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Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Formação Profissional Coordenação-Geral de Especialização ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO: UMA REFLEXÃO ACERCA DA UTILIZAÇÃO DOS TERMOS DE PARCERIA Curso: Especialização em Gestão Pública Módulo: Gestão Pública Professor Orientador : Amarildo Baesso Professor Avaliador: Ricardo Correa Coelho Aluno: Davi Ulisses Brasil Simões Pires Brasília, 17 de janeiro de 2011

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Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Formação Profissional Coordenação-Geral de Especialização

ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO : UMA REFLEXÃO ACERCA DA UTILIZAÇÃO DOS TERMOS DE PARCERI A

Curso: Especialização em Gestão Pública

Módulo: Gestão Pública

Professor Orientador : Amarildo Baesso

Professor Avaliador: Ricardo Correa Coelho

Aluno: Davi Ulisses Brasil Simões Pires

Brasília, 17 de janeiro de 2011

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DAVI ULISSES BRASIL SIMÕES PIRES

ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO : UMA REFLEXÃO ACERCA DA UTILIZAÇÃO DOS TERMOS DE PARCERI A

Monografia apresentada à Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), sob orientação do Professor Amarildo Baesso, como requisito para obtenção do título de Especialista em Gestão Pública.

Brasília, DF 2011

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DAVI ULISSES BRASIL SIMÕES PIRES

ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO : UMA REFLEXÃO ACERCA DA UTILIZAÇÃO DOS TERMOS DE PARCERI A

Monografia apresentada à Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), sob orientação do Professor Amarildo Baesso, como requisito para obtenção do título de Especialista em Gestão Pública.

Aprovado em: _____ / _____ / _____

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

Professor Amarildo Baesso (Orientador)

____________________________________________

Ricardo Correa Coelho (Avaliador)

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RESUMO

O presente trabalho consiste em uma reflexão acerca da utilização dos termos de parceria como forma de contratualização específica das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). Criado há mais de uma década, o termo de parceria, a despeito, de conferir mais flexibilidade e agilidade às relações do terceiro setor com o poder público, ainda não foi bem assimilado pelo poder público. Dos três entes da federação a União, em especial, apresenta baixos índices de utilização do termo de parceria, com franca preferência dos gestores públicos pela utilização da forma contratual dos convênios. No presente estudo indaga-se que razões podem levar a tal realidade. Palavras-chave: Termo de Parceria, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................9

1.1 Contexto histórico...............................................................................................................9

1.2 Terceiro setor e a criação das OSCIPs............................................................................11

1.3 A inovação do termo de parceria.....................................................................................14

2 A QUALIFICAÇÃO COMO OSCIP .................................................................................17

2.1 Definição............................................................................................................................17

2.2 Natureza jurídica..............................................................................................................18

2.3 Entidades que não podem obter a qualificação de OSCIP............................................19

2.4 Requisitos...........................................................................................................................19

3 O TERMO DE PARCERIA ................................................................................................23

3.1 Definição............................................................................................................................23

3.2 Natureza jurídica..............................................................................................................25

3.3 Outras formas de contratualização e o termo de parceria............................................25

3.3.1 Contratos..........................................................................................................................26

3.3.2 Convênios........................................................................................................................26

3.3.3 Contratos de gestão..........................................................................................................27

3.3.4 Termos de parceria...........................................................................................................28

3.4 Mecanismos de controle e transparência e responsabilização......................................29

3.4.1 Prestação de contas anuais de OSCIPs............................................................................30

3.4.2 Seleção de OSCIPs..........................................................................................................32

3.4.3 Acompanhamento e fiscalização dos termos de parceria................................................33

3.4.4 Atuação dos Tribunais de Contas e do Ministério Público.............................................34

3.4.5 Auditoria externa independente......................................................................................34

3.4.6 Prestação de contas do termo de parceria........................................................................35

4 A UTILIZAÇÃO DOS TERMOS DE PARCERIA EM NÚMEROS ............................37

4.1 A utilização dos termos de parceria nos números do Ministério da Justiça...............38

5 BAIXA INCIDÊNCIA DOS TERMOS DE PARCERIA: o que pens am os

atores........................................................................................................................................41

5.1 Convênios ou termos de parceira: a escolha do gestor público....................................42

5.2 Concurso de projetos como processo de seleção............................................................45

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5.3 Razões da baixa incidência de termos de parceria com a União..................................47

5.3.1 Desconhecimento da legislação e do instrumento do termo de parceria.........................48

5.3.2 Os termos de parceria e o SICONV.................................................................................49

5.3.3 Comissões de Avaliação e os Conselhos de Políticas Públicas.......................................50

5.3.4 Outros empecilhos ao termo de parceria..........................................................................51

6 CONCLUSÃO......................................................................................................................52

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................54

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Prestação de contas 2010.........................................................................................37

Quadro 2. Comparativo contratualização OSCIPs e Poder Público.........................................39

Quadro 3. Comparativo da evolução dos termos de parceria União e Municípios...................40

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LISTA DE ABREVIATURAS

GIFE....................................................................... Grupo de Institutos, Fundações e Empresas

IN/STN.................................................Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacional

MDB................................................................................... Movimento Democrático Brasileiro

MME............................................................................................Ministério de Minas e Energia

OAB..........................................................................................Ordem dos Advogados do Brasil

OSCIP.......................................................Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

PDRAE......................................................... Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado

PMDB................................................................ Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PT........................................................................................................Partido dos Trabalhadores

SP..................................................................................................................................São Paulo

UPF......................................................................................................Utilidade Pública Federal

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1 INTRODUÇÃO

1.1 Contexto histórico

A segunda metade do século XX, no Brasil, foi marcada por expressivo crescimento

populacional – de cerca de 70 milhões de pessoas em 1960 para cerca de 120 milhões em

1980 – e, por profundas modificações na ocupação do território, marcadamente com forte

tendência à urbanização. No mesmo período, a população rural reduziu-se de 55% para 32%,

enquanto a população urbana cresceu de 44% para 67% (NOGUEIRA, 2004, p. 16). Estas

mudanças, como é evidente, causaram importantes reflexos na sociedade e na estrutura do

Estado, especialmente, considerando-se que o período foi marcado pelos desdobramentos do

golpe militar de 1964 e das restrições de liberdades impostas pelo regime autoritário que se

instaurou a seguir.

Marco Aurélio Nogueira observa, com propriedade, que, a despeito das atrocidades,

crueldades e repressão, o período ditatorial não foi, propriamente, reacionário, pois jamais

teria obstaculizado “o desenvolvimento capitalista do país e a modernização da sociedade”.

O crescimento e a modernização capitalista trouxeram, por um lado, a expansão das forças

produtivas e a industrialização e, por outro, o agravamento da desigualdade social e da injusta

distribuição de renda (NOGUEIRA, 2004, p. 17 e 18).

Com efeito, o regime autoritário pós 1964, embora tenha abusado da intervenção

estatal como agente do desenvolvimento e da regulação, não logrou organizar o Estado e,

menos ainda, mobilizar a sociedade a seu favor, especialmente depois de vencido o ciclo do

“milagre econômico” – 1968-1973 (NOGUEIRA, 2004, p. 19). A crise precipitou a

articulação da sociedade civil, o crescimento e a organização da oposição política e a

ampliação do movimento sindical (ligado à indústria, especialmente, a localizada na periferia

de São Paulo).

A articulação social manifestou-se pela emergência e intensificação de novos

movimentos sociais. A ampliação dos direitos fundamentais e os movimentos ambientais

evocaram a participação de atores sociais antes marginalizados criando, assim, novas

demandas ao Estado na intermediação de conflitos.

Ruth Cardoso (in SORJ e ALMEIDA, 2008, p. 313) destaca:

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“Em vez de um capitalismo excludente e de cidades mais inchadas por um terciário miserável, os anos 70 trouxeram à cena (pelo menos em alguns países1) uma camada popular mais participante. Setores sociais tradicionalmente excluídos da política passaram a se organizar para reivindicar maior igualdade, sentindo-se parte deste sistema político, embora sua parte mais fraca.”

Em razão das restrições impostas à participação política no período de exceção de

direitos e liberdades, a atuação social no Brasil canalizou-se para ações vinculadas às

pastorais da Igreja Católica e aos sindicatos de trabalhadores. Desta participação originou-se a

maioria das organizações não governamentais das décadas de 70 e 80 do século passado e de

decisiva atuação no embate contra o governo militar (FERRAREZI, 2002, p. 11). Para utilizar

a expressão de Boaventura de Sousa Santos (1998, p.15), verifica-se, aqui, que a manifestação

do terceiro setor, neste período, se instituiu e se fortaleceu “por confrontação” ao Estado.

Todavia, para Marco Aurélio Nogueira, embora a sociedade civil tenha ganhado

força e diversificação, no final do processo de redemocratização, ainda não era capaz de

estabelecer vínculos orgânicos com a classe política, o que seria responsável pelo excesso de

“gradualismo” e pela absoluta sujeição da reabertura política ao calendário eleitoral. Foi

neste terreno que vicejou o protagonismo do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) –

depois, PMDB – e a criação e estruturação do Partido dos Trabalhadores (PT). Igualmente,

neste período, a Igreja Católica aprofundou e sofisticou sua atuação junto aos setores

populares. Segundo Nogueira, “multiplicaram-se os movimentos sociais e emergiu uma nova

dimensão participativa, autônoma em relação ao Estado e aberta à invenção no plano da

mobilização e da organização” (NOGUEIRA, 2004, p. 21 e 22).

Leilah Landim (1993, p. 42) aponta esta nova participação altruísta das últimas

décadas do século passado como uma inovação em relação ao modelo da filantropia caritativa

e personalista então predominante (o título de utilidade pública federal remonta a década de

30, com a Lei nº 91, de 28/08/1935).

A intensificação de movimentos políticos como a campanha em favor da emenda

constitucional das eleições diretas para presidente da República, embora não tenha logrado

êxito, feriu de morte o regime militar. O desfecho da crise política de 1983-1984 marcou o

fim do período repressivo, em 1985. Marco Aurélio Nogueira define bem o simbolismo do

momento:

“A chegada ao poder da Aliança simbolizou o fim de uma época e redefiniu as condições concretas do fazer político, dando passagem a uma nova dialética entre o Estado e a sociedade.” (NOGUEIRA, 2004, p. 23)

1 O Brasil, naturalmente, está entre estes países.

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Após a promulgação da Constituição “cidadã” (1988) e o transcurso da Nova

República (1985-1989), como corolário do processo de redemocratização, a década de 1990

foi marcada pela ideia da necessidade de reforma do Estado.

A reforma do Estado à brasileira, como de resto na maioria dos países da América

Latina, guarda fortes marcas de inspiração no Consenso de Washington (VIOLIN, 2006, p.

30), como será possível observar em seguida.

É, pois, neste contexto histórico que se localiza a criação das Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Logo a seguir, ainda que brevemente, aborda-

se o locus político das OSCIPs e de seu termo de parceria.

1.2 Terceiro setor e a criação das OSCIPs

Para Boaventura de Sousa Santos, há dois paradigmas quando se trata de transformar

a realidade social na modernidade: a “revolução” e o “reformismo”. Enquanto na primeira a

transformação se operaria contra o Estado, no segundo, se dá pelo próprio Estado, como

forma de manutenção de estruturas e do status quo.

O sociólogo português identifica que, no reformismo, “o Estado foi a arena política

onde o capitalismo procurou realizar todas as suas potencialidades” e o “Estado-

Providência”2 seria a sua forma mais aperfeiçoada. Nos estados periféricos, este papel

reformista é desempenhado pelo chamado “Estado desenvolvimentista” (SANTOS, 1998, p.

1).

Enquanto para o Estado liberal a intervenção deveria se dar para a garantia de

direitos individuais, no Estado do bem-estar social (que surge em contraposição) reflete a

necessidade de uma atuação positiva do Estado, como garantia de condições mínimas de

saúde, educação, cultura, enfim, direitos sociais fundamentais.

A propósito, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002) aponta:

“(...) o Estado, ao mesmo tempo em que foi chamado a agir nos campos social e econômico, para assegurar a justiça social, passou a pôr em perigo a liberdade individual, pela crescente intervenção que vai desde a simples limitação ao exercício de direitos até a atuação direta no setor da atividade privada, com o agravante de não alcançar a realização do objetivo inerente

2 Em outras acepções: “Estado do bem-estar social”, “Estado social” ou Welfare State.

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ao Estado Social de Direito, de assegurar o bem comum, pela realização dos direitos sociais e individuais nos vários setores da sociedade.”

O Estado social de direito ou do bem-estar social deveria, assim, ser também

democrático, de forma a garantir mais participação e controle popular da Administração

Pública.

O estressamento do reformismo pôs em crise o próprio Estado contemporâneo que

precisou, segundo Boaventura de Sousa Santos, se reinventar para atender a demanda

crescente por direitos.

Nesta reinvenção, designada pelo mestre português como a “refundação

democrática da administração pública”, “o papel do terceiro sector na prossecução deste

objectivo é crucial”, embora assevere que este nem sempre se desempenhe de forma

“complementar”, podendo se dar “por substituição” ou “por confrontação” (SANTOS, 1998,

p. 15 e 16).

