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VII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 08 a 10 novembro de 2011 - ISSN 2175-960X – Pg. 85-97 85 ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS 1 NO MUNICÍPIO DE ARARAS: ANÁLISE DE INDICADORES DO CENSO ESCOLAR Fernanda Vilhena Mafra BAZON 2 Universidade Federal de São Carlos UFSCar Departamento de Ciências da Natureza, Matemática e Educação - DCNME. Agência Financiadora: FAPESP Claudia GOMES 3 Universidade Federal de Alfenas UNIFAL-MG/Instituto de Ciências Humanas e Letras ICHL. Agência Financiadora: FAPESP Introdução Este trabalho tem como foco a análise dos dados oficiais disponibilizados no banco de dados do censo escolar (microdados) acerca da escolarização de alunos com necessidades educacionais especiais (NEE) no município de Araras nos anos de 2007 e 2010, tanto no que se refere à rede regular quanto especial de educação. A escolarização de alunos com deficiência vem sendo discutida em diversos documentos oficiais, havendo grande ampliação desta temática a partir de 1988 com a promulgação da Constituição Brasileira que especifica o direito de todos à educação, inclusive dos alunos que apresentam um tipo de deficiência. Na Constituição Federal (BRASIL, 1988) especifica-se o ensino regular como lócus privilegiado de atendimento destes alunos, porém, ainda hoje a Educação Inclusiva que prevê a inserção destes alunos neste sistema de ensino encontra dificuldades. Nos anos de 1990 as políticas de educação especial buscaram articular-se com a proposta inclusiva, incorporando para isso orientações internacionais disponíveis especialmente em dois documentos: Declaração de Educação para Todos (1990) elaborada na Conferência Mundial de Educação para Todos que ocorreu em Jomtien; e Declaração de Salamanca Sobre princípios, políticas e práticas na área das Necessidades Educativas Especiais (1994) resultado da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade ocorrida em Salamanca entre os dias 07 e 10 de julho de 1994. Meletti e Bueno (2010) apontam então que: Neste contexto, a educação especial passa a ser identificada como uma modalidade de educação escolar a ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, a partir da educação infantil e que, apenas nos casos excepcionais em que a escola não tiver recursos, o atendimento de alunos com maior comprometimento poderá ocorrer em instâncias consideradas especiais: classes ou escolas (p. 1-2). 1 Cabe esclarecer que o termo Necessidade Educacional Especial foi aqui escolhido em referência à nomenclatura utilizada no censo educacional, havendo no decorrer do texto discussão acerca das limitações e ambigüidades contidas no mesmo. 2 Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo. Endereço: Rua São Francisco, 190 apt 71 Araras, SP CEP: 13601-220. [email protected] 3 Doutorado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Endereço: Rua Tiradentes, 830 Alfenas / MG CEP: 37130-000. [email protected] Grupo de pesquisa: Contextos Educacionais e Produção do Conhecimento.

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VII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

Londrina de 08 a 10 novembro de 2011 - ISSN 2175-960X – Pg. 85-97

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ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS

ESPECIAIS1 NO MUNICÍPIO DE ARARAS: ANÁLISE DE INDICADORES DO

CENSO ESCOLAR

Fernanda Vilhena Mafra BAZON2

Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Departamento de Ciências da Natureza, Matemática e Educação - DCNME.

Agência Financiadora: FAPESP

Claudia GOMES3

Universidade Federal de Alfenas

UNIFAL-MG/Instituto de Ciências Humanas e Letras – ICHL.

Agência Financiadora: FAPESP

Introdução

Este trabalho tem como foco a análise dos dados oficiais disponibilizados no banco de dados

do censo escolar (microdados) acerca da escolarização de alunos com necessidades

educacionais especiais (NEE) no município de Araras nos anos de 2007 e 2010, tanto no que

se refere à rede regular quanto especial de educação.

A escolarização de alunos com deficiência vem sendo discutida em diversos documentos

oficiais, havendo grande ampliação desta temática a partir de 1988 com a promulgação da

Constituição Brasileira que especifica o direito de todos à educação, inclusive dos alunos que

apresentam um tipo de deficiência. Na Constituição Federal (BRASIL, 1988) especifica-se o

ensino regular como lócus privilegiado de atendimento destes alunos, porém, ainda hoje a

Educação Inclusiva que prevê a inserção destes alunos neste sistema de ensino encontra

dificuldades. Nos anos de 1990 as políticas de educação especial buscaram articular-se com a

proposta inclusiva, incorporando para isso orientações internacionais disponíveis

especialmente em dois documentos: Declaração de Educação para Todos (1990) elaborada na

Conferência Mundial de Educação para Todos que ocorreu em Jomtien; e Declaração de

Salamanca – Sobre princípios, políticas e práticas na área das Necessidades Educativas

Especiais (1994) resultado da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais:

Acesso e Qualidade ocorrida em Salamanca entre os dias 07 e 10 de julho de 1994.

