as garrasde todos que se juntamcontra mim
sou o guerreiromergulhado em trevas
sou o guerreironas trilhas de cegas possessões
sou o guerreirotornado breupronto a enfrentar as batalhasdo mundo inferior
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venha, Senhor do abismo,venha com suas armas,armadilhas e estratégias!
venha, Senhor do abismo,com toda a fúria que está em ti!
venha, Senhor do abismo,e não adie um só instantea hora do inevitável confronto!
salve, Senhor do altíssimo santuário!salve, divino Sol em plenitude!acolhe então o coração que pulsae percorre as voltase revoltas da travessia
salve, Senhor de imensa trajetória!pois agora, após as grades da escura cela,o meu espírito alça vooe alcança o azulna presença de teu esplendor
sou o guerreiroque agora sai à luz
sou o fôlegoque incorpora os ventosem ascensão
sou a forçaque renasce em sabedoriae consciência
sou a trilhapor onde caminhoe deixo pegadas
sou o filho da terrae aqui minhas sementesgerminarão
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sou ontem, hoje e amanhã,desci e entrei no mundo inferiorfeito homem sem compreensão,renasci com o espírito em fortalezae assim sempre será na eternidade
dia após diapedra após pedra
outro monumentooutro templooutro centrooutra cidade
EriduLarakSipparShuruppak
outra realidadeentre águasque se espalhampelas margens
moradas dispersadiversos povoadosque disputamo mesmo espaço
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terra entre riosentre muros e muralhas
Suméria:desde o nascer ao pôr-do-Sol
Suméria:de colheitas em planícies irrigadas
Suméria:de muitos rebanhos, leite e mel
Suméria:os deuses todos olham por ti
Enkiconduz o aradosobre a terrae desenha as artériasdos sagrados sulcos
Ninurtaestende as mãossobre os campose os grãos germinamem flor e fruto
Ziusudrahumana centelhaque acende fogueiraspara celebrar a mesa fartade pão e cevada
16
na alvorada,Utu desponta em Mashue conclama:
eu sou o esplendor de Dilmune o Senhor do portal do leste,eu danço no céu e abraço a terraem toda a sua extensãoe nessa longa trajetóriaeu desço às profundezaspara renascer através dos séculos
do alto de um zigurateouve-se um clamor:
salve, Senhor das alturas!salve, divina luz da imensidão!venho pedir a tua forçapois preparo uma jornada
salve, Senhor das alturas!salve, divina luz da imensidão!o destino reserva a todo homemo mesmo infortúnio,mas em lápide algumaainda não foi esculpidoo meu nome
17
salve, Senhor das alturas!salve, divina luz da imensidão!já ergui os olhos para as esferas do norte,observei os astros do leste,voltei-me às luzes do sule olhei as nuvens do oeste
contemplei o céu por completoe anotei os seus presságios,aprendi a lei das estrelase de todos os corpos celestes
tracei no chãoo esboço de mil constelaçõese marquei com pedraso halo de cada magnitude
reflexo inverso,pequeno espelho desconexo
eclípticaeclipse
equinócio
salve, Senhor das alturas!salve, divina luz da imensidão!agora preparo uma jornadapara desbravar a cavernaonde habita a terrível fera
se o temor sondar meu coraçãoe o horror espreitar meu espíritoo teu lume será meu escudoe minha fortaleza prevalecerá
18
terra entre riosentre guerras e territórios
aqui e alicasas vulneráveisaqui e alium instável domínioaqui e alia todo instantea batalha se anuncia
dia após diasol após sol
e mais um dia acordae incendeia a cidade
a cabeça inerteo corpo inertea alma inerteinerte cidadela
o instanteem que o despertartorna-se armamento
o seu uniforme impecáveldos pés à gravata
a bravatana ponta da língua
o amargo caféengolido às pressasno giro das engrenagens
19
tropas em trânsitoseguem sua sina pelas ruasao passo em que o tempo invadeos domínios da autarquiadevastando um mundo vasto
escritóriosconsultóriosdiretóriosdepartamentos
documentos por favornome:endereço:telefone:identidade:
e o tempo invade as construçõese escala os andaimes da cidade
e se infiltrapelas frestas das janelaspelos vãos embaixo das portaspor todos os poros do seu corpoque lentamente vai
e se esvaino fluxo da ganânciaque corre no sanguee alimenta o moinhodas civilizações
dia após diahora após hora
20
21
habitações modestasde argila e tijolossão erguidas emoutras cidades
vias e ruasde Harappae Mohenjo-Daro
ancestraisque amanhecem
e adormecemnuma estruturade castas
sacerdotesguerreirossenhorese servos
banham-se em riose em crenças milenares
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Hastinapura em conflito:uma guerramuito mais que físicaeclode ao redor
Arjuna e seu mestreem meditaçãosobre o campo de batalha,navalha suspensaentre o Bem e o Mal
sacerdotesguerreirossenhorese servos
seguem o fluxoe purificam-se em águas sagradas
23
ano após anociclo após ciclo
árduo caminhode mil voltas,
veias e artériasna eterna sucessãodos impérios
do Nilo ao Indusoutra supremacia
de Susa a Sardisoutro percurso
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25
o torvelinho do tempoe das águas
gira em carne vivae no embalo da manhã expressao dia se arrastadiante de seus olhos
entre divisórias precáriasde um rotineiro escritório,ordens de urgência urgentíssima
soam exasperadas
o prazo é sempre curtopra tanto compromisso
(e qual é mesmo a importância de tudo isso?)
