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Rio de Janeiro - RJ 2013 Maj Art FREDERICO OTÁVIO SAWAF BATOULI O direito internacional dos conflitos armados e sua influência no processo de planejamento de comando para operações conjuntas das forças armadas brasileiras ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

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Page 1: ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO … · Ao ilustre Professor Celso Duvivier de Albuquerque Mello (in memoriam), ... Direito Internacional dos Conflitos Armados e do Direito

Rio de Janeiro - RJ

2013

Maj Art FREDERICO OTÁVIO SAWAF BATOULI

O direito internacional dos conflitos armados e

sua influência no processo de planejamento de

comando para operações conjuntas das forças

armadas brasileiras

ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO

ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

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Maj Art FREDERICO OTÁVIO SAWAF BATOULI

O direito internacional dos conflitos armados e sua

influência no processo de planejamento de comando para

operações conjuntas das forças armadas brasileiras

Tese apresentada à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Militares.

Orientador: Tenente-Coronel EDUARDO XAVIER FERREIRA GLASER MIGON

Rio de Janeiro - RJ

2013

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S 574 Batouli, Frederico Otávio Sawaf.

O direito internacional dos conflitos armados e sua

influência no processo de planejamento de comando

para operações conjuntas das forças armadas

brasileiras. / Frederico Otávio Sawaf Batouli 2013.

283 f. : il ; 30cm.

Tese (Doutorado) - Escola de Comando e Estado-

Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2012.

Bibliografia: f. 104-106.

1.Direito. 2. Direito Internacional dos Conflitos 3.

Direito Internacional Humanitário 4. Defesa 5. Defesa 6.

Operações 7. Operações Conjuntas. I. Título.

CDD 658.15

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A todos que sofreram alguma espécie de

violação em um conflito armado.

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AGRADECIMENTOS

Aos quatro orientadores deste trabalho, Coronel Ricardo Pereira de Araujo

Bezerra, Tenente-Coronel Alexandre Guerra, Tenente-Coronel Carlos Eduardo De

Franciscis Ramos e Tenente-Coronel Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon, minha

gratidão pela paciência e sabedoria nas colocações.

Ao ilustre Professor Celso Duvivier de Albuquerque Mello (in memoriam), por

quem tive o privilégio de travar o primeiro contato formal com a disciplina Direito

Internacional dos Conflitos Armados.

Ao meu pai, exemplo de chefe de família e soldado, pelo incentivo e apoio ao

longo de toda minha vida e também neste trabalho.

A minha mãe, de quem sempre recebo palavras de motivação.

Aos instrutores e companheiros do Curso de Comando e Estado-Maior 2010-

2011, pelas contribuições e a constante, franca e camarada troca de ideias.

Aos companheiros do Curso de Estado-Maior das Forças Armadas Alemãs

2013, pelo apoio prestado por ocasião das últimas etapas deste trabalho.

À Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, por ter me concedido a

honra de empreender esta pesquisa.

Aos diversos civis e militares que responderam aos meus questionamentos,

pela cooperação sincera, polida e transparente.

À Carol, pelo apoio irrestrito e Theo, por fazer a parte final da redação deste

trabalho um pouco mais leve.

Page 6: ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO … · Ao ilustre Professor Celso Duvivier de Albuquerque Mello (in memoriam), ... Direito Internacional dos Conflitos Armados e do Direito

―[...] a guerra é um fato e o que podemos

fazê-la é apenas humanizá-la.‖

Mello (1997)

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RESUMO

A pesquisa investiga como se insere o Direito Internacional dos Conflitos Armados

(DICA) no processo de planejamento para operações conjuntas brasileiro, em

particular na etapa do exame de situação. Para isto se vale de uma abordagem

qualitativa e de seis questões de estudo que são respondidas ao longo do trabalho.

Constrói-se inicialmente um referencial teórico, em que se discutem aspectos do

Direito Internacional dos Conflitos Armados e do Direito Internacional Público,

métodos de planejamento de comando para operações conjuntas, o processo de

planejamento de comando conjunto britânico e o método de resolução de problemas

militares das forças armadas brasileiras. Por meio da técnica do discurso do sujeito

coletivo (DSC), a partir de depoimentos de especialistas, examina-se quais aspectos

do DICA devem ser considerados por um comandante de operações conjuntas na

elaboração de uma linha de ação. Por meio da análise de conteúdo de documentos

doutrinários do Reino Unido e do Brasil, examina-se como estes aspectos se

refletem no processo de planejamento conjunto britânico e no brasileiro. A análise se

centra em duas categorias temáticas: aspectos levantados pelos especialistas no

DSC e aspectos não levantados. Em seu conjunto, as categorias servem à

verificação da hipótese de que o DICA no âmbito do processo de planejamento

conjunto brasileiro pode ser alvo de aprimoramentos. Na conclusão, apresentam-se

aspectos para uma nova abordagem para a análise de questões jurídicas em

metodologias de resolução de problemas militares no Brasil, indicando ainda

oportunidades de outras pesquisas científicas na área.

Palavras-chave: Direito Internacional dos Conflitos Armados. Operações Conjuntas.

Doutrina.

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ABSTRACT

The research investigates how the Law of Armed Conflict (LOAC) is involved in the

process of planning for joint operations in Brazil, particularly in the stage of analysis

of the situation. For that purpose, it relies on a qualitative approach and six study

questions that are answered throughout the work. It builds initially a theoretical

reference, in which aspects of the Law of Armed Conflict and Public International

Law; command planning methods for joint operations; the planning process of British

joint command and the method of solving military problems of Brazilian armed forces

are discussed. Through the Discourse of the Collective Subject (DCS), from expert’s

testimony, it examines which aspects of the LOAC must be considered by the

commander of joint operations when he develops a course of action. Through

content analysis of doctrinal documents of the United Kingdom and Brazil, it

examines how these aspects are reflected in British and Brazilian joint planning

processes. The analysis focuses on two themes: issues arisen by the experts at DCS

and issues not arisen. Taken together, the categories serve to verify the hypothesis

that the LOAC in the process of Brazilian joint planning can be improved. In

conclusion, ideas for a new approach to the analysis of legal issues in methodologies

for solving military problems in Brazil are presented indicating also opportunities for

other scientific researches.

Keywords: Law of Armed Conflict. Joint Operations. Doctrine.

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RESEÑA

El estudio investiga cómo insertar el Derecho Internacional de los Conflictos

Armados (DICA) en el proceso de planificación de las operaciones conjuntas en

Brasil, particularmente en la etapa del examen de la situación. Para ello se basa en

un enfoque cualitativo y en seis preguntas de estudio que son respondidas a lo

largo de la obra. Construye inicialmente una referencia teórica, en la que se discuten

aspectos de la Ley de Conflictos Armados y Derecho Internacional Público, métodos

de planificación de comando para las operaciones conjuntas, el proceso de

planificación del comando conjunto británico y el método para resolver los problemas

militares de las fuerzas armadas brasileñas. A través del Discurso del Sujeto

Colectivo (DSC), a partir de testimonios de expertos, analiza qué aspectos del DICA

deben ser considerados por el comandante de las operaciones conjuntas en el

desarrollo de un curso de acción. A través del análisis del contenido de los

documentos doctrinales del Reino Unido y Brasil, examina cómo estos aspectos se

reflejan en los procesos de planificación conjunta británico y brasileño. El análisis se

enfoca en dos temas: las cuestiones planteadas por los expertos de DSC y

cuestiones no planteadas. Tomadas en conjunto, las categorías sirven para verificar

la hipótesis de que el DICA en el proceso de planificación conjunta brasileña puede

ser mejorado. En conclusión, se presentan caminos para uma nueva aproximación al

análisis de cuestiones jurídicas en las metodologías para resolver problemas

militares en Brasil, lo que indica las oportunidades para otras investigaciones

científicas en la área.

Palabras clave: Derecho Internacional de los Conflictos Armados. Operaciones

Conjuntas.Doctrina.

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ZUSAMMENFASSUNG

Die Studie untersucht, wie sich das Humanitäre Völkerrecht (HV) in den

streitkräftegemeinsamen (SKgem) Planungsprozess der brasilianischen Streitkräfte

einbringen lässt, insbesondere in der Phase Entscheidungsfindung. Zu diesem

Zweck beruht es auf einem qualitativen Ansatz und versucht anhand von sechs

Leitfragen durch den Prozess zu führen. Zu Beginn wird eine theoretische Referenz

aufgebaut, in der die Aspekte des HV und des Völkerrechts, der Planung und

Befehlsgebung in SKgem Operationen, der Planungsprozess des britischen Joint

Command und die Methoden zur Lösung militärischer Probleme in den

brasilianischen Streitkräften diskutiert werden. Durch den gemeinsamen Diskurs und

die entsprechenden Expertenmeinungen (Diskurs des kollektiven Subjekts, DKS)

wird untersucht, welche Aspekte des HV durch den kommandierenden General der

SKgem Operation beim Ausarbeiten von Handlungsoptionen berücksichtigt werden

müssen. Durch die inhaltliche Analyse doktrinärer britischer und brasilianischer

Dokumente wird untersucht, wie diese Aspekte in beiden Ländern im SKgem

Planungsprozess beachtet werden. Die Untersuchung betrachtet zwei Aspekte:

Fragen vom DKS und Fragen nicht vom DKS. Zusammengefasst lässt sich sagen,

dass die Ergebnisse die Hypothese stützen, dass sich der Prozess der

Entscheidungsfindung in Bezug auf die Berücksichtigung des HV in den

brasilianischen Streitkräften verbessern lässt. Wege für einen neuen Ansatz zur

Berücksichtigung humanitärer Aspekte und Methoden um militärische Probleme zu

lösen werden präsentiert, aber auch weitere Indikatoren und Möglichkeiten zur

weiteren wissenschaftlichen Untersuchung.

Schlagwörter: Humanitäres Volksrecht. Gemeinsamestreitkräfte Einsätze. Lehre.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

a.C. antes de Cristo

A Op Área de Operações

CA Categoria Analítica

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior

CCOPAB Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil

CDICA Curso de Direito Internacional dos Conflitos Armados

CIOpPaz Centro de Instrução de Operações de Paz

Ch Chefe

Cmt Comandante

CNDIDIHB Comissão Nacional para Difusão e Implementação do

Direito Internacional Humanitário no Brasil

CICV Comitê Internacional da Cruz Vermelha

CIJ Corte Internacional de Justiça

CMiD Conselho Militar de Defesa

CPO Conceito Preliminar da Operação

CPM Código Penal Militar

CPPM Código Processual Penal Militar

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil

DDIDICAFA Diretriz para a Difusão e Implementação do Direito

Internacional dos Conflitos Armados nas Forças Armadas

DECEx Departamento de Educação e Cultura do Exército

DI Direito Internacional

DICA Direito Internacional dos Conflitos Armados

DIDH Direito Internacional dos Direitos Humanos

DIH Direito Internacional Humanitário

DIP Direito Internacional Público

DMD Doutrina Militar de Defesa

DMED Diretriz Ministerial de Emprego de Defesa

DOU Diário Oficial da União

DPED Diretriz Presidencial de Emprego de Defesa

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DSC Discurso do Sujeito Coletivo

EC Emenda constitucional

ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

ECEMAR Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica

EFD Estado Final Desejado

EGN Escola de Guerra Naval

EM Estado-Maior

EMCj Estado-Maior Conjunto

EMCFA Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas

EsAO Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais

EsFCEx Escola de Formação Complementar do Exército

EB Exército Brasileiro

EC Emenda Complementar

ECH Expressão chave

ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

EEM Escola de Estado-Maior

EGN Escola de Guerra Naval

EMFA Estado-Maior das Forças Armadas

EMCFA Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas

END Estratégia Nacional de Defesa

EUA Estados Unidos da América

ESG Escola Superior de Guerra

FA Forças Armadas

FACES feasibility, acceptability, fullness, exclusivity and suitability

test. Teste de viabilidade, aceitabilidade, exaustividade,

exclusividade e idoneidade.

FARU Forças Armadas do Reino Unido

Gen General

ISAF International Security Assistance Force. Força de

Assistência à Segurança Internacional.

IAD Instrumento de Análise de Discurso

IC Ideia central

LA Linha de Ação

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JDP Joint Doctrine Publication.Publicação de Doutrina Conjunta.

LC Lei Complementar

LOAC Laws of Armed Conflict. Leis dos Conflitos Armados

MD Ministério da Defesa

MDRU Ministério da Defesa do Reino Unido

MINUSTAH Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti

MPM Ministério Público Militar

Nr Número

ONU Organização das Nações Unidas

OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte

PDN Política de Defesa Nacional

PEECFA Plano Estratégico de Emprego Conjunto das Forças

Armadas

PEST Political, Economic, Social/demographic and Technological.

Política, Econômica, Sócio-demográfica e tecnológica

PG Prisioneiro de guerra

Pl Cmp Plano de Campanha

PPC Processo de Planejamento de Comando para Operações

Conjuntas

QCO Quadro Complementar de Oficiais

QG Quartel-general

QEMA Quadro do Estado-Maior da Ativa

RE Regras de Engajamento

SDH/PR Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da

República

STM Superior Tribunal Militar

SWOT Strengths, weaknesses, opportunities and threats. Pontos

fortes, fraquezas, oportunidades e ameaças.

TO Teatro de Operações

TPI Tribunal Penal Internacional

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Plano da Ação Naval do Lago Champlain em 1814 .................................. 64

Figura 2 - Campanha contra Oribe e Rosas. ............................................................. 66

Figura 3 - Manobra do Piquiciri. ................................................................................ 67

Figura 4 - Comando Conjunto. .................................................................................. 74

Figura 5 - Estado-Maior Conjunto. ............................................................................ 76

Figura 6 - A missão como elemento norteador das decisões. ................................... 87

Figura 7 - Contribuição de Moltke para a Ciência da Administração. ...................... 103

Figura 8 - Estrutura Básica do MD do Reino Unido. ................................................ 113

Figura 9 - Desdobramento do Exército do Reino Unido em junho de 2010............ 116

Figura 10 - A Doutrina como vetor de formação de capacidades conjuntas nas

Forças Armadas do Reino Unido . .......................................................................... 117

Figura 11 - O ―enquadramento‖ da situação problema e a compreensão do ambiente

operacional. ............................................................................................................. 125

Figura 12 - Exempo de referência a aspectos legais em documento de campanha do

RU. .......................................................................................................................... 140

Figura 13 - Exemplo de referência a aspectos legais em documento emanado pelo

comandante conjunto. ............................................................................................. 141

Figura 14 - Diferentes cenários após a análise da situação pelo estado-maior

conjunto. .................................................................................................................. 142

Figura 15 - Planejamento militar no RU: interação entre o DCMO e o PJHQ. ........ 144

Figura 16 - Correspondência entre objetivos de campanha e objetivo estratégico

nacional. .................................................................................................................. 146

Figura 17 - A Análise Operacional britânica como um método racional de

planejamento de operações conjuntas. ................................................................... 148

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Figura 18 - Os 6 Passos da Análise Operacional e as técnicas a serviço do

comandante da força conjunta. ............................................................................... 151

Figura 19 - Técnica das 3-Colunas: registro de fator, dedução e ações tomadas pelo

comandante da força conjunta ao longo da análise operacional. ............................ 152

Figura 20 - Ferramenta de processo de planejamento de comando conjunto

britânica. .................................................................................................................. 157

Figura 21 – 5º Passo da análise operacional britânica: comparação de linhas de

ação......................................................................................................................... 160

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 Resumo dos procedimentos metodológicos..........................................25

Quadro 02 Comparação entre a abordagem analítica e a intuitiva nos processos de

tomada de decisão.................................................................................98

Quadro 03 Metodologias de suporte à tomada de decisão no processo de

planejamento conjunto do Reino Unido...............................................127

Quadro 04 Atribuições dos Chefes de Seção de EMCj brasileiro que possuem

nítido relacionamento com o DICA......................................................181

Quadro 05 O DICA no Processo de Planejamento de Comando Conjunto Britânico:

Categorias e subcategorias levantadas na Análise de Conteúdo.......198

Quadro 06 Elementos não levantados pelos especialistas.............................215

Quadro 07 O DICA no Processo de Planejamento de Comando Conjunto Brasileiro:

Categorias e subcategorias levantadas na Análise de Conteúdo.......217

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 6

2 METODOLOGIA .................................................................................................... 11

2.1 PROBLEMA ........................................................................................................ 11

2.2 IMPORTÂNCIA DA INVESTIGAÇÃO .................................................................. 16

2.3 HIPÓTESE E QUESTÕES DE ESTUDO ............................................................ 19

2.4 TIPO DE PESQUISA ........................................................................................... 28

2.5 INSTRUMENTOS ................................................................................................ 29

2.6 ANÁLISE DOS DADOS ....................................................................................... 30

2.7 CONFIABILIDADE............................................................................................... 33

3 O DICA E O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO............................................. 34

3.1 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO: O DIREITO DAS GENTES ................... 34

3.2 DIREITO INTERNACIONAL DOS CONFLITOS ARMADOS COMO RAMO DO

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ..................................................................... 39

3.3 DIREITO INTERNACIONAL DOS CONFLITOS ARMADOS: ALGUMAS

PECULIARIDADES ................................................................................................... 47

3.4 INTERNALIZAÇÃO DE NORMAS INTERNACIONAIS NO DIREITO

BRASILEIRO ............................................................................................................. 60

4 OPERAÇÕES CONJUNTAS E OS MÉTODOS DE RESOLUÇÃO DE

PROBLEMAS MILITARES ....................................................................................... 63

4.1 AS OPERAÇÕES CONJUNTAS – BREVE HISTÓRICO e DEFINIÇÕES .......... 63

4.2 METODOS DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS MILITARES E O PROCESSO

DE PLANEJAMENTO CONJUNTO ........................................................................... 78

5 O REINO UNIDO E SEU PROCESSO DE PLANEJAMENTO DE COMANDO

PARA OPERAÇÕES CONJUNTAS ....................................................................... 109

5.1 REINO UNIDO E SUA DOUTRINA BASICA DE DEFESA ................................ 110

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5.2 O PROCESSO DE PLANEJAMENTO DE COMANDO CONJUNTO BRITÂNICO

................................................................................................................................ 118

6 O MÉTODO DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS MILITARES DAS FORÇAS

ARMADAS BRASILEIRAS ..................................................................................... 162

6.1 O BRASIL E SUA DOUTRINA BASICA DE DEFESA ....................................... 162

6.2 O PROCESSO DE PLANEJAMENTO DE COMANDO CONJUNTO BRASILEIRO

................................................................................................................................ 175

7 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ......................................... 194

7.1 ELEMENTOS COMUNS AOS PROCESSOS DE PLANEJAMENTO DE

COMANDO .............................................................................................................. 194

7.1.1 Discussão ....................................................................................................... 195

7.2 O DICA NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO DE COMANDO CONJUNTO

BRITÂNICO ............................................................................................................. 199

7.2.1 Categoria Analítica CA1 - Aspectos coincidentes com o aventado pelos

especialistas no DSC .............................................................................................. 200

7.2.2 Categoria Analítica CA2 - aspectos não coincidentes com o aventado pelos

especialistas no DSC .............................................................................................. 202

7.2.3 Discussão ....................................................................................................... 205

7.3 ELEMENTOS POSSIVELMENTE NÃO LEVANTADOS NA INVESTIGAÇÃO

ANTERIOR .............................................................................................................. 216

7.4 O DICA NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO DE COMANDO CONJUNTO

BRASILEIRO ........................................................................................................... 218

7.4.1 Categoria Analítica CA1 - aspectos coincidentes com o aventado pelos

especialistas no DSC .............................................................................................. 219

7.4.2 Categoria Analítica CA2 - aspectos não coincidentes com o aventado pelos

especialistas no DSC .............................................................................................. 221

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7.4.3 Discussão ....................................................................................................... 223

8 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 233

8.1 APRESENTAÇÃO RESUMIDA DO CONTEÚDO DA PESQUISA .................... 234

8.2 PRINCIPAIS ACHADOS, SUGESTÕES PARA PESQUISAS POSTERIORES E

RECOMENDAÇÕES ............................................................................................... 243

8.2.1 Regras de Engajamento ................................................................................. 245

8.2.2 Aspectos do PPC ........................................................................................... 246

8.2.3 Assessoria Jurídica Operacional .................................................................... 248

8.2.4 Revisão Curricular .......................................................................................... 249

8.2.5 Prosseguimento de Pesquisas em áreas afins ............................................... 249

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 251

ANEXO A – MODELO DE ROTEIRO DE ENTREVISTA ........................................ 260

ANEXO B - LISTA DE PESQUISADORES E AUTORIDADES CIVIS E MILITARES

................................................................................................................................ 271

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6

1 INTRODUÇÃO

Desde o início de sua existência na Terra, o homem vive em conflito. A

doutrina de emprego das Forças Armadas evoluiu bastante ao longo dos séculos,

mostrando que a arte da guerra é dinâmica e um verdadeiro reflexo da sociedade de

cada época. Simultaneamente ao aumento da eficiência das operações militares,

houve também um substancial aumento no número de vítimas.