A propósito, sem aprofundar em discussões estéreis acerca do conceito de terceiro

setor3, é importante destacar, pela visão panorâmica, a definição trazida por Boaventura

Santos (1998, p. 5):

“‘Terceiro sector’ é uma designação residual e vaga com que se pretende dar conta de um vastíssimo conjunto de organizações sociais que não são nem estatais nem mercantis, ou seja, organizações sociais que, por um lado, sendo privadas, não visam fins lucrativos, e, por outro lado, sendo animadas por objectivos sociais, públicos ou colectivos, não são estatais. Entre tais organizações podem mencionar-se cooperativas, associações mutualistas, associações não lucrativas, organizações não governamentais, organizações quasinão governamentais, organizações de voluntariado, organizações comunitárias ou de base, etc.”

Para Rodrigo Xavier Leonardo (LEONARDO, 2007, p. 196), a utilização da

expressão terceiro setor passa a integrar o “cotidiano nacional durante a Reforma

Administrativa do Estado, iniciada no governo do presidente Fernando Collor de Mello e 3 Segundo José Eduardo Sabo Paes, “o Terceiro Setor tem uma grande abrangência não só na sua forma de atuação, como com relação às entidades ou organizações sociais que o constituem, não havendo, ainda, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, uma definição exata em lei do que seja esse setor, de que se compõe e em que áreas atua.” (PAES, José Eduardo Sabo. Terceiro Setor: conceituação e observância dos princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública. Fórum administrativo – Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n. 48, p. 5093-5098, fev. 2005. p.5094). Para Sílvio Luís Ferreira da Rocha: “o nome Terceiro Setor indica os entes que estão situados entre os setores empresarial e estatal. Os entes que integram o Terceiro Setor são entes privados, não vinculados à organização centralizada ou descentralizada da Administração Pública, mas que não almejam, entretanto, entre os seus objetivos sociais, o lucro e que prestam serviços em áreas de relevante interesse social e público”. (ROCHA , Sílvio Luiz Ferreira da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 13. (Coleção Temas de Direito Administrativo, n. 7). Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira simplifica: “A expressão Terceiro Setor é comumente utilizada para designar o conjunto de entidades da sociedade civil de fins públicos e sem objetivo de lucro, as quais coexistem com o Estado, Primeiro Setor, e com o mercado, Segundo Setor.” (PEREIRA , Cláudia Fernanda de Oliveira. Os tribunais de contas e o Terceiro Setor, Empresas e Estado: novas fronteiras entre o público e o privado. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 309).

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consolidada no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso” com o Plano Diretor da

Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE).

Destarte, a “reinvenção solidária e participativa do Estado” a que refere SANTOS, tem,

entre nós, a face da reforma gerencial da administração pública brasileira, que, entre outras

iniciativas, cria a figura da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e

institui o Termo de Parceria (Lei nº 9.790, de 23/3/1999) – uma forma nova e específica de

contratualização entre o Estado e o terceiro setor.

A convicção hegemônica do PDRAE era de que certos serviços e políticas públicas –

por sua dimensão, localização ou especialidade – seriam desempenhadas com mais eficiência,

eficácia, efetividade e economicidade, se protagonizados por entes do terceiro setor em

colaboração (ou substituição) com o ente público estatal. Assim, as organizações sem fins

lucrativos, herdeiras dos anos 70 e 80, seriam mais politizadas que a filantropia tradicional e,

portanto, mais capacitadas a superar o personalismo e desempenhar participação pública ativa,

em parceria com o Estado (FERRAREZI, 2002, p. 11).

A criação das OSCIPs, portanto, permitiria valorizar a participação da sociedade civil

organizada e, por meio da flexibilização da prestação de serviços públicos não-exclusivos do

Estado, ampliar em capilaridade e capacidade burocrática o alcance das políticas públicas.

Esta postura viria ao encontro de dois pilares do PDRAE:

“a inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais; e a reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua ‘governança’, ou seja, sua capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas” (PDRAE. Introdução, p. 2).

As OSCIPs, assim, constituir-se-iam importante elemento da estratégia de um

“programa de publicização” capaz de transferir para “o setor público não-estatal a produção

dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de

parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle” (PDRAE. Introdução,

p. 2). O Brasil não enfrentaria, segundo o Plano Diretor, problema de governabilidade, mas de

governança, “na medida em que sua capacidade de implementar as políticas públicas é

limitada pela rigidez e ineficiência da máquina administrativa” (PDRAE. Introdução, p. 2).

Neste contexto, a Lei nº 9.790, de 1999, considerada por Ferrarezi (2002, p. 31) a

“Lei do Terceiro Setor”, guarda absoluta afinidade com o arcabouço teórico do plano de

“transformar a administração pública brasileira de burocrática em administração

gerencial” (Bresser Pereira, 2001), mas não realizou na prática a pretensão de síntese da

regulação necessária para o terceiro setor.

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Maria Nazaré Barbosa discorda da apressada síntese. Aponta que “talvez não se deva

identificar a Lei nº 9.790/99 como 'a lei do terceiro setor' – seria tomar a parte pelo todo”,

muito embora identifique méritos na Lei e, sobretudo o “esforço de construção de uma

'interlocução política' inexistente até então na história da legislação brasileira” (BARBOSA,

2002, p. 2).

Com efeito, as legislações decorrentes do PDRAE, tais como a das Organizações

Sociais – OSs (Lei nº 9.637/98), das agências reguladoras e, em especial, a das OSCIPs (Lei

nº 9.790/99) introduzem na administração brasileira e no contexto normativo nacional

importantes elementos de governança.

Segundo o professor Alcino Gonçalves, embora impreciso, o conceito de governança

envolve importantes elementos que já se incorporaram à administração pública (se não na

prática cotidiana, com certeza, em intenção e inspiração). Estes elementos da dita “boa

governança” podem ser sintetizados como: participação; Estado de direito; transparência;

responsividade; orientação por consenso; equidade e inclusividade; efetividade e eficiência; e

prestação de contas (GONÇALVES, 2006, p. 4). Tais elementos, como se pode observar,

encontram-se diluídos, mas presentes no conceito e no modelo de contratualização das

OSCIPs.

Assim, independentemente da motivação ideológica (complementaridade ou

substituição de atividades do Estado) da criação desta qualificação de instituições não

governamentais, as OSCIPs, hoje, se constituem uma importante via de ampliação dos canais

democráticos da cidadania e da governança.

De qualquer sorte, o instrumento de contratualização das OSCIPs, o termo de

parceria, é inovador e pode ser visto de forma autônoma, como se pretende demonstrar na

sequência do presente trabalho.

1.3 A inovação do termo de parceria

O preconizado “protagonismo estratégico da sociedade organizada”, inspirador do

PDRAE, teria no termo de parceria o instrumento para a implementação cooperativada de

políticas públicas por meio de organizações da sociedade civil. O termo de parceria, neste

contexto, representaria a superação do “[...] emaranhado de complexidades burocráticas”

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representado “[...] pela forma tradicional de transferir recursos públicos para as

organizações da sociedade civil” (FERRAREZI, 2002, p. 31 e 57).

De fato, o termo de parceria representou avanços com relação aos convênios4 e aos

contratos5, no que diz respeito à transparência, às possibilidades de controle, monitoramento e

fiscalização por parte dos órgãos públicos parceiros.

No entanto, o convênio, mesmo concebido para a pactuação das relações entre

pessoas de direito público é, ainda hoje, largamente utilizado no relacionamento entre a esfera

pública e entes do terceiro setor.

Valéria Trezza, em sua dissertação de mestrado6, acerca da utilização dos termos de

parceria, identifica que “[...] na prática, a utilização do Termo de Parceria parece apresentar

problemas em solucionar o desafio da nova gestão pública e muitas das potenciais vantagens

da lei ainda não estão sendo plenamente aproveitadas” (TREZZA, 2007. p. 131).

Trezza credita a baixa utilização do novo instrumento de contratualização das

OSCIPs à “[...] insegurança dos gestores em utilizar um novo instrumento e pela estrutura de

funcionamento e cultura dos órgãos”. A pesquisadora identifica ainda, na conclusão de seu

trabalho de pesquisa, que os órgãos públicos não desenvolvem iniciativas de incentivo à

utilização dos termos de parceria e, por outro lado, concorrem também para tanto o

desconhecimento e o temor de questionamentos dos órgãos fiscalizadores (internos e

externos). A propósito, vale o destaque:

“Um primeiro ponto que achamos importante ressaltar é o fato de que não parece existir nos órgãos públicos uma política de utilização do Termo de Parceria na relação com as OSCIPs: hora eles utilizam o convênio, hora o novo instrumento.(...)

Parece-nos que tal situação é decorrente do fato dos gestores públicos não terem internalizado na gestão dos projetos a prática de buscar eficiência e resultados, mas de ainda estarem presos apenas em seguir os procedimentos para que não haja, futuramente, nenhum questionamento por parte dos órgãos fiscalizadores.” (TREZZA, 2007. p. 131).

A inovação do termo de parceria buscou, justamente, atender com mais

especificidade as parcerias do Estado com entidades privadas de finalidades públicas (ALVES

e SLOMSKI. 2006, p. 3 e 4).

4 Forma, ainda hoje mais frequente de contratualização do Estado com organizações sem fins lucrativos. 5 Estes, raramente utilizados. 6 “O Termo de Parceria como Instrumento de Relação Público/Privado sem Fins Lucrativos – O Difícil

Equilíbrio entre Flexibilidade e Controle”. Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas – Curso de mestrado em Administração Pública e Governo. 2007.

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Todavia, por razões avessas à vontade expressa nas justificativas de seu anteprojeto,

a Lei nº 9.790, de 1999, engendrada como a “reformulação do marco legal do Terceiro

Setor” e a “Lei do Terceiro Setor”, até então não realizou integralmente suas pretensões e

potencialidades. É esse gap, especialmente com relação à efetiva utilização dos termos de

parceria, que se pretende examinar no presente trabalho.

Um aspecto interessante e ainda pouco estudado é a convivência do novo

instrumento dos termos de parceria com os convênios – visto como inapropriados pela

nova legislação – para a regulação das relações do Estado com o público não-estatal.

Valéria Trezza aponta o fato como gerador de “[...] grande insegurança dos gestores

que lidam com a celebração de parcerias com as OSCIPs”. Em sua pesquisa, Trezza

verificou que os gestores “[...] gostariam que houvessem dispositivos expressos que

pudessem embasar a aplicação das normas do Termo de Parceria” (TREZZA, 2007. p.

131). Na falta deste suposto detalhamento normativo, os técnicos acabam optando pela

segurança do conhecido, testado e, claro, aceito pelas instâncias de controle.

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2 A QUALIFICAÇÃO COMO OSCIP

A qualificação de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público decorre,

como anteriormente referido, de uma conjunção de fatores históricos, sociais e políticos, e, em

especial, da vigente concepção de Estado e do entendimento predominante da necessidade de

reformá-lo. As diretrizes contidas no PDRAE para fomentar a participação do setor público

não estatal encontraram respaldo teórico nos estudos realizados no Conselho da Comunidade

Solidária7. A própria Comunidade Solidária se define:

“A Comunidade Solidária é um novo modo de enfrentar pobreza e a exclusão social no Brasil buscando a participação de todos. O seu objetivo é mobilizar os esforços disponíveis no governo e na sociedade para melhorar a qualidade de vida dos segmentos mais pobres da população. Somando esforços, governo e sociedade são capazes de gerar recursos humanos, técnicos e financeiros para agir eficientemente no combate à pobreza. Por isso, a proposta da Comunidade Solidária baseia-se no princípio da parceria. Parceria do governo federal com os estados e municípios, realizada pela Secretaria Executiva, parceria das ações governamentais com as iniciativas geradas pela sociedade civil, uma atribuição do Conselho Consultivo. A Comunidade Solidária é parte importante, mas apenas uma parte, de um conjunto mais amplo de ações do governo e da sociedade para melhorar as condições de vida da população.”8

A Comunidade Solidária, nos anos que antecederam a promulgação da Lei das

OSCIPs, “[...] promoveu rodadas de interlocução política entre governo e sociedade para

uma estratégia de desenvolvimento social, visando o empoderamento das populações”.

Dessas rodadas de interlocução resultou o formato legal da qualificação de OSCIP.

2.1 Definição

À guisa de definição, é necessário deixar claro desde já que OSCIP é uma

qualificação pública, ou seja, uma espécie de selo concedido pelo poder público (no caso, pelo

Ministério da Justiça) às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos 7 O Conselho da Comunidade Solidária se caracterizou como fórum de interlocução entre governo e sociedade, onde se discutia e formulava a base teórica com vistas ao enfrentamento de importantes questões sociais. Como prova do peso político que lhe era conferido, o Conselho era presidido por Ruth Cardoso, então primeira-dama. 8 http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/COMUNI1.HTM (acesso em 1º de dezembro de 2010)

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objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos pela Lei 9.790/1999

(art. 1º).

