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ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO Cristiano Cota Pinheiro RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS NUCLEARES E RADIOATIVOS NO DIREITO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE À LUZ DA TEORIA DO RISCO Belo Horizonte 2013

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ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Cristiano Cota Pinheiro

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS NUCLEARES E

RADIOATIVOS NO DIREITO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE À LUZ

DA TEORIA DO RISCO

Belo Horizonte

2013

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Cristiano Cota Pinheiro

Responsabilidade Civil por Danos Nucleares e Radioativos no Direito

Brasileiro: uma análise à luz da Teoria do Risco

Dissertação apresentada ao programa de Pós-

graduação em Direito Ambiental e Desenvolvimento

Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara,

como requisito parcial à obtenção do título de

Mestre em Direito.

Linha de Pesquisa: "Direito, Planejamento e

Desenvolvimento Sustentável".

Orientador: Professor Dr. José Cláudio Junqueira

Ribeiro

Belo Horizonte

2013

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PINHEIRO, Cristiano Cota.

P654r

Responsabilidade civil por danos nucleares e

radioativos no direito brasileiro: uma análise à luz

da teoria do risco/ Cristiano Cota Pinheiro. – 2013.

161 f.

Orientador: José Cláudio Junqueira Ribeiro.

Dissertação (mestrado) - Escola Superior Dom

Helder Câmara ESDHC.

Referências: f.142 - 155.

1. Direito ambiental 2. Dano nuclear

3. Dano radioativo 4. Responsabilidade civil

5. Justiça. I. Título

CDU 349.6:621.039

Bibliotecária responsável: Fernanda Lourenço CRB 6/2932

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ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA

Cristiano Cota Pinheiro

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS NUCLEARES E

RADIOATIVOS NO DIREITO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE À LUZ

DA TEORIA DO RISCO

Dissertação apresentada ao programa de Pós-

graduação em Direito Ambiental e Desenvolvimento

Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara,

como requisito parcial à obtenção do título de

Mestre em Direito.

Aprovado em: __/__/__

______________________________________________________________

Orientador: Prof. Dr. José Cláudio Junqueira Ribeiro

______________________________________________________________

Professor Membro: Prof. Dr. Kiwonghi Bizawu

______________________________________________________________

Professor Membro: Prof. Dr. Álvaro Ricardo de Souza Cruz

Nota: ____

Belo Horizonte

2013

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Meia dúzia de palavras trocadas, algumas piscadelas

(in)voluntárias e a extraordinária força do

encantamento. Foram esses os ingredientes que

manteriam vivas por mais de uma década as

lembranças de um anjo. O ano de 2001 era

emblemático e prenunciava uma nova era, bastante

promissora para um jovem estudante, pouco vivido e

cheio de sonhos. O cenário também inspirava magia.

No alvorecer do século XXI, encontrava-me eu

dentro de uma sala de aula de uma faculdade de

Direito encravada no topo de uma montanha, e ali

dentro daquele recinto, o destino cuidou de colocá-la

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sentadinha, muito próxima a mim. Moça de fino

trato, chamou logo a minha atenção, como a de

todos que com ela também tinham o primeiro

contato. Seu refinamento e simpatia causaram-me a

melhor das impressões. Foi uma convivência muito

breve a que tivemos no correr daquele ano, apenas

dois semestres em que conversamos rapidamente por

algumas poucas vezes sobre a matéria dada, provas e

trivialidades afins. Vez por outra, pegava-me

fitando-a com o cantinho dos olhos, até que certo dia

pareceu-me haver certa correspondência. Mais do

que isso, se eu não estava terrivelmente enganado,

ela piscara seus olhinhos vivos de magnetismo para

mim. A cena se repetiria algumas vezes no decorrer

daquele ano, mas sempre brotariam as mesmas

dúvidas. Primeiro: ela piscara mesmo ou fora apenas

imaginação minha? Como registrava tais cenas com

o canto dos olhos, não saberia dizer com certeza se

era algo que se passava no mundo dos fatos ou

somente nos recônditos da minha imaginação cada

vez mais bem impressionada com aquela doce fada

das Arábias. Segundo, e aqui despontava alguma

insegurança: admitindo que ela piscara, teria sido eu

o alvo sortudo da flexão de suas pálpebras? Tímido

por demais que era, não obtive respostas para essas

questões de alta indagação. As aulas terminaram, ela

retornou para sua sala e turno de origem e não mais

a vi nos três anos que ainda faltavam para concluir o

curso. Tampouco a veria, ou dela teria qualquer

notícia, por pequena que fosse, pelos sete anos

seguintes. Nesse elástico período de tempo, a vida

não parou. Trabalhei em locais diferentes, morei em

outra cidade e depois voltei, tive algumas

namoradas, perdi parentes, ganhei amigos, fiz

viagens, enfim, muita coisa aconteceu. Mas jamais

me esqueci, em todo esse tempo, da colega marcante

que tive na época de faculdade e que

inexplicavelmente sumira do mapa. Nesse

interregno, algumas vezes a lembrança aflorava com

nostalgia. Cheguei a procurá-la numa famosa rede

social da época, o Orkut, sem qualquer sucesso. Até

que, no início de 2011, me peguei novamente

lembrando dela, o que me impulsionou a fazer uma

nova busca, desta feita na rede social do momento, o

Facebook. Com grande alegria, encontrei o seu

retratinho ao digitar o seu nome, e, ato contínuo, a

―adicionei‖. Deixei uma mensagem que exprimia

tudo o que se passava na minha cabeça naquele

momento: não sabia nem mesmo se ela se recordaria

de mim, mas deixei expresso que eu não havia me

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esquecido dela, e que gostaria imensamente de saber

como estava a sua vida – como na canção - depois

de tanto tempo. Para minha surpresa, ela me aceitou

como ―amigo‖ em sua teia virtual e logo me

respondeu dizendo que claro que se lembrava de

mim. A partir daí, começamos a dialogar com

alguma frequência, sempre online. Havia muito

assunto para atualizar. A temida pergunta foi teclada

e a resposta veio suave como música, para a mais

completa exibição da minha dentição frontal: ela não

havia se casado, não era noiva, não estava

namorando, nada disso... A coragem que me faltara

dez anos antes agora sobrava, e então a convidei

para um encontro, deliciosamente aceito. Alguns

outros se seguiram no período subsequente de quase

dois meses até que um namoro teve seu dies a quo.

Com um atraso de dez anos, é verdade, mas como

diz a sabedoria popular, antes tarde do que nunca.

Percebemos que tínhamos muitos projetos em

comum e que juntos poderíamos conquistar o

mundo. Decidimos então estudar para a prova do

processo seletivo do Mestrado em Direito da Escola

Superior Dom Helder Câmara, simpatizantes que

somos do Direito Público e da causa ambientalista.

Colhemos aí os primeiros frutos de uma parceria

realmente vencedora: fomos ambos (bem)

aprovados. Essa foi uma conquista muito

significativa para nós porque juntos voltamos aos

bancos da escola, onde tudo começou, e realizamos

o sonho comum de nos qualificarmos para a

docência. Nos últimos dois anos foi extremamente

difícil conciliar o desgaste de nossas vidas

profissionais com as exigências dessa instituição de

ensino, mas chegamos ao final graças ao auxílio

mútuo dado e recebido nessa empreitada tão

desafiante e cara ($). Hoje me sinto vitorioso! Nada

disso teria sido possível sem a minha amada Karina.

Por isso, nada mais justo que dedicar a ela o trabalho

que ora se apresenta. Deixei para reportar-me às

outras pessoas que me são igualmente importantes

na seção de agradecimentos porque este espaço é só

dela. E antes que me esqueça, as piscadelas que ela

dava em sala de aula, na flor da mocidade, não eram

criações de uma mente fértil: realmente aconteciam.

Segundo ela, suas lentes de contato incomodavam

muito e causavam ressecamento dos olhos, daí os

movimentos reflexos. Sei não. Tenho para mim que

aqueles eram movimentos absolutamente

voluntários. Os primeiros de uma grande história de

amor.

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AGRADECIMENTOS

Vejo a defesa da dissertação como o coroamento de um processo árduo – é o fim de uma

etapa que descortina o início de outra, quiçá ainda mais espinhosa. Para chegar até aqui, o

encorajamento e auxílio de algumas pessoas foi fundamental.

Começo por um antigo chefe que tive, de quem há muito tempo não tenho notícias diretas,

senão pela imprensa, que reconhece a marca brilhante de seu caráter: Promotor de Justiça do

MPDFT Mauro Faria Lima. Basta uma pesquisa rápida no Google para se obter informações

acerca de sua índole. Irretocável. Como dizia ele serenamente, com a honra não se transige.

Agradeço a ele porque não houve um dia sequer de convívio que não me dirigisse uma

palavra de incentivo e apostasse na minha capacidade.

Agradeço a meus queridos pais por todos os esforços devotados à família. Já aposentados,

continuam lutando para proporcionar uma vida melhor aos filhos, em detrimento de seus

próprios projetos. Ao irmão Gui, deixo registrado também meu muito obrigado pelo apoio e

torcida de sempre.

Como já dediquei mais de duas laudas inteiras à Karina, seria bis in idem reagradecê-la. Dirijo

um agradecimento especial agora à família dela por ter me acolhido tão bem. Especialmente à

minha querida sogra Bia, por me dispensar um tratamento digno de filho.

Não posso deixar de fora também o staff das bibliotecas: Anderson, José da Silva, Gianno,

Márcio, Fernanda e Milena, todos da ESDHC, Andrea da PRMG, Sílvia e Zélia da FDMC: a

vocês, o meu reconhecimento pelo excelente trabalho prestado e os meus sinceros

agradecimentos.

Aos colegas da PRMG, pela convivência sadia, e ao Dr. Patrick, pela compreensão

demonstrada e pelo trato amistoso que marca a nossa relação profissional.

Ao Prof. José Cláudio, pela orientação segura e pelas sugestões precisas, bem como ao Prof.

Kiwonghi e ao Prof. Álvaro, por tão gentilmente terem aceitado o convite para compor a

minha banca avaliadora, afastando-se momentaneamente de seus inúmeros afazeres para

atenderem ao chamado deste aprendiz.

Por fim, aos antigos amigos que me acompanharam nessa jornada e torceram por mim, e aos

novos que fiz no curso, especialmente ao Aloísio (Lolô), Levate (Lelê) e Beth, pelos risos

compartilhados, discussões futebolísticas e benquerença recíproca.

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Pensem nas crianças

Mudas telepáticas

Pensem nas meninas

Cegas inexatas

Pensem nas mulheres

Rotas alteradas

Pensem nas feridas

Como rosas cálidas

Mas, oh, não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa de Hiroshima

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A anti-rosa atômica

Sem cor sem perfume

Sem rosa sem nada.

Vinícius de Moraes

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RESUMO

O uso da tecnologia nuclear nas mais diversas aplicações em benefício do homem é arriscado

por natureza. Não obstante as medidas de índole preventiva tomadas no exercício das várias

atividades respectivas, ainda assim ocorrem acidentes que acarretam fortes impactos sobre o

meio ambiente natural e artificial, a saúde e a vida humana, materializados em danos que

extrapolam as realidades individuais e até mesmo as fronteiras territoriais e temporais. O

testemunho dado por alguns acidentes nucleares e um radioativo de grandes proporções na

curta, porém pródiga, era nuclear da humanidade, confirma o quão devastadores eles são, a

disseminar prejuízos de toda sorte por onde quer que se sucedam. Nesse contexto, o instituto

da responsabilidade civil, iluminado pelas diretrizes solidárias dos novos tempos, surge como

o remédio jurídico para restabelecer as situações de turbação ao seu estado primitivo ou, caso

isso não seja possível, compensar as perdas experimentadas pelas vítimas de outras formas,

como é o caso das indenizações em pecúnia. Especificamente no que diz respeito ao universo

nuclear ou atômico, o instituto da responsabilidade civil conta com um sistema próprio que se

aplica às atividades nucleares, vertido na Lei nº 6.453/77, e bem assim, com outro que diz

respeito aos rejeitos radioativos, vazado na Lei nº 10.308/01. Ambos imputam a

responsabilidade ao autor do fato danoso de forma objetiva. Já em relação às atividades

radioativas, à míngua de um sistema específico a regular a responsabilidade civil correlata,

faz-se necessário recorrer à cláusula geral das atividades perigosas, também de ordem

objetiva, consubstanciada no art. 927, parágrafo único do Código Civil, excepcionando-se a

hipótese de danos ao meio ambiente, que, conquanto também resulte em responsabilização

objetiva, abebera-se de fundamento diverso, contido na Lei nº 6.938/81. O propósito do

presente estudo é analisar criticamente os mencionados sistemas de responsabilização,

perquirindo-se acerca de sua conformidade com o texto da Constituição Federal de 1988 e de

sua aptidão para dar respostas satisfatórias ao complexo problema dos danos provocados no

manejo da tecnologia nuclear.

Palavras-chave: Tecnologia nuclear. Danos nucleares. Danos radioativos. Sistemas de

responsabilização civil. Constitucionalidade. Justiça.

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ABSTRACT

The use of nuclear technology in various applications for human benefit is risky by nature.

Despite the preventive measures taken in the exercise of their various activities, accidents still

happen, causing strong impacts on the natural and artificial environment, health and human

life, materialized in damages that exceed the individual realities and even territorial and

temporal boundaries. The testimony given by some nuclear accidents and a radioactive

accident of major proportions in short, however lavish, nuclear era of humanity, confirms just

how devastating they are, spreading losses of all sorts wherever they occur. In this context,

the institute of civil liability, illuminated by the solidarity‘s guidelines of the new times,

appears as the remedy to restore the situations of disturbance to its original state or, if this is

not possible, offset the losses experienced by victims in other ways, as in the case of

compensation into cash. Specifically with regard to the nuclear or atomic universe, the

institute of civil liability has a system that applies to nuclear activities, poured in Law

6.453/77, as well as another with respect to radioactive wastes, contained in Law 10.308/01.

Both impute responsibility to the tortfeasor objectively. In relation to the radioactive

activities, in the absence of a specific system to regulate the related liability, it is necessary to

resort to the general clause of dangerous activities, also objective, embodied in art. 927, sole

paragraph of the Civil Code, making an exception to the hypothesis of damage to the

environment, which, although also resulting in liability objective, rests on other foundation,

contained in Law 6.938/81. The purpose of this study is to critically analyze the

aforementioned responsibility systems, inquiring about their compliance with the text of the

Constitution of 1988 and its ability to give satisfactory answers to the complex problem of

damage in the handling of nuclear technology.

Keywords: Nuclear technology. Nuclear damage. Radiation damage. Systems of civil

liability. Constitutionality. Justice.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica

ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica

AVC – Acidente Vascular Cerebral

BEN – Balanço Energético Nacional

BTN – Bônus do Tespuro Nacional

BWR – Boiling Water Reactor

CAT – Computed Axial Tomography

CBTN - Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear

CENA – Cento de Energia Nuclear na Agricultura

CNEN–Comissão Nacional de Energia Nuclear

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CRCN – Centro Regional de Ciências Nucleares

DNAEE – Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica

ENEA – European Nuclear Energy Agency

EUA – Estados Unidos da América

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations

FBR – Fast Breeder Reactor

GMR – Graphite-Moderated Reactor

IBAMA–Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística

IEN – Instituto de Engenharia Nuclear

IGP – Índice Geral de Preços

IGR – Instituto Goiano de Radioterapia

INB – Indútrias Nucleares do Brasil

INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor

IPASGO - Instituto da Previdência e Assistência dos Servidores do Estado de Goiás

IPEN – Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares

IRD – Instituto de Radioproteção e Dosimetria

LWR – Light Water Reactor

MME – Ministério das Minas e Energia

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NUCLAM - NUCLEBRÁS Auxiliar de Mineração S.A.

NUCLEBRÁS – Empresas Nucleares Brasileiras S.A.

NUCLEI – NUCLEBRÁS de Enriquecimento Isotópico S.A.

NUCLEMON – NUCLEBRÁS de Monazita e Associados Ltda.

NUCLEN – NUCLEBRÁS Engenharia S.A.

NUCLEP – Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A.

NUCON – NUCLEBRÁS Construtora de Centrais Nucleares S.A.

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ONU – Organização das Nações Unidas

ORTN - Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional

OTN – Obrigação do Tesouro Nacional

PBMR – Peeble-bed Modular Reactor

PET – Positron Emission Tomography

PNE – Plano Nacional de Energia

PWR – Pressurised Water Reactor

RENUCLEAR – Regime Especial de Incentivo para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares

RMBK – Reactor Bolshoy Moshchnosty Kanalny

SFH – Sistema Financeiro de Habitação

SIPRON – Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro

SUSEP – Superintendência de Seguros Privados

SWCR– Supercritical Water Reactor

TNP – Tratado de Não Proliferação

TR – Taxa Referancial

UFIR – Unidade Fiscal de Referência

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

WIPP – Waste Isolation Pilot Plant

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................11

2 PROLEGÔMENOS.............................................................................................................15

2.1 Radioatividade...................................................................................................................16

2.2 Meia-vida...........................................................................................................................18

2.3 Fissão nuclear....................................................................................................................19

2.4 Fusão nuclear.....................................................................................................................20

2.5 Reatores nucleares............................................................................................................21

2.6 Combustíveis nucleares....................................................................................................23

2.7 Instalações nucleares x instalações radioativas..............................................................25

2.8 Danos nucleares x danos radioativos...............................................................................27

3 APLICAÇÕES DA TECNOLOGIA NUCLEAR.............................................................31

3.1 Fins bélicos.........................................................................................................................31

3.2 Fins pacíficos.....................................................................................................................36

3.2.1 Energia nuclear................................................................................................................37

3.2.1.1 Vantagens e desvantagens.............................................................................................40

3.2.1.2 A expansão da planta nuclear brasileira........................................................................44

3.2.2 Medicina...........................................................................................................................48

3.2.3 Agricultura.......................................................................................................................49

3.2.4 Indústria...........................................................................................................................50

3.3 Atores na área da tecnologia nuclear no Brasil e contornos jurídicos do setor..........51

4 GRANDES ACIDENTES NO CURSO DA HISTÓRIA..................................................56

4.1 Three Mile Island..............................................................................................................57

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4.2 Chernobyl..........................................................................................................................60

4.3 Fukushima.........................................................................................................................63

4.4 Goiânia...............................................................................................................................66

5 TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL...................................................70

5.1 Conceito, classificações, funções e dimensões da responsabilidade civil......................71

5.2 Pressupostos da responsabilidade civil...........................................................................73

5.2.1 Ação.................................................................................................................................73

5.2.2 Dano.................................................................................................................................78

5.2.3 Nexo de causalidade........................................................................................................79

5.3 Excludentes da responsabilidade civil.............................................................................83

5.4 Espécies de responsabilidade civil...................................................................................85

6 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS NUCLEARES........................................88

6.1 Responsabilidade civil por danos nucleares no âmbito do Direito Internacional

Público......................................................................................................................................88

6.2 Responsabilidade civil por danos nucleares no Brasil: uma análise da Lei nº

6.453/77....................................................................................................................................94

6.2.1 Fato gerador da responsabilidade..................................................................................94

6.2.2 Delimitação subjetiva e espacial da responsabilidade...................................................96

6.2.3 Desnecessidade de demonstração de culpa....................................................................98

6.2.4 Cláusulas exonerativas..................................................................................................100

6.2.5 Limitação do valor da indenização................................................................................103

6.2.6 Prazo prescricional........................................................................................................104

6.2.7 Obrigatoriedade de seguro ou outra garantia...............................................................106

6.2.8 Responsabilidade civil subsidiária da União até o limite legal....................................107

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7 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS RADIOATIVOS..................................109

7.1 A não submissão dos danos radioativos à disciplina da Lei nº 6.453/77....................109

7.2 A incidência do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, nas atividades

radioativas..............................................................................................................................110

7.3 A especificidade da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente causados

pelas atividades radioativas..................................................................................................112

7.4 Estudo de caso: o acidente radioativo de Goiânia sob o ângulo da responsabilidade

civil..........................................................................................................................................114

8 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS DECORRENTES DOS REJEITOS

RADIOATIVOS....................................................................................................................123

8.1 Classificação dos rejeitos e dos depósitos......................................................................123

8.2 Localização dos depósitos...............................................................................................125

8.3 Atribuições legais para a concepção do projeto, construção, instalação,

administração e operação dos depósitos.............................................................................129

8.4 Licenciamento e fiscalização dos depósitos...................................................................130

8.5 Responsabilidade civil pelos rejeitos radioativos propriamente dita.........................131

8.6 O transporte e a remoção dos rejeitos radioativos entre os depósitos sob o enfoque da

responsabilidade civil............................................................................................................133

8.7 A necessidade de seguro ou outra garantia financeira para a operação dos

depósitos.................................................................................................................................134

8.8 A obrigatoriedade de fornecimento de guarda policial pelo Estado para garantia da

segurança física e inviolabilidade dos depósitos provisórios: uma abordagem à luz da

Constituição Federal de 1988...............................................................................................135

8.9 A titularidade dos direitos sobre os rejeitos radioativos.............................................136

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................138

REFERÊNCIAS....................................................................................................................142

ANEXOS................................................................................................................................156

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1 INTRODUÇÃO

O progresso científico arrebatador que se verificou nas últimas décadas do século XX

e que parece só se intensificar já na alvorada do século XXI traz consigo o imperativo de se

repensarem os mecanismos de proteção jurídica sobre os bens por ele atingidos, alvos que são

de processos tecnológico-causais cujos efeitos não são nem mesmo conhecidos em toda a sua

extensão e profundidade. Se por um lado, ditos processos proporcionam aplicações que bem

servem à satisfação das inúmeras necessidades humanas, por outro se verifica que alguns

deles oferecem significativos riscos à higidez do meio ambiente e à incolumidade humana,

como é o caso da tecnologia nuclear.

Uma vez feita a opção pelo uso de uma tecnologia tão arriscada, há todo um esforço

de natureza preventiva - ilustrado principalmente pelo licenciamento e pela fiscalização - para

que o exercício da atividade respectiva transcorra sem perturbações funcionais de qualquer

sorte. No entanto, por maiores que sejam as cautelas, por vezes os riscos acabam por se

materializar em danos, extrapolando realidades individuais e até mesmo as fronteiras

territoriais e temporais.

É precisamente quando isso acontece que o instituto da responsabilidade civil aflora

como um sopro de esperança para as vítimas, que buscam por meio dele a reparação dos

danos sofridos e a suavização de sua angústia e sofrimento. Quando o sistema de

responsabilização do causador do fato é falho ou deficiente, as vítimas, já castigadas pelo

acidente, acabam sendo penitenciadas ainda uma segunda vez. Para evitar essa dupla injustiça

para com as vítimas é que o sistema de responsabilização deve ser o mais depurado possível,

mormente na fase de desenvolvimento da ciência jurídica dos dias de hoje, que se apega

fortemente ao valor da solidariedade.

Interessa mais de perto ao presente trabalho responder às seguintes perguntas: os

sistemas de responsabilidade civil relacionados ao universo nuclear ou atômico no Direito

Brasileiro estão em conformidade com o texto da Constituição Federal de 1988? Ainda que a

resposta seja positiva, eles são capazes de proporcionar soluções satisfatórias às eventuais

vítimas?

Nessa toada, o objetivo geral da pesquisa é analisar criticamente os corpos normativos

relacionados ao tema.

Para alcançar a meta almejada, elencam-se os seguintes objetivos específicos: (i)

investigar o sentido e alcance de termos técnicos normativos e não normativos próprios do

universo nuclear ou atômico; (ii) identificar as principais aplicações da tecnologia nuclear nos

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dias de hoje; (iii) analisar as características dos principais acidentes nucleares e radioativos já

ocorridos, identificando os tipos de danos deles decorrentes; (iv) estudar a teoria geral da

responsabilidade civil, colocando em relevo a teoria do risco e outros elementos igualmente

importantes para o estudo dos sistemas específicos de responsabilidade relacionados à

tecnologia nuclear; (v) analisar topicamente os dispositivos das Leis nº 6.453/77 e nº

10.308/01 sob um duplo enfoque: constitucionalidade e justiça; (vi) descobrir qual é o sistema

de responsabilidade aplicável aos danos radioativos, já que eles se ressentem da existência de

um regime próprio.

Portanto, atendendo à Linha de Pesquisa ―Direito, Planejamento e Desenvolvimento

Sustentável‖, tenciona-se oferecer ao leitor reflexões úteis para o aprimoramento dos sistemas

de responsabilização relacionados ao universo nuclear existentes, num viés propositivo. A

justificativa é contribuir com originalidade a respeito do problema exposto, já que a literatura

a seu respeito no repositório doutrinário pátrio é escassa e não aborda alguns aspectos.

O procedimento metodológico adotado é a pesquisa bibliográfica acerca do objeto do

presente estudo, recorrendo-se a dicionários, escritos doutrinários diversos, estatísticas

oficiais, legislação e julgados que com ele guardam pertinência temática, num esforço

contínuo para extrair dessas fontes elementos que propiciem o encontro de respostas para as

indagações postas de antemão.

O raciocínio utilizado por vezes é dedutivo, como ocorre quando se debruça sobre os

textos normativos, mas também é indutivo, como ocorre quando se busca encontrar

semelhanças entre os acidentes nucleares e radioativos já ocorridos no curso da história,

principalmente no ponto dos danos por eles causados, investigando-se circunstâncias gerais.

Não se prescinde, tampouco, de uma lógica dialética ou comparativa, como se dá quando se

confrontam, no corpo do texto, posições doutrinárias que se contrapõem e diplomas

legislativos que se imiscuem por vertentes contrárias.

Assim é que a proposta de trabalho se ramifica em sete partições, às quais se somam a

presente introdução e a conclusão, totalizando nove capítulos.

O Capítulo 2 parte da constatação de que na temática do Direito Nuclear ou do Direito

Atômico, compreendido como o conjunto de normas destinadas a regular o complexo de

relações jurídicas derivadas das aplicações da tecnologia nuclear, há um grande número de

termos técnicos que foram absorvidos pelos diplomas legais, e também de que, entre esses

termos, alguns se encontram devidamente explicados pela própria norma, num esforço feito

pelo legislador para evidenciar com clareza o seu conteúdo e o seu alcance, ao passo que

outros não contam com essa graça, remetendo o intérprete a fontes exógenas para decifrar

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seus precisos contornos. Com o intuito de aclarar o sentido dos principais termos e expressões

relacionados ao universo atômico, busca-se oferecer noções prefaciais acerca da tecnologia

nuclear, ligadas principalmente aos domínios da química e da física, sem as quais a

compreensão do estudo científico atinente à responsabilidade civil por danos decorrentes das

atividades nucleares e radioativas poderia restar comprometida. Nesse caminho, são visitados

os conceitos de radioatividade, meia-vida, fissão e fusão nuclear, bem como, já com recurso

ao plano normativo, os de reatores e combustíveis nucleares, assim como os de instalações e

danos nucleares, em contraponto aos de instalações e danos radioativos.

Já o Capítulo 3 destina-se a tratar do numeroso leque de aplicações da tecnologia

nuclear nos dias de hoje, todos eles potencialmente geradores de danos. Procura-se

demonstrar o seu caráter dual ou ambivalente ao se traçar um paralelo entre os fins bélicos e

os fins pacíficos, para então investigar-se a sua aplicação no âmbito da geração de energia

elétrica, da medicina diagnóstica e terapêutica, da agricultura e da indústria com exemplos

que demonstram o quanto a vida na sociedade pós-moderna lhe é devedora.

No Capítulo 4, opta-se por lançar os olhos sobre o passado para analisar as

circunstâncias em que se deram os maiores acidentes nucleares e o maior acidente radioativo

já registrados na história da humanidade, perquirindo-se acerca de suas causas deflagradoras

e, principalmente, a respeito de seus efeitos sobre as pessoas, o meio ambiente e a economia.

O Capítulo 5 cuida de percorrer, ainda que de forma sucinta, a dogmática civilista da

teoria geral da responsabilidade civil, visitando-lhe os conceitos, funções, dimensões,

pressupostos, excludentes e espécies, sem o que a abordagem particularizada da

responsabilidade civil por danos nucleares, danos radioativos e rejeitos radioativos se

ressentiria de um esteio teórico comum.

No Capítulo 6, mergulha-se no tema da responsabilidade civil por danos nucleares,

iniciando-se pela abordagem da Convenção de Paris e da Convenção de Viena. Considerando-

se que o Brasil é signatário da última, elabora-se um estudo de sua matriz principiológica,

para, em seguida, adentrar-se na análise pormenorizada do texto da Lei nº 6.453/77, que trata

da responsabilidade civil por danos nucleares no Brasil e dá outras providências, indagando-se

de sua justiça e conformidade com a Constituição Federal de 1988.

O Capítulo 7, de seu turno, cuida da responsabilidade civil por danos radioativos no

ordenamento jurídico brasileiro. À míngua de um sistema específico para versar sobre o tema,

já que a Lei nº 6.453/77 exclui expressamente do seu campo de incidência os danos causados

por emissão de radiação ionizante quando o fato não constituir acidente nuclear, busca-se

verificar se é possível submetê-los à regência do parágrafo único do art. 927 do Código Civil.

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Em seguida, explicita-se que os danos ao meio ambiente causados por atividades radioativas

se submetem ao regime específico da Lei nº 6.938/81 e não ao geral de regência das

atividades perigosas, contido no Código Civil. Elabora-se, outrossim, um estudo de decisões

relacionadas ao maior acidente radioativo da história da humanidade, o acidente de Goiânia,

investigando-se méritos e desacertos das decisões analisadas.

O derradeiro Capítulo 8 destina-se a tratar da responsabilidade civil por rejeitos

radioativos, compreendidos como o principal impacto ambiental potencial causado pelas

atividades que se utilizam da tecnologia nuclear. A colocação do tema no último lugar da

ordem de assuntos tratados no trabalho é proposital, já que o rejeito desponta no final do ciclo

do combustível nuclear e também já na etapa de descartes das aplicações dos materiais

radioativos na agricultura e em indústrias, clínicas médicas, hospitais, centros de pesquisa etc.

Tendo como objeto de análise a Lei nº 10.308/01, indaga-se acerca do significado e alcance

de sua carga normativa e também de sua justiça e constitucionalidade.

Ao final, à luz dos fatos e argumentos reunidos nos capítulos anteriores, são

enunciadas, em balanço, as conclusões.

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2 PROLEGÔMENOS

Na academia, é da boa técnica que as palavras e as expressões que fujam de seu

sentido comum, ou mesmo as que sejam de utilização exclusiva de determinadas áreas do

conhecimento estranhas ao público a que se dirige a obra, sejam explicadas com precisão e

clareza tais que não permitam o florescimento de quaisquer barreiras semânticas à assimilação

do conteúdo que se pretende expressar.

O objetivo deste capítulo é propiciar ao leitor um conjunto de noções preliminares,

afetas principalmente aos campos da química e da física, sem as quais a compreensão do

estudo científico atinente à responsabilidade civil por danos decorrentes das atividades

nucleares e radioativas poderia restar comprometida. Procurar-se-á municiá-lo com o

manancial indispensável para a melhor absorção da carga teórica a ser infundida ao longo do

texto, acrescido, por vezes, de referências históricas igualmente elucidativas. Alusões ao

plano normativo serão feitas apenas quando nele se contiverem elementos conceituais, já que

se pretende esmiuçar os diplomas legais que guardam pertinência com a matéria,

especificamente relacionados à responsabilidade civil, apenas em um segundo momento deste

trabalho.

De fato, não se pode presumir que a terminologia a ser empregada em seu corpo,

suas especificidades e pormenores, seus contornos peculiares e sua relativa complexidade

sejam de domínio e sabença gerais. Nesse contexto, é preferível pecar pelo excesso de

informações, que a alguns podem parecer um tanto quanto básicas e rasteiras, a não oferecer

àquele que não possui familiaridade com o assunto qualquer suporte para avançar no estudo

proposto.

Todo o debate que se pretende proporcionar nas páginas seguintes, desde a tomada

de posição sobre a conveniência ou não da utilização da energia nuclear, seus impactos

ambientais, os motivos deflagradores dos grandes acidentes nucleares e radioativos na história

da humanidade, as nuances da regulação jurídica da matéria no plano internacional e interno,

entre outros temas igualmente relevantes a serem enfrentados, têm por esteio os conceitos

elementares que ora serão tratados.

Àqueles que possuem trato e intimidade suficientes com os termos a serem

aprofundados, fica a consentida licença para saltarem esta parte. Aos que não estão

suficientemente seguros disso, fica o convite para a leitura que, a par de propositalmente

sucinta, não conduzirá, espera-se, a qualquer estado de tédio ou enfadonhamento. E

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finalmente, aos que reconhecerem a necessidade de aprofundamento nessas noções prefaciais,

assegura-se que o tempo despendido não será de modo algum desperdiçado.

2.1 Radiatividade ou radioatividade

A radiatividade, ou radioatividade, é a ―propriedade que têm certos átomos de emitir

espontaneamente radiação (partículas subatômicas), por efeito duma instabilidade dos seus

núcleos‖, na definição do dicionarista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2006, p. 678).

Sendo a radioatividade uma propriedade do átomo, faz-se necessário contar um

pouco da história de seu descobrimento e em seguida defini-lo.

Em 1803, o cientista inglês John Dalton, com base em experiências sucessivas,

conseguiu demonstrar cientificamente a ideia de átomo. O físico Joseph John Thomson, de

seu turno, propôs, em 1897, que o átomo era divisível em partículas carregadas positiva e

negativamente, contrariando o modelo indivisível de átomo proposto por Dalton. O modelo de

Thomson foi a base teórica a partir da qual outro físico nuclear se dedicou com destaque ao

assunto, o neozelandês Ernest Rutherford. O prêmio Nobel de Química em 1908 foi

concedido a ele por suas investigações acerca da desintegração dos elementos e a química das

substâncias radioativas. A ele também se atribui a distinção entre os raios alfa e beta, em

1902. A ciência ainda registraria a descrição de um novo modelo de átomo, o do físico

dinamarquês Niels Bohr, que afirmou que toda carga elétrica em movimento em torno de

outra perde energia em forma de ondas eletromagnéticas, cunhando assim a teoria

eletromagnética.

Feita essa apertada síntese da história dos modelos atômicos, faz-se necessário

conceituar o átomo. Trata-se da menor partícula de um elemento químico encontrada na

natureza, a unidade fundamental da matéria, composta de um núcleo contendo prótons

(partículas dotadas de carga positiva) e nêutrons (partículas destituídas de carga). Já os

elétrons (partículas dotadas de carga negativa e massa desprezível) orbitam em torno do

núcleo em diferentes trajetórias.

Átomos do mesmo elemento químico podem possuir núcleos com diferentes

números de massa: são os átomos isotópicos. A soma do número de prótons e nêutrons que

compõem o núcleo de um átomo resulta no seu número de massa. Já o número atômico

corresponde apenas ao número de prótons existentes no núcleo de determinado elemento

químico, não se confundindo, pois, com o seu número de massa.

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Os átomos isotópicos, ou simplesmente isótopos, são, portanto, do mesmo elemento

químico, diferindo-se entre si no peso. Suas características ou propriedades físicas são

diversas, mas o comportamento químico por eles apresentado é semelhante. Podem eles ser,

ainda, estáveis ou instáveis, elencando-se entre os últimos os chamados elementos

radioativos. Os isótopos radioativos, também chamados de radionuclídeos ou radioisótopos,

liberam radiação por meio de raios alfa (α), beta (β) e gama (γ). Os da primeira espécie

possuem carga elétrica positiva, ao passo que os da segunda são dotados de carga elétrica

negativa. Os últimos são ondas eletromagnéticas desprovidos de qualquer carga elétrica.

A radioatividade, em uma conceituação mais completa, pode então ser descrita como

a capacidade que alguns elementos químicos, fisicamente instáveis, possuem de emitir energia

sob forma de partículas ou radiação eletromagnética.

Substâncias radioativas, de seu turno, são aquelas aptas a emitir radiações, as quais

possuem a propriedade de impressionar placas fotográficas, atravessar corpos opacos à luz

ordinária, produzir fluorescência, ionizar gases e prestar-se a muitas outras aplicações a

serviço do homem, conforme será visto com mais vagar adiante.

Cumpre ainda diferenciar a radioatividade natural, encontrada na Terra desde a sua

criação, como a emanada do Sol, de águas minerais e do solo de determinadas regiões, da

artificial, produzida pelo gênio humano em sua ventura inventiva.

Conforme historia Heitor Scalambrini Costa, a radioatividade natural foi descoberta

pelo engenheiro francês Antoine-Henri Becquerel em 1896, quando este constatou que sais de

urânio possuíam a capacidade de sensibilizar um filme fotográfico recoberto por uma fina

lâmina de metal (COSTA, 2011, p. 36).

Mas foi o casal Pierre Curie e Marie Skladowska Curie que aprofundou e

desenvolveu os principais estudos a respeito, como observa Viviane Martins Ribeiro (2004, p.

28). Eles descobriram a existência de elementos químicos ainda mais radioativos do que o

urânio, como o tório, o rádio e o polônio, concluindo então que a radioatividade era um

fenômeno atômico.

A radioatividade artificial, induzida por partículas alfa, foi descoberta em 1934 por

Fréderic Joliot e sua esposa Iréne Curie (filha de Marie Skladowska Curie).

Já em 1938, Oto Hahn – aluno de Rutheford – em experimentos realizados

juntamente com Fritz Strassmann, descobriu a fissão de urânio. Grosso modo, a fissão pode

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ser descrita como o fracionamento do núcleo em dois fragmentos, com a liberação de

energia1.

No entanto, foi apenas no dia 2 de dezembro de 1942 que veio a ocorrer a primeira

reação em cadeia em reator nuclear, sob o conduto de Enrico Fermi, em Chicago/EUA. Foi

este o embrião do Projeto Manhattan, descrito por Paulo de Bessa Antunes como o projeto

secreto norteamericano que construiu a bomba atômica (2009, p. 871).

Com efeito, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945 foram explodidas as bombas atômicas

respectivamente sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki; a primeira, feita de urânio-235,

matou 200 mil pessoas, ao passo que a segunda, feita de Plutônio-239, deixou 100 (cem) mil

vítimas fatais.

Inaugurava-se aí a ―Era Nuclear‖, com sucessivas detonações nucleares de testes a

partir de então, todas elas assentadas no domínio das técnicas de manipulação da

radioatividade.

2.2 Meia-Vida

Segundo definição encontrada no dicionário Michaelis online, meia-vida é o ―tempo

que deve decorrer para que, em certo momento, metade dos átomos de uma substância

radioativa se desintegre‖. Como a emissão de partículas é da essência de um isótopo

radioativo, naturalmente o decurso do tempo faz com que o nuclídeo se desintegre. Assim,

cada radioisótopo tem uma meia-vida diferente que varia de acordo com a intensidade da

atividade ocorrente em seu núcleo. Quanto maior for a quantidade de partículas emitidas pela

amostra em determinada unidade de tempo, menor será a sua meia-vida, já que a

desintegração ocorrerá de forma mais acelerada. Percebe-se, assim, que se trata de duas

grandezas inversamente proporcionais.

Cumpre destacar que meia-vida e vida média exprimem idéias completamente

diferentes, de modo que não se pode utilizar uma expressão como sinônima da outra.

Enquanto meia-vida é a quantidade de tempo necessária para que seja liberada, via emissão de

partículas, metade da energia existente dentro de um nuclídeo, como se viu, a vida média

exprime a quantidade de tempo médio de vida que apresentam os átomos de um determinado

radioisótopo.

1 A fissão será objeto de maior aprofundamento em tópico específico, ainda neste capítulo.

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A importância dessa conceituação é enorme para o desenvolvimento do trabalho

proposto, já que, conforme veremos com maior detença mais à frente, a Constituição Federal

de 1988 se utiliza do termo meia-vida ao prever a autorização, sob regime de permissão, da

produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas

horas, excepcionando assim o monopólio estatal existente sobre a pesquisa, a lavra, o

enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e

seus derivados.

Com o quanto já foi exposto, pode-se afirmar desde já que as técnicas que envolvem a

utilização de radioisótopos de meia-vida baixa são potencialmente menos danosas aos seres

humanos numa dimensão temporal, desde que sejam corretamente utilizadas. A hipótese

deveras se confirma no mundo dos fatos. Há aplicações como a irradiação de alimentos, para

ilustrar, que se valem desses elementos de meia-vida bastante curta para minorarem as perdas

decorrentes do apodrecimento.

Nessa esteira de raciocínio, é natural que haja um pouco menos de rigor no plano

normativo em relação à utilização de radioisótopos de meia-vida reduzida, o que não significa

ausência de controle.

2.3 Fissão nuclear

A fissão nuclear é uma reação que ocorre quando o núcleo do átomo é atingido por um

nêutron, liberando grande quantidade de energia. A cada colisão, novos nêutrons são

liberados. Ao colidirem com novos núcleos, mais energia é liberada, numa reação em cadeia.

O processo é assim explicado por Viviane Martins Ribeiro:

[...] o núcleo de determinado elemento radioativo é bombardeado por nêutrons. Esse

bombardeio fará com que energia e mais nêutrons sejam liberados. Se essa reação se

der em cadeia, os nêutrons liberados por último atingirão novos núcleos e,

novamente, mais energia e outros nêutrons serão liberados. E assim por diante. Dá-

se, como foi mencionado, uma reação em cadeia. E os nêutrons são os seus

estimuladores, ou desencadeadores. O número de massa do núcleo desse elemento

reduzir-se-á, transformando-se, por conseguinte, em outro elemento, com núcleo de

número de massa menor. O radionuclídeo, que até então era pesado, após a

dissociação, passa a ser leve (RIBEIRO, 2004, p. 31).

De acordo com Heitor Scalambrini Costa,

[...] a energia liberada pela fissão nuclear pode ser utilizada na geração de

eletricidade por usinas chamadas ‗nucleoelétricas‘, a partir de um ciclo

termodinâmico. É sabido que os isótopos de certos elementos químicos têm a

capacidade de, através de reações nucleares, emitirem energia durante o processo

(COSTA, 2011, p. 35).

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As usinas termonucleares em atividade hoje utilizam reatores de diferentes espécies

que provocam a fissão nuclear de isótopos de urânio e plutônio, produzindo rejeitos de alta

radioatividade que devem ser mantidos sob especial vigilância por milhares de anos,

considerada a sua intrínseca periculosidade, a par dos rejeitos de média a baixa radioatividade

também resultantes da geração termonuclear. No entanto, espera-se ansiosamente o dia em

que reatores nucleares possam operar de forma economicamente viável com outro processo,

qual seja, o da fusão nuclear, em razão das vantagens que ele apresenta, enumeradas no tópico

seguinte, entre as quais se notabiliza justamente o curto período de emissão de radioatividade

pelos rejeitos gerados.

Leonam dos Santos Guimarães e João Roberto de Matos explicam ainda a distinção

entre fissão e reação química no tocante ao potencial de energia que cada um desses processos

pode proporcionar:

A diferença entre a fissão e uma reação química é absolutamente clara: a reação

química usa menos de 1% e a fissão utiliza mais de 99% da massa do átomo para

gerar energia térmica. Dado que Einstein nos provou – por meio da equação E=MC²

- que matéria e energia são intercambiáveis, é fácil deduzir que a reação que utiliza

mais da massa de um átomo gerará mais energia no processo de transformação

(GUIMARÃES; MATTOS, 2011, p. 54).

Em um cenário de mudanças climáticas sensíveis, tais como tempestades severas,

inundações, derretimento de geleiras, aumento do nível dos oceanos, secas extremas, invernos

ultrarrigorosos e desertificação, a geração termonuclear por fissão, exatamente pelo

rendimento que apresenta e pela baixa quantidade de gás carbônico em tese emitida, avulta

cada vez mais como uma alternativa de contenção ao aquecimento global.

2.4 Fusão nuclear

Se o Direito Empresarial conceitua a fusão como a operação societária por meio da

qual duas ou mais sociedades comerciais juntam seus patrimônios a fim de formarem uma

nova sociedade que a elas sucederá nos direitos e obrigações, determinando a extinção

daquelas que se fundem, na ciência natural da física nuclear o fenômeno desenvolve-se de

modo semelhante: dois isótopos, após sofrerem intensa pressão, juntam suas massas e formam

um novo isótopo. Nesse processo, os isótopos iniciais deixam de existir, formando um novo

isótopo, com liberação de energia para o meio.

Vale transcrever a explicação de G. Tyler Miller Jr:

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A fusão nuclear é uma mudança nuclear na qual dois isótopos de elementos leves,

como o hidrogênio, são pressionados um contra o outro a temperaturas

extremamente altas até se fundirem para formar um núcleo mais pesado, liberando

energia nesse processo (JUNIOR, 2011. p. 347).

Convém ressaltar que a utilização da fusão nuclear para produção de energia está em

fase de pesquisas há mais de 50 (cinquenta) anos. Há realmente algumas barreiras que

precisam ser vencidas para a consolidação de tão promissora técnica, assim apontadas por

Viviane Martins Ribeiro:

A principal característica dessa reação consiste na necessidade de se ter temperaturas

elevadíssimas. Caso contrário, não se poderá alcançá-la.

O fenômeno da fusão ocorre, continuamente, na superfície do Sol, e em estrelas,

porque lá a temperatura chega a milhões de graus centígrados. É nesse ponto que

reside a dificuldade de se viabilizar esse processo.

A outra barreira a ser rompida é o seu alto custo (RIBEIRO, 2004, p. 32).

Vencidos os mencionados ―gargalos‖, esse processo traria grandes vantagens sobre a

fissão nuclear, tais como riscos infinitamente menores de operação, curto período de emissão

de radioatividade pelos rejeitos gerados (estimado em apenas algumas décadas), matéria-

prima abundante e barata e a possibilidade de sua utilização para destruição de resíduos

tóxicos.

No entanto, em todas as tentativas realizadas até agora, a energia gasta no processo foi

superior à energia gerada. Quando essa relação finalmente se inverter, será possível construir

um reator de fusão nuclear. Os mais otimistas estimam que isso aconteça entre 2020 e 2030,

ao passo que os mais céticos não acreditam no triunfo dessa tecnologia antes de 2100. No

entanto, parece haver certo consenso que uma hora esse momento chegará e representará um

grande marco na história da humanidade, já que grande quantidade de energia será produzida

com menor impacto ambiental, em comparação com as fontes tradicionais. Não por outro

motivo, em palestra proferida no auditório da Escola Superior Dom Helder Câmara em 22 de

maio de 2013, o Prof. José Eli da Veiga, estudioso do tema, asseverou que a viabilização da

produção de energia elétrica em reatores de fusão nuclear seria a maravilha das maravilhas.

2.5 Reatores nucleares

Nos termos do art. 1º, inciso V, da Lei nº 6.453, de 17 de outubro de 1977, que dispõe

sobre a responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos

relacionados com atividades nucleares e dá outras providências, reator nuclear é ―qualquer

estrutura que contenha combustível nuclear, disposto de tal maneira que, dentro dela, possa

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ocorrer processo auto-sustentado de fissão nuclear, sem necessidade de fonte adicional de

nêutrons‖. A definição normativa em questão peca, pois, por não contemplar o outro processo

a que se acabou de aludir, o da fusão nuclear, que igualmente ocorre dentro de reatores

nucleares. Trata-se de ocorrência até frequente no ordenamento jurídico a de a norma não

acompanhar os avanços científico-tecnológicos, naquilo que se poderia arriscar a chamar de

obsolescência normativa. Naturalmente, quando estiver desenvolvido e devidamente

consolidado o uso de reatores nucleares por fusão nuclear, o dispositivo em comento deverá

ser atualizado.