Em paralelo à evolução da arte da guerra, houve um movimento no sentido

de se impor algum limite aos métodos e meios empregados pelos contendores. Por

que massacrar mulheres e crianças, por exemplo? Este movimento se tornou um

ramo independente do direito que, segundo Swinarski (1991), limita ―o direito das

partes em conflito de escolher livremente os métodos e os meios utilizados na

guerra, ou que protege as pessoas e os bens afetados, ou que possam ser afetados

pelo conflito.‖

Sob a nomenclatura de Direito Internacional Humanitário (DIH) ou Direito

Internacional dos Conflitos Armados (DICA), como adota a Organização das Nações

Unidas (ONU) e o Ministério da Defesa (MD), este ramo do direito compreende uma

gama de tratados extensos que podem exigir anos para serem estudados por um

jurista. É de se entender, portanto, que a sua inclusão apropriada nos processos de

planejamento de resolução de problemas militares seja uma dificuldade comum a

vários países.

O encontro destas duas áreas do conhecimento humano - o DICA e o

processo de resolução de problemas militares – caracteriza o âmbito desta pesquisa.

A fim de elucidar melhor o tema, buscar-se-á, a seguir, apresentar considerações a

respeito destas duas áreas do conhecimento, os motivos da realização deste

trabalho, seus objetivos gerais e sua estruturação.

Segundo Santos (2009), antes da Operação Tempestade do Deserto no

Iraque em 1990, o Exército dos EUA adotou uma preparação de DICA em quatro

frentes, a saber: as leis de guerra e a lei internacional humanitária; as políticas,

objetivos e diretrizes do Governo dos EUA para os direitos humanos, em níveis

nacional e internacional; as responsabilidades dos militares em apoiar tais políticas;

e os procedimentos para o relato de suspeitas de violações dos direitos humanos.

Ainda assim, segundo Valladares (2011), o Comitê Internacional da Cruz Vermelha

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7

no Iraque foi consultado quase diariamente por integrantes do estado-maior do

exército dos EUA a fim de esclarecer dúvidas sobre o DICA.

É verdade, ainda, que uma força em vias de capitular será atraída a se render

se souber que estará nas mãos de um oponente que irá respeitar os ditames do

DICA, tratando seus prisioneiros de guerra adequadamente, por exemplo1. As forças

armadas brasileiras têm um retrospecto favorável no respeito ao DICA. Talvez por

pura índole, Caxias exigia trato digno ao inimigo na Guerra da Tríplice Aliança. Na 2ª

Guerra Mundial, os alemães - não por acaso - escolheram a Força Expedicionária

Brasileira para se render. Enfim, modernamente, o DICA pode ser forma de projetar

poder e até mesmo economizar forças e, também por isto, é aconselhável sair de

uma ação instintiva para uma mais positiva, inserindo-se o assunto apropriadamente

no planejamento de estado-maior.

É natural que tal preocupação permeie o meio militar, uma vez que as

violações ao DICA possibilitam que comandantes sejam responsabilizados

criminalmente frente a tribunais internacionais. Ocorre, entretanto, que o respeito ao

DICA já se tornou oficialmente política de estado, na medida em que sua difusão já

faz parte de decreto do executivo desde 20032.

Esta atenção que a sociedade brasileira dá ao tema não é por acaso. O País

não deseja ver as operações militares de suas forças armadas associadas a

imagens como as que o mundo viu na prisão de Abu Ghraib, no Iraque.

Enquanto o respeito ao DICA vem definindo o sucesso - ou insucesso - de

algumas campanhas, a doutrina militar contemporânea caminha para um emprego

cada vez mais conjunto de suas forças singulares. E isto vem se consagrando de

várias formas. As Forças Armadas Norte-americanas se empenham em encontrar o

que o então Secretário de Defesa Robert Gates (2009) colocou como o ―mix ideal‖.

1 O manual C 45-4 Operações Psicológicas (1999) ensina que panfletos de rendição devem trazer impressos os itens mais importantes da Convenção de Genebra sobre o tratamento humano a ser dispensado ao seu portador. Como exemplo, menciona modelo da Guerra do Golfo, com a seguinte inscrição: ―RENDA-SE! Os EUA obedecem às regras da Convenção de Genebra. Após o cessar-fogo proporcionar-lhe-á o seguinte: tratamento humanitário; comida e água; tratamento médico; abrigo e retorno à sua casa após cessarem as hostilidades". 2 O Decreto S/Nr – 2003, da Presidência da República, criou a Comissão Nacional para Difusão e Implementação do DIH no Brasil, a qual é formada por representantes dos ministérios da Defesa, Justiça, Saúde, Educação e Cultura, além das Relações Exteriores, do Gabinete da Presidência da República, Secretaria Especial de Direitos Humanos e do Congresso Nacional.

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8

Para ele, a natureza da guerra contemporânea está se alterando constantemente, e

isto exige uma flexibilidade apenas concebida pelo emprego conjunto3 das forças.

Atento a esta tendência mundial, o governo brasileiro também vem dedicando

atenção especial a esta modalidade de emprego. Evidência disto são as grandes

operações que o MD coordena anualmente há cerca de dez anos, como as

Operações Laçador e Tapuru, por exemplo. Elas se caracterizam pelo emprego de

meios ponderáveis de mais de uma força armada, sob a responsabilidade de um

comando único e de um estado-maior igualmente composto por mais de uma força

singular. Após a primeira edição da END (BRASIL, 2008), o então ministro da

Defesa Nelson Jobim deixara claro que haveria uma ampla reformulação doutrinária

e que deveria ser dada ênfase ao emprego conjunto das Forças Armadas

Brasileiras.

Mas a evolução doutrinária não é fruto apenas da tendência mundial. Nos

últimos anos, o País viveu uma estabilidade econômica e política que lhe permitiu

iniciar um processo de inserção internacional.

Este novo status de global player vem impondo ao País a assunção de

maiores responsabilidades no campo político e militar. Como líder regional e

potência militar de médio porte, o País recebeu a liderança da Mission des Nations

Unies pour la Stabilisation en Haïti (Missão das Nações Unidas para a Estabilização

do Haiti – MINUSTAH), por exemplo.

Este destaque no contexto internacional foi uma das premissas para a

redação da END, em 2008 e 20124. Ambos os documentos deixam claro que é

momento do País adotar uma nova postura no campo da defesa. Em resumo, deve-

se compreender que a expressão militar do poder nacional deve estar à altura do

destaque do Brasil nas expressões econômica e política. Isto implica em contar com

a última palavra - o estado da arte - em termos doutrinários.

3 Até a primeira edição da Estratégia Nacional de Defesa (END), em 2008, este tipo de operação era conhecido no Brasil como operação combinada, o que trazia certa inconsistência com o termo consagrado internacionalmente na OTAN e nas forças armadas dos EUA, do inglês joint - traduzido como ―conjunto‖, segundo consta do Michaelis Moderno Dicionário de Inglês (2010). A END determinou assim uma alteração terminológica, basicamente de operações combinadas para operações conjuntas. 4 À época da redação deste trabalho, encontrava-se em apreciação no Congresso Nacional a segunda edição da END. Cabe a ressalva que a presente pesquisa teve enfoque em documentos publicados até dezembro de 2012.

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9

Em função da edição da END e suas implicações para a doutrina militar, o

processo de planejamento de estado-maior para operações conjuntas sofre

atualmente uma profunda revisão. Neste contexto, surge uma pergunta: qual a

situação atual do Direito Internacional dos Conflitos Armados presente neste

processo?

Estudar, portanto, o Direito Internacional dos Conflitos Armados e sua

influência no processo de planejamento conjunto das forças armadas brasileiras é o

escopo deste trabalho.

Para estudá-lo, será necessário se valer de noções de diferentes ramos da

ciência, como o Direito e da Doutrina Militar. Dada a multidisciplinariedade do tema,

foi impositivo valer-se de diversos procedimentos metodológicos, que, em regra,

tiveram uma abordagem qualitativa.

Espera-se que as conclusões obtidas colaborem na elucidação de dúvidas

comuns acerca do DICA e o Planejamento Conjunto, áreas do conhecimento que

têm nesta pesquisa a rara oportunidade de se encontrarem. Por conseqüência,

possiblitar-se-ia obter um ponto de partida para nortear estudos sobre a implantação

do DICA no planejamento de estado-maior no âmbito conjunto, do Exército Brasileiro

e nas outras forças singulares.

A fim de alcançar os objetivos propostos, este trabalho foi dividido

basicamente em quatro partes. Após esta introdução, apresenta-se no Capítulo 2 o

trajeto metodológico adotado, descrevendo-se pormenorizadamente o problema, a

importância de seu estudo, assim como a hipótese, questões de estudo, os

instrumentos e as fontes utilizados.

A seguir constrói-se um referencial teórico, em quatro passos. Em um

primeiro passo, elucidam-se determinados conceitos do direito internacional público,

ressaltando-se algumas peculiaridades do direito internacional dos conflitos

armados.

Num segundo passo, discutem-se as operações conjuntas e a questão da

metodologia para resolução de problemas militares.

No terceiro passo do referencial teórico, estuda-se especificamente o

processo de planejamento de comando para operações conjuntas das forças

armadas do Reino Unido e por fim, no quarto e último passo do referencial teórico, o

processo brasileiro.

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10

Na terceira parte da pesquisa, na Seção 7, desenvolve-se, de maneira crítica

e à luz do referencial criado na fase anterior, a apresentação e análise dos

resultados. Nesta etapa, vale-se das técnicas do Discurso do Sujeito Coletivo e da

Análise de Conteúdo, buscando inferências e deduções que venham a responder as

questões de estudo formuladas.

Por fim, na conclusão do trabalho, expõe-se sumariamente o conteúdo da

pesquisa, apresentando-se ainda os principais achados, sugestões para pesquisas

posteriores e recomendações. Neste contexto, trata-se de aspectos acerca de uma

nova abordagem para a análise de questões jurídicas nos métodos de resolução de

problemas militares.

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11

2 METODOLOGIA

A metodologia empregada no decorrer da pesquisa foi calcada basicamente

no percurso metodológico proposto por Neves e Domingues (2007) na obra Manual

de Metodologia da Pesquisa Científica. Em 2008, esta publicação foi colocada como

base pelo então chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx)

para pesquisas científicas no âmbito do departamento.

De forma a se obter um perfeito encadeamento das idéias, o autor se valeu

complementarmente de outros autores consagrados neste campo, como Gonsalves

(2007), Chizzotti (2001) e obras como o manual da Fundação Getúlio Vargas de

Metodologia Científica para Ciências Militares (2003), por exemplo.

Quanto à teoria da pesquisa qualitativa, a pesquisa foi baseada em Alves-

Mazzotti e Gewandsnadjer (2001), Denzin e Lincoln (2006) e Chizzotti (2010).

Denzin (2006) ensina que o foco da pesquisa qualitativa embute uma multiplicidade

de métodos, a fim de se alcançar o máximo de profundidade na compreensão do

tema em estudo; tudo isso sem que se perca o rigor científico. Assim caracteriza-se

o presente trabalho.

Serão apresentados a seguir, o problema, sua importância, a hipótese e as

questões de estudo, além de aspectos referentes aos tipos de pesquisa

empreendidos, a coleta e a análise de dados .

2.1 PROBLEMA

Para caracterizar o problema que se buscará resolver, valemo-nos

inicialmente de dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

Segundo Theophilo (2009), enquanto no início do século passado apenas 5% da

população civil era atingida por um conflito armado, atualmente, esta parcela chega

a 90%. A verdade é que os conflitos armados migraram dos campos de batalha para

os centros urbanos, além de os meios e métodos de guerra terem evoluído

consideravelmente neste período.

Isto traz reflexos para a arte da guerra. Com a cobertura jornalística quase

que em tempo real das operações, a liberdade de ação dos contendores no estudo

das ações militares sofreu uma limitação considerável.

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Com a recente entrada em funcionamento do Tribunal Penal Internacional,

em 2003, os autores de crimes de guerra passam a ser suscetíveis de foro. Aí se

incluem os comandantes em todos os níveis, em especial os mais elevados. Como

pontua Cinelli (2008):

A ordem de operações é um documento de Estado. Em caso de persecução criminal ela será uma das primeiras provas materiais a serem examinadas. É preciso então que contenha realmente o que interessa e precisa ser enfatizado, mas cujo conteúdo não seja tão sintético a ponto de deixar dúvidas quanto a questões elementares sobre o DIH. A antiga conotação de uma ordem de

operações sob a forma de romance, cuja única destinação futura seria o museu histórico da unidade, aparentemente está superada nos conflitos modernos, agora sob o manto jurídico do Tribunal Penal Internacional.(grifo nosso)

Isto equivale dizer que, caso uma campanha militar seja alvo de acusações

quanto a crimes de guerra, seu comandante pode ser indiciado criminalmente e vir a

responder a processo judicial perante um tribunal de fora do país. Tal instituto é

conhecido no direito internacional como responsabilidade de comando. Em uma

análise rasa é possível vislumbrar alguns reflexos meta-jurídicos desta situação,

como uma diminuição do moral das tropas empenhadas na operação e uma virtual

redução do grau de liberdade de ação por parte da expressão política do poder

nacional, por exemplo.

Enquanto o DICA vem trazendo novos ingredientes à arte da guerra, a

doutrina militar enfrenta novos cenários no início deste século. A natureza da guerra

contemporânea exige tal flexibilidade das forças que apenas seu emprego conjunto

pode dar ao comandante a gama de ferramentas necessárias a cumprir sua missão

de combate. Tal preocupação se externa de várias formas, como, por exemplo, a

reunião dos cursos de estado-maior em único estabelecimento de ensino, como já

fazem o Reino Unido, Alemanha e Portugal.

No Brasil, com a implantação do Ministério da Defesa, a doutrina das forças

singulares passou a ser foco de um processo de integração. Assim, o MD editou

manuais que se sobrepõem aos existentes na Marinha, Exército e Aeronáutica.

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Neste contexto, foi elaborada em 2011 uma nova doutrina5 de operações conjuntas.

A partir desta são elaborados planos de operações que irão nortear todo o esforço

militar.

Caso este esforço seja mal-dirigido, infringindo normas de Direito

Internacional de Conflitos Armados ratificadas pelo governo brasileiro, comandantes

podem ser responsabilizados. Vale lembrar que o Brasil ratificou, em 1998, o

Estatuto de Roma, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional (TPI).

Apesar de signatário deste tratado que está em vigor desde 2002, o País

ainda não se adaptou plenamente às suas disposições. Há várias questões técnico-

jurídicas, como a adaptação do Código Penal Militar (CPM) e do Código Processual

Penal Militar (CPPM), ambos editados em 1969 e alvo de poucas alterações desde

então. No campo militar, as Forças Armadas brasileiras ainda não formalizaram uma

revisão em suas doutrinas com o escopo de adequar o planejamento conjunto às

mais recentes normas de DICA, aí incluída a Responsabilidade de Comando.

Segundo Valladares (2010), alguns países já o fizeram, como o Chile, por exemplo.

Este país promoveu recentemente uma ampla revisão em mais de 200 (duzentas)

publicações de cunho militar. O objetivo era inserir adequadamente os ditames do

DICA na doutrina.

Partindo do entendimento, portanto, de que o mais alto nível de planejamento

– o nível estratégico - encontra-se centrado no Ministério da Defesa, é pertinente,

ainda, inferir sobre as atividades e coordenações referentes ao DICA no âmbito

deste órgão. Entende-se que se tornará difícil tratar de DICA no planejamento

conjunto sem abordar objetivamente os principais aspectos referentes ao mesmo

assunto no Ministério da Defesa, como aspecto caracterizador do problema desta

pesquisa.

Neste sentido, vale ressaltar o imperativo de uma nova atitude no campo da

Defesa (BRASIL, 2012), em razão da posição de destaque que o País desfruta no

contexto internacional. É inegável que o País alcançou ao longo da última década

uma posição de relevo no mundo, o qual vem exigindo a assunção de novos

5 Com esta, revogaram-se inúmeros manuais que tocavam a doutrina de planejamento conjunto: o Manual de Doutrina Básica de Comando Combinado MD 33-M-03 (BRASIL, 2001), o Manual de Processo de Planejamento de Comando para Operações Combinadas MD 33-M-05 (BRASIL, 2001) e o Manual de Metodologia de Planejamento Estratégico de Emprego Combinado das Forças Armadas MD 33-M-07 MPEECFA (BRASIL, 2008).

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compromissos no campo militar. Vale reafirmar, portanto, que isto exige uma

doutrina atualizada em todas as áreas.

Na área das operações conjuntas, por exemplo, a END (BRASIL, 2008)

determinou a criação do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas6 (EMCFA).

Segundo o então ministro Nelson Jobim (2009):

...isto representará uma mudança na doutrina e no emprego das Forças. Hoje, em exercícios militares conjuntos, elas atuam sob um ―comando combinado‖ e, com a criação do EMCFA, passarão a atuar sob um ―comando conjunto‖. Esta é uma mudança fundamental. Altera por completo a doutrina de emprego das Forças. Antes, o emprego era individual de cada Força com um

comando combinado. Agora, o emprego é conjunto. (grifo do autor)

Segundo o ministro, a atuação sob um comando conjunto é matéria

―pacificada mundialmente‖ em termos de doutrina militar. ―O preparo das Forças é

feito individualmente e o emprego é conjunto‖, completa a autoridade. Nesta linha, o

Exército dos Estados Unidos da América, em recente revisão do seu manual de

planejamento conjunto, o JP 5-0 Joint Operation Planning, inseriu no tocante a

análise de linhas de ação pelo Estado-Maior Conjunto o seguinte item: ―identificar

aspectos legais que possam afetar as linhas de ação, inclusive aqueles relacionados

ao DICA, às convenções de Genebra [...]‖ (tradução livre do autor).

Modernamente, vive-se a chamada guerra da Terceira Onda. A expectativa

dos analistas de defesa era de que se veria um conflito recheado de sofisticados

engenhos bélicos que garantiriam a proteção de civis, mas a realidade dos campos

de batalha sugere algo diferente. As ações – e os eventuais erros - são bastante

humanos. Mesmo com os esforços dos planejadores e com a precisão das armas,

as violações do DICA se repetem. Exemplo claro disto foi o recente episódio da

prisão de Abu Ghraib, fartamente explorado pela mídia mundial. Como pontua

Dragoman (2005):

…os efeitos do uso de meios violentos estavam saltando aos olhos. Muitas organizações governamentais e não-governamentais, governos, forças armadas, políticos e juristas acreditam que a única solução para o problema é apoiar e desenvolver o direito internacional humanitário. (grifo nosso, tradução livre do autor)

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Além disso, vale ressaltar que a necessidade de se investigar a inclusão do

DICA nos métodos de planejamento de estado-maior já foi levantada em inúmeros

trabalhos anteriores, como em Costa (2002) e Cinelli (2008), por exemplo. Reforça

esta corrente o General-de-Divisão Theophilo (2009), antigo Diretor de

Especialização e Extensão do Exército. Segundo o General: ―É fundamental que a

instrução relativa ao direito internacional humanitário seja parte da formação militar

em seu conjunto. [...] os oficiais superiores devem participar diretamente do

planejamento...‖. Aqui reside uma das peculiaridades desta pesquisa: ela investiga

pela primeira vez um método de tomada de decisão nacional à luz do DICA.