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“A OSCIP pode ser definida como a pessoa jurídica de direito privado, criada por particulares, sem fins lucrativos, devendo habilitar-se perante o Ministério da Justiça para obter qualificação. Essa qualificação pode ser retirada a pedido ou mediante decisão proferida em processo administrativo no qual será assegurada a ampla defesa e o contraditório (art. 7º).”

Portanto, trata-se de qualificação a ser concedida por ato vinculado (art. 2º da Lei nº

9.790/1999). Dadas as condições, presentes os requisitos estabelecidos na norma, deve o

agente público conceder o título. Não há poder discricionário do agente público para

conceder, negar, estabelecer exceções, facilidades ou dificuldades. A lei estabelece, inclusive,

prazo mínimo de trinta dias (art. 6º da Lei de OSCIPs) para a concessão da qualificação por

parte do poder público.

Vale salientar que a Lei não define Organizações da Sociedade Civil de Interesse

Público. A norma tão somente determina condições, objetivos, finalidades, meios de controle

e fiscalização a que as entidades que pleiteiam a qualificação devem se submeter.

2.2 Natureza jurídica

É comum haver confusão, principalmente por parte de representantes e dirigentes de

entidades sociais que pretendem ser OSCIP, no entendimento de que a qualificação seja uma

categoria de pessoa jurídica. A propósito, Ana Paula Rodrigues Silvano esclarece:

“Não se trata de nova modalidade de pessoa jurídica de direito privado. Está-se diante de um novo título jurídico. Uma nova qualificação atribuída às entidades de relevante valor social, desde que preencham determinados requisitos regais.” (SILVANO, 2003, p. 79)

Para Sabo Paes, a Lei das OSCIPs aponta para um novo disciplinamento jurídico

(uma qualificação, um título público) para pessoas jurídicas de direito privado sem fins

lucrativos, que atendam aos requisitos, objetivos sociais e normas estatutárias previstos na

própria Lei. Desta forma, seriam “[...] passíveis de receber qualificação as pessoas de direito

privado sem fins lucrativos constantes no art. 44 do Código Civil, quais sejam: as

associações e fundações” (PAES, 2006, p. 592). A própria Lei trata de definir, de imediato

(parágrafo 1º, do artigo 1º):

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“Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objetivo social.”

O dispositivo representa divisor de águas entre o modelo anterior da filantropia

assistencial, em que, para conceder os títulos de utilidade pública e de beneficência, a União

não fazia distinção se o serviço público produzido pelas entidades era efetivamente social ou

de benefício mútuo. Com o novo modelo das OSCIPs afastam-se qualquer possibilidade de

distribuição de excedentes operacionais, dividendos, bonificações, etc.

2.3 Entidades que não podem obter a qualificação de OSCIP

A Lei das OSCIPs trata, já no artigo 2º, de apontar, em espécie de classificação

negativa, as entidades que não podem receber a qualificação.

Não são, pois, passíveis de qualificação como OSCIP: as sociedades comerciais; os

sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional; as

instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões

devocionais e confessionais; as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas

fundações; as entidades de benefício mútuo, destinadas a proporcionar bens ou serviços a um

círculo restrito de associados ou sócios; as entidades e empresas que comercializam planos de

saúde e assemelhados; as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras;

as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; as

organizações sociais; as cooperativas; as fundações públicas; as fundações, sociedades civis

ou associações de direito privado, criadas por órgão público ou por fundações públicas; as

organizações creditícias que tenham quaisquer tipos de vinculação com o sistema financeiro

nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.

2.4 Requisitos

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Primeiramente, as associações e fundações sem fins lucrativos que pleiteiem a

titulação, além de não se incluírem em nenhuma das vedações do artigo 2º da Lei, devem

atender ao princípio da universalização dos serviços e aos requisitos expressos nos artigos 3º,

4º e 5º da Lei nº 9.790/99.

O artigo 3º diz respeito aos objetivos sociais a que as OSCIPs devem se dedicar. O

dispositivo relaciona doze itens de finalidades possíveis para as pessoas jurídicas de direito

privado que buscam essa qualificação. As finalidades são as seguintes:

“I - promoção da assistência social; II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; V - promoção da segurança alimentar e nutricional; VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; VII - promoção do voluntariado; VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo.”

Assim, a entidade deve ter entre os seus objetivos sociais ao menos uma das

finalidades relacionadas na Lei.

Na prática, é possível verificar que muitas entidades sociais que pleiteiam a titulação

de OSCIP optam por apontar em seus objetivos sociais, não apenas uma ou duas, mas todas

ou quase todas as finalidades relacionadas nos incisos do artigo 3º da Lei nº 9.790/99,

provavelmente com o fito de garantir um maior espectro de possibilidades de relacionamento

com o poder público e de disputar recursos em variados setores e níveis de governo.

O detalhamento dos requisitos legais aponta (artigo 4º) para a exigência de que a

OSCIP apresente, em seu estatuto social, “[...] normas que expressamente disponham sobre:”

“I - a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência; II - a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório;

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III - a constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade; IV - a previsão de que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo patrimônio líquido será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social da extinta; V - a previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualificação instituída por esta Lei, o respectivo acervo patrimonial disponível, adquirido com recursos públicos durante o período em que perdurou aquela qualificação, será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social; VI - a possibilidade de se instituir remuneração para os dirigentes da entidade que atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região correspondente a sua área de atuação; VII - as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que determinarão, no mínimo: a) a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras de Contabilidade; b) que se dê publicidade por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício fiscal, ao relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade, incluindo-se as certidões negativas de débitos junto ao INSS e ao FGTS, colocando-os à disposição para exame de qualquer cidadão; c) a realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes se for o caso, da aplicação dos eventuais recursos objeto do termo de parceria conforme previsto em regulamento; d) a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos pelas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público será feita conforme determina o parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal.”

A Lei das OSCIPs determina que estas entidades devem se orientar pela ética e por

princípios de transparência e accountability. Para tanto, se exige (artigo 4º da Lei 9.790/99)

que os estatutos das OSCIPs disponham expressamente sobre: observância de princípios de

administração pública (inciso I); adoção de práticas de gestão administrativa (inciso II);

constituição de conselho fiscal (inciso III); disposição quanto à destinação do patrimônio em

caso de perda da qualificação ou extinção (incisos IV e V); previsão de remuneração de

dirigentes (inciso VI); e regulamentação de prestação de contas (inciso VII).

Contudo, a despeito da meritória preocupação do legislador em fixar, no estatuto, a

orientação ética e a transparência que devem reger a vida social da OSCIP. Verificada a

existência de tais cláusulas, no processo de concessão da qualificação pública, nada assegura

que serão efetivamente respeitadas. A Lei ou sua regulamentação (Decreto nº 3.100/99) não

preveem penalização para o caso de descumprimento das disposições estatutárias, como, por

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exemplo, a perda da qualificação. Assim, a presença das meritórias disposições estatutárias

corre grave risco de se constituir em mera formalidade.

A propósito, o artigo 4º traz ainda parágrafo único inserido pela Medida Provisória nº

37, de 2002, que propiciava a participação de servidores públicos em diretorias e conselhos de

OSCIPs. No entanto, no processo de conversão da Medida Provisória na Lei nº 10.539, de

2002, a nova disposição acabou por vedar a participação de servidores nas diretorias das

OSCIPs, permitindo sua participação apenas nos “conselhos”, com a condição de que não

recebam “remuneração ou subsídio, a qualquer título”. A redação confusa do parágrafo (que

resultou de supressão de parte do texto da MP) tem gerado muita controvérsia e

prejulgamento excessivo e injusto de que a mera presença de servidor público em OSCIP seja

indício de operações ilegítimas, fraudes ou favorecimentos.

O artigo 5º da Lei nº 9.790/99 estabelece os requisitos formais que devem ser

atendidos após o cumprimento dos requisitos finalísticos (artigo 3º) e estatutários ou

constitutivos (artigo 4º). Os requisitos formais dizem respeito à necessidade de apresentação

do estatuto social registrado em cartório (inciso I); ata de eleição da diretoria atual (inciso II);

balanço patrimonial e da demonstração do resultado do exercício (inciso III); declaração de

isenção do imposto de renda (inciso IV); e inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes

(inciso V).

Atendidos os requisitos formais, os constitutivos e as finalidades expressas em Lei, o

processo administrativo no Ministério da Justiça para qualificar a pessoa jurídica sem fins

lucrativos como OSCIP deve ter um trâmite de, no máximo, trinta dias até a decisão de

deferimento ou indeferimento. Em caso de deferimento da qualificação, a emissão do

certificado de OSCIP deverá ocorrer no prazo de quinze dias.

Em outras palavras, a concessão da qualificação é ato vinculado, não há espaço para

a discricionariedade do agente público.

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3 O TERMO DE PARCERIA

Como instrumento próprio de pactuação do poder público com as OSCIPs, o termo

de parceria expressa em seu conceito normativo (art. 9º da Lei 9.790/99 e art. 8º do Decreto

3.100/99), sua natureza cooperativa e de fomento. A ideia de que o serviço público não estatal

é exercido pelas OSCIPs de forma supletiva e complementar ao Estado está intrínseco ao

conceito de termo de parceria. A propósito, Di Pietro (2009, p. 279) ensina:

“Em relação às Oscips o Poder Público deve limitar-se a exercer atividade de fomento, ou seja, de incentivo à iniciativa privada de interesse público, tal como ocorre em relação às entidades declaradas de utilidade pública, às entidades filantrópicas, aos serviços sociais autônomos. Ao contrário do que ocorre na organização social, o Estado não abre mão de serviço público para transferi-lo à iniciativa privada, mas faz parceria com a entidade, para ajudá-la, incentivá-la, a exercer atividades que, mesmo sem a natureza de serviços públicos, atendem a necessidades coletivas.”

As verbas repassadas pelo poder público as OSCIPs, portanto, “[...] não têm

natureza de preço ou remuneração”. Devem ser entendidas como incentivo, mas ainda assim,

jamais integram o patrimônio da entidade, obrigando-a a prestar contas dos recursos

recebidos, sob pena de ilegalidade (DI PIETRO, 2009, p. 280), e a transferir para outra

entidade (também qualificada e com identidade de objetivo social) “[...] o acervo patrimonial

disponível adquirido com recursos públicos”, quando perder a qualificação (art. 4º, V da Lei

9.790/99).

Para José Eduardo Sabo Paes, o termo de parceria é uma das grandes inovações da

Lei (nº 9.790, de 1999), cuja essência estaria nos “[...] princípios da transparência, da

competição, da cooperação e da parceria propriamente dita”. O instrumento contratual

próprio das OSCIPs se apresenta, para Sabo Paes, como uma importante alternativa ao

convênio (PAES, 2006, p.622).

3.1 Definição

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A definição original, que integra a publicação “OSCIP – Organização da sociedade

civil de interesse público: a lei 9.790/99 como alternativa para o terceiro setor” 9, bem traduz

o que se esperava com a criação do termo de parceria como nova forma de contratualização:

“O Termo de Parceria é uma das principais inovações da Lei das OSCIPs. Trata-se de um novo instrumento jurídico criado pela Lei 9.790/99 (art. 9º) para a realização de parcerias unicamente entre o Poder Público e a OSCIP para o fomento e execução de projetos. Em outras palavras, o Termo de Parceria consolida um acordo de cooperação entre as partes e constitui uma alternativa ao convênio para a realização de projetos entre OSCIPs e órgãos das três esferas de governo, dispondo de procedimentos mais simples do que aqueles utilizados para a celebração de um convênio.”

Verifica-se, pois, que, desde a concepção, o termo de parceria é apresentado como

alternativa. Ao que se vê, não existiu uma firme disposição de substituir a contratualização

dos convênios pelo novo instrumento, ainda que apresentado como regulação específica,

moderna e que buscasse a “simplificação e a transparência” das relações do terceiro setor

como Estado (FERRAREZI, 2003, p. 39).

A exposição de motivos do anteprojeto da Lei das OSCIPs acrescenta, entre as

vantagens do termo de parceria, a “[...] agilidade operacional para formalização de

parceria”, predicado ausente nos contratos e convênios, segundo os estudos do Conselho da

Comunidade Solidária.

