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O atribulado percurso de um relatório de pesquisa: as observações de Albert Hirschman sobre onze projetos do BIRD 1 Ana Maria Bianchi Professora Titular Universidade de São Paulo Em 1967 a Brookings Institutions publicou um livro de autoria de Albert O. Hirschman, denominado Development Projects Observed. O livro originou-se de um relatório de pesquisa que o autor escrevera para o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), uma das instituições que integram o Banco Mundial, fundada em 1944. Ele relata as observações de uma visita prolongada feita por Hirschman durante a década de 1960 a onze projetos de desenvolvimento regional espalhados pelo mundo, na América Latina, na Ásia, na África e na própria Europa. O objetivo deste artigo é narrar e analisar criticamente o trajeto percorrido por Hirschman desde o projeto original montado para angariar financiamento para seu plano de visitas até a publicação do livro em que relata os resultados das mesmas. Começo por uma descrição das negociações efetuadas entre o autor e o BIRD para viabilizar sua pesquisa, negociações que tiveram início ainda na primavera de 1963 e prosseguiram em 1964, quando o autor fez sua primeira visita a campo. Focalizo em seguida a etapa intermediária do trajeto analisado, aquela em que Hirschman redige a primeira versão de seu relatório de visita. Na pesquisa documental que realizei nos arquivos do Banco Mundial em Washington verifiquei tratar-se de uma etapa particularmente conturbada, pois essa primeira versão foi avaliada, em seus 1 Versão preparada para apresentação no seminário semanal da EAESP-FGV em 12/05/2010, exposta anteriormente no VI Encontro da Associação Ibérica de História do Pensamento Econômico realizado na Universidade de Coimbra em dezembro de 2009. Peço não citar sem autorização. Agradeço ao CNPq o apoio para realização desta pesquisa.

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O atribulado percurso de um relatório de pesquisa: as observações de Albert

Hirschman sobre onze projetos do BIRD1

Ana Maria Bianchi

Professora Titular

Universidade de São Paulo

Em 1967 a Brookings Institutions publicou um livro de autoria de Albert O. Hirschman,

denominado Development Projects Observed. O livro originou-se de um relatório de

pesquisa que o autor escrevera para o Banco Internacional de Reconstrução e

Desenvolvimento (BIRD), uma das instituições que integram o Banco Mundial, fundada

em 1944. Ele relata as observações de uma visita prolongada feita por Hirschman durante a

década de 1960 a onze projetos de desenvolvimento regional espalhados pelo mundo, na

América Latina, na Ásia, na África e na própria Europa.

O objetivo deste artigo é narrar e analisar criticamente o trajeto percorrido por Hirschman

desde o projeto original montado para angariar financiamento para seu plano de visitas até a

publicação do livro em que relata os resultados das mesmas. Começo por uma descrição

das negociações efetuadas entre o autor e o BIRD para viabilizar sua pesquisa, negociações

que tiveram início ainda na primavera de 1963 e prosseguiram em 1964, quando o autor fez

sua primeira visita a campo. Focalizo em seguida a etapa intermediária do trajeto analisado,

aquela em que Hirschman redige a primeira versão de seu relatório de visita. Na pesquisa

documental que realizei nos arquivos do Banco Mundial em Washington verifiquei tratar-se

de uma etapa particularmente conturbada, pois essa primeira versão foi avaliada, em seus

1Versão preparada para apresentação no seminário semanal da EAESP-FGV em 12/05/2010,

exposta anteriormente no VI Encontro da Associação Ibérica de História do Pensamento Econômico

realizado na Universidade de Coimbra em dezembro de 2009. Peço não citar sem autorização.

Agradeço ao CNPq o apoio para realização desta pesquisa.

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aspectos técnicos e políticos, pelos técnicos do BIRD. As críticas foram numerosas e

cáusticas, a ponto de se ter considerado a hipótese de vetar a publicação do livro.

As sessões que se seguem analisam o contexto em que o trabalho de Hirschman foi

realizado e as características próprias desse trabalho, que foi o último livro publicado pelo

autor no campo da economia do desenvolvimento.2

Meu ponto de partida é a caracterização do papel desempenhado pelas missões de

especialistas estrangeiros que foram enviadas a países do chamado “3º Mundo” no período

que se estende do final do século XIX até meados do século XX. Em muitos casos, essas

missões prepararam o terreno para a concepção e implantação de projetos de

desenvolvimento regional do BIRD. Na sessão seguinte faço uma breve reconstituição da

biografia de Albert Hirschman, em particular no período em que ele fez parte de tais

missões e, como pesquisador e autor, ajudou a consolidar o novo campo de economia do

desenvolvimento.

As sessões seguintes constituem o núcleo do artigo. Estão baseadas em extensa pesquisa

documental, que inclui, além de material dos arquivos do Banco Mundial, os arquivos da

Biblioteca Seely G. Mudd, em Princeton, NJ, e os do Rockfeller Archive Center em Sleepy

Hollow, NY. Focalizo o processo de negociação do projeto de Hirschman e a elaboração de

2 Os dois primeiros livros da trilogia, The Strategy of Economic Development e Journeys Toward

Progress, foram publicados em 1958 e 1963, respectivamente. Em 1971 Hirschman publicou A

Bias for Hope – Essays on Development and Latin America, editado pela Yale University Press.

Contudo, trata-se de uma coletânea de artigos mais antigos, muito dos quais haviam sido publicados

em periódicos.

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seu relatório de visitas, mais tarde convertido em livro. Descrevo, em seguida, a recepção

negativa que esse relatório teve entre técnicos e dirigentes do BIRD.

Neste ponto meu trabalho se soma ao esforço de Alacevich (2008), que destaca o papel

pioneiro de Hirschman na criação de uma sistemática de avaliação dos projetos de

instituições como o Banco Mundial. Contudo, diferentemente de Alacevich e de analistas

como Mason e Asher (1973), minha abordagem situa-se no campo da história do

pensamento econômico. Meu objetivo aqui não é caracterizar a constituição de uma

sistemática de avaliação de projetos no Banco Mundial, processo no qual Hirschman teve

uma contribuição decisiva, mas, ao contrário, dar sequência a meu estudo sobre a obra do

autor no campo da economia do desenvolvimento.

Meu principal argumento é que a rejeição ao relatório de Hirschman por parte dos técnicos

do BIRD pode ser atribuída ao fato do autor ter seguido um caminho próprio, ditado por

suas convicções acerca dos procedimentos de avaliação mais recomendados. Pronunciou-se

de maneira crítica, assim, às técnicas de análise que eram então corriqueiras na instituição,

amplamente baseadas no cálculo de taxas de retorno.

Nas considerações finais sugiro alguns padrões que emergem do episódio em tela e,

sobretudo, levanto a hipótese de que as tensões vividas por Hirschman foram a gota d´água

em sua decisão de abandonar a economia e migrar para o campo vizinho das ciências

sociais.

O papel dos especialistas estrangeiros

Durante os dois últimos séculos, a América Latina e outras regiões menos desenvolvidas do

mundo receberam visitas periódicas de missões de especialistas estrangeiros. Paul W.

Drake (1994) destaca a importância desses “money doctors ”, que Hirschman apelidou de

“economistas visitantes”, nas mudanças econômicas ocorridas no período. De 1890 a 1920,

praticamente todos os países da América Latina receberam esse tipo de assistência técnica;

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depois de 1920, o número e a periodicidade de tais visitas aumentou, estendendo-se para a

totalidade dos países do continente. (Drake 1994, p. xxviii).

Tal como Albert Hirschman, a maioria dos money doctors que visitaram a América Latina

durante as primeiras décadas do século XX eram economistas acadêmicos contratados

como consultores pelos governos nacionais. Depois da 2ª Grande Guerra, houve missões

oficiais do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, mas estas quase sempre

envolveram o recrutamento de especialistas do setor privado, cujo aconselhamento técnico

foi crucial na concepção das políticas econômicas latino-americanas durante todo o

período.

