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  • Teoria e Prtica na Engenharia Civil, No. 2, p.27-34, Maio, 2001

    Estudo de um grande escorregamento de solo e rocha na localidade de Malhada, municpio de Santa Cruz do Sul-RS

    Rinaldo Jos Barbosa Pinheiro

    Departamento de Transporte UFSM, Santa Maria, RS

    RESUMO: Este artigo descreve a geologia, a instrumentao e monitoramento de um grande escorregamento de solo e rocha ocorrido na borda do plat basltico na localidade de Malhada, distrito de Santa Cruz do Sul no Estado do Rio Grande do Sul. Anlises de estabilidade de taludes com a topografia original de 1964, com os valores obtidos de resistncia ao cisalhamento em laboratrio e poro-presses medidas in situ foram capazes de reproduzir a ruptura inicial. O volume total de material envolvido foi de aproximadamente 15 milhes de m3. Este fenmeno est relacionado com grandes movimentos de massa que ocorrem nos escarpamentos baslticos no seu processo de evoluo. 1. INTRODUO

    Em 1995, na regio de Malhada, prximo cidade de Santa Cruz do Sul no Estado do Rio Grande do Sul, ocorreu um grande escorregamento na borda de uma encosta basltica. A fig. 1 apresenta um mapa de localizao. Segundo moradores do local os primeiros movimentos foram verificados no ano 1970, mas intensificaram-se a partir do ano de 1990. Atualmente, existe uma fossa em rocha com escarpas verticais de 25m a 30m de profundidade, 40m de largura e mais de 300m de extenso.

    A base da encosta formada por siltitos argilosos. Sobre estes siltitos, ocorrem camadas de arenitos siltosos, os quais so recobertos por derrames vulcnicos. A parte inferior da encosta coberta por colvios e tlus que apresentaram movimentos horizontais superiores a 15m nos ltimos 20 anos. A rea total que apresenta movimentos de aproximadamente 60 hectares e envolve cerca de 15 milhes de m3 de solos e rochas [4]. 2. GEOLOGIA/GEOMORFOLOGIA

    Situado no extremo sul do Brasil, o Rio Grande do Sul apresenta uma seqncia estratigrfica semelhante seqncia de outros estados brasileiros, situados na poro oriental da Bacia do Paran. Esta semelhana encontrada na sucesso de horizontes estratigrficos e litolgicos e no mergulho generalizado dos sedimentos gondunicos. A seqncia estratigrfica a partir da base formada, em linhas gerais, pelo embasamento cristalino, sedimentos depositados

    sobre o escudo, derrames vulcnicos e sedimentos litorneos.

    No Rio Grande do Sul a poro sedimentar da Bacia do Paran abrange um intervalo que se estende do Permiano ao Jurssico. O afloramento destas rochas na poro central do estado origina uma faixa arqueada, de direo leste-oeste infletida para sul. Este afloramento coincide com a regio geomorfolgica da Depresso Central Gacha que constitui parte do Domnio Morfoestrutural das Bacias e Coberturas Sedimentares [2].

    BRASIL

    OceanoAtlntico

    Santa Cruz do Sul

    Rio Grande do Sul

    Fig. 1 - Mapa de localizao da rea estudada.

    Abrangendo grande parte do norte do estado, as

    rochas vulcnicas bsicas e cidas, do Juro-cretceo constituem a Formao Serra Geral da

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    Bacia do Paran. Em alguns locais estas rochas esto recobertas por rochas sedimentares do Tercirio. Esta rea constitui as regies geomorfolgicas denominadas de Planaltos das Araucrias, das Misses e da Campanha que fazem parte do Domnio Morfoestrutural das Bacias e Coberturas Sedimentares.

    De acordo com Pinheiro [4] a rea de estudo encontra-se associada regio da escarpa da Serra Geral do Estado do Rio Grande do Sul. Nesta regio esto em contato as rochas e sedimentos pertencentes ao Planalto e Depresso Central que fazem parte da Provncia Paran.