Já a norma CNEN-NE 1.27, de setembro de 1999, que trata da ―Garantia da Qualidade

na Aquisição, Projeto e Fabricação de Elementos Combustíveis‖ adota uma definição mais

enxuta, ao dispor que reator nuclear, ou simplesmente reator, ―é a instalação contendo

combustível nuclear na qual possa ocorrer processo auto-sustentado e controlado de fissão

nuclear‖. Tal definição incorre na mesma omissão da Lei nº 6.453/77: deixa de fazer

qualquer menção ao processo autossustentado e controlado de fusão nuclear.

Os reatores nucleares são objeto de classificações que levam em consideração o

moderador utilizado, responsável pela garantia do nível de energia dos nêutrons adequado

para a continuidade do processo de fissão nuclear, e bem assim o fluido de resfriamento,

responsável pela absorção do calor gerado e sua condução à parte externa do reator, onde será

devidamente aproveitado.

Por sua completude, vale transcrever a categorização proposta por José Eli da Veiga:

Os reatores mais utilizados – os PWR (Pressurised Water Reactor) – usam a água

tanto para moderador quanto para fluido de resfriamento. O líquido é mantido em

pressão suficiente para não vaporizar e há troca de calor com um circuito

secundário, onde é formado o vapor que aciona a turbina, movimentando o gerador

elétrico. Já nos reatores BWR (Boiling Water Reactor), o segundo tipo mais usado, a

água do circuito primário vaporiza-se e aciona diretamente a turbina. Nesse caso há

menos equipamentos, mas a radioatividade gerada pelo processo tem propagação

maior, atingindo também a turbina e o condensador.

Tanto o PWR quanto o BWR, assim como as variantes russas do PWR, fazem parte

do grupo LWR (Light Water Reactor), que usa como moderador a água leve

(comum). Mas há ainda mais três grupos: os que usam água pesada (HWR, Heavy

Water Reactor), os que usam grafite (GMR, Graphite Moderated Reactor), e os que

nem usam elemento moderador (FBR, Fast Breeder Reactor). [...]

Os reatores que não usam moderador – conhecidos como moderadores rápidos – têm

o núcleo envolvido por camada de urânio, que recebe os nêutrons que escapam do

núcleo, gerando plutônio físsil. Como o plutônio é adequado à produção de bomba,

esse tipo de reator é necessariamente muito mais visado em termos bélicos.

Os avanços tecnológicos têm sido classificados em gerações. Os reatores que têm o

chamado projeto ―passivo‖ são considerados de terceira geração. Significa que, em

caso de falha, o sistema vai por inércia para uma situação mais segura, em vez de

acionar os esquemas de emergência.

Há também a chamada Geração III+, com unidades bem pequenas (165MW), que

inclui o PBMR (peeble-bed modular reactor), usando hélio como refrigeração. E está

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emergindo uma quarta geração, com meia dúzia de grandes promessas: a) ter

impacto ambiental positivo; b) custo baixo; c) períodos mais curtos de construção;

d) segurança operacional; e) resistência à proliferação; e, até, f) proteção física

contra ataques terroristas. Tais são as ambições de um fórum internacional de

cooperação entre cinco países: Estados Unidos, Canadá, França, Japão e Inglaterra.

No âmbito dessa quarta geração também estão previstas usinas SWCR (Supercritical

Water Cooled Reactor). Esse é o objetivo do Projeto IRIS (International Reactor

Innovative & Secure), da Westinghouse, com participação brasileira.

Tal projeto começou em 1999, e há quem afirme que logo estará disponível. Usa

água leve, é modular, com unidades pequenas (de 100 MW a 300 MW), podendo ter

vários módulos funcionando em um mesmo local, mas sob controle centralizado.

Além de ser mais simples e usar menos água, é de manutenção mais fácil e seu

combustível poderá durar de 5 a 8 anos [...] (VEIGA, 2011, p. 14-16).

Não entraram na classificação proposta pelo eminente autor os reatores do tipo

RMBK, que se utilizam do grafite como moderador e de água fervente como fluido de

resfriamento, embora se deva reconhecer, por honestidade, que ele os ressalvou em nota de

rodapé. Tal espécie de reator notabilizou-se por ser justamente a utilizada pelo complexo

nuclear de Chernobyl, onde ocorreu o maior acidente nuclear de todos os tempos, de acordo

com o mesmo autor. (VEIGA, 2011, p. 15).

Não se obteve sucesso na pesquisa relativa ao tipo de reator que era utilizado em

Three Mile Island, onde também ocorreu um memorável acidente nuclear, ao passo que se

apurou que, em Fukushima, local da mais recente tragédia dessa natureza, os reatores usados

eram do tipo BWR, de acordo com a matéria intitulada ―A volta do medo nuclear‖, publicada

na edição nº 2158 da Revista IstoÉ de 23 de março de 2011, redigida por Delmo Moreira e

Luíza Villaméa (2011, p. 66-73).

O leitor encontrará mais adiante informações sintéticas sobre cada um desses acidentes

nucleares que ocorreram no curso da história, priorizando-se menções às suas consequências

danosas às populações locais atingidas e ao meio ambiente para que se tenha um ponto de

partida concreto no momento de se adentrar na temática da responsabilidade civil respectiva.

Por fim, uma informação para saciar eventual curiosidade que possa ter surgido quanto

aos tipos de reator utilizados em Angra dos Reis: de acordo com Joaquim Francisco de

Carvalho, o complexo é equipado com reatores a água leve pressurizada – PWR (2012, p. 95).

2.6 Combustível nuclear

Combustível é a ―substância ou produto que produz combustão‖, ao passo que

combustão é o ―estado de um corpo que arde produzindo calor, ou calor e luz‖, segundo as

definições de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2006, p. 247).

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Nessa ordem de ideias, combustível nuclear poderia ser conceituado como qualquer

material do qual pode ser liberada energia nuclear em um reator.

Para os efeitos da Lei nº 6.453/77, combustível nuclear é o material capaz de produzir

energia, mediante processo autossustentado de fissão nuclear, conforme disposto em seu art.

1º, inciso II.

Já na norma 1.27 da CNEN, adrede referida, combustível nuclear, ou simplesmente

combustível, é o material contendo nuclídeos físseis que, quando utilizado em um reator,

possibilita uma reação nuclear em cadeia.

Viviane Martins Ribeiro traça todo o iter dos minérios utilizados como combustível

nuclear, desde a fase de extração até o reprocessamento pós-uso, da seguinte forma:

Tal processo começa com a própria extração de minérios nucleares, os quais podem

ser utilizados como combustível, após o devido processamento. Como exemplos de

tais minérios, podem ser citados o urânio e o tório.

A respeito, é oportuno frisar que são esses os elementos nucleares férteis. Logo, tais

nucleotídeos são considerados as verdadeiras matérias-primas propulsoras da

instalação nuclear. É a partir delas que se inicia o processo de obtenção do

combustível.

Após um processo de transformação apropriado, os elementos nucleares férteis são

convertidos em físseis, para que haja um melhor aproveitamento dos radionuclídeos

na reação de fissão nuclear. Assim, dos materiais nucleares, quais sejam urânio (U-

238) e tório, com a devida transformação no reator, ter-se-á plutônio (Pu-239) e

urânio (U-233), respectivamente, os verdadeiros materiais físseis.

[...] Depois da extração do minério, há o processamento, a fim de que haja a sua

concentração. Tem-se, agora, o óxido de urânio, ou melhor dizendo, o bolo amarelo.

Na sequência, ter-se-á a conversão do bolo amarelo em haxafluoreto de urânio, na

forma gasosa, permitindo-se, assim, que haja o seu enriquecimento. O

enriquecimento tem por finalidade aumentar o número de radioisótopos físseis.

Posteriormente, reconverte-se o material até então obtido em óxido de urânio, agora

na forma sólida. A partir daí, fabricam-se os ―elementos combustíveis propriamente

ditos‖.

[...] Com a utilização do combustível, procede-se à liberação de energia sob a forma

de calor, havendo a sua conversão em energia elétrica. Ou, de outra forma, ―sob

altíssimas pressões, a água não ferve, sendo conduzida a um sistema de gerador de

vapor, onde aí faz a água ferver e produz vapor necessário ao movimento de

turbinas.

No tocante ao combustível usado, também denominado combustível irradiado ou

combustível queimado, é retirado do reator e depositado em piscina de refrigeração,

igualmente a água. Isso porque o material ainda é muito radioativo. O decaimento da

radioatividade desse combustível dependerá de como seja a atividade em cada

elemento, devendo-se levar em consideração que na reação auto-sustentada surge

sempre, conforme foi visto, o plutônio e outros radionuclídeos, de variadas meias-

vidas. É preciso que haja, portanto, constante refrigeração, em virtude da liberação

de calor existente. Essas piscinas estão situadas ao lado do reator.

É até por essa razão, pela periculosidade que a atividade nuclear apresenta, que há o

painel de controle. Através dele é possível controlar o reator nuclear a distância.

E, por fim, tem-se a fase de reprocessamento. Feita através de processos químicos,

do combustível irradiado, ou melhor, do lixo atômico produzido, reaproveitam-se,

isto é, recuperam-se nuclídeos físseis, tais como o plutônio. Aqui, fecha-se o ciclo

do combustível nuclear. Nesses termos, esse ciclo equivale, não só à sua fase de

obtenção, desde a fase de extração, como também ao seu reprocessamento,

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incluídas, pois, a sua recuperação e reconversão em material fissionável (RIBEIRO,

2004, p. 40-47).

A norma 1.27 da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN – conceitua ainda

elemento combustível como o conjunto de varetas contendo combustível, mantidas unidas por

meio de componentes estruturais, constituindo uma unidade estrutural, e, bem assim, vareta

combustível (ou simplesmente vareta) como componente do elemento combustível,

construtivamente independente, que contém o combustível, de forma estanque.

Para Walter T. Álvares, a disciplina jurídica dos minérios nucleares não cabe ao

Direito Nuclear (ou Direito Atômico) e sim ao Direito Minerário (1975, p. 79).

Na verdade, não há exclusão de um campo pelo outro. É perfeitamente possível a

coexistência de normas de incidência simultânea no trato da matéria, dando-se preferência

àquelas de caráter especial sobre as de caráter geral, como recomenda a boa exegese.

Por fim, importa dizer que o reprocessamento a que a autora citada aludiu não

recupera os rejeitos radioativos em sua integralidade, cujo conceito encontra-se no art. 1º,

inciso III, da Lei nº 6.453/77.

Os rejeitos radioativos não recuperados devem então ter a destinação própria que lhes

confere a Lei nº 10.308, de 20 de novembro 11 de 2001, que dispõe sobre a seleção de locais,

a construção, o licenciamento, a operação, a fiscalização, os custos, a indenização, a

responsabilidade civil e as garantias referentes aos depósitos de rejeitos radioativos, e dá

outras providências. Basicamente, pode-se dizer que eles serão alocados com os devidos

cuidados em depósitos que podem ser provisórios, iniciais, intermediários e finais, a depender

do caso. Por versar também sobre responsabilidade civil, referido diploma será investigado

mais à frente neste trabalho, como não poderia deixar de ser.

2.7 Instalações nucleares x instalações radioativas

É importante que fique bem claro que instalações nucleares e instalações radioativas

são conceitos que não se confundem. A distinção é de fundamental importância e já no título

deste trabalho se prenuncia que o nuclear e o radioativo são termos que não se equivalem.

Muitas vezes, ocorre a utilização do vocábulo nuclear em sentido lato, precedido de

determinado termo, para abranger tanto o nuclear em sentido estrito como o radioativo. Ciente

do alcance exato de cada um desses conceitos, o intérprete poderá concluir em qual dessas

significações o termo nuclear está sendo utilizado.

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Normalmente, no uso vulgar, lança-se mão de seu sentido lato, ao passo que,

tecnicamente, prefere-se o uso do nuclear apenas em seu sentido estrito. Neste trabalho optou-

se por referir-se à tecnologia nuclear como aquela voltada tanto para os usos nucleares em

sentido estrito como aos radioativos. Assim, o vocábulo nuclear, quando precedido de

tecnologia, foi empregado na acepção lata e compreensiva referida.

No entanto, em todas as oportunidades em que se lançou mão da expressão

―instalações nucleares‖, obrigatoriamente se quis restringir a sua significação, com a

necessária exclusão do que semanticamente se contém na expressão ―instalações radioativas‖.

Feito esse breve intróito, cumpre visitar os conceitos de cada uma das expressões

aludidas, adiantando-se que ambos são normativos.

A primeira definição de instalação nuclear foi dada pelo art. 1º, VI, da Lei nº 6.453/77,

que dispõe que, para os seus efeitos, instalação nuclear é: a) o reator nuclear, salvo o utilizado

como fonte de energia em meio de transporte, tanto para sua propulsão como para outros fins;

b) a fábrica que utilize combustível nuclear para a produção de materiais nucleares ou na qual

se proceda a tratamento de materiais nucleares, incluídas as instalações de reprocessamento de

combustível nuclear irradiado; c) o local de armazenamento de materiais nucleares, exceto

aquele ocasionalmente usado durante seu transporte.

Em seguida, o Decreto nº 2.210/97, que regulamenta o Decreto-lei nº 1.809, de 7 de

outubro de 1980, e institui o Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro (SIPRON),

além de dar outras providências, alargou o seu sentido em seu art. 2º, inciso VIII. Na sua

dicção, instalação nuclear é a instalação na qual o material nuclear é produzido, processado,

reprocessado, utilizado, manuseado ou estocado em quantidades relevantes, assim

compreendidos: a) reator nuclear; b) usina que utilize combustível nuclear para a produção de

energia térmica ou elétrica para fins industriais; c) fábrica ou usina para a produção ou

tratamento de materiais nucleares, integrante do ciclo do combustível nuclear; d) usina de

reprocessamento de combustível nuclear irradiado; e e) depósito de materiais nucleares, não

incluindo local de armazenamento temporário usado durante os transportes. O Decreto-lei nº

1.809/80, no entanto, foi revogado pela Lei 12.731/12, de modo que, para todos os efeitos,

deve-se recorrer à definição contida no art. 1º, VI, da Lei nº 6.453/77, já mencionada.

A norma CNEN-NE 1.04, datada de dezembro de 2002, que trata do licenciamento das

instalações nucleares, por sua vez, repete a conceituação dada pelo Decreto nº 2.210/97.

O mesmo Decreto nº 2.210/97 conceitua, em seu art. 2º, IX, instalação radioativa

como o local onde se produzem, utilizam, transportam ou armazenam fontes de radiação,

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excetuando-se a) as instalações nucleares; e b) e os veículos transportadores de fontes de

radiação quando essas não são parte integrante dos mesmos.

Coerentemente, a Portaria nº 183/FA-43, do Ministro de Estado-Chefe do Estado-

Maior das Forças Armadas, de 20 de janeiro de 1997, republicada no DOU de 15 de janeiro

de 1998, p. 15, dispõe que as instalações radioativas são ―estabelecimentos ou instalações

onde se produzem, utilizam, transportam ou armazenam fontes de radiação, excetuando-se

desta definição as instalações nucleares e os veículos transportadores de fontes de radiação,

quando estas não são integrantes dos mesmos‖.

Como se vê, houve expressa exclusão das instalações nucleares dos conceitos de

instalações radioativas expostos. Dessa forma, se determinada instalação alberga fonte de

radiação, há que se indagar se tal fonte é um reator nuclear, uma usina nuclear, fábrica de

materiais nucleares integrantes do ciclo do combustível nuclear ou depósito de materiais

nucleares, para, somente em caso de resposta negativa para todas as hipóteses referidas,

concluir-se que se trata de uma instalação radioativa e não de uma instalação nuclear.

Na prática, a distinção não revela maiores dificuldades. Não há qualquer dúvida, por

exemplo, em se apontar que a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto é uma instalação

nuclear, ao passo que qualquer das várias clínicas médicas especializadas em radioterapia em

atividade no país são, incontestavelmente, instalações radiativas ou radioativas.

A diferenciação ora proposta não é um mero capricho, longe disso. Há, naturalmente,

diferentes requisitos no licenciamento de uma instalação conforme seja ela radioativa ou

nuclear. Existem ainda repercussões práticas no tocante à responsabilidade civil, já que a Lei

nº 6.453/77, que dispõe sobre a responsabilidade civil por danos nucleares e a

responsabilidade criminal por atos relacionados com atividades nucleares e dá outras

providências, de importância capital no desenvolvimento deste trabalho, exclui expressamente

de seu âmbito de incidência os danos causados por emissões de radiação ionizante quando o

fato não constituir acidente nuclear.

Cumpre então distinguir, nesse passo, o dano nuclear do dano radioativo, tarefa já

bastante facilitada pelo quanto foi exposto no presente tópico.

2.8 Danos nucleares x danos radioativos

O conceito de dano nuclear também é normativo, estando ele vazado no art. 1º, inciso

VII, da Lei nº 6.453/77: dano nuclear é ―o dano pessoal ou material produzido como resultado

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direto ou indireto das propriedades radioativas, da sua combinação com as propriedades

tóxicas ou com outras características dos materiais nucleares, que se encontrem em instalação

nuclear, ou dela procedentes ou a ela enviados‖.

A parte inicial do dispositivo deixa entrever que a norma optou pela distinção entre

dano pessoal e dano material.

Nesse diapasão, o dano pessoal, para os efeitos da lei em comento, pode ser

interpretado como aquele experimentado pelo indivíduo em seu próprio corpo, como seria a

hipótese de uma queimadura, um corte profundo ou uma intoxicação subsequente à inalação

de fumaça radioativa proveniente de uma usina nuclear em pane.

Já o dano material, no mesmo contexto, pode ser compreendido como aquele incidente

sobre algum bem patrimonial atingido em suas funcionalidades em decorrência do evento

deflagrador e que acarreta ônus a seu proprietário em razão da diminuição ou extinção de seu

valor comercial. Para ilustrar, poder-se-ia mencionar o abandono compulsório determinado

pelas autoridades após o vazamento de material tóxico no entorno de uma central nuclear,

como, aliás, ocorreu em Chernobyl. Nessa hipótese, a população evacuada naturalmente sofre

um dano material, representado pelas propriedades particulares deixadas para trás que perdem

todo o seu valor comercial com desastre de tão nefastas e duradouras consequências no

tempo. O dano material aqui esmiuçado, numa visão que se desprenda do individualismo que

permeava o labor legislativo de outrora, pode ainda referir-se a um bem patrimonial de

titularidade difusa, como seria o caso da contaminação de um rio que abastece determinada

cidade com pesados metais radioativos, retirando a potabilidade de sua água e aniquilando os

seus préstimos à dessedentação animal e à agricultura.

A parte final do dispositivo deixa claro que, para que um determinado dano seja

categorizado como nuclear é preciso que os materiais nucleares causadores do evento estejam

localizados em instalações nucleares ou que com elas tenham a conexão da procedência ou do

destino.

O art. 1º, inciso VII, da Lei nº 6.453/77 define ainda acidente nuclear como ―o fato ou

sucessão de fatos da mesma origem, que cause dano nuclear‖. Nessa toada, pode-se afirmar

que a explosão de um reator de determinada central nuclear, com o vazamento de nuvens de

gases radioativos para a atmosfera, será um acidente nuclear, já que será o fato causador da

contaminação atmosférica resultante.

O art. 3º do mesmo diploma legal dispõe ainda que ―será também considerado dano

nuclear o resultante de acidente nuclear combinado com outras causas, quando não se

puderem distinguir os danos não nucleares‖.

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Já o seu art. 16 assim dispõe: ―Não se aplica a presente Lei às hipóteses de dano

causado por emissão de radiação ionizante quando o fato não constituir acidente nuclear‖.

Percebe-se, pois, da redação transcrita, que o dano causado por emissão de radiação ionizante

fora de uma instalação nuclear e sem qualquer conexão de procedência ou destino com

alguma instalação nuclear deixa de ser considerado dano nuclear para ser rotulado de dano

radioativo, e, bem assim, que ele foi excluído do âmbito de incidência da Lei nº 6.453/77.

O conceito de dano radioativo, é bem de ver, não está expresso no plano normativo,

mas pode ser obtido por uma leitura a contrario sensu do conceito de dano nuclear. Partindo-

se da premissa que dano nuclear é o dano (pessoal ou material) produzido como resultado

direto ou indireto das propriedades radioativas, da sua combinação com as propriedades

tóxicas ou com outras características dos materiais nucleares, que se encontrem em instalação

nuclear, ou dela procedentes ou a ela enviados, por exclusão tem-se que dano radioativo ou

radiativo é aquele produzido como resultado direto ou indireto das propriedades radioativas,

de sua combinação com as propriedades tóxicas ou com outras características dos materiais

nucleares, que se encontrem fora de uma instalação nuclear e que dela não sejam procedentes

ou a ela não sejam enviados.

A interpretação sistemática ora exposta é perfeitamente possível, já que se a técnica

utilizada para distinguir instalações nucleares de instalações radioativas no Decreto 2.210/97

foi justamente a da exclusão das primeiras para se revelar o conteúdo das últimas. Aqui

também, com igual razão, em se tratando da diferenciação entre danos nucleares e radioativos,

a mesma lógica pode ser coerentemente aplicada: ubi idem ratio, ibi idem jus.

Seria um exemplo de dano radioativo o sofrido por um paciente submetido a exame de

tomografia que viesse a receber uma alta dose de radiação em razão de uma pane do aparelho

durante a realização de um exame e que, por tal razão, viesse a desenvolver uma doença

decorrente da exposição. O discrímen é de suma importância para que seja possível

identificar, na prática, de qual modalidade de dano se trata. Com a base conceitual exposta,

ninguém teria dificuldades, por exemplo, de afirmar que o infeliz incidente ocorrido em

Goiânia em 1987 (do qual se falará com detalhes mais adiante), relacionado a uma cápsula de

Césio-137 encontrada nas ruínas de uma clínica, foi um acidente radioativo que produziu

danos radioativos e não nucleares. No campo jurídico, a distinção também é de grande

influência, já que o ordenamento contempla a responsabilidade civil objetiva, de forma

expressa, apenas para os danos nucleares, do que se poderia concluir, sem a devida reflexão

ou maturação de ideias, que aos danos radioativos ficaria relegada a responsabilidade civil

civilista fundada na culpa.

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Por fim, calha ressaltar que o dano é, ao lado da ação comissiva ou omissiva e do nexo

causal, um pressuposto de responsabilização civil. O que poderá suscitar alguma controvérsia,

conforme se verá no capítulo próprio, é o regime de responsabilização aplicável, objetivo ou

subjetivo, conforme se trate de dano nuclear ou radioativo. Procurar-se-á demonstrar

oportunamente que, em qualquer dos casos, a responsabilidade será objetiva.

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3 APLICAÇÕES DA TECNOLOGIA NUCLEAR

Não seria exagero afirmar que se vive hodiernamente em uma era de extraordinária

pujança científico-tecnológica2, em que se contabilizam notáveis avanços nas mais diversas

partições do saber, traduzidos em potenciais melhorias qualitativas na vida das pessoas, ainda

que muitas vezes o fator socioeconômico se coloque como uma barreira para a fruição mesma

dessas facilidades de uma forma ampla e generalizada.

As descobertas que permitiram o domínio da tecnologia nuclear propiciaram um

gigantesco progresso, sendo considerável a gama de finalidades em que ela é empregada

atualmente. Chama a atenção o caráter ambivalente que se extrai de suas aplicações: ela tanto

é direcionada para diagnosticar com precisão a existência das mais diversas enfermidades e

tratá-las com alto grau de sucesso, como também, por outro lado, é dirigida à construção de

poderosos arsenais bélicos com grande capacidade de provocar mortes em massa. Aí está o

curioso antagonismo produzido pelo próprio homem: o mesmo conhecimento técnico que

salva vidas humanas é empregado para aniquilá-las.

Nessa ordem de ideias, separam-se claramente os fins bélicos ou militares da

tecnologia nuclear, ainda hoje deflagradores de tensões políticas entre Estados, de suas

destinações pacíficas, tão corriqueiras na vida das pessoas, das quais se procurará fazer uma

breve compilação em seguida.

3.1 Fins bélicos

Ao cabo da Segunda Guerra Mundial, o controle da cena política internacional ficou

polarizado entre duas superpotências: de um lado, os Estados Unidos, líder do bloco

capitalista, e, de outro, a União Soviética, líder do bloco socialista. Embora tenha havido uma

2 Há quem discorde. Em conferência magna intitulada ―As mudanças climáticas no olhar de um viajante”

realizada na tarde do dia 12/06/2013, no 11º Seminário Meio Ambiente e Cidadania, o economista e navegador

Amyr Klink sustentou exatamente o contrário. A seu aviso, nunca se teve tanto conhecimento à disposição como

nos dias de hoje, e, ainda assim, o aproveitamento ou aplicação prática desse enorme volume de informações se

revela absolutamente deficiente. Para ele, é inconcebível que a técnica demonstre categoricamente, por exemplo,

que o modelo de transporte individualista baseado na aquisição de automóveis pelas pessoas continue sendo

reproduzido na esmagadora maioria das cidades do globo quando já se sabe com bases científicas incontestáveis

que ele conduz ao mais completo caos, ou que os empreendimentos imobiliários continuem tão descompassados

com exigências de ordem ambiental, em pleno século XXI. Na verdade, o que aparenta impedir tais avanços não

é a consistência dos conhecimentos adquiridos e sim a existência de um sistema capitalista de produção em que

frequentemente as boas iniciativas deixam de florescer por não acarretarem retorno do ponto de vista econômico,

na forma de lucro.

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união de esforços entre elas para derrotar o expansionismo militar nazista e também uma

colaboração mútua nos tratados que selaram o fim do conflito e definiram as bases para uma

nova ordem mundial, as divergências ideológicas não tardaram a dar ensejo a um período de

intensa tensão política que somente terminaria em 1991, com o desmantelamento do bloco

soviético: a Guerra Fria.

Embora seja algo a se comemorar que durante todo esse tempo não tenha eclodido

nenhuma guerra em que se tenham utilizado armamentos nucleares, lamentavelmente o

domínio e aprimoramento da tecnologia nuclear bélica por ambos os lados só foi possível

graças a um enorme sacrifício do meio ambiente nos locais onde sucessivos testes ocorreram.

Houve repercussões danosas também a milhares de pessoas que sequer sabiam do

perigo a que estavam sendo submetidas. A omissão de informações à população era tributada

a ―razões ou segredos de Estado‖. Em impactante matéria publicada na Revista Super

Interessante, o jornalista Alan Burdick fez uma descrição crua do desrespeito aludido, que foi

uma das marcas do lado norteamericano:

Mas o programa americano de testes de armas nucleares nunca foi benigno, fato que

só se tornou claro em anos recentes, quando vieram a público documentos até então

secretos.

Nuvens de radiação, tão tóxicas quanto as liberadas pela explosão do reator soviético

em Chernobyl, verteram resíduos rosados sobre pontos tão distantes como a Nova

Inglaterra, a mais de 2.000 quilômetros, envenenando o leite, matando o gado e

afetando moradores ao longo da trajetória. Milhares de soldados, com ordem de

realizar manobras ao pé das detonações, foram expostos a debilitadoras doses de

radiação, da mesma forma que eletricistas ou encanadores empregados no sítio de

teste. Nos anos seguintes, ex-militares, funcionários do sítio de testes e gente da

vizinhança foram vítimas de câncer em proporção alarmante. Ao contrário de muitos

civis feridos em guerra, essas vítimas da Guerra Fria não foram advertidas sobre as

ameaças contra sua saúde. Na verdade, foram submetidas a uma cruel campanha de

desinformação. Soldados no sítio de testes receberam informações falsas: ―O sol, e

não a bomba, é seu pior inimigo‖. Mulheres que sofriam efeitos do envenenamento

pela radiação — perda de cabelo, sérias queimaduras da pele — tiveram alta dos

hospitais próximos com diagnósticos de ―neurose‖ ou de ―síndrome de dona-de-

casa‖. Quando uma moradora da área ameaçada relatou à Comissão de Energia

Atômica (AEC em sigla inglesa) que seu filho e vários vizinhos haviam morrido,

aparentemente de câncer induzido pela radiação, ouviu seca resposta: ―Vamos

manter o senso de proporção sobre a chuva radioativa‖. Quaisquer riscos a que a

mulher e seus vizinhos ―pudessem‖ ter sido expostos ―representavam um pequeno

sacrifício‖ em nome da dissuasão (ou seja, do fortalecimento bélico do país)

(BURDICK, 1993, p. 68-69).

Com efeito, os experimentos foram amplamente realizados em três cidades: Hanford,

em Washington, Los Alamos, no Novo México e Oak Ridge, no Tennessee. Todas elas

receberam severas doses de radiações, principalmente por meio do despejo de grandes

quantidades de resíduos de mercúrio e Césio nas águas dos rios que as circundam, como o

Columbia e o Clinch, segundo informa Paulo de Bessa Antunes (2009, p. 874).

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Do lado russo, a cidade de Tcheliabinsk, sede do complexo nuclear da ex-União

Soviética, também contabilizou turbações ambientais e a ocorrência de pelo menos três

desastres nucleares, também de acordo com Paulo de Bessa Antunes (2009, p. 873). Embora

não se tenha encontrado evidências de que tais acontecimentos se deram em razão de testes

realizados com fins bélicos, talvez até pelo sigilo que os cercou, é de se supor que tenha

havido uma relação de causa e efeito entre eles.

Fato é que o domínio da tecnologia nuclear para finalidades de guerra passou então a

ser uma obsessão entre nações outras que não os protagonistas Estados Unidos e União

Soviética. Foi nesse contexto que Reino Unido, França e China também desenvolveram seus

arsenais atômicos e se percebeu que quanto maior o número de Estados que seguissem a

mesma trilha, maior seria o estado de tensão a que o mundo estaria submetido. Conforme bem

observa Ulrich Beck,

A ameaça decorrente da estocagem de armas nucleares com inimaginável força

destrutiva inquieta as pessoas em ambos os hemisférios militares e faz com que surja

uma comunhão de ameaça, que, no entanto, ainda precisa demonstrar quanta carga é

capaz de comportar (BECK, 2011, p. 58).

Nesse contexto, foi então engendrado e assinado o Tratado de Não Proliferação das

Armas Nucleares – TNP – em 1968, com o intuito de proibir as nações que ainda não tinham

armas nucleares de desenvolverem arsenais do gênero.

O documento, que entrou em vigor em março de 1970, dividiu expressamente os

países que tinham armas nucleares daqueles que não as possuíam por ocasião de sua

assinatura.

João Maurício L. Adeodato esclarece que, por trás do discurso da proteção mundial

contra os riscos de uma hecatombe nuclear, a verdadeira razão de ser do TNP foi a

preocupação das potências que o idealizaram no sentido de manterem o domínio sobre a

tecnologia nuclear:

O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, o TNP, base da política nuclear

das grandes potências, tem raízes históricas na Lei MacMahon, que foi aprovada

pelo Congresso Americano em 1946 e impedia a transferência de tecnologia nuclear.

A leitura do Tratado mostra claramente, sob o discurso de ―evitar a todo custo os

riscos de uma guerra nuclear‖, a preocupação em manter a relação de poder oriunda

do domínio exclusivo de uma tecnologia. Além da distinção extremamente

problemática entre tecnologia nuclear pacífica e bélica, o Tratado, diferentemente do

que o observador bem-intencionado possa pensar, propõe uma não-proliferação

apenas horizontal, impedindo a transferência a quem não tem a tecnologia; melhor

dizendo, a quem não tinha a tecnologia em 1967. Quem já detinha a tecnologia antes

deste ano, porém, não está impedido pelo TNP de aumentar ou aperfeiçoar seu

arsenal. Esses Estados privilegiados são os EUA, a URSS, a Grã-Bretanha, a França

e a China, justamente aqueles que dispõem do poder de veto na peculiar legislação

da ONU (ADEODATO, 1994, p. 71).

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A referência que o autor faz na parte final da transcrição é ao poder de veto que ainda

hoje possuem Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China no Conselho de

Segurança da ONU. Referido órgão é, ao lado da Assembleia Geral, uma das instâncias

decisórias naquela entidade. O poder de veto aludido confere aos cinco países enumerados a

faculdade de barrar projetos que não lhes parecerem convenientes, o que constitui carta

branca para a imposição de suas vontades no concerto internacional das nações. Essa mesma

lógica autoritária foi utilizada na redação do TNP: paradoxalmente, a desigualdade de direitos

nele contemplada é tratada como a chave para ―proteger‖ o mundo dos riscos da destruição da

civilização que uma guerra nuclear poderia causar.

No TNP ainda está previsto que os países signatários não-nucleares consentem em não

desenvolver ou adquirir essa espécie de armamento, embora lhes seja lícito pesquisar e

desenvolver a energia nuclear para fins pacíficos, desde que devidamente monitorados por

inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), sediada na capital austríaca

Viena.

Antes da retirada da Coréia do Norte, no ano de 2003, o TNP chegou a contabilizar

191 adesões3, número significativo que superou inclusive a Convenção-Quadro das Nações

Unidas sobre Mudanças Climáticas, ratificada por nada menos que 189 (cento e oitenta e

nove) países. Conforme pondera José Eli da Veiga, em que pese o fato de alguns países não

terem assinado o TNP com o claro intuito de poderem constituir arsenais atômicos próprios, e

mesmo não tendo ele sido respeitado na íntegra por alguns outros que o assinaram, ―fato é que

foi evitada, até agora, a tragédia de uma guerra nuclear‖ (2011, p. 12).

3 De acordo com o Portal de Notícias do Senado Federal, os países que aderiram ao TNP foram os seguintes:

Afeganistão, Albânia, Argélia, Andorra, Angola, Antígua e Barbuda, Argentina, Armênia, Austrália, Áustria,

Azerbaijão, Bahamas, Bahrain, Bangladesh, Barbados, Bielorrússia, Bélgica, Belize, Benin, Butão, Bolívia,

Bósnia e Herzegovina, Botsuana, Brasil, Brunei, Bulgária, Burkina Faso, Burundi, Camboja, Camarões, Canadá,

Cabo Verde, República Centro Africana, Chade, Chile, China, Colômbia, Comores, Congo, Costa Rica, Côte

d'Ivoire ou Costa do Marfim, Croácia, Cuba, Chipre, República Checa, Congo, Dinamarca, Djibuti, Dominica,

República Dominicana, Equador, Egito, El Salvador, Estados Unidos, Guiné Equatorial, Eritreia, Estônia,

Etiópia, Micronésia, Fiji, Finlândia, França, Gabão, Gâmbia, Geórgia, Alemanha, Gana, Grécia, Granada,

Guatemala, Guiné, Guiné-Bissau, Guiana, Haiti, Santa Sé, Honduras, Hungria, Islândia, Indonésia, Irã, Iraque,

Irlanda, Itália, Jamaica, Japão, Jordânia, Cazaquistão, Quênia, Kiribati, Kuwait, Quirguistão, Laos, Letônia,

Líbano, Lesoto, Libéria, Líbia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Macedônia, Madagáscar, Malavi, Malásia,

Maldivas, Mali, Malta, Ilhas Marshall, Mauritânia, Maurício, México, Moldávia, Mônaco, Mongólia,

Montenegro, Marrocos, Moçambique, Mianmar, Namíbia, Nauru, Nepal, Holanda, Nova Zelândia, Nicarágua,

Níger, Nigéria, Noruega, Oman, Palau, Panamá, Papua Nova Guiné, Paraguai, Peru, Filipinas, Polônia, Portugal,

Catar, Coréia do Sul, Moldávia, Romênia, Rússia, Ruanda, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e

Granadinas, Samoa, San Marino, São Tomé e Príncipe, Arábia Saudita, Senegal, Sérvia, Seychelles, Serra Leoa,

Cingapura, Eslováquia, Eslovênia, Ilhas Salomão, Somália, África do Sul, Espanha, Sri Lanka, Sudão, Suriname,

Suazilândia, Suécia, Suíça, Síria, Tajiquistão, Tanzânia, Tailândia, Timor Leste, Togo, Tonga, Trinidad e

Tobago, Tunísia, Turquia, Turquemenistão, Tuvalu, Uganda, Ucrânia, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido,

Uruguai, Uzbequistão, Vanuatu, Venezuela, Vietnã, Iêmen, Zâmbia, Zimbábue.

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35

Em 1997, o TNP recebeu um Protocolo Adicional que contempla uma autorização

expressa à AIEA para inspecionar, mediante aviso prévio, as instalações previstas pelo TNP e

também qualquer outro lugar do país vistoriado que seja reputado suspeito de estar sendo

empregado em programas nucleares, como usinas ou centros de pesquisa. O Protocolo

Adicional prevê, ainda, o amplo acesso da AIEA à tecnologia nuclear utilizada no país, até

mesmo aos detalhes dos sistemas de enriquecimento de urânio.

O Brasil, obediente que é ao principio da pacificidade que brota de seu texto

constitucional, já era signatário do Tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América

Latina e no Caribe desde 19674, tendo se tornado signatário também do TNP em setembro de

1998. No entanto, ainda não houve sua adesão ao Protocolo Adicional, o que internamente é

visto sob duplo enfoque. Como o Brasil é um dos únicos países que possuem reservas de

urânio e simultaneamente tecnologia para enriquecê-lo após a extração do referido minério,

no que é acompanhado apenas por Estados Unidos e Rússia, a não adesão ao Protocolo

Adicional diz com a soberania nacional, impedindo assim que inspetores da AIEA, sob

pretexto de fiscalizarem as reservas nacionais, possam na verdade usurpar conhecimentos

aqui desenvolvidos e aplicados no processo. Por outro lado, essa postura pode gerar

desconfiança no cenário internacional de que a tecnologia nuclear é aqui utilizada também

com finalidades militares, podendo resultar inclusive em retaliações e boicotes de natureza

diplomática.

4 Também conhecido como Tratado de Tlatelolco, em alusão ao bairro da Cidade do México em que se deram as

tratativas que resultaram no documento final, o Tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina

e o Caribe nasceu em 1967 e entrou em vigor em 25 de abril de 1969, tendo sido assinado e ratificado por todas

as 33 nações da América Latina e do Caribe. O último país a ratificá-lo foi Cuba, em 23 de outubro de 2002. De

acordo com João Maurício L. Adeodato, o Brasil foi um de seus principais articuladores (1994, p. 72). Logo no

art. 1º do documento, as denominadas partes contratantes comprometem-se a utilizar o material e as instalações

que estão sob a sua jurisdição nuclear exclusivamente para fins pacíficos, e bem assim a proibir e impedir em

seus respectivos territórios o teste, uso, fabricação, produção ou aquisição, por qualquer meio, de qualquer arma

nuclear, por si mesmas, direta ou indiretamente, em nome de outra pessoa ou de qualquer outra forma, e, ainda, o

recebimento, armazenamento , instalação, colocação ou qualquer forma de posse de qualquer arma nuclear,

direta ou indiretamente, pelas próprias partes, por qualquer pessoa em seu nome ou de qualquer outra forma. O

art. 13 do documento trata das salvaguardas, que significam, na definição de Walter T. Álvares em sua obra

Introdução ao Direito de Energia Nuclear, ―um sistema de controle destinado a assegurar que quaisquer

materiais, equipamentos e artefatos reservados ao emprego em aplicações pacíficas de energia atômica, não

sejam utilizados para promover quaisquer fins militares‖. (ÁLVARES, 1975, p. 62). Tal sistema, fundado na

necessidade de resguardo do perigo da utilização indevida da tecnologia nuclear, conta com a intermediação da

AIEA. É interessante mencionar que no art. 17, consta expressa ressalva de que nenhuma das disposições do

tratado deverá prejudicar os direitos das partes contratantes de usar a energia nuclear para fins pacíficos, em

particular para o seu desenvolvimento económico e do progresso social. O Tratado de Tlatelolco já foi objeto de

dois Protocolos Adicionais: o primeiro submeteu todos os países de fora da América Latina com territórios na

região, a exemplo dos Estados Unidos, Reino Unido, França e Holanda, aos estritos termos do tratado, ao passo

que o segundo procurou resguardar o status da América Latina e do Caribe de regiões livres de armas nucleares,

proibindo os países asumidamente detentores de arsenal atômico de causar qualquer turbação a tal condição, no

que obteve sucesso, já que foi assinado e ratificado pelos Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia.

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Na atualidade, com o aprimoramento da técnica, os arsenais atômicos continuam a

representar uma grande ameaça, estando ainda mais potentes e letais. No entanto, a eles se

somam ―novas‖ 5

tecnologias bélicas igualmente voltadas para a destruição em massa, entre as

quais se notabiliza o desenvolvimento de armas químicas e biológicas, mais baratas e,

portanto, mais suscetíveis à possessão generalizada.

3.2 Fins pacíficos

Os fins pacíficos da tecnologia nuclear, também denominados de usos civis6 - para se

contraporem aos usos militares -, são hoje bastante numerosos e de grande importância para a

vida em sociedade. O leque de aplicações vai desde a geração de energia elétrica, passando

pela medicina, agricultura, indústria etc.

Neste tópico procurar-se-á demonstrar algumas dessas funcionalidades com exemplos

de usos práticos que pouco a pouco vão se incorporando no dia-a-dia das pessoas de uma

forma cada vez mais perceptível.

Nesse mister, optou-se ainda por relatar a polêmica relativa a uma dessas

funcionalidades, qual seja, a geração termonuclear de energia elétrica, que, a par de suas

vantagens, contabiliza também pontos negativos vários, polarizando um debate antigo que se

torna mais recorrente sempre que ocorre um acidente em uma instalação do gênero.

A investigação dos referidos usos e a exposição da polêmica aludida são necessárias

para que se possa bem assimilar as características do novo conflito social de que fala Ulrich

Beck, não mais baseado na luta entre classes proprietárias e miseráveis, e sim na abrangência

dos riscos que se disseminam de maneira não excludente na sociedade, afetando

indistintamente ricos e pobres, em maior ou em menor grau. Para Beck:

Reduzido a uma fórmula: a miséria é hierárquica, o smog é democrático. Com a

ampliação dos riscos da modernização – com a ameaça à natureza, à saúde, à

5 Em interessante matéria intitulada ―Uma sedução fatal‖, publicada na IstoÉ Independente online, o jornalista

Cláudio Camargo esclarece que tais tecnologias não são tão novas. Para ele, a ―utilização militar de substâncias

tóxicas letais, de forma generalizada e sistemática, aconteceu pela primeira vez pelas mãos das grandes

potências: foi no front europeu durante a Primeira Grande Guerra (1914-18), mais precisamente na batalha de

Ypres (França), em 1915, quando os alemães bombardearam as tropas inglesas com gás de cloro. Até o fim

daquela carnificina, em 1918, Alemanha, França e Grã-Bretanha usaram em larga escala gases letais, como o

fosgênio e o mostarda, principalmente. Quase 70 mil combatentes morreram, fixando no imaginário ocidental

aquela apocalíptica imagem de soldados com máscaras contra gases. O impacto foi tão devastador que impediu o

uso dessas armas no front da Segunda Guerra Mundial.‖ (CAMARGO, 2001).

6 No Brasil, por força do art. 21, inciso XXIII, alínea ―a‖ da Constituição Federal, ―toda atividade nuclear em

território nacional somente será admitida para fins pacíficos‖.

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alimentação etc.-, relativizam-se as diferenças e fronteiras sociais. Isto ainda

continua a provocar consequências bastante diversas. Objetivamente, porém, os

riscos produzem, dentro do seu raio de alcance e entre as pessoas por eles afetadas,

um efeito equalizador. Nisto reside justamente sua nova força política. Nesse

sentido, sociedades de risco simplesmente não são sociedades de classes; suas

situações de ameaça não podem ser concebidas como situações de classe, da mesma

forma que seus conflitos não podem ser concebidos como conflitos de classe

(BECK, 2011, p. 43).

Com efeito, por mais luxuosa que seja uma casa, por exemplo, por mais bem

ornamentados que sejam seus cômodos e por mais numeroso que seja o contingente de

empregados a serviço de seu proprietário, nada disso a torna imune à contaminação causada

pela explosão do reator de uma usina nuclear que estiver em seu âmbito geográfico de

influência. Quando muito, o mais abastado poderá fugir mais rapidamente de seus efeitos

nocivos ou deles se proteger com maior sucesso, mas jamais poderá evitar a ocorrência do

desastre.

Nesse contexto, uma solidariedade derivada da exposição generalizada a perigos

comuns aflora como substrato justificador de uma nova abordagem do instituto da

responsabilidade civil, agora afinada com a diretiva de que os valores coletivos devem

prevalecer sobre aqueles de ordem individual.

Feita essa breve introdução, cumpre então adentrar no estudo dos usos pacíficos da

tecnologia nuclear propriamente ditos.

3.2.1 Energia nuclear

Uma das principais aplicações da tecnologia nuclear é a direcionada à geração de

energia elétrica. Considerado o contexto de aumento populacional contínuo experimentado no

presente e o consequente aumento da demanda mundial por energia, a geração termonuclear

avulta como uma alternativa real, não obstante as grandes polêmicas que suscita.

As usinas termonucleares utilizam a energia das reações de fissão nuclear como fonte

de calor. Dito calor, por sua vez, é utilizado para gerar vapor de água no reator a fim de

movimentar as turbinas, culminando com o acionamento dos geradores de energia elétrica.

No cenário mundial, verifica-se que alguns países fizeram investimentos maciços em

plantas nucleares, alçando-as à condição de fontes protagonistas em suas matrizes de energia

elétrica, ao passo que outros optaram por lhes relegar apenas um papel secundário e

complementar, enquanto outros, ainda, sequer recorreram a elas. As razões para a adoção de

cada uma dessas políticas são numerosas, elencando-se entre as variáveis mais relevantes as

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relacionadas aos custos envolvidos e à disponibilidade de outras fontes viáveis no território de

cada uma dessas nações.

No estudo intitulado Plano Nacional de Energia 2030, ou simlesmente PNE-2030,

bloco Geração Termonuclear, de 14 de junho de 2006, p. 18, há um gráfico que demonstra a

participação da energia nuclear na matriz energética dos maiores produtores de energia

nuclear no mundo, em termos percentuais, tendo como base o ano de 2005:

Fonte: IEA (2005)

Em interessante dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de

mestre ao Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, intitulada ―Geração Núcleo-Elétrica:

Retrospectiva, Situação Atual e Perspectivas Futuras‖, Sara Tânia Mongelli diz que ―em

2005, o número de reatores para geração de eletricidade em operação no mundo era de 441,

não muito diferente do número de reatores em 1987‖, que, segundo ela mesma, era de 418

(2006, p. 04). Isso demonstra que após o desastre de Chernobyl, a ser abordado mais adiante,

a expansão da energia nuclear no mundo deu-se de forma muito tímida, contrariando as

expectativas otimistas das primeiras décadas de implantação dessa fonte de energia na matriz

mundial.

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José Goldemberg e Oswaldo Lucon trazem outras estatísticas acerca da geração

termonuclear de energia elétrica no mundo e explicam o motivo pelo qual mesmo sendo mais

de duas vezes maior que a hidrelétrica, ela acaba contribuindo de forma praticamente igual

àquela para a matriz elétrica global ao final:

No ano de 2007, cerca de 5,9% da matriz de energia primária mundial provinha de

fontes nucleares. Contudo, como a eletricidade de origem nuclear é produzida em

usinas térmicas, a energia final produzida é praticamente a mesma que a das

hidrelétricas. Isso porque a eficiência do ciclo termelétrico é algo em torno de 30%,

enquanto a do hidrelétrico ultrapassa os 90%. Em termos de eletricidade, quase 14%

dos 19,8 bilhões de megawatt-hora (MWh) produzidos mundialmente em 2007

vieram da energia nuclear – uma contribuição próxima à da hidreletricidade

(GOLDEMBERG; LUCON, 2011, p. 78).