Qual era a missão desses especialistas e de que forma deram cumprimento à mesma? A

analogia expressa pelo rótulo “money doctors” não é fortuita, pois seu papel era

basicamente terapêutico. O que se esperava desses especialistas era que funcionassem como

conselheiros nas reformas econômicas e financeiras consideradas necessárias para o

desenvolvimento econômico de cada país. Tipicamente, suas prescrições diziam respeito ao

modo como as autoridades governamentais deveriam agir para instituir um banco central,

regular o setor financeiro, reformar o sistema fiscal e assegurar acesso ao capital

estrangeiro. Em muitos casos, sua influência levou ao estabelecimento do padrão-ouro ou

retorno ao mesmo, o que, juntamente com um banco central independente, era visto como

condição necessária para a estabilização da moeda nacional. Outro requisito do acesso ao

capital estrangeiro era a racionalização administrativa, e a convocação de especialistas tinha

como meta garantir esse tipo de assessoria técnica para os governos locais.

Kraske e outros (1996, p. 59) argumentam que, durante as primeiras décadas de operação

do Banco Mundial, a avaliação da capacidade de contrair empréstimos de um país

raramente decorria de uma análise sofisticada. Mais do que limitações de ordem

metodológica, sobre como tratar os dados, havia uma escassez generalizada de registros

estatísticos sobre os países de 3º Mundo. Faltavam, portanto, elementos cruciais para se

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avaliar a capacidade que um determinado país teria de contrair empréstimos externos. A

visita de técnicos estrangeiros possibilitava uma avaliação que era, essencialmente, uma

questão de julgamento, e o resultado dessa avaliação apoiava-se, via de regra, no

comportamento prévio do país que demandava empréstimos em relação a suas obrigações

creditícias.

Eichengreen (1994) define o principal papel desempenhado pelos especialistas estrangeiros

como a provisão de “sinais de mercado”. Um bom desempenho envolvia a análise e a

exposição da capacidade que um dado país teria de contrair empréstimos de capital. Nesse

particular, os especialistas estrangeiros indicariam ao mercado se os governos locais

estavam aptos a endossar as políticas financeiras, fiscais e monetárias consistentes com as

prioridades dos emprestadores. Eichengreen ilustra esse ponto ao descrever as sete missões

enviadas à América Latina chefiadas por Edwin Walter Kemmerer. Ele alega que, em seu

caráter puramente privado, tais missões foram altamente eficientes no fornecimento de

sinais de mercado, que tendiam a agir bem sob condições favoráveis no mercado

internacional. Da mesma forma, Flandreau (2003, p. 4) descreve a incumbência típica dos

consultores estrangeiros como sendo a de realizar a “corretagem” de dinheiro por reformas.

Nesse sentido, a transferência de tecnologia e instituições como o banco central era um

importante ingrediente na negociação, como aponta Drake (1994).

Depois da 2ª Guerra Mundial, os money doctors desempenharam outra importante função: a

de ajudar os Estados Unidos, de onde a maioria deles procedia, a manter uma ordem

internacional estável. A explicação para isso é geopolítica: em um mundo dividido em dois

blocos conflitantes, capitalismo e comunismo, a manutenção de uma ordem estável

dependia da adoção de controles rígidos, de modo que “when the Latin Americans strayed

from the path of virtue, they were reminded to get back in line” (Drake 1994, p. xxv).

Consistentemente com essa preocupação geopolítica, houve um reconhecimento gradual da

necessidade de aumentar o padrão de vida das populações nas regiões mais pobres do

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mundo. Não necessariamente por razões altruístas -- o extremo contraste entre os países

mais e menos desenvolvidos passou a ser encarado como uma ameaça potencial para a

estabilidade política (Kraske et al. 1996, p. 65). Isso ajuda a explicar a mudança de ênfase

na orientação geral do Banco Mundial, durante o final da década de 1950 e a década

subsequente, de reconstrução para desenvolvimento. No primeiro período, o programa de

recuperação européia foi o principal alvo de suas operações de crédito; no segundo, o

Banco endossou gradativamente uma nova missão, a de promover o desenvolvimento dos

países membros em outros continentes.

Segundo Flandreau (2003 p. 2), missões de especialistas estrangeiros eram instrumentos

concebidos para lidar com crises. Desde o final do século XIX, crises econômicas e

financeiras experimentadas por alguns países haviam criado demanda por operações de

limpeza capazes de “limpar a bagunça”. Em tais emergências, os money doctors eram

incumbidos de identificar e investigar os problemas envolvidos, para em seguida fornecer

conhecimento técnicos sobre os mecanismos associados e soluções para os mesmos. Ainda

à luz da metáfora médica, um influxo de capital aliviaria pressões de curto prazo e, assim,

tornaria o paciente mais disposto a submeter-se ao tratamento doloroso (Flandreau 2003,

p.2). Os especialistas agiriam como corretores entre as autoridades locais e os investidores

estrangeiros – sintonizados com a perspectiva destes últimos, eles se encarregavam de

transmitir às autoridades dos países visitados as expectativas existentes em relação a sua

conduta.

Outro fator importante no aumento do número de missões especialistas enviadas à América

Latina foi a rápida expansão e prosperidade da economia dos Estados Unidos. De fato,

durante as três primeiras décadas do século XX, os Estados Unidos tornaram-se o principal

poder industrial no mundo, e estabeleceram o que Rosenberg (2003) chama de “uma

diplomacia do dólar”. Eram o único país grande com finanças suficientemente robustas

para manter a paridade com o ouro. Nesse cenário, procurar áreas para expansão econômica

e comercial era uma tendência natural. Por volta do fim da 2ª Guerra, quando os custos da

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guerra e da reconstrução passaram a inibir o comércio e o investimento da Europa, os

Estados Unidos já se haviam tornado o principal credor internacional. (Seidel, 1994).

Em suma, a expertise fornecida pelos money doctors estava intimamente associada à

geopolítica, e atendeu a expectativas econômicas e políticas bem definidas. Havia uma

clara conexão entre o fluxo internacional de dinheiro e o de expertise.

Albert Hirschman, um money doctor

O objetivo desta sessão é descrever brevemente a experiência profissional de Hirschman

em meados do século XX , na qualidade de especialista estrangeiro indicado para assessorar

projetos de desenvolvimento em países de 3º Mundo. Como relato em maiores detalhes em

artigo anterior (Bianchi 2007), Hirschman aportou nos Estados Unidos em Janeiro de 1941,

no navio Excalibur, procedente de Lisboa.3 Refugiado do nazismo, conseguiu abrigo após

uma tumultuada fuga pela Península Ibérica. Graças a uma bolsa da Fundação Rockfeller,

que usufruiu durante um período inicial de dois anos, pôde dedicar-se ao estudo detalhado

de estatísticas do comércio internacional, como assistente de pesquisa na Universidade da

California. Em Junho de 1941 contraiu matrimônio com Sarah Chapiro, então estudante da

mesma universidade.

Depois de servir durante uma temporada no exército dos Estados Unidos, para o qual foi

recrutado devido a sua fluência em francês, alemão e italiano, Hirschman passou a trabalhar

na assessoria do Federal Reserve System. Suas atribuições consistiam no acompanhamento

da execução do Plano Marshall, que, como é sabido, tinha por objetivo solucionar os

problemas de recuperação econômica da Europa devastada pela guerra.

3 RF Recorder Cards, Series Humanitas, Rockfeller Archive Center.

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A carreira de Hirschman como money doctor começou em 1952, quando foi enviado à

Colombia por indicação do BIRD, para servir como consultor do recém-criado Conselho

Nacional de Desenvolvimento. Permaneceu no país durante quase cinco anos, em tarefas

afeitas à assessoria do governo e de outros grupos privados empenhados em promover a

industrialização do país.

Escapar às armadilhas decorrentes da condição de especialista integrante de missões

enviadas ao 3º Mundo foi sempre uma preocupação central de Hirschman, como argumento

em trabalho anterior (2009). O autor aliou suas pesquisas em economia do

desenvolvimento, campo do qual foi precursor, à atuação prática como consultor

econômico, na promoção das reformas institucionais julgadas necessárias para o

desenvolvimento.