Meletti e Bueno (2010) apontam então que:

Neste contexto, a educação especial passa a ser identificada como uma

modalidade de educação escolar a ser oferecida preferencialmente na rede

regular de ensino, a partir da educação infantil e que, apenas nos casos

excepcionais em que a escola não tiver recursos, o atendimento de alunos

com maior comprometimento poderá ocorrer em instâncias consideradas

especiais: classes ou escolas (p. 1-2).

1 Cabe esclarecer que o termo Necessidade Educacional Especial foi aqui escolhido em referência à

nomenclatura utilizada no censo educacional, havendo no decorrer do texto discussão acerca das limitações e

ambigüidades contidas no mesmo. 2 Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo. Endereço: Rua São Francisco, 190 apt 71 – Araras,

SP – CEP: 13601-220. [email protected] 3 Doutorado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Endereço: Rua Tiradentes, 830 –

Alfenas / MG – CEP: 37130-000. [email protected] – Grupo de pesquisa: Contextos

Educacionais e Produção do Conhecimento.

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Com a declaração de Salamanca as deficiências passam a ser englobadas pelo termo

Necessidades Educacionais Especiais (NEE). Desta forma, apesar da Educação Especial estar

diretamente relacionada ao processo de inclusão escolar, atualmente este último não se

restringe a esta modalidade educacional, já que não apenas os alunos com deficiência devem

ser atendidos nas escolas regulares, mas também todos aqueles que possuem alguma NEE.

Podemos destacar o uso deste termo nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na

Educação Básica publicada em 2001, que definiu que as NEE abrangem todos os alunos que

apresentarem:

I - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de

desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades

curriculares, compreendidas em dois grupos:

a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;

b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;

II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais

alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;

III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que

os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes

(http://www.ibc.gov.br/?itemid=83).

Cabe, entretanto, analisar o uso do termo NEE no que se refere à delimitação dos alunos a

serem atendidos pela inclusão. Para Kassar (2004) um ponto a ser discutido é o

encaminhamento de crianças com dificuldades acentuadas de aprendizagem sem causa

orgânica aos serviços especializados, pois esta possibilidade de encaminhamento pode

colaborar para que a instituição escolar não reveja se o problema é realmente de

aprendizagem ou está localizado no sistema e na forma de ensino. Corre-se o risco de

encaminhar crianças do tão discutido “fracasso escolar” para os atendimentos especializados.

A ampliação trazida pelo conceito de NEE traz em seu bojo um perigo, pois ao se pensar que

a educação inclusiva é processo em construção e que depende da modificação da postura da

sociedade e das escolas frente à diversidade humana, não se pode pensar que uma diretriz terá

alcance efetivo de transformação. Ao se criar um dispositivo no qual crianças, que sem

comprovação de comprometimentos orgânicos, possam ser atendidas nas escolas especiais,

abre-se uma brecha para que as barreiras atitudinais arraigadas em nossa sociedade se

manifestem por meio de diagnósticos simplistas e justificativas vazias, favorecendo assim a

perpetuação de uma situação de segregação, não mais do ambiente físico da escola regular,

mas do conhecimento a ser apropriado neste ambiente.

A adoção do termo NEE por um lado tem como intenção proporcionar um avanço no sentido

de minimizar a estigmatização e a pejoratividade de termos como deficiência, deficiente,

marginal... Porém, ao abranger uma grande diversidade de sujeitos perde a especificidade e

pode ser a causa de novos problemas e dificuldades na educação inclusiva. Portanto é preciso

que os estudos deixem claro em suas análises e discussões de que sujeito se está falando e

qual a necessidade específica do mesmo.

Neste trabalho serão analisados os dados de matrículas dos anos de 2007 e 2010 de alunos

com NEE a partir da categorização proposta pela base de dados do Censo Escolar. Os anos de

2007 e 2010 foram escolhidos tendo como marco a Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 que trouxe novas orientações e diretrizes para a

Educação Especial.

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Em 2007 foi elaborada a versão preliminar da Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva, proposta pela Secretaria de Educação Especial do

Ministério da Educação, que tinha como objetivo a revisão dos princípios que orientam esta

área. Este documento propôs alterações na configuração da Educação Especial Brasileira,

provocando intensas reações em alguns setores ligados a esta modalidade educacional, como

discutido por Baptista em 2008.