De acordo com o Balanço Energético Nacional do ano de 2012 – BEN –, material

publicado anualmente pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE – com a finalidade de

apresentar a contabilização relativa à oferta e ao consumo de energia no Brasil, a geração

termonuclear contribuiu com 2,7% da Matriz Elétrica Brasileira em 2011, ao passo que a

geração hidráulica (incluindo importação) representou 81,9% do total (MME, 2012, p. 31).

Como se vê, no Brasil há uma esmagadora predominância da hidroeletricidade, ao passo que,

no mundo, esse status cabe ao carvão mineral.

Sucede que no Brasil, à revelia da vontade popular, há planos de expansão da planta

nuclear existente, assunto que merecerá tratamento em um tópico próprio neste capítulo. Já

em âmbito mundial, alguns países decidiram paralisar seus projetos de incremento do parque

nuclear, ao passo que outros optaram até mesmo por um abandono paulatino dessa fonte de

energia.

Trata-se de escolhas políticas bastante complexas que devem ser tomadas com base

em ponderações técnicas e com o respaldo da opinião pública para ostentarem um grau

mínimo de legitimidade, pelo menos nos países de orientação democrática atualmente, como

pretende ser o Brasil.

No item a seguir, compilar-se-ão prós e contras dessa polêmica fonte energética,

cotejando a argumentação expendida por defensores e opositores. Dado que onde grassa a

paixão caminha a irracionalidade, é necessário investigar quais as linhas discursivas que se

notabilizam pela isenção, tarefa que exige do intérprete atenção e, sobretudo, apurado senso

crítico.

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3.2.1.1 Vantagens e desvantagens

A controvérsia sobre a conveniência da utilização da energia nuclear é bastante

acirrada, tendo tomado novo fôlego no cenário pós-Fukushima.

Com o objetivo de trazer luzes e serenidade a um debate frequentemente permeado por

antagonismos passionais, José Eli da Veiga convidou quatro reconhecidos especialistas da

área nuclear para exporem os seus argumentos a favor e contra a utilização desta polêmica

fonte de energia, organizando os textos em uma obra de que também participa como coautor

com o sugestivo nome de ―Energia nuclear: do anátema ao diálogo‖. Fazem a sua defesa João

Roberto Loureiro de Mattos e Leonam dos Santos Guimarães, enquanto os já citados José

Goldemberg e Oswaldo dos Santos Lucon advogam a tese de que seus aspectos negativos

superam os benefícios que ela proporciona.

Procurar-se-á elencar algumas dessas ponderações com recurso não só aos autores

aludidos como também a outros igualmente abalizados no tema para, em seguida, fazer-se

uma tomada de posição, sem excluir-se a possibilidade de que o leitor chegue a conclusão

diversa7.

Catalogam-se como vantagens da geração termonuclear o alto suprimento de

combustível ainda existente no globo, a baixa emissão de CO2 no processo, credenciando-a

como ―energia limpa‖ e evitando a aceleração do aquecimento global, a pouca área necessária

para os parques e os depósitos de rejeitos, o baixo risco de acidentes em função de múltiplos

sistemas de segurança, a perenidade ou firmeza em contraponto à intermitência ou

sazonalidade de outras fontes como a eólica e a solar, entre outras.

Luís Paulo Sirvinskas é um defensor das usinas nucleares por considerar que elas

emitem pouco CO2, que a nova geração de reatores nucleares é muito mais segura que as

anteriores e que o Brasil possui a sexta maior jazida de urânio no planeta (2012, p. 349).

Joaquim Francisco de Carvalho objeta que as reservas de minérios nucleares são

finitas e ainda que ―a operação de uma central nuclear não provoca emissões de CO2, mas

esse é emitido permanentemente em todas as etapas do ciclo de combustível nuclear, da

7 Em matéria de tamanha complexidade, seria um tanto quanto pretensioso arvorar-se em guardião da verdade.

Aliás, como consabido, não há verdades imutáveis ou definitivas, que se estabelecem e não admitem

questionamentos e revisitações. Muito antes, pelo contrário, o progresso mesmo da ciência é todo ele galgado

com a superação de arquétipos que, com o passar do tempo, deixam de dar respostas satisfatórias às novas

demandas do saber. São as crises dos paradigmas dominantes de Boaventura de Souza Santos, eminente

epistemólogo português que trabalha como ninguém as formas e processos de produção de novos conhecimentos

na sociedade pós-moderna.

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mineração do óxido de urânio até a fabricação dos elementos combustíveis.‖ (CARVALHO,

2012, p. 295).

Na mesma linha, José Goldemberg e Oswaldo dos Santos Lucon alertam para o fato de

que o cálculo das emissões deve abranger todo o ciclo do combustível nuclear e não apenas a

operação das instalações em si, além dos respectivos descomissionamentos:

As usinas nucleares em funcionamento, produzindo eletricidade, praticamente não

emitem carbono. Contudo, não se podem esquecer as emissões que ocorrem durante

as etapas de mineração do urânio, de preparação e enriquecimento do combustível

nuclear a partir de minério de urânio e na futura desmontagem da usina, quando ela

concluir sua vida útil. Nessas etapas, são necessárias grandes quantidades de

combustível fóssil, gerando consideráveis emissões de gases de efeito estufa

(GOLDEMBERG; LUCON, 2011, p. 89).

Quanto à pouca área necessária para os parques, parece haver consenso no sentido de

que realmente se trata de uma vantagem competitiva enorme das usinas nucleares. No entanto,

no tocante aos depósitos finais de rejeitos, não se pode dizer o mesmo simplesmente porque

ainda não há uma solução definitiva para o problema.

Já no tocante à segurança das usinas, a própria história é testemunha de que os seus

riscos não são negligenciáveis, uma vez que empiricamente já se contabilizam diversos

acidentes desde o acionamento do primeiro reator nuclear, alguns bastante marcantes como

Three Mile Island, Chernobyl e Fukushima, assunto que será objeto de um capítulo próprio.

Não por outra razão, Ulrich Beck salienta que ―O erro originário a respeito do teor de risco de

uma tecnologia reside na desconsideração e subestimação dos riscos nucleares‖ (2011, p. 72).

Não se está a duvidar de que as novas gerações de reatores atendem a inúmeras exigências

técnicas e tendem, de fato, a se tornarem cada vez mais confiáveis e seguras, mas ainda assim

não estão imunes a desastres, mormente aqueles que se originam das imponderáveis forças da

natureza.

Leonam dos Santos Guimarães e João Roberto Loureiro de Mattos explicam por fim

que o fator de capacidade (FC) da energia nuclear, significando a medida de desempenho de

uma fonte de energia durante um período, calculada como porcentagem de seu potencial

energético total, supera hoje o de qualquer outra fonte (2011, p. 50). Isso se deve

principalmente ao fato de que a energia nuclear é considerada uma fonte firme ou perene.

Com efeito, a continuidade é uma vantagem irrespondível da energia nuclear, diversamente

do caráter de suscetibilidade que grava fontes como a eólica e a solar, totalmente dependentes

que são de bons ventos e boa insolação, respectivamente.

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No extremo oposto, inventariam-se como principais desvantagens os altos custos

necessários para construir e operar uma usina nuclear, mesmo com o aporte de vultosos

subsídios governamentais, o baixo rendimento de energia líquida, a possibilidade real (e não

desprezível) de acidentes, confirmada pela história pródiga em desastres dessa natureza, a

ausência de solução definitiva e amplamente aceita para o problema dos rejeitos radioativos e

para o descomissionamento de velhas usinas, a sujeição a ataques terroristas e a disseminação

de conhecimento e tecnologia para a construção de arsenais atômicos.

Os aspectos econômicos das centrais nucleares são realmente desfavoráveis8. Thomas

Birr, estrategista-chefe de uma das maiores empresas energéticas da Europa, a alemã RWE,

disse em entrevista à Agência Deutsche Welle, reproduzida pelo boletim eletrônico Ecodebate

de 05 de março de 2013, que

A energia nuclear é uma forma muito cara de se produzir energia. Ela possui um

período de planejamento, aprovação e construção muito dispendioso. Caso hoje se

decida construir, não importa em que lugar do mundo, é preciso no mínimo de 12 a

15 anos para se gerar receita (BIRR apud ECODEBATE, 2013).

Questiona-se também o rendimento líquido da energia nuclear. Ao se considerar todo

o processo, desde a mineração de urânio, enriquecimento, transporte, resfriamento das varetas

de combustível, descomissionamento das centrais e manutenção dos depósitos de rejeitos sob

vigilância por centenas de anos, o resultado poderia ser negativo, a depender da metodologia

utilizada. A verdade é que não há dados precisos quanto a tal aspecto, senão apenas conjeturas

que serão dimensionadas a maior ou a menor de acordo com o interesse dos atores envolvidos

nas projeções.

Quanto à sujeição das centrais nucleares a acidentes, remete-se o leitor para o quanto

já foi dito em relação ao aspecto de sua segurança no tópico anterior, acrescentando-se que se

os reatores mais modernos são melhores que os primitivos nesse quesito – o que não é

garantia de imunidade –, ainda há muitos reatores antigos em funcionamento, sobretudo nas

antigas repúblicas soviéticas, potencializando assim o risco de novos desastres onde se

patenteia a obsolescência.

No tocante à armazenagem dos rejeitos de alta radioatividade, passados mais de 50

(cinquenta) anos da instalação das primeiras usinas nucleares no mundo, as pesquisas ainda

8 Paulo de Bessa Antunes (2009, p. 881) diz que boa parte da dívida externa brasileira pode ser atribuída, com

tranquilidade, à energia nuclear, embasando sua posição em dados do Tribunal de Contas da União.

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não são conclusivas acerca da melhor maneira de fazê-lo. A seguir estão alguns compilados

alguns métodos propostos e suas possíveis desvantagens:

Enterrar os resíduos profundamente no solo. Essa estratégia favorável está sendo

estudada por todos os países que produzem resíduos nucleares e é a opção adotada

nos Estados Unidos e em menor ritmo na Finlândia e na Suécia.

Lançar os resíduos no espaço ou no sol. Os custos seriam muito altos, e um acidente

durante o lançamento – como a explosão da nave espacial Challenger – poderia

dispersar altos níveis de resíduos radioativos por grandes áreas da superfície

terrestre. Essa estratégia está descartada por enquanto.

Enterrar os resíduos sob a calota polar da Antártica ou calota glacial da Groelândia.

A estabilidade, em longo prazo, dos lençóis de gelo, é desconhecida. Eles podem ser

desestabilizados pelo calor dos resíduos; além disso, recuperar os resíduos seria

difícil ou impossível se o método falhasse. Essa estratégia é proibida por lei

internacional.

Despejar os resíduos nas zonas profundas da crosta terrestre ou no fundo dos

oceanos. Os resíduos podem vir a ser expelidos em algum lugar em função da

atividade vulcânica e contêineres podem vazar e contaminar o oceano ao serem

transportados em direção ao fundo. Além disso, a recuperação seria impossível se o

método não funcionasse. Essa estratégia é proibida por lei internacional.

Enterrar os resíduos em espessos depósitos de sedimentos no fundo dos oceanos, em

áreas que, segundo os testes, permanecem estáveis há 65 milhões de anos. Os

contêineres de resíduos seriam corroídos e liberariam conteúdo radioativo. Essa

abordagem é proibida por lei internacional.

Transformar os resíduos em isótopos inofensivos ou menos nocivos. Atualmente,

não há como fazer isso. Mesmo que um método fosse desenvolvido, os custos

seriam muito altos e os materiais tóxicos resultantes e os resíduos com baixo nível

de radioatividade (mas com vida longa) precisariam ser descartados com segurança

(JUNIOR, 2011. p. 343-344).

Nos Estados Unidos, há um projeto antigo de construção de um repositório para

armazenar rejeitos de alta radioatividade nas montanhas de Yucca, no Estado de Nevada, a

150 (cento e cinquenta) quilômetros de Las Vegas, com custos vultosos já orçados. Cientistas

e ambientalistas têm feito forte oposição, suscitando objeções como o risco de fragmentação

das rochas e inundação das águas, o que poderia causar uma grande explosão, bem como a

fragilização da segurança nacional. Enquanto o debate é travado, o projeto permanece

suspenso. No entanto, é fato notório que os Estados Unidos já enterram rejeitos radioativos no

subsolo, como ocorre no Waste Isolation Pilot Plant (WIPP), localizado no Estado do Novo

México, desde 1999, conforme noticia José Eli da Veiga (2011, p. 17).

O problema, como se vê, está longe de contar com uma solução definitiva. No Brasil,

por enquanto, os rejeitos de alta radioatividade estão sendo mantidos em piscinas refrigeradas

dentro do próprio complexo de Angra, à espera da construção de um depósito de longo prazo

especialmente projetado e construído para esse fim. Chama a atenção que o governo brasileiro

pretenda expandir sua planta nuclear, conforme será visto no tópico a seguir, sem que tenha

encontrado até agora uma solução definitiva para o problema do lixo atômico de alta

radioatividade.

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No que tange à sujeição das centrais a ataques terroristas, há os que afirmam que elas

estão preparadas para tanto, como Leonam dos Santos Guimarães e João Roberto Loureiro de

Mattos (2011, p. 66), bem como os que colocam tal convicção em dúvida, como José

Goldemberg e Oswaldo dos Santos Lucon, que afirmam que atualmente não seria preciso

lançar um avião contra as paredes de um reator nuclear, mas tão somente a atuação de outros

métodos por terroristas mais sofisticados, como a indução ao erro humano (2011, p. 113).

Quanto à disseminação de tecnologia para a construção de arsenais atômicos a partir

dos conhecimentos difundidos por meio das centrais nucleares, mais uma vez se coloca em

pauta o caráter dual desses saberes, que podem ser aplicados com igual aproveitamento para o

bem ou para o mal. Se é verdade que há controle e auditorias sobre os materiais nucleares

disponibilizados pelos fornecedores, não há como assegurar que não ocorram desvios.

Também aqui, o risco avulta como inarredável protagonista.

Confrontando todas essas características, a impressão que fica é a de que a opção pelo

uso da energia nuclear na matriz energética de um dado país deve levar em conta as

peculiaridades de seu território e a sua demanda interna em dado momento. A avaliação deve

focar-se, portanto, na variável geográfica e na temporal. Sendo absolutamente necessário para

o funcionamento da economia de determinada nação e não havendo naquele momento

nenhuma outra opção ambientalmente menos impactante, cara e arriscada, e somente nessa

hipótese, a escolha revelar-se-ia racional.

3.2.1.2 A expansão da planta nuclear brasileira

A crescente demanda de ampliação de oferta de energia, resultante de um somatório de

fatores entre os quais se notabilizam o crescimento demográfico e a expansão do parque

industrial, de um lado, e a falta de planejamento integrado, de outro, que pode ser retratada

pelas restrições ao consumo impostas em 2001 e 2002, acenderam o alerta acerca da

necessidade de se pensar a política energética nacional em longo prazo.

Nesse contexto, foi criada pela Lei nº 10.847, em 15 de março de 2004, a Empresa de

Pesquisa Energética – EPE –, vinculada ao Ministério das Minas e Energia – MME –, a fim

de conduzir estudos técnicos aprofundados para subsidiar as decisões governamentais,

destacando-se, entre seus documentos já produzidos, o já aludido PNE-2030, contendo

levantamentos e diretrizes de longo prazo, e os Planos Decenais de Energia – PDEs,

elaborados anualmente, contemplando análises e metas a serem alcançadas no horizonte

temporal de uma década.

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Além da Usina Nuclear Angra III, que deve ser concluída em 2015, consta nos

mencionados documentos que já estão sendo finalizados os estudos para a seleção de sítios

propícios à implantação de centrais nucleares nas regiões Sudeste/Centro-Oeste, Sul e

Nordeste. Fontes do próprio MME estimam um número de quatro a oito usinas nucleares em

funcionamento no parque nacional até o ano de 20309.

Coerente com tal planejamento, a Presidenta da República Dilma Rousseff sancionou,

em 24 de junho de 2011, a Lei nº 12.431, que, entre outros assuntos, institui o Regime

Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares (Renuclear), reafirmando

a sua intenção de incrementar a geração de energia nuclear no Brasil, na contramão da

chamada estratégia de saída adotada por vários países após o desastre de Fukushima, como

Bélgica, Espanha, Itália e Alemanha. De acordo com Joaquim Francisco de Carvalho:

Na Alemanha, país que detém a tecnologia das usinas de Angra II e Angra III, foram

desativadas sete usinas nucleares e o governo já cancelou os planos para a

implantação de novas usinas, decidindo, também, que as restantes serão desativadas

e descomissionadas até 2022. Atitudes semelhantes são constatadas na Bélgica, na

Espanha e na Itália.

Cedendo, entretanto, ao lobby da indústria nuclear, as autoridades brasileiras

afirmam que o plano de se instalarem outras centrais nucleares além das de Angra

dos Reis será integralmente mantido, no que são apoiadas por alguns jornalistas,

professores e economistas de valor em suas especialidades – porém leigos em

matéria de energia (CARVALHO, 2012, p. 305).

Questiona-se a legitimidade de tal opção política feita pelo governo brasileiro. Na

Itália e na Suécia, a política nuclear, pela sua extensão, natureza e gravidade, é submetida a

consulta popular, já que a democracia hodiernamente não se satisfaz apenas com as instâncias

deliberativas dos representantes eleitos e de corpos burocráticos fiéis aos comandos legais,

como bem ensina José Adércio Leite Sampaio (2003, p. 80).

Chama atenção, no caso brasileiro, que as escolhas atinentes à política energética não

passem pelo crivo da sociedade civil, sendo que os instrumentos de participação existentes,

como as consultas públicas feitas em relação aos planos decenais, não asseguram o exercício

de uma democracia substantiva, deixando desatendido o princípio da participação tão

encarecido pelos ambientalistas. Isso porque as referidas consultas públicas ocorrem com a

abertura de prazo pelo Ministério das Minas e Energia para o recebimento, por e-mail, de

sugestões de especialistas, acadêmicos e sociedade civil como um todo, algo muito tímido

9 Maria Helena Diniz afirma que há planos de usinas atômicas para as cidades de Peruíbe e Iguape (2010, p.

629), mas não foram encontrados dados oficiais confirmando a assertiva.

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46

para o trato de um assunto tão importante e ainda não discutido com a magnitude desejada.

Não por outro motivo é que Paulo de Bessa Antunes observa o seguinte:

Ocorre que, desafortunadamente, ainda não atingimos neste País uma estrutura

democrática que permita levar a questão nuclear a toda sociedade. A nossa realidade

é exatamente inversa, somente pequenos círculos discutem e decidem estas e outras

questões fundamentais da vida nacional. Veja-se que isto ocorre, não obstante a

existência de uma norma constitucional democratizadora (ANTUNES, 2009, p.

850).

De fato, decisões políticas dessa grandeza não podem ser tomadas no interior dos

gabinetes sem levar em conta os clamores e anseios sociais, mormente quando delas resulta a

assunção de riscos indesejados, como ocorre quando um governo decide ampliar sua planta

nuclear. A crítica do eminente ambientalista é deveras pertinente e remonta à Teoria

Discursiva do Direito de Jürgen Habermas, assim comentada pelo constitucionalista Álvaro

Ricardo de Souza Cruz:

Os direitos à liberdade de expressão e de participação sustentariam o espaço da

esfera pública de controlar a legitimidade jurídica por meio de foros permeáveis a

uma ampla discussão, na qual, certamente, a racionalidade dos argumentos seria

ponto fulcral. Tais ―foros‖ ou ―arenas‖ de discussão far-se-iam presentes tanto na

sociedade civil quanto no âmbito do aparato estatal, devendo estar

procedimentalmente instaladas para permitir um fluxo organizado de argumentos

(CRUZ, 2003, p. 466-467).

O cerne da crítica diz com a ausência de uma estrutura procedimental que somente

permitisse a transformação da realidade por meio do discurso democrático. Sem o consenso

social, as escolhas governamentais assumem a roupagem da arbitrariedade, mormente quando

implicam a assunção de riscos evitáveis. Com base nessas reflexões é que Denise

Hammerschmidt sustenta que ―A sociedade, por meio dos mecanismos da democracia

participativa, deve ter a possibilidade de assumir ou de excluir determinados riscos‖ (2011, p.

367).

Recente pesquisa contratada pela Global Win, por meio do IBOPE, concluiu que 54%

dos brasileiros são contrários ao uso de energia atômica para gerar eletricidade no país, dos

quais 7 (sete) em cada 10 (dez) são ―totalmente contra‖ e os demais, ―parcialmente contra‖.

(2011).

A conveniência ou não da manutenção e ampliação desse tipo de energia na matriz

brasileira é, deveras, alvo de intensas polêmicas.

Patrick Moore (2010), um dos fundadores do Greenpeace, é hoje um entusiasta da

energia nuclear, por considerá-la, ao lado da energia hidrelétrica, a tecnologia mais limpa

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existente para produzir eletricidade. Afirma que ―o Brasil tem a rara oportunidade de criar um

parque energético baseado nessas duas fontes‖.

Já para José Goldemberg (2011), no Brasil ―existe um amplo potencial hidrelétrico a

explorar, bem como a possibilidade de cogeração de eletricidade nas usinas de açúcar e

álcool‖, além do potencial eólico, o que contraindicaria a realização de investimentos na

expansão da planta nuclear.

O inglês James Lovelock (2010), pesquisador independente e ambientalista de

prestígio na comunidade internacional, a seu turno, defende a energia nuclear como a única

forma de conter eficazmente a emissão de gases causadores do efeito estufa, mas entende que

ela não é a melhor opção para o Brasil, que pode ampliar sua planta hidrelétrica.

Carecem de estudos mais aprofundados e, principalmente, isentos de interesses

ocultos, a viabilidade econômica, a segurança e a sustentabilidade da construção de novas

usinas nucleares no Brasil, tendo em conta as particularidades de seu território e todas as

outras opções existentes.

Os subsídios governamentais concedidos pelo ―Renuclear‖, ao sentir de alguns,

poderiam ser redirecionados para programas de eficiência energética ou para o incentivo e

promoção de energias renováveis como a eólica e a fotovoltaica, considerado o potencial

existente.

A energia nuclear, na visão de outros, sequer continuaria sendo rotulada de limpa e

sustentável, assecuratória do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado referido no

caput do art. 225 da Constituição da República de 1988, ao se considerar todo o ciclo do

combustível nuclear – mineração de urânio, transporte, enriquecimento, posterior

desmontagem da central e processamento e confinamento dos rejeitos radioativos.

Não são poucas as dúvidas em torno do tema. O cotejo geral entre vantagens e

desvantagens, pelo menos no caso brasileiro, aparenta demonstrar que a construção de novas

centrais nucleares não é aconselhável, principalmente pelo fato de existirem outras fontes à

disposição no vasto território nacional, mais limpas, mais econômicas e mais seguras. Não se

ignora que toda e qualquer fonte de energia possui impacto ambiental. Partindo dessa

premissa, a escolha, mesmo de fontes complementares, deve recair prioritariamente sobre a

que menor impacto causar entre todas as opções possíveis, conforme já se afirmou. Não

parece ser o caso da energia nuclear no Brasil no presente.

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3.2.2 Medicina

A medicina se utiliza largamente das possibilidades proporcionadas pelos

radioisótopos, tanto para diagnosticar enfermidades (medicina diagnóstica) como para tratá-

las (medicina terapêutica). O ramo da medicina que lida com a tecnologia em questão, tanto

no âmbito diagnóstico quanto terapêutico, é a medicina nuclear10

.

Para diagnosticar doenças, os radioisótopos são associados a substâncias químicas,

formando compostos chamados de radiofármacos. Colocados em contato com o tecido ou

órgão do corpo humano pesquisado, eles permitem a identificação de tumores ou mau

funcionamento das estruturas avaliadas, por meio de imagens. Existem diversas técnicas de

utilização dos radiofármacos com um viés diagnóstico, entre as quais se destaca a

cintilografia. Sobre ela, Cínthia Helena Claudino Silvestre et al, em artigo denominado ―A

energia nuclear e seus usos na sociedade‖, asseveram que:

A cintilografia utiliza a propriedade do radiofármaco de ter um comportamento

biológico que é idêntico ao de similares não radioativos, como é o exemplo da

concentração de iodo, radioativo ou não, na tireóide. Após o tempo necessário para a

fixação do composto no órgão a se pesquisar, imagens são produzidas em câmaras

de cintilação ou por outros aparelhos de detecção de radiação. A detecção gera uma

imagem, onde os pontos mais claros são aqueles que emitem maior radiação

(SILVESTRE et al, 2007).

Outras técnicas utilizadas na medicina diagnóstica e bastante comuns são os aparelhos

de raios-X, os de mamografia, os de radiografia dental panorâmica, os de angiografia digital,

os de tomografia computadorizada axial (CAT) e os de tomografia por emissão de pósitrons

(PET)11

.

Já no âmbito da medicina nuclear terapêutica, a radioterapia consiste na exposição das

células tumorais a radiações, causando a sua morte. Existem duas espécies de radioterapia: a

externa, que utiliza uma fonte de radiação com isótopos radioativos (Césio e Cobalto) ou

aceleradores lineares emitidos de fora do corpo do paciente, e a braquiterapia, que consiste no

10

De acordo com a Eletrobrás, o Brasil não é autossuficiente na produção dos radioisótopos para a medicina

nuclear - e importa US$ 32 milhões por ano em Molibdênio 99, a partir do qual se obtém o radiofármaco usado

nos exames. (2011, p.127).

11 Como o efeito das radiações recebidas durante esses exames no corpo humano é cumulativo, seria interessante

que houvesse uma carteira pessoal de exposição aos radiosótopos, tal como ocorre com os conhecidos cartões de

vacinação. A medida poderia ser útil ao profissional da área de saúde na medida em que evitaria pedidos de

exames dessa natureza a pessoas que já tivessem recebido doses consideradas significativas, a menos que na

hipótese ventilada não existisse outro meio menos gravoso disponível para o diagnóstico visado e ele fosse

absolutamente necessário.

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tratamento através da inserção de isótopos radioativos nos tecidos visados dentro do corpo do

indivíduo doente, onde então a radiação é administrada.

Em ambos os casos as doses ministradas são pré-calculadas para erradicar todas as

células tumorais com o menor dano possível às células sãs circunvizinhas, cujo papel na

regeneração da área irradiada é imprescindível. A radioterapia pode ainda ser associada a

outros métodos terapêuticos, como cirurgia e quimioterapia, para alcançar resultados mais

satisfatórios.

No extenso território brasileiro há inúmeras clínicas que utilizam equipamentos

radiológicos nas aplicações mencionadas. Até um passado recente, a fiscalização exercida, a

cargo da CNEN, era absolutamente deficiente. Com o acidente radioativo de Goiânia em

1987, também conhecido como o acidente do Césio-137, do qual se cuidará mais à frente,

percebeu-se que era necessária uma remodelagem dos meios de controle exercidos pelo Poder

Público sobre essas instalações, momento a partir do qual algumas mudanças passaram a ser

implementadas e o sistema foi aprimorado12

.

3.2.3 Agricultura

A fome é um dos mais graves problemas enfrentados pela humanidade nos dias atuais,

colocando-se no mesmo patamar de preocupação que o aquecimento global, talvez por

guardarem ambas as aflições em questão a característica inerente da letalidade.

De acordo com estatísticas da FAO - Food and Agriculture Organization of the United

Nations -, conhecida no Brasil como Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a

Agricultura -, citadas pelo CENA - Centro de Energia Nuclear na Agricultura – (2002),

aproximadamente 1 (um) bilhão de pessoas, a maioria residente em países em

desenvolvimento, sofrem de desnutrição crônica, enquanto outras milhares sofrem de má

nutrição, sazonal ou permanente. A desnutrição de energia protéica faz aproximadamente 13

(treze) milhões de vítimas fatais todos os anos.

No entanto, para sanar ou pelo menos mitigar tamanho cenário de desgraça, não basta

produzir alimentos em quantidade suficiente para todo esse contingente de famintos. É

necessário que haja meios adequados de conservação e distribuição, sem o que o problema

mundial só tende a se agravar ainda mais. A conservação de alimentos, com a correlata

12

De acordo com o geólogo José Mauro Esteves dos Santos, ―depois do acidente, a CNEN estabeleceu um

programa de duas inspeções por ano em instalações dessa natureza, além de intensificar programas de

treinamento no país‖. (SANTOS, 1997, p. 57).

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50

manutenção de suas condições naturais tem sido, assim, objeto de intensa pesquisa nos meios

científicos. Podem ser citadas algumas técnicas como a adição de solutos (sal ou açúcar)

visando a retenção de água, a defumação, a pasteurização, a esterilização, o congelamento, a

refrigeração, a desidratação, a fermentação e o uso de aditivos, e, mais recentemente, a

utilização de radiações ionizantes.

Segundo ensina Aquilino Senra Martinez, é cada vez mais corrente a utilização da

tecnologia atômica na agricultura e na conservação de alimentos, aos quais é direcionada uma

quantidade controlada de radiação gama que ―não altera suas propriedades, mas é suficiente

para destruir bactérias, fungos e outros microorganismos que causam doenças

gastrointestinais e enormes perdas na produção agrícola mundial‖ (2011, p. 28).

Ainda segundo o eminente engenheiro,

A quantidade de radiação gama utilizada nos alimentos não causa qualquer prejuízo

à saúde humana, mas ajuda a minimizar o sério problema da perda por

apodrecimento de quase um quarto da produção agrícola. Mais de 40 países

aprovaram o uso da radiação, com vistas a preservar quase 50 diferentes tipos de

alimentos. A irradiação não torna os alimentos radioativos, tampouco altera suas

características, como ocorre com o congelamento e o enlatamento (MARTINEZ,

2011, p. 28).

Na mesma linha, Emico Okuno assevera:

Na irradiação de alimentos, promove-se a eliminação de microorganismos,

aumentando o tempo de prateleira, pois também inibe-se o brotamento em batatas e

cebolas e a infestação de insetos em grãos e cereais. É importante frisar que a

radiação utilizada para essas finalidades não deixa radioativos os produtos irradiados

(OKUNO, 2011, p. 30).

Como se vê, trata-se de uma aplicação de grande utilidade para a humanidade, não só

por seu caráter pacífico, mas sobretudo pelo importante papel que desempenha na luta contra

a escassez mundial de alimentos.

3.2.4 Indústria

Em interessante material didático intitulado ―Apostila Educativa – Aplicações da

Energia Nuclear‖, produzido sob a coordenação de Eliezer de Moura Cardoso pela CNEN,

são assim sintetizados os usos da tecnologia nuclear na indústria:

A aplicação de radioisótopos mais conhecida na indústria é a radiografia de peças

metálicas ou gamagrafia industrial. Gamagrafia é a impressão de radiação gama em

um filme fotográfico.

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51

Os fabricantes de válvulas usam a gamagrafia, na área de Controle da Qualidade,

para verificar se há defeitos ou rachaduras no corpo das peças.

As empresas de aviação fazem inspeções frequentes nos aviões, para verificar se há

―fadiga‖ nas partes metálicas e soldas essenciais sujeitas a maior esforço (por

exemplo, nas asas e nas turbinas) usando a gamagrafia.

Para ter-se indicação de nível de um líquido em um tanque, coloca-se uma fonte

radiativa em um dos lados e, no lado oposto, um detector ligado a um dispositivo

(aparelho) de indicação ou de medição.

Quando o líquido alcança a altura da fonte, a maior parte da radiação emitida pela

fonte é absorvida por ele e deixa de chegar ao detector, significando que o líquido

atingiu aquele nível. O mesmo artifício serve para indicar um nível mínimo de

líquido desejado em um tanque. Nesse caso, a fonte e o detector devem ser

colocados na posição adequada e, quando o líquido atingir esse ponto, deixará de

absorver a radiação, que chegará ao detector com maior intensidade. Em geral,

acrescenta-se um sistema de alarme, para soar ao ser atingido esse nível. No caso de

indicação de nível máximo ocorrerá o contrário, isto é, a radiação chegará ao

detector com menor intensidade.

A Indústria Farmacêutica utiliza fontes radioativas de grande porte para esterilizar

seringas, luvas cirúrgicas, gaze e material farmacêutico descartável, em geral. Seria

praticamente impossível esterilizar, pelos métodos convencionais que necessitam de

altas temperaturas, tais materiais, que se deformariam ou se danificariam de tal

forma que não poderiam ser mais utilizados (CNEN, p. 12-13).

Aquilino Senra Martinez também discorre sobre as valiosas serventias que os saberes

nucleares proporcionam à indústria:

A maioria das indústrias utiliza radioisótopos em suas atividades. O processo de

irradiação de fios e cabos elétricos melhora suas propriedades térmicas, elétricas e

mecânicas. Radiações nucleares também são usadas no controle das espessuras de

tecidos e papéis e da qualidade das soldas em estruturas metálicas, na detecção de

vazamentos de líquidos poluentes em instalações industriais, bem como no processo

de esterilização de diversos tipos de produto, p. ex., seringas e materiais cirúrgicos

em geral (MARTINEZ, 2011, p. 28).

Vê-se, portanto, que, no cotidiano, utiliza-se a tecnologia nuclear um sem número de

vezes. Um vôo seguro em uma aeronave comercial depende, como visto, de manutenções

periódicas realizadas com o auxílio da gamagrafia. A assepsia de uma cirurgia comum

também é devedora da tecnologia nuclear, pois os materiais empregados no procedimento são

esterilizados com sucesso graças a ela. Enfim, a vida facilitada pelo progresso dos tempos

modernos apoia-se fortemente nos referidos saberes, cujas aplicações alcançaram hoje, sem

qualquer exagero, o status da mais absoluta imprescindibilidade.

3.3 Atores na área da tecnologia nuclear no Brasil e contornos jurídicos do setor

O uso da tecnologia nuclear para fins bélicos é vedado no Brasil, conforme se

depreende da leitura a contrario sensu do já mencionado art. 21, inciso XXIII, alínea ―a‖ da

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Constituição Federal de 1988, que dispõe que ―toda atividade nuclear em território nacional

somente será admitida para fins pacíficos‖.

Cumpre indagar então quem são os atores que lidam mais de perto com as suas

aplicações pacíficas, abrangendo os aspectos do fomento, controle, fiscalização e desempenho

propriamente dito das correlatas atividades.

A atribuição de fomentar e controlar as atividades nucleares no Brasil foi inicialmente

conferida ao CNPq – Conselho Nacional de Pesquisas pelo art. 5º da Lei nº 1.310/51. Ocorre

que, com a edição do Decreto nº 40.110/56, foi criada a CNEN, subtraindo-se do CNPq as

atribuições relativas à execução da Política de Energia Nuclear ditada pelo Presidente da

República. Com o advento da Lei nº 4.118/62, a CNEN passou a ter a natureza jurídica de

autarquia federal e a ser dotada de autonomia administrativa e financeira. Atualmente ela

encontra-se vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia e possui competência para atuar

na promoção dos usos da energia nuclear, concessão de autorizações e licenças de instalações

nucleares e radiativas, regulação das atividades nucleares e fiscalização dos demais agentes

atuantes no setor. Conta com as seguintes unidades de pesquisa: Centro de Desenvolvimento

da Tecnologia Nuclear – CDTN –; Centro Regional de Ciências Nucleares do Nordeste –

CRCN –; Instituto de Engenharia Nuclear – IEN –; Instituto de Radioproteção e Dosimetria –

IRD –; e Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN. O leque de atribuições da

CNEN encontra-se elencado no art. 2º da Lei n° 6.189/74, modificado pela Lei nº 7.781/89.

Há autores que enxergam, com razão, impropriedade na acumulação das funções de

incentivo ao uso da tecnologia nuclear e de fiscalização nas mãos da CNEN, já que tais

atribuições, pelo caráter mutuamente excludente que apresentam, devem se concentrar em

órgãos diversos, de acordo com o art. 8º, item 2, da Convenção de Segurança Nuclear13

, que

assim dispõe: ―Cada Parte Contratante tomará as medidas apropriadas para assegurar uma

efetiva separação entre as funções de órgão regulatório e aquelas de qualquer outro órgão ou

organização relacionado com a promoção da energia nuclear‖. Entre eles, perfilam-se Tarcísio

Passos Ribeiro Campos e Ana Célia Passos Pereira Campos (2007, p. 419) e Paulo Affonso

Leme Machado (2011, p. 963).

Este último critica ainda o fato de que a composição colegiada da CNEN, dotada de 5

(cinco) membros, não se submete à aprovação do Congresso Nacional e não permite a

participação de entidades científicas de envergadura e representatividade no Brasil e

13

O protocolo da Convenção de Segurança Nuclear foi promulgado no Brasil pelo Decreto nº 2.648, de 1º de

julho de 1998.

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tampouco a de associações ambientalistas que exercem um importante papel na fiscalização

da degradação ambiental (MACHADO, 2011, p. 964).

Expostas as críticas acerca do arranjo institucional da CNEN, cumpre assinalar que

algumas das atribuições que lhe foram destinadas em lei seriam desempenhadas por

sociedades anônimas subsidiárias criadas unicamente para tanto, das quais ela teria

participação de 51%.

Nesse contexto, foi autorizada a criação da Companhia Brasileira de Tecnologia

Nuclear – CBTN – pela Lei nº 5.740/71, posteriormente transformada nas Empresas

Nucleares Brasileiras Sociedade Anônima – NUCLEBRÁS - pela Lei nº 6.189/74, com a

função de atuar como agente executar da pesquisa e lavra das jazidas de minérios nucleares

localizados no território nacional e do comércio dos minérios nucleares e seus concentrados;

dos elementos nucleares e seus compostos; dos materiais físseis e férteis, dos radioisótopos

artificiais e substanciais e substâncias radioativas das três séries naturais; dos subprodutos

nucleares.

O art. 5° da Lei n° 5.740/71, com redação dada pelo art. 20 da Lei n° 6.189/74,

facultou à NUCLEBRÁS desempenhar suas funções, diretamente ou através de subsidiárias,

por convênio com órgãos públicos, por contratos com especialistas e empresas privadas, ou

associação com outras entidades, observada a Política Nacional de Energia Nuclear. Por meio

de tal permissivo é que foram criadas as sete empresas subsidiárias seguintes: NUCLEP –

NUCLEBRÁS Equipamentos Pesados S/A, NUCLAM – NUCLEBRÁS Auxiliar de

Mineração S/A, NUCLEN – NUCLEBRÁS Engenharia S/A, NUCLEI – NUCLEBRÁS de

Enriquecimento Isotópico S/A, NUCON – NUCLEBRÁS Construtora de Centrais Nucleares

S/A, NUCLEMON – NUCLEBRÁS de Monazita e Associados Ltda., e NUSTEP.

A NUCLEBRÁS passou a se denominar INB – Indústrias Nucleares do Brasil em

1988, por força do Decreto-lei nº 2.464/1988, ao passo que as subsidiárias, à exceção da

NUCLEN e da NUCLEP, foram extintas. As ações da NUCLEN foram transferidas para a

ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras em 1989. Em 1997, a NUCLEN passou a se

chamar ELETRONUCLEAR – Eletrobrás Termonuclear S/A.

Atualmente, a ELETRONUCLEAR tem como objeto social ―a construção e operação

de usinas nucleares, a geração, transmissão e comercialização de energia elétrica delas

decorrente‖, sendo a responsável, portanto, pelas usinas nucleares de Angra I, II e III.

Continuam a existir, outrossim, as INB, sucessoras da NUCLEBRÁS que têm como

missão institucional exercer, em nome da União, o monopólio do urânio no País,

desenvolvendo as atividades relacionadas ao ciclo do combustível nuclear, que contemplam

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mineração do urânio, beneficiamento primário, produção e montagem dos elementos

combustíveis utilizados nos reatores das usinas nucleares.

Também continua ativa a NUCLEP, a quem incumbe projetar, desenvolver, fabricar e

comercializar componentes pesados relativos a usinas nucleares, bem como equipamentos

relacionados à construção naval e offshore, além de outros projetos.

Por fim, cumpre destacar que se consideram ainda atores que lidam com a tecnologia

nuclear todas as instalações radioativas, a exemplo de clínicas médicas, hospitais, centros de

pesquisa e outros. São unidades situadas fora do ciclo do combustível nuclear que também

utilizam fontes de radiação e que, como tais, também devem ser controladas e fiscalizadas.

Feito esse breve inventário acerca dos atores do universo atômico no Brasil, cumpre

tecer algumas notas acerca do contorno jurídico dado a essas atividades.

O art. 177, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

dispõe que constitui monopólio da União a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o

reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus

derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização

poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas ―b‖ e ―c‖ do inciso

XXIII do caput de seu art. 21.

A redação do dispositivo a que a norma faz remissão é a seguinte:

Art. 21. Compete à União:

[...]

XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer

monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a

industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os

seguintes princípios e condições:

[...]

b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de

radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; (Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e

utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; (Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

[...] (BRASIL, 1988).

Da redação ora transcrita pode-se concluir que somente existe monopólio estatal sobre

a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de

minérios nucleares e seus derivados, excepcionadas a comercialização e a utilização de

radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais e a produção,

comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas, que

podem ser exercidos por particulares sob regime de permissão. Percebe-se, portanto, que não

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se insere no monopólio da União a operação de usinas termonucleares. Nesse sentido são as

lúcidas observações de Cláudia Nóbrega de Andrade Amorim:

Em relação às instalações nucleares, nem todas as atividades nelas desenvolvidas

estão incluídas no regime monopolístico estatal, como por exemplo, a operação de

usinas nucleoelétricas. É que a atividade desenvolvida nestas usinas – geração de

energia elétrica – não se enquadra no rol de atividades monopolizadas pelo Estado,

no setor nuclear, isto é, ―a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a

industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados‖.

Embora a usina nuclear seja uma instalação na qual há a utilização de material

nuclear, trata-se de uma usina termelétrica, assim como a usina a carvão, que se

distingue das demais pela utilização de combustível nuclear. Entretanto, a

Constituição não relegou ao monopólio a simples utilização do material nuclear, não

se podendo interpretar, ampliativamente, o texto constitucional para incluir situações

não previstas pelo Constituinte.

Nesse sentido, a Lei n° 6.189/74, em seu art. 10, com redação conferida pela Lei n°

7.781/89, determina que a atividade de operação de usinas nucleares será executada

em regime de autorização, sujeita à fiscalização da Comissão Nacional de Energia

Nuclear – CNEN e do extinto Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica –

DNAEE, hoje substituído pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (AMORIM, 2010, p. 10).

Trata-se, pois, de atividade econômica em sentido estrito que poderá ser

desempenhada livremente por empresas concessionárias de energia elétrica em regime de

concorrência, desde que devidamente licenciadas para tanto. Se é certo que, atualmente,

somente a ELETRONUCLEAR opera usinas nucleares no Brasil, nada impede que as novas

usinas contempladas no plano de expansão da planta nuclear brasileira sejam operadas por

empresas diversas, inclusive privadas, desde que haja autorização do Congresso Nacional e

que localização das centrais seja definida por lei federal, como exigido nos arts. 21, inciso

XXIII, alínea ―a‖ e art. 225, § 6°, ambos da Constituição Federal de 1988.

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4 GRANDES ACIDENTES NUCLEARES E RADIOATIVOS NO CURSO DA

HISTÓRIA

Um dos conceitos de acidente estampados no Dicionário Aurélio é ―acontecimento

infeliz, casual ou não, de que resulta ferimento, dano, etc.; desastre‖ (2006, p. 89). Nesse

sentido, possui aplicação geral, podendo, entretanto, ser adjetivado para se referir a situações

específicas, como ocorre, por exemplo, nas expressões ―acidente aéreo‖, ―acidente

automobilístico‖, ―acidente ferroviário‖, ―acidente doméstico‖, ―acidente industrial‖,

―acidente nuclear‖ e ―acidente radioativo‖.

O acidente nuclear, como foi visto, é o fato ou sucessão de fatos da mesma origem,

que cause dano nuclear, nos termos do art. 1º, inciso VII, da Lei nº 6.453/77, ao passo que o

acidente radioativo, à míngua de uma norma que o conceitue, pode ser entendido como o fato

ou sucessão de fatos da mesma origem, que cause dano radioativo.

Para recapitular, o conceito de dano nuclear, de seu turno, também é normativo,

encontrando morada no art. 1º, inciso VII, da Lei nº 6.453/77.

Já o conceito de dano radioativo se obtém por exclusão: se os danos decorrentes das

atividades que se utilizam da tecnologia nuclear não foram nucleares, obrigatoriamente serão

danos radioativos, consoante importante diferenciação exposta anteriormente que preparou o

terreno para que, neste momento, se exemplifique com casos concretos a ocorrência de uns e

outros.

Os danos decorrentes de acidentes nucleares e radioativos têm por características o

caráter difuso e a dificuldade de valoração, já que é praticamente impossível se aferir até

quando e até onde se estendem as sequelas do estrago.

É importante que se tenha em mente que existe uma enorme variação na escala de

magnitude dos acidentes nucleares ou radioativos, bem como que, quanto maior for a

intensidade da ocorrência, tanto maior será a sua repercussão. Isso não torna, absolutamente,

os acidentes de pequena monta, não raro abafados pelas autoridades, menos acidentes do que

as grandes catástrofes: a diferença aqui é apenas de grau. Nessa esteira de ideias, muitos

ignoram que Angra I, por exemplo, já foi alvo de pequenos acidentes nucleares14

.

14

Particularmente em relação à usina de Angra I, já ocorreram problemas em seus pouco mais de 30 (trinta) anos

de funcionamento, sem que a sociedade civil tenha se inteirado deles. Cumpre trazer à baila algumas dessas

intercorrências, pela voz de Helita Barreira Custódio (2004, p. 95): ―Partindo da Usina Nuclear de Angra I, para

fins energéticos, gravíssimas são as advertências, notadamente de cientistas, técnicos, especialistas, jornalistas da

área nuclear, segundo as quais ‗a situação da Usina Nuclear de Angra I é muito mais séria do que se supunha‘,

porque, além da ‗quebra do gerador elétrico principal‘, se afirma que ‗a usina sofreu vários vazamentos, até

mesmo com perda de água radioativa, e terá de substituir os equipamentos dos geradores de vapor muito antes do

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Sempre que um evento dessa natureza ocorre, questiona-se a eficiência dos

instrumentos de governança existentes e provoca-se algum efeito prático visível: seja o

aprimoramento dos equipamentos do momento, a reorganização dos órgãos estatais

incumbidos do controle e fiscalização, a revisão nos planos de expansão ou mesmo a

desistência de implementação de novos empreendimentos tão impregnados do fator risco.

Também a eficiência dos planos de emergência (emissão de avisos a outros países, evacuação

das pessoas das áreas de risco etc.) é colocada a prova nessas situações, dando ensejo a

aperfeiçoamentos caso se constate que eles não funcionaram a contento.

Em que pese o fato de já terem ocorrido muitos acidentes nucleares, constatação que

se faz lançando-se os olhos sobre o passado, a probabilidade da ocorrência de eventos dessa

natureza ainda é tratada como muito pequena pela literatura especializada. Nesse sentido,

Roger A. Hinrichs et al afirmam:

A técnica para se prever a probabilidade de ocorrência e as consequências de um

acidente é chamada de ―avaliação probabilística do risco‖. Ela é utilizada para

fornecer uma visão de quais fatores são significativos para a segurança de um reator

e quais não são. Para que um reator sofra um acidente grave, muitos elementos

essenciais de seu sistema de segurança teriam de falhar simultaneamente. Podemos

calcular a probabilidade de tal falha simultânea de muitos componentes (se cada

falha for independente de todas as outras) por meio da estimativa da probabilidade

de falha de um dos componentes multiplicada pela estimativa de probabilidade de

falha de outro componente, e assim por diante. Esse produto de muitas

probabilidades pode levar a um número muito pequeno (HINRICHS et al , 2010, p.