Após sua temporada na Colombia Hirschman retornou aos Estados Unidos, vinculando-se a

diferentes universidades de prestígio para a realização de suas pesquisas. Dedicou-se, então,

à elaboração de dois de seus principais livros sobre desenvolvimento econômico, a saber,

The Strategy of Economic Development, publicado em 1958, e Journeys toward Progress,

publicado em 1963.4

Diferentemente de outros especialistas estrangeiros e mesmo de economistas com os quais

conviveu no Banco Mundial, como Lauchlin Currie e Paul Rosenstein-Rodan, Hirschman

mostrou-se sempre descrente em relação à eficácia de grandes planos integrados de

desenvolvimento. Ao contrário, acreditava na eficácia de projetos localizados, capazes de

gerar efeitos de encadeamento (linkage effects) sobre a economia local. Para o êxito de tais

4 Em Adelman (2008) o leitor poderá encontrar um relato interessante da experiência profissional

de Hirschman durante sua estada na Colombia e nos anos imediatamente posteriores.

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projetos, considerava ser necessária uma cuidadosa investigação empírica, antes e depois de

sua implantação, com vistas a uma aplicação mais adequada de recursos.

Pode-se portanto afirmar que a preocupação de Hirschman era simultaneamente teórica e

prática. Em sua concepção, não só uma nova abordagem teórica era necessária para

fortalecer o recém fundado programa de pesquisas em desenvolvimento econômico, como

era imprescindível que seus conceitos e suas hipóteses estivessem apoiados em minuciosos

estudos de caso. Hirschman pautou sua atuação na assessoria do BIRD pelo

reconhecimento dos méritos de projetos de desenvolvimento localizados, para cujo sucesso

considerava essencial a sistemática de incursões periódicas ao campo.

Nesse particular, é no mínimo curioso que Paul Krugman (1994) tenha colocado Hirschman

no grupo dos economistas que desenvolveram aquilo que chamou de “high theory” do

desenvolvimento. Krugman alega que a falência progressiva desse tipo de abordagem,

durante a década de 1950, deveu-se à descrença nos grandes modelos de desenvolvimento

e, adicionalmente, à dificuldade que esses economistas tiveram de adaptar-se à retórica

crescentemente formalizada da teoria econômica.

A crítica de Krugman foi devidamente rebatida por Hirschman, mas cabe ainda aqui um

breve comentário. Se é verdade que Hirschman não adotou uma linguagem matematizada,

em nível de sofisticação comparável ao da literatura econômica mais recente, o fato é que

seus escritos tem essa abordagem mais microeconômica que, segundo Krugman,

caracterizaria a pesquisa emergente. Como afirma Alacevich (2008) Hirschman é

representativo de um período em que a ´high theory´ tinha cedido lugar a abordagens mais

“micro”.

Nesse contexto, o projeto que Hirschman encaminhou ao BIRD para obter apoio para sua

visita a projetos espalhados pelo mundo bem reflete essa dupla pressão interna: de um lado,

sua crença na necessidade de uma constante auto-crítica, que levava ao questionamento da

natureza e do alcance do papel de um money doctor e das missões de que faziam parte; de

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outro, sua defesa da necessidade de construir mecanismos de avaliação adequados dos

projetos de desenvolvimento já implementados ou em elaboração.

A negociação da proposta

Hirschman começou a planejar e negociar sua visita aos projetos do BIRD em 1963,

período em que era professor de Relações Econômicas Internacionais da Universidade de

Columbia, em Nova York. Na proposta original, o extenso projeto de visita coincidiria com

um ano sabático nesta universidade.

A visita acabou se estendendo de Julho de 1964 a Agosto de 1965. Hirschman teve a

companhia de sua mulher, Sarah Hirschman, como assistente de pesquisa. O casal deixou

seu apartamento no número 350 da Central Park West, em Nova York e partiu para

investigar detalhadamente os onze projetos relacionados no quadro 1, que se segue.

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Quadro I – Projetos do Banco Mundial Estudados por Hirschman

País Setor Localização ou Propósito

El

Salvador

Energia Elétrica Hidroestação no Rio Lempa

Equador Rodovias Província de Guayas

Peru Irrigação Projeto San Lorenzo no norte do Peru

Uruguai Pastagens Melhoria das pastagens em todo o país

India Desenvolvimento

hidroviário geral

Vale do Damodar, nos estados de Bihar e Bengala

Ocidental

Paquistão Indústria Indústria de papel e celulose no Rio Karnaphuli no

Paquistão Oriental

Tailândia Irrigação Rio Chao Phya, na planície central

Itália Irrigação Vários projetos de irrigação no sul da Itália

Uganda Energia elétrica Transmissão e distribuição de Owen Falls

Etiópia Telecomunicações No país todo

Nigéria Ferrovias Modernização e extensão de Bornu (300 milhas)

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Fonte: adaptado de Hirschman 1967, p. 2

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A seleção dos projetos a serem visitados foi feita em comum com os técnicos do BIRD, em

1964-5. Em um primeiro momento a listagem foi elaborada ainda na matriz do Banco em

Washington, D.C. e, na etapa seguinte, a partir de visitas preliminares ao campo. Dois

critérios foram contemplados: em primeiro lugar, os projetos deveriam abranger uma

variedade de setores de atividade e áreas geográficas; como segundo requisito, deveriam ter

um histórico relativamente longo, correspondente a vários anos de operação.

Este segundo critério implicava, na prática, que a pesquisa se concentraria nos projetos

mais antigos do Banco, que haviam sido apoiados pela instituição ainda nos primeiros anos

de sua operação. Como se verá, situa-se aqui o foco das críticas dirigidas ao projeto e ao

relatório elaborado após o trabalho de campo. Questiona-se o fato de terem sido

contemplados apenas projetos mais antigos, que, segundo os técnicos, não eram os

melhores projetos em operação, pois apresentavam deficiências que foram sendo

percebidas e sanadas com o tempo.

A hipótese de Hirschman, exposta em sua proposta, era a de que a diversidade de

experiências extraídas dos vários projetos devia ser atribuída às características estruturais

dos mesmos. Tais características envolveriam não apenas atributos econômicos e

tecnológicos, entre as quais a extensão em que era possível substituir trabalho por capital

ou quantidade por qualidade, mas também propriedades organizacionais ou administrativas

do projeto.

A proposta inicial de Hirschman ao BIRD foi feita de comum acordo com a Brookings

Institution, que seria responsável pela publicação do livro resultante da pesquisa. Ela

mereceu críticas de Burke Knapp, então vice-presidente da instituição, e de parte de seu

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staff.5 A acusação era que a proposta estava excessivamente voltada para a consideração de

efeitos colaterais (side effects), em detrimento da análise propriamente econômica dos

projetos. Essa crítica não é isolada, e continuou a ser feita depois de pronto o relatório.

Em resposta às críticas, Hirschman redigiu uma segunda versão da proposta, em que

identificou focos de análise da efetividade dos projetos a serem visitados. É importante

registrar que ele se propôs a pesquisar o processo de decisão política em duas condições

distintas, a saber, no país onde se localizava o projeto (grupos e interesses específicos

envolvidos) e no próprio BIRD, antes e depois da implementação do projeto. Neste

segundo aspecto abordou a questão da análise custo-benefício, técnica bastante utilizada

pelos técnicos da instituição, à época. Levantou a hipótese de análises desse tipo falharem

por uma subestimação de custos (“as is frequently the case”) e de benefícios (“also

frequent”) por parte dos analistas internos. Como argumenta Lepenies (2009), elas falham

por pressupor que o futuro é previsível e, portanto, é possível antecipar os erros e os acertos

de uma determinada política.

Outro foco de análise definido na segunda versão da proposta de Hirschman foi uma

avaliação retrospectiva do projeto, mais especificamente dos resultados que apresentou

durante o período de implementação e depois dele. Seria avaliado seus efeitos de

encadeamento sobre a atividade econômica da região, mas, além deles, suas consequências

de mais longo prazo, como era o caso de seus impactos sobre a distribuição de renda,

riqueza e poder.6

5 WB Archives, ISN#61705 ACC # 194-02, Box 41.

6 WB Archives, Albert O. Hirschman, “A study of completed investment projects which have

received financial support from the World Bank”, Junho de 1963, vol. 1.