Do exposto acima, verifica-se algumas premissas iniciais para o

desenvolvimento desta pesquisa, a saber:

- os campos de batalha migraram para os centros urbanos, o que aumentou

consideravelmente o efetivo de baixas civis nos conflitos;

- a cobertura em tempo real dos combates trouxe aos lares a discussão sobre

o respeito às pessoas não envolvidas nos combates e limites à aplicação da força;

- a comunidade internacional consagrou a responsabilidade individual de

pessoas acusadas de crimes de Guerra através do estabelecimento do Tribunal

Penal Internacional;

- as tendências doutrinárias atuais nas forças armadas mais desenvolvidas do

mundo apontam cada vez mais para uma integração entre as forças singulares por

meio das operações conjuntas.

- o MD é uma instituição recente no Brasil, mas que vem buscando ano a ano

intensificar os exercícios conjuntos. A atual doutrina de planejamento de estado-

maior conjunto brasileira em vigor é de 2011;

- em conseqüência da celebração de tratados internacionais, a sociedade

brasileira se envolveu na discussão da implementação do DICA via diretrizes

presidenciais e do Ministério da Defesa, esta última emanada em 2008. Apesar

disto, a doutrina de PPC atual ainda não foi analisada após a edição destas novas

diretrizes;

6 Previsto na primeira edição da END, o EMCFA teve sua criação oficializada posteriormente pela Lei Complementar Nr 136, de 25 de agosto de 2010.

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- As duas edições da Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2008 e 2012)

entenderam que o País precisa estar apto a assumir novos compromissos na área

bélica, fruto de seu atual status político-econômico;

Da análise destas premissas, surge a seguinte questão de estudo e problema

maior que este trabalho busca resolver:

Qual a situação atual do Direito Internacional dos Conflitos Armados presente

no Processo de Planejamento de Comando para Operações Conjuntas das forças

armadas brasileiras?

2.2 IMPORTÂNCIA DA INVESTIGAÇÃO

É válido fazer algumas considerações acerca da importância de se resover o

problema apresentado anteriormente. Sua atualidade é sustentada basicamente por

dois aspectos.

No século XXI, durante e após os conflitos, os contendores intensificaram as

acusações de violações do DICA. Assim se procedeu após o conflito Rússia e

Geórgia de 2008. Após incriminações mútuas, foi enviada uma equipe da União

Européia para a região com o fim de investigar indícios de ocorrência de delitos sob

a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Em janeiro de 2010, Rússia e a própria

União Européia solicitaram ao TPI que aprofundasse as investigações. O que se

extrai disto é que comandantes de operações podem ser indiciados por crimes de

guerra, como, por exemplo, destruição ou apropriação de bens não justificados por

necessidades militares levadas a cabo em grande escala e de forma ilícita e

arbitrária.

Conforme já aventado supra, atento aos tratados ratificados pelo País, o

executivo federal criou, em 2003, a Comissão Nacional para Difusão e

Implementação do Direito Internacional Humanitário no Brasil, com o objetivo de

―propor às autoridades competentes as medidas necessárias à implementação e à

difusão do Direito Internacional Humanitário no Brasil‖. Na seqüência, edita o

Ministério da Defesa a Portaria Normativa 916/MD de 13 de junho de 2008, que

estabeleceu a Diretriz para a Difusão e Implementação do Direito Internacional dos

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Conflitos Armados nas Forças Armadas. No artigo 11, tal documento estabelece que

cabe ao Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas 7, entre outras tarefas:

planejar e acompanhar as operações militares de emprego combinado das Forças Armadas, aplicando o DICA em todas as

fases das operações, a fim de avaliar a eficiência das medidas de difusão e implementação aplicadas. (grifo do autor)

Neste sentido, estudar o PPC sob o enfoque do DICA, é importante porque

colabora também no processo de implementação deste ramo do direito no País,

conforme orientam os dispositivos da Presidência da República e do MD acima

citados.

Segundo ação estratégica prevista na área do ensino em geral da END

(BRASIL, 2012), é necessário:

Promover maior integração e participação dos setores civis governamentais na discussão dos temas ligados à defesa, assim

como a participação efetiva da sociedade brasileira por intermédio do meio acadêmico (…), intensificando-se a divulgação das atividades de defesa, de modo a aumentar sua visibilidade junto à sociedade (…). (grifo do autor)

Neste contexto, a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército vem

buscando difundir o assunto DICA nas faculdades paralelamente aos exercícios que

executa no País8. O retorno do meio acadêmico tem sido excelente, uma vez que o

DICA é assunto palpitante, porém ausente dos currículos das faculdades de direito

do País, nas quais prevalecem assuntos mais ligados à área cível ou relativos a

concursos públicos. Neste aspecto, espera-se que este trabalho se preste também

para efetivar esta ação estratégica prevista na END.

Segundo Valladares (2010), a preocupação com os reflexos do engajamento

de alguns alvos de valor tático durante a ofensiva dos EUA em Kosovo foi alçada ao

presidente dos EUA. Em suma, uma análise a fundo o DICA no PPC pode gerar

7 O documento ainda se referia ao Estado-Maior de Defesa, termo em desuso atualmente. 8 A Escola realiza anualmente cerca de dez exercícios no terreno e, em alguns deles, oficiais instrutores ministram um curso de DICA nas instituições de ensino superior da região. O público alvo preferencial são ―alunos dos cursos de Direito e Relações Internacionais, os quais, ao lado dos próprios militares, são os potenciais operadores desse sub-ramo do Direito‖. (BRASIL. Exército, 2011)

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conclusões com repercussão prática em outros campos do poder, como o político,

caracterizando-se aí a importância prática de se desenvolver tal pesquisa. É lícito

lembrar, todavia, que este trabalho não tratará destes reflexos, o que não impede

que outras pesquisas posteriormente o façam.

Quanto ao aspecto ético, pesquisar o DICA significa valorizar o respeito à

dignidade humana, conforme prescreve nossa Constituição Federal (CF) e a Carta

das Nações Unidas. No âmbito interno, a sociedade brasileira classifica a dignidade

da pessoa humana como princípio fundamental da República, insculpido no primeiro

artigo da Carta Magna, inciso III. Na mesma direção segue a comunidade

internacional, ao inserir, após o término da sangrenta Segunda Guerra Mundial, os

seguintes dizeres no preâmbulo da Carta de São Francisco9 (NAÇÕES UNIDAS,

1945):

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por

duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos

homens e [...] (grifo nosso)

Fica evidente, assim, a relevância social da pesquisa em tela.

O que se pretende deste trabalho é que traga as contribuições esperadas de

uma tese de doutorado, como bem destaca Severino (2002): ―exige-se da tese de

doutorado contribuição suficientemente original a respeito do tema pesquisado.‖

Assim, dado o pouco tempo transcorrido desde a introdução de novos

documentos norteadores nas duas áreas de estudo, é natural que existam muitas

controvérsias e dúvidas ainda sobre o DICA e o Planejamento Conjunto. A Diretriz

para a Difusão e Implementação do Direito Internacional dos Conflitos Armados nas

Forças Armadas foi editada em 2008. Vale ressaltar que o processo de assimilação

do DICA nas doutrinas militares começou há bastante tempo em outras forças. Nos

9 Assinada a 26 de junho de 1945, a Carta das Nações Unidas também é conhecida como Carta de São Francisco, denominação dada pelo fato de ter sido assinada na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos da América.

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EUA, teve início no século XIX, durante a Guerra Civil Americana10. No Reino Unido,

em 191411. Isto equivale dizer que, em relação a alguns países, o DICA no Brasil

ainda está amadurecendo e o presente estudo pode contribuir neste processo.

Quanto à doutrina de planejamento para operações conjuntas do MD,

elaborou-se recentemente um novo manual de Processo de Planejamento de

Operações Conjuntas. Apresenta-se assim, mais uma possibilidade de contribuição

do trabalho, dada a excelente oportunidade da formulação do mencionado manual.

Ademais, um diagnóstico do DICA nas operações conjuntas brasileiras, e a

posterior adoção de medidas apropriadas, poderão evitar duas conseqüências

graves das violações das leis da guerra. Primeiramente, será possível reduzir os

riscos da responsabilização criminal de oficiais das forças armadas, conforme prevê

o TPI. Em um segundo plano, poder-se-á diminuir o risco de o país viver os efeitos

devastadores de uma campanha militar marcada na comunidade internacional por

violações a dignidade da pessoa humana. Violações do DICA, como a tortura de

prisioneiros em campos de concentração, morte de milhões de civis após os

bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, e os maus-tratos fotografados em Abu

Ghraib demoram a sair da memória da opinião pública mundial e seus reflexos

podem atingir as mais variadas expressões do poder nacional.

2.3 HIPÓTESE E QUESTÕES DE ESTUDO

De uma forma ampla, esta pesquisa visa integrar a bibliografia de doutrina

militar referente ao tema do Direito Internacional dos Conflitos Armados. De uma

forma mais objetiva, seguiremos o que ensina Gonsalves (2007):

- Os objetivos gerais definem o que se pretende alcançar com a

realização da pesquisa. É um objetivo mais amplo, a questão principal da pesquisa.

- Os objetivos específicos são considerados objetivos secundários,

estão relacionados à questão principal e definem aspectos mais específicos, que contribuem para alcançar o objetivo geral.

10 O Código Lieber foi a primeira tentativa de se codificar as leis da guerra no plano interno dos Estados. Hoje os EUA contam com dezenas de publicações a respeito no âmbito do seu Departamento de Defesa. 11 O Manual de Direito Militar de 1914 continha um capítulo sobre ―Leis da Guerra Terrestre‖. O Reino Unido editou seu primeiro manual de DICA em 1958 e conta atualmente com uma farta e internacionalmente respeitada regulamentação sobre o assunto.

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A fim de se resolver o problema proposto, o objetivo geral do estudo definido

foi o de investigar de uma forma crítica a situação atual do DICA constante do PPC

brasileiro. Para atingi-lo, foram estabelecidas questões de estudo, cujas respostas,

em última análise consistirão os objetivos específicos da pesquisa desenvolvida.

Ensina Alves-Mazzotti e Gewandsnadjer (2001) que há situações na pesquisa

qualitativa em que a utilização de hipóteses é bastante rara, apesar de que o

emprego de uma hipótese orientadora inicial possa ser útil. As características deste

trabalho apontam para este procedimento, uma vez que o estudo profundo do DICA

no PPC nacional envolve uma gama de ciências afins.

Partindo da premissa colocada acima, e de indícios elencados ao longo da

pesquisa, como o recente amadurecimento do País no âmbito das operações

conjuntas, sua atual estatura político-econômica-militar, a edição de normas

difusoras de DICA no País na última década e uma novíssima doutrina de PPC, a

investigação foi direcionada por meio da seguinte hipótese inicial:

O Direito Internacional dos Conflitos Armados se encontra de forma limitada

no exame de situação do Processo de Planejamento de Comando para Operações

Conjuntas atualmente utilizado pelas forças armadas brasileiras.

Segundo Neves e Domingues (2007), após a enunciação das hipóteses, deve

o autor apresentar as variáveis que fazem parte do trabalho. A principal variável

deste estudo é a variável 1: o DICA presente no PPC brasileiro. Neste estudo, o

DICA presente no PPC será caracterizado pelos aspectos imprescindíveis de serem

observados por um comandante conjunto brasileiro, ao elaborar uma linha de ação.

Estes aspectos, enquanto indicadores que poderiam interferir no objeto desta

pesquisa foram desenvolvidos a partir da análise do discurso do sujeito coletivo com

próceres da área. Assim, eles surgiram ao longo do trabalho e serão apresentados à

miúde no Cap referente aos resultados.

A partir da quantidade de aspectos levantados, estabeleceu-se o seguinte

padrão de desempenho para se confirmar/refutar a hipótese em razão da variável 1:

100% dos aspectos: o DICA presente no PPC se encontra perfeitamente

incutido no exame de situação do PPC brasileiro.

Entre 75% e 99% dos aspectos: o DICA presente no PPC se encontra muito

bem incutido no exame de situação do PPC brasileiro.

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Entre 50% e 74%: o DICA presente no PPC se encontra de forma limitada

no exame de situação do PPC brasileiro.

Entre 25% e 49%%: o DICA presente no PPC se encontra de forma bem

limitada no exame de situação do PPC brasileiro.

Entre 1% e 24%: o DICA presente no PPC se encontra muito mal incutido

no exame de situação do PPC brasileiro.

0% dos aspectos: o DICA não se encontra presente no exame de situação

do PPC brasileiro.

Além disto, os mesmos autores colocam a possibilidade de se empregar

questões de estudo para nortear o desenvolvimento da pesquisa. Elas serão o ponto

de partida para encontrar um caminho que leve ao melhor conhecimento acerca do

problema e são fundamentais para chegar a uma solução ao problema proposto.

Assim se enquadra o atual trabalho. Posto, isto, será feita uma breve

apresentação de alguns conceitos que fazem parte das questões de estudo, para, a

seguir, enunciá-las.

Segundo Swinarski (1991), DICA é:

o conjunto de normas internacionais, de origem convencional ou consuetudinária, especificamente destinado a ser aplicado nos conflitos armados, internacionais ou não-internacionais, e que limita, por razões humanitárias, o direito das Partes em conflito de escolher livremente os métodos e os meios utilizados na guerra, ou que protege as pessoas e os bens afetados, ou que possam ser afetados pelo conflito.

Até 2011, o DICA não possuía uma definição no âmbito do MD. Assim, as

forças se valiam de seus manuais próprios, como o manual C 124-1 Estratégia, do

Exército Brasileiro. Neste, há uma discrição do termo Direito Internacional

Humanitário:

Também denominado direito da guerra, é o conjunto de normas internacionais que regulam o uso da força ao indispensável, com o fim de evitar sofrimentos inúteis entre inimigos, e assegurar a proteção às vítimas que as hostilidades não puderem evitar. Seu propósito é tentar conciliar as necessidades militares e os requerimentos humanitários.

Em maio de 2011, com a edição do manual MD34-M-03 (BRASIL. Ministério da

Defesa, 2011), surge um conceito para o nível MD. O ministério optou pela mesma

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definição de Swinarski, também citado por Mello acima, reforçando a relevância

deste autor para o DICA nacional. Por esta e outras razões, Celso Duvivier de

Albuquerque Mello foi selecionado como ponto de partida da investigação, no

tocante ao DICA. Membro do Conselho Consultivo do Instituto Brasileiro de Direitos

Humanos e professor de faculdades como a Universidade do Estado do Rio de

Janeiro (UERJ) e Pontifícia Universidade Católica (PUC), suas publicações sobre o

assunto são reconhecidas como marcos no DICA internacional. Transitando pelo

Direito Internacional, os Direitos Humanos e áreas afins, seu livro ―Direitos Humanos

e Conflitos Armados‖ tem a densidade de uma obra que ainda não encontrou

substituta à altura no País desde a sua primeira edição em 1997. Os ensinamentos

de Celso Mello serão a principal referência – mas não a única - pela qual este

trabalho buscou enxergar o DICA e sua influência no atual PPC.

Nesta mesma linha, o CICV (1999), em estudo feito nas comemorações dos

cinqüenta anos da assinatura das Convenções de Genebra de 1949, concluiu que os

conflitos contemporâneos têm se caracterizado pela violação de direitos da

população civil, tendo sido esta a maior vítima dos conflitos armados e dos atos de

seus comandantes. O CICV é um órgão reconhecido historicamente pela

comunidade internacional, inclusive a ONU, como o maior defensor do DICA. A

legitimidade de suas ações se assenta principalmente pela sua imparcialidade e seu

reconhecimento pela sociedade internacional12.

Por esta razão, outro doutrinador de relevo na atualidade, Christophe

Swinarski, antigo consultor jurídico, também fará parte do arcabouço teórico para a

pesquisa proposta. Sua maior contribuição é no tocante ao espírito prático que sua

obra apresenta, contextualizando normas e princípios nos conflitos armados com

reconhecida precisão.

Tal enquadramento servirá como contextualização técnica-jurídica ao trabalho

como forma de se chegar ao perfeito entendimento de como uma norma de DICA

elaborada fora do país se encaixa no mundo jurídico interno e, por conseguinte na

doutrina conjunta brasileira.

12 Seu fundador, Henry Dunant, recebeu o primeiro prêmio Nobel da paz, em 1901. No decorrer do século passado, a instituição foi laureada outras três vezes.

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Para a apresentação das questões de estudo, portanto, estas serão as

definições escolhidas. Ao longo do trabalho, todavia, serão discutidas nuances entre

as diferentes definições de DICA.

Sobre o PPC, reza a doutrina conjunta que, antes de uma crise ou de conflito

armado, onde se antevê o emprego de tropa, será ativada a Estrutura Militar de

Defesa. Deste ponto em diante, haverá planejamento em diversos níveis desta

estrutura. Estes processos de planejamento serão desenvolvidos de acordo com a

ameaça apresentada. Quando o planejamento é feito no âmbito do MD e envolver

um Estado-Maior Conjunto, esse processo é denominado processo de planejamento

de comando para operações conjuntas. Para a presente pesquisa, portanto, o DICA

presente no PPC é o estampado na doutrina aventada acima, em particular no

manual MD 30-M-01 (BRASIL. Ministério da Defesa, 2011).

Quando se coloca a questão do estado da arte em termos bélicos, é natural

se remeter imediatamente à maior máquina de guerra do mundo atualmente, as

Forças Armadas dos EUA, grande inspiradora da doutrina militar nacional. No caso

em tela, todavia, o mais sensato é optar por alinhar a capacidade bélica com a

eficiência no campo do DICA. Neste caso, as Forças Armadas do Reino Unido

parecem um referencial mais apropriado. São reconhecidas pelo emprego hábil da

estratégia direta e de projeção de poder, como nos conflitos das Malvinas de 1982, e

atualmente Iraque e Afeganistão. Ademais, o Reino Unido ratificou o Estatuto de

Roma do Tribunal Penal Internacional, enquanto os EUA não.

Por outro lado, as Forças Armadas do Reino Unido são referidas por

acadêmicos do DICA como exemplo a ser seguido em termos de respeito às leis da

guerra. Assim concluiu Valladares (2010) e o Seminário sobre Manuais Militares em

Direito dos Conflitos Armados, realizado no âmbito do Forum for International

Criminal Justice and Conflict13, em 2007. A atenção ao DICA – e sua positivação -

nas forças armadas britânicas é algo que remonta ao início do século passado, com

a inserção de um capítulo ―Leis da Guerra Terrestre‖ em seu Manual de Direito

Militar editado em 1914. Ademais, o trato dos ingleses para com os PG argentinos

durante a Guerra das Malvinas se tornou leading case na matéria, servindo de meio

auxiliar de instrução (MAI) usado pelo CICV no treinamento de militares em diversos

13 Fórum criado no âmbito do Instituto de Pesquisa da Paz Internacional, em Oslo, Noruega.

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países. Para o presente estudo, portanto, o DICA estampado na doutrina deste país

será de grande valia.