556).

No entanto, não é esse o testemunho dado pela história. A seguir, serão referenciados

os maiores acidentes nucleares, bem como o mais significativo acidente radioativo, já

ocorridos até os dias de hoje, procurando-se elencar as suas principais consequências diretas

para o meio ambiente e para as populações diretamente atingidas. No entanto, muitos outros

acidentes não mencionados neste capítulo também já ocorreram na curta, porém pródiga, era

nuclear, evidenciando, com Ulrich Beck, que ―Não é a falha que produz a catástrofe, mas os

sistemas que transformam a humanidade do erro em inconcebíveis forças destrutivas‖ (2011,

p. 08).

4.1 Three Mile Island

O acidente nuclear de Three Mile Island é tido como o primeiro grande desastre dessa

natureza ocorrido na história, notabilizando-se por mostrar ao mundo que a segurança das

término do prazo de vida útil especificado no contrato com a Westignhouse‘. [...] Revela-se agora que parte do

equipamento de Angra I é sucata de uma usina desativada em Porto Rico‖.

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instalações não era tão primorosa como se imaginava até então. Embora outros acidentes de

maior gravidade lhe tenham sucedido, foi o mais expressivo acidente na história da indústria

de geração comercial de energia termonuclear norteamericana.

Na madrugada do dia 28 de março de 1979, ocorreu um vazamento em uma válvula do

sistema de resfriamento do reator nº 2 (dois) da Central Nuclear de Three Mile Island, situada

no condado de Dauphin, perto de Harrisburg, no Estado da Pensilvânia, EUA. A partir daí

uma sucessão de acontecimentos se desenrolou, felizmente sem o registro imediato de vítimas

fatais. Roger A. Hinrichs et al detalham tecnicamente os motivos do desastre:

O incidente começou às quatro horas da manhã (com o reator operando em

capacidade total), quando uma bomba de água de alimentação parou de funcionar.

De acordo com o procedimento, uma bomba auxiliar foi ativada e o reator foi

abafado. Porém, a pressão no reator começou a subir porque a remoção de calor nos

geradores não tinha a taxa adequada. Para compensar esta situação, uma válvula de

escape no vaso do reator foi ativada para liberar um pouco de vapor. Entretanto, essa

válvula deixou de fechar quando a pressão retornou ao normal. Além disso, no

circuito secundário não havia água de alimentação chegando ao sistema porque uma

válvula localizada entre a bomba auxiliar e o gerador estava acidentalmente fechada,

e a luz de aviso na sala de controle estava escondida por uma etiqueta. O circuito de

refrigeração primário do reator continuou a expelir água e vapor radioativos através

da válvula de escape para o interior do edifício de confinamento. O ECCS –

Emergency Core Cooling System, ou sistema de refrigeração de emergência do

núcleo, foi ativado, mas foi parcialmente fechado pelo operador. Ele só foi

totalmente aberto oito minutos mais tarde. A água radioativa do reator continuou a

ser despejada no edifício e foi automaticamente bombeada para um edifício auxiliar.

O calor do decaimento dos elementos combustíveis continuou a evaporar a água no

vaso do reator, levando a danos significativos no núcleo – uma fusão do núcleo do

reator. Depois de aproximadamente duas horas, a válvula de escape foi finalmente

fechada, mas uma fração significativa do núcleo ficou descoberta. A alta

temperatura atingida pelo núcleo antes que o ECCS fosse ativado causou danos nos

elementos combustíveis, que liberaram fragmentos de fissão no interior do vaso e do

edifício do reator. Nessas elevadas temperaturas, o vapor reagiu com o revestimento

de Zircaloy dos elementos combustíveis para formar gás hidrogênio, o que levou à

formação de uma bolha de hidrogênio no topo do vaso reator. A bolha permaneceu

ali por vários dias, causando uma considerável preocupação dos especialistas

nucleares, que temiam que uma explosão do hidrogênio pudesse ocorrer, rompendo

o vaso (em retrospecto, hoje sabe-se que este perigo não era tão grande quanto se

imaginou). Com certeza, houve uma fusão parcial do núcleo, mas os sistemas de

segurança aparentemente funcionaram. Um pouco de gás radioativo foi liberado na

atmosfera nos primeiros dias; uma morte adicional por câncer na população em geral

é esperada em razão do aumento na dosagem da radiação – estimada em 2 mrem por

pessoa. A causa direta do acidente foi determinada como erro do operador. Como

consequência do acidente em TMI, muitas modificações foram feitas nos

procedimentos e nos treinamentos de operações na indústria nuclear (HINRICHS et

al, 2010, p. 549-550).

Já Roger W. Findley não atribui o acidente em questão exclusivamente a uma falha

humana, afirmando que a sua deflagração deveu-se, na verdade, a problemas mecânicos:

[...] ele começou em decorrência de mau funcionamento mecânico, mas agravou-se

pelos erros humanos na resposta ao problema. Embora tal acidente tenha sido o mais

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sério até agora nos Estados Unidos, a quantidade de radiação liberada foi deveras

inferior a um por cento daquela expelida por Chernobyl (FINDLEY, 1987, p. 31).

Guilherme José Purvim de Figueiredo traz uma informação interessante sobre a má

gestão da crise: ―Somente depois de dois dias do acidente é que as autoridades locais

aconselharam a população local à evacuação da área‖ (2011, p. 413).

Houve ainda diversidade de enfrentamento do problema pelo governo estadual, que

desde o começo afirmava que a situação era grave e que as mulheres grávidas e crianças

deveriam abandonar as redondezas da usina, e pelo governo federal, que, em um primeiro

momento, relutou em reconhecer a situação de emergência e afirmou que tudo estava sob

controle.

A postura adotada, no sentido de acobertar ou minimizar riscos de contaminação a que

os moradores do entorno da usina estavam sujeitos, típica em situações congêneres, bem

como as contradições verificadas nos discursos de autoridades governamentais, acabaram por

ocasionar o derretimento da credibilidade das autoridades responsáveis e disseminar o

medo15

.

De acordo com Paulo de Bessa Antunes, as consequências do desastre foram as

seguintes:

O acidente obrigou a evacuação de 3.170 famílias da região e acarretou a perda do

emprego de 636 pessoas. Foi paga uma indenização de 33 milhões de dólares

àqueles que foram prejudicados pelo vazamento. Na ocasião do vazamento, não se

registraram vítimas fatais (ANTUNES, 2009, p. 874).

Se, por um lado, não houve vítimas fatais no lamentável incidente, o que é motivo de

comemoração, por outro, ocorreram grandes perdas financeiras. Não apenas os trabalhadores

da usina e os moradores do entorno foram prejudicados, como também os investidores que

apostaram naquele empreendimento, duvidando da remotíssima possibilidade de acidentes,

experimentaram perdas significativas, conforme aduz G. Tyler Miller Jr. (2011, p. 341): ―Em

Three Mile Island, os investidores perderam mais de US$ 1 bilhão em uma hora em

equipamentos danificados e reparos; felizmente, não houve perda de vidas humanas‖.

Carlos Feu Alvim et al (2007, p. 210-211) colocam em evidência um legado positivo

que o acidente de Three Mile Island deixou: o aperfeiçoamento dos reatores do tipo PWR, dos

15

Quando o Estado resolve manipular informações e somente dar publicidade aos fatos que lhe convenham em

uma situação de emergência como um acidente nuclear, atua como um Estado fantoche, um Estado faz-de-conta,

na contramão de um de seus mais importantes objetivos, que é justamente proteger os seus administrados,

zelando por suas vidas e integridade física.

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quais já se falou em momento anterior. Segundo eles, não há registros de acidentes que

tenham causado danos ambientais significativos com reatores PWR, sendo o de Three Mile

Island o mais grave deles, mas, mesmo assim, o incidente levou a indústria nuclear a fazer

consideráveis modificações que foram incorporadas na geração seguinte de reatores.

4.2 Chernobyl

Na madrugada de 26 de abril de 1986, ocorreu o pior acidente nuclear da história da

humanidade. O que era para ser um mero teste no sistema de alimentação automática de

combustível dos reatores com o objetivo economizar energia da Central Nuclear Vladimir

Ilich Lenin, situada em Pripyat, nordeste da Ucrânia – então pertencente à União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) – acabou saindo do controle e se transformando em

uma grande tragédia. Uma sequência de explosões em um dos reatores (o de número quatro)

foi capaz de destruir a barreira de contenção de 1.200 (mil e duzentas) toneladas que o

recobria, permitindo, assim, o vazamento de uma enorme nuvem de elementos radioativos que

se espalhou rapidamente na atmosfera. Um fluxo fortíssimo de urânio e grafite, em meio a

uma chuva de fogo de múltiplas cores, dissipou-se no ar, contaminando uma extensa área da

Rússia, de Belarus e da própria Ucrânia.

Poucos dias depois, a radiação foi identificada nos céus da Suécia, perto de uma usina

nuclear. Passados mais alguns dias, vários outros pontos da Europa também foram atingidos.

Nuvens e chuvas tóxicas se espalharam velozmente sobre o sul da Alemanha, norte da Itália,

sul da França, Grã-Bretanha, Grécia, contaminando florestas, pastos e plantações e

generalizando o medo entre os europeus. A descrição feita por G. Tyler Miller Jr. dá uma boa

noção da dimensão da exposição a que se submeteram os moradores daquela região nos dias

seguintes:

Durante dez dias, nuvens de material radioativo se dispersaram na atmosfera. O

ambiente e as pessoas nos arredores foram expostos a níveis de radiação cem vezes

maiores que os causados pelas bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima, Japão,

no final da Segunda Guerra Mundial.

Segundo vários estudos da ONU, o desastre, causado por um projeto mal feito do

reator e por falha humana, teve consequências devastadores. Pelo menos 31 pessoas

nas imediações do acidente morreram de imediato. Mais de meio milhão de pessoas

foram expostas a níveis tão perigosos de radioatividade, que poderiam causar a

morte prematura de 8 mil a 15 mil pessoas.

Mais de 100 mil pessoas tiveram de deixar suas residências. A maioria não tinha

sido evacuada até dez dias após o acidente (JUNIOR, 2011, p. 341).

Percebe-se que as autoridades esconderam a gravidade da situação da população local

em um primeiro momento para evitar pânico, postura comum nesse tipo de ocorrência. A

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demora para assumir o problema somente aumentou o seu tempo de exposição aos gases

radioativos que se alastravam na atmosfera, em mais um lamentável episódio de mau

gerenciamento da crise. Quando, finalmente, os habitantes de cidades num raio de 30 (trinta)

quilômetros da usina foram declarados refugiados atômicos e compelidos a abandonarem seus

lares às pressas, muitos já haviam sido irremediavelmente molestados em sua integridade

física.

Milhares de pessoas foram arrancadas abruptamente de sua terra natal por causa do

inimigo invisível que foi a radioatividade emanada do reator em pane de Pripyat, deixando

uma vasta região dizimada, verdadeiras cidades fantasmas. Havia ainda o considerável risco

de uma segunda explosão, ainda mais devastadora que a primeira, a reforçar a necessidade do

completo abandono da região, em caráter de urgência.

A segunda catástrofe somente foi evitada devido a uma intensa mobilização

conclamada pelo então presidente Mikhael Gorbachev, que contou com o apoio de cerca de

100.000 (cem mil) militares e 400.000 (quatrocentos mil) civis. A comunhão de esforços foi

fundamental para o sucesso da operação. O lixo tóxico foi enfim neutralizado e o reator

isolado por um sarcófago de aço, não sem o sacrifício de outro grande número de vidas. A

maioria dos sobreviventes, um batalhão de heróis que se arriscaram em prol do bem coletivo,

está incapacitada para o trabalho e ainda hoje se trata em hospitais especializados em

contaminação radioativa, vivendo de pensões modestas pagas pelo governo.

O relato feito pelo jornalista Marcelo Monteiro, em matéria publicada na revista

―Ecologia e Desenvolvimento‖, 10 (dez) anos após o trágico acidente, merece transcrição

parcial pela abordagem numérica que contempla acerca das consequências nefastas

experimentadas pela população local:

O dia do acidente alterou definitivamente a vida de milhares de pessoas, que tiveram

que abandonar, de uma hora para outra, locais onde suas famílias residiram, em

muitos casos, por gerações, deixando para trás os pertences e as regiões onde tinham

suas raízes. O total de evacuados foi de 326 mil, segundo a Conferência de Viena.

Um grupo de duas mil pessoas, na maioria idosas, voltou para a área ―proibida‖ –

num raio de 30 km em torno da usina -, convivendo hoje com altos índices de

radiação sob a ―vista grossa‖ das autoridades ucranianas (MONTEIRO, 1996, p. 07).

Já de acordo com Roger A. Hinrichs et al (200, p. 553), ―aproximadamente 160 mil

pessoas foram evacuadas da área vizinha em um raio de 30 km‖.

Percebe-se que há algumas divergências gritantes em relação ao número de pessoas

evacuadas – o primeiro autor citado menciona 100 (cem) mil, ao passo que o segundo fala em

326 (trezentos e vinte e seis) mil e os últimos em 160 (cento e sessenta) mil.

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Infelizmente a manipulação da contabilidade de vítimas e prejuízos financeiros e à

saúde é recorrente nesse tipo de acidente, tanto para mais por parte dos opositores mais

ferrenhos à utilização da energia nuclear, quanto para menos por aqueles que a defendem com

unhas e dentes. Tal postura desleal acaba por prejudicar o verdadeiro dimensionamento das

consequências do evento, bastante útil para a indústria nuclear como um todo e ainda mais

para os pools securitários respectivos.

No caso de Chernobyl, houve grande manipulação dos números pelo governo russo, já

que quanto maiores fossem os números oficiais, maior o encargo que deveria ser suportado no

pagamento de pensões e tratamentos médicos às vítimas do infortúnio, onerando pesadamente

os cofres públicos. A opção então foi simplesmente contabilizar os casos mais graves,

impossíveis de serem negados, e simplesmente ignorar aqueles de menor reverberação,

atribuindo-os a causas outras que não a contaminação radioativa.

Não se pode deixar de mencionar também alguns efeitos econômicos do acidente. De

acordo com Roger A. Hinrichs et al:

Durante meses após o acidente, produtos contaminados e laticínios da Europa

Ocidental e Oriental foram banidos do mercado. Mesmo as vacas que eram mantidas

em ambientes fechados, longe dos pastos contaminados, inalaram material

radioativo suficiente para contaminar seu leite. Aproximadamente 30.000 m² de área

agrícola foram contaminados. Há ainda uma preocupação com o suprimento de água

para milhões de pessoas, em virtude da presença de pequenos sítios onde resíduos

radioativos de alto teor foram simplesmente descartados (HINRICHS et al, 2010, p.

553).

O que não é controverso no desastre em exame é que ele teve grandes proporções e

demonstrou ao mundo que as chances de ocorrência de acidentes dessa natureza não são tão

desprezíveis como se costumava ecoar em alguns fóruns de discussão até então, a despeito de

Three Mile Island.

Sabe-se que, hoje, centenas de crianças sofrem com os efeitos da radiação de

Chernobyl, tais como: cabeças desproporcionalmente agigantadas em relação ao tronco e

membros, desproporção entre membros superiores e inferiores, ausência de membros,

ausência ou excesso de dedos, entre outras deformidades que são capazes de chocar o mais

duro dos corações, para não dizer do preconceito silencioso de que são vítimas no meio social

por conta da aparência anômala que ostentam.

Há que se ressaltar também que algumas consequências dessa tragédia, notadamente

efeitos genéticos tais como as aberrações cromossômicas e mutações gênicas descritas, sequer

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se manifestaram ainda, encontrando-se em um estado de latência, como bem observa Paulo

Fernandes Silva:

Basta termos em conta que ainda nem sequer nasceram todos os seres humanos

afectados por Chernobyl, para surpreendermos a incapacidade operativa, ante tais

dimensões de incerteza, do alcance, limites (tanto temporais como espaciais:

quando, como e onde acaba um acidente deste tipo?) e mesmo da utilidade de um

conceito como o de acidente, bem como da falácia dos princípios industriais de

cálculo de riscos e de compensação de perdas e danos (SILVA, 2001, p. 58).

Não se sabe ao certo por quantas dezenas ou centenas de anos os efeitos nefastos de

Chernobyl ainda vão perdurar nas gerações futuras. A ciência não pode dar essa resposta

ainda; somente o tempo dirá. Tais constatações dizem diretamente com o problema da

responsabilidade civil, que tradicionalmente se mostra avessa à indenizabilidade de danos

futuros. Despertam reflexões sobre o aparato jurídico de resposta contra um inimigo invisível

que age arbitrariamente no curso do tempo e que por muitas vezes tarda a se revelar,

colocando em pauta, por exemplo, temas como a imprescritibilidade das correlatas ações

reparatórias, remediadora de potencias situações de injustiça.

4.3 Fukushima

Foi justamente no Japão, país já bastante castigado no passado com as bombas

atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, que ocorreu o mais recente acidente nuclear

de grandes proporções no mundo. Em março de 2011, quase sete décadas após os trágicos

episódios que culminaram com o fim da 2ª Guerra Mundial, os 200 (duzentos) mil moradores

do entorno da Central Nuclear de Fukushima I, localizada na cidade de Sendai, ilha de

Honshu, se viram em apuros. A sucessão dos acontecimentos ali ocorridos foi assim descrita

por Luís Paulo Sirvinskas:

No dia 11 de março de 2011, um grande terremoto de magnitude 8,9 na escala

Richter, seguido por um tsunami, abalou várias cidades do Japão e causou explosões

nos reatores da usina nuclear, denominada Fukushima 1 (com seis reatores),

localizada na cidade de Sendai, capital da província de Miyagi, expondo suas

radiações a inúmeros cidadãos. Após as explosões, ocorreram danos nos núcleos dos

reatores 1, 2, 3 e 4. Os reatores 4, 5 e 6 estavam desligados por ocasião do

terremoto. Já o reator 3 funciona com combustível denominado MOX (uma mistura

de óxido de urânio e plutônio) que é muito mais radioativo do que o urânio. Essa

fissão produz outras substâncias químicas, tais como o césio-137, iodo-131 etc.

Há suspeitas ainda de rachaduras na estrutura de contenção dos reatores 2 e 3. As

radiações perto da usina chegaram a 8,2 sieverts (medida de intensidade radioativa)

e correspondem ao triplo a que alguém pode se exposto por ano. O terremoto cortou

a energia da usina, interrompendo o sistema que esfria os reatores. O sistema de

emergência começou a operar, mas foi danificado. Houve superaquecimento dos

reatores, o que provocou as explosões. Especialistas dizem que ocorreu falha no

sistema de resfriamento e o receio é de que haja derretimento parcial do combustível

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nos reatores atingidos, ocasionando novas explosões e o vazamento das radiações

em maior quantidade. O terremoto pode ter abalado o eixo dos geradores e deu

início ao incêndio. Por isso, foi necessário fazer um resfriamento forçado dos

geradores (SIRVINKAS, 2012, p. 347-348).

Os danos ambientais decorrentes desse evento foram rapidamente sentidos: além das

densas nuvens tóxicas de gases radioativos lançadas na atmosfera, as águas marítimas do

entorno da usina ficaram contaminadas, assim como as algas, cardumes e demais espécies

integrantes da fauna marinha, colocando sob risco todos aqueles que dependiam desses

recursos para sobreviverem.

Com efeito, vários itens que compõem a alimentação do japonês, como peixes, arroz,

javalis e vacas receberam consideráveis doses de radioatividade e por isso tornaram-se

impróprios para o consumo humano, caracterizando danos ambientais de grandes proporções.

Pescadores, agricultores e pecuaristas se viram em situação de ruína da noite para o

dia, já que as atividades a que se dedicavam foram diretamente afetadas pela contaminação

radioativa. Como não poderia deixar de ser, seus produtos passaram a ser boicotados no

mercado internacional, a exemplo da restrição de importação de gêneros alimentícios

japoneses imposta em Cingapura, e no próprio mercado interno, o que levou muitos deles a

abandonarem seus empreendimentos. Também os japoneses, estigmatizados pelo evento

catastrófico, passaram a ser submetidos a testes de níveis de radiação em países da Ásia antes

de serem admitidos em seus territórios.

A situação se torna ainda mais aguda quando se tem em mira que os impactos

referidos não se restringiram ao espaço geográfico em que o infortúnio ocorreu. Também de

acordo com Luís Paulo Sirvinskas,

O governo dos Estados Unidos detectou, no dia 18 de março de 2011, a presença de

‗minúsculas‘ quantidades de radiação na cidade de Sacramento, na Califórnia. Esta

cidade fica a mais de 8.000 quilômetros de Fukushima. Apesar de as radiações não

serem nocivas, dá pra imaginar o alcance de suas eventuais consequências

(SIRVINKAS, 2012, p. 349).

A problemática que desponta desses dados diz com o caráter transfronteiriço de

determinados danos, cujo tratamento jurídico se dá no âmbito do Direito Ambiental

Internacional. São deveras intrigantes os mecanismos de composição de conflitos dessa

natureza, em geral remetidos a tratados e convenções que vinculam os Estados signatários.

Deles não se cuidará neste trabalho para que não sejam ultrapassados os estritos limites a que

se propôs a pesquisa, voltada apenas para a análise do direito brasileiro, conforme se enuncia

no título. Não se poderia, no entanto, deixar de fazer uma breve alusão a eles, já que se trata

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de um tema sempre atual, cada vez mais presente numa sociedade que vive premida pelos

mais diversos riscos advindos do progresso científico-tecnológico experimentado diariamente.

O maior legado do acidente nuclear de Fukushima, vale ponderar, foi renovar um

intenso debate sobre a conveniência da manutenção e da expansão das plantas nucleares nos

países que as têm como fonte componente de suas matrizes energéticas, instando-os a

reavaliarem o seu custo-benefício.

Na Alemanha, país com forte tradição nuclear e crescente oposição interna a tal fonte

de energia, a catástrofe não demorou a repercutir. De acordo com o jornalista Fred Leal,

A chanceler do país europeu, Angela Merkel, anunciou na segunda-feira 14 – depois

de uma série de manifestações populares – uma moratória nas políticas pró-

nucleares no país, efetivamente impondo revisões de segurança nas usinas alemãs.

Um dia depois, Angela paralisou o funcionamento de sete delas, provocando reações

indignadas dentro de seu próprio partido, que tem viés conservador.

É o primeiro sinal de que o acidente no Japão deve gerar uma queda significativa no

uso de uma tecnologia que sempre assombrou o mundo por conta de seu potencial e

das catástrofes ligadas a ela (LEAL, 2011, p. 74-75).

Já na Itália, houve suspensão dos planos para a construção de novas fábricas, da

mesma forma que na Espanha e Bélgica, como já se disse, postura que está sendo vista como

uma estratégia de saída ou abandono gradual dessa polêmica fonte de energia, ao passo que a

Grã-Bretanha e a França pretendem manter suas plantas inalteradas.

No Brasil, muito embora a dotação de recursos energéticos disponíveis permita

também a adoção de uma estratégia de saída, aproveitando-se os potenciais hidráulicos

remanescentes, os ventos abundantes, a ampla oferta de biomassa, mormente de bagaço de

cana, e até mesmo a opção da geração fotovoltaica, conectada à rede de distribuição, não

houve qualquer revisão no já mencionado plano de expansão da planta nuclear. Como já se

disse alhures, a insistência no incremento quantitativo dessa perigosa fonte ressente-se de

respaldo popular, razão pela qual não se legitima como uma opção feita pelos brasileiros. Os

rumos da política energética brasileira, historicamente, têm sido definidos de forma

impositiva, cenário que não se alterou com a transição do regime ditatorial para o

democrático. Curiosamente, no entanto, em nenhuma das difusas manifestações populares

realizadas nas ruas em junho de 2013, em diversas cidades em todo o país, foi levantada a

bandeira anti-nuclear. Espera-se que não seja necessária a ocorrência de um acidente tão

grave como o de Fukushima para que a sociedade civil se mobilize e exija, no mínimo, que

seja consultada (substancial e não apenas formalmente) sobre assuntos dessa relevância

previamente às deliberações tomadas em gabinete.

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4.4 Goiânia

Abandono de material de alta periculosidade, ausência de fiscalização, ignorância e a

inquietante necessidade que tem o ser humano de desvendar o desconhecido. Foram esses os

ingredientes que, somados, resultaram no acidente de Goiânia, também conhecido como o

caso do Césio-137, o maior acidente radioativo já registrado no mundo até hoje. A sucessão

de fatos que culminou no lamentável episódio foi assim descrita por Guilherme José Purvim

de Figueiredo:

Em 13 de setembro de 1987, a cidade de Goiânia, no Brasil, é que seria palco de

novo acidente, desta feita envolvendo contaminação radioativa decorrente do

descarte a céu aberto pelo Instituto Goiano de Radioterapia de equipamento utilizado

em radioterapia. Catadores de sucata, acreditando tratar-se de material inofensivo,

desmontaram o aparelho para retirada do chumbo que, como se veio a saber, revestia

cápsula contendo substância química altamente radioativa (cloreto de césio 137).

Somente dezesseis dias mais tarde é que as autoridades alertaram a população sobre

a contaminação radioativa. As duas primeiras vítimas faleceram quarenta dias depois

do acidente. Calcula-se que mais de 110 mil pessoas foram expostas aos efeitos da

substância radioativa (FIGUEIREDO, 2011, p. 414).

Note-se que, enquanto nos acidentes nucleares de Three Mile Island, Chernobyl e

Fukushima, a contaminação se deu pela propagação de nuvens tóxicas de gases na atmosfera,

no acidente radioativo de Goiânia o problema se circunscreveu à dispersão de Césio-137

(isótopo radioativo artificial do Césio) em pó, ou seja, na forma sólida. Disso decorre que o

âmbito espacial de sua ocorrência não só foi significativamente menor que o daqueles

eventos, como também que foi possível delimitar com maior acerto os pontos em que a ação

do material radioativo se estendeu, possibilitando assim maior sucesso nas medidas de

resposta adotadas.

Os efeitos da contaminação se fizeram sentir imediatamente nas pessoas que tiveram

contato direto com o material após a violação da cápsula, que foram as que o manusearam.

Alguns ainda transportaram o material em ônibus, enquanto outros guardaram pequenas

porções. Também as pessoas que trabalharam na contenção do acidente, muitas das quais

sequer sabiam dos riscos a que estavam sendo expostas, foram contaminadas. Por onde o pó

radioativo passou, deixou seu rastro maligno, com o favor da ignorância quase generalizada

da população até então sobre as suas deletérias consequências. A exposição radiológica

causou danos físicos que provocaram a morte de quatro pessoas e atingiu, direta ou

indiretamente, outras centenas.

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Outra descrição do acidente, digna de menção pelo maior grau de detalhamento que

contempla, foi feita em matéria publicada na revista Ciência Hoje, dez anos após o evento,

assinada pela jornalista Maria Ignez Duque Estrada:

Foi nesse dia, há dez anos, que os catadores Wagner Mota Pereira e Roberto Santos

Alves descobriram, nas ruínas de uma clínica, um pequeno cilindro de metal que

despertou sua curiosidade. A muito custo conseguiram arrebentá-lo. Dentro do

cilindro havia uma pedra e um pó luminescente. Eram 19 gramas de césio-137,

elemento altamente radioativo que, uma vez liberado, espalhou o medo e a morte

num bairro pobre da cidade. Lá moravam as vítimas de um acidente que mostrou ao

país a negligência da fiscalização sanitária e a falta de informação pública sobre

tecnologias de uso corriqueiro.

Entre a retirada da bomba da clínica abandonada e a descoberta do fato pelas

autoridades, dezenas de moradores de Goiânia conviveram com um material cuja

periculosidade desconheciam. Atraídos pela cintilação do césio, adultos e crianças o

manipularam e distribuíram entre parentes e amigos, que se transformaram

involuntariamente em personagens centrais de um enredo infeliz. O saldo dessa

experiência foi a morte de quatro pessoas, a mutilação de outra e a contaminação,

em maior ou menor grau, de 200 (ESTRADA, 1997, p. 52).

Mais uma vez, chama a atenção o fato de que o aviso à população tenha ocorrido

tardiamente – dezesseis dias após, mais precisamente –, aumentando assim a sua exposição à

contaminação radioativa, tão nefasta para a saúde humana. Somente após o reconhecimento

formal do grave problema é que começou a mobilização de batalhões de técnicos para evitar o

alastramento da contaminação. Diversas casas foram isoladas e ruas inteiras tiveram que ser

interditadas, impedindo a circulação de pedestres e motoristas. Os focos principais foram

sendo paulatinamente descontaminados por meio da remoção de grandes quantidades de solo

contendo fragmentos do material e da demolição de construções igualmente atingidas. Filas

enormes de pessoas se formaram para fazer o teste do teor de radiação. Àqueles que tiveram

detectadas doses superiores às aceitáveis no corpo, foi ministrado um quelante denominado

―azul da Prússia‖, que é uma substância destinada à expulsão de partículas de Césio do

organismo por meio da urina e das fezes.

Como decorrência natural da disseminação da contaminação por meio de uma teia de

relações pessoais, os produtos provenientes não só de Goiânia como de todo o Estado de

Goiás passaram a ser boicotados no cenário nacional, além da discriminação a que os seus

residentes passaram a se submeter. Nesse sentido é o relato de Tânia Mara Alves Barbosa, em

rica dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Economia de Lisboa, intitulada ―A

resposta a acidentes tecnológicos: o caso do acidente radioativo em Goiânia‖:

Mas a discriminação não era apenas pessoal e local, tornou-se nacional, através do

boicote às compras de mercadorias provenientes de Goiás e da dificuldade na

deslocação de pessoas para outros locais, tanto no Brasil como para o exterior, tendo

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alguns países, como a Itália, exigido atestado de não contaminação radioativa para

pessoas oriundas de Goiânia (BARBOSA, 2009, p. 48).

Evidentemente, o aludido boicote gerou incalculáveis prejuízos à economia goianiense

e também à goiana como um todo, com repercussões em série: demissões, falências etc.

A remoção de todo o material contaminado com o Césio-137 rendeu alguns milhares

de toneladas de lixo radioativo, posteriormente acondicionados em um depósito construído na

cidade de Abadia de Goiás, a 23 (vinte e três) quilômetros de Goiânia, local onde se estima

que deva permanecer por cerca de 150 (cento e cinquenta) anos, aos cuidados da CNEN.

Somente após o transcurso desse elástico lapso temporal é que tais rejeitos deixarão de

representar uma ameaça ao meio ambiente e à integridade física das pessoas. O problema dos

depósitos de rejeitos radioativos no Brasil acabaria por merecer a atenção do legislador, tendo

posteriormente a Lei nº 10.308, de 20 de novembro de 2001, disposto sobre eles, conforme se

verá no Capítulo 8 deste trabalho.

O que ficou claro nesse dorido acontecimento é que houve falhas gritantes na

fiscalização que o Poder Público deveria ter exercido antes de sua eclosão. Como costuma

acontecer em eventos catastróficos de grande apelo popular, os atores envolvidos na trama

procuraram esquivar-se de seus compromissos legais, éticos e morais, atribuindo-se

mutuamente os deveres jurídicos que nela nasceram.

Em interessante artigo intitulado ―De quem é a culpa?‖, Iêda Rubens Costa faz uma

análise de matérias jornalísticas reunidas sobre o acidente de Goiânia para demonstrar a

enorme dificuldade enfrentada para definir responsabilidades. Segundo ela, no discurso das

pessoas enredadas, verificou-se um verdadeiro ―jogo de empurra‖ entre os representantes da

CNEN e do Instituto Goiano de Radioterapia-IGR (2003).

No âmbito do Estado de Goiás, foi sancionada a Lei Estadual nº 10.977/89, que dispõe

sobre concessão de pensões especiais às vítimas do acidente radioativo de Goiânia e dá outras

providências. Após muita discussão, finalmente também no âmbito da União foi sancionada a

Lei nº 9.425/96, dispondo sobre a concessão de pensão especial às vítimas do acidente

radioativo de Goiânia, equivocadamente chamado de acidente nuclear em sua ementa. Desses

diplomas legislativos já despontava entendimento que os tribunais viriam a consolidar mais

tarde, relativo à solidariedade entre a União e o Estado de Goiás na responsabilização pelo

acidente em questão, uma vez que ambas concorreram para a sua eclosão, cada um a seu

modo.

O acidente de Goiânia é riquíssimo para o estudo proposto neste trabalho, já que

contempla diversos desdobramentos na temática da responsabilidade civil que serão alvo de

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maior aprofundamento no capítulo próprio, como o relativo à omissão estatal no seu dever de

controlar e fiscalizar as atividades radioativas e bem assim o atinente à conduta administrativa

que determinou a alguns particulares o abandono definitivo de suas casas em razão da

contaminação16

.

Nesse mister, serão analisadas as abordagens dadas pela jurisprudência ao caso,

perscrutando-se méritos ou desacertos da fundamentação jurídica que amparou as decisões

respectivas, enfocando-a sob o feixe das luzes solidárias dos novos tempos.

Por ora, é importante apenas repisar que se cuida de acidente radioativo (e não

nuclear) que teve o mérito de provocar uma série de questionamentos inéditos na cultura

jurídica brasileira até aquele momento, desde a definição de quem deve exercer o poder de

polícia sobre as atividades em questão até o regime de responsabilização aplicável.

16

De acordo com Tania Mara Alves Barbosa, ―no tocante à radiação, foram contaminadas cerca de 46

residências. Algumas foram totalmente demolidas e transformadas em rejeitos radioativos, outras foram

contempladas com o processo de descontaminação, que foi realizado através de remoção de piso e de

revestimento e da tentativa de descontaminação de objetos móveis por procedimento químico ou abrasivo. A

contaminação estava presente em partes como piso, parede, portas, roupas, mobílias, eletrodomésticos, objetos

de uso pessoal e, na área externa às residências, em porções contaminadas de solo – tanto na área residencial

como também em áreas públicas‖. (BARBOSA, 2009, p. 71).

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5 TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL

É interessante notar que o fenômeno atômico, dotado de caráter nitidamente

transdisciplinar, espraia seus efeitos nas mais diversas áreas do saber, entre as quais se destaca

o Direito.

A ciência jurídica, por sua vez, o capta normativamente em diferentes estratos, como

no Direito Internacional Público, no âmbito do qual vicejam tratados atômicos sobre assuntos

tão diversos como a responsabilidade civil por danos nucleares e a não proliferação de

arsenais dessa natureza.

O Direito Constitucional, já no âmbito interno, também não lhe é indiferente: a ele se

reporta ao tratar das repartições de competências entre os entes federativos, tanto

administrativas quanto legislativas, aos princípios aplicáveis às atividades de tal espécie, entre

outras menções.

O Direito Administrativo também não se furta de regular alguns aspectos de tema de

tão relevante envergadura: cuida dos procedimentos de licenciamento das atividades nucleares

e radioativas, incumbindo-se também da fiscalização de tais empreendimentos com o intuito

de velar pela segurança coletiva.

O Direito Penal também comparece ao coquetel: tipifica em lei específica condutas

potencialmente lesivas à saúde humana e ao meio ambiente que são engendradas no exercício

de atividades daquela natureza.

O Direito Civil, por sua vez, dele cuida ao prever mecanismos de reparação de danos

oriundos do manejo da tecnologia nuclear.

Como se pode perceber desse rápido recorte transversal, a temática nuclear é deveras

bastante espargida nos mais variados ramos do Direito17

. Não é intenção deste trabalho

aprofundar em cada uma dessas ramificações, mas apenas naquelas que guardem pertinência,

direta ou indireta, com o assunto central eleito para a pesquisa, anunciado logo em seu título.

17

Para Walter T Álvares, todas as relações jurídicas decorrentes do fenômico atômico mencionadas acima

poderiam ser agrupadas em um bloco que se poderia chamar de Direito Nuclear ou Direito Atômico. Para ele, a

energia nuclear e tudo o que ela causa ou motiva ―é tema de Direito Atômico, ainda que, metodologicamente, o

objeto do Direito Atômico seja o fato nuclear revelado através da energia nuclear e a tecnologia de fissão e fusão

nucleares, trabalhando sobre elementos nucleares, mediante reatores e outros equipamentos específicos‖.

(ÁLVARES, 1975, p. 74).

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Com tais considerações, cumpre destacar que, nesta altura do trabalho, já foram

esmiuçados os conceitos indispensáveis para a compreensão da tecnologia nuclear, bem como

as suas diversas aplicações, tanto bélicas como pacíficas.

Foram examinados também alguns dos mais importantes acidentes nucleares e o

mais importante acidente radioativo já ocorridos na história mundial, de modo que se

preparou terreno, de forma lógica e ordenada, para tratar-se da responsabilidade civil por

danos nucleares e radioativos, e bem assim, pelos danos causados pelos respectivos rejeitos

produzidos em todas as aplicações possíveis da tecnologia.

No entanto, não se poderia adentrar nesses temas sem antes fazer uma abordagem

introdutória acerca da responsabilidade civil, contemplando seu conceito, funções, dimensões,

espécies, classificações, requisitos e excludentes, sendo este o propósito do presente capítulo.

Trata-se, em suma, de uma verdadeira ponte entre os temas tratados nos Capítulos 2, 3 e 4

com os que serão objeto dos Capítulos 6, 7 e 8.

5.1 Conceito, classificações, funções e dimensões da responsabilidade civil

De início, é importante gizar que a temática da responsabilidade civil é uma das mais

ricas da ciência jurídica, contando com inúmeras obras já produzidas e muitas páginas em

branco ainda a preencher, tamanha é a sua interface com o dinamismo que a realidade

apresenta. Desse traço deflui a exigência de sua contínua oxigenação, não só por meio de

inovações legislativas, como também pelas valiosas atualizações interpretativas feitas pela

doutrina e pela jurisprudência.

Maria Helena Diniz (2010, p. 33) ensina que, etimologicamente, ―O vocábulo

‗responsabilidade‘ é oriundo do verbo latino respondere, designando o fato de ter alguém se

constituído garantidor de algo‖.

A responsabilidade civil ocupa destacada posição no mundo jurídico por traduzir com

perfeição a ideia de justiça, já que se assenta na premissa de que, se alguém causar um dano a

outrem, deverá reparar integralmente os prejuízos causados.

José Carlos Van Cleef de Almeida Santos e Luís de Carvalho Cascaldi assim a

conceituam:

Define-se a responsabilidade civil como sendo a obrigação de reparar os danos

materiais e morais que alguém, direta ou indiretamente, causar a outrem ou pela qual

responda em razão de lei ou contrato. Consiste, portanto, no dever de, na medida do

possível, tornar indene (sem dano – daí a ideia de indenizar) os prejuízos acarretados

por determinado fato jurídico (SANTOS; CASCALDI, 2011, p. 297).

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No plano legal, esboça-se um conceito de responsabilidade civil, ainda que

incompleto, na letra do art. 186 do Código Civil: ―Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão

voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que

exclusivamente moral, comete ato ilícito‖. O conceito em questão afina-se com a

responsabilidade subjetiva, mas deixa de fora sua manifestação objetiva, tratada no art. 927 do

mesmo estatuto.

A responsabilidade pode ser classificada em subjetiva quando a demonstração da

culpa em sentido lato for necessária para fazer nascer a obrigação de reparar o dano, ao passo

que ela é tida como objetiva quando se prescinde da demonstração daquela, caso em que seu

fundamento passa a ser o risco.

Noutro giro, reputa-se contratual a responsabilidade quando ela for derivada do

descumprimento de uma obrigação contratual, ao passo que ela é considerada extracontratual

quando o agente infringir apenas um dever legal, inexistindo vínculo entre vítima e causador

do dano, ou mesmo quando não infringir dever algum, mas, ainda assim, em razão da

periculosidade da atividade desenvolvida, causar danos a terceiros. A responsabilidade

extracontratual pode decorrer tanto de atos ilícitos, o que é a regra, como do exercício lícito

de atividades perigosas, hipótese em que o fundamento será o risco. As aplicações pacíficas

da tecnologia nuclear, diga-se de passagem, são lícitas, mas perigosas, razão pela qual os

correlatos regimes de responsabilização civil assentam-se fundamentalmente no risco.

É importante ressaltar que a principal função da responsabilidade civil é proporcionar

o retorno das situações onde aflora o dano ao estado anterior à sua ocorrência, o status quo

ante. No entanto, há casos em que não há como se ressarcir a vítima devido à impossibilidade

de se desfazer o dano: nessas hipóteses, a responsabilidade civil terá por função a de

compensá-la com um bem correspondente, geralmente uma soma em dinheiro.

Há ainda um terceiro viés trabalhado modernamente pela doutrina, além do

ressarcitório e do compensatório: o punitivo (punitive damages), que diz respeito ao

acréscimo de uma soma ao quantum indenizatório com o objetivo de desestimular o ofensor a

incidir na mesma conduta novamente e de servir como exemplo no meio social para que

outros também sejam desencorajados a seguir a mesma trilha de ilicitude. Essa função

punitiva tem sido alvo de atenção da jurisprudência nos dias atuais, que a vem aplicando cada

vez mais, não obstante a ausência de previsão legal.

Fala-se ainda em dimensões da responsabilidade civil, apontando-se a repressiva como

aquela que se verifica após a ocorrência do dano, mediante o ressarcimento ou a compensação

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da lesão, e a preventiva como aquela que pretende evitar a própria ocorrência do dano, sendo,

por tal razão, preferível em relação à primeira.

5.2 Pressupostos da responsabilidade civil

Não há uniformidade doutrinária a respeito dos pressupostos ou requisitos da

responsabilidade civil. Sendo díspares as posições a respeito do assunto, este trabalho se

apropriará dos ensinamentos de Maria Helena Diniz, para quem tais requisitos são a ação, o

dano e o nexo de causalidade (2010, p. 37-38). Nesse diapasão, passa-se a analisar cada um

deles, a seguir.

5.2.1 Ação

A ação representa uma conduta humana voltada à concretização de um fim

determinado. Disso decorre que os animais não são capazes de conduta, mas tão somente de

comportamentos. A ação é o primeiro pressuposto da responsabilidade civil e possui algumas

classificações didáticas muito importantes que não podem ser sonegadas. Pode-se rotulá-la de

comissiva ou omissiva, própria ou de terceiros, por culpa ou por risco, a depender do caso.

Acerca da primeira diferenciação (conduta comissiva ou omissiva), pontua Maria

Helena Diniz (2010, p. 40): ―A comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria

efetivar, e a omissão, a não observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que

deveria realizar-se‖.

No tocante à distinção entre conduta própria ou de terceiros, lúcidos são os

apontamentos de Sérgio Cavalieri Filho:

De regra, só responde pelo fato aquele que lhe dá causa, por conduta própria. É a

responsabilidade direta, por fato próprio, cuja justificativa está no próprio princípio

informador da teoria da reparação. A lei, todavia, algumas vezes faz emergir a

responsabilidade do fato de outrem ou de terceiro, a quem o responsável está ligado,

de algum modo, por um dever de guarda, vigilância e cuidado.

Nos termos do art. 932 do Código Civil, os pais respondem por atos dos filhos

menores que estiverem sob o seu poder e em sua companhia; o tutor e o curador,

pelos pupilos e curatelados; o patrão por seus empregados etc.

Pode, ainda, alguém ser responsabilizado por dano causado por animal ou coisa que

estava sob sua guarda (fato da coisa), conforme previsto nos arts. 936, 937 e 938 do

Código Civil (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 26).

Finalmente, cumpre separar conceitualmente a ação por culpa em sentido lato, que se

bifurca em dolo e culpa em sentido estrito, daquela por risco. Tradicionalmente, somente se

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concebia a responsabilidade civil fundada na culpa em sentido lato. A distinção entre dolo e

culpa em sentido estrito e as repercussões dessa diferenciação para o Direito Civil foram

assim percebidas por Romualdo Baptista dos Santos:

Quando a conduta é qualificada pela intenção de lesionar, há dolo; quando a conduta

é destituída dessa intenção, há culpa em sentido estrito. Em suma, o dolo se

caracteriza pela vontade dirigida à produção de um resultado ilícito, ao passo que a

culpa tem por característica o descumprimento de um dever de cuidado.

A distinção entre dolo e culpa em sentido estrito tem grande importância para o

Direito Penal, que pune de maneiras diversas cada uma dessas espécies de conduta.

Na vigência do Código Civil de 1916, considerava-se irrelevante essa distinção para

fins de responsabilidade civil, dado que o agente respondia igualmente pela conduta,

desde que fosse culposa em sentido amplo. Mas o Código atual restabeleceu a

importância do debate, ao estabelecer que o juiz poderá reduzir equitativamente o

valor da indenização tendo em vista o grau de culpa do agente (CC, art. 944,

parágrafo único) (SANTOS, 2008, p. 38).

A culpa em sentido estrito comporta três modalidades, a saber: a imprudência, espécie

que se manifesta por um proceder comissivo; a negligência, que se expressa por um proceder

omissivo em relação ao dever objetivo de cuidado do agente; e a imperícia, que tem lugar

quando o resultado, conquanto não querido pelo agente, acaba por ocorrer em razão de sua

inaptidão ou despreparo para o exercício de determinada atividade técnica. Há, ainda, outras

classificações dignas de nota.

Quanto à gravidade, a culpa em sentido estrito pode ser classificada como grave, leve

ou levíssima. Na grave, chamada também de culpa consciente, o agente prevê o resultado,

mas acredita na sua não ocorrência. Na leve, o resultado não chega a ser previsto: o dano

ocorre por inobservância de um dever objetivo de cuidado ordinário, ao passo que na

levíssima, ocorre tão somente um pequeno descuido, gerador do resultado danoso. A

consequência prática dessa diferenciação pode ser extraída do art. 944, parágrafo único, do

Código Civil, que permite ao julgador reduzir equitativamente o valor da indenização quando

restar caracterizada excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano.

Fala-se, ainda, em concorrência de culpas quando mais de um evento concorrer para a

causação do dano, devendo a indenização, nesse caso, ser distribuída entre todos os agentes

que a ele tenham dado causa, de forma proporcional à gravidade do proceder de cada um. A

própria vítima pode concorrer para o dano por ela suportado, caso em que o art. 945 do

Código Civil determina que a indenização deverá ser fixada levando-se em consideração a sua

culpa em confronto com a do autor do dano.

A par da culpa em sentido lato, pressuposto da responsabilidade subjetiva, existe ainda

o risco, hoje perfeitamente admitido pela lei, doutrina e jurisprudência. A sua aceitação,

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todavia, partiu de um processo lento e gradativo que foi se desenrolando com a percepção de

que a responsabilidade calcada apenas no dolo e na culpa não trazia respostas satisfatórias

para novas situações de danos que passaram a surgir.

O Código Civil de 1916 tinha inspiração liberal, e por essa razão mesma, não

reconhecia a teoria do risco de forma expressa. No entanto, nas suas disposições acerca do

direito de vizinhança já se via autorização implícita para a incidência de uma responsabilidade

objetiva, leitura que também era feita pela doutrina em relação a alguns atos praticados em

legítima defesa e estado de necessidade que causassem danos a terceiros, configurando

hipóteses em que, malgrado a licitude do proceder do causador do dano, nascia o dever de

indenizar.

Também no regramento da responsabilidade por atos ilícitos havia hipóteses em que

ocorria uma presunção de culpa, a qual passou a ser considerada pela jurisprudência, pouco a

pouco, como um mecanismo de objetivação do dever de indenizar18

.