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O staff do BIRD reagiu negativamente a esta última parte da proposta. Para os técnicos, a

avaliação deveria concentrar-se prioritariamente nos aspectos econômicos, uma vez que,

alegavam eles, os aspectos tipicamente sociais seriam secundários do ponto de vista de uma

avaliação adequada do andamento dos projetos.7

Como se discutirá mais adiante, essa atenção de Hirschman aos chamados efeitos colaterais

(side effects) não é fortuita, nem é, tampouco, uma faceta ocasional de sua postura como

pesquisador. Ela decorre, de um lado, de sua disposição para romper barreiras disciplinares,

e investigar as múltiplas dimensões de cada fenômeno social. Por outro lado, traduz uma

convicção arraigada, que já transparece em seus escritos anteriores, segundo a qual esses

efeitos inesperados podem representar o maior capital de um projeto.

Ainda na fase de negociação, ao antever futuras dificuldades de entendimento, Hirschman

propôs que o BIRD não pudesse vetar parágrafos, capítulos, sessões ou sentenças. Por

intermédio de seu vice-presidente, o Banco retrucou que não poderia assegurar isso

categoricamente, mas, retrucou em tom conciliatório, seria pouco provável encontrar

diferenças gritantes de opinião entre Hirschman e o staff do Banco.8

7 Curiosamente, o mesmo tipo de crítica havia sido feita, anos antes, ao relatório de Lauchlin

Currie, economista canadense que foi indicado para chefiar uma missão de especialistas enviada à

Colombia antes de Hirschman ter se mudado para lá. As relações entre Hirschman e Currie foram

atritadas, como narro em artigo anterior (Bianchi 2009), a despeito da preocupação social que

ambos revelam em seus relatórios.

8 B-K para AOH: “I should be surprised if there turned out to be any strong difference of opinion

between you and us.” ISN#61705 ACC # 194-02 Box 41.

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Para colocar um ponto final nessa pendência, e com o intuito de acomodar as divergências e

minimizar as possibilidades de conflito, o BIRD sugeriu mudar duas sentenças finais da

proposta de Hirschman. Em primeiro lugar, ele se comprometeria a mostrar o manuscrito

final ao staff antes de enviá-lo para publicação. Se não houvesse veto, ele seria publicado.

Se houvesse, uma segunda cláusula estipulava que o BIRD poderia determinar que o

manuscrito não viesse a público como publicação oficial da instituição, alternativa que

acabou por vingar.

Em 26 de Maio de 1964 Hirschman finalmente estabeleceu um acordo com o Banco,

segundo o qual este não insistiria em seu poder de veto sobre a publicação de qualquer

manuscrito que viesse a escrever.9 Isso se confirma no prefácio que Kermit Gordon, então

presidente do Banco Mundial, escreveu para Development Projects, onde destaca: ...”The

bank bears no responsibility for the views expressed and the conclusions reached.”

Permaneceram ainda críticas à representatividade da amostra a ser visitada.10 A despeito das

mesmas, porém, Hirschman recebeu o apoio oficial do BIRD, que incluía verba para a

contratação de um assistente de pesquisa. Depois de três tentativas, Sarah Hirschman, que,

como já disse, acompanhou o autor em suas visitas aos projetos, foi contratada como

assistente.

O relatório de visita

9 GDW para ERB, ambos presidentes do Banco Mundial, nos períodos 1963-68 e 1949-62,

respectivamente.

10 24/2/1964, memo, PMM para WD.

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17

Em Agosto de 1965, quando completou seu prolongado roteiro de visita a projetos

localizados em três continentes, Hirschman apresentou ao Banco seu relatório preliminar

de pesquisa, intitulado “A study of selected WB projects – Some interim observations”.

O relatório de Hirschman constitui um “boneco” do livro que viria a publicar. Ele combina

um breve descrição das visitas feitas aos vários projetos com observações de caráter mais

geral sobre atividades de apoio ao desenvolvimento econômico. De fato, o roteiro exprime

esse esforço de extrair inferências sugeridas pela detecção de características comuns aos

projetos analisados.

Como lembra Alacevich, a iniciativa de Hirschman sinaliza sua defesa da importância de

estudos de caso detalhados para a extração de conclusões mais gerais acerca dos

mecanismos em operação nos processos de desenvolvimento bem sucedidos, e sobre as

causas de eventuais insucessos. O próprio Hirschman destaca em seu relatório que estudos

de caso são uma ferramenta essencial para a detecção de padrões universais, se, quando e

até que ponto esses padrões existem.

Convidado a manifestar-se sobre o projeto de Hirschman, um especialista vinculado ao

BIRD exaltou o projeto por representar, a seu juízo, provavelmente a primeira tentativa de

criar um mecanismo padronizado de escrutínio a posteriori do sucesso de um projeto de

infra-estrutura.11

Essa impressão é compartilhada por outros especialistas consultados. Concordam assim

com Alacevich, que define a avaliação post mortem de projetos de desenvolvimento como

atividade fundamental para uma instituição que tem como atividade central a concessão de

11 18/2/1964, DA to Department Heads, IBRD and IFC, WB Hirschman Folders, vol. I.

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empréstimos. Essa atividade só se tornou operacional no BIRD no início de década de

1970, graças, inclusive, à discussão suscitada pela divulgação do relatório de Hirschman.

Do ponto de vista da montagem de uma sistemática de avaliação, a contribuição de

Hirschman foi de fato estratégica. Não obstante as críticas de que seu relatório foi alvo, ele

proporcionou ao BIRD uma oportunidade concreta de reflexão mais aprofundada a respeito

de métodos para avaliar a repercussão de suas políticas nos países menos desenvolvidos.

Mason e Asher (1973, p. 251) também reconhecem explicitamente esse mérito. Eles

apontam que as funções de avaliação dos projetos estavam então nas mãos de engenheiros e

analistas financeiros. Os primeiros ocupavam-se de determinar as quantidades de materiais

necessários para a implementação do projeto; os segundos calculavam taxas de retorno e

preocupavam-se com fontes de financiamento e fluxos monetários. Faltava, contudo, uma

avaliação mais global do desempenho de projetos já em plena operação, em todas as suas

dimensões, e foi isso exatamente o que motivou Hirschman a expressar essa preocupação

em seu relatório. Discutir suas sugestões proporcionou um avanço significativo no processo

de sofisticação da análise dos projetos de desenvolvimento do BIRD.

Como desdobramento concreto desse esforço pioneiro, a estrutura organizacional do BIRD

foi reformulada para acomodar um departamento especificamente incumbido das tarefas de

avaliação. Isso se deu, em uma primeira etapa, na forma de um Departamento de

Programação e Orçamento e, em seguida, na forma de um Departamento de Avaliação de

Operações (Alacevich 2008, p. 9).

Um percurso atribulado

O relatório com as observações interinas de Hirschman circulou amplamente entre os

técnicos do BIRD. Recebeu críticas, algumas bastante severas, que não deixam dúvidas

quanto às diferenças de ponto de vista. Há em algumas a reiteração dos reparos feitos à

proposta original, que demonstram que as objeções à abordagem de Hirschman não foram

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devidamente superadas pelas mudanças feitas e explicações dadas pelo autor durante a fase

de negociação do projeto. Em outras palavras, nem Hirschman abdicou inteiramente de

seus propósitos originais, nem o staff do BIRD arrefeceu em suas críticas.

As críticas incidiram principalmente sobre os seguintes aspectos do relatório: 1) critérios

estabelecidos na seleção dos projetos avaliados; 2) atenção considerada excessiva aos

aspectos colaterais e, por associação, a hipótese de Hirschman de ocorrência de efeitos

inesperados; 3) uma suposta identificação do autor com os interesses dos beneficiários, em

detrimento dos interesses do BIRD; 4) as objeções explícitas de Hirschman ao cálculo de

taxas de retorno, que teriam determinado a falta de utilidade operacional do relatório; 5)

finalmente, o estilo considerado academicista do relatório.

Para facilitar a exposição dessas críticas, vou seguir de acordo com a classificação acima.

1. Critérios de seleção dos projetos

As críticas desse tipo centram-se na falta de representatividade que os projetos selecionados

para visita teriam em termos das práticas mais recentes do BIRD.