    A regio da Depresso Central constituda por rochas sedimentares mezosicas em contato com a zona da encosta do Planalto, denominada de Serra Geral. Este contato caracterizado por declives acentuados, onde so freqentes os movimentos de massa (coluvionamentos, deslizamentos, queda de blocos, etc).

    caracterstico desta regio que no incio da subida em direo ao planalto (serra gacha) se faz atravs de espessos e amplos depsitos de solos coluvionares/tlus de basalto. Os solos so constitudos por materiais argilo-arenosos, com blocos de tamanhos variveis, de baixa consistncia, freqentemente saturados de gua. Os fenmenos de instabilidade que ocorrem nestes materiais, so os escorregamentos dos solos devido ao aumento das poro-presses. Na subida das serras baslticas (unidades geomorfolgicas Patamares da Serra Geral e Serra Geral), onde as encostas so abruptas e os rios encaixados em canyons ocorrem taludes verticais que coincidem com o ncleo dos derrames baslticos (basalto compacto), sendo que aqueles com inclinao prxima de 60 correspondem zona vesculo-amigdaloidal. Os solos coluvionares/tlus so pouco espessos, devido proximidade com a zona fornecedora de material (escarpas verticais). Os problemas associados a este trecho so os freqentes desprendimentos de blocos e lajes e colapsos em rocha muito alterada, favorecidos pela percolao dgua em fraturas paralelas encosta e no contato solo-rocha [1, 3 e 4]

    Na localidade de Malhada, na borda sul da escarpa basltica, as principais litologias envolvidas nos processos de instabilidade foram as rochas vulcnicas da Formao Serra Geral, as rochas sedimentares das Formaes Botucatu e Santa Maria. Nesta rea as escarpas baslticas avanam em forma de patamares (unidade

    geomorfolgica Patamares da Serra Geral) com um alinhamento grosseiramente norte/sul em direo a Depresso Rio Jacu.

    3. INVESTIGAO GEOTCNICA 3.1. Estudos iniciais

    O estudo iniciou com um detalhado levantamento topogrfico e confeco de um mapa topogrfico com curvas de nvel a cada 5m de toda rea afetada pelos processos de instabilidade (fig. 2). Aps a confeco deste mapa que serviu de base para os levantamentos posteriores, foi realizado um levantamento geolgico-geotcnico com a descrio das principais formaes que ocorrem na rea de estudo. Nesta fase do trabalho utilizaram-se fotografias areas verticais feitas em 1964, nas quais observou-se um sistema de fraturas principais e secundrias no plat basltico. Nestas fotografias no se visualizou sinais da presena da fossa atual (graben). Pinheiro [4] realizou um levantamento areo com fotografias oblquas do local no ano de 1997. 3.2. Sondagens convencionais e eltricas

    Para complementao dos levantamentos iniciais foram realizados 7 furos de sondagem mista (dimetro HX), 12 sondagens eltricas verticais (SEV) e 1 caminhamento eltrico. As litologias encontradas pertencem as Formaes Santa Maria, Botucatu e Serra Geral. A tabela 1 apresenta os valores de resistividade eltrica e as espessuras das camadas constituintes da encosta de Malhada. A Formao Santa Maria constituda por siltitos argilosos e arenosos de cor vermelha com manchas brancas. Camadas argilosas de cor cinza ocorrem associadas aos siltitos. Os siltitos so os materiais mais comuns nas bordas da cunha do material em escorregamento prximo ao arroio. Nesta rea apresentam-se muitas vezes misturados com fragmentos de arenito e basalto formando colvios. Os arenitos de cor rosa compem a litologia mais comum na rea pertencente Formao Botucatu. Os arenitos variam muito em funo do seu grau de cimentao (silicosa, argilosa e xidos). A Formao Serra Geral constituda por 3 derrames de lavas vulcnicas separados por arenitos intertraps. O derrame 1 constitudo por fragmentos de rocha basltica com camadas argilosas intercaladas. Este derrame

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    inferior est extremamente alterado, assente sobre arenitos e siltitos. O derrame intermedirio (derrame 2) apresenta na sua parte superior (em contato com o derrame 3) uma textura tipicamente amigdalide e vesicular. As amgdalas esto preenchidas por zeolitas, calcitas e argilas. O derrame superior (derrame 3) apresenta a estrutura padro das lavas baslticas. No topo e na base a rocha apresenta disjuno horizontal fina a mdia e na parte intermediria apresenta uma disjuno vertical com fraturas abertas mas sem preenchimento espaadas a cada 2m. A fig. 3 apresenta uma seo transversal tpica da rea de instabilidade.