Feitas estas considerações, enumera-se a seguir as questões de estudo que

nortearão o trabalho:

a. como se insere o DICA no âmbito do Direito Internacional Público?

b. à luz de próceres do Direito Internacional dos Conflitos Armados, quais os

elementos que devam ser considerados nos métodos de planejamento operacional

conjunto?

c. com base nestes elementos, como se encontra o Direito Internacional dos

Conflitos Armados constante do processo de planejamento de comando para

operações conjuntas do Reino Unido?

d. fruto da resposta à questão de estudo anterior, quais e como seriam os

elementos do Direito Internacional dos Conflitos Armados não levantados na

questão de estudo b.?

e. como se encontra o DICA no Planejamento Operacional Conjunto brasileiro à

luz dos elementos levantados na resposta à questão de estudo b.?

f. fruto da resposta à questão de estudo anterior, quais seriam os outros

elementos do Direito Internacional dos Conflitos Armados a serem inseridos no

processo de planejamento de comando para operações conjuntas brasileiro?

O que se buscou acima é que cada questão de estudo forneça uma solução

parcial e os indícios necessários para uma melhor compreensão e solução do

problema da influência do DICA no PPC brasileiro.

Neste ponto é válido ressaltar alguns limites da pesquisa desenvolvida. O

perfil multidisciplinar desta investigação, aliado à velocidade que existe no tocante

em especial ao Direito e normas do Ministério da Defesa, exigiu-se que fosse

estabelecida uma janela temporal. Assim, o recorte abrangeu atualizações até

dezembro de 2012.

Além disto, o recorte incluiu tão somente operações em que o DICA se aplica,

isto é, não foram consideradas, por exemplo, operações típicas de garantia da lei e

da ordem em âmbito interno. Ademais, não foram estudadas operações singulares,

as doutrinas específicas de cada força armada para o DICA e conflitos armados

outros que o internacional.

Cabe ressaltar que o tratamento dado ao tema foi meramente teórico, com

ênfase no DICA positivado, não se tratando ou testando a eficácia das normas de

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DICA e da doutrina de PPC em conflitos reais. Por esta mesma razão, não foi, por

exemplo, estudada a fase do PPC conhecida como Controle da Operação

Planejada, uma vez que já se configura a execução propriamente dita da operação,

subseqüente à decisão tomada durante o processo de planejamento.

Além disto, ainda que ações militares em desacordo com o DICA possam ter

reflexos em outros campo do poder, estas repercussões não serão estudadas neste

trabalho.

Dada a multidisciplinaridade do tema abordado, envolvendo áreas como o

Direito, doutrina militar e método de resolução de problemas, e da imprescindível

profundidade que uma pesquisa no nível pretendido requer, foram necessários

métodos diversos para se responder completamente as questões de estudo

formuladas e se testar a hipótese inicial. Tal crença orientou a escolha

predominante pela pesquisa qualitativa.

A seguir, segue um quadro resumo dos procedimentos metodológicos

empregados para cada questão de estudo proposta.

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Questão de estudo Metodologia(s) empregada(s)

a. como se insere o DICA no âmbito

do Direito Internacional Público?

- pesquisa bibliográfica (Mello, Rezek,

Accioly, Dal Maso Jardim, Swinarski, Palma)

- pesquisa documental (normas)

b. à luz de próceres do DICA, quais

os elementos que devam ser

considerados nos métodos de

planejamento operacional conjunto?

- pesquisa de campo

- discurso do sujeito coletivo a partir do

depoimento de especialistas em DICA.

Lefèvre e Lefèvre (2003).

- pesquisa bibliográfica (Mello e Swinarski)

c. com base nestes elementos, como

se encontra o DICA constante do

processo de planejamento de

comando para operações conjuntas

do Reino Unido?

- pesquisa documental;

- análise de conteúdo de documentos

referentes ao DICA no PPC do Reino Unido.

Bardin (1977) e Laville e Dione (1999).

- pesquisa bibliográfica (Descartes e Simon)

d. fruto da resposta à questão de

estudo anterior, quais e como seriam

os elementos do DICA não

levantados na questão de estudo b.?

- análise de conteúdo de documentos

referentes ao DICA no PPC do Reino Unido.

Bardin (1977) e Laville e Dione (1999).

- pesquisa documental;

e. como se encontra o DICA no PPC

para operações conjuntas brasileiro à

luz dos elementos levantados na

resposta à questão de estudo b.?

- análise de conteúdo de documentos

referentes ao DICA no PPC brasileiro. .

Bardin (1977) e Laville e Dione (1999).

- pesquisa documental;

- pesquisa bibliográfica (Descartes e Simon)

f. fruto da resposta à questão de

estudo anterior, quais seriam os

outros elementos do DICA a serem

inseridos no PPC brasileiro?

- pesquisa documental;

Quadro 01 - Quadro resumo dos procedimentos metodológicos empregados Fonte: o autor

Vez que a pesquisa foi classificada quanto à natureza dos dados como

qualitativa, no saber de Chizzotti (2001), isto influi na seleção dos indivíduos que

possam colaborar na resposta às questões de estudo:

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Na pesquisa qualitativa, todas as pessoas que participam da pesquisa são reconhecidas como sujeitos que elaboram conhecimentos e produzem práticas adequadas para intervir nos problemas que identificam. Pressupõe-se, pois, que elas têm um conhecimento prático, de senso comum e representações relativamente elaboradas que formam uma concepção de vida e orientam as suas ações individuais.

Assim, o universo selecionado para obtenção de informações a respeito das

questões de estudo referentes ao DICA foi composto por: membros do Comitê

Internacional da Cruz Vermelha (CICV); operadores do Direito e da doutrina militar;

doutores, mestres, e possuidores de especialização na área de DICA; e membros

do Ministério da Defesa.

No tocante ao PPC, fizeram parte do universo: instrutores indicados pelas

escolas de comando e estado-maior das forças singulares e integrantes do MD.

Conforme ensina Alves-Mazzotti e Gewandsnadjer (2001), ao contrário do

que acontece com as pesquisas tradicionais, na pesquisa qualitativa a escolha dos

participantes14 é proposital, segundo suas questões de estudo e também de

aspectos como condições de acesso e disponibilidade dos sujeitos envolvidos.

Estes autores apontam uma seqüência para a correta seleção de sujeitos,

contextualizada a seguir para o presente trabalho:

a. Identificação dos participantes iniciais. Etapa bem encaminhada desde o

início do trabalho, a partir de uma lista de autoridades constante do projeto de

pesquisa (Anexo B).

b. Emergência ordenada da amostra. A partir das primeiras autoridades

entrevistadas, foram selecionados outros que pudessem complementar ou testar as

informações obtidas. O teste colaborou para a própria credibilidade da pesquisa.

c. Focalização contínua da amostra. À medida que novos aspectos relevantes

da investigação emergiram, surgiram novas questões e outros participantes puderam

ser incluídos.

d. Encerramento da coleta. A partir do ponto em que as informações se

repetiam, e a emersão de novos dados se rareava, chegava-se a um ponto de

redundância em que novas entrevistas não eram mais justificadas.

14 Para os autores, há doutrinadores que discutem o emprego do termo amostra nesta parte do trabalho, a fim de não confundir com a intenção de generalizações de tipo estatístico.

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Foram feitos contatos prévios com os especialistas constantes do Anexo B,

enviados os questionários semiestruturados e agendado uma entrevista oral com os

mesmos. As entrevistas duraram de quarenta minutos a uma hora e trinta minutos,

sendo gravadas em mídia digital e posteriormente degravadas. O tempo necessário

para a transcrição das entrevistas oscilou entre três e cinco horas.

Em geral, os entrevistados se mostraram solícitos e entusiasmados com o

conteúdo da pesquisa. Singular foi o caso da entrevista com juiz do Tribunal Penal

Internacional, que devido a excesso de trabalho na corte, foi obrigado a desmarcar a

entrevista, sem possibilidade de remarcação em prazo útil. Não foi registrado

constrangimento com as perguntas realizadas.

A caracterização da amostra revela que dos especialistas entrevistados, 75%

tinham livros publicados na área do direito internacional, sendo 98% doutores ou

mestres na área e 100% leciona ou já lecionou em instituição de ensino superior. As

entrevistas foram feitas entre janeiro de 2011 e fevereiro de 2012.

2.4 TIPO DE PESQUISA

Gonsalves (2007) estabelece quatro critérios para classificar os tipos de

pesquisa. Considerando o critério de classificação dos tipos de pesquisa segundo

seus objetivos, foram realizadas pesquisas do tipo exploratória, descritiva e

explicativa.

A pesquisa exploratória foi realizada, no início do trabalho, por meio de outras

visitas ao Ministério Público Militar, ESG, EGN, para que fosse verificada a

possibilidade de coletar dados que sejam facilitadores da elaboração dos roteiros de

entrevista ou que também já servissem de base para o trabalho.

Na construção do referencial teórico, valeu-se da modalidade de pesquisa

descritiva, a fim de registrar as características gerais do DICA, dos métodos de

tomada de decisão e de estado-maior, das operações conjuntas do Reino Unido e

do Brasil. Foram ainda descritas peculiaridades destas áreas do conhecimento que

se relacionavam com a pesquisa, tudo com o escopo de se responder as questões

de estudo propostas.

A pesquisa explicativa é conceituada por Gonsalves (2007) como aquela que

―pretende identificar os fatores que contribuem para ocorrência e o desenvolvimento

de um determinado fenômeno. Buscam-se aqui as fontes, as razões das coisas. [...]

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este tipo de pesquisa convive muito bem com os outros [...]‖. Assim pode-se afirmar

que a pesquisa foi predominantemente explicativa quando da análise do status atual

do DICA no PPC nacional.

2.5 INSTRUMENTOS

a. Pesquisa Documental

Foi baseada na consulta a tratados, acordos internacionais firmados pelo

Brasil, na área do DICA e a legislação federal atinente ao assunto. Foi analisadas,

ainda, documentação referente ao tema do Ministério da Defesa do Brasil e das

Forças Armadas do Reino Unido. Entre estes documentos, encontram- se manuais,

diretrizes e outros do gênero. Cabe ressaltar que, no tocante ao estudo do DICA,

como subramo do Direito Internacional Público, tem normas de fundo costumeiro,

conforme o Art 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Neste contexto,

estudo do CICV levantou como fonte do costume os manuais militares que um país

edita. Assim, confirma-se a aplicabilidade de se estudar o DICA a partir dos manuais

militares de um determinado país.

b. Pesquisa Bibliográfica

Essa pesquisa foi realizada por meio de consultas a obras e a artigos

científicos de autores nacionais e estrangeiros, com relevância na área que foi

estudada e pela consulta ao material disponível na internet e em bibliotecas e

órgãos afetos ao DICA e ao Planejamento Conjunto.

c. Pesquisa de Campo

Para a resposta à questão de estudo b. foi utilizado inicialmente um roteiro de

entrevista piloto. Este roteiro foi submetido a cinco operadores do direito e cinco

militares com experiência em planejamento de operações conjuntas. Da análise do

roteiro piloto e a fim de permitir se adequar da melhor maneira possível à resposta

das questões de estudo levantadas, chegou-se ao roteiro contido no Anexo A. No

final das entrevistas havia espaço aberto para que o entrevistado comentasse algo a

respeito do tema de seu interesse, além de indicar outros especialistas a serem

entrevistados.

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2.6 ANÁLISE DOS DADOS

Foi desenvolvida durante todo o trabalho, por teorizações progressivas fruto

da interação com os dados obtidos na coleta. Obteve-se uma gama de dados e foi

buscado o fichamento digital destes dados.

As informações foram analisadas qualitativamente. A fim de se percorrer um

caminho lógico que permitisse chegar a uma solução ao problema do atual estado

DICA presente no PPC brasileiro, foi feita uma leitura exaustiva dos documentos que

substanciam o estado da arte do DICA, notadamente o DICA presente no Reino

Unido e a doutrina do MD de operações conjuntas.

Em relação à questão de estudo b., em que foi utilizada a técnica do discurso

do sujeito coletivo, vale ressaltar seu emprego anteriormente em pesquisas no

âmbito das ciências militares, como em Costa (2008), por exemplo.

O percurso metodológico utilizado foi o proposto por Lefèvre e Lefèvre (2003).

Foi elaborado um discurso a partir das entrevistas realizadas, extraindo-se destas

idéias centrais e expressões-chaves semelhantes ou coincidentes. Para isto,

inicialmente, transcreveu-se as entrevistas integralmente. A seguir, empregando-se

o Instrumento de Análise de Discurso 1 (IAD 1) do software Qualiquantisoft, foi

incluída a respectiva pergunta no sistema. Com olhos para a resposta à questão de

estudo .b, foram identificados trechos que revelassem a essência da resposta do

entrevistado, as chamadas expressões-chave (ECH). A cada conjunto homogêneo

de ECH foi identificada uma idéia central (IC), com o sentido de se categorizar cada

posicionamento presente nos depoimentos. A seguir, as IC da mesma espécie

levantadas no IAD 1 foram transportadas para a ferramenta IAD 2 do software

Qualiquantisoft e agrupadas na coluna respectiva. Por fim, reconstituiu-se o

pensamento coletivo através do DSC correspondente. Para isto, as EC foram

seqüenciadas de forma lógica, partindo do geral para o particular. Foram

empregados conectivos para poder se ―discursivar‖, conforme ensinam os criadores

da técnica. Como assevera Lefèvre e Lefèvre (2010), surgiu assim o terceiro sujeito

diálogo intradiscursivo nas pesquisas: o primeiro é o pesquisador, o segundo o leitor,

e o terceiro o sujeito do pensamento coletivo.

O esquema empregado buscou identificar mais as grandes áreas de

consenso do que esgotar até o detalhe as informações coligidas.

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Para as questões de estudo c., d. e f. , em que foi empregada a técnica de

análise de conteúdo, o ponto de partida foi o percurso metodológico proposto por

Bardin (1977), complementado por Laville e Dione (1999).

Conforme Bardin (1977), a análise de conteúdo pode abranger formas

diversas de comunicação e segundo exemplo da própria autora, entre a infinidade

de ―análises de conteúdo possíveis‖, presta-se também a investigar a axiologia

presente em manuais, Daí a escolha desta técnica para se estudar a doutrina

britânica e brasileira.

Em sede de pesquisa qualitativa, ensina Bardin que a presença ou ausência

de uma certa característica de conteúdo ou ainda de um conjunto de características

num determinado fragmento de mensagem é que carece ser levado em

consideração. Assim se enquadrou este trabalho, buscando características do DICA

na doutrina de operações conjuntas britânica e na brasileira.

Assim na primeira fase, a da pré-análise, foram selecionados os documentos

a serem trabalhados. Após leitura extensa da doutrina de planejamento conjunto

britânica e brasileira, definiu-se as amostras a serem analisadas que poderiam

auxiliar na elucidação das respectivas questões de estudo. Assim, foram

selecionados dois manuais britânicos e um manual brasileiro. Eles foram

identificados como Documento RU1, Documento RU2 e Documento BR1.

Quando se emprega a análise de conteúdo é importante caracterizar o

emissor da mensagem. No caso em estudo, RU1 e RU2 foram promulgadas em

2008 por orientação do Chefe de Estado-Maior de Defesa do Reino Unido, sob a

coordenação do Assistente Chefe do Estado-Maior de Defesa para a área de

Desenvolvimento, Concepções e Doutrina. A doutrina de operação conjunta

brasileira em sua edição de 2011 foi aprovada pelo ministro da Defesa do Brasil,

Embaixador Celso Amorim, segundo proposta da Assessoria de Doutrina e

Legislação do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.

Ambos os manuais são organizados segundo capítulos, seções e parágrafos.

As unidades de análise foram, portanto, os respectivos parágrafos destes manuais

que tratam do planejamento conjunto, em especial na parte relativa à fase do exame

de situação.

Da leitura flutuante, buscando portadores de sentido nas publicações e

focando as intenções da pesquisa, verificou-se que basicamente duas grandes

categorias permeavam ambos os textos: aspectos coincidentes com o aventado

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pelos especialistas no DSC, a denominada Categoria Analítica 1 (CA1) e uma CA2 –

Aspectos não coincidentes com o aventado pelos especialistas no DSC.

Quanto à definição destas categorias analíticas, prevaleceu o modelo misto,

abrindo a possibilidade para a abertura de novas subcategrorias que apontassem

algo de relevo para a resolução das questões de estudo.

No caso da resposta à questão de estudo b, no âmbito da CA1, foram

determinadas duas subcategorias, respectivamente a subcategoria RU2 - Princípios

do DICA no corpo da publicação e a subcategoria RU4 - Regras de engajamento

como assunto-chave no planejamento. Na CA2 foram incluídas a subcategoria RU1 -

Legitimidade da campanha, a subcategoria RU3 - Assessoramento e

enquadramento jurídico como fator decisivo e a subcategoria RU 5 - Orientações

Gerais ao Comandante Conjunto.

Na questão de estudo e. foram levantadas três subcategorias sob a CA1 e

quatro subcategorias dentro da CA2. Dentro da CA1 foram incluídas as seguintes

subcategorias: BR2 - Regras de engajamento como assunto-chave no planejamento

, BR5 - Atenção a efeitos colaterais e BR6 - Respeito ao Princípio da Humanidade. A

CA2 abrangeu as subcategorias BR1 - Possibilidade de acesso a assessor jurídico,

BR3 - Atenção com as conseqüências, BR4 - Aspectos do Direito Internacional e BR

5 - Orientações Gerais ao Comandante Conjunto.

As unidades de análise foram estudadas em função de sua situação no

respectivo manual, e ainda em função do contexto da doutrina conjunta aos quais se

ligam e que Ihes fixavam o sentido e o valor, caracterizando o que Laville e Dione

(1999) descrevem como estratégia do Emparellhamento.

Buscando o máximo de rigor científico nas respostas às questões de estudo

c., d. e e. optou-se por pesquisar o conteúdo manifesto das mensagens, chamado

de primeiro grau. Evitando-se assim, no dizer de Laville e Dione (1999), inferências

delicadas que poderiam gerar conclusões, no mínimo, lamentáveis. Este trabalho se

voltou para as características da mensagem propriamente dita e idéias aí expressas,

caracterizando-se pela análise temática.

Além disto, foi feita uma discussão com base no referencial teórico

apresentado acima, buscando-se integrar a teoria com os dados obtidos na pesquisa

de campo. Desta forma, foi possível chegar a conclusões a respeito do DICA e sua

influência no PPC. Foram verificadas, ainda, outras possíveis informações que

pudessem surgir dos dados levantados, buscando enriquecer os achados.

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2.7 CONFIABILIDADE

Durante a pesquisa foram empregados os seguintes procedimentos propostos

por Alves-Mazzotti e Gewandsnadjer (2001), a fim de se aumentar a confiabilidade

dos dados levantados:

- Checagem pelos participantes: remessa das conclusões para posterior

avaliação pelos especialistas entrevistados nas questões de estudo b. e..

- Questionamento por pares: foi solicitado ao oficial instrutor relator de DICA da

ECEME para que, ao longo do trabalho, ratifique ou retifique as conclusões parciais

do trabalho.

- Triangulação de fontes: no decorrer da própria coleta de dados.

Além disto, deve-se considerar a razoável permanência no campo do

pesquisador. Os dois anos do Curso da ECEME – ambiente em que se discute a

doutrina militar e o DICA, além de se empreender um Exercício Conjunto entre as

três forças armadas com participação do MD – podem ser computados como fator

de aumento da confiabilidade. Um plus neste tocante foi a permanência do

pesquisador por mais seis meses no campus da Escola como relator da disciplina

Direito, fato que facilitou sobremaneira sua interação com os especialistas em 2012

e a redação dos capítulos finais do trabalho.

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3 O DICA E O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

Eu estou muito certo, pelas causas

que antes expus, que existe entre os

povos um direito comum que tem

vigência para fazer a guerra e também

na guerra.

Grotius (2004)

A compreensão dos assuntos relacionados ao problema proposto depende da

elucidação prévia de determinados conceitos que serão abordados a seguir, de

maneira preliminar e objetiva.