Um dos técnicos que foi chamado a se pronunciar sobre o relatório tinha dois pontos em

comum com Hirschman: era refugiado do nazismo e tivera um engajamento profissional

anterior no Federal Reserve. Sua especialidade era a área de transportes, que privilegia em

sua análise. A primeira crítica deste técnico volta-se contra a presumida ignorância de

Hirschman em relação às práticas de avaliação adotadas pelo BIRD no período mais

recente, e sobre o próprio andamento dos novos projetos em operação. Assim, argumenta

que “pelo menos no que diz respeito a transporte”, as práticas de avaliação econômica dos

projetos haviam sido substancialmente aprimoradas, nos últimos anos. Em vista disso,

algumas das recomendações que Hirschman apresentava como sendo uma grande novidade

estavam, de fato, plenamente incorporadas ao sistema de avaliação em curso. Em última

análise, o técnico sugere que Hirschman não só foi leviano em seus comentários como foi

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negligente, pelo fato de não ter lido os relatórios mais recentes emitidos pela instituição, em

função de experiências mais recentes. Esse ponto voltará a aparecer em outras críticas.

2. Aspectos colaterais e efeitos inesperados

A ênfase que Hirschman imprime aos aspectos “colaterais” dos projetos é objeto de vários

questionamentos. Ela está diretamente ligada às dimensões sociais dos empreendimentos,

para os quais o autor dedica uma parcela significativa de suas considerações. Em

memorando interno, um dos leitores do relatório queixa-se que Hirschman enfatiza

demasiadamente aspectos sociais, em detrimento de econômicos ( 16/11/65, PAR para

LJCE).

O mesmo técnico atribui essa ênfase em aspectos sociais à visita que Hirschman fez à FAO

(Food and Agriculture Organization), uma instituição das Nações Unidas, durante o

transcurso de sua pesquisa de campo. O tempo dedicado a essas visitas teria sido excessivo,

e desviado a atenção dos aspectos econômicos e tecnológicos dos projetos: “...Prof

Hirschman spent quite some time at FAO during his investigations and his general

emphasis on social rather than economic and production aspects of agricultural projects

may reflect some FAO views.”

Ora, não se pode dissociar a atenção que Hirschman concede aos aspectos sociais de cada

projeto de sua presunção de efeitos inesperados. Uma hipótese favorita de seu relatório

prende-se aos padrões surpreendentes que poderiam ser observados após encerrada a fase

de implantação de um determinado projeto, padrões que decorreriam daquilo que

denominou de “racionalidades escondidas” presentes em determinadas circunstâncias, cujo

impacto sobre o desempenho do projeto seria positivo.

Já na p.2 de seu relatório Hirschman constata a distância que separa o andamento efetivo

dos projetos de sua proposta original. O autor aponta resultados imprevistos que acometem

determinados projetos, notadamente: o projeto de irrigação San Lorenzo, no norte do Peru;

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o de melhoria de pastagens, no Uruguai; e o da indústria de papel e celulose, no leste do

Paquistão. Destaca os elementos desconhecidos, incertos e inesperados de tais projetos,

com os quais exemplifica o desvio em relação aos objetivos originais: “The element of the

unknown, the uncertain and the unexpected which deflects projects from the originally

chartered course is considerable in all projects.” (p. 2) Longe de lamentar essa mudança de

rota, porém, o autor, curiosamente, discorre sobre as consequências positivas que ela

desencadeia.

A melhor ilustração dessa confiança em efeitos inesperados benéficos é dada pelo projeto

de papel e celulose no Paquistão. Sintomaticamente, Hirschman escolhe esse caso para

encabeçar toda o seu relatório. A descrição da experiência é feita em tom poético. Ele

comenta a boa fortuna que cercou o projeto, a despeito de uma grosseira subestimação do

fornecimento de matéria prima – bambu, no caso - para a fabricação de papel: “Looking

backward, it may be said that the Karnaphuli mill was ´lucky´: its planners had badly

overestimated the permanent availability of bamboo but the mill escaped the possibly

disastrous consequences of this error by an offsetting underestimate or, more correctly, by

the unsuspected availality of alternative raw materials.”

Portanto, a falta de disponibilidade de bambu não foi prejudicial a médio prazo, uma vez

que gerou efeitos de encadeamento para trás (backward linkages), que estimularam a oferta

de insumos substitutos e, mais importante ainda, um trabalho ativo de revitalização das

florestas.Ora, seria esse desdobramento feliz um mero produto de sorte? Hirschman

suspeita que não, embora, advirta, esse final feliz não possa ser esperado sempre. Ele logo

estabelece um paralelo com deficiências notadas em outros projetos que visitou. Assim, o

projeto de irrigação no Peru sofreu atrasos substanciais por causa de mudanças no poder

político e indecisões nas providências necessárias para viabilizá-lo. Contudo, essa demora

acabou por favorecer uma reforma fundiária bem sucedida, ao levar à subdivisão da terra

em propriedades familiares viáveis e com um esquema de crédito compatível. Da mesma

forma, os atrasos das decisões políticas e administrativas no Uruguai permitiram o

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desenvolvimento de pesquisas experimentais e aplicadas, que possibilitaram o atendimento

de uma área de pastagens significativamente maior do que a prevista inicialmente.

Em outras palavras, Hirschman louva as dificuldades enfrentadas por tais projetos e aí

localiza, à primeira vista paradoxalmente, o segredo de seu sucesso. Introduz o tema das

racionalidades escondidas, para os quais voltaria a chamar a atenção no decorrer do

relatório, e que abordaria exaustivamente no livro que resultou do mesmo. Racionalidades

escondidas são ocasionalmente despertadas por padrões regulares que se verificam em

trajetórias reais cujo curso parece à primeira vista desordenado.12

O tema dos efeitos colaterais (side effects) é objeto de uma das sessões do relatório de

Hirschman. A começar de seu título - “Project appraisal: the centrality of side-effects” -

todo o texto é provocativo. Ao sugerir a centralidade de efeitos que são impropriamente

rotulados de “colaterais”, Hirschman estabelece uma marca registrada de seu estilo, que é

nutrido por paradoxos. Ele classifica os efeitos esperados de um projeto que é posto em

operação em duas categorias: os de ameaças insuspeitadas, de um lado; e os de remédios

também insuspeitados para essas ameaças. Neste segundo grupo estão as soluções criativas

que, longe de acarretar o fracasso do projeto, vem a revelar-se um ponto alto de sua

implementação. Assim, ao se colocar em execução um projeto, deslancha-se um processo

12 Como observa o autor em suas anotações da visita a projeto de irrigação na Tailândia: “In

irrigation projects there always seems to be a shortfall of water availabilities with respect to

expectations... Is this a general phenomenon? Isn´t it the same phenomenon that I just noticed in

KPM – overestimate of adaptability of technology and underestimate of resourcefulness in

achieving required adaptation?” (AOH Papers, G.S. Mudd Library, box 13).

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de aprendizagem que, se bem aproveitado, poderá levar à descoberta de racionalidades

escondidas.13

Contudo, a superação de dificuldades não é um resultado obrigatório, como argumenta

Hirschman. Ao comparar o projeto de linhas férreas na Nigéria com a alternativa de

transporte por caminhão, o autor adverte o leitor para o fato de que problemas, por si só,

não constituem condição suficiente para uma resposta criativa. Os conflitos inter-étnicos

observados no país africano e um alto nível de corrupção impediram que se criasse o clima

de harmonia e cooperação necessário para o êxito do projeto ferroviário. Hirschman chega

a criar um novo substantivo, “nigerianização”, com o qual designa a substituição de

expatriados pelo pessoal local, sem a mesma qualificação técnica.

3. Identificação com os interesses dos beneficiários

O relatório de Hirschman foi recebido com outra critica, particularmente severa em suas

implicações. Alguns dos especialistas consultados destacaram a identificação do autor com

os interesses dos beneficiários dos projetos. Em decorrência disso, teria deixado de levar

em consideração os interesses do próprio BIRD, com cujo patrocínio realizara suas visitas.