    Tabela 1 - Resultados dos ensaios de resistividade

    eltrica (). Formaes

    (ohm.m) Espessura

    (m) Serra Geral Derrames 3 e 2 66 143 38 40

    Derrame 1 4 12 6 12 Botucatu Arenito 1 14 8

    Arenito 2 14 76 5 15 Santa Maria 1,4 - 12 -

    3.3. Ensaios geotcnicos

    Aps a definio das camadas constituintes da encosta, foram coletados amostras deformadas e indeformadas de 9 perfis de solos e rochas, no total 12 pontos de amostragem. Ensaios de caracterizao, ensaios de raio-x, lminas delgadas dos materiais rochosos, cisalhamento direto e ring shear foram realizados nestas amostras [4].

    3.3.1 Ensaios de caracterizao

    A tabela 2 apresenta os resultados dos ensaios

    de caracterizao e determinao dos ndices fsicos dos perfis amostrados. Os perfis formados por solos originrios da Formao Santa Maria (siltitos), em geral apresentaram uma plasticidade elevada, principalmente quando possuem uma textura silto-argilosa, com IP > 40%. Os perfis com uma textura silto-arenosa ou areno-argilosa apresentaram um IP entre 15% e 35%. Os perfis mais argilosos, em geral, apresentam uma colorao acinzentada, com um ndice de vazios superior a 1,0 e so mais midos quando comparados com os solos de colorao vermelha. Estes solos apresentam um grau de saturao elevado e localizam-se na zona frontal dos

    escorregamentos na rea. A frao argila nestes solos variou entre 17% e 43%, e a frao predominante foi o silte, variando de 35% a 75%. Os solos oriundos dos perfis siltosos foram classificados como CH, CL e ML de acordo com SUCS.

    Tabela 2 Resultados de caracterizao e ndices fsicos dos perfis amostrados.

    Forma-es

    Perfil LL (%)

    IP (%)

    FA (%)

    e S (%)

    P1-1 64 42 43 1,11 91 P1-2 45 19 22 0,78 79 P3-1 59 24 14 0,82 81 P3-2 58 25 15 0,79 82 P5 57 24 43 1,08 90 P6 48 30 17 1,10 72

    Santa Maria

    P10 35 18 25 - - P-2 22 - 6 0,55 60

    P4-1 18 - 4 0,72 51

    Botucatu P4-2 18 - 4 0,63 64 P7 60 25 28 1,6 65 P8 85 55 55 0,73 57

    Serra Geral P9 58 23 8 0,84 37

    Obs. : LL = Limite de liquidez; IP = ndice de plasticidade; FA = Frao argila (< 0,002mm); e = ndice de vazios; S = Grau de saturao

    Os perfis formados por arenitos da Formao

    Botucatu apresentam-se no plsticos, com uma textura arenosa fina, classificados de acordo com SUCS como SM (areias siltosas). A frao argila inferior 6%, com predomnio da frao areia fina (em torno de 80%). Estes solos apresentaram um baixo ndice de vazios (< 0,7) e grau de saturao quando comparados com os outros materiais.

    Nos perfis relacionados ao derrame 1 as amostras apresentaram uma textura argilo-arenosa e uma textura arenosa mdia a grossa. O perfil argiloso caracterstico da matriz que envolve os fragmentos de rocha basltica do derrame 1, caracterizado como um antigo colvio. J o perfil com textura bem mais grossa caracterstico de um saprlito com muitos fragmentos de minerais frgeis. Este solo apresenta muitos minerais intemperizados. O ndice de vazios e o grau de saturao destes materiais so muito variveis, dependendo do grau de intemperizao. Os valores de ndice de vazios variaram de 0,8 a 1,6. Estes solos apresentam partculas de tamanho areia constitudas por minerais primrios em vrios estgios de intemperizao. De acordo com o SUCS estes perfis foram classificados com ML,

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    exceto quando predominam minerais expansivos, quando so classificados como CH.