O estudo do DICA exige alguns conhecimentos afins, uma vez que é sub-

ramo de um ramo maior conhecido como Direito Internacional Público (DIP). Em

resumo, tal enquadramento servirá como contextualização técnica-jurídica ao

trabalho, como forma de se chegar ao perfeito entendimento de como uma norma de

DICA elaborada fora do país se encaixa no mundo jurídico interno. Assim, esta parte

do trabalho contribuirá para que se verifique como o DICA se insere no DIP e, por

conseguinte, como o DICA se enquadra no processo de planejamento de comando

para operações conjuntas.

3.1 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO: O DIREITO DAS GENTES

O Direito é uma ciência que tem um sem número de facetas. Disciplina uma

gama de espécies de relações das mais diferentes naturezas. Em um exemplo

modesto como de uma mera compra-e-venda entre dois particulares, podemos

vislumbrar diferentes matizes do Direito.

Os romanos dividiam o Direito em dois grandes ramos: Direito Público e

Privado. Há Direito Público quando na análise do objeto da relação jurídica

prevalecer o interesse geral, e há Direito Privado quando predominar o interesse dos

participantes envolvidos. Isto é, se naquela compra-e-venda o comprador não paga,

surge uma relação jurídica em que vendedor irá buscar seu interesse de receber e o

conteúdo desta relação será meramente privado.

Se, por exemplo, o bem posto à venda for fruto de roubo consumado pelo

vendedor, vemos que exsurge outra relação jurídica em que o interesse geral da

sociedade de reprimir este tipo de conduta levará o Estado a atuar. Além disto,

acrescenta-se que este interesse geral da sociedade (também conhecido por

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interesse público) será indisponível, diferentemente do que ocorre no Direito Privado.

Há neste caso uma relação típica de Direito Público. Assim entende a doutrina

clássica.

O Direito Público tem também suas matizes. Reale (1991) o divide em Direito

Interno e Externo. O primeiro seria o que tem vigência em determinado território. Aí

se incluem, por exemplo, o Direito Constitucional, Penal, e Administrativo brasileiros,

que só têm vigência no nosso País. O Direito Externo, por exclusão, rege

primordialmente relações em que o Direito Interno não se aplica.

Segundo o mesmo autor, o Direito Internacional Público estaria listado no

âmbito deste Direito Externo. Os internacionalistas preferem tecer comentários sobre

a sociedade internacional antes de definir objetivamente o Direito Internacional

Público. Para Mello (2000), ―O direito é manifestação da vida social. A cada

sociedade corresponde um determinado sistema jurídico. O DIP dos dias de hoje

corresponde a uma determinada sociedade internacional15‖. Isto implica dizer que,

diferentemente de outros ramos do Direito, em especial os do Direito Interno, o DIP,

ao mesmo tempo em que é o reflexo da comunidade mundial de hoje e sua evolução

histórica, também afeta esta sociedade.

Da leitura de Mello apreende-se que o DIP reflete uma sociedade em que,

embora haja indiscutivelmente um ator dominante, notadamente os Estados Unidos

da América, os Estados, ao menos formalmente, reconhecem a soberania dos

outros, caracterizando uma relação horizontal de poder. Isto é relevante, visto que,

enquanto no Direito Interno há a autoridade forte do Estado, subordinando as

minorias às vontades da maioria, em regra representada pelo poder legislativo eleito

pelo voto, no DIP os Estados consentem voluntariamente com as regras.

No mesmo sentido caminha Rezek (2000) ao realizar uma sonora advertência

àqueles que estudam o DIP. Para ele,

A sociedade internacional [...] é ainda hoje descentralizada, e o será provavelmente por muito tempo adiante. Daí resulta que o estudo desta disciplina não ofereça a comodidade própria daquelas outras que compõem o Direito Interno, onde se encontra lugar fácil para a

objetividade e para os valores absolutos.

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Para o autor, esta falta de objetividade resulta de diversos fatores, entre eles

a não prevalência do princípio do majoritário e a questão da criação das normas ser

obra direta dos seus futuros destinatários. Além disto, a falta de um escalonamento

vertical entre as normas de DIP, algo como o papel de norte dado pela Constituição

no âmbito do Direito Interno, faz com que a elaboração de um princípio geral para o

sistema advenha de uma construção política e não jurídica. Este princípio é o da

não-intervenção nos assuntos domésticos de outros Estados. Em que pese a falta

de rigor técnico, não é possível imaginar a coexistência de tantas soberanias sem

este princípio.

Mello também assevera que a política é um desafio ao estudioso do DIP,

colocando que ela:

[...] é a constante do mundo internacional em maior grau do que ocorre no direito interno, acarretando modificações constantes no DIP, o que o torna difícil de ser estudado pelo jurista, resultando na necessidade de uma constante atualização.

Não sendo alvo deste trabalho, não se discorrerá profundamente sobre

política e a sociedade internacional dos dias atuais. Vale mencionar, todavia, que

seus Estados componentes e as organizações internacionais são os principais entes

que atuam na vida mundial, mas, ao lado deles, conforme assevera Mello (2000)

forças culturais, econômicas e religiosas influem ou influenciaram sua evolução.

Evolução que, segundo Mello (2004), poderia se integrar melhor ao sistema

de ensino dos países e em especial ao sistema brasileiro, visto que é uma

ferramenta do processo de ―internacionalização‖ da vida contemporânea. Ele faz

uma observação interessante a esse respeito:

Os brasileiros ainda não perceberam a importância deste ramo (DIP) da Ciência Jurídica. Se nos compararmos com os demais países, veremos o quanto estamos atrasados, bastando lembrar que na Áustria o DIP consta do currículo das escolas secundárias.

O DI interessa não apenas ao especialista, mas a todos. É de se

repetir que toda a vida política, econômica, social e cultural está se internacionalizando, e o DI é o ―instrumento" deste processo. (grifo nosso).

15 Segundo Mello (2000), a denominação do meio social onde se desenvolve o DIP não tem sido dada de maneira uniforme pelos doutrinadores; uns falam em comunidade outros em sociedade internacional. Para este trabalho os termos serão empregados indistintamente.

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A doutrina nos oferece inúmeras definições do termo Direito Internacional

Público. Celso Mello discorre brevemente sobre elas, dizendo que podem variar

segundo o critério que se adota como marco inicial. Alfred Verdross apud Mello

(2000) assinala que o melhor critério é o da "comunidade de que as normas

emanam", uma vez que ele "tem por objeto ordenações jurídicas concretas".

Considerando isto, Mello define inicialmente o DIP como sendo

o conjunto de normas que regula as relações externas dos atores que compõem a sociedade internacional. Tais pessoas internacionais são as seguintes: Estados, organizações internacionais, o homem, etc.

A seguir, Mello elogia a construção de Jean Touscoz. Para este jurista,

―Direito Internacional Público é o conjunto de regras e de instituições jurídicas que

regem a sociedade internacional e que visam estabelecer a paz e a justiça e a

promover o desenvolvimento‖ (grifo nosso). Chama a atenção a opção de Mello por

uma definição que inclua a questão do objeto do DIP, qual seja o estabelecimento

da paz. Revela-se, ainda, a atração do autor pela questão do direito e os conflitos

armados.

Ao abordar a questão do fundamento do DIP, Rezek (2000) menciona sua

definição deste ramo do direito. Para o autor, sob as circunstâncias que os povos se

organizaram ao longo da História em Estados e principalmente pelo fato de

ingressarem em seguida de forma voluntária na comunidade internacional, é

aceitável que só se subordinem ao direito que tenham originariamente criado ou

construído. Desta forma, os Estados somente se subordinariam ao seu próprio

Direito Interno e àquele direito que lhes convier. Assim, segundo Rezek (2000),

Direito Internacional Público é um ―sistema jurídico autônomo, onde se organizam as

relações entre os Estados soberanos. E acrescenta que o DIP ―- ou direito das

gentes16 – repousa sobre o consentimento‖.

16 Sobre o direito das gentes no Brasil, MELLO (2004) diz que ―Os brasileiros ainda não perceberam a importância deste ramo (DIP) da Ciência Jurídica. Se nos compararmos com os demais países, veremos o quanto estamos atrasados, bastando lembrar que na Áustria o DIP consta do currículo das escolas secundárias. O DI interessa não apenas ao especialista, mas a todos. É de se repetir que toda a vida política, econômica, social e cultural está se internacionalizando, e o DI é o ―instrumento" deste processo.

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O papel do consentimento se revela indispensável ao bom funcionamento do

DIP, ao passo que os compromissos que os estados assumem são relativizados.

Isto por dois motivos: o primeiro é que um compromisso tem valor diferente de

acordo com a cultura de quem o firmou. E o segundo motivo é o fato do instrumento

da reserva e seu poder de "amenizar" os tratados (MELLO, 2000).

A apresentação de reserva a um tratado incide em tratados coletivos, nunca

em atos bilaterais. Embora à primeira vista possa parecer uma má vontade com o

texto aprovado, é na verdade um fenômeno que permite que, caso um Estado

partícipe não tenha aprovado uma parte de um tratado, possa ainda assim fazer com

que aquela norma ingresse em seu domínio jurídico. Normalmente reflete

descontentamentos que tomaram uma parcela apreciável dos países que fizeram

parte das reuniões para elaboração de um tratado e se dirigem, em regra, a trechos

de menor importância.

Esta redução consentida da soberania estatal tem como fonte principal os

compromissos assumidos pelos próprios entes internacionais nos tratados17. Accioly

(2000) ressalta ponto importante consolidado pelas Convenções de Viena: que a

palavra ―tratado‖ se refere a um acordo regido pelo direito internacional, ―qualquer

que seja a sua denominação‖. Assim sob a denominação de tratado compreendem-

se as convenções, protocolos, convênios, declarações, compromissos, cartas,

estatutos e outros. Modernamente, o tipo de tratado de mais alta hierarquia é a

Carta, expressão utilizada no tocante às Nações Unidas. Como exemplo de Estatuto,

temos o Estatuto de Roma para o Tribunal Internacional. No DICA há vários atos

multilaterais que se valem da expressão convenção, como as Convenções de

Genebra de 1949.

Apesar de fruto do consentimento, o DIP provoca relações diversas entre

seus atores. A postura dos Estados no tocante ao DIP posto tem sido objeto de

estudos como o de Louis Henkin apud Mello (2000). Entre as premissas básicas

destacadas por Henkin, está a que afirma que os Estados só violam o DIP quando a

vantagem disto é maior do que o custo dentro do "contexto de sua política exterior".

Paralelamente, foi levantado que há interesse dos Estados em conservarem as

relações internacionais dentro de uma certa ordem e que é imprescindível certa

17 Por tratado, ACCIOLY (2000) define como sendo o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas internacionais.

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confiança dos demais Estados para desempenharem a sua própria política externa,

o que faz impositivo um certo acatamento ao DIP. Além disto, Henkin concluiu que

os Estados têm medo de represálias e obedecem ao DIP por ―hábito e imitação".

Percebe-se desta maneira a gama de fatores que interagem com o Direito

das Gentes, seja na sua elaboração, seja na sua execução. Isto levou Mello (2000) a

levantar de forma sumária as hipóteses que podem levar um Estado à violação do

DIP:

a) quando a violação traz maiores vantagens do que prejuízos;

b) quando o autor da violação pode colocar a sociedade internacional diante de um "fato consumado" que não seja suficientemente relevante para conduzir a uma guerra, porque as sanções de natureza moral não o atingirão de modo efetivo;

c) as próprias instituições políticas internas levam o Estado a cometer a violação;

d) muitas vezes a violação é ilegal, mas é considerada justa, porque as normas jurídicas existentes são ultrapassadas e não atendem às necessidades atuais.

Sejam quais forem seus reais motivos, as violações podem conduzir a uma

crise que dentre inúmeras conseqüências pode levar a deflagração de um conflito

armado. Precisando de regras para disciplinar este tipo de relação, nasce um ramo

do DIP: o Direito Internacional dos Conflitos Armados.

3.2 DIREITO INTERNACIONAL DOS CONFLITOS ARMADOS COMO RAMO DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

Uma vez que o DIP disciplina a relação entre os diversos atores da sociedade

internacional, é aceitável que ele permeie uma gama de áreas distintas como o

mundo globalizado o é atualmente. A divisão do todo em partes é uma característica

do nosso tecnicismo ocidental que, embora desagrade alguns estudiosos, torna-se

útil para se obter uma abordagem objetiva sobre o DIP. Sendo possível vislumbrar

as formas de relações entre as pessoas internacionais, temos os respectivos ramos

em que o DI se divide. Assim, temos, por exemplo, o Direito Internacional

Econômico, o DI de Integração, o DI Penal e o Direito Internacional Humanitário.

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Surgindo outras formas de relação, crescem outros ramos do DI, como o DI

Ambiental nas últimas décadas, por exemplo.

Se o DIP se estende pelas inúmeras espécies de relações entre entes

internacionais, é intuitivo suspeitar que ele se apresente também no momento de

maior risco à existência destes: o conflito, a guerra. Segundo Mello (1978), ―a guerra

sempre integrou a História do DIP‖.

Discutir o porquê da existência das guerras foi alvo de inúmeros especialistas,

como psicólogos, historiadores, militares, internacionalistas e outros, mas o que é de

relevo para este trabalho é que, como assevera Ives Gandra da Silva Martins, ―O

homem é um ser pacífico que nunca viveu em paz‖. Neste sentido, Marques (2004)

afirma que em 5.000 anos de História, pode-se registrar aproximadamente 14.000

guerras com milhões de mortos.

A guerra é considerada, portanto uma realidade pelos estudiosos do Direito.

Assim abordou esta questão o ilustre Barbosa de Lima Sobrinho, em obra de 1922.

Para ele apud Dal Maso Jardim (2006), ―tanto era a impossibilidade de combater a

guerra18 com os recursos do pacifismo [...] A guerra, diziam eles, era inevitável‖

(grifo nosso).

Segundo Mello (2001), a guerra parece ser algo enraizado19 no ser humano e

fazer parte da sua natureza através de um instinto de agressão ou de violência. Ele

afirma que ―de 1946 a.C, até 1861, em 3.358 anos, houve 227 anos de paz e 3.130

anos de guerra, ou seja, um ano de paz em cada 13‖. O que demorou um pouco

para se enraizar foi a noção de se regular a violência, pois as sociedades primitivas

não tinham leis da guerra. O vencido era morto, simplesmente. Para o

internacionalista Quincy Wright apud Mello (2001), um grande progresso, nesta fase,

foi o estabelecimento da escravidão, pois mantinha vivo o vencido. Todavia,

18 A definição precisa de guerra foi tentada por inúmeros autores. Mello (2001) inicialmente menciona a possibilidade de sê-la um ―conceito jurídico indeterminado‖, devendo a sociedade internacional defini-la. A seguir, se apóia no Art 2º das Convenções de Genebra, que indica o requisito da declaração de guerra para que uma exista, aludindo ainda o uso da expressão ―conflitos armados‖ por ser mais coerente com a realidade internacional e mais abrangente. 19 Ao mesmo tempo em que a evolução do Homem trouxe uma gama de benefícios e conquistas para a sociedade como consolidação de direitos sociais, políticos e humanos, cura de doenças e outros, Tilly apud Mello (2001) ressalta que o último século foi também o

mais belicoso da história. Entre 1480 e 1800, a cada dois ou três anos iniciou-se um novo conflito internacional de expressão. Entre 1800 e o final da 2ª GM, a cada um ou dois anos. Após a 2ª GM, a cada quatorze meses.

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disciplinar a guerra não é algo tão recente como possa se suspeitar havendo, na

Antiguidade Oriental, uma das primeiras manifestações de direito positivo de guerra -

o chamado Código de Manu, de origem hindu e editado cerca de 100 a.C. Ele previa

alguma limitação aos meios de combate, como a proibição do uso de flechas

envenenadas e ataque a homens desarmados.20

É habitual na doutrina a distinção entre o jus ad bellum e o jus in bello. O

primeiro é o ramo do DIP que dispõe sobre a legalidade do uso da força (direito à

guerra) enquanto o segundo se refere à regulamentação da guerra propriamente

dita. Aceitar a guerra como uma realidade não implica em afirmar que a guerra é

aceita como meio lícito de resolução de conflitos. Segundo Mello (2000), ela é, após

a Carta da ONU de 1945, um ilícito internacional, limitando o jus ad bellum a

algumas condicionantes. Vale a transcrição de alguns trechos da Carta:

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra [...] E PARA TAIS FINS, [...] viver em paz [...] e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum. (grifo nosso)

Lê-se em seu Art. 2º que:

3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam

ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.

4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força... (grifo nosso) 21

As hipóteses que podem autorizar o emprego da força estão no mesmo

diploma e, de forma resumida, são três: em caso de legítima defesa, nas guerras de

libertação nacional e nas intervenções militares autorizadas pelo Conselho de

Segurança da ONU. Assim, lê-se no Art. 51 a possibilidade de emprego da força sob

o mantra da legítima defesa:

20 Pierrotti (2001) E Mello (2001) estudam as guerras ao longo da história e sua normatização. 21 Cabe ressaltar a existência de esforços anteriores da sociedade internacional em se abandonar o uso da força como o Pacto Briand-Kellog de 1928. Sem a efetividade alcançada pela Carta de São Francisco, estabelecia que ‖As Altas Partes contratantes declaram [...] que condenam o recurso à guerra para a solução das controvérsias

internacionais, e a ela renunciam como instrumento de política nacional nas suas mútuas relações‖ (grifo nosso).

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Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado

contra um Membro das Nações Unidas... (grifo nosso)

No âmbito do Capítulo VII da Carta, o Art 42 regula terceira hipótese - a

possibilidade de intervenção da ONU para manter a paz:

Conselho de Segurança [...] poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. (grifo nosso)

Sobre a última hipótese, referente à possibilidade de guerras de libertação

nacional, elas encontram assento jurídico no princípio do DIP da autodeterminação

dos povos. Como assevera Accioly (2000), a própria ONU foi criada com o propósito

de ―manter a paz [...], desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas

no respeito ao princípio [...] de autodeterminação dos povos...‖ (grifo nosso).

Na análise da legítima defesa, é fundamental se configurar a questão da

agressão. Para existir o direito de legítima defesa, é necessário que haja um ataque

armado injusto e atual, bem como que a defesa não ultrapasse a agressão. A

grande dificuldade que houve durante longo tempo foi a definição precisa de

agressão. A ONU tentou fazê-Io através de Resolução em 1974, mas como pontua

Accioly (2000): ‖No tocante ao crime de agressão convém lembrar que, previsto na

Carta das Nações Unidas, foi objeto de inúmeras interpretações, que ainda não

contam com a aceitação da comunidade de direito internacional.‖. No mesmo

caminho segue Mello (1978), ao mencionar que a agressão é um crime22 contra a

paz, mas sob o aspecto técnico e prático ela será constatada pelo Conselho de

Segurança da ONU. A revisão do Estatuto do Tribunal Penal Internacional

condensada em julho de 2010, todavia, veio a clarear o entendimento deste termo.

22 Dada a gravidade do crime de agressão, ele encontra competência no Tribunal Penal Internacional. Segundo o Art. 5º do Estatuto de Roma, ―1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. [...] o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes: [...] d) O crime de agressão‖. A dificuldade em se definir tal crime foi tal que o Nro 2. do mesmo Art. estabelece que o TPI só poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão após uma revisão do Estatuto que faça esta definição. Uma revisão foi feita em 2010 com este fim.

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Segundo a Resolução 6, da Conferência de Revisão do Estatuto do TPI, o artigo 8º

definirá claramente crime e ato de agressão23.

Jus in bello, para Swinarski (1988), consiste na parte do direito da guerra pela

qual é regido o comportamento do Estado em caso de conflito armado. Compreende

a proteção internacional das vítimas e conflitos - o chamado Direito de Genebra - e

limitações de meios e métodos de combate – também conhecido como Direito de

Haia24.

Entendidas a ilicitude do uso da força para resolver controvérsias, as atuais

exceções admitidas, e a distinção entre jus ad bellum e jus in bello, passaremos a

analisar como o DIP, desautorizando a guerra, passou a tentar limitá-la.