Assim, um técnico ressalva que o relatório tem insights interessantes “mas muitos pontos

discutíveis”.14 Ele se queixa de parcialidade no julgamento, que no limite denotaria “falta

de solidariedade” com a visão dos técnicos da instituição que apoiara sua pesquisa. É

possível que Hirschman, diz o técnico, não tenha examinado todos os lados das questões

13 ACRESCENTAR NOTA SOBRE DISSONÂNCIA COGNITIVA.

14 17/9/65, memo, WCB para BC.

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que apontou, particularmente o ponto de vista dos técnicos do Banco, mais familiarizados

com os projetos. O comentarista reclama, por exemplo, da crítica que Hirschman faz às

agências autônomas, que considera inadequada.

Esse ponto merece maiores esclarecimentos. Em determinado trecho de seu relatório,

Hirschman reclama da regra estabelecida pelo BIRD, segundo a qual os empréstimos

externos deveriam ser canalizados por agências autônomas. A justificativa para essa regra

era permitir isolamento em relação às injunções políticas. Ao operar por intermédio de

agências autônomas, o BIRD teria à sua disposição um interlocutor menos suscetível aos

interesses particularistas deste ou daquele grupo que estivesse no poder.

O que teria Hirschman contra esse mecanismo? Seu argumento é que com a instituição de

uma agência autônoma perder-se-ia o acesso direto ao poder político central do país onde o

projeto se estabelece. Se criar uma agência autônoma já era uma tarefa difícil, garantir o

sucesso de sua atuação como mediadora seria bem mais problemático ainda. A relação de

troca é perversa: para garantir imunidade em relação às pressões políticas seria preciso

pagar um preço excessivamente alto, decorrente da perda de legitimidade junto às

autoridades locais.

Ao repercutir as demandas dos governos locais, Hirschman refere-se ainda à possibilidade

de tomadores de empréstimos domésticos serem preteridos em favor de agências

autônomas internacionais: “...complaints were heard in some countries about the de facto

discrimination against domestic contractors and in favor of large international firms.”

Talvez o tempo não estivesse maduro para a implantação desse “enclave”. Algumas

agências autônomas, concebidas para impregnar a velha ordem com um novo espírito

deixaram-se, ao contrário, infiltrar por essa velha ordem. Assim teria ocorrido no caso das

estradas de ferro da Nigéria e no Vale do São Francisco, no Brasil.

A réplica do técnico transparece em seus comentários sobre o relatório. Basicamente, alega

que o BIRD recomendava, sim, agências autônomas, mas que não tinha posição fechada

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acerca da necessidade das mesmas.15 Ao contrário, a despeito dos fundamentos bastante

razoáveis em que se assentava essa regra, ela poderia ser contornada sempre que se

mostrasse inadequada a situações concretas. O BIRD não tinha visão doutrinária a respeito,

e não considerava imperioso confiar às mesmas a operação de linhas férreas e portos.

Mais uma vez, esse comentário negativo imputa a Hirschman o desconhecimento das

políticas de fato seguidas nos projetos do BIRD. Para o analista consultado, o relatório

levantava dúvidas quanto ao fato de Hirschman ter examinado todos os ângulos das

questões tratadas, mormente do ponto de vista dos responsáveis pela condução dos

projetos: “At this point I question whether he has examined all sides of the questions, more

particularly the point of view of those in the Bank most familiar with the projects.”16

As observações acima mostram que os técnicos colocaram em questão a imparcialidade das

opiniões de Hirschman e sua própria percepção dos fatos que compilou em suas visitas de

campo. Havia, porém, a esperança de que essa imparcialidade não fosse transferida para o

livro. Como diz o técnico: “But we should be sure that Mr. Hirschman has access to all the

facts, and all the points of view, before he completes his book.”17 Em sequência, o técnico

lamenta com certa ironia o tom negativo do relatório de Hirschman, que, acredita, deve ser

atribuído a seu viés acadêmico ou até mesmo, quem sabe, literário, que o levava a preferir a

crítica ao elogio: “In the academic and literary professions, criticism seems to draw higher

marks than does praise, and while Mr. Hirschman is very knowlegeable and capable, he

may not be above succombing to this temptation.”

15 17/9/65, memo, WCB para BC.

16 17/9/65, memo, WCB para BC – grifo.

17 17/9/65, memo, WCB para BC.

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Viés semelhante é apontado por outro técnico do BIRD, que enviou seus comentários

diretamente a Hirschman. Ele argumenta que muitas das observações do autor “não são

irrazoáveis, mas tendem a ser unilaterais” (22/9/65, memo, BR para CPM ). Sugere que

toda sua simpatia teria se voltado para os beneficiários dos empréstimos. Por conta disso,

faltaria a Hirschman uma visão mais equilibrada: “Uma visão mais equilibrada poderia ter

emergido se o autor tivesse dado mais atenção à visão do pessoal no Banco do que deu à

visão dos tomadores de empréstimo.” Reclama, ainda, do caráter pouco preciso da

avaliação das incertezas a que Hirschman se refere, associadas às consequências

imprevistas da implementação dos projetos. Conclui, por fim, que uma “apreciação

intuitiva das incertezas”, como a sugerida pelo autor, não é um bom meio de gerar

generalizações confiáveis.

4. Falta de utilidade operacional

A crítica de falta de utilidade do processo de avaliação sugerido por Hirschman transparece

na correspondência interna entre os técnicos do BIRD. Ela faz parte do quadro de relutância

do autor na adoção do cálculo de taxas de retorno, procedimento tradicional na instituição

uma vez que era um indicador sintético, considerado crucial para a avaliação dos méritos de

um projeto.

Antes de passar às críticas dos técnicos, é importante fazer um pequeno resumo da opinião

de Hirschman acerca da técnica de análise baseada no cálculo de taxas de retorno. Uma das

sessões de seu relatório, reproduzida na versão final do livro, qualifica a análise custo-

benefício como parte de uma “ofensiva contra os efeitos colaterais”. Diz Hirschman que a

literatura que se apoia nesse tipo de análise, cada vez mais presente no campo da economia

do desenvolvimento, é altamente crítica da própria noção de efeitos colaterais. É, portanto,

incompatível com uma das teses centrais do autor, que, como visto, valoriza a possibilidade

de ocorrência de tais efeitos. O cálculo de benefícios requerido pela técnica, diz Hirschman,

baseia-se em muitos pressupostos arbitrários, que resultam em uma “tentativa de

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quantificação mal direcionada (misguided), ainda que heróica” (reproduzido em

Development Projects, p. 175).

Hirschman segue adiante em sua crítica ao argumentar que a transposição dessa técnica

para regiões “menos afortunadas” (less fortunate economic climes) é problemática, em

virtude dos fortes pressupostos em que se baseia. Nessas condições, diz ele, é impossível

assumir crescimento estável, pleno emprego ou perfeita mobilidade de pessoas e capital.

Uma comparação da técnica em questão com o conceito de encadeamentos para frente e

para trás (forward and backward linkages), que ele próprio introduzira em trabalhos

anteriores, é desfavorável à primeira. Assim, a idéia de encadeamentos se consagrara

plenamente na análise de processos de industrialização e na ponderação de prioridades para

setores, subsetores e projetos. O mesmo não poderia ser dito, contudo, da análise de custo-

benefício, que era alvo de críticas ferrenhas.

Um outro motivo bastante ponderável explica o descrédito de Hirschman em relação ao

cálculo de taxas de retorno. Ele faria parte de um quadro geral de raciocínio incompatível

com a tese de efeitos colaterais e benefícios secundários. Por que os economistas teriam

reagido desfavoravelmente a essa tese e, ao contrário, prestigiado o cálculo de taxas de

retorno? indaga Hirschman. (A referência, aqui, é aos economistas do BIRD, mas

Hirschman não chega a dizer isso.) Certamente porque andavam à busca de um instrumento

de ordenação único, que conseguisse reunir em um mesmo indicador as várias dimensões

econômicas de um projeto. Hirschman logo qualifica essa busca como “fútil”: como seria

possível ordenar projetos de desenvolvimento ao longo de uma só escala, a partir de um

único índice sintético capaz de aglutinar todas as suas dimensões?