Concomitantemente aos incansáveis esforços da jurisprudência no sentido de aplicar a

responsabilidade objetiva a hipóteses que inicialmente eram compreendidas apenas como

presunções de culpa, a legislação esparsa foi sendo paulatinamente acrescida de diplomas que

a contemplaram de forma expressa, das quais são exemplos o já revogado Decreto Legislativo

nº 3.724/19, que tratava da responsabilidade civil por acidentes do trabalho, a Lei nº 6.453/77,

que trata da responsabilidade civil por danos nucleares e constituirá a base sobre a qual se

apoiará o estudo desenvolvido no próximo capítulo, a Lei nº 6.938/81, que trata da

responsabilidade por danos causados ao meio ambiente e a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa

do Consumidor), que trata da responsabilidade nas relações de consumo.

Como se vê, o ordenamento jurídico brasileiro assistiu a um processo de expansão das

hipóteses de responsabilidade objetiva em detrimento da responsabilidade subjetiva,

fenômeno que pode ser explicado pela gradual superação da perspectiva patrimonialista que

por muitos anos o orientou. A guinada começou a acontecer a partir do momento em que

começaram a despontar casos concretos que descambavam para a injustiça, exatamente

porque a ausência dos elementos subjetivos do dolo e da culpa impedia que as vítimas de

18

Tecnicamente, no entanto, presunção de culpa não é sinônimo de responsabilização objetiva. A esse respeito,

são precisas as colocações de Felipe Peixoto Braga Netto: ―É comum a utilização indistinta dessas estruturas

conceituais, embora, sob o prisma teórico, não se confundam. A responsabilidade por culpa presumida é

objetiva. A referência à culpa já evidencia que estamos diante de uma modalidade de responsabilidade subjetiva.

No entanto, nesses casos, a legislação (ou a jurisprudência), com o intuito de facilitar a reparação, inverte o ônus

da prova, presumindo a culpa do causador do dano. É um expediente técnico, portanto – inversão do ônus da

prova. A vítima larga em vantagem, pois a culpa do agressor já é presumida. Não é preciso que a vítima prove a

culpa do agressor; basta que prove o dano e o nexo causal‖. (BRAGA NETTO, 2008, p. 82).

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alguns eventos danosos fossem devidamente indenizadas. O paradigma do patrimônio passou

a ceder lugar ao paradigma da pessoa, ao passo que as codificações passaram a conviver cada

mais com os princípios abertos que informam todo o sistema.

O Código Civil também previu a responsabilidade objetiva em seu art. 927, parágrafo

único, para os casos em que a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano

implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Esse dispositivo, autêntica

cláusula geral de responsabilidade objetiva, será novamente visitado no capítulo que tratar da

responsabilidade por danos radioativos.

José Jairo Gomes explica com clareza a fundamentação de ordem ético-filosófica que

orientou a construção do modelo objetivo de responsabilidade civil:

Os valores ínsitos na solidariedade, ao lado da equidade, dos ideais de paz social e

bem comum figuram entre as justificativas da tese da responsabilidade objetiva.

Expressa ela um aspecto da socialização do direito privado, na medida em que

considera os riscos – a que todos estamos expostos – como inerentes à essencial

condição gregária do homem (GOMES, 2005, p. 234).

A teoria do risco, concebida sob uma perspectiva igualmente filosófica para

fundamentar a responsabilidade objetiva, procura esmiuçar os casos em que os referidos

valores devem incidir e prevalecer sobre os interesses individuais, muitos deles dotados de um

traço egoístico, tão inerente à espécie humana.

Toda atividade arriscada carrega em si uma possibilidade de causar dano, um perigo

ínsito da deflagração do evento indesejado, ainda que sejam tomadas cautelas preventivas

pelo agente. Por essa razão é que se diz em sede doutrinária que o risco, diferentemente da

culpa em sentido lato, não possui um nexo psicológico com quem desenvolve a atividade

perigosa, muito antes, pelo contrário: ele é impessoal e objetivo.

A teoria do risco comporta subteorias, que podem ser assim categorizadas: risco

proveito, risco profissional, risco excepcional, risco criado e risco integral.

De acordo com Carolina Bellini Arantes de Paula,

A teoria do risco-proveito entende ser responsável aquele que tira proveito da

atividade danosa, com base no princípio de que onde está o ganho reside o encargo –

ubi emolumentum, ibi onus.

O dano deve ser reparado por aquele que retira algum proveito ou vantagem do fato

lesivo. Quem colhe os frutos da utilização de coisas ou atividades perigosas deve

experimentar as conseqüências prejudiciais que decorrem dela.

Todavia, a dificuldade anunciada por seus opositores encontra-se na conceituação do

proveito.

Emergiram, assim, vários questionamentos: Quando se pode dizer que uma pessoa

tira proveito de uma atividade? Será necessário obter um proveito econômico, lucro,

ou bastará qualquer tipo de proveito? (PAULA, 2007, p. 30).

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A par do problema apontado pela autora, no sentido de se definir qual o tipo de

proveito deve ser exigido para que incida a subteoria em questão, outro, ainda maior, salta aos

olhos: ao se exigir que a vítima prove que o causador do dano auferiu proveito da atividade

por ele desenvolvida (estritamente econômico ou não necessariamente econômico, a depender

da orientação adotada), transfere-se a ela um ônus probatório que acaba por assimilar a

subteoria do risco proveito à teoria da culpa. Por essa singela razão, ela representa pouco

avanço em relação ao sistema subjetivo.

A subteoria do risco profissional, por sua vez, tem incidência quando o dano sofrido

pela vítima se relaciona com a sua atividade ou profissão. Tem por objetivo primordial

responsabilizar objetivamente o empregador pelos eventos danosos que seus empregados

sofrerem no arriscado trato com a máquina. De fato, sem esse mecanismo de facilitação, a

vítima, no mais das vezes hipossuficiente, encontraria grandes dificuldades para demandar em

juízo e produzir provas contra uma parte normalmente muito bem assistida e abastada

financeiramente.

A subteoria do risco excepcional é explicada de forma bastante clara por Sérgio

Cavalieri Filho:

Para os adeptos da teoria do risco excepcional, a reparação é devida sempre que o

dano é consequência de um risco excepcional, que escapa à atividade comum da

vítima, ainda que estranho ao trabalho que normalmente exerça. A título de

exemplo, podem ser lembrados os casos de rede elétrica de alta tensão, exploração

de energia nuclear, materiais radioativos etc. Em razão dos riscos excepcionais que

essas atividades submetem os membros da coletividade de modo geral, resulta para

aqueles que as exploram o dever de indenizar (CAVALIERI FILHO, 2012, p.154).

Como se vê, é nessa subteoria que o aludido autor enxerga, a princípio, a

responsabilização objetiva do operador de instalações nucleares e também daqueles que lidam

com materiais radioativos, causando danos dessa natureza. No mesmo sentido se posiciona

Romualdo Baptista dos Santos (2008, p. 42). No entanto, o primeiro diz textualmente em

outra parte de sua obra, transcrita oportunamente no corpo deste trabalho, que a subteoria

adotada em relação aos danos nucleares no Brasil foi a do risco integral. A contradição é

apenas aparente, já que, em análise mais detida, percebe-se que foi cogitada pelos autores em

questão a adoção da subteoria do risco excepcional para os danos nucleares em tese, ao passo

que o primeiro, ao examinar o direito positivo brasileiro, concluiu que foi adotada a subteoria

do risco integral. Embora se esteja tratando ainda da teoria geral da responsabilidade, convém

fixar esse ponto, considerada a notória relevância que apresenta.

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78

Já a subteoria do risco criado representa uma ampliação da teoria do risco proveito,

pois a partir dela se pode compelir aquele que põe em funcionamento uma atividade de risco a

indenizar os danos por ela causados a quem quer que seja, não importando se houve proveito

de natureza econômica ou qualquer outro benefício ao empreendedor. Como se vê, a subteoria

do risco criado resolve o problema que se apontou ao se tratar da subteoria do risco proveito:

a vítima não se incumbirá de demonstrar proveito algum por parte do causador do dano –

bastará deixar claro que a atividade desenvolvida criou um risco que veio a se concretizar.

Ocorre, assim, a imputação da responsabilidade em razão apenas da potencialidade danosa da

atividade.

Por fim, a subteoria do risco integral propugna que o responsável por determinada

atividade arcará com as eventuais indenizações por quaisquer danos ocorridos, até mesmo

ante a ausência de nexo causal. Representa, portanto, uma espécie exacerbada ou extremada

da teoria do risco em que nenhuma excludente é capaz de fazer desaparecer o dever de

indenizar.

5.2.2 Dano

O dano consiste no prejuízo experimentado pela vítima em razão da conduta do

agente, sendo, pois, o resultado da violação de um valor juridicamente protegido. Abrange

qualquer diminuição ou alteração de bem destinado à satisfação de um interesse, de sorte que

a ofensa perpetrada pelo agente frustra uma expectativa da(s) pessoa(s) lesada(s).

Brunno Pandori Giancoli lista como seus requisitos a violação de um interesse jurídico

protegido, a certeza, a subsistência e a imediatidade, abordando-os da seguinte forma:

a) Violação de um interesse jurídico protegido

Trata-se da diminuição ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou

extrapatrimonial, pertencente a uma pessoa natural ou jurídica. Hoje já se cogita de

uma violação de um bem da coletividade, a exemplo dos danos ambientais.

b) Certeza

Ninguém poderá ser obrigado a compensar a vítima por um dano abstrato ou

hipotético. A certeza do dano refere-se à sua existência.

A certeza do dano não se confunde com a ideia de atualidade. A atualidade ou

futuridade do dano é atinente à determinação do conteúdo do dano e ao momento em

que ele se produziu. O dano pode ser atual ou futuro, isto é, potencial, desde que seja

consequência necessária, certa, inevitável e previsível da ação.

c) Subsistência

O dano deve subsistir no momento de sua exigibilidade em juízo. Se o dano já foi

reparado pelo responsável, o prejuízo é insubsistente, mas se o foi pela vítima, a

lesão subsiste pelo quantum da reparação; o mesmo se diga se terceiro reparou o

dano, caso em que ele ficará sub-rogado no direito do prejudicado.

d) Imediatidade

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A imediatidade significa que, como de regra, só se indenizam os danos diretos e

imediatos. Trata-se de uma aplicação do disposto no art. 403 do CC/2002. Este

dispositivo afirma que as perdas e danos só incluem os prejuízos e os lucros

cessantes por efeito direto da inexecução (GIANCOLI, 2012, p. 218-219).

O dano pode ser individual ou coletivo, patrimonial ou extrapatrimonial e, ainda,

direto ou indireto.

O dano individual representa uma lesão experimentada por uma vítima determinada,

ao passo que o dano coletivo atinge bem pertencente a toda a coletividade, como o macrobem

ambiental, por exemplo.

O patrimônio é o complexo de bens, direitos e interesses pertencentes a uma

determinada pessoa, natural ou jurídica, passível de aferição econômica, excetuados aqueles

destituídos de conteúdo econômico. Dessa forma, o dano patrimonial ou material pode ser

descrito como aquele que provoca diminuição no patrimônio dessa pessoa (dano emergente),

ou, ainda, que impeça que ele cresça (lucro cessante).

Por essa razão é que os danos morais, entendidos como aqueles que são lesivos à

dignidade da pessoa humana e não a seu patrimônio, não se amoldam ao conceito de danos

patrimoniais. Atualmente, prefere-se a expressão danos extrapatrimoniais a danos morais.

Por fim, dano direto é aquele que deflui imediatamente de uma ação lesiva a bem

jurídico alheio, ao passo que o dano indireto consiste nas consequências remotas ou perdas

patrimoniais mediatas decorrentes do evento lesivo.

5.2.3 Nexo de causalidade

O conceito de nexo de causalidade não é jurídico; ao contrário, decorre da simples

observação do que ocorre na natureza. Nexo de causalidade nada mais é, pois, que uma

relação entre causa e efeito. Dele se apropriam as mais diversas ciências, como a Física, a

Química, a Sociologia, e como não poderia deixar de ser, também o Direito. No âmbito da

ciência jurídica, o nexo de causalidade pode ser descrito como o liame que liga a conduta do

agente ao dano experimentado pela vítima. É requisito da responsabilidade penal e, em regra,

também da responsabilidade civil.

Uma grande dificuldade existente em relação ao nexo causal diz respeito às hipóteses

em que mais de um antecedente concorre para a produção do dano. Nesse caso, é preciso

encontrar meios de se aferir qual ou quais dos antecedentes teve ou tiveram efetiva relevância

para que o resultado viesse a se concretizar.

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Para tanto, surgiram algumas teorias no âmbito doutrinário, a saber: a teoria da

equivalência dos antecedentes, a teoria da causa próxima, a teoria da causalidade adequada,

entre outras.

A teoria da equivalência dos antecedentes, também conhecida como teoria da conditio

sine qua non, não distingue como preponderante ou prevalente qualquer dos antecedentes de

um determinado resultado. Demanda a realização de um juízo hipotético de eliminação,

devendo o intérprete indagar se, excluída a conduta, o resultado ainda assim ocorreria. Em

caso afirmativo, ela não será reputada causa e, logicamente, em caso negativo, assim será

considerada. O grande inconveniente dessa teoria é que não há limitações à regressão, de

modo que a pesquisa da causa pode dar-se ad infinitum, o que acaba por provocar uma

exasperação da causalidade.

A teoria da causa próxima é a mais simplista de todas: resume a questão da

causalidade a uma mera questão cronológica, considerando como causa apenas aquela que,

em meio aos diversos antecedentes identificados, comparecer em último lugar. O derradeiro

antecedente é tido como causa, em detrimento de todos os outros. Sua notória desvantagem

consiste em ignorar que a real deflagração do resultado pode ter se originado em outro

antecedente que não o último da série.

A teoria da causalidade adequada, por outro lado, tem o mérito de limitar a

causalidade ao considerar como causa, tão somente, o antecedente tido como o mais adequado

à produção do resultado danoso. A idoneidade ou aptidão da causa para provocar o resultado

deverá ser aferida em abstrato. Embora não haja regra expressa acerca do nexo de causalidade

no Código Civil, a doutrina enxerga a adoção implícita da teoria da causalidade adequada na

letra do art. 403, que estabelece que ―Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as

perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e

imediato [...]‖. Por todos, confira-se o escólio de Roberto Senise Lisboa:

A teoria da causalidade adequada é aplicável aos casos de responsabilidade civil no

direito brasileiro. Com isso, estabelece-se o dever de reparação do dano patrimonial

ou extrapatrimonial em desfavor do agente que de forma adequada e suficiente

contribuiu para que o evento danoso viesse a ocorrer.

Ganham realce na apreciação dos fatos, destarte, as causas e as concausas, ou seja,

os fatos que se relacionam com o evento que acarretou o dano. Confere-se

relevância, no entanto, apenas para as causas que contribuíram de forma adequada

para que o dano viesse a ocorrer.

Assim, eventual ruptura no vínculo causal que impeça se concluir a ligação entre a

conduta do agente e o dano sofrido pela vítima importa em irresponsabilidade civil

daquele que foi tido como causador do dano (LISBOA, 2010, p. 285).

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Tecidos em breves linhas os contornos das teorias sobre a causalidade, importa

salientar que, encontrado o responsável, há casos ainda em que outras causas podem concorrer

para a produção do mesmo evento danoso. É o problema da concausalidade, que pode resultar

da culpa concorrente da própria vítima, da interferência de terceiros ou de condições fáticas

preexistentes, concomitantes ou supervenientes.

A culpa concorrente da vítima ocorre quando o seu comportamento se soma ao do

agente para produzir o resultado. Tal comportamento pode mitigar ou até mesmo excluir a

responsabilidade do agente, a depender do quão grave e relevante foi a sua participação para a

eclosão do desfecho final.

A conduta culposa concorrente de terceiros, que pode ser simultânea à do agente ou

sucessiva, resolve-se com a regra da solidariedade, ditada pela parte final do art. 942 do

Código Civil: ―[...] se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela

reparação‖.

As condições fáticas que concorrem para o resultado podem ser preexistentes,

concomitantes ou supervenientes.

As preexistentes, como o próprio vocábulo já deixa entremostrar, são aquelas que já

estão presentes mesmo antes da conduta do agente, fazendo com que esta encontre uma

situação já fragilizada que acaba por agravar. Pode-se exemplificar com o caso de uma pessoa

cardiopata que vem a sofrer um infarto agudo do miocárdio que deixa sequelas em

decorrência de uma discussão no trânsito, na qual é xingado, ofendido, agredido e humilhado.

Em hipóteses tais, o agente responde integralmente pelos danos causados, independentemente

de ter ou não conhecimento da concausa preexistente agravadora do ato, tendo em conta que a

sua conduta foi causa determinante do resultado indesejado ocorrido.

As concomitantes são contemporâneas à conduta do agente, ao passo que as

supervenientes lhe sucedem no tempo.

Exemplo das primeiras é o caso do indivíduo que sofre um acidente vascular cerebral

no exato momento em que, vitimado por um assalto, é alvejado por um projétil no peito,

vindo a falecer instantaneamente.

Para ilustrar as segundas, pode-se mencionar o caso imaginado por Sérgio Cavalieri

Filho (2012, p. 63), da vítima de um atropelamento que não é socorrida a tempo, perde muito

sangue e vem a falecer.

Em ambas as situações, há que se perquirir se a concausa pode se erigir em causa

autônoma, idônea por si só à produção do resultado, ou se, ao contrário, ela apenas se somou à

conduta do agente para agravar ou acelerar o resultado, situação em que a sua

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responsabilidade será mantida. No exemplo do AVC, somente um laudo médico apontando a

causa mortis pode solucionar o problema. Já no exemplo da vítima do atropelamento, é nítido

que a falta de socorro não produziu o resultado por si só, mas apenas o precipitou, de modo

que o condutor que atropelou a vítima deverá ser responsabilizado.

Por fim, cumpre tratar da causas gerais de exclusão do nexo causal, separadores da

conduta causal do resultado produzido como efeito, a saber: fato exclusivo da vítima, fato de

terceiro, caso fortuito e força maior. A importância delas é enorme dentro da teoria geral da

responsabilidade civil, uma vez que, quando presentes, afastam um dos pressupostos ou

requisitos da responsabilização, qual seja, o nexo causal, do que decorre a exclusão da própria

responsabilidade.

Sobre a excludente do fato exclusivo da vítima, Romualdo Baptista dos Santos, com

propriedade, assim discorre:

Decorre do próprio conceito de nexo causal a necessidade de fazer ligação direta

entre o dano e a conduta daquele a quem se imputa a responsabilidade. Se ficar

demonstrado que o evento danoso teve como causa adequada a conduta da própria

vítima, desaparece essa ligação entre o dano e a conduta daquela outra pessoa;

desaparece o nexo de causalidade. O exemplo típico e freqüente é o da vítima de

atropelamento, em que se procura responsabilizar o motorista do veículo atropelante,

mas apura-se que, em realidade, houve suicídio. Nesse caso, o veículo em trânsito

foi mero instrumento para a ação da própria vítima em seu intento de cometer

suicídio (SANTOS, 2008, p. 51).

É deveras intuitivo que, se a culpa concorrente da vítima atenua a responsabilidade do

agente, a culpa exclusiva eliminará por completo o dever de reparação.

O mesmo raciocínio aplica-se ao fato de terceiro quando este, por si só, for a causa do

dano, caso em que também haverá uma ruptura do nexo causal. Assim, restando comprovado

que o resultado decorreu exclusivamente de fato de terceira pessoa diversa da vítima e do

agente, a responsabilidade será afastada pelo rompimento do nexo causal. É importante

ressalvar que há casos em que o legislador quis manter a responsabilidade de determinadas

pessoas juridicamente qualificadas por fato de terceiros, em caráter excepcional: é o caso dos

pais pelos filhos, do curador pelo curatelado, do tutor pelo pupilo, do empregador pelo

empregado, dos donos de hotéis por seus hóspedes etc., conforme dispõe o art. 932 do Código

Civil.

As excludentes do caso fortuito e força maior estão previstas no art. 393 do Código

Civil, que dispõe que ―O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou

força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado‖, afirmando ainda, em

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seu parágrafo único, que ―O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário,

cujos efeitos não era possível evitar ou impedir‖.

A distinção entre um e outra é muito discutida na doutrina, sem que ainda se haja

atingido um grau razoável de consenso na avaliação do seu conteúdo semântico.

Maria Helena Diniz (2010. p. 116-117), atribui a força maior a fato da natureza,

chamando-a, por isso, de Act of God, ao passo que liga o caso fortuito a causa desconhecida

ou a fato de terceiro, sempre atribuível a um determinado indivíduo; já Sérgio Cavalieri Filho

(2012, p. 71) se vale de outro critério de distinção, afirmando que a imprevisibilidade é o

elemento indispensável do caso fortuito enquanto o da força maior é a irresistibilidade. José

Aguiar Dias (2006, p. 935), a seu turno, afirma que as expressões são sinônimas.

Não obstante a polêmica demonstrada, este trabalho parte da premissa de que a força

maior diz respeito a um fato inevitável externo ao causador do dano, ao passo que o caso

fortuito relaciona-se, de alguma forma, à ação humana, muito embora seja pequena a

relevância prática da distinção, já que ambos são tratados pelo Código Civil, como se viu,

como fatos necessários que, como tais, rompem o nexo causal.

5.3 Excludentes da responsabilidade civil

As excludentes gerais do nexo de causalidade não encerram em si todas as causas

excludentes da responsabilidade civil. A ausência dos demais pressupostos ou requisitos,

quais sejam, a conduta e o dano, também a excluem, como não poderia deixar de ser, e bem

assim o fazem as causas de justificação (legítima defesa, estado de necessidade, exercício

regular de um direito e estrito cumprimento de dever legal), a prescrição, a decadência, a

cláusula de não indenizar e a renúncia da vítima à reparação.

A ausência de conduta dispensa maiores comentários: se o demandado em ação

reparatória provar que não praticou qualquer ação, seja comissiva ou omissiva, dolosa ou

culposa, estará isento da obrigação de reparar.

A ausência de dano segue a mesma lógica: se não há uma lesão a ser reparada, seja

patrimonial ou extrapatrimonial, não há que se falar em responsabilidade. Essa é a visão

doutrinária clássica. No entanto, há quem questione acerca da possibilidade de indenizar

danos futuros, como Felipe Peixoto Braga Netto (2008, p. 61), que responde a indagação

mencionando um julgado do Superior Tribunal de Justiça, a saber, o Recurso Especial

183.508-RJ, relatado pelo então Ministro Sálvio de Figueiredo, em que foi concedida uma

pensão a um jovem estudante de engenharia que, após ser violentamente agredido, ficou

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paraplégico e pleiteou em juízo uma pensão que refletia a média salarial dos engenheiros. A

corte em questão houve por bem acatar o pedido do autor, entendendo que o dano não era

hipotético, e sim certo e concreto, já que o bom senso, a vivência e as máximas de experiência

levavam a crer que a vítima viria a desenvolver atividade remunerada. Embora não se

concorde com a caracterização do dano aludido como certo e concreto, é de se reconhecer que

a reflexão é bastante interessante e pode auxiliar na investigação sobre a possibilidade de ser

indenizar danos decorrentes de contaminação radioativa, notadamente os genéticos, que

somente se manifestarão muito tempo depois da eclosão do sinistro.

Há ainda outros casos de exclusão da responsabilidade que inviabilizam a imputação

da conduta ao agente, quais sejam, a legítima defesa, o estado de necessidade, o exercício

regular de um direito e o estrito cumprimento de dever legal. Com efeito, o art. 188 do Código

Civil dispõe, em seu inciso I, que não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa

ou no exercício regular de um direito reconhecido, ao passo que o seu inciso II exclui a

ilicitude do ato praticado em estado de necessidade ao prever que a deterioração ou destruição

da coisa alheia ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente, não constitui ato ilícito.

Assim, não obstante a regra seja a responsabilidade civil por atos ilícitos, nada impede que

uma atividade lícita dê azo, também, à responsabilidade civil.

Na legítima defesa, o indivíduo reage contra outrem que lhe agride injustamente. Tal

reação, no entanto, deve ser proporcional e razoável, sob pena de gerar responsabilidade para

a vítima em relação aos eventuais excessos cometidos. O mesmo ocorre em caso de erro na

execução (aberratio ictus) que cause danos a terceiros: haverá o dever de reparar.

O estado de necessidade, a seu turno, pode ser praticado contra coisas e pessoas com o

objetivo de afastar um perigo iminente. Se a pessoa lesada não for culpada pelo perigo, deve

ser indenizada, conforme a dicção do art. 929 do Código Civil, que reza que ―Se a pessoa

lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo,

assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram‖. Eis aqui, pois, uma hipótese

em que mesmo a licitude do ato não elide o dever de indenizar. No entanto, quando a vítima

for culpada do perigo, a responsabilidade deixará de existir, conclusão a que se chega por

meio de uma interpretação a contrario sensu do referido dispositivo.

O exercício regular de um direito exime o agente do dever de indenizar, mas se há

abuso no exercício desse mesmo direito, outra é a sorte, nos termos do art. 187 do Código

Civil, que assim preceitua: ―Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-

lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé

ou pelos bons costumes‖.

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O estrito cumprimento de dever legal não foi mencionado expressamente pela lei

como excludente, mas assim também é encarado pela doutrina, que nele enxerga uma forma

de exercício regular de direito, pois quem cumpre a lei realmente, em tese, exerce

legitimamente um direito.

Além das causas de justificação mencionadas, excluem ainda a responsabilidade civil

a prescrição e a decadência, a cláusula de não indenizar e, bem assim, a renúncia da vítima à

reparação.

A prescrição, compreendida como um obstáculo ao exercício do direito, e a

decadência, entendida como a perda mesma do direito, evidentemente impedem a vítima de

obter êxito em eventual ação de reparação de danos, sendo, portanto, causas que também

excluem a responsabilidade civil.

A cláusula de não indenizar, por fim, resulta de acordo de vontade entre as partes,

somente sendo aplicável em relação à responsabilidade contratual. Não incide, portanto, na

responsabilidade extracontratual ou aquiliana. Sobre elas, assim discorre Romualdo Baptista

dos Santos:

Cláusulas de não indenizar são disposições estabelecidas pelas partes em contrato,

modificando o dever de reparar os danos que no futuro possam recair sobre

determinada pessoa. Podem ser de exclusão, quando impedem o nascimento do

dever de indenizar; ou de limitação, quando restringem o valor da indenização

devida (SANTOS, 2008, p. 58).

A renúncia da vítima à reparação consiste na abdicação por parte dela ao que teria

direito, de forma unilateral, informal e irrevogável, desde que ela seja capaz.

Traçadas essas linhas básicas, resta apenas distinguir entre as espécies de

responsabilidade civil para então, finalmente, adentrar-se na análise específica de temas

correlatos ligados à tecnologia nuclear.

5.4 Espécies de responsabilidade civil

A responsabilidade civil comporta classificações didáticas dignas de menção, cada

qual ligada a um critério diferenciador próprio. Pode ela ser, quanto ao fato gerador,

contratual ou extracontratual; quanto ao fundamento, subjetiva ou objetiva; quanto ao agente,

direta ou indireta e, finalmente, quanto à natureza da atividade causadora do dano a ser

reparado, não perigosa e perigosa.

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A responsabilidade contratual ou negocial decorre da inobservância de algum dever

contratual, ao passo que a responsabilidade extracontratual, também chamada de aquiliana ou

extranegocial, decorre da infringência a um dever legal. Normalmente, quando a doutrina se

refere à responsabilidade civil sem adjetivá-la, está tratando da extracontratual.

Simples também é a distinção entre a responsabilidade objetiva e a subjetiva, já

referida no item 5.2.1. Na responsabilidade subjetiva, faz-se necessário demonstrar a culpa em

sentido lato do agente, que, como visto, comporta o dolo e a culpa em sentido estrito. Na

responsabilidade objetiva, por sua vez, a demonstração da culpa é dispensada, bastando a

mera demonstração do nexo causal entre conduta e resultado danoso. No Código Civil consta

uma cláusula geral de responsabilidade civil objetiva, a saber, o parágrafo único do art. 927,

assim redigida: ―Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos

especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano

implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem‖. Alguns doutrinadores afirmam

que a responsabilidade civil subjetiva é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, como

Leonardo de Faria Beraldo (2008, p. 65), Sílvio de Salvo Venosa (2004, p. 19) e Brunno

Pandori Giancoli (2012, p. 249), mas há quem discorde, como Roger Silva Aguiar (2007, p.

104).

A distinção entre responsabilidade direta e indireta já foi de certa forma adiantada

quando se falou da excepcional responsabilidade por fato de terceiro, que nada mais é do que

a responsabilidade indireta, ao passo que a direta diz respeito a fato próprio, devendo o autor

do dano arcar com os prejuízos por ele mesmo causados. De modo a evitar o enriquecimento

ilícito do terceiro no lugar de quem o responsável indireto foi demandado, pode este, em

regra, voltar-se contra aquele, em ação regressiva, conforme preceitua o art. 934 do Código

Civil: ―Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago

daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou

relativamente incapaz‖ [sic].

Por último, mas não menos importante, a distinção entre responsabilidade civil por

atividades não perigosas e por atividades perigosas. As atividades não perigosas suplantam

em número as atividades perigosas e por isso recebem o influxo das normas gerais de

responsabilidade civil de matiz subjetivo, que possuem caráter residual. Já as atividades

perigosas normalmente são reguladas em leis próprias, como é o caso das atividades

nucleares.

Não havendo lei específica a regular determinada atividade perigosa, não há uma

automática submissão sua ao regime fundado na culpa, como se poderia imaginar irrefletida e

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precipitadamente. Muito antes, pelo contrário, quase sempre se poderá submetê-la à disciplina

do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, desde que a atividade em questão, arriscada

por natureza, for desenvolvida normalmente pelo autor do dano, amoldando-se com perfeição

à letra do dispositivo. A opção do legislador, portanto, foi por uma inovadora disciplina geral

e não mais casuística em relação à responsabilidade civil pelo exercício de atividades

perigosas. Carolina Bellini Arantes de Paula bem explica os motivos que conduziram à

demonstrada mudança de paradigma, orientada pela objetivação da responsabilidade calcada

no vetor da socialização dos riscos:

As atividades perigosas são atividades lícitas, como a produção de energia elétrica, a

produção de gás, a produção de fogos de artifícios e a exploração pacífica dos

átomos. Embora a sociedade as aceite e usufrua dos bens e produtos advindos delas,

o ordenamento jurídico prescreve aos seus exploradores que os danos ocorridos em

razão da periculosidade inerente a elas serão suportados objetivamente por eles.

Portanto, os agentes assumem conscientemente os riscos de os prováveis danos

ocorrerem.

A tipificação da atividade como perigosa é condicionada à sua ―notável

potencialidade danosa em relação ao critério da normalidade média e revelada por

meio de estatística, elementos técnicos e da própria existência comum‖. Já o

conceito de atividade perigosa é relativo, pois em determinado momento ou sob

certas condições a atividade pode perder ou assumir esse caráter.

O explorador de atividade perigosa deve responder objetivamente pelo risco de

ocasionar o dano; no entanto, cabe à vítima demonstrar o nexo causal entre o dano

suportado e a atividade perigosa desenvolvida por aquele (PAULA, 2007, p. 80-81).

Feitas essas importantes distinções, pode-se finalmente adentrar na responsabilidade

civil por danos decorrentes de atividades nucleares e radioativas, espécies de atividades

perigosas que serão objeto de estudo aprofundo nos capítulos seguintes. Adianta-se, desde já,

que, em relação às primeiras, há lei específica, qual seja, a Lei nº 6.453/77, ao passo que, no

tocante às últimas, diversa é a sorte, pelo que cumpre investigar se é possível o seu encaixe no

art. 927, parágrafo único, do Código Civil. Reservou-se, ainda, um capítulo derradeiro para se

analisar a responsabilidade civil por danos causados pelos rejeitos radioativos oriundos de

ambas as espécies de atividades perigosas mencionadas, para os quais há também uma lei

específica, a Lei nº 10.308/01. De fato, não se poderia deixar de fora do presente trabalho a

responsabilidade civil pelo lixo atômico, principal impacto ambiental causado pelo uso da

tecnologia nuclear, sob pena de, caso assim se procedesse, deixar espaço aberto à pecha da

incompletude.

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6 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS NUCLEARES

6.1 Responsabilidade civil por danos nucleares no âmbito do Direito Internacional

Público

A Convenção de Paris foi fruto de debates travados no âmbito da Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE –, mais especificamente, da Agência

Europeia de Energia Nuclear (European Nuclear Energy Agency - ENEA), tendo sido

assinada em 29 de julho de 1960 pelos seguintes países: Alemanha, Áustria, Bélgica,

Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Holanda, Portugal, Reino

Unido, Suécia, Suíça e Turquia.

Referida avença internacional foi aditada pela Convenção Complementar de Bruxelas,

de 31 de janeiro de 1963, para aumentar o limite da indenização, inicialmente fixado em 15

(quinze) milhões de unidades de conta, para 120 (cento e vinte) milhões de unidades de conta.

A Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares nasceu de

estudos realizados por um comitê constituído pela Agência Internacional de Energia Atômica

– AIEA –, os quais serviram de base para as discussões travadas na Conferência Internacional

sobre Responsabilidade Nuclear, evento que culminou na assinatura do documento em 21 de

maio de 1963 por nove países: Argentina, Bolívia, Cuba, Egito, Filipinas, Trinidad e Tobago,

Camarões e Iugoslávia. No entanto, ela só entrou em vigor em novembro de 197719

.

O Brasil depositou a sua carta de adesão em 23 de dezembro de 1992 e somente

promulgou a Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por danos nucleares no ano

seguinte, o que fez por meio do Decreto nº 911, de 3 de setembro de 1993.

As Convenções de Paris e de Viena são muito próximas em seus princípios, conceitos

e normas, prestando-se rigorosamente ao mesmo fim, que é o de fornecer elementos para que

os países possam regulamentar internamente a responsabilidade civil por danos nucleares de

forma uniforme e coesa. Tampouco há entre elas distinção de importância. A única diferença

substancial se dá no tocante ao valor limite de indenização.

Curiosamente, no entanto, as referidas convenções deixaram de lado a questão da

responsabilidade civil por danos decorrentes de acidentes ocorridos em instalações

19

O longo tempo trancorrido entre a assinatura do documento e sua entrada em vigor tem uma explicação: de

acordo com o seu art. XXIII da convenção, ela somente entraria em vigor três meses depois do depósito do

quinto instrumento da ratificação, o que efetivamente só veio a acontecer em novembro de 1977.

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radioativas, ignorando o fato de que também nelas são desenvolvidas atividades de manifesta

periculosidade e risco20

.

Como o Brasil ratificou apenas a Convenção de Viena, cumpre fazer uma breve

análise de seu texto, colocando em destaque os mais importantes princípios nele consagrados.

Logo em seu artigo II, item 1, está prevista a responsabilidade do operador da

instalação nuclear pelos danos nucleares causados por acidente nuclear, o que conforma o

princípio da canalização da responsabilidade para o operador.

Já outro princípio também de grande importância se extrai de dispositivos diversos, a

seguir detalhados: o da limitação da responsabilidade do operador.

No art. IV, item 3, ―a‖, estão previstas excludentes de responsabilidade, a saber: danos

nucleares causados por acidente nuclear devido diretamente a conflito armado, hostilidades,

guerra civil ou insurreição. Assim, a primeira vertente desse princípio se relaciona com

hipóteses excepcionais em que o operador se exonera da obrigação de indenizar.

Naturalmente, esta, como qualquer outra disposição posta na convenção, deve passar pelo

exame da conformidade com a Constituição de cada um dos Estados signatários, para somente

então verificar-se a sua aplicabilidade no âmbito interno.

Em seu artigo V, está disposto que o Estado signatário poderá limitar a

responsabilidade do operador da instalação nuclear a uma importância não inferior a 5 (cinco)

milhões de dólares por acidente nuclear. O texto convencional estabelece, assim, um piso para

as somas destinadas ao ressarcimento das vítimas, a partir do qual qualquer valor estipulado

como teto pelos Estados será válido. A limitação do valor da indenização poderá ser fixada,

portanto, na própria soma referida (cinco milhões de dólares por acidente) ou em qualquer

quantia superior, a critério dos legisladores internos, e tem por escopo minimizar a

canalização da responsabilidade a que se sujeita o operador, bem como o gravame da dispensa

da prova de sua culpa. Tem como vantagem, ainda, o estímulo à indústria nuclear, que poderia

deixar de realizar os altos investimentos que o setor requer em razão da iminência de, a

qualquer momento, sujeitar-se ao pagamento de indenizações incalculáveis, consideradas as

inúmeras possíveis repercussões patrimoniais que um acidente de tal natureza pode acarretar.

Os fundamentos da limitação quantitativa das indenizações são assim trabalhados por Renato

Guimarães Júnior:

20

Isso não impediu que a Espanha, signatária apenas da Convenção de Paris, tratasse no mesmo diploma tanto da

responsabilidade civil por danos nucleares como radioativos. Com efeito, a Lei 12, de 27 de maio de 2011, já em

seu preâmbulo enuncia que ela se destina a regular a responsabilidade civil por danos nucleares ou produzidos

por materiais radioativos, ao passo que, em seu artigo 16, dispõe textualmente sobre a responsabilidade dos

operadores de instalações radioativas.

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Desde o início da utilização da energia nuclear para a geração elétrica percebeu-se

que seria condição essencial para a viabilidade econômica de semelhante aplicação

técnica certa modificação sem precedentes no elementar princípio segundo o qual

aquele que prejudica direitos alheios, deve ressarcir os danos causados.

A tecnologia nuclear, então desconhecida em escala industrial, ensejava

determinados riscos que, remotíssimos embora, poderiam causar a terceiros

prejuízos pessoais e patrimoniais de vultos tais que, exigidos em juízo, seriam

insuportáveis para o florescente ramo. Mesmo o formidável parque securatório

americano não disporia de reservas capazes de assumir tais consequências. A

probabilidade de acidente, repita-se, seria mínima, mas os eventuais sinistros

enormes demais.

Diante desse quadro, concebeu-se um arranjo jurídico original: toda a

responsabilidade por eventuais danos nucleares seria limitada [...] (JUNIOR, 2011,

p. 1268).

Questiona-se, no entanto, a justiça da limitação em comento, já que ela proporciona

situações de desamparo a vítimas de acidentes cujos danos ultrapassam a soma proposta na

convenção e assimilada pelos Estados signatários em suas legislações internas, na contramão

das diretrizes modernas da responsabilidade civil que colocam em relevo a posição do lesado

em detrimento do causador do fato danoso.

Já no seu art. VI, item 1, está previsto um prazo prescricional de 10 (dez) anos a

contar de quando se der o acidente nuclear, para o exercício do direito à indenização

respectiva, mas ressalva-se que se a responsabilidade do operador estiver coberta por seguro

ou outra garantia financeira, ou por fundos públicos, por um período superior a dez anos, a

legislação poderá dispor que o prazo prescricional seja também superior a dez anos, desde que

não exceda o período em que a responsabilidade estiver coberta, segundo a legislação do

Estado-parte. Há ainda a previsão de um prazo prescricional de até 20 (vinte) anos para os

danos nucleares causados por acidente nuclear em que estejam envolvidos materiais nucleares

que, no momento em que ocorreu o acidente, tenham sido objeto de roubo, perda, alijamento

ou abandono, conforme dicção do item 2 do mesmo dispositivo. Tem-se, ainda, a previsão de

que o Estado-parte pode fixar o prazo não inferior a 3 (três) anos nem superior aos períodos já

aludidos – 10 (dez) ou 20 (vinte) anos, conforme o caso - que nessa hipótese será contado a

partir da data em que a vítima dos danos nucleares tiver ou deva ter conhecimento deles e da

identidade do operador por eles responsável. Questiona-se também a justiça dessas limitações

temporais, já que os danos nucleares podem tardar muito a se caracterizar, como é o caso de

um câncer desenvolvido por uma vítima anos após a sua exposição à radiação ou ainda da

prole que nasce com deformidades muito tempo depois da exposição de seus ascendentes à

contaminação.

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Como se vê, o princípio da limitação da responsabilidade do operador no âmbito da

Convenção de Viena tem projeções diversas, algumas bastante controversas. Expressa-se por

meio do apontamento de cláusulas exonerativas, do estabelecimento de valor máximo de

indenização (mesmo que os danos efetivos superem o patamar convencional), e da previsão

de limites temporais para que as indenizações sejam pagas às vítimas.

Outro princípio que aflora do texto da convenção é o da obrigatoriedade de seguro ou

de outra garantia prévia por parte do operador. Ele está previsto em seu art. VII e preconiza

basicamente que o operador da instalação nuclear deverá manter seguro ou outra garantia

financeira que lhe cubra a responsabilidade pelos danos nucleares. De fato, de nada adiantaria

a canalização da responsabilidade para o operador se este não pudesse pagar as indenizações

devidas, pelo menos até o limite legal. Sobre ele, assim discorre Ana Cristina Venosa de

Oliveira Lima:

A adoção da obrigatoriedade do seguro ou de outra garantia financeira visou,

fundamentalmente, proteger as vítimas de um acidente nuclear contra a possível

insolvência daquele considerado responsável pelo ocorrido.

Por outro lado, a obrigatoriedade do seguro também beneficiou o próprio operador

da instalação nuclear. De fato, através do contrato de seguro, por exemplo, o

operador – objetivamente responsável – paga uma quantia em dinheiro

periodicamente (prêmio) ao segurador, de modo que, caso ocorra um acidente

nuclear, o operador não necessitará ter disponível, de imediato, o dinheiro para

efetuar o pagamento da indenização, já que este será feito pela seguradora que

possui recursos financeiros para tal fim (LIMA, 1999, p. 51).

Não fosse o princípio da limitação da responsabilidade do operador em sua vertente

que permite estipular um teto para as indenizações, dificilmente seria possível encontrar uma

seguradora disposta a oferecer no mercado um seguro dessa natureza, considerando-se a

absoluta impossibilidade de se calcular de antemão a magnitude de um acidente nuclear em

todas as suas nuances. Exatamente nesse sentido são as considerações de Joaquim Francisco

de Carvalho:

E os acidentes nucleares têm dimensões que os outros não têm. Eles se propagam

pelo espaço (regiões inteiras ficam contaminadas e têm que ser evacuadas e

interditadas) e pelo tempo (muitas décadas). Um desastre de avião, por exemplo,

atinge os passageiros e, por mais traumático que seja, é um acidente que termina no

local e no instante em que acontece. Um acidente em central nuclear apenas começa

no instante e no local em que ocorre. Alguns anos depois centenas de pessoas

sofrerão males induzidos por exposição a radiações ionizantes, como acontece até

hoje com as populações que permaneceram nas cidades próximas a Chernobyl, em

consequência do acidente - e prevê-se que o mesmo deverá acontecer no caso de

Fukushima. Assim, na hipótese de desastres graves como esses, o risco

(probabilidade versus gravidade) de danos a pessoas e a propriedades públicas e

privadas é incalculável. Por isso as companhias de seguro não cobrem integralmente

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tais seguros, ficando os prejuízos sempre com as populações atingidas

(CARVALHO, 2012, p. 296).

Com efeito, se por um lado as projeções atuariais se baseiam na incerteza dos danos

segurados, que podem vir a ocorrer ou não, certo é que não há, em regra, imprecisão no

montante dos valores cobertos em caso de sinistro, de modo que, na sistemática tradicional,

uma vez ocorrido o dano, as seguradoras já sabem de antemão quanto deverão desembolsar.

Já nos danos nucleares, com repercussões imponderáveis por natureza, como acontece,

de resto, com os danos ambientais de uma forma geral, não havendo como precisar o

montante dos prejuízos suportados pelo segurado, abrem-se dois caminhos: a apuração

pontual dos danos por evento sem limitação de valor, que pode atingir somas astronômicas,

ou a fixação de um teto, caminho viabilizado pela Convenção de Viena ao permitir aos

Estados signatários que assim procedam, como forma de resguardar o setor securitário e

garantir condições reais de implementação do princípio da obrigatoriedade de seguro ou de

outra garantia prévia por parte do operador.

Pode ocorrer, no entanto, que o seguro contratado não cubra o valor máximo

estipulado em lei, hipótese em que o próprio Estado arcará com a diferença: é o princípio da

responsabilidade civil subsidiária do Estado por danos nucleares. Ele está previsto na parte

final do item 1 do art. VII e configura uma medida de garantia ou cautela em favor da vítima,

de modo a não deixá-la desamparada caso o seguro não alcance o teto legal. Evidentemente, o

Estado será chamado a responder subsidiariamente apenas quando não for ele próprio o

operador da instalação nuclear, já que, nesse caso, ele será acionado diretamente pelas

vítimas.

Pode-se afirmar, em síntese, que os mais importantes princípios vazados na

Convenção de Viena são, pois, os seguintes: princípio da canalização da responsabilidade

para o operador; princípio da limitação da responsabilidade do operador, em sua tríplice

conformação - cláusulas exonerativas, valor máximo de indenização e limites temporais;

princípio da obrigatoriedade de seguro ou de outra garantia prévia por parte do operador; e

princípio da responsabilidade civil subsidiária do Estado por danos nucleares.

Cada Estado signatário bebe dessa fonte norteadora para elaborar a sua legislação

interna, embora o próprio texto convencional contemple várias cláusulas de abertura,

traduzidas em expressões como ―se assim o dispuser a legislação do Estado da Instalação‖

(art. I, item 1, K, III); ―o Estado da Instalação poderá dispor por via legislativa que de acordo

com as condições estipuladas em sua legislação nacional‖ (art. II, item 2); ―exceto na medida

em que o Estado da Instalação dispuser de modo contrário‖ (art. IV, n. 3, b). Essas cláusulas

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permitem que cada Estado disponha a seu critério em relação a alguns temas, já que

determinadas particularidades nacionais podem justificar exceções à uniformidade pretendida

pelo texto convencional.

O Brasil elaborou a sua lei em 1977, sugestionado principalmente pela Convenção de

Viena, embora não estivesse formalmente obrigado a adotar quaisquer de suas diretrizes. Isso

porque, àquela altura, o Brasil não havia manifestado, ainda, a sua adesão ao documento.

Cerca de quinze anos mais tarde é que isso ocorreria: o Congresso Nacional somente aprovou

a Convenção em 1992, por meio do Decreto Legislativo nº 93, de 23 de dezembro de 1992.

No entanto, esse ato isoladamente ainda não era suficiente, já que faltava outra etapa

complementar, qual seja, a ratificação do chefe do Poder Executivo. Apenas em 1993 é que o

texto convencional em questão foi promulgado finalmente no Brasil, por meio do Decreto nº

911, de 3 de setembro de 1993, conforme se adiantou, passando, a partir de então, a integrar o

ordenamento jurídico pátrio.

Convém, por oportuno, fazer uma breve digressão afeta ao campo do Direito

Internacional Público, ou Direito das Gentes, sobre a maneira ou o iter pelo qual as

convenções, entendidas como tratados que criam normas gerais, se incorporam ao

ordenamento jurídico brasileiro, para o que não se pode prescindir das lições de Uadi

Lammêgo Bulos:

Celebrado o ato ou tratado internacional, pelo Chefe do Executivo, aprovado pelo

Congresso Nacional, promulgado via decreto presidencial e publicado no Diário

Oficial da União, em idioma português (CF, art. 13), a norma de Direito das Gentes

passa a integrar a ordem jurídica interna, estando apta a ser aplicada e cumprida.