    Petrograficamente os derrames vulcnicos (Formao Serra Geral) foram classificados como basalto (derrame 3), basaltos amigdalide e vesicular (derrame 2 e 1) e solo saproltico (matriz do derrame 1). As rochas sedimentares da Formao Botucatu foram classificadas como subarcsios a sublitarenitos devido principalmente a quantidade de feldspatos e fragmentos de rocha presentes nestas camadas. As rochas pertencentes Formao Santa Maria foram classificadas petrograficamente como siltitos argilosos (lamitos) e siltitos argilo-arenosos [4].

    3.3.2 Ensaios para determinao dos parmetros de resistncia ao cisalhamento

    A tabela 3 apresenta os resultados mdios obtidos nos ensaios de cisalhamento direto e ring shear nos perfis de solo estudados. A Formao Santa Maria apresenta a menor resistncia, com ngulo de atrito menor. Os parmetros de resistncia de pico obtidos nos ensaios de cisalhamento direto variaram em termos de cp entre 1,5 kPa e 22,1 kPa e p entre 18 e 37. Os parmetros mdios foram cp 12 kPa e p 30. Estes parmetros sofrem uma reduo quando submetidos a grandes deformaes (ensaios ring shear) com valores mdios de cr = 0 e r 16. Amostras obtidas no contato dos siltitos da Formao Santa Maria com os arenitos da Formao Botucatu apresentaram uma forte orientao das partculas argilosas quando examinados em lminas delgadas atravs de microscopia tica e eletrnica.

    Tabela 3 - Parmetros de resistncia ao

    cisalhamento de pico e residual (cr = 0). Formaes Pico Residual cp p r Serra Geral 0 21,4 31,5 53,7 16,3 18,9 (3 perfis) 8,4* 42,6* 17,3* Botucatu 0 - 8,8 33,0 48,0 - (3perfis) 0* 42,6* - Santa Maria 1,5 22,1 17,7 37,1 12,8 18,9 (6 perfis) 11,9* 29,8* 16,3*

    * valores mdios A Formao Botucatu tem resistncia

    intermediria, mas deve se comportar como rocha branda ou solo resistente e sensvel s tenses geradas pelo peso do macio. Os parmetros de

    resistncia obtidos para os materiais de alterao desta formao variaram em termos cp entre 0 e 9 kPa e p entre 33 e 48.

    No topo do plat o derrame vulcnico formado por rochas baslticas pouco alteradas (derrame 3). Estas rochas pertencem a Formao Serra Geral, e apresentaram movimentos ou rupturas somente em reas intensamente diaclasadas preexistentes. Nestes materiais resistentes os movimentos de escorregamentos secundrios foram acompanhados por queda e tombamento de blocos de rocha. O topo do derrame intermedirio (derrame 2) menos resistente alterao e eroso. Apresenta um comportamento de saprlito e rocha alterada. Por isso, sofre rupturas que levam formao de reentrncias que colocam os blocos do derrame superior (derrame 3) em balano. Ocorrem quedas de blocos de rocha quando estas reentrncias do derrame 2 atingem uma junta ou diaclase limitante de um bloco no derrame 3. Os solos de alterao da Formao Serra Geral (derrame 1) apresentaram em termos de cp valores entre 0 e 21 kPa e p entre 32 e 54. Os parmetros mdios foram cp 8 kPa e p 43. Estes parmetros sofrem uma reduo quando obtidos em ensaios ring shear para valores mdios de cr = 0 e r 17 (materiais mais alterados). Porm in situ no foi verificada superfcies de ruptura nestes materiais que causem a mobilizao destes valores de resistncia. Na seo transversal da fig. 3 pode ser observado o perfil geolgico da rea com a seqncia das camadas das rochas vulcnicas e sedimentares. 4. INSTRUMENTAO E MONITORAMEN-TO

    A instrumentao da rea consistiu de marcos superficiais, inclinmetros e piezmetros. A fig. 4 apresenta os dados obtidos de precipitao diria e mensal de uma estao meterolgica prxima a rea de estudo. Em uma anlise dos dados pluviomtricos de 1990 a 2000, verificou-se que os meses mais chuvosos neste perodo situaram-se entre setembro e maro. As precipitaes anuais variaram entre 1400mm e 2170mm. Atravs do monitoramento das poro-presses entre os meses de janeiro de 1999 e maro de 2000 (fig. 5) verificou-se o acrscimo do nvel dgua entre 5 kPa e 36 KPa. Os valores mximos de poro-presso foram obtidos no ms de outubro de 1999,

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    quando a precipitao acumulada foi superior a 200mm.