e-mails e arquivos na memóriapapéis e relatórios sobre a mesa
gira inquietaa monotonia das horasnas salas de trabalho
e através das janelasdo edifício
a vista alcança os limites da Terra
fronteira azulem perfeita curvatura
gira inquietaa monotonia das horas
e numa fração de silêncioo absurdo sentido das coisasilumina a impermanência
26
azulecer
27
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fronteira onde o corpo flutua além da percepção,além da razão do próprio corpo. fronteira alémdo azul, safira repleta. dimensão que se expandeao infinito na leveza que ultrapassa o impossível,alma em translúcida atmosfera, esfera do espírito,dimensão do olhar que alcança o invisível alémdos sentidos( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) )
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singularidade
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azulecer
29
fogo celestesamadhie quietude
altitudenum vooindizível
30
azulecer
31
vooalém do urbano,além do arranha-céu
profano
(an)(ti)
(ax)(is)
(mu)(nd)(i
32
toca o telefonee o azul desaba
33
outro monumentooutro templooutro centrooutra cidade
outra realidadeem torno das águasque se espalhampelas margens
Pinheiros e Tietêde Piratininga
vila fundadaao som de missas
e missões
missas no pátiomissões no colégio,
a catequeseem nome de Deuse na Companhia de Jesus
AnhangáAnhangáAnhangá
34
a doutrina da Igrejae os interesses da Coroaem boa companhia
AnhangáAnhangáAnhangá
os espíritos fogem do massacree se abrigam na floresta
AnhangáAnhangáAnhangá
cabe indagar:canibais sem alma,
quem eram?quem são?
povoadovilacidademetrópole
Amém
35
fim do expediente
a volta pra casanas voltas do labirinto,esquinas e travessasda travessia incerta
placas e setasque apontamdescaminhos,frágeis destinosestampados em faróis,
olhos vermelhosque invademo final de tardee congestionama noite
em meioao caosdo ocaso
36
a concepção de tempoe espaço
que envolve a cidadedeixa de fluirem sua órbita natural
ruas e avenidasencerradas na velocidade
imóveldas máquinas
nas calçadas deformadas,milhares de pernas
apressadasque não chegam a lugar algum
37
na arritmia contemporâneao homem neolíticosegue em sua aventura pedestre
o homem neolíticoainda cria seus deuses inacessíveis
o homem neolíticocarrega seu celularcom centenas de conexões
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o homem neolíticopermanece incomunicável
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38
silêncio
os deuses não respondem
39
o homem desconexoprocura algum sinal
40
silêncio
não foi possível completar a ligação
41
o homem esfaceladoprocura a sua face,algum rostoque se reconheça
no espelhotrincadodas cidades
o homem reduzidoa quase nada
quase nanoquase não
nanocircuitosde alguma tecnologia
inovadora
42
sinapses traduzidasem processos binários,memórias sintéticascom bilhões de
gigabytes
0 h0mem d1g1tal1zad0em t0d0s 0s seus cód1g0s
01000001 - 0101010001000111 - 0100001101010100 - 0100000101000011 - 01000111
o homem degene
radoe a vida reduzidaa quase nada
quase nanoquase não
43
0 h0mem ne0lít1c0permanece 1nc0mun1cável
44
01110011 0110100101101100 11101010 0110111001100011 01101001 01101111
a palavra reduzida a quase nada
45
e nessa trajetóriavista em perspectivaa cidade crescesem pontos de fuga
a cidade crescesobre camadas de entulho,
sobre ossos anônimose restos esquecidos
a cidade arqueológicaenterra o seu passadocamada
porcamada
e os espíritosde todos os índios
indigentesfazem pajelançaao redorde uma oca
petrificada
46
ibirapuera
ca tu ocu or mu v i ci * u bim mi ar ci m á uit go arro ajr ó * g éru aaiman usa ize bs mc uo rt oox