Para Elizabete Ferrarezi, os convênios não atenderiam às necessidades e à dinâmica

das relações do Estado com o terceiro setor. A propósito, vale o destacar:

“A simples menção aos termos ‘convênio’ e ‘licitação’, com o emaranhado de complexidades burocráticas envolvidas, evidencia uma contradição no quadro recente das formas cooperativas de implementar políticas públicas por meio de organizações da sociedade civil. Os avanços nessa área geraram maior flexibilidade do ponto de vista administrativo, mas nada foi alterado no que diz respeito ao engessamento decorrente da obrigação de seguir as mesmas regras do setor público. Sendo o convênio o instrumento de pactuação entre pessoas de direito público, ele é inadequado para reger as relações do Estado com o setor privado. No entanto, ao adotar os convênios também para o Terceiro Setor, a lei exigiu a mesma natureza de prestação de contas que vale para o setor público – complexa, formal, com uma profusão de documentos e sem levar em consideração os resultados obtidos. Assim, do ponto de vista da agilidade operacional para a formalização de parcerias, tanto o convênio quanto o contrato foram considerados inadequados pelos interlocutores para atender às especificidades das associações privadas com fins públicos. Buscou-se, então, um novo instrumento, que traduzisse a relação de parceria entre instituições com fins públicos (Estado e OSCIP), mas com diferentes formas de propriedade (pública estatal e pública social) e com natureza jurídica diferente (direito público e direito privado).” (FERRAREZI, 2002, p. 57)

9 Cartilha-apresentação das OSCIPs, editada pelo Conselho da Comunidade Solidária, em setembro de 2000.

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Maria Sylvia Di Pietro enxerga os termos de parceria, os convênios e também os

contratos de gestão, celebrados pelas organizações sociais, como assemelhados (DI PIETRO,

2009, p. 279). Todavia, a despeito da similaridade entre tais formas de contratualização, é

forçoso concluir, acompanhando a observação de Ana Carolina Lara, que o novo instrumento

possui lógica própria e pode se constituir em importante ferramenta de gestão e realização de

políticas públicas, com mais transparência, eficácia e efetividade (LARA, 2008, p. 91).

3.2 Natureza jurídica

Caracterizado como instrumento de cooperação, o termo de parceria não deve ser

visto puramente por sua natureza contratual. Especificamente, não se trata de “ajuste de

vontades opostas”, como são os contratos. No termo de parceria não se contrapõem, de um

lado, um objeto do acordo e, de outro, uma contraprestação correspondente. O termo de

parceria, neste particular, guarda mais semelhança com os contratos de gestão (próprios das

OSs), por pressupor um fim comum, voltado à realização de um interesse público e a ser

alcançado com cooperação (LARA, 2008, p. 90).

Em síntese, o termo de parceria tem a natureza jurídica de acordo de vontades – ou

talvez, com mais propriedade, um encontro de vontades – com o fito do fomentar a execução,

por entidades privadas, de ações de interesse público. Mesmo semelhante ao convênio, não

deixa de se constituir em uma nova forma de relacionamento do Estado com o espaço público

não-estatal, para, a um só tempo, incentivar a ação social e realizar políticas públicas,

cooperativamente.

3.3 Outras formas de contratualização e o termo de parceria

Para Elizabete Ferrarezi, o termo de parceria representa uma superação a

contratualização tradicional, burocratizada e impeditiva de transferir recursos públicos para

organizações da sociedade civil – dos convênios e contratos (FERRAREZI. 2002. p. 59).

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Assim, é importante, ainda que resumidamente, referir às demais formas de contratualização

que o Estado pode lançar mão na relação com as OSCIPs.

3.3.1 Contratos

Os contratos não se caracterizam como forma mais apropriada e específica para

regular relações do Estado com entes não lucrativos e, assim, não se prestam ao fomento da

atuação pública no espaço não estatal. Esta modalidade contratual pode alcançar qualquer

pessoa jurídica de direito privado, com fim de lucro ou não e, assim, pode objetivar tanto a

prestação de serviços, como a compra e venda de bens.

Como têm natureza jurídica de acordo de vontades, os contratos se caracterizam pela

divergência de interesses entre as partes. De um lado, por exemplo, a entidade espera a

retribuição do serviço prestado e, de outro, o Estado busca a aquisição de determinado bem ou

realização de serviço. Não há cooperação nos contratos e a busca de interesse comum de

viabilizar a atuação no espaço público (KOGA, 2004, p. 60).

Os contratos, por terem como base legal a Lei 8.666/93, estão submetidos à sua

ritualística e à licitação. Para Natália Koga, o elevado preço burocrático e financeiro para

atender as exigências de licitação afetariam as organizações da sociedade civil, que enfatizam

sua atuação e competição na prestação de “serviços com ênfase na qualidade e não no custo”

(KOGA, 2004, p. 60). Sendo assim, na maior parte das vezes, o contrato não atende às

demandas de agilidade e informalidade impostas pelas relações com o terceiro setor e, de fato,

são pouco utilizados.

3.3.2 Convênios

Originalmente, o convênio se aplica à relação de entidades públicas entre si ou a

entidades públicas e organismos particulares. O instrumento tem natureza cooperativa. Nele,

os convenentes visam a um fim comum. No caso dos convênios, a cooperação com o ente

público envolve a participação direta – contrapartida – das organizações da sociedade civil,

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que devem contribuir com recursos financeiros, bens, serviços ou algo possível de ser

economicamente mensurável (KOGA, 2004, p. 60).

A regulação dos convênios está relacionada às leis orçamentárias, às normativas da

Secretaria do Tesouro Nacional e, claro, à Lei das Licitações (Lei 8.666/93), que,

conjuntamente, impõem proibições ao custeio de despesas da entidade social (aluguel, salários

e despesas gerais) e também à aquisição de bens permanentes.

Para Ferrarezi, “[...] a simples menção aos termos ‘convênio’ e ‘licitação’, com o

emaranhado de complexidades burocráticas envolvidas” demonstravam a contradição

vigente na implementação cooperativada de políticas públicas por meio de organizações da

sociedade civil. Daí a necessidade de buscar “[...] agilidade operacional para a formalização

de parcerias” pois, segundo Ferrarezi, tanto os convênios quanto os contratos, teriam se

mostrado inadequados para reger as relações do Estado com o terceiro setor (FERRAREZI,

2002, p. 57).

3.3.3 Contratos de gestão

Originalmente criado como “[...] um compromisso administrativo interno do

Estado”, o contrato de gestão era firmado, como ensina Maria Nazaré Barbosa, “[...] entre o

Poder Executivo e órgãos da própria administração pública (autarquias, fundações de direito

público, empresas estatais)”. Assim, o contrato de gestão funcionava como instrumento de

planejamento e gestão pública por objetivos, controle e avaliação de desempenho

(BARBOSA, 2001, p. 133).

Com a criação das Organizações Sociais (OSs) – Lei 9.637/98 – passaram a ser

designados por contratos de gestão os instrumentos que regulam as relações destas entidades

com o Estado.

No contrato de gestão se estabelecem as metas a serem cumpridas pela OS e se

determina a participação do Estado, seja pela cessão de servidores ou de bens públicos ou pela

transferência de recursos (KOGA, 2004, p. 61). Como se pode ver, embora guarde

semelhanças – relação cooperativa, flexível, de reduzida burocracia, entre ente público e ente

privado sem fim lucrativo – o contrato de gestão não se aplica às OSCIPs e, apenas às OSs10.

10 Para Maria Sylvia Di Pietro (2002, p214), a partir da Emenda Constitucional nº 19/98 os contratos de gestão podem ser celebrados também no âmbito administração direta, entre órgãos da mesma pessoa jurídica.

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3.3.4 Termos de Parceria

Para o perfeito entendimento e assimilação do termo de parceria não se lhe pode

apartar a ideia de incentivo e fomento ao terceiro setor. Não se trata, assim, de mera

ferramenta de gestão cooperativa de políticas públicas por entidades sociais, é igualmente

instrumento de incentivo e fomento da atuação social e pública de entidades privadas.

Enquanto ferramenta de gestão, ao menos em tese, é possível vislumbrar, avanços do

termo de parceria em relação à contratualização tradicional: possibilita maior agilidade

gerencial aos projetos e permite o controle e o acompanhamento da realização dos fins

públicos (e não apenas da execução dos recursos).

Além de melhorias na gestão, o termo de parceria abre possibilidade de realização de

concurso de projetos para a seleção da parceira (art.23 do Decreto nº 3.100/99). O concurso de

projetos, uma importante inovação – seria capaz de conciliar demandas, a princípio

contraditórias, de agilidade e controle. Todavia, a falta de uma disposição clara11 quanto à

obrigatoriedade e os limites da adoção do concurso de projetos fragilizaram o termo de

parceria enquanto instrumento de controle social e transparência.

Outra inovação merecedora de destaque é a determinação de “[...] consulta prévia aos

conselhos de políticas públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, nos respectivos

níveis de governo” (parágrafo 1º, art. 10 da Lei 9.790/99). A consulta prévia permite uma

maior transparência e fiscalização (art. 11) dos termos de parceria, mas, em não existindo

conselho de política pública correspondente, estará o órgão estatal parceiro dispensado de tal

consulta (parágrafo 2º, art. 10, Decreto 3.100/99), sem que se apresente alternativa.

Ainda o artigo 10, parágrafo 2º, da Lei das OSCIPs institui cláusulas obrigatórias aos

termos de parceria, com relação ao programa de trabalho, metas e resultados previstos, prazos

de execução, critérios de avaliação, previsão de receitas e despesas, obrigação de prestar

contas, publicação do extrato do termo de parceria e demonstrativo de execução física e

financeira na imprensa oficial.

Há, ainda, necessidade de publicação, até trinta dias após a celebração do termo de

parceria, de regulamento próprio de licitação para as contratações e compras feitas com

recursos públicos (art. 14, da Lei nº 9.790/99).

11 Por ser facultativo, o concurso de projetos é considerado, a um só tempo, avanço e fragilidade. Não sendo obrigatório, é possível rejeita-lo, inclusive com a alegação de que utiliza-lo implicaria gastos desnecessários.

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A propósito, a decisão nº 931/99 do Tribunal de Contas da União, resultante de

estudo realizado por grupo de trabalho (formado especificamente para estudar a Lei nº

9.790/99) resume a caracterização e referenda o ideário que animou a criação do novo

instrumento.

“A ideia força que presidiu à elaboração do Termo de Parceria foi criar uma alternativa ao controle estatuído na modalidade dos convênios e contratos, que é apriorístico, fundado na atividade-meio e no destino que irá fazer dos recursos. Para isso, a instituição de relativa flexibilidade no controle de meios – compensada no Termo de Parceria pelos mecanismos de avaliação, controle social e por sanções reigorosas no caso do uso indevido de recursos –, implica a proposta de inserir a gestão social em novo patamar de gestão pública. Daí a combinação entre autonomia decisória do gestor, em relação à flexibilização de leis ou regulamentos excessivos, e o controle social.”

Para Sabo Paes, o termo de parceria é regido pelos princípios da transparência,

competição, cooperação e parceria (PAES, 2006, p.622). No entanto, a nova contratualização

do terceiro setor é apresentada pela Lei das OSCIPs como alternativa aos convênios, portanto,

complementar e não substitutiva.

O desafio lançado pelo termo de parceria, segundo Elisabete Ferrarezi, envolve a

mudança cultural de transpor o modelo engessado dos contratos e convênios para uma

administração gerencial, com ênfase na avaliação por resultados e no controle social

(FERRAREZI, 2002, p. 59).

3.4 Mecanismos de controle, transparência e responsabilização

A criação das OSCIPs denota esforço em buscar o equilíbrio entre flexibilidade e

controle. Flexibilidade enquanto alternativa ao “[...] engessamento decorrente de seguir as

mesmas regras do setor público” (FERRAREZI, 2002, p. 57) ou como capacidade de

selecionar com liberdade e agilidade a entidade social (OSCIP) que melhor possa gerir

projetos e atuar no espaço público em cooperação com o Estado; e o controle, por sua vez,

visto como capacidade dada ao Estado e às instituições políticas e administrativas e à

sociedade de fiscalizar e monitorar a correta aplicação dos recursos e o atendimento dos

resultados propostos (TREZZA, 2007, p. 108).

A flexibilidade concedida nos termos de parceria se manifesta tanto no processo de

celebração da parceria, como nos possíveis usos dos recursos, na possibilidade de prorrogação

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da vigência do termo, mas, principalmente, na inaplicabilidade da Lei nº 8.666/93, a Lei das

licitações. O controle, por sua vez, se expressa pela possibilidade de concurso de projetos para

a seleção da OSCIP parceira, pela consulta prévia ao Conselho de Políticas Públicas, pelo

monitoramento da Comissão de Acompanhamento e Avaliação e pela prestação de contas

com foco nos resultados (TREZZA, 2007, p. 108).

Todavia, o controle, assim proposto, pressupõe participação social, transparência e

accountability. A propósito, a expressão que tem origem na língua inglesa, segundo Campos,

pode ser entendida como “[...] responsabilidade pela prestação de contas [...]” ou “[...]

responsabilidade pela eficiente gerência de recursos públicos” (CAMPOS, 1990, p. 35).

Embora muito utilizado, o conceito possui mais significado que a mera versão

idiomática. Não sendo, contudo, objeto do presente estudo o aprofundamento teórico da

conceituação de accountability. Basta, por ora, o destaque de simplificação e praticidade do

entendimento expresso em publicação12 do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas –

GIFE:

“(...) um conceito amplo – e ao mesmo tempo prático – de accountability (ou responsabilização): pode-se considerar a accountability como uma relação em que uma parte tem o dever de prestar contas de seus atos e decisões à outra, que, por sua vez, tem o poder de controlar a primeira e aplicar-lhe consequências se houver impropriedades ou inadequações em relação aos atos e às decisões da primeira ou na sua prestação de contas.” (PANNUNZIO, BENINE e DEGENSZAJN, 2009, p. 11)

Accountability, portanto, é mais que, simplesmente, responsabilização, envolve

prestação de contas, transparência, cidadania, amadurecimento e participação da sociedade no

acompanhamento das atividades públicas – exercidas pelo poder público ou privado. No caso

específico, os instrumentos de accountability presentes na Lei das OSCIPs e, especificamente,

nos termos de parceria, podem ter suposto uma sociedade ainda não existente (há pouco mais

de dez anos), mas certamente criou ferramentas úteis e determinantes para o amadurecimento

da sociedade, para a responsabilização e para o controle verdadeiramente social.