Mas a mera aprovação do ato ou tratado internacional, por meio de decreto

legislativo, solenemente promulgado pela Presidência do Congresso Nacional, com a

sua respectiva publicação, não é o bastante para que a incorporação seja efetivada na

ordem jurídica interna. Apenas com a ratificação do Presidente da República é que

se dará a aplicação da norma de Direito das Gentes (BULOS, 2011, p. 1206).

A análise pormenorizada da Lei nº 6.453/77 será objeto do próximo tópico,

promovendo-se um estudo sistematizado de como as diretrizes convencionais serviram de

norte para o legislador pátrio nesse assunto de tão complexa ordenação. No entanto, como não

poderia deixar de ser, seus dispositivos serão examinados sob o aspecto da justiça e,

sobretudo, sob a perspectiva de sua conformidade com a Constituição Federal de 1988, dado

que alguns deles sequer foram por ela recepcionados.

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6.2 Responsabilidade civil por danos nucleares no Brasil: uma análise da Lei nº 6.453/77

6.2.1 Fato gerador da responsabilidade

Inicialmente, é importante consignar que alguns dos conceitos trabalhados no Capítulo

2, mormente os de instalações nucleares e instalações radioativas, danos nucleares e danos

radioativos e acidentes nucleares e radioativos, são de suma importância para a compreensão

da temática da responsabilidade civil tratada na Lei nº 6.453/77, pelo que se remete

novamente o leitor a ele em caso de eventuais dúvidas, já que a repetição aqui seria cansativa

e redundante.

Antes de mergulhar em seu texto, todavia, cumpre destacar algumas peculiaridades

dos danos nucleares – também aplicáveis aos danos radioativos-, que são importantes para a

construção de um sistema específico de responsabilização. Ana Cristina Venosa de Oliveira

Lima pondera que, se no plano conceitual, como visto, danos nucleares não se confundem

com danos radiológicos (espécie de danos radioativos), do ponto de vista prático os efeitos

por eles produzidos podem se revestir de características muito similares:

Observa-se que os danos causados por acidente radiológico em uma instalação

radioativa não foram definidos como sendo danos nucleares. Nesses casos,

deveríamos considerar esses danos como sendo ―danos radiológicos‖.

Todavia, os efeitos concretos desses danos – nucleares e radiológicos – são

basicamente os mesmos. Pode-se dizer que tanto os danos nucleares, quanto os

radiológicos, podem ser produzidos em pessoas e nos bens. Além disso, ambos

afetam o meio ambiente a podem ser causados pela exposição às radiações

(irradiação) ou pela contaminação. A diferença fundamental está no fato de que a

contaminação resulta de um contato direto com a substância radioativa, ao passo que

na irradiação tal ocorre à distância.

Dentre os efeitos produzidos pelos danos nucleares ou radiológicos, interessa serem

analisados, em primeiro lugar, os efeitos biológicos no ser vivo. Os efeitos

biológicos podem ser somáticos ou genéticos. O efeito genético se diferencia do

efeito somático das radiações, pois o primeiro é transmissível às gerações

subseqüentes, enquanto o segundo se restringe ao organismo afetado. O efeito

somático das radiações pode ser imediato ou retardado. O limite temporal,

estabelecido em convenções, é de 60 dias. De fato, o efeito imediato de maior

relevância é aquele que, após uma exposição de corpo inteiro a doses elevadas de

radiação, produz a denominada DAR, ou seja, doença aguda de radiação. Já o efeito

tardio de maior importância é o câncer, que surge somente após vários anos da

ocorrência da irradiação.

Especificamente, a exposição às radiações produz: alergias, eritemas, queda de

cabelos, formação de bolhas, vômitos, diarréias, ulceração e infecções na bexiga,

esterilidade reversível ou não (dependendo das doses de radiação), cataratas e mais

inúmeras consequências.

Os efeitos genéticos podem ser divididos em: aberrações cromossômicas e mutações

gênicas.

Há também a contaminação ambiental que pode se dar através dos efluentes

radioativos, da contaminação do lençol freático, do ar, da absorção das substâncias

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radioativas pelas plantas (raízes, caule, galhos, folhas e frutos), da própria

movimentação horizontal do solo, transporte por pessoas ou animais, etc.

Genericamente, um acidente nuclear/radiológico que cause danos

nucleares/radiológicos produz, ainda, efeitos de caráter econômico, político e social,

não somente nas populações diretamente atingidas, mas também, em toda a

comunidade mundial (LIMA, 1999, p. 46-47).

Dessas observações, podem-se extrair algumas conclusões. Uma é que o dano

radioativo pode atingir pessoas, causando-lhes danos genéticos ou somáticos, e também o

meio ambiente. Nesses casos, conforme se verá no capítulo seguinte, a responsabilidade será

objetiva, mas variará o fundamento legal conforme o dano seja à pessoa ou ao meio ambiente.

Outra, de grande importância neste momento, é que o dano nuclear, diferentemente do dano

radioativo, como dano nuclear será tratado no plano normativo, independentemente de ter

havido lesão patrimonial ou extrapatrimonial a vítimas individualmente consideradas ou ao

meio ambiente, não sendo possível, na última hipótese, transmudar-lhe a natureza para a de

dano ambiental, em razão da especialidade da norma.

Dito isso, passa-se à análise específica do capítulo II do mencionado diploma (Lei nº

6.453/77), começando pelo fato gerador da responsabilidade.

O fato gerador da responsabilidade civil por danos nucleares é o acidente nuclear,

conforme consta do caput do art. 4º da Lei nº 6.453/77. Está excluído, repita-se, o acidente

radioativo do âmbito de incidência da norma, opção legislativa que, embora se coadune com

as diretrizes propugnadas na Convenção de Viena, mereceu a reprovação de Carlos Alberto

Bittar:

Observa-se, assim, infelizmente, que a nossa lei opta pelo sistema fechado de

delimitação das atividades nucleares, circunscrevendo-as, apenas e expressamente,

às realizadas nas instalações nucleares – nos termos indicados no tópico anterior –

com projeção externa apenas em relação ao transporte de substâncias nucleares de

uma instalação para outra. Traça, pois, linhas bem restritas para as atividades

nucleares, inclinando-se, em conseqüência, por um sistema mínimo de proteção às

eventuais vítimas.

Com efeito, face à citada orientação e em consonância com a diretriz interpretativa

anotada, escapam de seu contexto as demais atividades nucleares que se não

enquadram no circuito enunciado- e, portanto, sem as suas garantias especiais –

ficando subordinadas aos princípios e regras da teoria geral da responsabilidade civil

e, quando muito, conforme o caso, aos das atividades perigosas, se possível o

encarte, em função dos parâmetros à ocasião expostos (assim, por exemplo, as

aplicações feitas nos diferentes campos possíveis, como industriais, em laboratórios,

em institutos e outros locais em que se empregam substâncias radioativas).

Não nos parece tenha o nosso legislador acolhido o posicionamento mais adequado

– expresso, em nosso entender, na lei espanhola – pois, conforme salientamos, se,

por uma parte, devem ser incrementadas essas atividades – face ao extenso leque de

novas utilidades proporcionado – há que se garantir, como valores maiores na

sociedade, a vida e a saúde das pessoas que nela se integram, as quais ficam à mercê

dos infinitos riscos defluentes de qualquer atividade relacionada à utilização de

materiais nucleares (BITTAR, 1985, p. 162-163).

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Com efeito, não se pode concordar com a opção normativa em debate, já que as

mesmas razões que militam em favor de um sistema agravado de responsabilidade civil em

relação aos danos nucleares comparecem igualmente em relação aos danos radioativos. O

esteio filosófico é similar para ambos os casos: tanto as atividades nucleares como as

radioativas são inquestionavelmente perigosas, sendo-lhes comum a existência do risco de

eclosão de efeitos imponderáveis.

O exercício da atividade nuclear, arriscada por natureza, o dano nuclear e o nexo

causal são os pressupostos ou requisitos para a responsabilidade civil por danos nucleares. O

acidente nuclear, conceituado pelo art. 1º, inciso VIII, do diploma em comento como ―o fato

ou sucessão de fatos da mesma origem, que cause dano nuclear‖, contempla, portanto, causa e

efeito, atividade nuclear e resultado danoso, bem como o implícito nexo causal. Por reunir

todos os pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil nuclear é que se pode afirmar,

dessa forma, que o acidente nuclear é seu fato gerador.

6.2.2 Delimitação subjetiva e espacial da responsabilidade

O caput do art. 4º da Lei nº 6.453/77, ao indicar como responsável civil pela reparação

de dano nuclear causado por acidente nuclear o operador da instalação nuclear, consagra a

adoção do princípio da canalização jurídica da responsabilidade, repetindo a dicção do artigo

II, item 1, da Convenção de Viena. Tal opção pela indicação expressa em lei de quem deve

figurar no polo passivo da demanda, ao lado da desnecessidade de se provar a sua culpa, a ser

tratada no próximo item, constitui mecanismo que favorece a posição da vítima, facilitando a

pretensão ressarcitória. Considerando bastante o mero exercício de atividades nucleares pelo

operador da instalação nuclear, o legislador acabou por suprimir a necessidade de

demonstração do nexo causal entre ele e o resultado danoso.

A regra da responsabilização do operador é válida para os acidentes ocorridos dentro

das instalações nucleares, mas pode ser imputada também para acidentes ocorridos durante o

transporte dos materiais nucleares, assim entendidos como o combustível nuclear e os

produtos ou rejeitos radioativos, na conceituação dada pelo art. 1º, inciso IV, da Lei nº

6.453/77. Disso é possível concluir que o âmbito espacial de ocorrência de danos nucleares

indenizáveis pode ser a própria instalação nuclear como também, de igual forma, o ponto do

percurso dos materiais nucleares transportados entre uma e outra instalação nuclear, onde

ocorrer o acidente nuclear.

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Com a anunciada expansão da planta nuclear para breve, é possível que os operadores

das novas usinas planejadas sejam diversos do atual operador do complexo de Angra dos

Reis, hipótese em que incidirá a norma em comento caso ocorra acidente durante o transporte

de materiais nucleares de uma central para a outra.

Adentrando no problema do dano nuclear durante o transporte, impende ressaltar que

se ele ocorrer antes que o operador da instalação nuclear a que se destine tenha assumido, por

contrato escrito, a responsabilidade por acidentes nucleares causados pelo material em

trânsito, será responsabilizado o operador da instalação de origem, conforme previsto no

inciso II, alínea ―a‖, do artigo 4º da Lei nº 6.453/77.

Caso não exista contrato algum entre o operador remetente e o operador destinatário

do material, a responsabilidade também será do operador remetente, nos termos do

preceituado no inciso II, alínea ―b‖, do artigo 4º da Lei nº 6.453/77.

Mutatis mutandis, o inciso III, alíneas ―a‖ e ―b‖ do dispositivo em questão dispõe que

será exclusiva do operador da instalação nuclear de destino a responsabilidade por acidente

provocado por material nuclear a ela enviado depois que a responsabilidade lhe houver sido

transferida, por contrato escrito, pelo operador da outra instalação nuclear, e que, na falta de

contrato, o operador da instalação nuclear de destino somente será responsabilizado depois

que houver assumido efetivamente o encargo do material a ele enviado. Como se vê, a rigor, o

inciso III é desnecessário, porquanto tudo que ele prevê já pode ser deduzido do inciso II, sem

grande esforço interpretativo.

Trata-se, como visto, de um sistema de proteção à vítima tal que pretende não deixá-la

desguarnecida quanto a quem responsabilizar nem mesmo no momento do transporte de

materiais nucleares entre operadores: ou haverá a continuidade da responsabilidade civil do

operador remetente do material ou a transferência contratual ao operador destinatário, mas

jamais terá lugar um hiato em que a nenhum deles a responsabilidade possa ser legalmente

atribuída.

Nos termos do art. 5º da Lei nº 6.453/77, haverá responsabilidade solidária entre os

operadores se for impossível apurar-se a parte dos danos atribuível a cada um. Trata-se de

uma solução que mais uma vez tem por norte a necessidade da vítima de se ver ressarcida

independentemente da demonstração precisa da parcela de culpa atribuível a cada operador.

Abraçou-se integralmente o disposto no item nº 3, ―a‖, do artigo II, da Convenção de Viena,

que dispõe que ―Quando a responsabilidade por danos nucleares recair sobre mais de um

operador, os operadores envolvidos, quando não for possível determinar com certeza que

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parte dos danos deverá ser atribuída a cada um deles, serão conjunta e solidariamente

responsáveis‖.

Impende ressaltar, no entanto, que o regime da Lei nº 6.453/77 não se aplica aos danos

sofridos pela própria instalação nuclear, pelos bens encontrados na área da instalação,

destinados ao seu uso e pelo meio de transporte no qual se encontrar o material que os

ocasionar, por expressa exclusão ditada pelo seu art. 18. Maria Helena Diniz (2010, p. 632)

afirma que tais danos foram deixados de fora por constituírem risco da própria atividade

empresarial. A previsão direcionada aos danos relativos à própria instalação nuclear e seus

próprios bens de uso, a rigor, é desnecessária, já que seria um contrassenso responsabilizar o

operador da instalação pelos danos nela causados, hipótese em que credor e devedor se

confundiriam na mesma pessoa. Já a exclusão dos danos sofridos por bens de uso e pelo meio

de transporte, se de propriedade de terceiros, faz sentido: o empresário que se aventura na

locação de equipamentos para instalações nucleares ou no ramo de transporte de materiais

nucleares sabe que a atividade é arriscada e mesmo assim opta por desenvolvê-la. Logo, caso

haja dano aos bens locados ou aos veículos utilizados nessa atividade, não poderá ele se valer

do regime agravado de responsabilização ora em comento, devendo fundamentar eventuais

pretensões ressarcitórias no Código Civil.

É importante consignar, por fim, que as indenizações pelos danos causados aos que

trabalhem com material nuclear ou em instalação nuclear, nos termos do art. 17, serão

reguladas pela legislação especial sobre acidentes do trabalho, não estando regidas, portanto,

pela Lei nº 6.453/77.

6.2.3 Desnecessidade de demonstração de culpa

Ainda o caput do art. 4º da Lei nº 6.453/77 estabelece que a responsabilidade civil pela

reparação de dano nuclear causado por acidente nuclear, exclusiva do operador da instalação

nuclear, independerá da existência de culpa. Maria Helena Diniz assim discorre sobre a

redação do dispositivo:

[...] a simples exploração dessa atividade já torna o explorador responsável

civilmente, devido à periculosidade decorrente do desenvolvimento de tal atividade.

Logo, não haverá que se falar em ato ilícito para a responsabilização civil dos danos

nucleares, visto que a atividade nuclear é lícita e regulada. O simples exercício da

atividade gera a responsabilidade do explorador, independentemente da existência

de culpa (art. 4º). Nossa lei reconhece, expressamente, a responsabilidade objetiva

por dano nuclear. Assim, o explorador deverá arcar com o ônus decorrente de

acidente nuclear porque é ele quem retira proveito econômico dessa atividade

(DINIZ, 2010, p. 630).

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99

Vale lembrar que é a própria Constituição Federal de 1988 que dita, em seu art. 21,

inciso XXIII, alínea ―d‖, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional nº

49, de 2006, que a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de

culpa.

A noção de culpa cede lugar, portanto, à noção de risco, ficando o operador da

instalação com a qual obtém lucro em posição mais fragilizada em relação ao tradicional

sistema de responsabilidade subjetiva, já que se flexibilizam os requisitos para a sua sujeição

à reparação do dano. José Jairo Gomes trabalha bem a questão dos fundamentos filosóficos

que norteiam a responsabilidade civil em geral:

A despeito de a responsabilidade civil ter de reportar-se à previsão legal, que

estabelece seus contornos, o sentido valorativo e filosófico que ela exprime prende-

se à solidariedade e à cooperação que devem presidir qualquer sociedade humana;

caso o autor do dano não se solidarize com a vítima, procurando reparar ou minorar

as consequências do seu comportamento, impõe a lei esse comportamento

cooperativo-solidário, transformando-o em obrigação legal reparatória ou

ressarcitória. Destarte, se se buscar o fundamento estritamente jurídico da

responsabilidade civil, encontrar-se-ão os dispositivos legais que a prevêem;

entretanto, se se indagar sobre o seu fundamento jurídico-filosófico-cultural,

certamente serão a solidariedade e a cooperação que despontarão, combinadas, é

claro, com a ideia de justiça (GOMES, 2005, p. 221-222).

O substrato ético-filosófico da opção legislativa vazada no dispositivo em comento é,

com maior razão, a solidariedade, já que deve responder pelos prejuízos aquele que colhe os

proveitos da arriscada atividade nuclear – o operador da instalação –, não deixando as

eventuais vítimas desamparadas em caso de acidente.

Ulrich Beck trabalha minuciosamente o problema do risco na sociedade pós-moderna,

qualificando-a como uma sociedade de risco. Em várias passagens de sua já mencionada obra

―Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade‖, ele ilustra o quão suscetível todas as

pessoas atualmente se encontram às ameaças tecnológicas que acompanharam o progresso da

técnica, sem que delas possam se distanciar ou fazer face, independentemente de sua posição

na escala social. Transcrevem-se a seguir algumas dessas passagens, absolutamente aplicáveis

à temática nuclear:

A miséria pode ser segregada, mas não os perigos da era nuclear. E aí que reside a

novidade de sua força cultural e política. Sua violência é a violência do perigo, que

suprime todas as zonas de proteção e todas as diferenciações da modernidade

(BECK, 2011, p. 07).

Na modernidade desenvolvida, que surgiu para anular as limitações impostas pelo

nascimento e para oferecer às pessoas uma posição na estrutura social em razão de

suas próprias escolhas e esforços, emerge um novo tipo de destino “adscrito” em

função do perigo, do qual nenhum esforço permite escapar. Este se assemelha mais

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100

ao destino estamental da Idade Média que as posições de classe do século XIX.

Apesar disso, não se vê nele a desigualdade dos estamentos (nem grupos marginais,

nem diferença entre campo e cidade ou de origem nacional ou étnica, e por aí afora).

Diferente dos estamentos ou das classes, ele não se encontra sob a égide da

necessidade, e sim sob o signo do medo; ele não é um ―resíduo tradicional‖, mas um

produto da modernidade, particularmente em seu estágio de desenvolvimento mais

avançado. Usinas nucleares – o auge das forças produtivas e criativas humanas –

converteram-se também, desde Chernobyl, em símbolos de uma moderna Idade

Média do perigo. Elas designam ameaças que transformam o individualismo

moderno, já levado por sua vez ao limite, em seu mais extremo contrário (BECK,

2011, p. 08).

Em sua disseminação, os riscos apresentam socialmente um efeito bumerangue: nem

os ricos e poderosos estão seguros diante deles. Os anteriormente ―latentes efeitos

colaterais‖ rebatem também sobre os centros de sua produção. Os atores da

modernização acabam, inevitável e bastante concretamente, entrando na ciranda dos

perigos que eles próprios desencadeiam e com os quais lucram (BECK, 2011, p. 44).

Se os perigos ínsitos às instalações nucleares não podem ser segregados, ameaçando

de igual forma os indivíduos independentemente de seu pertencimento a qualquer das classes

sociais, não há mesmo como deles fugir por completo, o que só reforça a ideia de que o

causador do dano nuclear deve se solidarizar com as vítimas atingidas por seu

empreendimento, mesmo não tendo concorrido sequer culposamente para tanto.

6.2.4 Cláusulas exonerativas

O art. 6º da Lei nº 6.453/77 contempla uma causa exonerativa da obrigação de

indenizar, qual seja, a causação do dano por culpa exclusiva da vítima. No entanto, a

excludente é válida somente em relação a ela. Nesse sentido, danos nucleares advindos de um

acidente causado pelo ataque de um terrorista que adentrasse uma instalação nuclear e

provocasse, após a detonação de uma granada lançada no reator, uma explosão de que

decorresse vazamento de material radioativo na atmosfera, por exemplo, seriam indenizáveis

a todos os afetados pela aludida poluição radioativa, mas não ao terrorista causador do evento,

por maior que fossem os danos por ele suportados, já que por exclusiva culpa sua toda a

infeliz trama teria ocorrido. Nessa mesma linha de raciocínio, Carolina Bellini Arantes de

Paula não considera a causação dolosa do dano nuclear por terceiro uma excludente geral da

responsabilidade do operador da respectiva instalação:

A Lei nº 6.453/1977, que regra a responsabilidade civil por danos nucleares em

nosso ordenamento, estabelece que o explorador da atividade nuclear tem direito de

regresso contra a pessoa física que, dolosamente, deu causa ao acidente.

O fato de terceiro está, em face dessa prescrição legal, entre as cláusulas excludentes

da atividade nuclear? Acreditamos que não. As características da excludente do fato

de terceiro, em síntese, acarretam o rompimento do nexo causal e a liberação do

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101

agente supostamente responsável. O fato de terceiro é distinto da solidariedade e do

direito de regresso.

Por tal razão, a singular lei não o acolhe entre as excludentes, já que não lhe atribui

os efeitos da excludente (PAULA, 2007, p. 114).

No exemplo dado, o operador ainda teria direito de regresso contra o terrorista. Isso

porque o art. 7º da Lei nº 6.453/77 preceitua que o operador somente tem direito de regresso

contra a pessoa física que, dolosamente, deu causa ao acidente, ou ainda contra quem admitiu,

por contrato escrito, o exercício desse direito. Aqui é de se ressaltar que se houver culpa em

sentido estrito por parte do causador do acidente, em qualquer de suas modalidades

(imprudência, negligência ou imperícia), ele não poderá ser acionado regressivamente pelo

operador da instalação.

O art. 8º da Lei nº 6.453/77 contempla assunto de grande interesse doutrinário, a saber,

as excludentes gerais de responsabilidade civil por danos nucleares. Por sua dicção, o

operador não responde pela reparação do dano resultante de acidente nuclear causado

diretamente por conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da

natureza. Cumpre divagar sobre cada uma delas, anotando-se-lhes as peculiaridades.

O conflito armado, como a própria expressão já anuncia, é aquele no qual os grupos

que contendem se utilizam de armamentos bélicos, submetendo os envolvidos a um estado de

tensão permanente que dura até o cessar-fogo.

As hostilidades são sentimentos negativos nutridos por membros de um determinado

grupo em relação a membros de outro grupo rival, fundados em diferenças de cunho religioso,

étnico, racial ou equivalente que causam instabilidade na convivência entre eles, podendo dar

azo a agressões verbais, físicas e até mesmo a conflitos armados.

A guerra civil, de seu turno, é uma espécie de conflito armado que ocorre entre grupos

rivais que se organizam e contendem dentro de um mesmo Estado-Nação, visando à assunção

do poder político no âmbito interno ou tão somente à adoção de medidas normalmente de

índole econômica ou social que rompam com as políticas impopulares adotadas pelo governo

que está no poder, sem a sua destituição.

O excepcional fato da natureza é, para Carolina Bellini Arantes de Paula (2007, p.

131), a única das excludentes mencionadas que não se autocaracteriza, ―em razão da vagueza

de seu conceito, que, em uma leitura superficial, equipara-se à força maior‖. Apesar da

existência de certa polêmica doutrinária acerca da distinção entre caso fortuito e força maior,

conforme destacado no capítulo anterior, este trabalho trata a força maior como o fato

inevitável externo ao causador do dano e o caso fortuito como algo relacionado à conduta

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102

humana. Nessa ordem de ideias, o excepcional fato de natureza, por ser externo ao agente e

inevitável, é realmente uma espécie de força maior, se bem que adjetivada. Assim, um fato da

natureza comum, como uma chuva de verão anunciada previamente pelos meteorologistas,

não seria excepcional, mas, de outra banda, um tsunami de grande magnitude não previsto e

sem precedentes bem poderia ser entendido como um fato natural incomum e caracterizar a

excludente de responsabilidade por dano nuclear em exame.

Questiona-se em sede doutrinária, contudo, acerca da recepção ou não dessas

excludentes pela Constituição Federal de 1988. Sérgio Cavalieri Filho é enfático ao afirmar

que elas não foram recepcionadas:

O art. 8º da Lei nº 6.453/1977 exclui a responsabilidade do operador pelo dano

resultante de acidente nuclear causado diretamente por conflito armado, hostilidades,

guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza. A base jurídica da

responsabilidade do explorador da atividade nuclear, entretanto, passou a ser a

Constituição a partir de 1988, e esta, em seu art. 21, XXIII, ―d‖, não abre exceção

alguma, pelo que entendemos não mais estarem em vigor as causas exonerativas

previstas na lei infraconstitucional (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 165).

Filia-se o autor à corrente que entende ter sido adotada a teoria do risco integral na

Constituição Federal de 1988 em relação às atividades nucleares. Com efeito, a posição por

ele assumida passa necessariamente pela rejeição das excludentes previstas na Lei nº

6.453/77, já que, sendo a teoria do risco integral uma teoria extremada em que não se

admitem cláusulas exonerativas de qualquer natureza, não se poderia cogitar de sua adoção

para as atividades nucleares caso se entendesse que o conflito armado, hostilidades, a guerra

civil, a insurreição ou o excepcional fato da natureza pudessem afastar a responsabilidade.

Seria um contrassenso. Nessa linha de raciocínio, mesmo o advento de fatores externos como

os indicados, provocadores do rompimento do nexo causal, não possui o condão de afastar a

responsabilidade do operador da instalação nuclear, para quem ela foi juridicamente

canalizada.

Percebe-se, pois, que o sistema legal de responsabilidade civil por danos nucleares,

por não compactuar sequer com o caso fortuito ou a força maior, acaba por abrir mão do nexo

causal, como bem anota Roberto Senise Lisboa:

Possibilita-se, na responsabilidade civil por danos nucleares, que o explorador da

atividade venha a indenizar a vítima, pela simples ocorrência do dano.

Torna-se prescindível, portanto, a prova do nexo de causalidade.

O explorador responde pelo fato da simples exploração da atividade (LISBOA,

2010, p. 388).

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103

A consequência lógica da adoção da teoria do risco integral em razão da exacerbada

carga de risco manifestada na atividade nuclear é, de fato, a flexibilização do requisito da

demonstração do nexo causal, que nos casos excepcionais de conflito armado, hostilidades,

guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza desaparece e, nem por isso, deixa de

ensejar a responsabilidade civil do operador da instalação.

6.2.5 Limitação do valor da indenização

A limitação do valor da indenização configura, como visto, uma das vertentes do

princípio da limitação da responsabilidade civil por danos nucleares, quiçá a mais

significativa delas. O art. 9º da Lei nº 6.453/77 prescreve que a responsabilidade do operador

pela reparação do dano nuclear é limitada, em cada acidente, ao valor correspondente a um

milhão e quinhentas mil ORTNs - Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional21

, não

estando compreendidos nessa soma os juros de mora, os honorários de advogado e as custas

judiciais, nos termos de seu parágrafo único. De acordo com a ferramenta de conversão

disponibilizada online pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia em seu sítio eletrônico,

o valor unitário da ORTN em setembro de 2013 é de R$ 51,45 (cinquenta e um reais e

quarenta e cinco centavos). Multiplicando esse valor por 1.500.000 (um milhão e quinhentos

mil), é possível encontrar o teto das indenizações por danos nucleares no Brasil na atualidade:

R$ 77.175.000,00 (setenta e sete milhões, cento e setenta e cinco mil reais).

O grande problema que se coloca é que essa limitação pode acabar por se traduzir em

injustiça, já que o acidente pode causar danos em valores muitos superiores ao teto legal,

hipótese em que as vítimas não seriam completamente indenizadas pelos prejuízos sofridos.

Nessa conjetura, é a própria Lei nº 6.453/77 que determina, em seu art. 10, que será

feito um rateio entre os credores, na proporção de seus direitos, pagando-se primeiramente as

21

A ORTN – Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional era um título emitido pelo Tesouro Nacional que

servia como indexador no mercado, já que tinha como característica básica o pagamento de remunerações

corrigidas pelos índices inflacionários oficiais. Existiu de 1964 a 1986, quando então, em razão do Plano

Cruzado, foi substituída pela OTN – Obrigação do Tesouro Nacional –, que tinha a mesma finalidade. A OTN

duraria até 1989, quando então, em razão do advento do Cruzado Novo, foi substituída pelo BTN – Bônus do

Tesouro Nacional. O BTN foi extinto em 1991. Diversos outros índices foram utilizados como indexadores de lá

para cá, a exemplo da UFIR – Unidade Fiscal de Referência –, que servia para atualizar o valor de tributos e da

TR – Taxa Referencial –, utilizada no cálculo do rendimento de títulos públicos, caderneta de poupança e outros

investimentos, bem como mútuos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) etc. Ainda hoje a TR é bastante

utilizada, ao lado de outros índices como o IGP – Índice Geral de Preços, calculado pela Fundação Getúlio

Vargas com base na variação de preços de um conjunto determinado de bens e serviços, e o INPC – Índice

Nacional de Preços ao Consumidor, calculado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – para

medir a evolução do custo de vida nas principais cidades brasileiras.

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104

indenizações por danos pessoais e só depois, se ainda houver saldo, as indenizações por danos

materiais. Nada mudará se a União, organização internacional ou qualquer outra entidade

fornecer recursos financeiros para ajudar na reparação dos danos nucleares até o limite

previsto no art. 9º da Lei nº 6.453/77: o rateio, nessa hipótese, seguirá os mesmos critérios

apontados, devendo as indenizações por danos pessoais gozar de preferência sobre aquelas

por danos materiais, nos termos do § 2º do art. 10 da Lei nº 6.453/77.

O desejável, no entanto, seria que todos os danos, pessoais e materiais, fossem

indenizados em sua integralidade, mesmo que para isso acorressem recursos oriundos de

outras fontes que não o próprio operador causador do dano. Fato é que a norma, tal como

posta, mais se preocupa com a proteção do patrimônio do operador da instalação nuclear do

que com a reparação do dano sofrido pela vítima, na contramão do novo enfoque solidarista

da dogmática civilista moderna no tema da responsabilidade civil.

Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2012, p. 404) sustenta que a limitação é

inconstitucional, mesmo entendimento adotado por Sérgio Cavalieri Filho (2012, p. 165).

Com efeito, a redação do já assaz mencionado art. 21, inciso XXIII, alínea ―d‖ não

permite que a responsabilidade civil por danos nucleares seja restringida, não podendo lei

infraconstitucional reduzir a sua amplitude.

6.2.6 Prazo prescricional

A prescrição nada mais é do que a perda da pretensão reparatória do direito violado,

em razão da inércia de seu titular dentro dos prazos previstos em lei. O conceito pode ser

extraído da letra do art. 189 do Código Civil, que reza que, ―Violado o direito, nasce para o

titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e

206‖. Naturalmente, leis especiais podem estipular prazos prescricionais específicos para as

matérias que regulam, afastando assim a incidência dos prazos gerais previstos nos artigos

205 e 206 do Código Civil.

Em total consonância com o art. VI, item 1, da Convenção de Viena, o art. 12 da Lei

nº 6.453/77 dispõe que o direito de pleitear indenização por danos nucleares prescreve em 10

(dez) anos, contados da data do acidente nuclear. Já o seu parágrafo único prevê que se o

acidente for causado por material subtraído, perdido ou abandonado, o prazo prescricional

contar-se-á do acidente, mas não excederá a 20 (vinte) anos contados da data da subtração,

perda ou abandono.

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105

Quando a União for demandada em caráter subsidiário por danos nucleares, nos casos

adiante examinados, não será aplicada a prescrição quinquenal que é a regra nas ações contra

a Fazenda Pública, conforme acentua Guilherme José Purvim de Figueiredo:

Não se aplica, assim, a regra geral estabelecida pelo Dec. 20.910/32, segundo a qual

(art. 1º), as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim

todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal,

seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou

fato do qual se originarem (FIGUEIREDO, 2011, p. 418).

Não poderia mesmo ser diferente, já que há danos que demoram muitos mais de 5

(cinco) anos para se caracterizarem. Ulrick Beck afirma com muita propriedade que a

radioatividade escapa completamente à percepção humana imediata, explicando a sua

assertiva da seguinte maneira:

Muitos dos novos riscos (contaminações nucleares ou químicas, substâncias tóxicas

nos alimentos, enfermidades civilizacionais) escapam inteiramente à capacidade

perceptiva imediata. Cada vez mais estão no centro das atenções ameaças que com

frequência não são nem visíveis nem perceptíveis para os afetados, ameaças que,

possivelmente, sequer produzirão efeitos durante a vida dos afetados, e sim na vida

de seus descendentes, em todo caso ameaças que exigem os ―órgãos sensoriais‖ da

ciência – teorias, experimentos, instrumentos de medição – para que possam chegar

a ser visíveis e interpretáveis como ameaças (BECK, 2011, p. 32).

Também Jacques Demajorovic (2003, p. 39) pontua que os riscos nucleares não

podem ser limitados no tempo e espaço. Nessa linha de raciocínio, é forçoso reconhecer que

os próprios prazos de 10 (dez) e 20 (vinte) anos previstos no art. 12 da Lei nº 6.453/77 podem

configurar óbices ao ressarcimento de danos que tardarem interregno superior para aflorarem.

Com efeito, há danos nucleares de caracterização diferida no tempo que a prescrição só pode

sufocar no plano jurídico, sem lhes aniquilar, todavia, a inevitável ocorrência no plano fático.

Exemplos típicos desses danos não imediatos são o aparecimento do câncer em uma vítima do

acidente nuclear anos após a contaminação ou, ainda, o comprometimento da saúde de seus

descendentes, conforme explicam Roger A. Hinrichs et al:

Uma célula danificada pode crescer de maneira nova e descontrolada, passando a

invadir e destruir as células ao seu redor, tornando-se um câncer. Câncer é uma

doença provavelmente causada por diversos fatores, o que inviabiliza explicações

muito simplificadoras. Um fator que pode estar envolvido com o aparecimento de

um câncer é o ataque de vírus às células normais, fazendo que elas passem a se

reproduzir descontroladamente. A radiação e outros agentes carcinogênicos

(químicos e físicos) podem comprometer a resistência de uma célula saudável a esse

vírus. Danos genéticos nas células reprodutivas produzem mutações que serão

transmitidas aos descendentes do indivíduo afetado, apesar de, em muitos casos, isto

não se tornar visível por algumas gerações (HINRICHS et al, 2010, p. 579).

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106

O estabelecimento de prazos para as reclamações relativas às indenizações por danos

decorrentes de acidentes nucleares ignora o fato de que a saúde, a integridade física e a vida

se inserem no rol dos direitos da personalidade, imprescritíveis por natureza.

Dessa forma, melhor andaria a lei se estabelecesse a imprescritibilidade dos danos em

comento, ou, ainda, um arranjo condizente com a teoria da actio nata, que apregoa que o

termo inicial do prazo prescricional para a ação de indenização só ocorre quando o lesado

toma conhecimento do fato ou de suas consequências, já que não se pode exigir que ele

reclame de um fato desconhecido.

Somente uma orientação tal seria capaz de corrigir os inconvenientes do modelo atual,

desenhado para beneficiar o operador da instalação nuclear em detrimento da vítima, em total

descompasso com o que propugna a dogmática civilista moderna.

6.2.7 Obrigatoriedade do seguro ou outra garantia

Acolhendo a diretriz contida no art. VII da Convenção de Viena, o art. 13 da Lei nº

6.453/77 dispõe que o operador da instalação nuclear é obrigado a manter seguro ou outra

garantia financeira que cubra a sua responsabilidade pelas indenizações por danos nucleares.

De acordo com Walter Polido,

Os riscos nucleares são mundialmente ressegurados em pools atômicos,

especialmente constituídos para tal finalidade, pois certamente esse segmento de

risco não poderia ser coberto de maneira convencional, dada a sua natureza

catastrófica. Também os riscos brasileiros são aceitos e retrocedidos ao exterior,

aderindo ao sistema internacional (POLIDO, 2005, p. 289).

No Brasil, a CNEN tem autonomia para determinar quais seriam a natureza e o valor

da garantia prestada no ato da licença de construção ou da autorização para a operação,

levando em conta o tipo, a capacidade, a finalidade, a localização de cada instalação, bem

como os demais fatores previsíveis. Trata-se, pois, de uma condição para o exercício da

atividade pelo operador. Existe a possibilidade de que a CNEN dispense o operador de prestar

garantia em razão dos reduzidos riscos decorrentes de determinados materiais ou instalações

nucleares, bem como de que a natureza e o valor daquela sejam modificados, tanto para mais

como para menos, de acordo com eventuais alterações sofridas pela instalação, conforme os

parágrafos do dispositivo em comento. Assim, o que fica claro é que existe uma clara relação

de direta proporcionalidade entre a garantia prestada e a magnitude dos riscos envolvidos.

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107

As condições gerais de apólice específica para os seguros de riscos nucleares estão

previstas na Circular nº 26, de 22 de julho de 1982, da Superintendência de Seguros Privados

- SUSEP22

. É interessante observar que, nos termos de sua cláusula 4ª, a apólice não

responderá por prejuízos decorrentes, direta ou indiretamente, de guerra, invasão, ato de

inimigo estrangeiro, hostilidade ou operações bélicas, guerra civil, insurreição, rebelião,

revolução, conspiração ou ato de autoridade militar ou de usurpadores de autoridade, bem

como quaisquer outros que visem a instigar a queda do Governo de fato ou de direito, por

meio de atos terroristas ou de violência; de desapropriação permanente ou temporária,

decorrente de confisco, nacionalização, intimação por ordem de qualquer autoridade

legalmente constituída e de qualquer perda, destruição, dano ou responsabilidade legal direta

ou indiretamente causados por armas nucleares, ou para os quais tenham elas contribuído.

Como se pode perceber, é possível que, em certos casos, o operador da instalação

nuclear seja demandado pelo dano nuclear despido de qualquer garantia. Essa é uma das

razões pelas quais a União poderá ser chamada a responder por tal dano, de forma subsidiária,

até o limite legal - ou mesmo além dele, a depender do juízo que se faça acerca da

constitucionalidade do dispositivo que estipula um teto para o valor das indenizações -, tema

que, por sua inegável importância, desafia a abertura de um novo tópico.

6.2.8 Responsabilidade civil subsidiária da União até o limite legal

Em consonância com a parte final do item 1 do art. VII da Convenção de Viena, o art.

14 da Lei nº 6.453/77 coloca a União como garante do pagamento das indenizações até o

limite legal quando insuficientes os provenientes do seguro ou de outra garantia, hipótese em

que ela arcará com os recursos complementares necessários.

O art. 15 da Lei nº 6.453/77, de seu turno, também coloca a União na mesma posição

em relação aos danos decorrentes de acidentes provocados por material nuclear ilicitamente

possuído ou utilizado e não relacionado a qualquer operador.

É claro que a ideia de responsabilização subsidiária da União só terá lugar quando não

for ela própria a operadora, caso em que será responsabilizada em primeiro plano.

22

A SUSEP é uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda. Criada pelo Decreto-lei nº 73, de 21 de

novembro de 1966, que também instituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados, ela tem como atribuições

controlar e fiscalizar os mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro.

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108

Na verdade, como a limitação do valor das indenizações é inconstitucional, é

necessário encontrar uma resposta para o seguinte questionamento: a União pode ser acionada

subsidiariamente para arcar com as indenizações que extrapolem o limite legal?

Maria Helena Diniz (2010, p. 631) pensa que sim, e o fundamento que utiliza para tal

posicionamento é o da socialização dos riscos: uma vez que as atividades nucleares

interessam a toda a coletividade, nada mais justo que a União assuma os riscos de eventuais

acidentes, assegurando assim uma proteção eficaz às vítimas.

José Jairo Gomes, de seu turno, aprofunda no estudo da socialização dos riscos

referida, assinalando o seguinte:

A socialização supõe a progressiva imersão do indivíduo no corpo social. Essa

concepção sustenta que o dever de ressarcir todo e qualquer dano há de ser carreado

ao Estado, e, pois, à sociedade em geral – e não ao seu autor – porquanto todas as

pessoas são beneficiárias dos riscos criados pela vida social. O homem, por outro

lado, não pode deter o progresso e o avanço das ciências, pois tal equivaleria a barrar

sua própria evolução (GOMES, 2005, p. 235).

Dessa forma, é possível afirmar, em síntese, que a responsabilidade subsidiária da

União não se submete ao inconstitucional limite indenizatório posto na lei. Antes, pelo

contrário, vai até onde se fizer necessário para indenizar por completo o dano experimentado

pela vítima. Responsabilizando-se de tal forma o ente público, nada mais se estará fazendo do

que socializando o risco da atividade com a distribuição do ônus entre os membros da

coletividade, destinatários dos benefícios proporcionados pelo funcionamento das instalações

nucleares.

Com tais considerações, encerra-se o estudo proposto sobre o sistema legal brasileiro

de responsabilidade civil por danos nucleares. Tendo em vista que o art. 16 da Lei nº 6.453/77

dispõe que ela não é aplicável às hipóteses de dano causado por emissão de radiação ionizante

quando o fato não constituir acidente nuclear, cumpre então indagar qual será o regime de

responsabilização civil aplicável, questão que desafia a abertura de um novo capítulo.

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7 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS RADIOATIVOS

7.1 A não submissão dos danos radioativos à disciplina da Lei nº 6.453/77

Conforme já se adiantou, o sistema de responsabilidade civil da Lei nº 6.453/77 é

restrito aos danos nucleares, já que o art. 16 do diploma em questão exclui expressamente do

seu âmbito de alcance as hipóteses de danos causados por emissão de radiação ionizante

quando o fato não constituir acidente nuclear. Sobre o assunto, assim discorre Carlos Alberto

Gonçalves:

A Lei nº 6.453/77, no entanto, restringe o conceito de dano nuclear àquele que

envolva materiais nucleares existentes em ―instalação nuclear‖, ou dela procedentes

ou a ela enviados, deixando a descoberto de seu rígido e adequado sistema protetivo

os eventos relativos às instalações radioativas‖, que em outros países também se

encontram sob a égide da responsabilidade nuclear (GONÇALVES, 2012, p. 116).

Dessa forma, restando indene de dúvidas que os danos radioativos não são por ela

abrangidos, há que se proceder a uma perquirição cuidadosa acerca de qual sistema irá regê-

los, inquietação que desafiou a abertura deste novo capítulo. Percebendo a imperfeição de tal

opção legislativa, Carlos Alberto Bittar assinala o seguinte:

Observa-se, assim, infelizmente, que a nossa lei opta pelo sistema fechado de

delimitação das atividades nucleares, circunscrevendo-as, apenas e expressamente,

às realizadas nas instalações nucleares – nos termos indicados no tópico anterior –

com projeção externa apenas em relação ao transporte de substâncias nucleares de

uma instalação para outra instalação. Traça, pois, linhas bem restritas para as

atividades nucleares, inclinando-se, em consequência, por um sistema mínimo de

proteção às eventuais vítimas.

Com efeito, face à citada orientação e em consonância com a diretriz interpretativa

anotada, escapam de seu contexto as demais atividades nucleares que não se

enquadram no circuito enunciado – e, portanto, sem as suas garantias especiais –

ficando subordinadas aos princípios e regras da teoria geral da responsabilidade civil

e, quando muito, conforme o caso, das atividades perigosas, se possível o encarte,

em função dos parâmetros à ocasião expostos (assim, por exemplo, as aplicações

feitas nos diferentes campos possíveis, como industriais, em laboratórios, em

institutos e outros locais em que se empregam as substâncias radioativas).

Não nos parece tenha o nosso legislador acolhido o posicionamento mais adequado

– expresso, em nosso entender, na lei espanhola – pois, conforme salientamos, se,

por uma parte, devem ser incrementadas essas atividades – face ao extenso leque de

novas utilidades proporcionado – há que se garantir, como valores maiores na

sociedade, a vida e a saúde das pessoas que nela se integram, as quais ficam à mercê

dos infinitos riscos defluentes de qualquer atividade relacionada à utilização de

materiais nucleares (BITTAR, 1985, p. 162-163).

As críticas transcritas realmente procedem. Se modernamente a vítima é o foco central

da responsabilidade civil e se, do ponto de vista prático, os efeitos produzidos pelos danos

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nucleares são muito parecidos com aqueles produzidos pelos danos radioativos, não há

mesmo razão convincente para conferir-se tratamento desigual a tais situações.

Carlos Roberto Gonçalves é partidário de um tratamento isonômico para os danos

nucleares e os radioativos, ao afirmar que

[...] com a uniformidade de solução para as diversas situações, ajustar-se-ão ao

espírito protetivo da legislação especial as atividades desenvolvidas nas ‗instalações

radioativas‘, assim consideradas aquelas em que existam riscos de contaminação

pelo grau de perigo que as substâncias empregadas concentrem, em face do

respectivo espectro (GONÇALVES, 2012, p. 116).

Paulo Affonso Leme Machado (2011, p. 971) afirma que ―Em caso de acidente

radioativo, aplica-se a responsabilidade civil objetiva prevista na Lei de Política Nacional do

Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31.8.1981)‖, sem explicar o fundamento dessa posição.

Não se pode concordar integralmente com a assertiva: ela é parcialmente verdadeira, já

que, se por um lado, é pertinente no tocante aos danos ambientais radioativos, não serve para

os danos radioativos pessoais e nem para os patrimoniais que não implicarem ofensa a

microbens ambientais, conforme será visto a seguir.

7.2 A incidência do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, nas atividades radioativas

Não estando as atividades radioativas submetidas à regência da Lei nº 6.453/77, é

preciso examinar se elas podem ser caracterizadas como atividades normalmente

desenvolvidas que, por sua natureza, implicam risco para os direitos de outrem, de maneira a

amoldarem-se à letra do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, atraindo assim a

responsabilização objetiva nele contemplada.

Para tanto, é necessário analisar, em um primeiro momento, a estrutura semântica do

dispositivo, tido como uma verdadeira cláusula geral de responsabilidade objetiva, que ora se

transcreve novamente ―Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos

casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do

dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem‖.

Com o desiderato de se fixar os contornos da norma, fixando-lhe o alcance exato,

convém destrinchar o dispositivo em duas partes.

A primeira, a dispor que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de

culpa, nos casos especificados em lei, não apresenta maiores dificuldades, já que ratifica os

vários diplomas especiais já existentes que cominam a responsabilidade objetiva a

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determinadas atividades para as quais o regime tradicional da responsabilidade subjetiva seria

insuficiente, além de deixar em aberto a possibilidade de que novas leis do mesmo gênero

venham a ser editadas.

A rigor, nem seria necessária essa previsão, já que, mesmo antes dela, diversas leis

esparsas já previam sistemas específicos de responsabilidade, sem sofrer qualquer

contestação, a exemplo do Decreto Legislativo nº 2.681/12 (responsabilidade das estradas de

ferro); do Decreto Legislativo nº 3.7247/19 (responsabilidade civil por acidentes do trabalho);

do Decreto-lei nº 227/67, também conhecido como Código de Minas (responsabilidade pelos

danos causados à propriedade onde ocorre a exploração do minério); Decreto-lei nº 483/38,

também conhecido como Código Brasileiro do Ar (responsabilidade por danos causados a

terceiros no solo); da própria Lei nº 6.453/77 (responsabilidade civil por danos nucleares), da

Lei nº 6.938/81 (responsabilidade por danos causados ao meio ambiente); da Lei 8.078/90,

também conhecida como Código de Defesa do Consumidor (responsabilidade nas relações de

consumo); e da Lei nº 8.884/94, também conhecida como Lei Antitruste (responsabilidade por

infrações contra a ordem econômica), quase integralmente revogada pela Lei nº 12.519/01.

A segunda parte, todavia, apresenta alguns desafios, a saber: identificar o que se

contém na expressão ―atividade normalmente desenvolvida‖ e também o que significa

―implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem‖.