Conforme Swinarski (1988), as primeiras relações entre os grupos pré-Estatais

eram de conflito, o que levou o Direito de Guerra a ser um precursor no âmbito do

DIP. Reforça esta assertiva Mello (2001), afirmando que a história do DIP é

puramente a história das guerras.

Os inúmeros conflitos em que o homem se envolveu até o século XIX foram

alvo de algumas normas humanitárias25, sejam formais, positivadas, como o Código

de Manu, já mencionado, sejam consuetudinárias. Todavia, o consentimento

inerente ao DIP e os horrores observados na guerra fizeram com que, a fim de existir

uma real eficácia na proteção daqueles que não combatem ou dos que não

combatem mais, houvesse uma consistente positivação dessas normas. Em suma,

se até o século XIX os costumes regulavam as relações estabelecidas após o início

23 Crime de agressão, pela Resolução 6/2010, é o planejamento, preparação, iniciação ou execução por uma pessoa em posição de efetivamente exercer controle ou ainda dirigir ações políticas ou militares de um Estado, de um ato de agressão que, por seu caráter, gravidade e escala, constitui uma manifesta violação da Carta das Nações Unidas. 24 Alguns internacionalistas mencionam a existência de um Direito de Nova Iorque, em referência ao crescente envolvimento da ONU na elaboração de normas humanitárias e de implementação do DICA, como o Estatuto de Roma. Como salienta PALMA (2008), a manutenção da dicotomia Genebra/Haia refere-se à natureza da norma, visto que, em um mesmo ato convencional, podem conviver regras de uma e outra vertente. 25 Outro marco no jus in bello foi, segundo Mello (2001) a chamada Paz de Deus, juramento

estabelecido pelo bispo de Beauvais, em Guérin, França, no século XI. A fim de limitar as atrocidades que ocorriam nos conflitos da época, havia disposições que de uma forma singela, traziam a distinção entre beligerantes e não beligerantes. Por exemplo: ―Não incendiarei, nem destruirei as casas, a não ser que aí encontre um cavaleiro, meu inimigo, ou um ladrão [...]‖.

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dos conflitos, após a edição de normas como o Código Lieber26, iniciou-se um

movimento crescente no sentido de se sistematizar e positivar a proteção aos que

combatiam ou que não combatiam mais.

Marco indiscutível neste movimento foi a criação da Cruz Vermelha.

Testemunha da Batalha de Solferino em 1859, entre franco-sardenhos e austríacos,

Henry Dunant, um homem de negócios que passava pela região, percebeu que após

algumas horas de combate havia seis mil mortos e trinta e cinco mil feridos ou

desaparecidos. Percebeu ainda que não havia apoio de saúde suficiente e faltava

comida e água para os feridos. Comovido com a situação, o jovem suíço reuniu um

grupo de voluntários e passou a cuidar dos feridos sem distinção de nacionalidade.

Surgia assim um ideal humanitário que entre outras metas tinha a de organizar

um tratado internacional para assegurar um tratamento mais humano aos feridos.

Henry Dunant é considerado o fundador da Cruz Vermelha e recebeu o prêmio

Nobel da Paz em 190127. Para Swinarski (1988), Dunant apenas cristalizou uma

convicção já existente de que a guerra só permite, no tocante ao ser humano,

comportamentos compatíveis com sua dignidade, sobretudo quando este ser

humano já não participa ativamente do conflito.

Nascia neste clima a Convenção de Genebra de 1864, representando para o

DI uma limitação na soberania estatal na condução das hostilidades. Esta limitação

era bastante relevante para a época. Significava que os Estados consentiam em

tomar certas medidas em relação aos que não combatiam mais. Assim o final do

século XIX e o início do século XX presenciaram um movimento de codificação com

vistas a melhorar a sorte dos não combatentes e de limitação de meios de combate,

dando maior apelo ao jus in bello.

Até 1945, sendo a guerra meio lícito e sua declaração sendo até mesmo

considerada o auge do exercício da soberania, o DIP poderia ser dividido em Direito

Internacional de Paz e Direito Internacional de Guerra. Vale lembrar que o Estado

não exercia todas as funções que hoje exerce. O DI de Paz era menos intenso. Com

a entrada da guerra para o campo da ilicitude, o jus ad bellum ou o direito à guerra,

26 O Código Lieber, editado em 1863 no curso da Guerra Civil Americana, surgiu da iniciativa de Lincoln de determinar a elaboração de Instruções que codificassem as leis da guerra. Como primeiro esforço de codificação exerceu influência na elaboração de diplomas multilaterais posteriores, como as Convenções de Haia sobre a Guerra Terrestre de 1899 e 1907 (D.Schindler e outro, 1988)

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segundo SWINARSKI, deixou de existir, restando apenas o jus in bello como ramo

do DIP.

Várias expressões se referem a este ramo autônomo do DIP. O termo ―leis da

guerra‖ vigorou por algum tempo, mas como assevera Palma (2008), após a edição

da Carta da ONU e a passagem da guerra para o campo da ilegalidade, a expressão

parecia indicar a conservação de uma conduta ilícita. Além disto, ressalta a autora, a

própria expressão ―guerra‖ foi preterida pela ONU em favor do termo ―uso da força‖,

bem mais abrangente. No mesmo caminho seguiram as Convenções de Genebra de

1949, ao estabelecer, em seu Art. 2º, que este diploma se aplica ―em caso de guerra

declarada ou qualquer outro conflito armado‖ (grifo nosso). Esta se mostra ser a

expressão mais técnica e abrangente.

Ocorre que em 1950 o CICV passa a adotar o termo Direito Internacional

Humanitário, obtendo considerável retorno do meio acadêmico e em organizações

internacionais. Pode-se afirmar, todavia, que a expressão preferida em ambientes

militares é Direito Internacional dos Conflitos Armados, termo adotado também pelo

Ministério da Defesa do Brasil ao se referir ao assunto.

Mello (2001) ao estudar a definição de DIH, menciona alguns aspectos

técnicos, demonstrando diferenças entre o chamado direito da guerra e o DIH. Neste

ponto, valemo-nos mais uma vez de Palma (2008) ao esclarecer que Direito

Internacional Humanitário, Direito Internacional dos Conflitos Armados e Direito da

Guerra modernamente podem ser considerados equivalentes e ―a escolha de uma

ou de outra dependerá essencialmente do costume e do público‖. Assim, percebe-se

que a Cruz Vermelha emprega mais usualmente o termo DIH, enquanto a ONU e o

MD parecem preferir o termo DICA.

Surgem assim as diferentes definições de DICA. Segue a seguir a proposta

pelo internacionalista suíço Swinarski (1988):

O Direito Internacional Humanitário é o conjunto de normas internacionais, de origem convencional ou consuetudinária, especificamente destinado a ser aplicado nos conflitos armados, internacionais ou não-internacionais, e que limita, por razões humanitárias, o direito das Partes em conflito de escolher livremente os métodos e os meios utilizados na guerra, ou que protege as pessoas e os bens afetados, ou que possam ser afetados pelo conflito.

27 DUNANT, Henry (1856).

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Bastante abrangente e com considerável aceitação na doutrina pátria, esta

definição sofre algumas críticas de Mello (2001), o qual menciona o fato de que o

uso do termo ―guerra‖ parece se referir ao direito da guerra, que seria bem mais

abrangente do que o DICA apenas. Após mencionar as definições de DICA em

sentido amplo e DICA em sentido estrito propostas pelo ilustre Jean Pictet e apontar

algumas incorreções, Celso Mello propõe uma definição simples do DICA:

Sub-ramo do Direito Internacional Público Positivo que integra o Direito Internacional dos Direitos Humanos, tendo por finalidade proteger a pessoa humana em conflitos armados.

Uma análise ainda que perfunctória das duas definições revela algumas

diferenças claras entre os dois autores. A primeira que chama a atenção é a

existência do termo ―Positivo‖ na definição de Celso Mello. Uma primeira leitura pode

sugerir que este autor tenha ―economizado‖ nas fontes aceitas no DICA, cabendo

mencionar o que seria o Direito Positivo, segundo Lobo apud Santos (2001):

Princípios estabelecidos como base de comportamento social; normas jurídicas, que vigoram num país, podendo ser a

Constituição, leis, decretos, regulamentos, ou outros instrumentos legais, ―(...) deferidos pelo Estado por um conjunto de leis escritas, ou pelo reconhecimento de práticas e costumes. (grifo nosso)

Assim, percebe-se que, apesar de Swinarski adotar uma definição mais

extensa, Mello inclui os princípios como parte do DICA ao mencionar o Direito

Internacional ―Positivo‖ em sua definição, sendo portanto consideravelmente mais

abrangente.

A segunda diferença que chama a atenção é que Swinarski deixa claro os

dois grandes eixos do DICA: proteção e limitação. Celso Mello em sua simplicidade

acaba sendo tão abrangente quanto Swinarski ao definir que o DICA inclui o direito

que tem por finalidade ―proteger a pessoa humana em conflitos armados‖. É lícito

concluir que o autor entende que as normas que limitam o uso indiscriminado de

métodos e meios de combate têm por fim maior proteger a pessoa humana em

conflitos armados.

O DICA é, pois, um ramo pragmático do direito internacional público. Ramo

que já ultrapassou o debate sobre a conveniência do uso da violência para se

resolver litígios, se concentrando no conflito armado como fato consumado e relação

a ser disciplinada convenientemente em nome do ideal humanitário.

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3.3 DIREITO INTERNACIONAL DOS CONFLITOS ARMADOS: ALGUMAS PECULIARIDADES

A finalidade primordial do Direito Internacional Humanitário é tentar fazer ouvir a voz da razão em situações em que as armas obscurecem a consciência dos homens, e lembrar-lhes de que um ser humano, inclusive inimigo, continua sendo uma pessoa digna de respeito e proteção.

Christophe Swinarski

Se há um direito de guerra, isto implica em afirmar que a guerra produz

conseqüências jurídicas entre os beligerantes. Neste sentido vale mencionar as

peculiaridades deste ramo do DIP que regula a postura Estatal em momentos de

grave crise.

Segundo Accioly (2000), ―de um modo geral, as fontes das leis de guerra

correspondem às do direito internacional geral‖. O mesmo autor enumera as fontes28

que a Corte Internacional de Justiça reconhece, a saber:

a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo de direito;

c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; e

d) excepcionalmente, as decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados

A letra a) cita uma das fontes mais tradicionais do DIP: os atos convencionais

– ou tratados. Por tratado entende-se o ato jurídico por meio do qual se manifesta o

acordo de vontades entre duas ou mais pessoas internacionais (ACCIOLY, 2000).

No DICA, há diplomas do século XIX que ainda servem de fonte, como a Declaração

de São Petersburgo para prescrever o emprego de projéteis explosivos ou

inflamáveis (1868).

A letra b) se refere ao costume internacional. Embora a CIJ, em mais de uma

oportunidade, tenha afirmado que a base do costume é uma prática prolongada, em

28 O autor distingue as fontes do DIP dos elementos aplicáveis nas decisões do CIJ.

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1969, decidiu que ―a passagem de apenas um curto período não é óbice à criação

de novas regras de direito internacional‖. Segundo Accioly (2000) o direito de guerra

é um direito sobretudo consuetudinário, muitas vezes baseado em interpretações

judiciosas dos principais instrumentos.

A letra c) enumera uma das fontes de mais difícil definição no DIP. Enquanto

no direito pátrio o uso dos princípios gerais do direito é claramente tratado na Lei de

Introdução ao Código Civil, segundo Accioly (2000), os princípios gerais do direito

são as fontes mais vagas do DIP, levando a três posições entre os autores. Os

primeiros negam o seu valor; outros julgam que, em última análise, se trata de um

aspecto do costume internacional. Os últimos como o próprio Accioly, chamam os

princípios de fonte real, por serem a verdadeira ou fundamental, e a que pode

fornecer elementos para a interpretação dos tratados e dos costumes, estas sim

duas grandes fontes incontestáveis do Dl positivo.

Por fim, a letra d) lista as fontes acessórias, destinadas a garantir que

nenhuma questão ficará sem apreciação jurídica. Neste rol incluem-se a doutrina do

DICA e as decisões dos tribunais de determinadas organizações internacionais,

como os Tribunais ad hoc29 de Nuremberg, Tóquio, antiga Iugoslávia, Ruanda e o

recém-criado Tribunal Penal Internacional.

Quando se estuda a inserção do DICA no DIP, é recorrente a questão da

relação existente entre o DICA e os Direitos Humanos, em especial o ramo do DIP

Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH). Para o Brasil, será visto a seguir

que esta relação tem mais relevo do que mera polêmica doutrinária.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos compreende um complexo

sistema de proteção do indivíduo que resulta de uma série de instrumentos

convencionais capitaneados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de

1948. Este ramo do DIP visa a proteger a pessoa humana sob quaisquer

circunstâncias, em contraste com o DICA, que visa a garantir um mínimo de

dignidade em uma situação extraordinária que são os conflitos armados. Apesar

desta notável diferença, há questões divergentes entre os dois ramos.

A doutrina se divide basicamente em três correntes. Para a tese

integracionista, o DICA é apenas um aspecto particular dos Direitos Humanos

29 Do latim ―para isso‖, ―para esse caso‖. Designado, por se tratar de perito, para executar determinada tarefa (HOLANDA, 2010).

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regulando a situação dos conflitos armados. Esta tese defende uma fusão entre

estes ramos do Direito e ressalta que o DIDH se aplica a todos os seres humanos,

enquanto o DICA somente para alguns, como os prisioneiros de guerra e feridos em

combate, por exemplo.

A segunda corrente critica agudamente a tese integracionista, alegando que,

como os objetos e natureza de DICA e DIDH são diferentes, seria impossível fundi-

los. Esta corrente é chamada de separatista e considera que DIDH e DICA seriam

totalmente divergentes e estudá-las, implementá-las e normatizá-las conjuntamente

poderia induzir a sérios erros. Vale lembrar que a ONU, enquanto organização

central na proteção dos Direitos Humanos, a partir da Convenção de Direitos

Humanos de Teerã de 1968, vem atuando mais decisivamente nestes dois campos.

A terceira corrente se coloca num saudável meio-termo enxergando uma

relação complementar entre os dois ramos do DIP. Ela é majoritária e a mais

moderna das três correntes. Para a corrente complementarista, há diferenças entre o

DICA e o DIDH, como a vinculação do DIDH com uma gama de órgãos

internacionais, universais e regionais. Enquanto órgãos como a Comissão

Interamericana de Direitos Humanos prevista no Pacto de São José da Costa Rica

integram o sistema de proteção dos Direitos Humanos, a ligação maior do DICA é

com o CICV. O CICV não exerce papel de relevo no sistema de proteção do DIDH.

Ao mesmo tempo, esta corrente admite a existência de pontos convergentes entre

os dois ramos, como o fim comum de respeito à dignidade humana, como acentua

Christophe Swinarski, filiado a esta tese.

Não obstante reconhecer que a tese complementarista tem maior volume de

adesões entre os doutrinadores, Celso Mello prefere a tese integracionista30. Para o

autor31, os direitos humanos e as liberdades individuais são colocados como

indivisíveis nos pactos de DIDH da ONU, mas indivisível deve ser o próprio DIDH.

Acrescenta que há um ―continuum‖ das normas de DIDH em todas as situações e

que a idéia de humanidade se tornou um denominador comum entre DIDH e DICA.

Por fim, alega que uma abordagem que divida os ramos os enfraquece e que para

30 No mesmo sentido entende Flávia Piovesan (2006). 31 Sua posição é comungada pelo ilustre Cançado Trindade (1996).

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se maximizar a proteção à pessoa humana, o DICA e o DIDH devem ser aplicados

cumulativamente.32

Apesar de à primeira vista esta questão de como se relacionam DICA e DIDH

parecer uma mera elocubração técnico-jurídica, a tese adotada tem importante

reflexo para o Brasil. Após a edição da EC 45/200433, os tratados e convenções

internacionais sobre ―direitos humanos‖ podem ser equivalentes às emendas

constitucionais, ou seja, entram no topo da hierarquia normativa pátria. Se o DICA

for considerado parte dos direitos humanos, seus atos poderão integrar o corpo

jurídico brasileiro como norma constitucional; caso contrário, teriam status de lei

ordinária. Em segundo lugar, caso se adote a teoria integracionista, as ações

governamentais de implementação do DICA poderiam vir a sofrer ingerências de

órgãos como a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

(SDH/PR), por exemplo.

Outra peculiaridade marcante do DICA é a existência em atos multilaterais

como as Convenções de Genebra de um ente privado com competências próprias

de DIP, juntamente com os Estados. Isto se deve ao papel histórico que o Comitê

Internacional da Cruz Vermelha exerceu na proteção dos não-combatentes,

normatização de condutas, sua difusão e os esforços de implementação do DICA

pelo mundo. Foi uma constante na evolução do Direito de Genebra o fato de as

ações do CICV antecederem até mesmo a aprovação dos atos internacionais

normativos. Exemplo claro disto foram as ações de Henry Dunant e seus voluntários

na Batalha de Solferino quando o DICA conhecia quase nenhuma decodificação.

Entre as competências legais34 atribuídas ao CICV pela sociedade internacional,

32 T. MERON apud Mello (2001). 33 In verbis a nova redação do artigo 5º da Constituição Federal de 1988: § 3º Os tratados e

convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. 34 A base legal que fundamenta as ações do CICV está distribuída principalmente pelas Convenções de Genebra de 1949 e pelo Protocolo Adicional I, de 1977. Os Estatutos do Movimento Internacional da Cruz Vermelha também estabelecem algumas disposições sobre o tema. No Brasil, o Decreto nº 4.948, de 7 de janeiro de 2004 aprova o atual Estatuto da Cruz Vermelha Brasileira. Até 2009, o Decreto previa a presença, sem direito a voto, de um representante do Exército – o Diretor do Serviço de Saúde - nas reuniões do Conselho Diretor Nacional, órgão deliberativo da Cruz Vermelha Brasileira. Com a redação dada pelo Decreto nº 6.799, de 2009, esta previsão foi retirada, se mantendo a presença de representante designado pelo MD.

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destacam-se: visitar prisioneiros, organizar operações de socorro, reunir familiares

separados e outras atividades35 semelhantes durante conflitos armados.

A existência de um ramo do DIP voltado especialmente para os conflitos

armados pode levar a um raciocínio que este direito aceita o uso da força como meio

de se resolver litígios. Legitimar-se-ia, em último exame, portanto, os próprios

conflitos armados como forma de solução de lides. Neste ponto, vale repetir o fim

maior do DICA, assim entendido pelo ilustre Swinarski (1988):

A finalidade primordial do direito internacional humanitário é tentar fazer ouvir a voz da razão em situações em que as normas obscurecem a consciência dos homens, e lembrar-lhes de que um ser humano, inclusive inimigo, continua sendo uma pessoa digna de respeito e de compaixão.

Compreendendo o DICA como um ramo desafiador e que exige extrema

confiança na sensatez do Homem, o mesmo autor ressalta que o DICA, ao catalogar

as situações de sofrimento em que pode se colocar outro semelhante durante um

conflito armado, funciona como um lembrete, um alerta, quanto às tragédias que

podem advir desta opção política de solução de controvérsias. No saber de

SWINARSKI, o DICA tem o peculiar papel de ser um fator de paz mundial, se

destacando assim de outros ramos do direito.

Peculiaridade interessante na aplicação do DICA é a mitigação do princípio

da reciprocidade. A reciprocidade é um princípio do DIP que autoriza a idéia das

concessões entre os Estados mediante uma determinada contrapartida. A sua

finalidade é atingir um equilíbrio entre as partes e é extremamente comum no Direito

Internacional Público, em especial no tocante às represálias e pedidos de

extradição. Todavia a reciprocidade se esvazia no âmbito do DICA. Isto é previsto

nas Convenções de Genebra de 1949 e no Art. 1º do Protocolo Adicional I às

mesmas Convenções36: ―1. As Altas Partes Contratantes se comprometem a

respeitar e fazer respeitar o presente Protocolo em todas as circunstâncias. (grifo

35 Como já mencionado, a importância dos tratados como fonte do DIP é primordial e, conforme estabelecido nas Convenções de Viena Sobre o Direito dos Tratados, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha tem plena capacidade em firmá-los. Isto lhe atribui um papel ímpar no contexto do DICA.