Ao adotar esse precário mecanismo de análise para avaliar os projetos, prossegue

Hirschman, os especialistas estrangeiros das agências de fomento, indicados pelos

emprestadores, afastariam de si qualquer responsabilidade pela decisão última dos

tomadores de empréstimo. Quando estes últimos se desviavam do recomendado, eram

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vítimas da influência negativa de “fatores políticos”, o adjetivo, aqui, tomado como

sinônimo de irracional. Nas palavras do autor:

Political is here equated with irrational, if not worse; the heavy price for the unique

ranking is the fact that, with many important considerations excluded from the

technicians´s purview, the decision maker will in the end make more rather than less

use of his intuition and “seat-of-the-pants” judgment than if the technicians had set

themselves the more modest goal of comparing projects according to a limited number

of criteria.” (trecho do relatório reproduzido em Development Projects, p.180)

As críticas ao relatório revelam a diferença de pontos de vista. Para um técnico, a

recomendação de Hirschman, no sentido da valorização dos fatores políticos e sociais, seria

uma faca de dois gumes. Argumenta esse técnico que, justamente, um dos grandes

patrimônios do BIRD é sua política deliberada de restringir suas preocupações a critérios

propriamente econômicos. Isso daria ao avaliador imunidade em relação a pressões

políticas, na qual residiria o segredo de um aconselhamento bem sucedido.18

Assim, a resposta dos especialistas às críticas de Hirschman fundamenta-se na defesa da

análise custo-benefício como instrumento útil, embora não exclusivo, pelo qual se julga o

sucesso dos projetos. Na prática, diz um deles, dificilmente as decisões do BIRD são

tomadas com base apenas na razão custo-benefício, “mesmo nos setores onde essa razão é

mais útil”. Ao contrário, em seu trabalho de avaliação de um determinado projeto, os

18 17/9/65, WCB para BC.

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técnicos acabariam por fazer, concretamente, esse esforço sustentado para visualizar

incertezas a que se refere Hirschman na sua hipótese de racionalidades escondidas.19

O interlocutor segue adiante em sua defesa das práticas correntes, ao apontar a já

mencionada falta de diálogo entre Hirschman e os técnicos da instituição. Ele teria tido

ocasião de perceber isso se tivesse tido mais oportunidade de discutir alguns de seus casos

com as pessoas do BIRD que trabalharam nos projetos visitados.

Outro técnico comenta que o manuscrito (sic) não continha nenhuma análise

“operacionalmente útil”, seja dos méritos e da prioridade dos projetos visitados por

Hirschman, seja das mudanças que poderiam ser feitas para aprimorá-los. A principal

fraqueza do relatório seria, a seu juízo, a ênfase indevida em fatores e efeitos secundários.

Para esse crítico, a tese de que efeitos colaterais poderiam, paradoxalmente, converter-se

em centrais, não era absolutamente razoável.20

O mesmo crítico usa de ironia em relação ao princípio da mão escondida. Diz o técnico

que, se bem entendido, esse princípio levaria a decisões absurdas. É bem verdade, o

raciocínio é ardilosamente construído. Mas adotar o princípio da mão escondida levaria a

recomendar às agências de fomento que privilegiassem justamente os projetos com maiores

dificuldades, pois só assim seria possível estimular a habilidade de seus administradores

19 Sobre o tema é interessante ler também o depoimento de Robert Picciotto, que entrou em contato

com Hirschman em 1964, imediatamente antes de suas visitas de campo. Picciotto, que mais tarde

assumiria a diretoria de avaliação do Banco Mundial, concorda que a tarefa de avaliação não pode

ficar confinada ao cálculo de taxas de retorno. (Picciotto 1994)

20 13/9/65, RHD para REA, box 41, 184140B.

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para superar os gargalos. Ora, acrescenta, a despeito da forma persuasiva com que fora

exposto, o argumento de Hirschman não resistiria a uma análise mais detida. Mais ainda,

felizmente, jamais chegaria a ser acatado: “Fortunately, while the argumentation is cleverly

presented, few readers are likely to take it seriously.”21

Em outro memorando encontra-se uma crítica à pequena aplicabilidade das conclusões de

Hirschman. Reitera-se sua falta de atenção à evolução recente, e considerável, das práticas

adotadas pelo BIRD na avaliação de projetos. O progresso nessas técnicas só poderia ser

percebido nos projetos mais novos. Neste ponto o técnico sugere a ignorância de

Hirschman em relação às práticas atuais do BIRD: “It may therefore be useful for

Hirschman to read some of our recent reports to determine for himself to what extent his

suggestions are still relevant”.22

Mesmo críticos mais favoráveis insistem nessa questão da operacionalidade. Um técnico

diz não fazer reparos ao conteúdo do relatório propriamente dito, mas cobra novas

providências de Hirschman. Ele deveria preparar uma “versão operacional” de seu livro,

ou, pelo menos, acrescentar-lhe um capítulo operacional (18/1/67, HDT) A mesma

sugestão é feita por outro comentarista.23 Hirschman, contudo, retruca que não faria uma

nova versão, pois estava ocupado na edição do livro junto à Brookings Institution e

pretendia viajar para a América Latina no futuro próximo.

21 13/9/65, RHD para REA, box 41, 184140B.

22 22/9/65, HAA, memo.

23 11/4/67 AS para AOH. É interessante constatar que Hirschman agradece a Stevenson no prefácio

de seu livro, coisa que não faz em relação aos outros técnicos do BIRD que se pronunciaram sobre

seu relatório.

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Em setembro de 1966 reuniu-se um conselho consultor convocado pelo BIRD para decidir

sobre a publicação do relatório de Hirschman. Para a reunião foi convocado Richard

Demuth, representante da Brookings Institution, que chegou a conviver com Hirschman na

Colombia. Demuth justificou sua ausência à reunião, mas mandou um parecer onde deplora

a ausência no relatório de uma análise operacionalmente útil dos méritos e da prioridade

dos projetos observados, ou mesmo sugestões de melhoria dos mesmos .

As críticas de falta de operacionalidade não sensibilizaram Hirschman. Não surpreende,

portanto, que ele as rejeite e que reproduza suas objeções às técnicas em uso pelo BIRD no

prefácio de Development Projects. Não pede desculpas, não busca contemporizar, ao

contrário, verbaliza um desafio explícito. Hirschman se refere ao capítulo em que enuncia o

princípio da mão escondida como “the most speculative chapter of the book, close to a

provocation” (grifo nosso). Definido o tom, volta suas baterias contra os críticos que

acusaram seus comentários de falta de operacionalidade. Começa em tom conciliador: nada

poderia ser menos operacionalmente útil, concorda ele, do que dizer que a subestimação

dos custos e dificuldades de um projeto é, de quando em vez, benéfica no sentido de dar

vazão a energias criativas que de outro modo teriam passado desapercebidas. Mas a

introdução cautelosa não o demove de sua posição. Em sequência, defende que a tese das

racionalidades escondidas faz parte de uma agenda oculta, a de conferir um sentido de

mistério e estranhamento à busca das mesmas racionalidades, que “tem muito em comum

com as mais altas buscas da humanidade”.

5. Viés academicista

As críticas ao relatório de Hirschman incidem também sobre seu estilo, especificamente

sobre o conteúdo pretensamente acadêmico – no mau sentido da expressão – adotado pelo

autor ao relatar suas visitas. Em tom cáustico, um especialista comenta que Hirschman não

foi capaz de distinguir um relatório de projeto de uma dissertação acadêmica: “...the Doctor

may have a point, but it must be remembered that our project reports are not academic

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dissertations”. 24 O “ponto” a que se refere o técnico é, desta vez, a crítica de Hirschman à

regra das agências autônomas como condição para empréstimos.

Em memorando interno, outro técnico contrasta o acadêmico com o tomador de decisão.

Diz o autor que o defeito de um “exercício” como o desenvolvido por Hirschman é a

tentativa de conciliar abordagens muitos diferentes, quando se “busca um casamento entre

dois pontos de vista incompatíveis, o do tomador de decisão e o do acadêmico à busca da

verdade”.25 É possível concordar que existe uma diferença de estilo entre os dois tipos de

profissionais, o acadêmico, de um lado, e o especialista de uma instituição como o BIRD,

com preocupações práticas, de outro. Mas o defeito dessa crítica é que ela opõe a busca da

verdade à tomada de decisão técnica – curiosamente, sugere que encontrar a verdade não

seria uma meta do tomador de decisão.