3.4.1 Prestação de contas anuais das OSCIPs

12 “Perspectivas para o Marco Legal do Terceiro Setor”. 2009. Organizadores: PANNUNZIO, BENINE e DEGENSZAJN.

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31

O artigo 4º da Lei nº 9.790/99 é mais um mecanismo de transparência inerente às

OSCIPs. O dispositivo legal inclui, dentre cláusulas estatutárias essenciais para a qualificação

como OSCIP, a exigência de que conste do estatuto social da entidade a previsão de normas

de prestação de contas (inciso VII do artigo 4º da Lei 9.790/99). As prestações de contas terão

de observar, no mínimo, quatro orientações:

a) que a prestação de contas observe os princípios fundamentais da

contabilidade;

b) que seja anual – “ao final de cada exercício” – que se lhe dê

publicidade “por qualquer meio eficaz” e que seja acessível a “qualquer

cidadão”;

c) a realização de auditoria externa independente quando os

recursos provenientes de termo de parceria excedam à seiscentos mil reais

(artigo 19 do Decreto nº 3.100/99); e

d) que a prestação de contas de recursos e bens públicos atendam

ao disposto na Constituição Federal (art. 70).

A prestação de contas das OSCIPs, entendida como a totalidade das operações

patrimoniais e resultados no exercício, deve ser instruída, segundo a regulamentação do

Decreto 3.100/99 (artigo 11), com os seguintes documentos:

a) relatório anual da execução de atividade;

b) demonstração de resultados do exercício;

c) balanço patrimonial;

d) demonstração das origens e aplicações dos recursos;

e) demonstrações das mutações do patrimônio social;

f) notas explicativas das demonstrações contábeis, se necessário; e

g) parecer e relatório de auditoria da comissão de avaliação (como

prevê o artigo 20 do Decreto).

As prestações de contas, assim, configuram-se como instrumento de transparência e

favorecem, especialmente, o controle e a accountability das OSCIPs. Contudo, há de se

observar que talvez a técnica legislativa empregada neste particular não tenha sido a mais

apropriada. O rigor da exigência legal está preso à formalidade do momento da qualificação

da entidade social. O artigo 4º da Lei nº 9.790/99 exige o comprometimento estatutário da

prestação de contas anuais da entidade, no entanto, não dispõe acerca de dispositivos para

exigir o efetivo cumprimento de tais cláusulas. Assim, exige-se a formalidade das cláusulas

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32

estatutárias – condição para a qualificação das entidades – e nada assegura que serão

cumpridas.

O descumprimento do estatuto não é penalizado. Não há previsão, por exemplo, de

perda de qualificação da OSCIP que não prestar contas anualmente, tal como ocorre, por

exemplo, com o título de Utilidade Pública Federal13. O Tribunal de Contas da União, a

propósito, em uma de suas decisões14, recomenda ao Ministério da Justiça que “estude a

conveniência de incluir em normativo próprio as hipóteses de perda de qualificação como

OSCIP”.

Sem afrontar a Lei das OSCIPs, a Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da

Justiça, em parte e pela via administrativa, contornou a omissão da Lei das OSCIPs. A

Portaria SNJ nº 24, de 11 de outubro de 2007, ao criar o Cadastro Nacional de Entidades de

Utilidade Pública (CNEs/MJ15), instituiu a Certidão de Regularidade, uma certificação a que

fazem jus as entidades sociais cadastradas no Ministério da Justiça que prestarem contas

anualmente. Com a crescente utilização da certidão de regularidade como pré-requisito para a

formalização de termos de parceria (ou convênios) de entidades sociais com órgãos públicos,

vai sendo tecida uma rede de controle social: as entidades, para contratarem com órgãos

públicos, devem ter certidão de regularidade e, para tanto, devem manter atualizadas suas

prestações de contas junto ao Ministério da Justiça, o que, por sua vez, favorece o controle16,

num verdadeiro ciclo virtuoso.

3.4.2 Seleção das OSCIPs

A Lei das OSCIPs apresenta outros mecanismos de controle, transparência e

accountability, mais próprios aos termos de parceria. Um deles é a seleção por concurso de

projetos entre as OSCIPs aptas a celebrar termo de parceria com órgão estatal.

13 O artigo 4º da Lei 91/1935 determina a apresentação anual de “relação circumstanciada dos serviços que houverem prestado á collectividade”, sob pena de cassação do título de utilidade pública das entidades que não apresentarem tal declaração por três anos consecutivos. 14 A Decisão 1.777/2005, no item 9.6, faz esta curiosa recomendação ao Ministério da Justiça, que jamais poderia modificar a Lei por “normativo próprio”, ainda mais, para tratar de hipóteses desconstitutivas de direito. 15 O CNEs/MJ congrega entidades sociais sem fins lucrativos tituladas pelo Ministério da Justiça como UPF, OSCIPs e as Organizações Estrangeiras autorizadas a funcionar no País e também as entidades que mesmo sem possuir título tenham interesse em participar do Cadastro – disponível no sítio do Ministério da Justiça: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJFC1E6BD5ITEMID1C837A412B2B430F8F9C1FF0CB7341FFPTBRIE.htm 16 As prestações de contas das entidades sociais integrantes do CNEs/MJ são disponibilizadas no sítio no Ministério da Justiça, a qualquer cidadão: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ1DB98056PTBRNN.htm

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33

O instrumento é salutar, tem o fito de evitar, mediante concorrência pública, a

possibilidade de que o gestor escolha de forma arbitraria a OSCIP que realizará serviços e

atividades em cooperação com o Estado.

Entretanto, o Decreto nº 3.100/99, ao regular a matéria (no artigo 23), peca em não

tornar obrigatória a utilização da ferramenta do concurso de projetos, tornando-a inócua17,

segundo o Tribunal de Contas da União (1999).

O próprio Tribunal de Contas, em decisão de 200518, recomenda ao Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão e também à Casa Civil da Presidência da República que

“[...] avaliem a inclusão em normativo próprio de dispositivo que obrigue a aplicação do

critério de seleção de OSCIP previsto no art. 23 do Decreto nº 3.100/99 em toda e qualquer

situação”.

A recomendação do Tribunal de Contas, contudo, ainda resta sem resultado

normativo.

3.4.3 Acompanhamento e fiscalização da execução do termo de parceria

A Lei das OSCIPs trata da questão do acompanhamento e da fiscalização do termo

de parceria nos artigos 11 a 13. A regra geral é a de que a execução do objeto do termo de

parceria seja acompanhada pelo próprio órgão parceiro – nos termos da Lei: “[...] órgão do

Poder Público da área de atuação correspondente à atividade fomentada” e pelos

respectivos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes. Este acompanhamento

dos Conselhos (conforme regulamentação – artigo 17 do Decreto nº 3.100/99) deve ocorrer

por meio de recomendações ao poder público, não podendo haver introduções nem induções a

mudanças protagonizadas pelo Conselho de Políticas Públicas.

Os parágrafos do artigo 11 da Lei das OSCIPs estabelecem a sistemática do

acompanhamento, que deve contar com análise da comissão de avaliação (formada de comum

acordo, por representantes do órgão público, da OSCIP e por representação do respectivo

Conselho de Políticas Públicas19) e com “mecanismos de controle social previstos na

17 Tribunal de Contas da União - Decisão 931/1999 – Plenário: “(...) tendo em vista os trâmites burocráticos inerentes ao concurso, que oneram o processo de seleção, esse dispositivo pode tornar-se inócuo”. 18 Tribunal de Contas da União - Decisão 1.777/2005 – Plenário item 9.4. 19 Decreto 3.100/99, art. 20: “A comissão de avaliação de que trata o art. 11, § 1o, da Lei no 9.790, de 1999, deverá ser composta por dois membros do respectivo Poder Executivo, um da Organização da Sociedade Civil

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34

legislação”. Embora a nem Lei nº 9.790/99 nem a regulamentação do Decreto nº 3.100/99

tenham deixado claro quais seriam tais mecanismos de controle social ou em qual legislação

estariam previstos, é possível verificar, que especialmente na segunda parte da década que se

seguiu à criação das OSCIPs, foram criados alguns mecanismos que favorecem este controle

social, ainda que não tenham decorrência ou previsão por força de lei. Um destes exemplos é

o Sistema de Convênios – SICONV20 e outro é o próprio Cadastro Nacional de Entidades de

Utilidade Pública do Ministério da Justiça – CNEs/MJ.

3.4.4 Atuação dos Tribunais de Contas e do Ministério Público

Os respectivos Tribunais de Contas e o Ministério Público devem ser prontamente

informados caso os responsáveis pela fiscalização do termo de parceria detectem

irregularidades ou ilegalidades na utilização dos recursos ou bens públicos, assim determina a

Lei das OSCIPs (Lei nº 9.790/99, art. 12). Para compelir tal comunicação, o dispositivo legal

ameaça a omissão em comunicar irregularidades ou ilegalidades com a responsabilização

solidária.

Ampliando o poder (e dever) dos responsáveis pela fiscalização dos termos de

parceria, o art. 13 da Lei nº 9.790/99 determina – sem prejuízo da pronta comunicação dos

Tribunais de Contas e do Ministério Público – que ao se verificarem “[...] indícios fundados

de malversação de bens ou recursos de origem pública” devem representar ao Ministério

Público e à Advocacia Geral da União para que estes entes promovam a “[...] decretação de

indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens dos seus dirigentes”. A medida

enérgica da indisponibilidade e do sequestro de bens pode atingir também a agentes públicos

e terceiros que, porventura, encontrem-se envolvidos com dano ao poder público ou

enriquecimento ilícito.

3.4.5 Auditoria externa independente

de Interesse Público e um membro indicado pelo Conselho de Política Pública da área de atuação correspondente, quando houver. Parágrafo único. Competirá à comissão de avaliação monitorar a execução do Termo de Parceria.” 20 Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse, instituído pelo Decreto 6.170/07 e pela Portaria Interministerial 127/08.

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Em atenção à disposição geral da Lei das OSCIPs, no que tange á prestação de

contas, a regulamentação do Decreto nº 3.100/99 (artigo 19) consigna a obrigação de ser

realizada auditoria independente da aplicação dos recursos de termos de parceria que

excederem seiscentos mil reais. A cifra considera-se não só quando um único termo de

parceria atingir o limite, mas também quando a soma dos termos firmados, ainda que com

variados órgãos públicos, atinjam na soma anual ao limite.

3.4.6 Prestação de contas do Termo de Parceria

A ideia de estabelecer uma nova forma de prestação de contas, fixada não na mera

execução dos recursos, mas nos resultados atingidos com os recursos públicos, é uma (talvez

a mais importante) das propostas da criação dos termos de parceria.

O controle de resultados previsto na Lei das OSCIPs representa a grande boa nova

dos termos de parceria e substancial vantagem sobre os convênios, que, muitas vezes,

valorizam mais o aspecto procedimental do que o efetivo cumprimento dos objetivos

propostos para a cooperação entre Estado e OSCIP.

O compromisso de prestar contas ao poder público acerca da execução dos termos de

parceria firmados durante o exercício deve figurar como uma das cláusulas essenciais do

termo de parceria (artigo 10, parágrafo 2º, inciso V da Lei nº 9.790/99). A prestação de contas

específica do termo de parceria se encontra mais bem detalhada na regulamentação – Decreto

nº 3.100/99 – do que na Lei. Assim, segundo a regulamentação, a prestação de contas do

termo de parceria é a “[...] comprovação, perante o órgão estatal parceiro, da correta

aplicação dos recursos públicos recebidos e do adimplemento do objeto do termo de

parceria”, para tanto será necessário a apresentação dos seguintes documentos:

a) relatório de execução, contendo comparativo entre as metas propostas e os

resultados alcançados anual da execução de atividade;

b) demonstrativo integral da receita e despesa;

c) parecer e relatório de auditoria, se for o caso;

d) entrega do extrato de execução física e financeira (art.18).

A assimilação do novo modelo, na prática, é difícil e lenta. Valéria Trezza relata a

opinião de procurador do Ministério Público junto ao TCU, que mesmo concordando com a

ideia de que o controle ideal seja mesmo o de resultados, observa a necessidades de se exigir

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procedimentos formais concomitantes e ampliação de condições materiais e pessoais dos

órgãos parceiros para a fiscalização no cumprimento dos resultados dos termos de parceria

(TREZZA, 2007, p. 125).

A maneira peculiar como cada órgão assimila a regulação acaba determinando o

sucesso das relações do poder público com as OSCIPs. Especialmente no que tange à

prestação de contas com foco nos resultados, ainda mais verificadas as carências de pessoal

para o efetivo acompanhamento de cada um dos termos de parceria.