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nosso)‖. Em suma, isto significa que, caso uma das partes em um conflito armado se

abstenha de respeitar alguma(s) norma(s) do DICA, a outra parte não terá

autorização legal para fazê-lo.

Por fim, serão abordados alguns princípios do DICA, que o caracterizam e

servem de norte para muitas interpretações e abordagem em casos concretos. A

academia37 é vasta em posicionamentos acerca dos princípios norteadores do DICA.

Seguem os exaltados por Celso Mello, conforme escolha doutrinária feita neste

trabalho.

O primeiro deles é o princípio da humanidade. Apesar de o campo de batalha

não ser um ambiente muito propício ao sentimento de humanidade, esse sentimento

deve ser preservado, estendido. A idéia geral é que o respeito pelas normas em

vigor não é apenas um imperativo legal, mas também garante a dignidade

humana38. Para Blishenko apud Mello (2001), este princípio deve abarcar todos os

aspectos do comportamento dos beligerantes em um conflito armado, buscando-se

evitar e aliviar o sofrimento humano. Tal princípio está contido em inúmeros

diplomas, desde o século XIX, como no Art. 27 da Quarta Convenção de Genebra

relativa à Proteção dos Civis em Tempo de Guerra, de 1949:

As pessoas protegidas têm direito, em todas as circunstâncias, ao respeito da sua pessoa, da sua honra, dos seus direitos de família, das suas convicções e práticas religiosas, dos seus hábitos e costumes. Serão tratadas, sempre, com humanidade e protegidas especialmente contra todos os atos de violência ou de intimidação, contra os insultos e a curiosidade pública. (grifo nosso)

Sobre o respeito ao princípio da humanidade no âmbito das operações

militares desenvolvidas pelas forças armadas brasileiras, é mister mencionar

brevemente algumas passagens da carreira de Luis Alves de Lima e Silva. Duque de

Caxias teve papel indiscutível na evolução militar brasileira, tendo atuado em

36 No mesmo sentido caminha a Convenção Sobre Direito dos Tratados de 1969, em seu Art. 60, ao estabelecer que algumas disposições sobre o término ou suspensão da aplicação de normas em razão de violação não se aplicam aos acordos ou convenções de caráter humanitário. 37 No sentido de ―estabelecimento de ensino superior de ciência‖ (HOLANDA, 2010). 38. Jakob Kellenberger, presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, durante aula inaugural de curso para oficiais superiores sobre normas que regem as operações militares, em Genebra, em novembro de 2008.

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conflitos armados internos e externos no transcorrer do século XIX. Seus feitos39

militares incluem desde a participação - ainda como tenente - no movimento

desencadeado na Bahia contra a independência, em 1823, até o comando geral das

Forças da Tríplice Aliança em Operações na Guerra entre Paraguai, Brasil,

Argentina e Uruguai. (GIGLIOTTI, 2001). Por ocasião da Campanha contra Oribe,

Caxias emite a seguinte ordem do dia, datada de 04 de setembro de 1851:

―Soldados!... Não tendes no Estado Oriental outros inimigos senão os soldados do General Manoel Uribe, e esses mesmos enquanto iludidos empunharem armas contra os interesses de sua pátria; desarmados ou vencidos, são americanos, são nossos irmãos, e como tais os deveis tratar. A verdadeira bravura do soldado é nobre, generosa e respeitadora dos princípios da humanidade. A propriedade de quem quer que seja, nacional, estrangeiro, amigo ou inimigo, é inviolável e sagrada; e deve ser tão religiosamente respeitada pelo soldado do Exército Imperial, como a sua própria honra. O que por desgraça a violar será considerado indigno de pertencer às fileiras do exército, assassino da honra e reputação nacional, e como tal, severa e inexoravelmente punido (LESSA, 2007) (grifo nosso).

Fica clara a intenção do comandante40 em privilegiar o respeito ao princípio

da humanidade, ainda que este ainda não fosse positivado à época. Assim,

conforme assevera Lessa (2007), Caxias antecipou princípios e condutas que só

muito mais tarde viriam a fazer parte das leis da guerra, envolvendo-se em

preocupações até então inusitadas com respeito às populações civis.

39 A trajetória militar e política de Caxias é vasta e sua apresentação sumária neste trabalho visa a caracterizar sua importância como personagem que influenciou e influencia o pensamento militar brasileiro até os dias atuais. Sinteticamente, GIGLIOTTI (2001) aponta ainda a participação do militar no conflito da Cisplatina, em 1825, na Revolta da Balaiada, em 1838, nas Revoltas Liberais de São Paulo e Minas Gerais, em 1842, na Revolução Farroupilha, entre 1842 e 1845 e na Campanha contra Oribe e Rosas, entre 1851 e 1852. Entre as funções militares que desempenhou, foi Comandante das Armas da Corte e Ministro da Guerra. Na área política, Caxias foi deputado, Presidente das Províncias do Maranhão, do Rio Grande do Sul (esta por duas vezes), Vice presidente da Província de São Paulo, Senador e Presidente do Conselho de Ministros por duas vezes. Fruto de seus serviços prestados ao País, recebeu inúmeros títulos, sendo o único brasileiro nato a receber o título de Duque. 40 Segundo o manual C 20-1 Glossário de Termos e Expressões para Uso no Exército, de 2003, a intenção do comandante deve garantir ao subordinado visualizar o fulcro que caracteriza o cumprimento da missão, permitindo que o mesmo exerça a iniciativa de forma a colaborar positivamente com o cumprimento da missão. Embora este tipo de expressão não fosse doutrinária à época, Caxias fez seu uso intuitivamente, o qual também se encontra previsto na Doutrina de Comando Conjunto em vigor.

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Há no corpo do DICA um instituto tradicional e fortemente influenciado -

senão abrangido - pelo princípio da humanidade: a Cláusula Martens, insculpida no

artigo de ―Princípios Gerais‖ do Protocolo Adicional I, de 1977:

2. Nos casos não previstos no presente Protocolo ou em outros

acordos internacionais, as pessoas civis e os combatentes permanecem sob a proteção e o domínio dos princípios do Direito Internacional derivado dos costumes estabelecidos, dos princípios de humanidade e dos ditames da consciência pública.

Apesar de sua importância e considerável tempo de vigência, vez que consta

em vários atos desde 1907, a Cláusula inspira interpretações diversas. Alguns

doutrinadores entendem que ela se presta a proteger a Humanidade do

desenvolvimento de novas armas não abarcadas pelo corpo jurídico vigente. Seriam

utilizados, neste caso, os princípios humanitários para se resolver as questões

advindas. Outra corrente compreende que o entendimento é o de que, se uma

situação não está estabelecida em ato normativo internacional, as práticas

humanitárias devem preencher o vazio da norma. Celso Mello afirma de forma

sintética que a Cláusula estabelece que ―a falta de convenção não significa ausência

de um direito de guerra―, acrescentando que a interpretação dominante é a de que,

mesmo com a crescente codificação vivida pelo DICA, o direito costumeiro ainda

encontra espaço neste ramo do DIP.

Por envolver todos os aspectos do comportamento das partes em conflito, o

princípio da humanidade se reveste de uma importância singular, sendo ainda

colocado como fonte de outros princípios, como o da limitação. Este princípio

consiste na idéia de que a escolha de métodos e meios não é ilimitada, conforme

previsto no Art. 22 da Convenção de Haia Concernente às Leis e Usos da Guerra

Terrestre, de 1907 e no Art. 35 do Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra

Relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados de Caráter Internacional, de

197741.

O terceiro princípio que Celso Mello desenha é o da ―cavalaria‖. Seria a noção

de que a honestidade e a boa fé devem nortear a escolha dos meios e métodos de

combate. Assim, condenam-se, entre outros, atos como a tomada de reféns, a

41 Diz o Art. 35 do Protocolo Adicional I, de 1977: ―Em todo conflito armado, o direito das Partes em conflito a escolha dos métodos ou meios de combate não é ilimitado‖.

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execução do inimigo que tenha se rendido voluntariamente e a pilhagem42. Este

princípio pode ser extraído de uma gama de dispositivos, como o Art. 75 do

Protocolo Adicional I, de 1977 e o Art. 23 das Convenções de Haia de 1907, por

exemplo.

Sobre a boa-fé e, ainda com o escopo de ilustrar o papel de Caxias como

precursor do respeito ao DICA nas forças armadas brasileiras, transcreve-se trecho

de ofício do militar enviado ao Brigadeiro Bento José Leite de Faria por ocasião das

ações em Barbacena, no ano de 1842, durante a Revolta Liberal de Minas Gerais:

Ordeno ao tenente-coronel Marinho que tire as algemas dos prisioneiros e os entregue a sua guarda. Se por acaso fizer alguma

objeção, prenda-o incontinente à minha ordem e conduza os presos a seu destino, procurando por todos meios tratá-los bem,

significando-lhes, ao mesmo tempo, que muito me incomodou o procedimento do dito Tenente-Coronel Marinho (grifo nosso).

Fica evidente a intenção de Caxias de, por um lado, dar tratamento digno aos

presos e repreender o Tenente-Coronel Marinho por não tê-lo feito, antecipando-se

assim à adesão do Brasil a normas como a Convenção de Haia Relativa às leis e

usos da Guerra Terrestre, de 1899, de 1907 e a Convenção Relativa ao tratamento

dos prisioneiros de guerra, de 1929.

Celso Mello elenca, ainda, o princípio da necessidade militar entre os que

norteiam o DICA. Para o autor, a evocação deste princípio deve ser excepcional

sendo encontrado pontualmente em alguns dispositivos, como no inciso 5 do Art. 54

e no Art. 56 do Protocolo Adicional I. O primeiro dispositivo trata da questão da

proteção dos bens indispensáveis à sobrevivência da população civil. Enquanto o

início do Art.54 proíbe sua violação, o inciso V prescreve que, fruto de uma

necessidade militar imperiosa, uma parte em conflito poderá deixar de observar

estas proibições. O segundo artigo citado menciona a possibilidade de se atacar um

alvo que esteja tendo papel importante no apoio às ações militares do adversário,

localizado em obras ou instalações contendo forças perigosas43, caso tal ataque seja

o único meio viável de pôr fim a tal apoio. A importância prática deste princípio é

42 Furto praticado pelas tropas que ocupam cidades conquistadas em combates; saque. (AURÉLIO, 2011) 43 De acordo com o Protocolo Adicional I, obras e instalações que contêm forças perigosas são os diques, as represas e as centrais nucleares de energia elétrica que, atacados, possam produzir a liberação de forças perigosas e causar perdas severas na população civil.

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fundamental, pois como ensina Palma (2008), uma adequada análise da

necessidade militar poderá fazer a diferença entre um crime de guerra e um ato

beligerante lícito à luz do DICA.

Cabe salientar que, na mesma obra, Celso Mello apresenta entendimento de

que o princípio da necessidade militar pode ser interpretado a contrario sensu, isto é,

ao invés de ser um princípio de emprego excepcional, toda atividade de combate

deveria se justificar por motivos militares, sendo proibidas as atividades que não

sejam militarmente necessárias e indispensáveis ao cumprimento da missão. Celso

Mello acrescenta, ainda, que a necessidade militar é ponderada segundo as

vantagens militares que de determinada ação poderão advir, concluindo, por fim,

que ela é a ―âncora moral‖ do jus ad bellum.

Em seguida, o internacionalista esclarece que há outro princípio que se

relaciona com a necessidade militar: o princípio da proporcionalidade. Segundo o

autor, não se pode invocar a necessidade militar se as perdas para a população civil

e os danos aos bens de caráter civil forem excessivos em relação à vantagem militar

precisa. Assim o Art. 57 do Protocolo Adicional I, de 1977 estabelece que se deve

evitar efetuar um ataque quando for previsível que este causará incidentalmente

mortos ou feridos na população civil, danos a bens de caráter civil, ou ambas as

coisas, que seriam excessivos em relação com a vantagem militar concreta e

diretamente prevista.

Por fim, o autor lista três princípios: o da proteção da população civil, das

vítimas da guerra e dos bens de caráter civil. Como o autor não se aprofundou na

descrição destes institutos, buscar-se-á apoio em Palma (2008), consubstanciando

as três proteções enumeradas em um princípio único de distinção. O respeito ao

DICA só é possível se houver a clara noção de distinção entre civis e combatentes e

entre objetivos civis e objetivos militares. Tal noção está prevista no Art. 48 do

Protocolo Adicional I, de 1977:

A fim de garantir respeito e proteção à população civil e aos bens de caráter civil, as Partes em conflito deverão sempre fazer distinção entre a população civil e os combatentes, entre os bens de caráter civil e os objetivos militares e, em conseqüência, dirigirão

suas operações unicamente contra os objetivos militares. (grifo nosso)

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Mas como o DICA define um combatente e um objetivo militar? Como

diferenciar um civil44 de um combatente e um objetivo militar de um bem civil? É

impossível caracterizar os direitos e deveres dos diversos atores presentes no teatro

de operações, sem que se aborde esta questão. E assim o faz o DICA. Segundo o

Protocolo Adicional I, de 1977, em seu Artigo 43:

Forças Armadas de uma parte em conflito são todas as forças, grupos e unidades armados e organizados, colocados sob um comando responsável pela conduta de seus subordinados

perante essa Parte, mesmo quando esta está representada por um governo ou por uma autoridade não reconhecidos por uma Parte adversa. Tais Forças Armadas deverão estar submetidas a um regime de disciplina interna que as faça cumprir, inter alia, as normas

de Direito Internacional aplicáveis aos conflitos armados.

Observa-se, assim, no saber de Mello (1997), uma definição positiva de

forças armadas e uma definição negativa de civil. Quem não integra as forças

armadas, deve ser considerado civil. O Protocolo Adicional I, de 1977, vai além,

buscando deixar claro quem é um civil para o DICA no seu Art. 50:

Definição de pessoas civis e de população civil

1. É pessoa civil qualquer pessoa que não pertença a uma das categorias de pessoas a que se refere o Artigo 4, letra A, itens 1), 2), 3) e 6) da Terceira Convenção, e o Artigo 43 do presente Protocolo. Em caso de dúvida a respeito da condição de uma pessoa, ela será considerada como civil.

2. A população civil compreende todas as pessoas civis.

3. A presença entre a população civil de pessoas cuja condição não corresponda à definição de pessoa civil não priva essa população de sua qualidade de civil. (grifo nosso)

Assim, a definição de civil recebe alguns temperamentos. Além de não ser de

força armada, como previsto no Art. 43, supra, para ser considerado civil, este não

deve se incluir no rol estabelecido no Art. 4 da III Convenção de Genebra de 1949

sobre o Tratamento dos Prisioneiros de Guerra. Este artigo, além de enumerar

algumas condições que caracterizam as chamadas milícias ou corpo de voluntários,

concede status de prisioneiro de guerra à população de um território não ocupado

44 A definição tem relevância prática, uma vez que o civil recebe uma especial proteção do DICA, como a prevista no Art. 51, do Protocolo Adicional I, de 1977:‖ A população civil e as pessoas civis gozarão de proteção geral contra os perigos provindos de operações militares‖ e outras.

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que, à aproximação do inimigo, pegue espontaneamente em armas. Esta população,

sem ter tido tempo de se organizar em força armada regular, combate as tropas de

invasão e deve ainda transportar as armas à vista e respeitar o DICA.

Nas forças armadas, por sua vez, inúmeros integrantes não combatem, como

o pessoal do Serviço de Saúde e os capelães, por exemplo. Assim, estes militares

são formalmente desautorizados pelo DICA a combaterem, com fulcro no inciso 2.

do Art. 43 do Protocolo Adicional I, de 1977:

2. Os membros das Forças Armadas de uma Parte em conflito (exceto aqueles que são parte do pessoal sanitário e religioso a que se refere o Artigo 33 da Terceira Convenção) são combatentes, isto é, têm direito a participar diretamente das hostilidades. (grifo nosso)

Na mesma linha se realiza a distinção entre bem civil e objetivo militar. Prevê

o Art. 52 do Protocolo Adicional I, de 1977 que ―São bens de caráter civil todos os

bens que não sejam objetivos militares‖. Torna-se, desta feita, imperativo conceituar

objetivo militar, o que foi feito no Art. 52 do Protocolo Adicional I, de 1977:

2. Os ataques limitar-se-ão estritamente aos objetivos militares. No que concerne aos bens, os objetivos militares se limitam aqueles objetos que por sua natureza, localização, finalidade ou utilização contribuam eficazmente para a ação militar ou cuja destruição total ou parcial, captura ou neutralização, ofereça nas circunstâncias do caso presente uma vantagem militar definida.

3. Em caso de dúvida a respeito de um bem que normalmente se presta a fins civis, tal como um lugar de culto, uma casa ou outra moradia, ou uma escola, estar sendo utilizado para contribuir eficazmente para a ação militar, será presumido que não está sendo utilizado com tal propósito.

Celso Mello alerta para a crescente dificuldade em se separar o que Furet et

allii chamaram de ―zona de operações‖ e ―retaguarda‖. Ficou evidente que, na 2ª

Guerra Mundial, devido à mobilidade dos exércitos, a guerra se estendeu por

territórios diversos, até mesmo neutros. Atualmente, os chamados conflitos de 4ª

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Geração45 envolvem variados espectros da sociedade inimiga. Assim, não ficam

nítidos os limites entre militares e civis46, nem é possível apontar claramente onde

começa e onde termina geograficamente o campo de batalha47. Mas, ainda assim,

Celso Mello defende que há vantagens em manter a noção de objetivo militar, como

estabelecida no Art. 52, citado acima.

Vale ressaltar conclusão de estudo do CICV (1999) que os conflitos hodiernos

têm se qualificado pela violação de direitos da população civil, tendo sido esta a

maior vítima dos conflitos armados e dos atos de seus comandantes.

Proporcionalmente à vitimização de civis, houve o acréscimo no julgamento

de responsáveis por crimes de guerra. Marcos neste processo foram os tribunais

“ad hoc‖ de Nuremberg (1945) e Tóquio (1946), estabelecidos ao fim da 2ª Guerra

Mundial.

Mais recentemente, os Tribunais para a ex-Iugoslávia (1993), Ruanda (1994)

e Serra Leoa (2002), seguiram esta mesma linha. Faltou, todavia, uma característica

primordial nestes cinco tribunais citados: a anterioridade.

Neste sentido, Piovesan (2006), autoridade no ramo dos Direitos Humanos,

salienta o extraordinário avanço que foi a recente criação do Tribunal Penal

Internacional. O TPI é um tribunal permanente, portanto anterior aos crimes

ocorridos após sua criação. Isto, além de sua vinculação à Organização das Nações

Unidas, empresta-lhe imparcialidade e legitimidade, impossíveis de se encontrar em

um tribunal criado pelos vencedores de uma guerra, para julgar os vencidos, como o

de Nuremberg, por exemplo.

45 Estrategistas e planejadores militares internacionais, ao final da década de 1980, compartimentaram a evolução dos conflitos armados, a partir do Século XVII, em quatro fases distintas, chamadas ―Gerações‖. Na ―1ª Geração‖ (a partir da ―Paz de Westphalia‖, 1648) a guerra caracterizou-se pelo emprego preponderante do Princípio de Guerra da Massa e teve seu clímax nas épicas campanhas napoleônicas. O emprego intensivo do fogo caracterizou a 2ª Geração, que culminou na Primeira Guerra Mundial. A ―3ª Geração‖ foi dominada pela ―Manobra‖, perfeitamente caracterizada pela blitzkrieg, desenvolvida pelos alemães na Segunda Guerra Mundial. A 4ª Geração baseia-se nas táticas, técnicas e procedimentos da guerra irregular. (BRASIL, 2007). 46 Sobre a migração dos campos de batalha para as localidades, vale a lição de THEOPHILO (2009), que valendo-se de dados da UNICEF, alertou para o fato de que, enquanto no início do século XX apenas 5% da população civil era atingida por um conflito armado, atualmente, esta parcela chega a 90%. 47 Conforme artigo do professor Mariano César Bartolomé, publicado na edição de Fevereiro 2008 da Revista Military Review.