A mudança de rumo

Este artigo destaca a preocupação de Albert Hirschman com o bom cumprimento de seu

papel como money doctor e, como desdobramento dessa preocupação, sua contribuição

para a sistematização de procedimentos de avaliação em uma instituição voltada para o

fomento do desenvolvimento. Mas a lacuna que este artigo quis preencher é mais restrita.

Meu objetivo é mostrar como a divergência entre Hirschman e os técnicos do BIRD gerou

estímulos para uma mudança de rumo na carreira do autor.

24 9/8/65, memo, ADS para BC (grifo no original).

25 15/9/65, memo, DSB para BC.

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Aqui é oportuno estabelecer uma analogia com os processos migratórios, pois o episódio

sugere a presença simultânea de fatores de repulsão e fatores de atração. De um lado, os

incidentes narrados contribuiram decisivamente para a decisão do autor de abandonar o

campo da ciência econômica; de outro, as regularidades que foi capaz de observar ao voltar

sua atenção para as dimensões sociais dos projetos o estimularam a enveredar para o campo

mais amplo das ciências sociais.

É bem verdade que, como apontado por vários comentaristas (Bianchi 2007; Frobert e

Ferraton 2003; Lepenies 2009; Meldolesi 1995; Schön 1994, entre outros), um dos traços

recorrentes na obra de Hirschman é a tendência de ultrapassar barreiras interdisciplinares.

Esta não é uma característica fortuita, e já estava presente em seus trabalhos anteriores. Mas

o movimento foi, desta vez, mais ousado, a ponto de constituir um visível passo para fora

do campo da economia.

As críticas dos técnicos do BIRD a Hirschman incidiram sobre uma das grandes intuições

do autor, que serviria de “gancho” para uma hipótese recorrente em seus escritos

posteriores: a de que o futuro é indeterminado e muitas consequências importantes da

implementação de projetos são imprevistas. Na aventura da existência humana, como ele

diz, desdobramentos positivos podem decorrer de circunstâncias propícias, em que a

criatividade humana encontra elementos para driblar as dificuldades. Esse fascínio pela

novidade e essa desconfiança em relação à previsão ganham vida na retrospectiva que mais

tarde faria de sua carreira:

“I simply think that I am not much interested in forecasts; they are not part of my

theoretical impulses. ... My aim, in any event, is not to forecast tendencies; rather I am

trying to understand what may possibly happen and to shift people´s focus in that

direction.” (Hirschman 1998, p. 96)

Dessa idéia-matriz brota a concepção que Hirschman tem do processo de aprendizado

social. Para o autor, decisões arriscadas, que envolvem exposição ao erro, geram

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oportunidades de aprendizado. A implementação de um projeto de desenvolvimento

propicia um tipo de conhecimento que emana da práxis, no qual se corrigem os rumos

decorrentes de decisões anteriores e se criam mecanismos para contornar dificuldades que

não estavam – nem poderiam estar - no horizonte do planejador. Como aponta Schön

(1994, p.83), Hirschman vê no processo de enfrentamento de problemas e portanto, na

própria ação, a fonte de capacidades necessárias para solucionar esses problemas.26

A noção de desenvolvimento desequilibrado, que tem em Hirschman um de seus primeiros

e mais autorizados defensores, caminha junto com esse reconhecimento da importância de

se aprender com a experiência, sempre rica em surpresas. Um processo desequilibrado de

desenvolvimento é também um processo de aprendizado, repleto de tensões, conflitos e

dificuldades. Bem canalizadas, essas forças podem dar vida a energias dispersas. No

learning by doing superam-se obstáculos, libera-se endorfina, obstáculos se transforma em

esporas (Schön 1994, p.71).27

26 No caderninho em que anotou suas observações da visita a agricultores do Mezzogiorno italiano,

Hirschman manifestou claramente seu interesse pelo processo de aprendizado de autoridades locais

e agricultores. Segundo ele, estes haviam enfrentado “the technical, social, economic and

administrative problems that have arisen and the manner in which they have been resolved.” (AOH

Papers, G. S. Mudd Library, Box 12). O autor consultou uma farta literatura psicológica sobre o

tema do aprendizado.

27 A esse respeito, existe uma anotação primorosa nos caderninhos de campo de Hirschman: “You

have to do all these fool things before you do the sensible things”. Mais uma vez, alude a um

aprendizado que se faz a partir da prática, um aprendizado que descarta as receitas de bolo e busca

soluções para os problemas à medida que vão sendo experimentados.

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Os críticos tem, de certo, alguma razão em sua crítica ao relatório. Na verdade, agiram

defensivamente, em reação às críticas de Hirschman. Sua crítica às consequências não

intencionais não é em princípio descabida. Afinal, não é razoável supor que projetos de

desenvolvimento e a injeção de capital externo associada aos mesmos gerem sempre

consequências não intencionais ou, pelo menos, que tais consequências sejam sempre

benéficas. Streeten (1984) chega mesmo a sugerir um princípio simétrico inverso ao da mão

escondida, que apelida de “princípio do punho escondido”, e que geraria consequências

indesejáveis. Qualquer entidade de fomento precisa avaliar antecipadamente as chances de

êxito de um projeto, e seria temerário adotar o princípio de que seu rumo deve ser avaliado

por suas consequências imprevistas.

Hirschman não chega ao extremo de negar a possibilidade de consequências imprevistas

indesejáveis, mas rechaça o uso das técnicas em voga na avaliação de projetos, para tornar

essa tarefa, em contraponto, muito mais dependente da intuição do analista, do “faro” que

este possa ter para localizar as soluções criativas encontradas pelos beneficiários na

superação de gargalos. Mas, como indaga Schön (1994, p. 79), é razoável supor que todos

os tipos e graus de dificuldades são salutares para o desenvolvimento? Ou apenas alguns

deles, em circunstâncias bem definidas? Se esta for a resposta, como diferenciar uns de

outros?

Por outro lado, a pretensão do staff do BIRD de encontrar o indicador perfeito, que pudesse

refletir todas as dimensões de um projeto de desenvolvimento é, de certo, descabida. Sua

deficiência não decorre do nível de sofisticação econométrica que pressupõe, certamente

difícil de atingir, mas porque é exposta como uma justificativa para se desconsiderarem as

dimensões sociais dos projetos. É a velha e surrada história, se é difícil de medir, então

deve ser retirado da frente...

Talvez por não ter conseguido convencer seus colegas de trabalho da necessidade de levar

em conta os tais aspectos colaterais é que Hirschman se desiludiu com a Economia e com

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os economistas e decidiu lançar-se à aventura de exploração dos territórios vizinhos. Seu

próximo livro, Exit, Voice and Loyalty, publicado em 1970, já estaria do outro lado da cerca

que isola os economistas dos demais cientistas sociais. Para o olhar retrospectivo, foi uma

surpresa anunciada. A decisão de Hirschman já estava madura quando escreveu o prefácio

de Development Projects, onde enuncia: “...the present book was not only the last volume

of my ´trilogy´on development but became the bridge to the broader social science themes

of my subsequent writings”.

Conclusão provisória

Relatei neste artigo uma etapa importante da carreira profissional de Albert Hirschman, que

girou em torno da pesquisa de campo que realizou em 1964-65, em onze projetos do Banco

Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, uma das instituições que integram o

Banco Mundial. Os resultados dessa pesquisa foram expostos no livro Development

Projects Observed, texto que representou a culminância da obra pioneira do autor no campo

da economia do desenvolvimento.

Procurei aqui mostrar os impasses que o autor teve de superar para viabilizar a execução de

sua proposta junto ao BIRD e, posteriormente, para transformar em livro seu relatório de

viagem. Os desacordos são emblemáticos dos conflitos que afetam uma instituição jovem,

que tomou para si a complexa tarefa de promover o desenvolvimento econômico.

Certamente, este não foi o único caso de um autor que enfrentou a resistência de seus pares

nas conclusões extraídas de sua pesquisa de campo e em sua concepção do papel das

agências de fomento ao desenvolvimento. Que sirva, pois, como contraponto para novas

incursões da mesma natureza, com outros autores, outros cenários, outras instituições.

REFERÊNCIAS

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