Após estas discussões, em 2008, foi apresentada a versão definitiva deste documento que

afirma que com o reconhecimento das dificuldades encontradas no sistema educacional

brasileiro, faz-se necessária a superação de práticas discriminatórias a partir da criação de

alternativas para esta superação. Sendo assim, passa-se a rever a organização de classes e

escolas especiais buscando a construção de sistemas inclusivos, o que implica em uma

mudança estrutural e cultural da instituição escolar para que os alunos tenham suas

necessidades específicas atendidas (SEESP/MEC, 2008).

Nesta política a inclusão é entendida como:

(...) uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa

do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando

sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva constitui um

paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos,

que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança

em relação à idéia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias

históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola (SEESP/MEC,

2008, http://mpcdceara.org/wp-content/uploads/2010/04/politicaeduc

especial. pdf).

Busca-se com esta política entender o papel da escola na superação da exclusão a partir da

construção de sistemas educacionais inclusivos. Sendo assim, a organização de escolas e

classes especiais precisa ser repensada, necessitando ocorrer uma mudança estrutural e

cultural da escola para que ela possa atender as especificidades de aprendizagem de seus

alunos (Ibid.).

No que se refere ao público atendido pela educação especial na perspectiva da educação

inclusiva engloba as pessoas com deficiências que são entendidas como:

Consideram-se alunos com deficiência àqueles que têm impedimentos de

longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em

interação com diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena

e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do

desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das

interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e

atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos

com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos

com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em

qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual,

acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam elevada

criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas

em áreas de seu interesse. Dentre os transtornos funcionais específicos estão:

dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia, transtorno de atenção e

hiperatividade, entre outros (SEESP/MEC, 2008, http://mpcdceara.org/wp-

content/uploads/2010/04/politicaeduc especial. pdf p. 15).

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Segundo Meletti e Bueno (2010) podemos observar que a população a ser atendida pela

Educação Especial refere-se principalmente à condição de deficiência, sendo que as

“Condutas Típicas” são substituídas pelos “Transtorno Globais do Desenvolvimento” que

passam a ser então categorizados. Suprime-se a dificuldade de aprendizagem e a Educação

Especial torna-se setor de apoio às necessidades dos alunos com NEE e “não de modo amplo

como a responsável pela implementação da escola inclusiva” (p. 4). Com este entendimento

desconsidera-se que a escola, tal como apontado por Meletti e Bueno (2010), Patto (2008) e

Garcia (2006) configura-se como um ambiente historicamente excludente, que necessita de

adequação desta instituição à diversidade apresentada por seu novo público alvo.

Neste estudo foram analisados os dados estatísticos do Censo Escolar de 2007 e 2010, por

meio dos microdados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Meletti e Bueno (2010) apontam que no Brasil desde

1974 são realizados levantamentos estatísticos acerca da Educação Especial, sendo que a

partir de 1990 o censo demográfico passou a trazer questões que dizem respeito às pessoas

com deficiência no país. Desta forma desde o Censo Demográfico de 1991 elaborado pelo

IBGE foram coletados dados amostrais sobre a existência ou não de pessoas com deficiência

nas residências brasileiras.

No que se refere aos dados educacionais, a Educação Especial é analisada nos Censos

Escolares elaborados a partir da década de 1980 (MELETTI & BUENO, 2010). Segundo

informações contidas no site do Inep (http://portal.inep.gov.br/basica-censo) o Censo Escolar

configura-se como levantamento de dados estatístico-educacionais no âmbito nacional. Este

censo é realizado anualmente sob coordenação do Inep e conta com a participação das

secretariais estaduais e municipais de Educação de todos os estados brasileiros e também com

a participação das escolas públicas e privadas do Brasil. Desta forma o Censo Escolar é o

principal instrumento de coleta de dados sobre a educação básica em suas diferentes etapas e

modalidades, sendo contempladas informações sobre os estabelecimentos de ensino,

matrículas, funções docentes, movimento e rendimento escolar.

Ainda segundo o Inep, por meio destes dados pode-se traçar um panorama nacional da

educação básica, servindo como base para a elaboração de políticas e execução de programas

na área da educação. Os dados deste Censo são analisados em conjunto com outras avaliações

do Inep como o Saeb e a Prova Brasil para o cálculo do Índice de Desenvolvimento da

Educação Básica (IDEB), sendo este o indicador de referência para a elaboração de metas do

Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) do Ministério da Educação. As informações

obtidas no Censo Escolar, além de serem disponibilizadas por meio dos microdados também

podem ser encontradas nas Sinopses Estatísticas divulgadas no site do Inep.