mó é * p aip utir aa t ngmia a p ti a *c a ãe tm nab tu u bj a úb aa jq aru ga r ãa n c aa çr aja n adi mr eu o* m
47
a cidade arqueológicaenterra o seu passadocamada
porcamada
e, no entanto,entre os resquícios
da memóriao inesperado vem à tonana ladeira da Jandaiae a história se revelaem arcos e arcadas
a cidade arqueológicasobre
vive em obrascamada
porcamada
e se alimentadas sobras da estrutura
asfaltoconcretovidrometal
encravado nos coraçõesque correm ainda maisatrás do tempo
hora após horapulso após pulso
48
e sem pausa ou descansoa noite imprevisível
se ofereceem sorrisosde néon
representaçãodas trincheiras imundasonde as almas se aglomeramem busca de incertezas
a vida só se valepela Vontade?
resposta alguma satisfaze a primeira doseé bem-vinda
nas mesas ao redoro rumor de conversasentrecruzadasecoam em ressonânciassem sentidos
a seiva do Serhabita o sagrado?
resposta alguma é precisae a segunda doseainda é pouco
49
o olhar vitrificadoafoga seu abandonono fundo do copo
meio cheiomeio vazio
no meio da cidadeem dissolução
a decadência do corpoé a providência do profano?
resposta alguma é necessáriae a terceira dosenão é o bastante
um lapsouma fissurauma voz estrangeira
e ancestralinvade o coração em chamasdo homem neolítico
por que não embarcar na travessiae mergulhar na madrugada?
resposta alguma é suficientee a quarta dosecompleta a saideira
50
passos embriagadosseguem sinuososenquanto a luz se propagaem linhas tortas
( )( )
ruas sem prumono meio do universo
curvo
reflexo inverso,pequeno espelho desconexo
a vida todaem linhas tortas
os deuses não respondemos deuses não falamos deuses não escrevemnem em linhas tortas
51
o homem neolíticopermanece incomunicável
52
silêncio
a Sé reduzida a quase nada
53
escadaria de pedrasolidão em ruínasmarco zero e catedral
o suor impuroescorre pelo rostoe umedece o olhar
perdido na distância
54
55
no alto campanárioos sinos alucinadosproduzem doze abalose o som que se espalhasussurra em desafio
blém... decifra-meblém... decifra-meblém... decifra-me
e o sussurroquase surdoressoanos princípiosda incerteza
blém... decifra-meblém... decifra-meblém... decifra-me
56
no efêmerode cada segundoo Tempo faz-se
infinito
no cernede cada milésimo
uma parcelada eternidade
blém... devoro-teblém... devoro-teblém... devoro-te
então a cidade desabaa cada volta dos ponteiros
no relógio
e o homem definhaa cada golpe do destino
na memória
blém... devoro-teblém... devoro-teblém... devoro-te
57
a torre da catedralnão esconde as rachadurase mesmo assimaponta ao imensurável
(an)(ti)
(ax)(is)
(mu)(nd)(i
58
silêncio
o centro reduzido a quase nada
59
vozes rodopiam em tumultono labirinto inconsciente:
_ _ _ ( ( _ _ _ _ ) _ _ __ não ) ) _ há _ seiva _ nem _ sagrado (( na _ ( ( Vontade _ do _ Ser _ )_ ) _ _ _ _ ( _ _ _ ) ) _ _ _ ( _( não _ há _ seiva _ nem ( ( sagrado _ )_ _ ) ) na _ Vontade _ do _ Ser _ (
_ ( ( não _ há _ providência _ _ __ _ ) não _ há _ providência _ ) ) __ ) _ _ _ ) _ ( ( _ _ _ ) _ ( _ _( e _ o _ profano _ habita _ o ) ) cerne () _ do ( ( corpo _ que _ se _ inflama ) _
( não _ há _ seiva _ nem _ ) )sagrado () _ _ na _ ( ( Vontade _ do _ Ser _ )_ _ ( _ _ _ _ _ _ ( _ _ ) ) _ __ ( ( não _ há _ seiva _ nem _ sagrado _ )( _ na _ Vontade _ do _ ) ) Ser ( _ _
) _ no _ ( ( abismo _ do _ corpo _ (( a _ cidade _ em _ ) ) decadência _ ( __ ( ( _ _ ( _ _ _ _ ) _ _ ( _ _ _ _ __ não _ há _ ) ) Providência _ _ __ _ _ ( não ( ( _ há _ Providência (_ _ _ _ ) _ _ ) ) _ _ _ _ _ _
e a vida reduzidaa quase nada
quase nanoquase não
_ __
__
_
__
__
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__
_
__
__
__
60
( )
( )
( )
( )
( )
( )
(
61
na altura do zênite, uma supernova
62
luz de estrelaque explodeem remotaconstelação