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37

4 A UTILIZAÇÃO DOS TERMOS DE PARCERIA EM NÚMEROS

Até o final do ano de 2010, o Ministério da Justiça contabilizava 18.545 entidades

sociais sem fins lucrativos com títulos, qualificações ou autorizações de funcionamento no

País. Destas, a grande maioria – 12.781 – é titulada como de Utilidade Pública Federal –

UPFs, 5.687 são Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs e 77 são

organizações estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil.

Desde 2007, com a criação do Cadastro Nacional de Entidades de Utilidade Pública

do Ministério da Justiça – CNEs/MJ, os dados cadastrais e as prestações de contas das

entidades que o integram são disponibilizados na rede mundial de computadores. Qualquer

cidadão pode ter acesso às informações das entidades sociais cadastradas no CNEs/MJ. Parece

evidente que o instrumento favorece ao controle social e a transparência. Todavia, para que o

potencial se configure na prática é fundamental sua popularização, o que ainda não aconteceu

em larga escala.

Para o propósito do presente trabalho, é possível, a partir das prestações de contas

apresentadas ao CNEs/MJ, se ter uma ideia da utilização dos termos de parceria nas

contratualizações realizadas entre o poder público e o terceiro setor. Todavia, é fundamental

ressalvar-se a relatividade dos dados.

Em primeiro lugar, as prestações de contas, por serem declaratórias, podem

apresentar, vez por outra, desvios e discrepâncias com a realidade dos fatos. Estas dissintonias

são exceções e certamente não maculam a mostra.

Há de ser considerado também o fato de que as OSCIPs apresentam elevados índices

de abstenção de prestações de contas anuais – principalmente se comparadas com as entidades

tituladas como UPF, como se pode ver do quadro comparativo abaixo:

Quadro 1. Prestações de contas 2010 (exercício 2009*)

Cadastradas no

CNEs/MJ Prestações de

contas Porcentual

OSCIPs 5.405 1.617 29,9%

UPFs 12.489 8.336 66.7%

* As OSCIPs e as UPFs prestam de contas, respectivamente, até os meses de junho e abril, do ano seguinte (art. 8º, II Portaria SNJ 24/2007).

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No ano de 2010, o Ministério da Justiça recebeu as prestações de contas do exercício

de 2009, das entidades cadastradas. Aproximadamente 30% das OSCIPs integrantes do

CNEs/MJ prestaram contas de suas atividades. Entre as entidades com título de UPF o

percentual de prestação de contas supera o dobro do apresentado pelas OSCIPS, atingindo

66,7%.

O fato, provavelmente, decorre da ausência de penalidade para a omissão da OSCIP

em prestar contas, tratamento diverso do dispensado às entidades com título de UPF. Para

OSCIPs, a prestação está relacionada às cláusulas estatutárias obrigatórias e não ao ato de

prestar contas, efetivamente21. Parece óbvio que a obrigatoriedade de prestação de contas

confere mais segurança a todo o sistema e, evidentemente, mais transparência à atuação das

OSCIPs.

4.1 A utilização dos termos de parceria nos números do Ministério da Justiça

Feitas as ressalvas, os números do CNEs/MJ podem dar uma boa e representativa

ideia de como as OSCIPs se relacionam com o poder público. Pode-se destacar, por exemplo,

que a grande maioria das OSCIPs que prestaram contas em 2010 (do exercício de 2009), cerca

de 69%, não firmam termos de parceria ou convênios com o poder público. Verifica-se, desta

forma, que a maioria das OSCIPs em atividade – que prestam contas – existem

independentemente de recebimento de recursos ou desenvolvimento de programas ou projetos

públicos, sejam municipais, estaduais ou federais.

Assim, as 473 OSCIPs – 31% das que prestaram contas de suas atividades em 2009 –

firmaram o total de 1.390 contratos (convênios ou termos de parceria) com o poder público,

nas três esferas de governo.

Do total de 1.390 contratos (convênios e termos de parceria) entre OSCIPs e o poder

público, a maioria absoluta foi firmada com municípios, seguidos da União e dos estados.

Vale observar que a supremacia de contratualização está efetivamente com os municípios. A 21 Como referido no item 3.4, para as OSCIPs, a obrigação de prestar contas anualmente e lhes dar publicidade “por qualquer meio eficaz” colocando-as “à disposição para exame de qualquer cidadão” (Lei 9.790/99, artigo 4º, VII) é cláusula obrigatória de seus estatutos (sob pena de não ser a qualificada). Porém, não há penalidade para o descumprimento desta ou qualquer cláusula estatutária. Também não há na Lei das OSCIPs ou em sua regulamentação (Decreto 3.100/99) a obrigatoriedade de que as contas anuais sejam apresentadas ao Ministério da Justiça. A disposição da Portaria SNJ/MJ nº 24/2007 tem apenas força administrativa e não poder vinculante de Lei. É provável que neste aspecto resida a razão da baixa incidência de prestação de contas de OSCIPs junto ao CNEs/MJ.

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tendência, por sinal, pode ser confirmada observando-se os dados das declarações dos últimos

três exercícios (2009, 2008 e 2007).

Mesmo a despeito do grande volume global de recursos, projetos e programas

passíveis de serem executados pela União, é justificável que os municípios respondam por

mais contratos, em cooperação com OSCIPs. A pulverização de possibilidades geradas pelos

5.56522 municípios brasileiros resulta na multiplicação de oportunidades e, efetivamente, na

multiplicação de contratos, sejam convênios ou termos de parceria.

A propósito, no que tange ao foco do presente trabalho, é notável que apenas nos

municípios prevaleçam como instrumento de contratualização das OSCIPs os termos de

parceria. A União, nos três exercícios considerados, realizou mais convênios do que termos de

parceria para relacionar-se com OSCIPs – invariavelmente, os convênios representam mais

que o dobro dos termos de parceria, como se vê abaixo:

Quadro 2. Comparativo contratualização OSCIPs e o poder público (exercícios 2007/2008/2009)

2 0 0 7 2 0 0 8 2 0 0 9 Esferas de governo Convê-

nios Termos Parceria

Total Convê-nios

Termos Parceria

Total Convê-nios

Termos Parceria

Total

Municípios 238 599 837 272 642 914 223 549 772

Estados 77 92 169 149 116 265 137 91 228

União 202 70 272 212 102 314 202 117 319

Outros* 33 11 44 57 28 85 33 38 71

Totais 418 904 1.322 690 888 1.578 595 795 1.390

Os números acima despertam atenção principalmente para dois aspectos: a alta

incidência histórica de termos de parceria realizados com municípios e a baixa incidência de

termos de parceria realizados com a União. Igualmente merece nota a redução dos termos de

parceria em números absolutos (considerando-se todas as esferas de governo). A cada ano o

número global de termos de parceria é menor.

22 Censo 2010, IBGE – http://www.ibge.gov.br/censo2010/dimensoes.php

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Proporcionalmente, aos respectivos totais anuais das contratualizações, verifica-se,

por um lado, crescimento proporcional dos termos de parceria com a União e o decréscimo

daqueles realizados com os municípios.

Quadro 3. Comparativo da evolução dos Termos de Parceria União e Municípios (exercícios 2007/2008/2009)

2 0 0 7 2 0 0 8 2 0 0 9 Termos de Parceria

Número Proporção Número Proporção Número Proporção

Municípios 599 45,3% 642 40,7% 549 39,5%

União 70 5,3% 102 6,5% 117 8,4%

Ainda que apresentem crescimento proporcional ao longo dos últimos três exercícios

apurados, o número de termos de parceria levados a efeito pela União, passados quase doze

anos da promulgação da Lei das OSCIPs, é bastante inferior às expectativas então geradas.

Mesmo crescente o número de entidades credenciadas como OSCIP ao longo do

período de vigência da Lei nº 9.790/99, o lento ritmo de implantação do termo de parceria,

“[...] a principal vantagem para as OSCIPs”, na impressão de Maria Nazaré Barbosa, acaba

por suscitar dúvidas jurídicas (BARBOSA, 2007, p.32) e comprometer a experiência de

utilização deste instrumento de contratualização por parte da União.

Frise-se, não se trata de não utilização dos termos de parceria, mas de utilização

aquém de suas possibilidades e das vantagens de flexibilidade e controle social que o

instrumento propicia em tese.

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5 BAIXA INCIDÊNCIA DOS TERMOS DE PARCERIA: O QUE PE NSAM OS

ATORES

A fim de entender como se processa internamente na União a escolha (ou rejeição)

do instrumento que, ao menos formalmente, apresenta vantagens tanto do ponto de vista da

flexibilidade quanto do controle, procurou-se a opinião de consultores jurídicos, gestores de

órgãos federais e advogados que militam no terceiro setor. A ideia de entrevistar consultores

jurídicos vem da percepção de que nas consultorias jurídicas poderiam residir focos de

resistência à maior implementação dos termos de parceria. O que não se confirmou por

completo.

As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas tomando por base um breve

questionário acerca do local de trabalho (órgão ou atividade liberal) e a relação do depoente

com o tema dos termos de parceria. Em um primeiro momento indagou-se acerca do órgão a

que o entrevistado representava e se tal órgão desenvolvia, ou não, relações com OSCIPs.

Logo a seguir, questionou-se acerca da exigência, por parte do órgão público, de

certificação federal para a contratualização com entidades sociais, para, na sequência,

indagar-se a forma de contatualização mais frequente e se seria possível quantificar tal

frequência em números ou percentuais.

O questionário prosseguia com a inquirição se haveria alguma determinação oficial

do órgão a que o depoente representava no sentido de priorizar, ou não, alguma das formas de

contratualização vigentes. A partir deste questionamento, os depoentes foram estimulados a

manifestar suas opiniões acerca das razões que poderiam dificultar uma maior utilização dos

termos de parceria, de uma forma geral, tanto no local onde trabalham como pela União.

Com devidas adaptações se procederam as entrevista com os profissionais liberais,

não integrantes da administração pública, que, com mais desprendimento e desenvoltura, não

se furtaram de manifestar suas opiniões acerca do tema.

Ao confrontarem-se os depoimentos colhidos nas entrevistas semi-estruturadas,

pôde-se perceber que, mesmo passada mais de uma década da Lei das OSCIPs, falta

uniformidade no tratamento dispensado aos termos de parceria em diferentes áreas da

administração pública federal.

Para ilustrar que a percepção do fenômeno de baixa utilização dos termos de parceria

pouco se alterou nestes mais de dez anos da Lei nº 9.790/99, pontuamos os depoimentos

colhidos com alguns resultados de pesquisas que investigaram objetos semelhantes.

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É possível observar que ainda grassa alguma confusão conceitual, persistem

resistências culturais ao termo de parceria e, a bem da verdade, até o momento, não se

registrou a perfeita assimilação pelo poder público da novidade (de mais de dez anos).

No mínimo, é curioso observar que persiste, ainda hoje, a maioria das razões

apontadas por Maria Nazaré Barbosa, em 200323, para a baixa incidência dos termos de

parceria, (no ano anterior eram contabilizados apenas 12 termos de parceria). Destacava,

então, a autora como “[...]fatores inibidores da celebração dos Termos de Parceria”:

a) dúvidas jurídicas que geram insegurança; b) resistências culturais dos órgãos públicos e c) em um primeiro momento - poucas Oscips para os órgãos

públicos firmarem parcerias;

Posteriormente, em 2007, Barbosa, na esteira de Koga24, acrescenta mais duas razões

para a inibição dos termos de parceria: as “[...] diferenças de cultura organizacional e a

discrepância de tempos de aprendizagem para adaptação das organizações públicas e

privadas ao novo modelo” (BARBOSA. 2007, p.53).

Dos fatores destacados pela autora, somente o referente ao número de OSCIPs não se

aplica mais à realidade dos dias atuais.

Mesmo com uma pequena amostra, é possível observar dos depoimentos colhidos as

dificuldades de assimilação do termo de parceria e do quanto a nova contratualização vai se

distanciando, no dia-a-dia da administração, do ideal projetado nas rodadas de discussão do

Conselho da Comunidade Solidária.

5.1 Convênios ou Termos de Parceria – a escolha do gestor público

A maioria dos entrevistados revelou suas percepções de que, nas áreas em que

militam, a tendência das contratualizações com OSCIPs é francamente majoritária para os

convênios, em detrimento dos termos de parceria.

23 BARBOSA, Maria Nazaré Lins. OSCIPs: avanços e perspectivas. In Revista Eletrônica Integração, jan. 2003, disponível em www.fgvsp.publicações. 24 KOGA, Natália. Termos de parceria e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips): um estudo exploratório sobre o novo tipo de contrato entre estado e organizações sem fins lucrativos. Trabalho apresentado no Encontro Nacional da ANPAD, 2004.

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Jefferson dos Santos Vieira, da Consultoria Jurídica do Ministério do

Desenvolvimento Agrário, afirma que, das quatro Secretarias do Ministério que se relacionam

com entidades sem fins lucrativos, apenas uma o faz por intermédio de termos de parceria.

Acrescenta Vieira que a proporção é de “[...] quatro termos de parceria para quatrocentos

convênios” – Faz a ressalva de que os convênios não são firmados somente com organizações

não governamentais. Acrescenta que não há disposição alguma da Consultoria Jurídica ou de

outra instância interna que priorize os convênios em detrimento dos termos de parceria.