Verificamos, portanto que as informações do Censo Escolar têm um papel preponderante no

norteamento dos caminhos a serem seguidos pela educação nacional, tanto no que se refere às

suas metas quanto no que diz respeito à distribuição de recursos e financiamento da educação

básica. Para Meletti e Bueno (2010):

As Sinopses Estatísticas que apresentam os dados dos censos educacionais

revelam aspectos imprecisos e ambíguos em sua metodologia de coleta de

dados. A título de ilustração podemos citar a imprecisão da definição da

população alvo da educação especial, agravada pelos sistemas de avaliação e

de classificação do alunado (...). Podemos também indicar a alternância das

categorias de dados. Isso porque podemos considerar a metodologia de

coleta como uma “auto-declaração” escolar feita nos limites de um sistema

que estabelece previamente categorias imprecisas (p. 8).

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Apesar destas limitações contidas no banco de dados do Censo Escolar não podemos ignorar

as informações obtidas por este instrumento, já que como apontado anteriormente é por meio

destas informações que serão elaboradas as políticas públicas de educação em geral, e mais

especificamente da educação especial. Desta forma, precisamos levar em consideração estas

limitações ao fazermos análises referentes ao atendimento educacional destes alunos.

Considerando o que foi exposto, este trabalho teve por objetivos:

Analisar os indicadores do censo escolar, por meio dos microdados de 2007 e 2010 no

que se refere às matrículas de alunos com deficiência no município de Araras.

Verificar a influência da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva de 2008 na matrícula de alunos com deficiência na rede regular e especial

de educação.

Método

De acordo com os objetivos propostos pelo estudo, optamos pelo delineamento inicial de uma

pesquisa exploratória e quantitativa, com base nas análises dos dados estatísticos

disponibilizados pelo Censo Escolar/MEC/INEP dos anos de 2007 e 2010.

Os dados obtidos no site do Inep por meio do banco de dados do Censo Escolar foram

analisados a partir do cruzamento de variáveis disponíveis nos microdados no que se refere às

matrículas de alunos no Ensino Regular, Educação Especial e Educação de Jovens e Adultos

(EJA) nos anos de 2007 e 2010. As variáveis foram selecionadas visando responder aos

objetivos de pesquisa, sendo elas: modalidade de ensino; tipo de NEE; dependência

administrativa.

Os dados selecionados no Censo Escolar/MEC/INEP, foram analisados de forma quantitativa,

por meio de provas estatísticas descritivas (SIEGEL, 1975). Cabe ressaltar, que para esta

análise foi necessário o auxílio do software aplicativo Statistical Package for the Social

Sciences (SPSS), para a obtenção da seleção dos dados a serem analisados.

Resultados e Discussão

Com base nos dados analisados do Censo Escolar de 2007 e 2010, inicialmente notamos que

há uma variação na caracterização da população com deficiência disposta no censo entre os

anos de 2007 e em 2010 o que dificulta a análise comparativa dos dados, por exemplo, em

2007 as matrículas dos alunos com Síndrome de Down são computadas separadamente aos

alunos com deficiência intelectual4, o que não ocorre em 2010. Na tabela 1 encontram-se a

categorização das NEE no censo de 2007 e de 2010.

Tabela 1: Comparação na terminologia das NEE no censo escolar de 2007 e 2010

NEE - 2007 NEE - 2010

Cegueira Cegueira

Baixa Visão Baixa Visão

Surdez Surdez

Deficiência Auditiva Deficiência Auditiva

Surdocegueira Surdocegueira

Deficiência Física Deficiência Física

Deficiência Mental Deficiência Mental

Transtornos Invasivos do Desenvolvimento Deficiência Múltipla

Síndrome de Down Autismo Clássico

Deficiência Múltipla Síndrome de Asperger

4 No Censo Escolar é utilizado o termo deficiência mental.

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Altas Habilidades Síndrome de Rett

Transtorno Desintegrativo da Infânica

(psicose infantil)

Altas Habilidades

Assim como o Censo Demográfico realizado pelo IBGE, o Censo Escolar adota metodologia

de auto-declaração, entretanto, esta declaração é feita pela unidade escolar e não pelo aluno

matriculado. Estas informações devem ser baseadas, conforme orientação do Inep nos

registros escolares, entretanto, não temos garantia no caso das deficiências de como foi feito o

diagnóstico das mesmas. Nos cadernos de instrução para o preenchimento dos dados estão as

tabelas explicativas de cada uma das NEE, contendo um conceito rápido para orientar o gestor

a fazer o preenchimento do aluno. Por exemplo, em 2007 os Transtornos Invasivos do