Quanto à primeira, Sérgio Cavalieri Filho bem fundamenta o seu entendimento,

centrando sua análise no termo ―atividade‖:

Em que sentido o Código teria empregado, aqui, a palavra ―atividade‖? Esta é a

questão nodal.

Não nos parece que tenha sido no sentido de ação ou omissão, porque essas palavras

foram utilizadas no art. 186 na definição do ato ilícito. Vale dizer: para configurar a

responsabilidade subjetiva (que normalmente decorre da conduta pessoal,

individual) o Código se valeu das expressões ―ação‖ ou ―omissão‖. Agora, quando

quis configurar a responsabilidade objetiva em uma cláusula geral, valeu-se da

palavra ―atividade‖. Isso, a toda evidência, faz sentido. Aqui não se tem em conta a

conduta individual, isolada, mas sim a atividade como conduta reiterada,

habitualmente exercida, organizada de forma profissional ou empresarial para

realizar fins econômicos. Reforça essa conclusão o fato de que a doutrina e a própria

lei utilizam a palavra ―atividade‖ para designar serviços. No Direito Administrativo,

por exemplo, define-se serviço público com o emprego da palavra ―atividade‖

(CAVALIERI FILHO, 2012, p. 186-187).

Quanto ao restante da expressão –―normalmente desenvolvida‖- não há dificuldades

ou celeumas doutrinários: diz respeito à regularidade com que o serviço é prestado, à

habitualidade referida por Sérgio Cavalieri Filho no trecho transcrito, em oposição a seu

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exercício extraordinário. Nessa última hipótese, a atividade deixaria então de ser normalmente

desenvolvida pelo agente para se caracterizar como algo excepcional, não corriqueiro.

No tocante à segunda expressão, há espaço para polêmica ao se buscar aferir quando é

que a atividade implica, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Poder-se-ia

enxergar essa natureza somente nas atividades que possuem um risco notoriamente acentuado,

filiando-se à subteoria do risco excepcional abordada no Capítulo 5, ou concebê-la também

em atividades que apresentem riscos que lhe são inerentes, conquanto sejam moderados. A

depender do caminho trilhado, estar-se-ia dando um caráter restritivo ou extensivo à

expressão. Para os efeitos do estudo proposto, contudo, tanto faz a inclinação por uma ou

outra diretriz, já que as atividades radioativas, dotadas de riscos intrínsecos, estarão

inquestionavelmente colhidas pela expressão em comento.

Assim é que a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas,

industriais e atividades análogas em instalações radioativas, se dotada de regularidade ou

habitualidade, será considerada atividade radioativa que implica, por sua natureza, risco para

os direitos de outras pessoas, atraindo, assim, a disciplina do art. 927, parágrafo único, do

Código Civil, e subordinando-se, por consequência, à responsabilização objetiva nele

contemplada.

7.3 A especificidade da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente causados

pelas atividades radioativas

O recurso ao art. 927, parágrafo único, do Código Civil, de modo a tornar objetiva a

responsabilidade civil pelos danos decorrentes das atividades radioativas, somente se aplica

àqueles de natureza pessoal ou patrimonial que não se caracterizarem como danos ao meio

ambiente, uma vez que estes contam com um sistema específico de responsabilidade,

desenhado na Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.

A Lei nº 6.938/81, em seu art. 14, § 1º, contempla também a responsabilidade objetiva,

assim prevista:

Art. 14 [...]

§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor

obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos

causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério

Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de

responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente (BRASIL,

1981).

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Poder-se-ia indagar então qual é a relevância de se distinguir entre, de um lado, os

danos radioativos pessoais e patrimoniais (excetuados os que simultaneamente também se

caracterizarem como danos ambientais) e, de outro, os danos radioativos ambientais ou danos

ambientais radioativos, já que em ambos os casos a responsabilidade será igualmente objetiva,

prescindindo assim da demonstração de culpa. A resposta é simples: o fundamento utilizado

em um ou outro caso arrastará consigo a incidência das demais disposições normativas de

cada um dos respectivos sistemas, acarretando importantes consequências de ordem prática.

Em excelente estudo sobre o dano ambiental, José Rubens Morato Leite e Patrick de

Araújo Ayala (2011, p. 99-101) listam como algumas características do dano tradicional o

fato de eles atingirem pessoas (pessoalidade) ou seus bens, a certeza, a atualidade, a

subsistência, a anormalidade, a existência de um nexo causal definido, a prescritibilidade, a

relativa facilidade na produção probatória, entre outras, ao passo que, relativamente ao dano

ambiental, que pode ser puro (quando atinge componentes ambientais) ou reflexo (quando

incide nas esferas individuais), elencam como alguns traços possíveis a impessoalidade, a

incerteza, a futuridade, a gradatividade, a tolerância social, a indefinição do nexo de

causalidade, a imprescritibilidade, a maior complexidade na produção de provas etc.

Nessa ordem de ideias, os danos ambientais decorrentes do exercício desastrado das

atividades radioativas serão regidos pelo sistema da Lei nº 6.938/81, sendo necessário

identificar, no entanto, no caso concreto, se o dano ambiental radioativo experimentado pela

vítima do acidente radioativo foi puro ou reflexo, já que há consequências práticas no campo

da prescrição.

Quando se trata de um dano ambiental radioativo puro, entendido como aquele que

molesta o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na sua acepção

difusa de macrobem, imaterial e incorpóreo, a agressão a esse bem pertencente a toda

coletividade não pode ser regida pelas regras clássicas de prescrição do Direito Civil. Na falta

de regras específicas quanto à prescrição do dano ambiental no Brasil, sustenta-se tanto em

âmbito doutrinário quanto jurisprudencial, sem polêmicas, que tal espécie de dano há de ser

reputada imprescritível, já que a fixação de limites temporais poderia aniquilar a fruição

metaindividual do referido direito.

No entanto, em se tratando de um dano ambiental radioativo reflexo, que atinge

interesses individuais relacionados à propriedade sobre elementos ambientais em sua acepção

particularizada de microbem, com projeção apenas incidental sobre o macrobem ambiental, aí

sim pode incidir a regra clássica de prescrição contida no art. 206, § 3º, inciso V, do Código

Civil, que dispõe que prescreve em 3 (três) anos a pretensão de reparação civil. No entanto,

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nada impede que seja ajuizada uma ação civil pública pelo Ministério Público ou por

quaisquer dos demais legitimados em defesa do macrobem ambiental atingido, caso em que a

demanda não estará sujeita a prazos prescricionais.

Em conclusão, verifica-se que o mesmo acidente radioativo pode afetar o meio

ambiente tanto em sua dimensão de macrobem quanto de microbem, dando ensejo, por

conseguinte, a pretensões reparatórias coletivas em sentido lato e a pretensões individuais,

que serão gravadas, respectivamente, pela imprescritibilidade ou pela prescritibilidade.

7.4 Estudo de caso: o acidente radioativo de Goiânia sob o ângulo da responsabilidade

civil

Os contornos fáticos do acidente radiológico de Goiânia, que é uma espécie de

acidente radioativo, já foram abordados no item 4.4, de modo que, neste momento, não se

tenciona repeti-los. Pretende-se analisá-lo, desta feita, sob o prisma jurídico, dando-se

especial destaque para o tema de responsabilidade civil. A localização deste tópico no

presente capítulo justifica-se por permitir avaliar com um caso concreto a incidência (ou não)

das linhas teóricas adrede mencionadas, perquirindo-se criticamente se houve acerto nas

decisões judiciais que enfrentaram o problema nos tribunais.

Nesse iter, optou-se por se reportar, num primeiro momento, a uma das várias

demandas de caráter individual propostas, nas quais as vítimas experimentaram perdas

patrimoniais relacionadas a elementos ambientais em sua acepção particularizada de

microbem, para, em seguida, dar-se notícias de uma demanda coletiva em que foram pedidas

indenizações destinadas ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, relativas à agressão ao

direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na sua conformação de

macrobem. Para fechar a análise jurisprudencial do enfrentamento do acidente pelos tribunais,

abordou-se mais uma demanda individual, desta feita relacionada a danos pessoais sofridos

por algumas vítimas em razão do desastre.

De início, cumpre proceder-se então à transcrição da ementa de um acórdão

relacionado a uma demanda individual, cujos detalhes serão adiante expostos:

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.

DEMOLIÇÃO DE IMÓVEL. CÉSIO 137. PRESCRIÇÃO.

1. Tendo a área onde situada a casa dos Autores sido evacuada e isolada, a

construção demolida e sobre o terreno colocado um bloco de concreto para isolar o

lixo radioativo que ali permanecerá por 150 anos, evitando a propagação da radiação

pelos terrenos vizinhos, a conduta administrativa equivale, em seus efeitos, a uma

desapropriação indireta, justificando-se a aplicação do prazo de prescrição ditado

pela Súmula 119 do STJ.

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2. Apelação a que se nega provimento. Remessa oficial parcialmente provida.

(TRF1, Apelação Cível nº 1997.35.00.009798-3/GO, 6ª Turma, Relatora

Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, Julgado em 28/04/2006 e

publicado no D.J em 15/05/2006, p. 92).

Na origem, os Autores Euleriano Antônio dos Santos, Euglogina dos Santos,

Genoveva Lázaro dos Santos, Reginer Ribeiro Santos, Otaílio Teodoro Valadão e Sandra

Regina Valadão postularam, na qualidade de herdeiros, indenização por danos morais e

materiais contra a União Federal, a CNEN, o Estado de Goiás, o Instituto da Previdência e

Assistência dos Servidores do Estado de Goiás – IPASGO –, e as pessoas naturais Criseide

Castro Dourado, Flamarion Barbosa Goulart, Júlio José Rozental, Sebastião Ferreira de

Carvalho, por terem perdido a casa em que sua mãe vivia em virtude da sua contaminação

pelo Césio-137.

Na petição inicial distribuída ao juízo a quo, os autores alegaram que, a partir de 1º de

outubro de 1987, foi isolada uma área de 2.000 m2 (dois mil metros quadrados),

compreendendo 25 (vinte e cinco) casas, que foram evacuadas para que fosse desenvolvido o

trabalho de remoção de resíduos radioativos, sendo que, entre as casas mencionadas,

encontrava-se a da mãe deles, que teve que ser demolida. De acordo com os autores, no

terreno onde se situava a casa, foi em seguida colocado um bloco de concreto para bloquear o

lixo radioativo, evitando assim a propagação da radiação, que, por questões de segurança, ali

deverá ficar por 150 (cento e cinquenta) anos. Ainda segundo a inicial, eles e sua mãe tiveram

que ser afastados compulsoriamente do imóvel aludido.

Como a ação de indenização somente foi ajuizada em 1997, entendeu-se na primeira

instância pela ocorrência da prescrição quinquenal em favor da União e da CNEN, deixando-

se de reconhecê-la em favor do Estado de Goiás apenas por ausência de arguição. Irresignado,

o Estado de Goiás interpôs recurso de apelação.

Na apreciação do caso em segunda instância, a 6ª Turma do Tribunal Regional da 1ª

Região afastou logo de início a incidência dos prazos prescricionais previstos na Lei nº

6.453/77, considerando acertadamente que ela somente se aplica aos danos nucleares e não

aos danos radioativos.

Em seguida, considerou não ser possível a aplicação da prescrição quinquenal de

demandas contra a Fazenda Pública no caso concreto, tendo em vista que a ação proposta

objetivou recompor o prejuízo causado por desapossamento que se caracteriza como

desapropriação indireta, a justificar a invocação da Súmula 119 do Superior Tribunal de

Justiça, segundo a qual a ação de indenização por desapropriação indireta prescreve em 20

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(vinte) anos. O valor da indenização foi quantificado de modo a abranger o valor do terreno e

respectivas construções, acrescido de juros compensatórios de 12% (doze por cento) ao ano

desde a data do desapossamento e de juros moratórios de 6% (seis por cento) ao ano. Na

mesma decisão, deu-se parcial provimento à remessa oficial para submeter a questão, via

Recurso Especial, à apreciação do Superior Tribunal de Justiça, sempre por unanimidade.

Naquela corte, o Recurso Especial recebeu o número 930.589, estando ainda pendente de

julgamento.

Veja-se que a solução dada pela 6º Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região

foi juridicamente irretocável. Se por um lado, a demanda, por possuir um caráter individual,

não é imprescritível, por outro, não poderia mesmo ser regida pelo exíguo prazo prescricional

das demandas contra entes públicos quando, na verdade, o desapossamento da casa aniquilou

o exercício dos principais atributos de sua propriedade pelos autores, caracterizando

inequivocamente a hipótese de desapropriação indireta, prescritível em 20 (vinte) anos.

Dando prosseguimento à análise das repercussões jurídicas do acidente, cumpre agora

enfocar a fundamentação de outra decisão judicial em uma ação coletiva por meio da qual se

buscou a tutela do meio ambiente na sua acepção de macrobem. Tendo em vista o vultoso

corpo da respectiva ementa, optou-se por transcrever, neste momento, apenas o seu caput,

remetendo-se o leitor para os anexos caso queira ter acesso à sua íntegra:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MEIO AMBIENTE. ACIDENTE

RADIOLÓGICO EM GOIÂNIA COM BOMBA DE CÉSIO 137. DANO

AMBIENTAL E PESSOAL. PRESCRIÇÃO. PODER DE POLÍCIA,

FISCALIZAÇÃO DE ATIVIDADES COM APARELHOS RADIOATIVOS.

VIGILÂNCIA SANITÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA

UNIÃO FEDERAL.

FISCALIZAÇÃO DE CLÍNICA MÉDICA. RESPONSABILIDADE DA

SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE. ABANDONO DE MATERIAL

RADIOATIVO POR PROPRIETÁRIO DA CLÍNICA.

NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA. SOLIDARIEDADE DECORRENTE DE

ATO ILÍCITO.

OBRIGAÇÃO DE FAZER (PRESTAÇÃO DE ATENDIMENTO MÉDICO

HOSPITALAR ÀS VÍTIMAS), OBRIGAÇÃO DE DAR (PAGAMENTO AO

FUNDO DE DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS).

(TRF1, Apelação Cível nº 2001.01.00.014371-2 / GO, 5ª Turma, Relatora

Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Julgado em 27/07/2005 e

publicado no D.J em 15/08/2005).

O julgado ora analisado diz respeito a ação civil pública proposta na origem pelo

Ministério Público Federal, em litisconsórcio ativo facultativo com o Ministério Público do

Estado de Goiás (posteriormente excluído da lide), contra a União Federal, a CNEN, o Estado

de Goiás, o IPASGO, e as pessoas naturais Carlos de Figueiredo Bezerril, Criseide Castro

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Dourado, Orlando Alves Teixeira e Flamarion Barbosa Goulart, proprietários e físico,

respectivamente, do IGR, e Amaurillo Monteiro de Oliveira, responsável pela demolição do

prédio em que se encontrava o equipamento, com base em inquérito civil público instaurado

em razão do acidente radiológico com a bomba de Césio-137.

Na extensa petição inicial que inaugurou o feito, os autores narraram em minúcias as

circunstâncias em que se deram os fatos e, ao final, requereram a responsabilização civil,

mediante condenação: a) da União Federal, posto que titular do monopólio da exploração dos

materiais nucleares e seus derivados, ao pagamento de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de

reais) ao Fundo Estadual do Meio Ambiente; b) da CNEN, cujas atribuições relativas ao poder

de polícia e controle dos materiais radioativos não foram preventivamente exercidas, ao

pagamento da importância de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a ser revertida ao Fundo

Estadual do Meio Ambiente; c) do Estado de Goiás, a quem competia a fiscalização das

unidades hospitalares, ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao Fundo Estadual do

Meio Ambiente; d) do IPASGO, proprietário do terreno em que se situava o antigo edifício do

IGR, por não haver promovido as medidas necessárias à vigilância do local, até a remoção dos

equipamentos ali abandonados, ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao Fundo

Estadual do Meio Ambiente; e) dos demais réus, médicos proprietários do IGR e físico

supervisor da manipulação do material relativo, pela inobservância das regras afetas à

respectiva licença de utilização do aparelho radiológico, ao pagamento individual de R$

100.000,00 (cem mil reais), destinados ao Fundo Estadual do Meio Ambiente. Foram

pleiteadas, ainda, cominações em várias obrigações de fazer relativamente à União, Estado de

Goiás e CNEN, entre as quais algumas destinadas a satisfazer interesses individuais das

vítimas.

Encerrada a instrução e proferida a sentença, foi reconhecida a ilegitimidade ativa do

Ministério Público Federal em relação aos últimos pedidos, bem como se promoveu a

exclusão da relação processual, por ilegitimidade passiva, da União Federal, de Carlos

Figueiredo Bezerril, de Criseide Castro Dourado e de Orlando Alves Teixeira. Foi

reconhecida a prescrição quinquenária do pedido de condenação do Estado de Goiás, mas

incoerentemente condenou-se a CNEN ao pagamento de R$ 1.000.000,00 (um milhão de

reais) ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei nº 7.347/85 e

Decreto nº 1.306/94, bem como a sujeição a diversas obrigações de fazer. Também o

IPASGO, assim como Flamarion Barbosa Goulart e Amaurillo Monteiro de Oliveira, foram

condenados ao pagamento individual de R$ 100.000,00 (cem mil reais), cada um, ao Fundo

de Defesa de Direitos Difusos.

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Irresignados, cada qual por seu motivo, apresentaram recurso de apelação o Ministério

Público Federal, a CNEN, o IPASGO e Amaurillo Monteiro de Oliveira.

Na análise das preliminares, considerou-se não haver prescrição a ser decretada em

relação a quaisquer dos réus ao argumento de que o dano ambiental, por ser de ordem pública,

é indisponível e insuscetível de prescrição, embora patrimonialmente aferível. Nesse ponto,

ficou implícito que a referência foi dirigida ao meio ambiente na acepção de macrobem e não

na de microbem, como não poderia deixar de ser em uma demanda de natureza coletiva.

No mérito, manteve-se a sentença apelada para o efeito de considerar a União parte

ilegítima, ao argumento de que a fiscalização das clínicas que utilizem aparelhos de radiologia

compete apenas às Secretarias de Saúde dos Estados, e não também ao Ministério da Saúde,

de forma concorrente. Nesse particular, laboraram em erro os julgadores, conforme será

demonstrado mais à frente.

Com base no Decreto nº 77.052, de 19 de janeiro de 1976, que dispõe sobre a

fiscalização sanitária e sua execução e estabelece, em seu artigo 1º, que compete às

Secretarias de Saúde dos Estados verificar a adequação das condições do ambiente onde se

processa a atividade profissional, a existência de instalações, equipamentos e aparelhagem,

meios de proteção capazes de evitar efeitos nocivos e técnicas de utilização dos

equipamentos, reformou-se a sentença monocrática para condenar o Estado de Goiás a pagar

ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos nos termos da Lei nº 7.437/85 e Decreto nº 1.306/94

a indenização de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e a cumprir obrigações de fazer diversas,

relacionadas principalmente ao atendimento especial médico-hospitalar às vítimas e a seu

devido acompanhamento.

Reformou-se a sentença ainda no ponto em que excluíra da lide Carlos Figueiredo

Bezerril, Criseide de Castro Dourado e Orlando Alves Teixeira, sócios proprietários do IGR,

declarando-se sua legitimidade passiva ad causam. Reputou-se que eles agiram com culpa

porque deixaram de prever o previsível ao transferiram a sede da clínica para outro endereço,

abandonando no antigo prédio a bomba de Césio-137 sem comunicar o fato à CNEN ou à

Secretaria de Estado de Saúde. Fixou-se a condenação deles de forma solidária a pagarem ao

Fundo de Defesa de Direitos Difusos a indenização de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

No tocante à CNEN, considerou-se que à época dos fatos já era atribuição sua a de

esclarecer a população sobre o perigo dos rejeitos radioativos, razão pela qual se entendeu que

existiu nexo de causalidade entre a sua omissão e o fato danoso, embora não tão imediato

quanto o nexo de causalidade entre a omissão da autoridade sanitária do Estado de Goiás e o

mesmo evento. Considerando não haver motivos para a fixação da condenação da CNEN em

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patamares superiores àquela imposta ao Estado de Goiás, reduziu-se o seu valor para R$

100.000,00 (cem mil reais) ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos e reformou-se ainda a

sentença para dela decotar algumas obrigações de fazer impostas à CNEN estranhas às suas

atribuições, tais como a prestação de assistência médico-hospitalar, transporte de ambulância,

manutenção de sistema de notificação epidemiológica e de centro de atendimento a médicos.

Quanto ao IPASGO, manteve-se a sua condenação ao pagamento de indenização de

R$ 100.000,00 (cem mil reais) para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos com os mesmos

argumentos da sentença recorrida, ou seja, considerou-se que a inobservância de seus deveres

civis de proprietário fez com que o referido instituto deixasse transcorrer in albis a última

chance de evitar o acidente, omitindo-se quando lhe era imposto agir.

Nenhum reparo tampouco foi feito em relação a Amaurillo Monteiro de Oliveira, pelo

que novamente se considerou que o seu comportamento foi imprudente, já que ele demoliu

parte do prédio sem tomar providências para retirar a bomba de Césio-137 do imóvel que

ficou devassado, o que permitiu que catadores de sucata nele adentrassem e se apoderassem

do temido artefato e o partissem ao meio. Por tais motivos, manteve-se a sua condenação ao

pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos.

Como se vê, o julgado analisou com vagar a responsabilidade civil de cada um dos

atores envolvidos na trama nefasta. No entanto, na análise pormenorizada das condutas

deflagradoras do resultado danoso ao macrobem ambiental, quer comissivas ou omissivas,

nem sempre houve acerto. A conduta omissiva da União no sentido de fiscalizar, por meio do

Ministério da Saúde, as instalações guarnecidas de equipamentos radiológicos, em

concorrência com a Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, foi indevidamente

desconsiderada ao argumento de que a atribuição legal para tanto competia apenas e tão

somente ao último órgão aludido.

No entanto, em outra oportunidade, ao analisar nova demanda, esta de cunho

individual, a 6ª Turma do Tribunal Regional da 1ª Região entendeu de forma diversa. Os

catadores de sucata Roberto Santos Alves e Wagner Mota Pereira, pessoas que descobriram a

peça contendo o pó brilhante de Césio-137 e posteriormente a venderam a um ferro velho,

dando início a toda a tragédia, foram severamente contaminados: Roberto sofreu grave lesão

no braço direito, a qual culminou com a amputação desse membro, ao passo que Wagner teve

radiolesões não cicatrizadas nas mãos e pés com alterações hematológicas. Na ação de

reparação de danos pessoais, eles acionaram os mesmos réus mencionados no julgado

anterior, tendo então o referido órgão fracionário da corte, por ocasião da apreciação de um

agravo retido, reconhecido a legitimidade passiva ad causam da União. Novamente, em razão

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do tamanho do julgado, optou-se por transcrever apenas o caput de sua ementa, remetendo-se

o leitor aos anexos para ter acesso ao seu inteiro teor:

ADMINISTRATIVO E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE

RADIOATIVO. BOMBA DE CÉSIO 137. DANOS PESSOAIS. AGRAVO

RETIDO. NÃO REQUERIMENTO EXPRESSO DE SUA APRECIAÇÃO NAS

RAZÕES DO APELO. NÃO CONHECIMENTO. PRELIMINAR DE CARÊNCIA

DE AÇÃO AFASTADA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO

RECONHECIDA. CONEXÃO E LITISPENDÊNCIA NÃO CONFIGURADAS.

ABONDONO DO APARELHO DE RADIOTERAPIA. FISCALIZAÇÃO DE

ATIVIDADES COM APARELHOS RADIOATIVOS. NEGLIGÊNCIA E

IMPRUDÊNCIA. SOLIDARIEDADE DECORRENTE DE ATO ILÍCITO.

OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOS CIVIS.

(TRF1, Apelação Cível nº 2003.01.00.038194-4/GO, 6ª Turma, Relatora Convocado

Juiz Federal David Wilson de Abreu Pardo, Julgado em 22/10/2007 e publicado no

D.J. em 07/12/2007).

Em mais um desdobramento do feito, por ocasião da interposição de Recurso Especial,

a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reapreciou a questão, corroborando então o

entendimento da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no sentido da

responsabilidade concorrente da União pela fiscalização dos equipamentos de radioterapia:

ADMINISTRATIVO. DIREITO NUCLEAR. RESPONSABILIDADE CIVIL

OBJETIVA DO ESTADO. ACIDENTE RADIOATIVO EM GOIÂNIA. CÉSIO

137. ABANDONO DO APARELHO DE RADIOTERAPIA. DEVER DE

FISCALIZAÇÃO E VIGILÂNCIA SANITÁRIO-AMBIENTAL DE ATIVIDADES

COM APARELHOS RADIOATIVOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA

UNIÃO E DOS ESTADOS. LEGITIMIDADE PASSIVA.

1. A vida, saúde e integridade físico-psíquica das pessoas é valor ético-jurídico

supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em relação a todos os outros,

tanto na ordem econômica, como na política e social.

2. O art. 8º do Decreto 81.394⁄1975, que regulamenta a Lei 6.229⁄1975, atribuiu ao

Ministério da Saúde competência para desenvolver programas de vigilância sanitária

dos locais, instalações, equipamentos e agentes que utilizem aparelhos de

radiodiagnóstico e radioterapia.

3. Cabe à União desenvolver programas de inspeção sanitária dos equipamentos de

radioterapia, o que teria possibilitado a retirada, de maneira segura, da cápsula de

Césio 137, que ocasionou a tragédia ocorrida em Goiânia em 1987.

4. Em matéria de atividade nuclear e radioativa, a fiscalização sanitário-ambiental é

concorrente entre a União e os Estados, acarretando responsabilização solidária, na

hipótese de falha de seu exercício.

5. Não fosse pela ausência de comunicação do Departamento de Instalações e

Materiais Nucleares (que integra a estrutura da Comissão Nacional de Energia

Nucelar – CNEN, órgão federal) à Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, o grave

acidente que vitimou tantas pessoas inocentes e pobres não teria ocorrido.

Constatação do Tribunal de origem que não pode ser reapreciada no STJ, sob pena

de violação da Súmula 7.

6. Aplica-se a responsabilidade civil objetiva e solidária aos acidentes nucleares e

radiológicos, que se equiparam para fins de vigilância sanitário-ambiental.

7. A controvérsia foi solucionada estritamente à luz de violação do Direito Federal, a

saber, pela exegese dos arts. 1º, I, ―j‖, da Lei 6.229⁄1975; 8º do Decreto 81.384⁄1978;

e 4º da Lei 9.425⁄96.

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8. Recurso Especial não provido. (STJ, Recurso Especial nº 1.180.888 - GO

(2010⁄0030720-3); Relator Ministro Herman Benjamin; STJ, 2ª Turma, Julgado em

17/06/2010 e publicado no DJE em 28/02/2012).

O Recurso Especial em tela foi manejado pela União, que alegou, entre outras teses,

não possuir legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, pelo que requereu a

extinção do feito sem julgamento de mérito, uma vez que os recorridos, a seu sentir, não

haviam comprovado culpa ou dolo por parte dos agentes estatais, não se aplicando o art. 37, §

6º, da Constituição Federal de 1988. Insurgiu-se ainda contra o entendimento abraçado pela

corte de origem, no sentido de que é dever da União "fiscalizar e vasculhar todos os imóveis

nos quais já tenham se instalado clínicas radioterápicas para verificar a existência de

equipamentos potencialmente danosos à comunidade local que tenham sido abandonados por

seus antigos proprietários", a exemplo do IGR, que era de propriedade do Instituto de

Previdência do Estado de Goiás à época do acidente.

Ao analisar a argumentação expendida nas razões recursais, a 2ª Turma do Superior

Tribunal de Justiça concluiu, por unanimidade, pela existência de nexo de causalidade entre a

omissão da União e o resultado danoso experimentado pelos recorridos, tanto pela ausência de

pronta resposta da CNEN quanto ao destino que deveria ter sido dado ao equipamento após o

desligamento do IGR, como ainda por meio do Ministério da Saúde, que não desenvolveu

plano de programas de vigilância sanitária dos locais, instalações, equipamentos e agentes que

utilizem aparelhos de radiodiagnóstico e radioterapia, em afronta ao disposto no art. 8º do

Decreto nº 81.384/1978, regulamentador da Lei nº 6.229/1975, vigente à época dos fatos.

Laborou em acerto a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao confirmar a

legitimidade passiva ad causam da União e a condenação sofrida pelo referido ente público

no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, não só porque essa é a melhor exegese da

legislação infraconstitucional em vigor, que prevê a concorrência de competências

fiscalizatórias nesse campo entre União e Estados, como também porque, em se tratando de

atividades tão arriscadas como as que envolvem o uso de equipamentos radiológicos, a

inviolabilidade do direito à segurança da coletividade, prevista no caput do art. 5º da

Constituição Federal de 1988, é mais bem resguardada com um duplo controle, realizado por

órgãos integrantes de entes estatais diversos.

Conclui-se, de um modo geral, que o enfrentamento do acidente radioativo de Goiânia

pelos tribunais foi tecnicamente adequado com a responsabilização de seus causadores de

forma objetiva, embora não se possa deixar de lamentar o grande atraso na prestação

jurisdicional que se constata ao lançar os olhos sobre as datas das respectivas decisões.

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Tecidos esses apontamentos, resta apenas analisar a questão da responsabilidade civil

por danos causados por rejeitos radioativos, tema que desafia a abertura de um novo e

propositalmente derradeiro capítulo. Considerando que os rejeitos despontam no final do ciclo

do combustível nuclear e também já na etapa de descartes das aplicações dos materiais

radioativos na agricultura e em indústrias, clínicas médicas, hospitais, centros de pesquisa

etc., nada mais adequado do que tratar dos danos eventualmente causados por eles no fecho

do presente trabalho.

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8 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS DECORRENTES DOS REJEITOS

RADIOATIVOS

8.1 Classificação dos rejeitos e dos depósitos

Os rejeitos radioativos, também chamados de rejeitos atômicos ou ainda de lixo

radioativo ou atômico são uma fonte de ameaça para toda a humanidade, como bem anota

Ulrich Beck:

É certo que os riscos não são uma invenção moderna. Quem – como Colombo – saiu

em busca de novas terras e continentes por descobrir assumiu riscos. Estes eram,

porém, riscos pessoais, e não situações de ameaça global, como as que surgem para

toda a humanidade com a fissão nuclear ou com o acúmulo de lixo nuclear. A

palavra ―risco‖ tinha, no contexto daquela época, um tom de ousadia e aventura, e

não o da possível autodestruição da vida na Terra (BECK, 2011, p. 25).

São geradas e estocadas, anualmente, toneladas de rejeitos radioativos em todo o

mundo, sem que, até hoje, tenha sido encontrada uma solução definitiva acerca do destino de

todo esse lixo, perigoso por natureza. Paulo de Bessa Antunes bem contextualiza a questão do

lixo atômico no caso brasileiro, basicamente identificando-a como proveniente de três fontes:

Os problemas mais significativos existentes no Brasil referentes aos rejeitos

radioativos são aqueles causados pelo Césio 137, na cidade de Goiânia, capital do

Estado de Goiás; pelos rejeitos da usina nuclear de Angra dos Reis e por

mineradoras que trabalham como material radioativo na extração mineral e,

simplesmente, deixam o rejeito decorrente de sua atividade para que a sociedade e o

Poder Público o tratem (ANTUNES, 2009, p. 865).

A Lei nº 10.308, de 20 de novembro de 2001, dispõe sobre a seleção de locais, a

construção, o licenciamento, a operação, a fiscalização, os custos, a indenização, a

responsabilidade civil e as garantias referentes aos depósitos de rejeitos radioativos, e dá

outras providências.

Na dicção do art. 1º, inciso III, da Lei nº 6.453/77, produtos ou rejeitos radioativos são

os materiais radioativos obtidos durante o processo de produção ou de utilização de

combustíveis nucleares, ou cuja radioatividade se tenha originado da exposição às irradiações

inerentes a tal processo. Ainda de acordo com o art. 1º, inciso IV, do referido diploma, os

rejeitos radioativos são considerados materiais nucleares, ao passo que o art. 1º, inciso VI,

alínea ―c‖ dispõe que são consideradas instalações nucleares os locais de armazenamento de

materiais nucleares. O dispositivo exclui do conceito os radioisótopos que tenham alcançado o

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estágio final de elaboração e que possam ser utilizados para fins científicos, médicos,

agrícolas, comerciais ou industriais.

Ocorre que, para os fins da Lei nº 10.308/2001, também os rejeitos relacionados à

utilização científica, médica, agrícola, comercial ou industrial são considerados rejeitos

radioativos. Isso porque o parágrafo único do seu art. 1º dispõe que ―Para efeito desta Lei,

adotar-se-á a nomenclatura técnica estabelecida nas normas da Comissão Nacional de Energia

Nuclear – CNEN‖. A norma CNEN-NE 6.06, de novembro de 1989, em seu item 17, dispõe

que rejeito radioativo (ou simplesmente rejeito) é ―qualquer material resultante de atividades

humanas, que contenha radionuclídeos em quantidades superiores aos limites de isenção de

acordo com Norma da CNEN, e para o qual a reutilização é imprópria ou imprevista‖. Dessa

forma, no sistema da Lei nº 10.308/2001, rejeitos radioativos não se restringem àqueles

oriundos do ciclo do combustível nuclear, abrangendo também os rejeitos derivados das

demais formas de aplicação da tecnologia nuclear mencionadas.

Estabelecida essa premissa, cumpre então salientar que os rejeitos radioativos podem

ser classificados quanto ao estado físico em líquidos, sólidos e gasosos; quanto

à natureza da radiação, que pode ser de raios alfa, beta e/ou gama e ainda quanto à

concentração, que pode ser de baixa, média ou alta radioatividade23

. Cada tipo de rejeito

demandará cuidados específicos e por essa razão será destinado a um local apropriado para a

sua natureza, denominado depósito, em nome do resguardo da segurança.

Os depósitos são classificados em provisórios, iniciais, intermediários e finais.

Os depósitos provisórios são construídos a critério exclusivo da CNEN, em situações

excepcionais, nos casos de acidentes radiológicos ou nucleares. A seleção do local, projeto,

construção, operação e administração dos depósitos provisórios, ainda que executados por

terceiros devidamente autorizados, são de exclusiva responsabilidade da CNEN, bem como a

assunção de todos os custos, inclusive os relacionados à remoção de rejeitos e

descomissionamento, e bem assim a fiscalização deles, no campo de competência específica

atribuída por lei à CNEN. Independem de licenciamento24

e devem ser desativados, com a

23

No Brasil, apenas a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto produz rejeitos de alta radioatividade.

24 Malgrado a ausência de previsão no corpo da lei em comento, Paulo Affonso Leme Machado diz que a

construção de depósito provisório está sujeita a licenciamento ambiental. Segundo ele, ―Os prazos podem ser

diminuídos, mas não as medidas de precaução, pois a provisoriedade não pode significar agressão à saúde e à

segurança dos indivíduos, da sociedade e da natureza‖ (2011, p. 983-984). A visão do autor em questão é um

tanto quanto ingênua, já que, na prática, ocorrendo um acidente radioativo (radiológico ou não) ou nuclear, a

urgência de se guardar temporariamente os rejeitos gerados em um depósito provisório é tanta que não há tempo

para submetê-lo a qualquer tipo de licenciamento. Pensar em sentido contrário aumentaria a possibilidade de

agressão à saúde, à segurança dos indivíduos, da sociedade e da natureza e não o contrário, como sustenta o

mencionado ambientalista.

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transferência total dos rejeitos para depósito intermediário ou depósito final, segundo

critérios, procedimentos e normas especialmente estabelecidos pela CNEN.

Os depósitos iniciais destinam-se ao armazenamento dos rejeitos radioativos no espaço

físico da instalação nuclear que os tenha gerado ou no local de extração ou de beneficiamento

de minério, por um período definido de tempo, ao passo que os depósitos intermediários são

aqueles destinados a receber e, eventualmente, acondicionar rejeitos radioativos, objetivando

a sua futura reutilização ou remoção para depósito final, em observância aos critérios de

aceitação e outros definidos pela CNEN. Já os depósitos finais25

, também designados

repositórios, são aqueles destinados a receber, em observância aos critérios estabelecidos pela

CNEN, os rejeitos radioativos provenientes de depósitos ou armazenamentos iniciais,

depósitos intermediários e depósitos provisórios. Todos esses conceitos estão contidos na

norma CNEN-NE-6.06, de dezembro de 1989.

À exceção dos depósitos provisórios, todos os demais (iniciais, intermediários e finais)

serão construídos, licenciados, administrados e operados segundo critérios, procedimentos e

normas estabelecidos pela CNEN (sem prejuízo das licenças ambientais e outras legalmente

exigíveis), sendo vedado, nos depósitos finais, o recebimento de rejeitos radioativos na forma

líquida ou gasosa.

Importa destacar que é da União, com base nos arts. 21, inciso XXIII, e 22, inciso

XXVI, da Constituição Federal de 1988, por meio da CNEN, no exercício das competências

que lhe são atribuídas pela Lei nº 6.189, de 16 de dezembro de 1974, modificada pela Lei nº

7.781, de 27 de junho de 1989, a responsabilidade pelo destino final dos rejeitos radioativos

gerados em território nacional, competência reforçada pelo art. 2º da Lei nº 10.308/2001.

Indaga-se então: onde serão construídos os depósitos? Esse é um assunto que demanda

a abertura de um novo tópico.

8.2 Localização dos depósitos

A definição dos locais onde serão construídos os depósitos é problemática do ponto de

vista prático, já que ser vizinho do perigo não é interessante para quem quer que seja. Não se

pode imaginar que alguém, em sã consciência e no perfeito gozo de suas faculdades mentais,

acharia bom que a CNEN construísse um depósito de rejeitos radioativos, seja provisório,

25

Os terrenos selecionados para depósitos finais serão declarados de utilidade pública e desapropriados pela

União, quando já não forem de sua propriedade, nos termos do parágrafo único do art. 6º da Lei nº 10.308/01.

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inicial, intermediário ou final no quintal de sua casa. Aqui ocorre mais uma manifestação do

que o Direito Ambiental chama de síndrome do NIMB – not in my backyard, ou seja, não no

meu quintal. Tal qual se passa em relação às usinas nucleares26

, os depósitos de rejeitos

radioativos, pelos inerentes riscos que apresentam, ocasionam desvalorização imobiliária,

apreensão da população, que passa a viver sob estado de alerta, entre outros efeitos que

explicam a pouca simpatia de que gozam na opinião pública. Somente sob o crivo das normas

regularmente editadas é possível viabilizar essas escolhas, sem embargo das naturais

contestações que podem ocorrer, bastante frequentes ao redor do mundo.

De acordo com a dicção dos arts. 5º e 6º da Lei nº 10.308/2001, a seleção de locais

para depósitos iniciais obedecerá aos critérios estabelecidos pela CNEN para a localização das

atividades produtoras de rejeitos radioativos, ao passo que a seleção de locais para instalação

de depósitos intermediários e finais obedecerá não só aos critérios estabelecidos pela CNEN,

como também a seus procedimentos e normas. Assim é que, no caso dos depósitos

intermediários e finais, a opção pelos locais em que serão instalados deve estar de acordo

também com norma CNEN-NE-6.06. Em qualquer das hipóteses, contudo, é a CNEN que fará

a escolha do Município que receberá o depósito.

Considerando-se que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, § 6º, dispõe que

as usinas que operem com reator nuclear deverão ter a sua localização definida em lei federal,

sem o que não poderão ser instaladas, questiona-se se a norma vale também para a localização

dos depósitos de rejeitos radioativos. Paulo Affonso Leme Machado entende que sim, ao

argumento de que pelo menos no tocante aos rejeitos provenientes de usina com reator

nuclear, deve haver lei federal específica, já que, como não existe consulta ao Estado e ao

Município27

escolhido, a manifestação dos parlamentares federais é necessária (2011, p. 986).

De fato, esse seria um caminho que conferiria um grau mínimo de legitimidade a uma

intervenção tão violenta e indesejada pelas comunidades locais como essa. Já em relação aos

rejeitos provenientes de instalações radioativas, se distintos daqueles oriundos das instalações

nucleares, poder-se-ia admitir a dispensa de lei prévia ao se analisar o ordenamento jurídico

posto, embora não se possa deixar de reconhecer que a chancela parlamentar também seria

bem-vinda nesses casos, em que pese a sua não obrigatoriedade.

26

Ulrick Beck observa com precisão que ―Onde quer que uma usina nuclear ou termoelétrica seja construída ou

planejada, caem os preços dos terrenos‖. (2011, p. 45).

27 Goza de consenso o entendimento de que o Município não pode vedar a construção de depósitos de rejeitos

radioativos em seu espaço geográfico. No entanto, se determinada área estiver destinada a uma finalidade

específica no plano diretor, a CNEN, em tese, não poderia utilizá-la para a construção daqueles. Caberia a ela,

nessa hipótese, escolher outra área adequada sem o embaraço apontado.

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Feitas essas ponderações, cumpre perquirir-se acerca do destino dado aos rejeitos

radioativos nos dias atuais, tarefa que exige uma diferenciação didática entre rejeitos

relacionados à utilização científica, médica, agrícola, comercial ou industrial da tecnologia

nuclear e rejeitos do ciclo de combustível.

Os rejeitos da primeira categoria, compreendidos como aqueles gerados na produção

de radioisótopos e na sua aplicação na indústria, clínicas médicas, hospitais, centros de

pesquisa, agricultura etc., estão sendo atualmente armazenados nas unidades administradas

pela CNEN, conforme aponta Goro Horimoto:

No Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, em São Paulo, onde são tratados

os rejeitos gerados no próprio instituto e aqueles recolhidos de hospitais, clínicas,

indústrias, universidades e centros de pesquisa localizados principalmente na região

sul do país, além do Estado de São Paulo;

No Instituto de Engenharia Nuclear, no Rio de Janeiro, onde são tratados os rejeitos

gerados no próprio instituto e aqueles recolhidos de hospitais, clínicas, indústrias,

universidades e centros de pesquisa localizados no Estado do Rio de Janeiro;

No Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear, em Belo Horizonte, onde

são tratados os rejeitos gerados no próprio instituto e aqueles recolhidos de

hospitais, clínicas, indústrias, universidades e centros de pesquisa localizados nos

demais estados brasileiros (HORIMOTO, 1999, p. 15).

Já quanto aos rejeitos do ciclo de combustível, gerados durante as etapas de fabricação

e utilização do combustível nuclear, retrocedendo-se desde a mineração até o

reprocessamento ou armazenamento do combustível queimado, novamente Goro Horimoto

(1999, p. 15) tece esclarecimentos sobre o local onde são depositados:

Na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, em Angra dos Reis, onde estão

armazenados os rejeitos gerados na própria usina.

No Complexo Industrial de Poços de Caldas, onde estão armazenados os rejeitos

gerados na purificação de concentrados de urânio e tório.

Nos depósitos da antiga Usina Santo Amaro, já desativada, em São Paulo e Botuxim

(SP), onde estão armazenados os rejeitos gerados na purificação de terras raras

extraídas da monazita (HORIMOTO, 1999, p. 15).

O alvo de maior preocupação, evidentemente, são os rejeitos de alta radioatividade

produzidos nas usinas nucleares em funcionamento no Brasil, sobre os quais vale conferir a

síntese feita por José Eli da Veiga:

Finalmente, a dor de cabeça mais séria: os rejeitos radioativos, apelidados de lixo

radioativo ou lixo atômico. São classificados em três categorias: os de baixa

radioatividade, podem ser manipulados sem necessidade de blindagem; os de média,

exigem blindagens para proteção dos operadores; e os de alta radioatividade,

contidos no combustível usado, requerem, além da blindagem, o resfriamento por

longos períodos, para remover o calor que geram continuadamente.

Nas usinas de Angra dos Reis, após tratamento (conforme o tipo: compactação,

incineração, evaporação, filtração, lavagem de gases, etc.), os rejeitos das duas

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primeiras categorias são acondicionados em tambores de 200 litros e estocados em

depósitos iniciais, especialmente projetados e construídos para esse fim, na própria

central, estando à espera de implantação, no Brasil, de um repositório definitivo,

prometido para 2018. Já os elementos combustíveis usados, que contêm os de alta

radioatividade, são inicialmente mantidos dentro das usinas, em piscinas

refrigeradas, para posterior armazenagem de longo prazo em depósito especialmente

projetado e construído para esse fim. No Brasil, esse depósito de longo prazo está

prometido para 2026, prevendo posterior decisão quanto ao aproveitamento do

plutônio e urânio residual (reprocessamento e reciclagem) (VEIGA, 2011, p. 16-17).

No Relatório do Grupo de Trabalho Fiscalização e Segurança Nuclear da Comissão de

Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, foi explicitada a

razão pela qual está ocorrendo tanta demora na construção de um depósito definitivo:

No Brasil, todo combustível nuclear usado até agora está acondicionado em

estruturas inseridas em uma piscina de água purificada no próprio sítio da região de

Angra dos Reis, onde ficam os dois reatores nucleares de potência [...]. A adoção de

um depósito definitivo vem sendo postergada devido à rejeição dos governos

estaduais e municipais: eles não querem receber esse material em seu território

(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2007, p. 142-143).

Justamente para vencer essa resistência é que o art. 34 da Lei nº 10.308/2001 prevê

uma compensação financeira aos Municípios não inferior a 10% (dez por cento) dos custos

pagos à CNEN pelos depositantes finais de rejeitos nucleares, que serão recebidos e

transferidos mensalmente.

Nos depósitos iniciais e intermediários em que não houver pagamento à CNEN, o

titular da autorização da operação da instalação geradora de rejeitos pagará diretamente a

compensação ao Município, em valores estipulados pela CNEN, levando em consideração

valores compatíveis com a atividade da geradora e os parâmetros estabelecidos no § 1º do art.

18, conforme preceitua o § 3º do art. 34, todos da Lei nº 10.308/2001.

Trata-se de uma medida de estímulo ao Município para receber em seus domínios tão

delicado empreendimento, cuja manutenção, no tocante aos resíduos altamente radioativos,

pode chegar até dez mil anos.

Se no plano interno se busca estimular, como visto, que Municípios se candidatem a

essa incômoda presteza mediante o pagamento de generosas compensações financeiras, por

outro lado se proíbe expressamente em lei que, no plano internacional, o Brasil aceite receber

rejeitos radioativos de outros países, por mais tentadores que sejam os estímulos financeiros

oferecidos, ainda mais atrativos em períodos de crise econômica. Nesse sentido é que o art. 36

da Lei nº 10.308/2001 dispõe que é proibida a importação de rejeitos radioativos,

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proporcionando assim um antídoto legal para que o Brasil se resguarde contra eventuais

investidas externas, vindas principalmente de países desenvolvidos.

8.3 Atribuições legais para a concepção do projeto, construção, instalação,

administração e operação dos depósitos

No art. 8º da Lei nº 10.308/2001, ressalva-se que o projeto, a construção e a instalação

de depósitos iniciais de rejeitos radioativos são de responsabilidade do titular da autorização

outorgada pela CNEN para operação da instalação onde são gerados os rejeitos. A ele também

competirão sua administração e operação, consoante dispõe o art. 12 da Lei nº 10.308/2001,

bem como os custos relativos à seleção de locais, projeto, construção, instalação,

licenciamento, administração, operação e segurança física dos depósitos iniciais, nos termos

do art. 16 da Lei nº 10.308/2001.

No entanto, no que tange ao projeto, construção e instalação de depósitos

intermediários e finais de rejeitos radioativos, a responsabilidade é da CNEN, o que não obsta

a delegação desses serviços a terceiros, hipótese em que será mantida a responsabilidade

integral da CNEN, nos termos do art. 9º e seu parágrafo único da Lei nº 10.308/2001.