    Figura 4 Precipitaes dirias e mensais (Dados

    do 8 Distrito de Meterologia).

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    12

    14

    16

    jan/99 mar/99 mai/99 jul/99 set/99 nov/99 jan/00 mar/00Perodo de monitoramento

    Pres

    so

    (x 1

    0 - k

    Pa)

    P6 P5-BP7

    P3

    P2-B

    P5-A

    P2-A

    P4

    Figura 5 Medidas dos piezmetros.

    Os deslocamentos superficiais foram

    monitorados de maio de 1998 a outubro de 1999. Foram medidos deslocamentos horizontais da ordem de 35cm e deslocamentos verticais da ordem de 40cm no bloco de rocha deslocado (escarpa leste da fenda) no ms de outubro de 1999. Na parte inferior da encosta, prximo ao curso dgua, mediu-se deslocamentos laterais da massa de solo superiores a 1m. Na poro intermediria da encosta, os deslocamentos medidos situaram-se entre 20 e 40cm. Os deslocamentos medidos com os inclinmetros foram pequenos, pois estes instrumentos estavam instalados em zonas menos ativas com o objetivo de se obter medidas por um longo perodo de tempo. A fig. 6 apresenta os resultados obtidos do monitoramento de um dos inclinmetros instalados. Verifica-se um movimento ao longo da camada de siltito prxima a camada de arenito (profundidade de 10m). O sentido do movimento em direo ao arroio da camada de siltito faz com

    que esta descalce o bloco de arenito e este sofra inicialmente um movimento de descida na sua parte posterior fazendo que o tubo de inclinmetro apresente uma deformao na sua parte posterior contrria. As medidas de deslocamento comprovaram que o contato entre o siltito da Formao Santa Maria e o arenito da Formao Botucatu (ou derrame 1 da Formao Serra Geral) condiciona os movimentos da encosta da rea de estudo

    0

    1,5

    3

    4,5

    6

    7,5

    9

    10,5

    12

    13,5

    15

    -5 -3 -1 1

    Deslocamento acumulado (mm)

    Profundidade (m)

    Ago/99

    Set/99

    Out/99

    Nov/99

    Mar/00

    Abr/00

    Figura 6 Deslocamentos medidos no

    inclinmetro I-1. 5. INTERPRETAO DOS FENMENOS

    Os fenmenos de deslizamento de solo e rocha existentes na localidade de Malhada configuram escarpas, encostas, superfcies basculadas onduladas, depresses midas e por vezes encharcadas, patamares irregulares e superfcies onduladas em reas que anteriormente eram planas e destinadas a cultivos de arroz, fumo e cana de acar. Estes processos atingem duas reas distintas e contguas. Uma rea situa-se na borda do plat basltico (escarpa oeste e leste), afetando principalmente as rochas e secundariamente o solo. A outra rea em continuidade fsica com a anterior, localiza-se a partir do tero mdio da escarpa (cota 150m), representada por uma camada de basalto extremamente alterada, por arenitos siltosos at o contato com siltitos argilosos e arenosos, afetando basicamente o solo. Esta rea a jusante do plat apresenta-se extremamente ondulada, ainda em

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    movimentao, com vrios degraus salientes, mistura de vegetao e reas baixas alagadias. As evidncias da movimentao de material esto nas bordas dessa cunha, especialmente junto ao arroio principal, onde a massa escorregada avana diagonalmente sobre o arroio e a jusante do mesmo.

    Pela interpretao dos resultados dos levantamentos geofsicos, sondagens, mapeamento geolgico e geotcnico verifica-se que nas pores mais baixas da rea a umidade muito alta e o grau de intemperizao das rochas elevado, com os basaltos aparecendo mais como camadas argilosas do que como rocha alterada. Os derrames baslticos (2 e 3), com cerca de 40m de espessura recobrem os materiais mais finos. Na borda dos derrames, na zona da encosta, os resultados indicam a presena de fraturas e falhamentos, que devem funcionar como canais de infiltrao mais fcil das guas superficiais at a camada inferior argilosa. O quadro acima descrito, baseado nas informaes de superfcie e nos resultados da geofsica, explica o alto grau de instabilidade observado na rea estudada. Os resultados sugerem a possibilidade de ocorrncia de dois derrames na rea, conforme a interpretao da comparti-mentao apresentada na fig. 3. O falhamento no local da escarpa de arenito tem rejeito da ordem de 20m.