substância que incendeiao insondável
na breve ruptura do espaço
luz de estrelaque atravessa o tempoe invade as ruínasdo homem
o horror diante da imensidãoque envolve o firmamento,o horror diante do Nada
o vazio que se estendepara além do desconhecido,resíduo disformeque reverbera em ondas
desmedidas
o limiar entre dois mundosna imagem que transcende
mysterium tremendum
hierofaniaque inaugura a existência,experiência numinosanum pequeno arcode translação
63
a cidadedeixa-se percebercomo Cosmosno instante em que
transfigurao Caos
o homempercebe-se espíritono instante em quea vida se revela
sagrada
referência primáriado Tempo originalquando nenhum tempoainda havia
o Tempo primordialtornado presentenuma sucessão de eternidades,a diversidade dos ritmosque o homem vivenciaem sua pequena travessia,rito de passagemda substânciaque volta à origempara renascer:
o homemin statu nascendia cidadein statu nascendio Solin statu nascendi
64
e nas calçadas da madrugadapouco antes do alvorecer
na penumbra dos bares sem almapouco antes de esmorecer
o homem neolítico incorporapouco antes do alvorecer
um pobre diabo transtornadopouco antes de esmorecer
um homem loucoe embriagado,
talvez mais lúcidoque a luz deste alvorecerpronunciando seu discurso
desafinadopouco antes de esmorecer
vida!
vida singular e diversa,verso menos que alba,alma menos que sopro,corpo: coisa nenhuma
65
vida!
vida vivida e por viver
a minha vidacomo este céuentre claro
e escuro
mais escuro que claro
a minha vida escurase afoga nesse breu
se afoganessa imensidão disforme,nesse mar de estrelasardendo no vazio
inconstante ritualda passagem dos dias
erguer casastemplos e cidades,muros e muralhaspor todos os ladose em cada canto
e em cada cantoum pranto afloraem desatino
66
nenhuma fontenenhum oásis
nenhum refúgioinviolávelgarante a paze a segurança
absurdo medoentre paredes,
absurdoespanto
o meu espantoofuscado pela luzdesta cidade
a luz que me absorvee absorve o espelho ancestralque se estilhaça a cada dia
respiro o cheiro for tede combustível queimado
respiro a podre fumaçaque invade os pulmões
respiro a poeirade todos os dias
dia após diaapós dia
após dia
67
o homem então se calae o silênciopaira nas calçadas
nos degraus da escadariaapenas os degrausnos pontos de ônibusapenas os pontosnas portas das lojasapenas as portas
sentado no meio-fioo homem olha ao redor
:nada
olha a praça:ninguém
olha para si mesmo:
deita-se no asfaltoe fecha os olhos
fecha-se para cidadefecha-se por inteiro
no fio da navalhadeseja a morte
e espera
_____(fetal)_____
68
entre as voltas do acasoo vento se manifestanum sopro furtivo
a respiração quase nulaenquanto o céu gira ensandecido
a secura na bocao suor nas mãosmas a morte não vem
os edifícios em silêncioas esquinas em silêncioos orelhões em silêncio
parece haverum terno respeito
da cidadeperante o homeme sua dor
silêncio nas placassilêncio nos cartazessilêncio no alvorecer
na boca do homem:silêncio
mas em seu interioroutra voz está em ebuliçãocom o mesmo vigorde instantes
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outra vozque está prestes a nascercom os primeiros
raios de Solexplodindona manhã
outra vozque rasga o fino véu
sombrioe se infiltra no vaziodos alicerces
outra vozque corta o asfalto
o concretoo vidro
e o metal
70
71
disparocontra a cidadetodo res
sentimentorepresado
disparoem cada cantoem cada bancoem cada porta
de edifício
disparoem cada orifícioque estiverna minha frente
disparono marco zeroe no arcoda catedral
72
disparoem todo excesso
de asfaltoconcretovidrometal
disparoem todo processo
de crescimentodesordenado
disparocontra a cidadetoda angústiaacumulada
disparoa minha agonia