Desenvolvimento eram definidos como transtorno do desenvolvimento, caracterizado por

dificuldades nas áreas de comunicação e interação. Como por meio dos dados divulgados pelo

Inep não temos acesso a como foi diagnosticada esta condição, a definição para estes

transtornos se torna extremamente ampla e ambígua, pois dificuldades nas áreas de

comunicação e interação podem ser apresentadas em diferentes graus e formas. Ao divulgar

categorias imprecisas, o Censo Escolar pode estar mascarando dados reais e favorecendo a

estigmatização e encaminhamento de alunos que não se adéquem ao padrão esperado pela

escola e sociedade. Meletti e Bueno (2010) especificamente sobre estes transtornos ressaltam

que toda a população anteriormente descrita como possuindo o que era chamado de “condutas

típicas” passa a ser então caracterizada como possuindo Transtornos Invasivos do

Desenvolvimento.

No censo de 2010 esta categoria desaparece, porém, as matrículas antes referidas aos

Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, podem agora estar distribuídas nas seguintes

categorias: Autismo clássico, Síndrome de Asperger, Síndrome de Rett e Transtornos

Desintegrativos da Infância. Parece-nos uma tentativa de especificar e delimitar uma categoria

que antes poderia ser tratada como uma via de escape no encaminhamento do aluno do tão

discutido fracasso escolar, porém, novamente questionamos como estão sendo feitos estes

diagnósticos, já que estas condições passam então a ser tratadas em uma categoria mais ampla

denominada como Transtornos Globais do Desenvolvimento, na qual as características são

imprecisas e muitas vezes constatadas apenas por parâmetros subjetivos.

Tendo por base estas considerações iniciais, no que se refere ao município de Araras, foco

deste estudo, em 2007 foram computadas 880 matrículas de alunos com NEE divididas no

Ensino Regular, Educação Especial e na EJA. Já em 2010 este número subiu para 929

matrículas nas três modalidades. Na figura 1 está disposta a comparação entre os anos de

2007 e 2010 por modalidade educacional neste município.

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Figura 1: Matrículas de alunos com NEE no município de Araras nos anos de 2007 e

2010

Notamos que de forma geral houve aumento no número de matrículas de alunos com NEE.

Ao analisarmos as matrículas por modalidade verificamos que no Ensino Regular o aumento

foi de aproximadamente 47% e na EJA de 110% nas matrículas de 2007 para 2010. Na

Educação Especial notamos movimento contrário, já que as matrículas caem em

aproximadamente 23%. Estes dados podem estar relacionados às diretrizes da Política

Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC, 2008), que se

propõe a entender o papel da escola na superação da exclusão por meio da construção de

sistemas educacionais inclusivos. Desta forma, a organização das escolas e classes especiais

passou a ser repensada, sendo que o ensino regular passa a ser responsável em efetuar

mudanças estruturais e culturais para atender às necessidades específicas de aprendizagem de

todo alunado. Portanto, a queda na matrícula exclusiva de alunos na Educação Especial no

município de Araras entre 2007 e 2010 pode estar relacionada ao entendimento de que os

alunos com NEE devem ser inseridos5 na escola regular, podendo então receber paralelamente

atendimentos especializados. Porém, quais são as NEE apresentadas pelos alunos

matriculadas no Ensino Regular, na Educação Especial ou na EJA? Para entender mais

profundamente a população atendida em cada modalidade educacional estão na tabela 2 estão

dispostos os dados de matrícula dos alunos com NEE por modalidade educacional.

Tabela 2: Matrículas de alunos com NEE em Araras por modalidade (2007 – 2010)

Ensino Regular Educação

Especial

EJA

2007 2010 2007 2010 2007 2010

Cegueira 3 2 8 3 0 1

Baixa visao 17 28 10 7 1 0

Surdez 16 15 25 7 8 4

Deficiência auditiva 19 25 14 0 1 3

5 Aqui foi escolhido o verbo inserir no intuito de deixar claro que se está referindo à garantia de matrícula no

sistema regular de ensino, de entrada na escola, entretanto, não podemos afirmar que estes alunos são

participantes do processo de aprendizagem ou se encontram-se incluídos de forma Marginal tal como proposto

por Patto (2008) e Amaral (2002), entre outros autores.