No Ministério da Ciência e Tecnologia, segundo André Macedo, da Consultoria

Jurídica do órgão, a proporção de convênios para termos de parceria está em torno de 90%

para os primeiros e apenas 10% para a contratualização da Lei nº 9.790/99.

A propósito, Valéria Trezza, em seu trabalho de conclusão de mestrado, colheu

impressão semelhante no Ministério de Ciência e Tecnologia, ou seja, dados de 2005

revelavam 12 termos de parceria para 240 convênios. Na oportunidade, a autora consignou

que dos órgãos investigados o MCT era o que havia firmado mais termos de parceria.

(TREZZA. 2007, p. 103).

Questionado se haveria alguma determinação interna do Ministério da Ciência e

Tecnologia que preconizasse o uso dos convênios em detrimento dos termos de parceria, o

consultor respondeu negativamente e completou: “Oficial, não. Não há nenhuma disposição

em termos administrativos neste sentido”.

André Macedo admitiu que, atualmente, o Ministério da Ciência e Tecnologia vem

reduzindo a implementação de termos de parceria. A razão é peculiar e pode demonstrar um

limite ainda não considerado, a falta de pessoal. O consultor explica que o Ministério não

dispõe de servidores para cobrir a demanda para integrar as comissões de acompanhamento e

fiscalização dos termos de parceria25.

O Ministério de Minas e Energia, segundo Fabriccio Quixadá Steidorfer, da

Consultoria Jurídica, também expressa que, das contratualizações postas para sua análise,

cerca de 90% são convênios e afirma, praticamente, não haver termos de parceria no órgão. A

razão para tanto, segundo Steidorfer, não decorre de orientação interna ou externa coibindo a

utilização dos termos de parceria, mas do fato de não existirem OSCIPs com expertise

compatível com a demanda do Ministério de Minas e Energia.

25 O art. 20 do Dec. 3.100/99, que regulamenta a Lei das OSCIPs, estabelece que os termos de parceria serão fiscalizados e acompanhados por comissão avaliação “composta por dois membros do respectivo Poder Executivo, um da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público e um membro indicado pelo Conselho de Política Pública da área de atuação correspondente”.

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Realidade diversa se expressa no Ministério da Educação, que não realiza termos de

parceria, mas, segundo Paulo Roberto Júnior, é comum chegar à Consultoria Jurídica do

órgão termos de cooperação técnica e contratos de repasse, indevidamente designados por

termos de parceria. Explica o consultor que o Ministério da Educação vem diminuindo a

utilização de convênios e que a relação com entidades sem fins lucrativos se concentra em

entidades beneficentes e com título de Utilidade Pública Federal – UPF.

Situação semelhante é vivenciada no Ministério das Cidades, que não realiza termos

de parceria com OSCIPs, segundo informa o consultor jurídico Cleucio Santos Nunes. Os

repasses voluntários no Ministério das Cidades são firmados diretamente com estados ou

municípios e, eventualmente, com cooperativas de habitação. Os convênios, porventura

realizados atenderiam à normatização do SICONV (Decreto nº 6.170/08 e Portaria

Interministerial nº 127/08), afirma.

O Ministério do Turismo apresenta uma situação bastante peculiar. Segundo a

gerente de projetos, Andrea Aiolfi26, praticamente a totalidade das relações com OSCIPs se dá

por termos de parceria. Há determinação interna para priorizar a utilização dos termos de

parceria. No entanto, a razão da opção é o entendimento de que os convênios pressupõem a

necessidade de contrapartida das entidades sem fins lucrativos.

Outro aspecto interessante é que, no Ministério do Turismo todos os termos de

parceria são realizados por intermédio do SICONV, o que, na impressão de Andrea, confere

uma dose maior de formalidade, burocracia e perda de agilidade do instrumento contratual das

OSCIPs.

Como se pode perceber, a escolha da contratualização com OSCIPs é caracterizada

pela inexistência de um padrão ou, como refere Maria Nazaré Barbosa, pela discrepância de

aprendizagem e adaptação das organizações públicas e privadas ao novo modelo (BARBOSA.

2007, p.53).

A Lei permite ao gestor optar por convênio ou termo de parceria e, assim, cada

órgão, ou gestor, acaba decidindo de acordo com suas conveniências e, invariavelmente,

preferindo o que conhece e que lhe pode conferir mais segurança.

Ao que se depreende de algumas entrevistas, a escolha entre convênio e termo de

parceria tangencia a consideração das consultorias jurídicas. Conforme o Coordenador-Geral

de Procedimentos Disciplinares do Ministério da Educação, Esmeraldo Malheiros Santos:

26 Andréa Aiolfi de 2007 a 2009 foi coordenadora da Coordenação de Entidades Sociais, do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação, do Ministério da Justiça. A Coordenação é responsável, entre outras atribuições, pela qualificação de OSCIPs e pelo Cadastro Nacional de Entidades de Utilidade Pública – CNEs/MJ.

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“[...] a opção já vem feita desde a Secretaria-executiva. A decisão está na esfera

discricionária do agente público, do gestor”.

Do lado das OSCIPs, entrevistada a advogada Paula Raccanello Storto, especialista

no atendimento a entidades sem fins lucrativos, projetos sociais e culturais, e integrante da

Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP, afirmou que é o órgão parceiro quem

sinaliza qual a contratualização deseja utilizar, geralmente, não é uma escolha da entidade.

Segundo Paula, o convênio é largamente utilizado, embora seu acompanhamento seja mais

burocrático e não de resultados, como acontece com o termo de parceria. Juridicamente,

sustenta Paula Storto, o termo de parceria é mais apto e mais coerente para a cooperação entre

Estado e terceiro setor e, inclusive, mais seguro para a administração pública.

A advogada paulistana destaca ainda que, em Minas Gerais e São Paulo, há uma

política clara de priorizar a utilização dos termos de parceria. Em São Paulo, por

recomendação do Tribunal de Contas do Estado, a regra geral para a relação com OSCIPs é o

termo de parceria e o gestor precisa justificar sempre que sua opção recair sobre outro

instrumento contratual que não aquele. Da parte da União, assevera Storto: “[...] há o marco

legal (a Lei 9.790/99), mas não há cultura nem a prioridade de utilização dos termos de

parceria”.

5.2 Concurso de projetos como processo de seleção

A liberdade de escolha, um traço característico da Lei 9.790/99, está presente em

outro aspecto importante da realidade das OSCIPs: o momento no qual o gestor público

precisa selecionar qual ou quais entidades serão as parceiras do órgão público em determinada

ação, projeto ou política. Criado como alternativa racional de agilidade à Lei de Licitações e a

IN/STN nº 01/97, o concurso de projetos é a forma democrática e transparente de

concorrência pública (entre OSCIPs) oportunizada ao gestor público no artigo 23 (e detalhada

nos artigos 24 a 31) do Decreto nº 3.100/99. Todavia, o concurso de projetos é facultativo e

como tal acabou por gerar alguns desconfortos e inseguranças na prática. Logo da criação da

Lei das OSCIPs e de sua regulamentação, em 1999, o Tribunal de Contas já havia

manifestado que a discricionariedade conferida ao gestor poderia gerar a ineficiência da

concorrência pública das OSCIPs:

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“A utilização da palavra ‘poderá’ torna o texto original meramente recomendatório, deixando à discricionariedade do administrador a decisão de optar ou não pelo concurso. Considerando que o concurso exige trâmites burocráticos que podem onerar a eficiência do processo de seleção para os Termos de Parceria, infere-se que a sua mera sugestão, no corpo do Decreto, será pouco efetiva. Cabe lembrar que a realização do concurso busca a isonomia no tratamento das OSCIPs e a melhor eficiência na realização do objeto pactuado. A título de racionalização, poderia ser estabelecido um limite de valor a partir do qual seria obrigatório o concurso. Tal valor seria calculado a partir da relação custo benefício para as OSCIP participarem do certame.”27

Para a advogada Paula Storto, o fato de o concurso de projetos “não ser obrigatório

favorece a desculpa para não fazê-lo”. Além de esvaziar eficácia da disposição, a advogada

acrescenta que a discricionariedade traz mais um efeito danoso: “[...] as OSCIPs acabam

sendo mal vistas e reforça-se o mito de que não havendo licitação, não há critério na escolha

e, portanto, não existe qualquer controle – o que, absolutamente, não é verdade”.

No Ministério do Desenvolvimento Agrário, informa Jefferson Vieira, o concurso de

projetos, nos termos previstos no art. 23 do Decreto nº 3.100/99, praticamente, não é

utilizado. Para o consultor, o concurso de projetos limita o certame exclusivamente às OSCIPs

e, para o Ministério, quando a contratualização envolve recursos de custeio, é preferível

ampliar a concorrência também a organizações não-governamentais não qualificadas. No

entanto, Jefferson ressalva que, em se tratando de recursos de investimento, a cooperação é

feita exclusivamente com entidades qualificadas como OSCIP e, em consequência, a forma

contratual adotada é o termo de parceria.

O entendimento adotado pela Consultoria Jurídica do Ministério do

Desenvolvimento Agrário não chega a ser uma novidade e menos ainda uma postura isolada.

Postura idêntica foi encontrada por Valéria Trezza, no Fundo Nacional do Meio Ambiente,

quando, em 2007, pesquisou o equilíbrio entre flexibilidade e controle nos termos de parceria.

Vale destacar:

“Apesar de o FNMA lançar editais periodicamente, esses são abertos a todo tipo de entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, e são genéricos, simplesmente informando às instituições interessadas que existem recursos para financiar projetos dentro de determinadas linhas temáticas. Para o assessor especial de controle interno do MMA, para que possa ser celebrado Termo de Parceria, os concursos de projeto devem ser exclusivos para organizações qualificadas como OSCIP. Para ele, não seria justo que em um mesmo processo de seleção as OSCIPs tivessem benefícios que outras organizações não teriam, apenas pelo fato

27 Citação de Gustavo Henrique Justino OLIVEIRA, na obra Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público: Termo de Parceria e Licitação. Fórum Administrativo – Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n. 49, p. 5209-5351, mar. 2005.

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do instrumento do Termo de Parceria prever prerrogativas que o convênio não tem. Segundo ele, para que haja igualdade de condições, o Termo de Parceria deve ser celebrado somente quando o processo de seleção seja específico para organizações qualificadas como OSCIP; caso contrário, ou seja, nos processos em que concorrer qualquer tipo de organizações, o instrumento a ser celebrado deverá ser o convênio. Além disso, no seu entendimento, o instrumento convocatório utilizado pelo FNMA não é adequado para firmar Termo de Parceria porque não tem direcionamento algum. Para ele, o concurso de projeto tem que corresponder às prioridades de ação estabelecidas pelo Poder Público: o que ele quer que seja feito, onde se realizará a ação, qual o público alvo a ser atendido, qual o tempo de duração do projeto, etc. A OSCIP estabeleceria apenas uma metodologia - como ela pretende realizar aquilo -, e qual o custo. A partir disso o Poder Público escolheria o projeto que melhor atendesse às necessidades.” (TREZZA. 2007, p. 95)

A concorrência pública de seleção de OSCIPs, criada como alternativa

simplificadora, acaba, na visão predominante em alguns órgãos da administração pública, por

restringir a concorrência exclusivamente àquelas entidades, algo absolutamente inimaginável

nas discussões que antecederam a Lei nº 9.790/99.

No entanto, não é dominante a ideia de afastar a realização de termo de parceria

quando não for precedido de concurso de projetos. A propósito, Andréa Aiolfi, do Ministério

do Turismo, revela que, naquele órgão, não são feitos concursos de projetos, simplesmente,

por não serem obrigatórios. Assim, os termos de parceria são celebrados mesmo sem o

certame prévio de concorrência (do artigo 23 do Decreto nº 3.100/99).

O Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão 1777/2005 (Plenário),

recomenda:

9.4 Determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e à Casa Civil da Presidência da República que avaliem a inclusão em normativo próprio de dispositivo que obrigue a aplicação do critério de seleção de Oscip previsto no art. 23 do Decreto n.º 3.100/99 em toda e qualquer situação;

A recomendação do Tribunal de Contas da União, todavia, até então, não surtiu

efeitos práticos.

5.3 Razões da baixa incidência de termos de parceria com a União

Neste ponto, buscou-se indagar junto aos entrevistados as razões da baixa incidência

dos termos de parceria verificada nas relações das OSCIPs com a União. Chama a atenção o

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fato de ser praticamente unânime, passados mais de dez anos de vigência da Lei nº 9.790/99, a

ideia de falta conhecimento da Lei e, mais especificamente, do instrumento do termo de

parceria.

Há também manifestações que admitem a tendência do gestor público de buscar a

segurança do conhecido – no caso, o convênio – no lugar de buscar a novidade – o termo de

parceria.

Verificam-se, ainda, relatos de dificuldades práticas, como dificuldades com os

Conselhos de Política Pública, a formação das Comissões de Avaliação e, mais recorrente, a

dificuldade de compatibilizar a utilização do termo de parceria com a nova sistemática do

SICONV, instituído a partir do Decreto nº 6.170/0728 e da Portaria Interministerial nº 127/08.