    A interpretao do fenmeno pode ser explicada didaticamente em 3 estgios que foram progressivamente modelando o relevo ao longo do tempo (fig. 7). No primeiro estgio, havia uma escarpa nica, como verificado nas fotografias ereas de 1964, nas quais tambm possvel notar um sistema principal de fraturas com direo N 5-10 E e secundariamente fraturas com direes N 70-80 E e N 80 W.

    No segundo estgio, os deslocamentos do macio propiciaram a abertura da fenda, influenciados pelo processo de infiltrao de gua nas rochas fraturadas. Alm do fraturamento imposto pelo tectonismo, tambm atuou no processo, o nvel do derrame atingido que corresponde a uma zona de disjuno vertical (derrame 3) e vesicular e amigdalide (derrame 2). As fraturas situadas no norte da rea e nas proximidades da fenda principal (fossa) mostram um padro tipo graben. Os movimentos resultantes apresentam uma direo SE.

    Os movimentos de escorregamentos apresentam uma orientao predominantemente na direo

    NW/ES. Grande parte dos deslocamentos apresentaram uma direo horizontal, devido ao baixo ngulo de inclinao da superfcie de escorregamento formada nos siltitos da Formao Santa Maria. Os deslocamentos laterais criaram uma grande fenda (fossa) com paredes verticais com blocos elevados de ambos os lados e um intenso fraturamento secundrio no estilo graben-horst. Os sedimentos pertencentes a Formao Santa Maria abaixo dos arenitos da Formao Botucatu apresentam-se como uma camada praticamente impermevel que condiciona o fluxo de gua em toda a encosta. Apesar do derrame 3 (topo) ser um material de baixa porosidade, este encontra-se extremamente fraturado (fraturas verticais sem preenchimento) permitindo um fluxo de gua ao longo destas fraturas at a camada amigdaloidal e vesicular do derrame 2 (intermedirio) e os arenitos abaixo.

    A fossa est parcialmente preenchida por grandes blocos de rocha cados ou tombados das escarpas verticais. No interior da fossa verifica-se tambm blocos escorregados e basculados com capeamento de solo e vegetao no topo.

    Em um terceiro estgio, representado pelo desenvolvimento atual da fossa, o acomodamento das rochas imprimiu como resultado uma abertura em forma de U (pequeno vale) e a inclinao do bloco de rocha separado do plat na direo leste. A fig. 7 apresenta um esquema da abertura da fenda.

    Fig. 7 - Esquema ilustrativo da abertura da fenda e

    fraturamento secundrio

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    Na parte frontal da encosta (cota 150) surgiram vrios represamentos de gua em fraturas abertas e depresses devido aos movimentos. Alguns destes destes locais (audes) esto apresentados no mapa da fig. 2.

    Na frente da massa escorregada observa-se um acavalamento dos detritos resultantes do cisalhamento e desestruturao das formaes geolgicas envolvidas, principalmente a Formao Santa Maria. Esse acavalamento est modificando o curso do arroio principal, e este por sua vez, provoca o descalamento da base do material escorregado. Observa-se junto ao arroio, na base do material movimentado, uma camada silto-argilosa vermelho-acinzentada de baixa resistncia ao cisalhamento.

    O papel do arroio parece ser determinante no processo do escorregamento. A medida que a eroso fluvial aprofunda o fundo do vale (talvegue) atinge materiais de baixa resistncia pertencentes a Formao Santa Maria. Os movimentos dos siltitos da Formao Santa Maria provocam a ruptura dos arenitos da Formao Botucatu e as rochas baslticas superiores da Formao Serra Geral.