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Surdocegueira 0 0 3 2 0 0

Deficiência física 20 32 2 76 1 8

Deficiência mental 198 376 275 393 4 28

Síndrome de Down 27 -6 63 - 1 -

Transtornos invasivos

do desenvolvimento

19 - 4 - 1 -

Altas habilidades 0 1 0 0 0 0

Autismo clássico - 9 - 12 - 0

Síndrome de

Asperger

- 2 - 0 - 1

Sindroe de Rett - 0 - 1 - 0

Transtornos

desintegrativos da

infância

- 0 - 0 - 0

Ao observarmos a tabela 2 notamos um padrão de redução de matrículas em todas as

modalidades educacionais tanto no que se refere aos alunos com cegueira quanto surdez e

surdocegueira, sendo que no caso da surdocegueira as matrículas estão concentradas

exclusivamente na Educação Especial. Este fato nos demonstra que o ensino regular se

destina muitas vezes àqueles alunos que possuem melhores condições de adaptação à

sistemática da escola, o que vai contra a idéia de adaptação da instituição escolar as

necessidades do aluno proposta pela política de 2008.

No caso dos alunos com surdez a maior redução ocorreu na Educação Especial o que pode

refletir a organização da comunidade surda e a influência do Decreto 5626 de 22 de dezembro

de 2005 que garante aos alunos surdos o direito a uma educação bilíngüe que a partir da

Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva pode ser

entendida como dar as condições do uso da LIBRAS na escola regular e não em classes ou

escolas exclusivamente para surdos. Este mesmo movimento é notado no caso da baixa visão,

havendo queda de matrícula na Educação Especial com concomitante aumento no sistema

regular de ensino.

Também notamos um aumento de matrículas no ensino regular no que se refere à deficiência

física, sendo que ao contrario da baixa visão que apresenta queda nas matrículas na Educação

Especial e na EJA, a deficiência física tem também um aumento altamente significativo na

Educação Especial (370%) e na EJA (700%). Este dado gera estranhamento, primeiro pelo

número de alunos com esta deficiência que estão recebendo atendimento apenas na Educação

Especial e segundo pelo aumento em grande escala das matrículas de alunos com esta

deficiência no município. A forma como são apresentados os dados no censo escolar não nos

permite avaliar profundamente esta questão, sendo necessárias futuras investigações para

estes esclarecimentos, mas nos leva a pensar em questões como: Como são feitos os

diagnósticos desta deficiência? Onde estavam estes alunos antes de 2010?

Quanto à deficiência mental cabem algumas considerações, primeiro houve um aumento nas

três modalidades educacionais, sendo que na EJA o aumento foi de 600%. Neste aumento,

entretanto, podem estar contidas as matrículas dos alunos com Síndrome de Down que em

2007 foram computadas separadamente às da deficiência mental. Mesmo assim levanta-se a

hipótese de que os alunos com esta deficiência que estavam inseridos no ensino regular, ao

não se adequarem ao sistema educacional e apresentarem defasagem entre série e idade

6 Este símbolo significa que esta categorização de NEE não foi analisada no ano em questão.

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podem estar sendo encaminhados para a EJA como forma de continuidade ou substituição da

escolarização.

Outra questão que nos chama a atenção é que o total de alunos com deficiência mental em

2010 em todas as modalidades de ensino foi de 797, tendo em vista que o número total de

alunos com NEE neste ano é de 929, a deficiência mental representa aproximadamente 86%

do total de alunos com NEE. O grande número de alunos com deficiência mental na rede

educacional nos leva a problematizar o diagnóstico da deficiência mental, isto é, como é

realizada a avaliação destes alunos para considerá-los com esta deficiência? As Diretrizes

Nacionais para a Educação Especial CNE/2001 estabelecem que entre os alunos com

necessidades educacionais especiais estão aqueles que apresentam dificuldades acentuadas de

aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento sem causa orgânica específica.

Sobre isso, conforme apontado anteriormente, Kassar (2004) destaca o perigo nesta brecha, já

que podemos perpetuar a prática de encaminhamento dos alunos do tão conhecido fracasso

escolar para o atendimento especializado. Consideramos que as dificuldades no diagnóstico

da deficiência intelectual podem levar ao enquadramento dos alunos com dificuldades de

aprendizagem, ou daqueles que não se adéquem à normatização proposta nas escolas como

possuindo esta deficiência.

No que se refere à esfera administrativa na qual se localizam as matrículas de alunos com

NEE, a figura 2 ilustra a comparação entre os anos de 2007 e 2010.