Idêntico raciocínio se aplica à administração e operação desses depósitos: também

cabem à CNEN e podem ser delegados a terceiros, sem exclusão da responsabilidade daquela,

nos termos do art. 13 da Lei nº 10.308/2001.

Os custos relativos à seleção de locais, projeto, construção, instalação, licenciamento,

administração, operação e segurança física dos depósitos intermediários e finais, na mesma

toada, serão suportados pela CNEN, mas ela poderá celebrar com terceiros convênios ou

ajustes de mútua cooperação relativos à efetivação total ou parcial dessas atividades,

tampouco se isentando, com isso, de sua responsabilidade, consoante o disposto no art. 17 da

Lei nº 10.308/2001.

No entanto, o serviço de depósito intermediário e final de rejeitos radioativos não é

gratuito, como a norma pode aparentar à primeira vista: os seus respectivos custos deverão ser

indenizados à CNEN pelos depositantes, conforme tabela aprovada pela Comissão

Deliberativa da CNEN, a vigorar a partir do primeiro dia útil subsequente ao da publicação no

Diário Oficial da União, como dispõe o art. 18 da Lei nº 10.308/2001, havendo isenção

apenas para os projetos vinculados à Defesa Nacional.

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130

8.4 Licenciamento e fiscalização dos depósitos

A tão almejada sustentabilidade ambiental, traduzida numa equidade intergeracional,

conta com valiosos instrumentos de garantia, sendo talvez o mais corpulento deles o instituto

do licenciamento ambiental, vocacionado a conferir efetividade aos princípios da precaução e

da prevenção, tão caros à disciplina do Direito Ambiental. Sua importância é enfatizada pelo

simples fato de que, por meio dele, o Estado atua antes da ocorrência de perturbações de toda

sorte ao meio ambiente, buscando controlar e limitar as atividades potencialmente

degradadoras.

Em relação ao licenciamento dos depósitos iniciais, intermediários e finais, a

competência é da CNEN, no que respeita especialmente aos aspectos referentes ao transporte,

manuseio e armazenamento de rejeitos radioativos e à segurança e proteção radiológica das

instalações, sem prejuízo da licença ambiental e das demais licenças legalmente exigíveis, nos

termos de seu art. 10 da Lei nº 10.308/2001, ao passo que a fiscalização deles será exercida

pela CNEN, no campo de sua competência específica, sem prejuízo do exercício por outros

órgãos de atividade de fiscalização prevista em lei, conforme dispõe o seu art. 11. Vê-se,

portanto, que tal como ocorre com as instalações nucleares, também em relação aos depósitos

de rejeitos radioativos, independentemente da categoria, são necessárias pelo menos duas

licenças: uma a cargo da CNEN e outra a cargo do IBAMA.

Noutro giro, importa destacar que os órgãos responsáveis pela fiscalização desses

depósitos enviarão anualmente ao Congresso Nacional relatório sobre a sua situação,

conforme dispõe o art. 35 da Lei nº 10.308/2001. Nesse ponto, a lei se coaduna perfeitamente

com o quanto previsto no art. 21, XXIII, ―a‖, e no art. 49, XVI, da Constituição Federal de

1988, que preconizam, respectivamente, que toda atividade nuclear somente será admitida

com aprovação do Congresso Nacional e que é de sua competência exclusiva aprovar

iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares.

Não se previu, contudo, qualquer sanção para o descumprimento dessa obrigação por

parte da CNEN, IBAMA e outros órgãos porventura dotados, por lei, de competência

fiscalizatória. Nesse cenário, como bem ressalta Paulo Affonso Leme Machado, ―o Ministério

Público Federal tem uma grande tarefa em fazer cumprir essa obrigação de informar, através

de recomendações, inquéritos civis e propositura de ação civil pública‖. (2011, p. 944).

Com efeito, em matérias tão comumente tratadas com a insígnia do sigilo, como tudo

o que diz respeito ao universo da energia nuclear, é deveras salutar que o aparato institucional

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131

do Estado possa se movimentar dentro de uma dinâmica de freios e contrapesos para exigir

transparência quando ela é sonegada, em nome do interesse público.

Luís Paulo Sirvinskas discorre com maestria sobre o direito correlato a essa obrigação,

que é o direito à informação:

O direito à informação é extremamente importante para o cidadão (art. 5º, XX-

XXIII, da CF). Todo cidadão tem o direito de receber as informações necessárias de

seu interesse particular ou coletivo para poder tomar as medidas adequadas. Assim,

não é lícito o sigilo pura e simplesmente. É necessário que o cidadão tome

conhecimento do pedido de licenciamento da instalação nuclear, bem como do

material radioativo produzido e dos rejeitos que serão eliminados ou estocados na

área (SIRVINSKAS, 2012, p. 355).

Em síntese, pode-se afirmar que não há melhor fiscal da regularidade do exercício de

uma atividade do que o povo; no entanto, sem a prestação das devidas informações pelos

órgãos estatais incumbidos da fiscalização e controle dos depósitos de rejeitos radioativos, a

sociedade fica impedida de cobrar o cumprimento da lei, com inquestionável prejuízo para a

democracia.

8.5 Responsabilidade civil pelos danos causados por rejeitos radioativos propriamente

dita

Enfim, o assunto que mais de perto interessa ao trabalho dentro do presente capítulo: a

temática da responsabilidade civil pelos danos causados pelos rejeitos radioativos.

Inicialmente, há que se dizer que os rejeitos provenientes de instalações nucleares dão

ensejo à eclosão de danos que são enquadrados na categoria de danos nucleares, já que os

depósitos de rejeitos dessa natureza são locais de armazenamento de materiais nucleares e,

como tais, amoldam-se ao conceito de instalações nucleares vazado na Lei nº 6.453/77,

atraindo, assim, a incidência desse mesmo diploma.

Já os rejeitos oriundos das instalações radioativas, embora não dêem azo à ocorrência

de danos nucleares, também serão regidos pela Lei nº 6.453/77, já que o art. 32 da Lei nº

10.308/01 dispõe textualmente que ―A responsabilidade civil por danos decorrentes das

atividades disciplinadas nesta Lei será atribuída na forma da Lei nº 6.453, de 1977‖.

Dessa forma, a distinção tem apenas valor acadêmico, mas pouca relevância prática, já

que tanto os danos provocados por rejeitos oriundos do ciclo de combustível nuclear como os

provenientes de usos ligados à indústria, clínicas médicas, hospitais, centros de pesquisa,

agricultura etc. são submetidos à mesma disciplina, acrescida das particularidades previstas na

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132

especial regulação da Lei nº 10.308/01. Naturalmente, a mesma sorte toca aos depósitos que

recebam rejeitos de ambas as origens.

É importante destacar ainda que tal diploma, a Lei nº 10.308/01, utiliza a terminologia

―danos radiológicos‖ impropriamente, já que os rejeitos que aportam nos depósitos não são

provenientes apenas de clínicas de radiologia, mas de toda e qualquer fonte de emissões que

manipula a tecnologia nuclear. Melhor seria que o legislador tivesse optado por uma

expressão compreensiva de todos os usos da tecnologia nuclear28

.

A lei em comento prevê, em seu art. 19, que nos depósitos iniciais, a responsabilidade

civil por danos radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais causados por rejeitos neles

depositados, independente de culpa ou dolo, é do titular da autorização para operação daquela

instalação, ao passo que, nos depósitos intermediários e finais, a responsabilidade civil,

também independente de culpa ou dolo, é da CNEN, nos termos do art. 20.

Da cláusula de remissão contida no art. 32, já mencionada, resulta que também haverá

limitação da responsabilidade do titular da operação ao art. 9º da Lei nº 6.453/77, que reza

que ―A responsabilidade do operador pela reparação do dano nuclear é limitada, em cada

acidente, ao valor correspondente a um milhão e quinhentas mil Obrigações Reajustáveis do

Tesouro Nacional‖. Como já se asseverou alhures, a limitação do valor da indenização não

passa pelo filtro do exame de constitucionalidade, já que, como dito, o art. 21, inciso XXIII,

alínea ―d‖, da Constituição Federal de 1988 não permite que a responsabilidade civil por

danos nucleares seja restringida, valendo o mesmo para os danos causados por rejeitos, sejam

de qual espécie forem. A rigor, em relação aos danos ambientais causados pelos rejeitos, nem

seria necessário taxar a limitação contida no regime da Lei nº 6.453/77 de inconstitucional, já

que, em relação a eles, há um sistema especial de responsabilidade, já tratado neste trabalho,

qual seja, o da Lei nº 6.938/81, que não compactua com limitações no quantum indenizatório.

Paulo Affonso Leme Machado critica, com razão, a técnica legislativa utilizada nesses

dispositivos, já que, em vez de dizer ―independente de culpa ou dolo‖, bastaria consignar

―independente de culpa‖ que já estaria bem dito, caminho trilhado, aliás, pela Lei nº 6.453/77,

que em seu art. 4º utiliza a expressão ―independentemente da existência de culpa‖. (2011, p.

981).

28

Muito embora o termo ―radioativo‖ não se confunda com o termo ―nuclear‖, conforme importante

diferenciação já trabalhada, a ementa do diploma sugere que o adjetivo ―radioativos‖ utilizado para qualificar os

rejeitos oriundos tanto de instalações nucleares como radioativas foi empregado em uma acepção lata. Nessa

toada, ainda que cometendo deslize terminológico, haveria coerência no corpo do texto se, em vez da expressão

―danos radiológicos‖, fosse utilizada a expressão ―danos radioativos‖.

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133

Com efeito, a acepção lata do termo culpa abrange tanto o dolo como a culpa em

sentido estrito, sendo suficiente para expressar ambos os elementos subjetivos. De toda forma,

ainda que pecando na redação, o legislador seguiu a diretriz propugnada no art. 21, XIII,

alínea ―d‖, da Constituição Federal de 1988, para estabelecer a responsabilidade objetiva em

relação a esses danos.

8.6 O transporte e a remoção dos rejeitos radioativos entre os depósitos sob o enfoque da

responsabilidade civil

Quando se fala em transporte de rejeitos entre depósitos, obrigatoriamente se está

dizendo que o veículo empregado para tanto utiliza a via pública. Aliás, é nesse ponto que

repousa a distinção entre transporte e remoção. Na remoção, os rejeitos são levados dos

depósitos iniciais para os intermediários ou para os finais dentro do próprio complexo nuclear,

sem que seja necessário se recorrer a vias públicas para o deslocamento em questão.

O transporte dos rejeitos entre um tipo de depósito e outro, como é intuitivo, também

apresenta riscos, e é exatamente por tal motivo que se afigura desejável que as distâncias

envolvidas sejam as menores possíveis. A logística dos rejeitos deve priorizar a minimização

dos riscos, sendo este, inclusive, um critério técnico importante a ser levado em conta no

momento de seleção do local onde o depósito será construído. A lei cuidou de disciplinar as

competências relativas à remoção do lixo atômico entre os depósitos mencionados – de

iniciais para intermediários e finais e de intermediários para finais –, abrangendo ainda, em

sua dicção, a questão dos custos respectivos.

No transporte de rejeitos dos depósitos iniciais para os depósitos intermediários ou de

depósitos iniciais para os depósitos finais, a responsabilidade civil por danos ―radiológicos‖

pessoais, patrimoniais e ambientais causados por rejeitos radioativos é do titular da

autorização para operação da instalação que contém o depósito inicial, conforme preceitua o

art. 21 da Lei nº 10.308/2001, ao passo que no transporte de rejeitos dos depósitos

intermediários para os depósitos finais, a responsabilidade civil é da CNEN, que continuará

integralmente responsável mesmo que delegue o referido serviço de transporte, conforme

estipula o art. 22 da Lei nº 10.308/200129

.

A remoção de rejeitos de depósitos iniciais para depósitos intermediários ou de

depósitos iniciais para depósitos finais, a seu turno, sempre precedida de autorização

29

O art. 177, § 3º, da Constituição Federal, prevê que a lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais

radioativos no território nacional.

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134

específica da CNEN, é da responsabilidade do titular da autorização para operação da

instalação geradora dos rejeitos, que arcará com todas as despesas diretas e indiretas

decorrentes, nos termos do art. 14 da Lei nº 10.308/2001.

Já a remoção de rejeitos dos depósitos intermediários para os depósitos finais é de

responsabilidade da própria CNEN, que arcará com todas as despesas diretas e indiretas

decorrentes, sendo possível também a delegação a terceiros sem exoneração de sua

responsabilidade, conforme preceitua o art. 15 da Lei nº 10.308/2001.

Como se pode perceber, a lei coerentemente tratou o transporte e a remoção dos

rejeitos radioativos de maneira uniforme. Seria deveras inconcebível conferir disciplina

diversa a atividades tão similares, razão pela qual o diploma legal, neste particular, é digno de

encômios.

8.7 A necessidade de seguro ou outra garantia financeira para a operação dos depósitos

O mesmo seguro ou outra garantia financeira que deve ser mantido obrigatoriamente

pelo operador da instalação nuclear para cobrir a sua responsabilidade pelas indenizações por

danos nucleares é necessário para que possam ser concedidas as autorizações para operação

de depósitos iniciais, intermediários ou finais, nos termos do art. 23 da Lei nº 10.308/2001,

mesmo que eles não se enquadrem tecnicamente no conceito de instalação nuclear, como é o

caso daqueles que recebem apenas rejeitos derivados das formas de aplicação da tecnologia

nuclear que não estejam inseridas no ciclo de combustível nuclear.

A regra não se aplica aos depósitos provisórios, já que a situação emergencial que dá

ensejo à construção deles não compactua com a contratação de um seguro ou garantia

congênere. Com efeito, a flexibilização das exigências para a edificação de depósitos dessa

natureza, também exemplificada pela dispensa de licenciamento, melhor resguarda o interesse

público, consubstanciado na necessidade de solução imediata para o urgente problema dos

rejeitos resultantes de acidentes nucleares ou radiativos.

Como o titular da autorização para operar a atividade geradora dos rejeitos é o

responsável pela operação e administração dos depósitos iniciais, é dele a obrigação de prestar

seguro ou outra garantia financeira.

Noutro giro, decorre da redação do art. 23 da Lei nº 10.308/2001 que a própria CNEN

deve prestar garantia para que ela mesma possa se licenciar no tocante aos depósitos

intermediários ou finais, sem prejuízo da licença a cargo do órgão ambiental e das demais

licenças exigidas em lei.

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135

É importante lembrar que a lei permite ainda que a operação e o descomissionamento

dos depósitos intermediários e finais sejam delegados a terceiros. Nessa hipótese, o prestador

de serviços deverá oferecer garantia para cobrir as indenizações por danos radiológicos, o que

não afasta a responsabilidade da CNEN.

Ocorre que a CNEN, após ser acionada em eventual demanda indenizatória, poderá

voltar-se contra os terceiros que receberam a delegação para atuar em seu nome e o fizeram

sem a observância das devidas cautelas. A garantia em questão favorece a CNEN, já que,

podendo ela ser demandada em primeiro plano pela vítima, não poderia se ver alijada de

mecanismos para se ressarcir posteriormente perante o prestador de serviço que tenha agido

culposa ou dolosamente. Cumpre ressaltar que o direito de regresso em relação a prestadores

de serviço só poder ser exercido pela CNEN quando eles tenham agido, no mínimo, de forma

culposa, conforme exige o art. 33 da Lei nº 10.308/2001.

Pode-se afirmar, em balanço, que a obrigatoriedade da prestação de garantias para a

operação dos depósitos deu-se de tal abrangente forma que todas as suas espécies e possíveis

operadores foram contemplados no texto legal, do que se extrai, também neste particular, o

seu inegável mérito.

8.8 A obrigatoriedade de fornecimento de guarda policial pelo Estado para garantia da

segurança física e inviolabilidade dos depósitos provisórios: uma abordagem à luz da

Constituição Federal de 1988

O art. 30 da Lei nº 10.308/2001 estabelece que o Estado em cujo território ocorrer o

acidente e a consequente instalação dos depósitos provisórios será responsável pelo

fornecimento de guarda policial para a garantia da sua segurança física e inviolabilidade.

Andou mal o legislador nesse ponto, já que o art. 21, inciso XIII, da Constituição Federal de

1988, diz competir à União explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza.

Ora, sendo os depósitos provisórios uma espécie de serviço nuclear, não se concebe

como pode a Polícia Militar do Estado onde ocorrer o acidente ser compelida a exercer tal

múnus, nem tampouco como o Estado em questão pode ser responsabilizado civilmente em

caso de falha na segurança física deles, como estipula o parágrafo único do art. 31 da Lei nº

10.308/2001.

A inconstitucionalidade dos dispositivos em questão é manifesta, restando

caracterizada clara afronta à repartição de competências materiais trazidas pelo texto magno.

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136

Faz-se mister ponderar, todavia, que razões de ordem prática recomendam que o

encargo da segurança seja realmente atribuído ao Estado até que a União, por meio de seus

órgãos competentes, tenha acesso ao local da instalação e a partir daí assuma o ônus em

questão. Seria deveras um atentado contra a razoabilidade deixar-se de recorrer, temporária e

excepcionalmente, às corporações dos Estados, maciçamente presentes na grande maioria dos

Municípios brasileiros, para atuar nessas situações calamitosas até o momento da chegada da

Polícia Federal ou do Exército. O interesse público exige que elas atuem, não deixando hiatos

de submissão da população aos riscos de contaminação em razão da completa ausência do

Poder Público. Apenas durante esse curto período em que as Polícias Militares dos Estados

estiverem incumbidas da inviolabilidade dos depósitos provisórios é que se pode pensar em

responsabilizar o Estado por eventuais falhas ou omissões; fora dele, a previsão legal aludida

não faz sentido.

Somente o arranjo ora sugerido (possibilidade de responsabilização dos Estados

unicamente até a chegada dos órgãos competentes da União) é capaz de garantir a segurança

física e inviolabilidade dos depósitos provisórios sem ultrajar o pacto federativo.

Por fim, impende gizar que o art. 31, caput, da Lei nº 10.308/2001, dispõe que a

responsabilidade civil por danos radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais causados

por rejeitos nos depósitos provisórios ou durante o transporte do local do acidente para o

depósito provisório e deste para o depósito final é da CNEN. Veja-se que aqui o dano não está

relacionado à falha na segurança física dos depósitos, cuja responsabilidade respectiva, como

se viu, foi atribuída ao Estado, não sem a mácula da incostitucionalidade.

8.9 A titularidade dos direitos sobre os rejeitos radioativos

O art. 26 da Lei nº 10.308/2001 dispõe sobre a titularidade dos direitos sobre os

rejeitos radioativos: pelo simples ato de entrega para armazenamento nos depósitos

intermediários ou finais, o titular da autorização para operação da instalação geradora

transfere à CNEN todos os direitos sobre os rejeitos entregues. A esse respeito, lúcidas são as

considerações de Paulo Affonso Leme Machado:

Na transferência para a CNEN dos rejeitos existentes em um depósito inicial

transfere-se a obrigação de uma sadia e segura gestão do rejeito, mas não se

transfere o ―passivo ambiental‖, pois se houvesse tal transferência ocorreria o

enriquecimento ilícito do primeiro gestor dos rejeitos – o titular da autorização da

atividade gestora de rejeitos (MACHADO, 2011, p. 985)

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Sem dúvida alguma, o passivo ambiental não é transferido para a CNEN, não só pela

vedação ao enriquecimento ilícito que funciona como diretriz principiológica que incide sobre

todo o ordenamento jurídico, como também pela obediência devida ao princípio do poluidor

pagador, que apregoa, em termos bem concisos, que o causador da deterioração no meio

ambiente deve arcar com os custos exigidos para recuperar a área poluída e prevenir novas

perturbações da mesma ordem.

Com tais considerações, encerra-se a análise do sistema normativo contemplado na Lei

nº 10.308/2001, concluindo-se que, apesar da inconstitucionalidade de alguns dispositivos e

da imprecisão terminológica de outros, é louvável a preocupação do legislador em regular a

responsabilidade civil por danos provocados pelos rejeitos. Já é, sem dúvida, um ponto de

partida para ulteriores aprimoramentos.

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9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa não poderia adentrar na análise dos sistemas de responsabilidade

civil afetos ao universo nuclear ou atômico propriamente dita sem antes pavimentar-lhes as

trilhas de acesso com a bagagem conceitual indispensável para a assimilação do assunto.

Assim é que o Capítulo 2 partiu da constatação de que as normas jurídicas sofrem cada

vez mais o influxo de terminologias que habitualmente lhes eram estranhas, próprias das

ciências naturais construtivas do progresso tecnológico, na tentativa de acompanhar o

extraordinário avanço científico experimentado pela sociedade pós-moderna. Tomou-se por

base o fato de que, pouco a pouco, os textos legislativos passam a incorporar nomenclaturas

técnicas com as quais o operador do Direito precisa se familiarizar para atuar com destreza e

desembaraço. Nesse cenário, foram esmiuçados os conceitos de radioatividade, meia-vida,

fissão e fusão nuclear, bem como, já com recurso ao plano normativo, os de reatores e

combustíveis nucleares, assim como os de instalações e danos nucleares, em contraponto aos

de instalações e danos radioativos. De mais relevante nessa empreitada, concluiu-se que dano

nuclear é o dano - pessoal ou material - produzido como resultado direto ou indireto das

propriedades radioativas, da sua combinação com as propriedades tóxicas ou com outras

características dos materiais nucleares, que se encontrem em instalação nuclear, ou dela

procedentes ou a ela enviados, ao passo que o dano radioativo ou radiativo, por exclusão, é

aquele produzido como resultado direto ou indireto das propriedades radioativas, de sua

combinação com as propriedades tóxicas ou com outras características dos materiais

nucleares, que se encontrem fora de uma instalação nuclear e que dela não sejam procedentes

ou não sejam a ela enviados.

Após deixar bem assentada essa diferença, o Capítulo 3 cuidou de demonstrar o quão

dependente da tecnologia nuclear é a vida na sociedade pós-moderna. Ao destrinchar os mais

diversos campos de sua aplicação, demonstrou-se que, na atualidade, todos estão sujeitos aos

perigos inerentes a esses usos, independentemente de sua posição na escala social. No tocante

à utilização da energia nuclear, inferiu-se que a opção por seu uso na matriz energética de um

dado país deve levar em conta as peculiaridades de seu território e a sua demanda interna em

dado momento e que, no caso brasileiro, o anunciado incremento do parque nuclear não seria

razoável pelo fato de existirem outras fontes à disposição no vasto território nacional, mais

limpas, mais econômicas e mais seguras. Já na análise empreendida com relação aos atores na

área da tecnologia nuclear no Brasil, concluiu-se que o arranjo institucional pátrio peca ao

concentrar nas mãos do mesmo órgão, a CNEN, as atribuições de incentivo ao uso da

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tecnologia nuclear e de fiscalização das respectivas atividades. Com semelhante introspecção,

verificou-se que não existe monopólio da União no tocante à operação de usinas

termonucleares, do que decorre que as novas usinas contempladas no plano de expansão da

planta nuclear brasileira podem ser operadas pela iniciativa privada, atendidos os requisitos

legais e constitucionais.

Já o Capítulo 4, ao investigar as circunstâncias em que ocorreram os acidentes de

Three Mile Island, Chernobyl, Fukushima e Goiânia, permitiu concluir que a contabilidade

das vítimas e prejuízos financeiros decorrentes de desastres dessa natureza é alvo de intensa

manipulação, mas independentemente de super ou sub estimativas, os danos verificados em

concreto possuem características muito semelhantes, notabilizando-se entre elas o caráter

predominantemente difuso de suas manifestações.

No Capítulo 5, destinado a percorrer a dogmática civilista da teoria geral da

responsabilidade civil sob uma perspectiva histórica, concluiu-se que o ordenamento jurídico

brasileiro assistiu a um processo de expansão das hipóteses de responsabilidade objetiva em

detrimento da responsabilidade subjetiva, entre as quais passou a figurar a responsabilidade

civil por danos nucleares versada na Lei nº 6.453/77. Deduziu-se ainda que a maior

importância dada ao risco, erigindo-o ao status de fundamento de objetivação da

responsabilidade, pode ser explicada pela gradual superação do paradigma do patrimônio pelo

paradigma da pessoa.

Adentrando finalmente no problema posto de antemão, o Capítulo 6 cuidou de

esmiuçar os dispositivos da Lei nº 6.433/77. Firmou-se, logo de início, que o dano nuclear que

se projeta sobre o meio ambiente não terá a sua natureza transmudada para a de dano

ambiental em respeito à especialidade da norma. Mais adiante, depois de maturada reflexão,

concluiu-se que as excludentes gerais de responsabilidade civil por danos nucleares,

consubstanciadas em conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional

fato da natureza não foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988, já que seu art.

21, XXIII, ―d‖, não abre exceção alguma ao preconizar que a responsabilidade civil por danos

nucleares será objetiva em qualquer hipótese. Também se inferiu que o teto das indenizações

por danos nucleares no Brasil, quantificado atualmente em R$ 77.175.000,00 (setenta e sete

milhões, cento e setenta e cinco mil reais), para além de injusto, já que deixaria desamparadas

as vítimas que sofressem danos superiores a tal soma, também não resiste ao cotejo com o art.

21, XXIII, ―d‖, da Constituição Federal de 1988, cujo conteúdo não pode ser restringido por

lei infraconstitucional. Assim é que se defendeu que a responsabilidade civil subsidiária da

União também não se submete ao inconstitucional limite indenizatório posto na lei, impondo-

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se, no particular, a socialização dos riscos da atividade. No tocante ao estabelecimento de

prazos prescricionais para as demandas voltadas a responsabilizar os operadores das

instalações pelos danos nucleares causados, conquanto não se tenha encontrado, em princípio,

motivação suficiente para taxá-lo de inconstitucional, deduziu-se que ela é injusta por ignorar

que determinados danos podem tardar lapso temporal superior ao prazo prescricional para se

manifestarem, casos em que as vítimas ficariam relegadas à própria sorte. Pontuou-se que

melhor andaria a lei se estabelecesse a imprescritibilidade dos danos em comento, ou, ainda,

um arranjo condizente com a teoria da actio nata.

Ante a expressa exclusão das atividades radioativas da regência da Lei nº 6.453/77,

concluiu-se, já no Capítulo 7, pela possibilidade de se submetê-las, em regra, à disciplina do

art. 927, parágrafo único, do Código Civil, atraindo assim a responsabilização objetiva nele

contemplada. Ponderou-se ainda que, diferentemente dos danos nucleares, os danos

radioativos que atingirem o meio ambiente serão caracterizados como danos ambientais,

atraindo assim a incidência da Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente. Foi encarecida, todavia, a necessidade de se distinguir o dano ao meio ambiente

enquanto macrobem daquele em que ele é molestado na qualidade de microbem, já que as

pretensões daí decorrentes serão gravadas, respectivamente, pela imprescritibilidade ou pela

prescritibilidade. Adentrando no estudo do acidente de Goiânia, fez-se a leitura de que, de um

modo geral, o seu enfrentamento pelos tribunais foi tecnicamente adequado com a

responsabilização de seus causadores de forma objetiva, ficando a nota desabonadora apenas

por conta da grande demora na prestação jurisdicional.

Por fim, no Capítulo 8, destinado a tratar da responsabilidade civil por danos causados

por rejeitos radioativos, pontuou-se acerca da necessidade de prestação das devidas

informações pelos órgãos estatais incumbidos da fiscalização e controle dos respectivos

depósitos, sem o que o exercício legítimo do controle democrático sobre tais atividades resta

comprometido. Acentuou-se ainda que, embora os rejeitos oriundos das instalações

radioativas não dêem azo à ocorrência de danos nucleares, também eles, tanto quanto os

rejeitos provenientes de instalações nucleares, devem ser submetidos ao sistema de

responsabilidade civil previsto na Lei nº 6.453/77 por expressa remissão contida no art. 32 da

Lei nº 10.308/01. Concluiu-se, assim, que a limitação do valor da indenização por danos

causados por rejeitos também não passa pelo filtro do exame de constitucionalidade, já que,

como dito, o art. 21, inciso XXIII, alínea ―d‖, da Constituição Federal de 1988 não permite

que a responsabilidade civil por danos nucleares seja restringida, valendo o mesmo para os

danos causados por rejeitos, sejam de qual espécie forem. Reputou-se igualmente

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inconstitucional a obrigatoriedade de fornecimento de guarda policial pelo Estado para

garantia da segurança física e inviolabilidade dos depósitos provisórios, vertida no art. 30 da

Lei nº 10.308/2001, já que se o art. 21, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, diz

competir à União explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza, as

Polícias Militares dos Estados não podem ser compelidas ao exercício de tal atividade no

lugar da Polícia Federal ou do Exército sem ferir o pacto federativo, senão excepcional e

temporariamente até a chegada dos aludidos órgãos competentes ao local, em nome do

interesse público evidente nessas situações emergenciais.

O minucioso exame dos dispositivos legais mencionados ao longo de todo o trabalho

permitiu finalmente alcançar uma resposta para a instigante pergunta anunciada na

introdução: os sistemas de responsabilidade civil relacionados ao universo nuclear ou atômico

no Direito Brasileiro estão em conformidade com o texto da Constituição Federal de 1988

apenas em parte, já que alguns preceitos dela destoam frontalmente. Quanto aos que se

revistam dessas características e estiverem albergados na Lei nº 6.453/77, tem-se que

simplesmente não foram recepcionados. Quanto aos que também destoem do texto magno e

que estiverem previstos na Lei nº 10.308/2001, é de rigor se considerá-los materialmente

inconstitucionais. Por outro lado, no tocante à sujeição das demandas relacionadas à reparação

civil por danos nucleares a prazos prescricionais (excluídas as hipóteses de danos ao meio

ambiente na sua acepção de macrobem), há que se ponderar que, muito embora ela

aparentemente não contrarie qualquer dispositivo da Constituição Federal de 1988, evidencia-

se que ela acaba por dar azo a situações de injustiça, pelo que se revela incapaz de

proporcionar soluções satisfatórias às eventuais vítimas.

A perfeição não é mesmo atributo que se aplique às obras humanas, estando apenas

circunscrita à ordem do divino. A máxima é inteiramente aplicável aos sistemas de

responsabilidade civil relacionados ao universo nuclear ou atômico no Direito Brasileiro, já

que, conforme o estudo realizado no decorrer deste trabalho permitiu enxergar, muito ainda há

que se caminhar para aperfeiçoá-los de sorte a proporcionar às vítimas dos acidentes nucleares

e radioativos possibilidades normativamente respaldadas de se verem inteiramente

compensadas pelas perdas sofridas.

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União Federal e outros versus Roberto Santos Alves e Wagner Moura Pereira. Relator

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149

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156

ANEXOS

ANEXO A – EMENTA DA APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.01.00.014371-2/GO,

JULGADA PELA 5ª TURMA DO TRF DA 1ª REGIÃO

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MEIO AMBIENTE. ACIDENTE

RADIOLÓGICO EM GOIÂNIA COM BOMBA DE CÉSIO 137. DANO AMBIENTAL E

PESSOAL. PRESCRIÇÃO. PODER DE POLÍCIA, FISCALIZAÇÃO DE ATIVIDADES

COM APARELHOS RADIOATIVOS.

VIGILÂNCIA SANITÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO

FEDERAL.

FISCALIZAÇÃO DE CLÍNICA MÉDICA. RESPONSABILIDADE DA SECRETARIA

ESTADUAL DE SAÚDE. ABANDONO DE MATERIAL RADIOATIVO POR

PROPRIETÁRIO DA CLÍNICA.

NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA. SOLIDARIEDADE DECORRENTE DE ATO

ILÍCITO.

OBRIGAÇÃO DE FAZER (PRESTAÇÃO DE ATENDIMENTO MÉDICO HOSPITALAR

ÀS VÍTIMAS), OBRIGAÇÃO DE DAR (PAGAMENTO AO FUNDO DE DEFESA DOS

INTERESSES DIFUSOS).

1. Embora o acidente com os radioisótopos de utilização médica tenham sido expressamente

excluídos da disciplina da Lei 6.453/77, que dispõe sobre a responsabilidade civil sobre danos

nucleares, o dano ambiental por ser de ordem pública é indisponível e insuscetível de

prescrição enquanto seus efeitos nefastos continuam a produzir lesão.

2. A configuração do dano ambiental causado pelo maior acidente radiológico do mundo com

a destruição da bomba de césio 137,na cidade de Goiânia, no ano de 1987, é fato público e

notório e também fartamente documentado nos autos.

3. O direito à reparação do dano (actio nata) não surge com o acidente, mas com a lesão por

ele causada, isto é, com o conhecimento pela vítima da lesão sofrida. Se após o dano

ambiental inicial decorrente do acidente radiológico com a bomba de césio 137, anos depois,

o efeito do dano ambiental continua provocando lesão nas vítimas e fazendo novas vítimas,

não há se falar em prescrição qüinqüenal contra a Fazenda Pública.

4. A pessoa natural não se confunde com a pessoa jurídica. A responsabilidade pela reparação

do dano é atribuível a quem explora a atividade que teria dado ensejo ao acidente. Se o dano é

resultante de ato ilícito, todos os que concorrem para o resultado são responsáveis na

reparação dos efeitos lesivos.

5. O acidente radiológico com o césio 137, em setembro de 1987 na cidade de Goiânia,

insere-se no conceito legal de dano ambiental, eis que implicou em lançar na atmosfera e no

solo substância química desencadeadora de processo de radiação que atingiu pessoas e

animais.

6. O acidente radiológico gerou a contaminação de vários locais naquela cidade e ocasionou a

coleta de quatorze toneladas de material radioativo. O desastre ambiental produziu dano no

passado, está a produzi-los no presente e poderá continuar a produzi-los no futuro, pois

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157

diversas conseqüências físicas poderão atingir pessoas que tiveram contato com a radiação ou

que a recebeu indiretamente pela ascensão à atmosfera de átomos que se desintegraram no ar.

7. O dano ambiental decorrente da exposição radiológica provocou danos físicos que

causaram a morte de quatro pessoas e atingiu, direta ou indiretamente, outras centenas, das

quais foram assim distribuídas: a) Grupo I - 57 pessoas envolvidas diretamente no acidente,

com maior grau de contaminação interna e externa, com queimaduras na pele e radiodermites;

Grupo II - 50 pessoas também contaminadas, porém sem queimaduras de pelo ou

radiodermites e Grupo III - outras 514 pessoas acompanhadas anualmente com dosimetria

baixa ou não detectada (familiares das vítimas dos Grupos I e II, profissionais que

trabalharam no acidente e funcionários da Vigilância Sanitária Estadual).

8. O césio não é substância nuclear e sim um radioisótopo e, em conseqüência, o acidente

ocorrido em Goiânia não foi um acidente nuclear, mas radiológico em proporção gigantesca.

9. Poluidor é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou

indiretamente, por atividade de degradação ambiental (art. 3º, IV da Lei 6.938/81).

10. A identificação do nexo causal requer que se verifique em cada caso concreto quem ou o

que é a causa imediata ou mediata do dano e que teve condições de impedi-lo para que o

resultado não ocorresse.

11. Tratando-se de ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade é subjetiva, pelo que se

exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três modalidades - negligência,

imperícia e imprudência, não sendo necessário individualizá-la, dada que pode ser atribuída

ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço.

12. A falta do serviço (faute du service) não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer o

nexo de causalidade entre a omissão atribuída ao Poder Público e o dano causado.

13. Não é da competência da União manter a fiscalização das clínicas radiológicas, sendo

parte ilegítima ad causam.

14. O Decreto nº 77.052, de 19.01.76, dispõe sobre a fiscalização sanitária e seu art. 1º

estabelece que a verificação das condições de profissões e ocupações técnicas e auxiliares

relacionadas diretamente com a saúde compete às Secretarias de Saúde dos Estados

(adequação das condições do ambiente, o estado de funcionamento de equipamentos e

aparelhos e meios de proteção capazes de evitar efeitos nocivos à saúde dos agentes, clientes,

pacientes e dos circunstantes).

15. Compete à Secretaria de Saúde dos Estados a fiscalização de serviços que utilizem

aparelhos e equipamentos geradores de raio X, substâncias radioativas ou radiações

ionizantes.

16. Constitui infração sanitária a utilização de serviço que utilizem aparelhos de raio X e

outras substâncias radioativas fora dos parâmetros legais (art. 10, inciso III, do Decreto

77.052/76). Constatada a infração sanitária praticado pelo Instituto Goiano de Radiologia

(IGR), deveria a Secretaria de Saúde do Estado de Goiás comunicar o fato à autoridade

policial.

17. Agiu com negligência a autoridade sanitária estadual que não fiscalizou o IGR nos termos

do decreto regulamentar e da lei 6.437/77 (art. 10). O caso sub judice não diz respeito ao

monopólio de comércio radioisótopos artificiais e substâncias radioativas, mas de uso

indevido (abandono) de um aparelho radiológico em local de acesso a transuentes.

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158

18. É dever do Estado de Goiás prestar assistência médica especializada às vítimas da

radiação do césio 137, vez que os problemas de saúde a elas acometidos são graves e sinistros

exigindo atendimento especial.

19. Se uma ou mais pessoas concorreram culposamente para que se produzisse o resultado,

respondem solidariamente pelos danos. E responsabilidade solidária, significa que todos são

responsáveis pela dívida, conforme se encontra expresso no parágrafo único do art. 896 do

Código Civil. A sentença atenta ao fato ao dispor que "a imputação da responsabilidade aos

figurantes do pólo passivo deu-se na forma solidária (CC art. 1518)".

20. Como conseqüência na natureza solidária das atribuições resultantes do ato ilícito é

possível a atribuição ao Estado de Goiás prestar assistência médica às suas vítimas e:

(a) fazer atendimento especial médico-hospitalar, técnico-científico, odontológico,

psicológico às vítimas diretas e indiretas, reconhecidamente atingidas, até a 3ª geração, como

estava sendo feita pela extinta Fundação Leide Neves;

(b) fazer o transporte das vítimas em estado mais grave (do Grupo I) para realização dos

exames, caso necessário, em ambulâncias;

(c) prosseguir o acompanhamento médico da população de Abadia de Goiás - GO, vizinha ao

depósito de rejeitos radioativos, bem como prestar eventual atendimento médico, em caso de

contaminação;

(d) efetivar sistema de notificação epidemiológica sobre câncer;

(e) fazer o trabalho de monitoramento epidemiológico na população de Goiânia;

(f) manter na cidade de Goiânia centro de atendimento específico para as vítimas do césio

137, com médicos especializados como era feito pela extinta FUNLEIDE;

(g) desenvolver um programa de saúde especial para crianças vítimas diretas ou indiretas da

radiação.

21. A competência da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, nos termos do art. 2º

da Lei 6.189/74, vigente à época dos fatos, era fiscalizar o reconhecimento e o levantamento

geológico de minerais nucleares; a pesquisa; a lavra e a industrialização de minérios

nucleares; a produção e o comércio de materiais; a indústria de produção de materiais e

equipamentos destinados ao desenvolvimento nuclear. A CNEN não possui atribuição legal

de fiscalizar a utilização de aparelhos de radioisótopos artificiais ou de hospitais que utilizem

substâncias radioativas.

22. Segundo legislação vigente ao tempo do acidente com a bomba de césio 137, a

competência da CNEN era circunscrita a expedir normas referentes ao tratamento e à

eliminação de rejeitos radioativos (art. 2º da Lei 6.189/74). Os rejeitos radioativos precisam

ser tratados antes de serem liberados para o meio ambiente, se for o caso. O acidente de

Goiânia envolveu uma contaminação radioativa, isto é, a existência de material radioativo

onde não deveria estar presente.

23. Compete à CNEN expedir regulamentos e normas de segurança e proteção relativos ao

tratamento e a eliminação de rejeitos radioativos e não há demonstração de que a autarquia

tenha feito o trabalho de esclarecimento necessário.

24. Não se houve a CNEN com a diligência necessária após o acidente no sentido de prevenir

e esclarecer aos bombeiros que fizeram a limpeza do local que deveriam usar roupas

apropriadas.

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25. O IPASGO, mesmo não sendo o responsável pelo abandono da bomba de césio em seu

imóvel, tinha o dever de zelar para que ele não desse causa a transtornos a saúde e segurança

da vizinhança (art. 554 do CC). O art.1.528 do CC também estabelece a responsabilidade do

dano pelos danos decorrentes da ruína do imóvel. Ainda que não tenha sido o IPASGO quem

demoliu o prédio, ao tornar-se seu proprietário e possuidor, deveria cuidar de repará-lo, pois o

alojamento da substância radiológica assim o exigia.

26. Amaurillo Monteiro de Oliveira, ex-sócio do IGR, agiu com imprudência ao demolir parte

do imóvel e nele deixar abandonada a bomba de césio 137 que foi objeto de subtração e

depois destruída a marteladas, dando início ao desastre.

27. Apelação do Ministério Público Federal parcialmente provida para declarar a legitimidade

passiva ad causam dos médicos Carlos de Figueiredo Bezerril e Criseide Castro Dourado e

condenar os réus ao pagamento individual de R$ 100.000,00 em favor do Fundo de Defesa

dos Direitos Difusos e para condenar o Estado de Goiás ao pagamento de R$ 100.000,00 ao

Fundo de Defesa dos Direitos Difusos e as seguintes obrigações de fazer:

(a) fazer atendimento especial médico-hospitalar, técnico-científico, odontológico,

psicológico às vítimas diretas e indiretas, reconhecidamente atingidas, até a 3ª geração, como

estava sendo feita pela extinta Fundação Leide Neves;

(b) fazer o transporte das vítimas em estado mais grave (do Grupo I) para realização dos

exames, caso necessário, em ambulâncias;

(c) prosseguir o acompanhamento médico da população de Abadia de Goiás - GO, vizinha ao

depósito de rejeitos radioativos, bem como prestar eventual atendimento médico, em caso de

contaminação;

(d) efetivar sistema de notificação epidemiológica sobre câncer;

(e) fazer o trabalho de monitoramento epidemiológico na população de Goiânia;

(f) manter na cidade de Goiânia centro de atendimento específico para as vítimas do césio

137, com médicos especializados como era feito pela extinta FUNLEIDE;

(g) desenvolver um programa de saúde especial para crianças vítimas diretas ou indiretas da

radiação.

28. Apelação da CNEN parcialmente provida para diminuir para R$ 100.000,00 a condenação

ao pagamento ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos e isentá- la da obrigação de prestar

assistência médico-hospitalar e epidemiológica da competência do Estado de Goiás.

29. Apelação do médico Amaurillo Monteiro de Oliveira improvida. Mantida a sentença que o

condenou ao pagamento de R$ 100.000,00 ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

30. Apelação do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado de Goiás

improvida. Mantida a sentença que condenou o IPASGO ao pagamento de R$ 100.000,00 ao

Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

31. Remessa oficial prejudicada. (TRF1, Apelação Cível nº 2001.01.00.014371-2 / GO, 5ª

Turma, Relatora Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Julgado em 27/07/2005

e publicado no D.J em 15/08/2005).

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ANEXO B – EMENTA DA APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.01.00.038194-4/GO

JULGADA PELA 6ª TURMA DO TRF DA 1ª REGIÃO

ADMINISTRATIVO E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE

RADIOATIVO. BOMBA DE CÉSIO 137. DANOS PESSOAIS. AGRAVO RETIDO. NÃO

REQUERIMENTO EXPRESSO DE SUA APRECIAÇÃO NAS RAZÕES DO APELO.

NÃO CONHECIMENTO. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADA.

LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO RECONHECIDA. CONEXÃO E

LITISPENDÊNCIA NÃO CONFIGURADAS. ABONDONO DO APARELHO DE

RADIOTERAPIA. FISCALIZAÇÃO DE ATIVIDADES COM APARELHOS

RADIOATIVOS. NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA. SOLIDARIEDADE DECORRENTE

DE ATO ILÍCITO. OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOS CIVIS.

1. Não se conhece de agravo retido, se a parte não requerer, preliminarmente, nas razões ou

contra-razões de apelação, a sua apreciação pelo Tribunal (CPC, art. 523, § 1º).

2. Tratando-se de ação de conhecimento na qual se busca a reparação pelos danos pessoais

oriundos do acidente radiológico com o Césio 137, em Goiânia/GO, e não de execução da

sentença penal condenatória, afasta-se a preliminar de carência de ação.

3. Se as ações não têm identidade de partes, causa de pedir e pedido, não se configura a

litispendência, tampouco conexão, por não serem comuns os respectivos objetos ou causas de

pedir.

4. O Decreto 81.394/1975, em seu art. 8º, ao regulamentar a Lei 6.229/1975, atribuiu ao

Ministério da Saúde a competência para desenvolver programas objetivando a vigilância

sanitária dos locais, instalações, equipamentos e agentes que utilizem aparelhos de

radiodiagnóstico e radioterapia, resultando, dessa competência, a legitimidade passiva da

União.

5. Já havendo decisão transitada em julgado sobre a existência do fato e os seus autores, no

Juízo criminal, não mais se admite a discussão sobre essas questões (art. 1525 do Código

Civil de 1916 e 935 do Código Civil atual), no Juízo cível.

6. Os Réus Carlos de Figueiredo Bezerril, Criseide Castro Dourado, Orlando Alves Teixeira,

proprietários do Instituto Goiano de Radiologia - IGR, que, juntamente com Flamarion

Barbosa Goulart, físico responsável pela Bomba de Césio 137, ao abandonarem o

equipamento na antiga sede da referida clínica, bem como Amaurillo Monteiro de Oliveira, ao

mandar ―demolir‖ o prédio para retirar o material de construção nele empregado e do qual se

julgava dono, devem ser considerados responsáveis pelo maior acidente radiológico do

mundo, ocorrido na cidade de Goiânia/GO, em setembro de 1987, em razão da negligência e

imprudência, respondendo, solidariamente, pelos danos pessoais causados aos Autores.

7. A responsabilidade do IPASGO em indenizar as vítimas do acidente radiológico decorre de

sua obrigação de zelar pelo bom estado de conservação do prédio de sua propriedade, no qual

foi abandonada a bomba de Césio 137 e em que foi emitido na posse muito antes da retirada

do equipamento.

8. A responsabilidade da União decorre da circunstância de não ter observado a sua obrigação

de desenvolver programas destinados à vigilância sanitária dos equipamentos de radioterapia,

como determina o art. 8º, do Decreto 81.384/1978, proporcionando a retirada da cápsula de

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Césio 137 de um desses aparelhos.

9. A competência para manter a fiscalização sanitária se distribuía entre os entes da

Federação, particularmente entre a União e os Estados federados. Na falta de regras legais

mais claras e precisas em contrário, ambos os entes estavam obrigados a evitar o incidente,

pois, no fundo, as regras legais claramente estabeleciam essa obrigação também à União, por

meio do Ministério da Saúde, não somente de maneira programática.

10. A sentença, a par de não ter violado o disposto no art. 4º, da Lei 9.425/96, está em

consonância com as motivações humanitárias que inspiraram a concessão de pensão especial

às vitimas do acidente com o Césio 137, pela referida norma legal.

11. Considerando o valor arbitrado e a quantidade de réus condenados, os honorários

advocatícios foram fixados em valor módico, todavia, devendo ser mantidos, em razão de os

Autores não terem se insurgido contra a sentença.

12. Presentes os pressupostos legais, deve ser mantida antecipação dos efeitos da tutela

concedida na sentença.

13. Agravos retidos que não se conhece. Apelações e remessa oficial a que se nega

provimento. (TRF1, Apelação Cível nº 2003.01.00.038194-4/GO, 6ª Turma, Relatora

Convocado Juiz Federal David Wilson de Abreu Pardo, Julgado em 22/10/2007 e publicado

no D.J em 07/12/2007).