    Duas condies de estabilidade foram estudadas utilizando o programa SLOPE/W (Geo-Slope International), as condies iniciais pr-ruptura e as condies atuais da parte superior da encosta (fenda aberta). Para as condies iniciais, a topografia original (baseada nas fotografias areas de 1964), as medidas de resistncia ao cisalhamento dos materiais e a mxima poro-presso observada foram usadas na anlise. Com estas condies, as superfcies de ruptura encontradas foram apropriadamente modeladas, com fatores de segurana (FS) prximos de 1 somente quando os parmetros de resistncia ao cisalhamento dos siltitos vermelhos da Formao Santa Maria foram adotados iguais aos valores residuais e os derrames baslticos foram considerados fissurados. Isto indica que a maior parte dos movimentos concentraram-se na interface das camadas reduzindo a resistncia.

    Na base da encosta onde os sedimentos siltosos oriundos da Formao Santa Maria avanam em direo ao arroio, ocorrem vrios processos de ruptura envolvendo principalmente estes materiais. Na maioria das vezes as rupturas superficiais se desenvolvem segundo formatos aproximadamente circulares. Os valores de FS obtidos atravs de vrios mtodos adotando superfcies circulares

    foram prximos de 1 quando adotados parmetros de resistncia ao cisalhamento residuais para estes sedimentos.

    6. CONCLUSES

    Um grande escorregamento de solo e rocha envolvendo 15 milhes de m3 foi investigado e monitorado. Deslocamentos entre 0,20 e 1,5 metros/ano foram medidos em um perodo de 16 meses. A investigao do processo de instabilidade revelou que a resistncia ao cisalhamento residual foi mobilizada em uma camada de siltito vermelho da Formao Santa Maria. A superfcie de ruptura original foi reproduzida satisfatoriamente usando a topografia original, os materiais geotcnicos, e as medidas de poro-presso e da resistncia ao cisalhamento. Este processo de escorregamento parece ser representativo da evoluo natural das escarpas na regio.

    AGRADECIMENTOS

    Ao projeto Engenharia Geotcnica e Hidrologia no Sistema Encosta-Plancie Costeira financiado pela FINEP e CAPES pela bolsa de doutorado.

    REFERNCIAS 1. Figuer, J.E., Bressani, L.A.; Maciel Filho,

    C.L. - Mapeamento gotcnico da RS-486, Rota do Sol, no Rio Grande do Sul. Simpsio Brasileiro de Cartografia Geotcnica, 3, Florianpolis, SC. Cd-rom, 1998.

    2. IBGE - Folha SH.22 Porto Alegre e parte das Folhas SH.21 Uruguaiana e SI.22 Lagoa Mirim. Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Rio de Janeiro, Levantamento de Recursos Naturais, v.33, 1986.

    3. Mioto, J.A.; Carstron Filho, C. - Experincia acumulada em estudos geolgico-geotcnicos para estabilizao de taludes ao longo do trecho rodovirio Gal. Luz (RS) Ponta Grossa (PR) 1a. parte: elementos gerais: medotologia de trabalho. Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia, 1, Rio de Janeiro, v.1, p. 306-330, 1976.

    4. Pinheiro, R.J.B. - Estudos de alguns casos de instabilidade da encosta da Serra Geral no Estado do Rio Grande do Sul. Tese de Doutorado, PPGEC/UFRGS, Porto Alegre, 340p, 2000.

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    LEGENDA

    Casas intactas

    Casas destrudas

    Direo dos deslocamentosRodovia localArroioAude

    Arroio

    Pla tb a s ltic o

    Escarpa

    Fig. 2 Planta topogrfica da rea estudada.

    Cota (m)

    130

    140

    150

    160

    170

    180

    190

    200

    210

    220

    100 200 300 400 500 600 700

    M18

    SEV

    0Distncia (m)

    120

    Seo A-A

    = 6,1 ohm.mCamada c/

    Formao Serra Geral

    Formao Serra Geral/basalto alterado

    Formao Botucatu

    Formao Santa Maria

    SEV Sondagem eltrica vertical

    S Sondagens (HX)

    M Marcos superficiaisS2

    SEVRod. local

    S1 SEV

    M27M28

    SEVArroio ??

    ?

    Derrame 2

    Derrame 3

    Derrame 1

    Fig. 3 Seo transversal geolgica (ver fig. 2).