Figura 2: Matrículas de alunos com NEE por dependência administrativa

Ao analisarmos a figura 2, o primeiro ponto a ser destacado é a predominância de matrículas

da educação especial tanto em 2007 quanto em 2010 na rede privada de ensino. Cabe

enfatizar que esta rede se configura no município de Araras principalmente como instituições

sem fins lucrativos, havendo neste caso a predominância do atendimento pela Associação dos

Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) da cidade. A partir de diversas discussões realizadas

no campo da educação especial, devemos nos atentar ao fato de que a análise desta

modalidade educacional no Brasil é histórica, trazendo características específicas de nossa

cultura e evolução social. Ao longo da história educacional brasileira as instituições especiais

de ensino se proliferaram em quantidade visando o atendimento principalmente de alunos

com deficiência. No que se refere especificamente à atuação da APAE, houve um grande

predomínio desta instituição na educação especial em várias regiões do país, sendo que

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segundo informações do último levantamento realizado pela Federação Nacional das APAEs,

contidas no site da organização (http://www.apaebrasil.org.br/artigo.phtml?a=2), atualmente

existem 23 Federações das APAEs nos estados brasileiros e mais de duas mil APAEs

distribuídas em todo o país. Ainda segundo informações desta fonte, estas instituições

oferecem atendimento integral para cerca de 250.000 pessoas com deficiência, o que é

considerado o maior movimento social do Brasil e do mundo, na sua área de atuação.

Precisamos aqui ficar atentos ao fato de que o atendimento proporcionado pelas instituições

de educação especial não é homogêneo. Portanto ao lembrarmos da discussão, tão divulgada

quando a versão preliminar da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da

Educação Inclusiva (2007) foi elaborada, de que os alunos com NEE seriam melhor atendidos

na rede especial de educação, devemos levar em consideração o proposto por Baptista (2008)

de que as diferenças no atendimento educacional especializado são profundas dependendo da

instituição que está sendo analisada. Este autor afirma ainda que ao fazermos uma análise das

escolas especiais no país, podemos evidenciar que existem instituições com alta qualificação

profissional, corpo docente especializado, estrutura física adaptada e baixa proporção

professor/aluno. Porém, estas escolas não constituem a maioria, mas sim uma realidade

restrita. São poucas, geralmente públicas, relacionadas a projetos específicos que visam a

valorizar o atendimento especializado destinado ao tipo de deficiência do aluno. A maioria

das escolas especiais é de caráter privado, muitas delas filantrópicas e sustentadas

indiretamente pelo estado por meio do fornecimento de profissionais e de campanhas de

caridade pública. Em muitas dessas instituições a escolarização configura-se como meta

secundária, não há metas específicas quanto à trajetória escolar dos alunos e agravando essa

situação podem ser encontrados em seu interior profissionais com formação precária.

Essa realidade tem se mantido historicamente, por meio das relações

complementares entre o Estado que não se ocupa desse alunado, deixando

que outros o façam em modo que pode ser considerado muito “econômico”.

Vale lembrar que aos olhos da comunidade (nós somos a comunidade!) trata-

se de alunos para os quais o pouco parece muito, pois predomina a idéia que

dificilmente chegarão a ocupar espaços sociais relevantes. Naturalmente, a

classe social da família contribuirá para que esteja mais ou menos exposta à

caridade pública. Mas não é só isso. Mesmo quando somamos a oferta de

serviços educacionais públicos, incluídos aqueles de excelência, e os

serviços privados e assistenciais, o percentual de oferta de vagas da

educação especial é bastante reduzido (Ibid., p. 206-207).

A partir das considerações do autor ao retomarmos a análise das matrículas dos alunos com

NEE por dependência administrativa verificamos um movimento de expansão da rede

municipal de ensino regular, já que o atendimento a alunos com NEE cresce em 133% e ao

mesmo tempo há uma queda (pequena) do atendimento na Educação Especial o que parece-

nos uma tentativa de adequação do sistema educacional à política de Educação Especial de

2008. O que também nos chama a atenção em relação ao atendimento nesta modalidade

educacional é a não existência de nenhum serviço de educação especial vinculado à rede

estadual de ensino no município. Portanto, mesmo havendo um aumento de aproximadamente

4,4% nas matrículas de alunos com NEE na rede regular estadual, há a isenção de

responsabilidade desta esfera administrativa no atendimento educacional especializado em

Araras, delegando todo atendimento complementar e específico a estes alunos à rede

municipal e privada de educação.

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Estes dados refletem o panorama mostrado por Baptista (2008), o qual pergunta por que não

existem manifestações para que o poder público ocupe-se efetivamente da educação desses

alunos?