Para facilitar o entendimento dividimos as especulações em três grupos, a ver.

5.3.1 Desconhecimento da legislação e do instrumento termo de parceria

Esta percepção do desconhecimento da legislação já se verificava nas entrevistas de

Valéria Trezza, para o trabalho de conclusão do curso de Mestrado, em 2007:

“É interessante notar que os entrevistados reconhecem os benefícios que tais usos proporcionariam às OSCIPs, mas a não familiaridade com a legislação aplicável às OSCIPs constitui verdadeira trava ao uso e aproveitamento integral do novo instrumento, levando-os a uma tentativa de justificar a forma como aplicam as leis, que podemos até dizer, contrária a vários princípios jurídicos.” (TREZZA, 2007, p. 113)

No Ministério do Turismo, segundo a gerente de projetos Andrea Aiolfi, já existe

uma expertise com relação aos termos de parceria, mas admite que por diversos fatores e, para

atender ao SICONV, hoje, o instrumento contratual das OSCIPs está muito semelhante ao do

convênio.

Fabriccio Steidorfer, consultor jurídico do Ministério das Minas e Energia (MME),

alia o desconhecimento da legislação e do termo de parceria ao “costume e a tradição” do

gestor público se utilizar do convênio e dos procedimentos já bastante conhecidos. Jéferson

Vieira, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, concorda com o colega consultor do

MME quanto ao desconhecimento da Lei e do instrumento contratual das OSCIPs e reforça a

28 O Decreto no 6.170, de 25 de julho de 2007, dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, com redação dada pelo Decreto 6.428, de 14 de abril de 2008.

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ideia de costume consolidado: “Das quatro Secretarias Nacionais do MDA, apenas uma usa

termos de parceria”.

Também para a presidenta da Comissão Especial do Terceiro Setor da OAB, Laís

Vanessa de Figueiredo Lopes, existe desconhecimento da Lei e das vantagens que os termo de

parceria representam com relação aos convênios. Pode haver um certo comodismo, em não

buscar conhecer melhor o novo, reflete.

Para a advogada de entidades sem fins lucrativos, Paula Raccanello Storto, o

desconhecimento da legislação e do termo de parceria gera insegurança ao gestor público

frente à novidade dos termos de parceria, fazendo com que prefiram a segurança dos

convênios. Ela identifica, ainda, que esta insegurança tem um o efeito colateral de reforçar o

mito de que o “[...] termo de parceria dá problema no TCU”.

Paulo Roberto Júnior, da Consultoria Jurídica do Ministério da Educação, acrescenta

ao desconhecimento da Legislação a falta de “fomento”, para a utilização do termo de

parceria. A percepção do consultor do MEC parece referendada no depoimento da advogada

Paula Storto, para quem “[...] a União não priorizou politicamente as OSCIPs e os termos de

parceria”. Para a advogada da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP, as OSCIPs

– tal como as OSs – têm “[...] forte carimbo do Comunidade Solidária”, o que segundo ela,

inviabilizou o investimento no modelo e contribuiu para não consolidar a mudança proposta e,

conseqüentemente, não firmar a cultura.

5.3.2 Os termos de parceria e o SICONV

O Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse – SICONV (instituído pelo

Decreto nº 6.170/07 e pela Portaria Interministerial nº 127/08) estabeleceu a nova sistemática

de acompanhamento das contratualizações da União e ignorou a existência dos termos de

parceria, como se vê da redação do artigo 1º do Decreto (na redação dada pelo Decreto nº

6.428/08):

“Art. 1º Este Decreto regulamenta os convênios, contratos de repasse e termos de cooperação celebrados pelos órgãos e entidades da administração pública federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco que envolvam a transferência de

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recursos oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União.”

O mínimo que se pode intuir de uma rápida visita ao Portal dos Convênios –

www.convenios.gov.br – o sítio do SICONV na rede mundial de computadores, é de que o

sistema de convênios e contratos de repasse efetivamente não foi pensado para contemplar os

termos de parceria. Já na abertura do sítio do SICONV, o primeiro texto visível (em ordem de

leitura), com o título “Sobre o sistema”, define convênios como sendo os acordos, os ajustes

ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros.

Em outras palavras o termo de parceria, a despeito da impropriedade doutrinária, fica

relegado à categoria de “qualquer outro instrumento”, como se fosse espécie do gênero

convênio.

Com efeito, alguns dos entrevistados apontam o SICONV e sua sistemática como

uma das razões para a baixa incidência de termos de parceria das OSCIPs com a União.

Cléucio Santos Nunes, Consultor Jurídico do Ministério das Cidades, considera que o

uso dos convênios é, em verdade, estimulado pelas disposições do Decreto nº 6.170/07 e da

Portaria Interministerial nº 127/08. Sintetiza afirmando que “[...] o convênio é mais fácil”.

Paula Raccanello Storto diz, taxativamente: “[...] o SICONV prioriza os convênios”.

Andréa Aiolfi identifica dificuldades em utilizar o termo de parceria na estrutura do

SICONV. Afirma Andréa, que, no Ministério do Turismo, onde é gerente de projetos, todos

os termos de parceria, obrigatoriamente, são feitos pelo SICONV e não há uma customização

do sistema para contemplar as peculiaridades da contratualização das OSCIPs. O resultado é

que o termo de parceria perde algumas vantagens e fica muito parecido com o convênio.

5.3.3 Comissão de Avaliação e os Conselhos de Política Pública

Embora menos lembrados como limitadores da celebração de termos de parceria,

registram-se nas entrevistas dificuldades como a formação das comissões de avaliação e o

retorno das consultas aos Conselhos de Política Pública. Laís de Figueiredo Lopes, da

Comissão Especial do Terceiro Setor da OAB, refere que, dependendo do Conselho (e da

estrutura de que disponha), o retorno da consulta pode demorar o suficiente para criar

dificuldades, às vezes, intransponíveis.

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Mesmo as pessoas que relatam a existência de dificuldades práticas quanto a estas

duas questões não deixam de destacar o mérito da disposição. Paula Storto, por exemplo,

refere que “[...] na prática, as comissões de avaliação e os Conselhos de Políticas Públicas

dificultam um pouco, mas são extremamente válidos”. O mesmo afirma Andréa Aiolfi, do

Ministério do Turismo: “[...] há dificuldades para a formação da comissão de avaliação e

também para a consulta aos Conselhos de Política Pública, mas estes aspectos são

importantes e necessários”.

Prevista no parágrafo 1º, do artigo 11 da Lei das OSCIPs, e regulamentada no artigo

20 do Decreto nº 3.100/99, a comissão de avaliação, deve ser composta por dois integrantes

do Poder Executivo, um da OSCIP e um do respectivo Conselho de Política Pública.

Segundo André Macedo, uma dificuldade bastante peculiar tem se apresentado como

empecilho na utilização dos termos de parceria no Ministério da Ciência e Tecnologia, onde

trabalha. André afirma que, com o aumento das relações com OSCIPs, faltam servidores a ser

indicados para integrar as comissões de avaliação dos termos de parceria do MCT.

5.3.4 Outros empecilhos aos termos de parceria

Pontualmente, surgiram nas entrevistas citações de dificuldades à implementação de

termos de parceria, como a “[...] falta confiança dos governos nos Conselhos de Políticas

Públicas”, como lembrou a advogada Paula Raccanello Storto.

A advogada Laís Lopes, da Comissão do Terceiro Setor da OAB, complementa com

mais dois dificultadores dos termos de parceria: “[...] a necessidade do título federal” de

OSCIP e o fato da lei não obrigar a utilização do termo de parceria.

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6 CONCLUSÃO

O objetivo do presente trabalho foi refletir acerca da utilização da contratualização

própria e específica das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) nas

relações com o poder público.

Apontada como “a nova lei do Terceiro Setor”29, a Lei nº 9.790/99, que criou as

OSCIPs e instituiu o termo de parceria, mesmo após mais de uma década de existência, ainda

não alcançou perfeita assimilação e utilização de sua inovadora contratualização.

A partir dos números colhidos no Cadastro Nacional de Entidades de Utilidade

Pública do Ministério da Justiça – CNEs/MJ, duas questões se destacam: o fato de apenas

cerca de 30% das OSCIPs prestarem contas de suas atividades ao Ministério da Justiça; e o

baixo índice de termos de parceria – menos de 10% do total das contratualiazações –

realizados com a União.

Para se entender as razões da incidência reduzida de termos de parceria realizados

com a União, pareceu-nos importante abordar e entender o cenário da criação das OSCIPs: o

contexto do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) – berço teórico

(político e histórico) da nova qualificação pública acalentada para estabelecer um patamar de

relacionamento do Estado com o terceiro setor, com agilidade, transparência e controle social.

Em vista de outras contratualizações, o termo de parceria apresenta importantes

vantagens – é flexível, tem processo de seleção simplificado; permite acompanhar resultados

(e, não apenas a execução); tem instrumentos que asseguram transparência, controle social e

responsabilização – e, mesmo assim, não tem utilização compatível com suas possibilidades.

O presente trabalho levanta e permite vislumbrar algumas pistas que, melhor

investigadas, poderão explicar a baixa utilização dos termos de parceria pela União e, quem

sabe, contribuir para melhor conhecer o instrumento do termo de parceria e intensificar e

qualificar a relação da União com o terceiro setor, de forma mais produtiva, ágil, flexível e

eficaz.

A fim de perquirir a lógica interna da União em preferir os convênios e relegar os

termos de parceria, ouvimos consultores jurídicos de órgãos públicos, gerentes e também

profissionais do direito militantes do terceiro setor.

29 Augusto de Franco, no Prefácio da publicação “OSCIP – Organização da sociedade civil de interesse público: a lei 9.790/99 como alternativa para o terceiro setor”, do Conselho da Comunidade Solidária.

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Das variadas possibilidades aventadas para justificar o não uso dos termos de

parceria, destaca-se o lugar comum do desconhecimento da Lei e do instrumento contratual.

Deriva igualmente do desconhecimento, a dificuldade de enfrentar algumas das liberdades de

escolha concedidas pela Lei das OSCIPs ao gestor. A liberalidade acaba por se traduzir, não

como flexibilidade – como era de se esperar –, mas em dúvidas e inseguranças. É o caso da

faculdade concedida ao gestor de escolher entre o termo de parceria ou outra forma de

contratação ou de optar por realizar, ou não, concurso de projetos para selecionar OSCIPs. Na

prática, a faculdade de escolher gera dúvida e esta, inseguranças, fazendo com que a opção

acabe recaindo sobre o conhecido.

Há de se considerar que o temor reverencial dos órgãos de controle pode

potencializar, não o desconhecimento, mas a insegurança do gestor público. Vale dizer que o

Tribunal de Contas não condena o termo de parceria, mas ao recomendar que sejam criadas

disposições para tornar regra – e não exceção – o concurso de projetos (do artigo 23 do

Decreto nº 3.100/99) para selecionar as OSCIPs, não está proibindo o uso do termo de

parceria, como se pode imaginar (com equívoco).

Além do desconhecimento mencionado de forma majoritária, percebeu-se dos

depoimentos certa tendência de atribuir-se a vilania da impopularidade dos termos de parceria

a dificuldades práticas (ou burocráticas), tais como: i) a formação da comissão de avaliação –

falta de servidores para integrá-las –; ii) as consultas aos Conselhos de Política Pública – que

em alguns casos seriam morosas – e, iii) o advento do SICONV – o sistema de

acompanhamento de convênios que, como o próprio nome faz intuir, não prioriza os termos

de parceria.

O entrelaçamento dos elementos contextuais com os depoimentos faz perceber que

todas as razões suscitadas para explicar o pouco uso dos termos de parceria podem estar

enfeixadas por uma única amarra: a falta de determinação e prioridade política para o novo

modelo.

Com efeito, uma determinação de incentivo à utilização dos termos de parceria

poderia ser suficiente tanto para melhorar o entendimento, quanto a segurança do gestor. Uma

possibilidade seria tornar a utilização do termo de parceria a regra (tal como implementado

em alguns estados da Federação) e, a exceção, escolher para a relação com OSCIP outra

forma contratual, deveria demandar justificativas por parte do gestor.

Um outro aspecto a ser considerado é o disciplinamento do concurso de projetos

estabelecendo-se limites e alternativas para a dispensa de certame entre as OSCIPs candidatas

à cooperação com o poder público.

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Embora existam algumas medidas que poderiam disciplinar melhor a relação das

OSCIPs com o poder público, é forçoso reconhecer que a Lei nº 9.790/99 deu importantes

passos, tais como a flexibilização e o favorecimento do controle social.

Cabe ao poder público ampliar as conquistas, favorecer a transparência. Neste

particular, importantes ferramentas têm sido disponibilizadas, nos últimos anos. É o caso do

portal dos convênios, do SICONV, e do CNEs/MJ, entre outros.

Embora o Brasil muito tenha a aprender em controle social, nunca é demasiado

lembrar que o aprendizado, também aqui, decorre do exercício e da prática cotidiana.

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7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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