dia após diaapós dia
após dia
73
e o homemem solitário abandono,urinando no meio da praça
no meio da cidade,passa a refletir internamente
[o asfaltocompletao concretoque completao vidroe completao metal
um completa o outrooutro completa o um
o asfalto completao concreto que completao vidro e completao metal
nem um é o outronem outro é o um
mas todos se completame apodrecem
nos alicerces desgastados
um no outrooutro no um
o corpo da matériaem silêncio apodrece]
74
e o homemcom o sexo entre os dedos,sentindo o cheiro da urinaque se espalha,olha para o alto
surgem as primeirasexplosões do Solque incidem nos vidros
e estruturasdos edifícios
as primeirasexplosões do Solfundindo luzes
e coresem suaves tonsinebriantes
as primeirasexplosões do Solque causam sensaçõesquase anestésicasno tal homem
as primeirasexplosões do Solque há bilhões de ciclos
resplandece
75
e ele, mergulhadoem seu silêncio reflexivo,fica extasiadocom os efeitos de luzes
na manhã
e seus olhosvoltam-se ainda maispara si mesmo
e entãoo homem se reconhececomo sendo o Solque incide no asfalto
no concretono vidro
e no metal
ele se reconhececomo sendotoda essa estruturaem que o asfaltocompleta o concretoque sustenta o vidroe risca o metal
ele se reconhececomo sendouma massa disforme de asfaltoenvolto pelo concretocom estilhaços de vidroe metais retorcidosem seu interior
76
ele não se reconhececonhecedesconhece
e não mais conheceo que se conheceu
não reconheceo juízo
que se perdeu
tudo então se misturanum imenso jogo de nuances
sem sentido
um amontoadode fios e linhasque estão alémdos objetos palpáveis
tudo se entrelaçanesse emaranhado
infinito
o corpo ao homemo homem ao mundoo mundo ao universoo universo ao corpo
77
e assim como na cidadeos quatro elementosse completam e apodrecem
o corpoo homemo mundo
e o universoseguem a mesmainevitável trajetória
nem um é o outronem outro é o um
mas todossão os mesmosna essência
( )( )
e de repentetudo atingeo incerto fluxodo intangível
78
79
Tempo infinitomaldito Tempo
já que é impossível decifrá-lovenha então me devorar
o mesmo vale pra você
insignificante metrópolemetrópole gigante
e ao amanhecero homem neo
lítico prossegue trançando as pernas
e vomitandosua áspera náusea
vomitando e andandovomitando e andandovomitando em seus passos em falsopara evitá-los novamente
vomitando e andandovomitando e andandovomitando a sua angústia carnal
o seu grito visceral
vomitando e andandovomitando e andandovomitando todo asfalto
concretovidro
vomitando todo metal ingerido
80
pois todo metaltem seu brilhoe sua podridão
e todo diatem sua luze sua treva
assim como toda barcaque atravessa o céutem seu inferno
e a junção dos contráriosencontra morada constantenas camadas da alma humanade onde ergue-se
imponenteno centro da cidadea fria e insondável
ESFINGEE
81
Victor Del Franco nasceu na cidade de São Paulo em 1969.
• Editor da CELUZLOSE - Revista Literária Digital( );
• Durante o ano de 1994 participou das atividadesdo Grupo Cálamo realizadas na Casa Mário de Andrade;
• Entre 1995 e 2005, produziu pequenos volumes de poesiachamados FÓTON (edição do autor);
• Participou da organização da FLAP! de 2006 a 2008;• Em 2007, fez parte da organização do Tordesilhas
Festival Ibero-americano de Poesia Contemporânea;• Colaborou com O Casulo - Jornal de Literatura
Contemporânea de 2006 a 2008.
• Livros publicados A urdidura da tramA (Giordano, 1998) O elemento subterrâneO (Demônio Negro, 2007).
• Participou das coletâneas de poemasOitavas (Demônio Negro, 2006)Antologia Vacamarela (Edição dos Autores, 2007).
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IN HOC SIGNO VINCES
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