Baptista (2008) acredita que muitas vezes são realizadas afirmações sobre a inviabilidade da

inclusão e a impossibilidade da escolarização dos alunos com necessidades educacionais

especiais em escolas regulares baseadas no desconhecimento das questões específicas da área

ou no destaque exagerado de situações particulares. Um exemplo deste desconhecimento pode

ser encontrado nas afirmações de uma personalidade política do Rio Grande do Sul que

publicou em seu “blog” na internet afirmações que diziam que as escolas especiais são o

espaço adequado para que as crianças e adolescentes com deficiência aprendam no seu ritmo

próprio. Afirmava ainda que sem essas instituições esses indivíduos ficariam em casa sem

possibilidade de desenvolvimento mental, social e motor, sendo que a autonomia dos

mesmos era adquirida a partir do trabalho realizado pelas escolas especiais e isso garantia

uma vida feliz e o respeito social.

Discursos como este citado acima representam o pensamento de muitas pessoas e por isso têm

rápida aceitação. Trata-se a educação como um campo que não necessita de conhecimento

técnico para que se manifestem opiniões e sejam tomadas decisões. Portanto, em primeiro

lugar deve-se levar em consideração que a população atendida pelas escolas especiais é

formada por um grupo extremamente variado, tanto no que se refere ao tipo de deficiência

quanto nas diferenças qualitativas do seu perfil, sendo assim não podemos fazer este tipo de

generalização. Outro ponto do discurso que deve ser analisado é a afirmação de que se não

fossem estas instituições as pessoas com deficiência ficariam em casa, sem possibilidade de

desenvolvimento. Esta afirmação intensifica a lógica de que esses espaços especializados

configuram-se como a única possibilidade de desenvolvimento para pessoas que,

tendencialmente, não se desenvolveriam (Ibid.).

Fator interessante que também notamos no que se refere à distribuição das matrículas por

dependência administrativa foi a ampliação das matrículas de alunos com NEE na EJA em

todas as esferas (estadual, municipal e privada). Esta ampliação tanto pode refletir a maior

procura por atendimento educacional por jovens e adultos, consequentemente a maior

democratização no acesso à educação escolar; quanto o encaminhamento dos alunos incluídos

na rede regular para EJA ao não acompanharem a evolução escolar na faixa etária

determinada. Tendo em vista que a grande maioria dos alunos com NEE matriculados na EJA

em 2010 apresentam deficiência mental, pensamos que provavelmente a segunda hipótese

esteja mais amplamente de acordo com a realidade, porém, cabem aqui maiores investigações

que não nos são possíveis sem o rastreamento do alunado.

Conclusões

Primeiramente cabe apontar que neste estudo foram encontradas dificuldades que refletem as

limitações e ambigüidades do Censo Escolar elaborado pelo Inep, tais como: metodologia de

autodeclaração que nem sempre condiz a uma avaliação adequado no que se refere à

caracterização e diagnóstico de deficiências; imprecisão na definição do público alvo a ser

atendido pela Educação Especial; imprecisão e simplificação na definição das NEE; e

alternância das categorias dos dados em cada ano do censo.

Ao analisarmos os dados tendo em vista estas limitações é possível afirmar que no município

de Araras de forma geral houve um aumento nas matrículas de alunos com NEE tanto no

Ensino Regular quanto na EJA entre os anos de 2007 e 2010, com concomitante diminuição

das matrículas destes alunos na Educação Especial. Este dado, como discutido anteriormente

pode refletir a tentativa de adequação do sistema educacional do município à Política de

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Educação Especial de 2008, entretanto, não podemos afirmar que o aumento da matricular

realmente acarretou no aumento da participação destes alunos no processo de aprendizagem.

É preciso maiores análises do processo educacional no município para entender como a

inclusão está se configurando, isto é, se ela se restringe a garantia de acesso decorrendo em

uma inclusão marginal ou se ela está efetivamente garantindo ao aluno a apropriação dos

saberes escolares.

Outro fator a ser discutido é a distribuição das matrículas dos alunos por dependência

administrativa. Esta distribuição demonstrou total isenção de responsabilidade da rede

estadual no que concerne a serviços de Educação Especial. Desta forma, apesar de as

matrículas no ensino regular desta rede terem aumentado, o atendimento educacional

especializado a estes alunos fica a cargo principalmente da rede privada de ensino, que no

município se configura de forma preponderante na atuação da APAE. Esta característica é

alarmante, pois denota a responsabilização de outras esferas, que não a estadual, pelo

atendimento dos alunos matriculados desta rede.

Por fim, destacamos que esta pesquisa não busca generalizações, visando apenas contribuir

inicialmente para a discussão dos indicadores oficiais da educação no município em questão.

Este estudo, trata-se de pesquisa inicial no município que teve como função favorecer ações e

pesquisas futuras na busca pela melhoria do processo de escolarização dos alunos com

deficiência.

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