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Del Ponte (2009), ex-procuradora chefe do Tribunal Penal Internacional e

autora de livros como ―La Traque, les criminels de guerre et moi‖ (―A Caçada, os

criminosos de guerra e eu‖, em tradução livre) ressalta a vontade maior do TPI, cujo

Estatuto está em vigor desde 2002, que é a de pôr um termo na impunidade nos

crimes de guerra, mesmo os de mais difícil investigação e em que os responsáveis

se sentem mais poderosos do que a justiça. Cabe lembrar que o TPI julga crimes de

guerra, crimes contra a humanidade, e de agressão, dos quais são atores

autoridades do alto escalão estatal, como chefes de estado, por exemplo.

3.4 INTERNALIZAÇÃO DE NORMAS INTERNACIONAIS NO DIREITO BRASILEIRO

Compreendida a importância do consentimento no âmbito do DIP e o papel

relevante dos tratados no processo de redução admitida da soberania estatal, é

válido pormenorizar como uma norma de DICA irá fazer parte do ordenamento

jurídico brasileiro.

Inicialmente é fundamental que se defina a real relação entre o DIP e o direito

pátrio. Seriam parte de um mesmo complexo ou independentes? A doutrina não é

mansa neste ponto, dividindo-se basicamente em duas correntes: a dualista e a

monista. Para a primeira, DIP e direito interno não se misturam. O fundamento

básico é que, enquanto o DIP regula as relações entre entes internacionais,

mormente Estados, o direito interno tem vocação para regular a vida do homem

individualmente. Acrescenta ainda Accioly (2000) o argumento que o DIP depende

da vontade comum de vários Estados enquanto que os direitos internos dependem

da vontade unilateral do Estado. A conseqüência, disto seria que o DIP ―não criaria

obrigações para o indivíduo, a não ser que as suas normas sejam transformadas em

direito interno‖.

Esclarece ACCIOLY que a segunda corrente, denominada monista, defende

que ―em princípio, o direito é um só, quer se apresente nas relações de um Estado,

quer nas relações internacionais‖. Os seguidores desta corrente ainda se subdividem

em dois sub-ramos: os que entendem que, embora haja um direito único, em caso

de dúvida entre qual dos dois, prevalece o DIP, e os que entendem justamente o

contrário. Estes últimos, que entendem que o direito interno deve prevalecer, são

situados na corrente que defende chamada ―tese do primado do direito interno‖.

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Ocorre, contudo, que a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados,

recentemente ratificada pelo Brasil em 2009, adotou em seu artigo 27 a seguinte

regra: ―Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para

justificar o inadimplemento de um tratado‖, consagrando a primazia do DIP sobre o

direito interno.48 Neste ponto, vale a lição de Rezek (2000):

Embora sem emprego de linguagem direta, a Constituição brasileira deixa claro que os tratados se encontram aqui sujeitos ao controle de constitucionalidade, a exemplo dos demais componentes infraconstitucionais do ordenamento jurídico. Tão firme é a convicção de que a lei fundamental não pode sucumbir, em qualquer espécie de confronto, que nos sistemas mais obsequiosos para com o direito das gentes tornou-se encontrável o preceito segundo o qual todo tratado conflitante com a Constituição só pode ser concluído depois de se promover a necessária reforma constitucional.

Fica claro assim que, apesar de se considerar a primazia do DIP, há um

profundo respeito à Constituição Federal, a qual não deve a princípio ser afrontada

no caso de internalização de normas internacionais.

Neste ponto, surge a necessidade de clarear quais são as fases do processo

de conclusão dos tratados no Brasil. Ele se compõe de cinco fases: negociação,

assinatura, ratificação, promulgação, publicação e registro.

A fase da negociação visa a tentar ―costurar‖ um texto que consinta a todas

as partes, seja o ato bilateral, seja multilateral. Se for multilateral, advirá de

conferências e congressos internacionais. Em regra, participam desta fase

diplomatas e técnicos representando o País através de um documento denominado

―Plenos Poderes‖. Se a negociação tiver sucesso, é redigido um texto para o tratado.

Feito isto, parte-se para a assinatura, ato mais formal e, segundo a Convenção de

Viena sobre o Direito dos Tratados, nada sendo colocado em contrário, o tratado

passará a valer depois da assinatura. Existindo disposição em contrário, o tratado

entra em vigor após a fase da ratificação. Com o tratado assinado, o representante

traz o documento e o deposita no Itamaraty para que se avalie a sua adequação e,

caso positivo, o entrega ao Presidente, que o remete ao Congresso para apreciação.

48 Para Accioly (2000), na prática, ―verifica-se que as regras constantes de um tratado devidamente aprovado e ratificado substituem a lei interna; dentro do mesmo critério, uma lei interna posterior não pode substituir um tratado que foi aprovado pelo legislativo e ratificado pelo executivo‖. Para o autor, a dificuldade surge no tocante ao conflito entre tratado e texto constitucional.

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A terceira fase é da chamada ratificação. É o ato pelo qual a autoridade

competente no direito interno informa aos demais Estados que aprovou o tratado e o

considera obrigatório. A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88)

estabelece que todos os tratados necessitam ser aprovados pelo Legislativo,

devendo tramitar pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Aprovado nas

duas casas legislativas, o tratado segue para o Presidente da República, que irá

ratificá-lo ou não49. A ratificação é ato discricionário do presidente, que pode vetá-lo,

mesmo após a aprovação pelo Legislativo Federal. Nesse caso, o instrumento não

será ratificado. Caso contrário, segue o trâmite.

Uma vez ratificado, o Presidente emite uma Carta de Ratificação, comunicando

a aceitação e a obrigatoriedade do tratado. A partir da troca destas cartas entre as

partes é que o tratado se torna obrigatório. Nos tratados multilaterais, como é o caso

da quase totalidade dos atos do DICA, cria-se o chamado depositário internacional,

que tem a incumbência de reunir todas as cartas e informar quando o número

mínimo para que o tratado se torne obrigatório for alcançado.

Posteriormente ao depósito dos instrumentos de ratificação entre os Estados

signatários, nasce um ato interno ainda no Brasil: a promulgação. A promulgação

não atinge o plano internacional, só a executoriedade no plano interno, e esta só é

possível com a publicação, que leva ao conhecimento de todos os nacionais da

existência do tratado. Assim a publicação do Decreto do Poder Executivo no Diário

Oficial da União (DOU) é condição indispensável para aplicação no âmbito interno.

A última fase é a do registro. Trata-se de inscrever o ato na ONU, para que

todos os países tenham pleno conhecimento50. Sem o registro, o tratado é

obrigatório entre as partes, mas não tem validade perante as Nações Unidas, não

podendo as partes valer-se da sua intermediação posteriormente.

49 A decisão do Poder Executivo de ratificar ou não o tratado, mesmo após a aprovação pelo Legislativo, não pode ser modificada pelo Legislativo. Por outro lado, o Poder Executivo não pode ratificar tratado que foi recusado pelo Legislativo 50 Segundo MELLO (2001), A origem contemporânea do registro remonta à 1ª Guerra Mundial, para abolir a diplomacia secreta. Todos os acordos teriam que ser registrados na Liga das Nações. A exigência se manteve com a criação da ONU, mas na prática, continua a haver tratados secretos.

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4 OPERAÇÕES CONJUNTAS E OS MÉTODOS DE RESOLUÇÃO DE

PROBLEMAS MILITARES

As Guerras Terrestres, Navais e Aéreas

independentes desapareceram para sempre. Se

algum dia nos virmos novamente envolvidos numa

guerra, combateremos com todos os elementos, com

todas as Forças Armadas num esforço único e

concentrado.

Eisenhower (1958)

Entendido como o Direito Internacional dos Conflitos Armados se insere no

âmbito do Direito Internacional Público, buscar-se-á compreender quais os

elementos que devam ser considerados nos métodos de planejamento de comando

para operações conjuntas em geral.

Para tanto, serão definidos inicialmente conceitos sobre as operações

conjuntas e feito um breve histórico acerca deste tipo de operação. A seguir, será

tratada a questão teórica da resolução de problemas militares e, por fim, na

apresentação dos resultados, serão analisados quais aspectos do DICA devam fazer

parte deste processo.

4.1 AS OPERAÇÕES CONJUNTAS – BREVE HISTÓRICO E DEFINIÇÕES

Como diz a máxima, existe a História contada por um lado, a contada pelo

outro e uma terceira versão: a verdadeira. Assim, há diferentes versões sobre qual

teria sido a primeira operação legitimamente conjunta da história. A nítida

contemporaneidade dos conceitos atinentes a este tipo de operação dificulta o

estabelecimento claro de quais operações ao longo da história poderiam ser

enquadradas. Feita esta consideração inicial, passemos a algumas passagens que,

no mínimo, podem ser elencadas como embriões das operações conjuntas no

entendimento atual.

Celso Mello (2001) dizia que a História do Mundo é a História das Guerras.

Para o Joint Chiefs of Staff51 dos EUA (2011), as guerras são parte essencial da

História norte-americana e sua análise reflete a importância das operações

51 Chefia do Estado-maior Conjunto (tradução livre do autor)

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conjuntas. Assim, para este órgão, o primeiro indício de emprego conjunto ocorreu

na Guerra de 1812, entre o ainda jovem Estados Unidos da América e a poderosa

Inglaterra reforçada por forças canadenses. Em um determinado momento do

conflito, devido às dificuldades de comunicações por terra, o controle da região dos

Grandes Lagos e do rio São Lourenço se tornou crucial, e ambos os contendores

passaram o inverno de 1812-13 incrementando seu poderio naval construindo

navios. Neste contexto, em 1814, as operações navais do capitão Thomas

MacDonough no Lago Champlain foram um fator fundamental para o êxito das

campanhas terrestres, evitando uma ação mais decisiva do Exército do Reino Unido.

Figura 1 - Plano da Ação Naval do Lago Champlain em 1814 Fonte: Lossing (2011)

No tocante ao planejamento conjunto, o órgão relata outra passagem

marcante da história militar dos EUA : o trabalho em equipe desenvolvido pelo

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General Grant e o Almirante Davi D. Porter na campanha de Vicksburg de 1863,

durante a Guerra Civil Americana52. A Chefia do Estado-maior Conjunto dos EUA

exulta este como um belo exemplo de planejamento de comando para operações

conjuntas. Por outro lado, como exemplo negativo, o órgão afirma que a falta de

uma ação conjunta eficaz levantou críticas da opinião pública na Guerra Hispano-

Americana de 1898. E acrescenta que, àquela época, a guerra já se encontrava

complexa demais para que um mero planejamento conjunto ad hoc fosse bem

sucedido. Vale ressaltar que neste conflito as batalhas entre Espanha e Estados

Unidos se deram em dois teatros diferentes: Cuba e Filipinas, ambos envolvendo

ações navais e terrestres.

Ainda no campo internacional, a Escola Superior de Guerra (2010) menciona

a Segunda Guerra Mundial como um conflito em que indubitavelmente o emprego

conjunto - mais do que uma alternativa - se tornou uma necessidade53. Aspectos que

praticamente impuseram o emprego conjunto foram a considerável amplitude dos

teatros de operações, o fenômeno da guerra total54, e o surgimento do vetor aéreo

como meio de combate. Além da Segunda Guerra , a Escola elenca como exemplos

clássicos de operações conjuntas a Guerra das Malvinas, a Guerra do Iraque e a

Guerra do Golfo.

Quanto ao Brasil, no âmbito das ações internas, há relatos de que a Armada

realizava bloqueios, transportava e provia meios logísticos às tropas do Exército

52 Também chamada de Guerra da Secessão, deu-se entre 1861 e 1865. Colocando no campo de batalha uma gama de artefatos advindos da Revolução Industrial, se tornou um conflito rico de ensinamentos para a arte da guerra, como por exemplo, a compreensão da importância do domínio do mar para as operações de terra (GIGOLOTTI, 2001) 53 EINSENHOWER apud ESG (2010) assinala que aprendeu claramente uma lição fruto de sua experiência na Segunda Guerra Mundial: ‖Com raríssimas exceções, poderão haver batalhas terrestres e marítimas independentes.” 54 Guerra total aqui referida na concepção de Ludendorf apud MELLO (2001): no saber do

general alemão, ―a população civil, como os exércitos, sofrerá a ação direta da guerra [...] A guerra total não atinge, portanto, somente as forças armadas, mas também, aos povos [...] por sua essência a guerra total não poderá ser realizada senão quando a própria existência do povo inteiro se veja ameaçada e o povo se veja obrigado a assumir a responsabilidade.‖ Neste contexto de guerra total se desenvolveram grandes conflitos do século XX, notadamente as duas Guerras Mundiais, envolvendo ampla mobilização nacional para lutar e apoiar o conflito, por meio da produção de armas e outras necessidades.

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Imperial que atuavam nas revoltas do período regencial, como a Farroupilha,

Cabanagem55 e Sabinada (HOLANDA, 1974).

No campo do emprego expedicionário, entre as passagens anteriores à

Guerra da Tríplice Aliança56, destaca-se a Campanha contra Oribe e Rosas, ocorrida

entre 1851 e 1852. Tal conflito se deu entre dois partidos. O primeiro abrangeu

Brasil, Uruguai e duas províncias argentinas: Corrientes e Entre Rios. Integrava o

segundo partido a Confederação Argentina, sob a liderança de Manuel Rosas.

Segundo Gigolotti (2001), no início deste conflito, o Império dispunha na

região da foz do Rio da Prata de quatro divisões, um agrupamento de artilharia, uma

fragata, sete corvetas, três brigues e seis vapores. A missão atribuída à Esquadra

era de cooperar com a invasão (vide Figura 02) empreendida pelas tropas de terra,

por vezes provendo fogo, por vezes transporte. Em que pese às ações de elementos

ponderáveis de mais de uma força, faltou neste episódio a caracterização de um

comando único, o que levou inclusive a alguns reveses às forças brasileiras.

Figura 2 - Campanha contra Oribe e Rosas. Fonte: GIGOLOTTI (2001)

55 GIGOLOTTI (2001), ao narrar a Cabanagem, aponta que em 1836 eram empreendidas ―expedições aos diferentes pontos de reunião dos amotinados, conseguindo obter várias vitórias, e estabelecendo operações conjuntas com a Esquadra, a partir dos limites com o Maranhão‖ (grifo nosso). 56 Maior conflito armado ocorrido na histórica da América do Sul se desenvolveu no período de 1864 e 1870, entre a Tríplice Aliança (coligação Brasil, Argentina e Uruguai) e o Paraguai.

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Todavia nenhuma ação militar brasileira no século XIX pode se equiparar ao

vulto da Guerra da Tríplice Aliança. Este conflito foi um marco nas operações

conjuntas brasileiras. Assinala Lanning (1999) que Caxias57 foi incumbido do

―comando-geral das forças terrestres e navais‖ em 1866. Sob seu comando, após

um período em que o então Marechal cuidou da reestruturação das forças, foi

planejada e conduzida a ousada manobra do Piquiciri (Figura 03), em 1868. Esta

operação é um exemplo de comando único de forças consideráveis do Exército e da

Marinha Imperial.

Figura 3 - Manobra do Piquiciri. Fonte: Gigolotti (2001)

57 Lanning (1999) alude que Luís Alves de Lima e Silva (1803-1880) foi o comandante das maiores operações militares em um TO sul-americano e responsável pela pacificação de inúmeros movimentos insurrecionais no século XIX. O Império atribuiu-lhe tarefas em crises de ordem interna e externa entre 1838 e 1869. Em um segundo plano, ocupou cargos políticos de relevo como Deputado, Senador e Presidente do Conselho de Ministros.

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Para melhor compreensão desta manobra, e ilustrar as ações da força

terrestre e naval, transcrevemos a seguir passagens da descrição feita por Morgado

(2010):

A ação da esquadra durante a marcha foi muito importante, porque

permitia o suprimento da tropa em região inóspita e desprovida de meios, além de participar das operações da vanguarda, onde atuava pelo fogo de seus canhões contra as posições de retardamento estabelecidas pelo inimigo e no reconhecimento e

inquietação das novas posições do Piquiciri, em particular contra o fortim que estava sendo construído em Angostura, que López imaginava transformar numa nova Humaitá. A constante presença de Caxias em todos os compartimentos do combate e a visão diária daquele general de 65 anos, montado em seu cavalo, debaixo de chuva, estimulavam a tropa a superar as enormes dificuldades defrontadas. Seja na vanguarda, participando e intervindo na condução das ações quando necessário; seja junto ao 1º Corpo de Exército, que se deslocava em segundo escalão e onde normalmente estabelecia seu quartel-general; seja na retaguarda, onde presenciava a passagem de cada obstáculo, como a conferir que todos os seus meios estavam integrados ao todo; seja, ainda, a bordo dos navios da esquadra, onde conferenciava com o

Visconde de Inhaúma, seu comandante, ou com o Barão da Passagem, que à testa da Divisão Avançada de Encouraçados, cumpria as missões de reconhecimento e apoio às ações terrestres – tudo isso fazia parte de sua ação de comando. […]

Os meses de outubro e novembro foram utilizados na preparação do envolvimento da posição do Piquiciri, seja para a construção da estrada pelo Chaco, seja para um permanente processo de inquietação dos paraguaios com ações de reconhecimento sobre a posição ou de uma constante ação dos navios da esquadra sobre as baterias de Angostura […]

Caxias, nesse período, realizou cerca de dez reconhecimentos no

Chaco, para acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos, ao lado de Argolo, ou embarcado nos navios da esquadra, que estavam surtos a montante de Angostura, acompanhado pelo Visconde de Inhaúma, que comandava a esquadra, ou pelo Barão da Passagem, que comandava a Divisão de Encouraçados. [...]

A cheia do rio apressou a definição do início da ação. Foi escolhida a madrugada do dia 5 de dezembro e a tropa foi embarcada nos encouraçados e nos monitores, com a travessia sendo iniciada às 2h […]

O Centro de Documentação do Exército, em parecer de Soriano Neto (1999),

refere-se ainda à existência de operações conjuntas ―na transposição do rio Paraná

e no ataque a Curuzu, colocadas como precursoras das operações anfíbias da 2ª

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GM‖. Em Curuzu, a frota de Tamandaré colaborou com fogos sobre o flanco direito

das posições paraguaias e transportando as tropas brasileiras para o desembarque

realizado ao sul da posição.

Soriano Neto (1999) assevera que ―a Marinha do Brasil foi de primordial

importância quanto ao transporte de pessoal e à logística (os navios eram, muitas

vezes, verdadeiras ―bases móveis de suprimentos‖, como na manobra de Piquiciri). A

Força Naval proporcionou constante e eficaz apoio às operações terrestres...‖

Considerando-se as características das forças armadas à época, verifica-se

que os trechos acima deixam claro que alguns aspectos caracterizadores das

operações conjuntas estavam presentes. Caxias era a personificação do

comandante conjunto, buscando integrar sua força terrestre componente e sua força

naval componente sob um esforço único. Além disto, considerando-se que foram

empregados cerca de 140.000 homens no Exército Imperial e 12.000 da Armada, o

que perfazia quase a totalidade destas forças à época, fica caracterizado o

componente ―elementos ponderáveis‖ de mais de uma força armada.

O que se extrai deste breve histórico das operações conjuntas é que ações

de vulto envolvendo mais de uma força armada requerem uma grande coordenação

para se evitar superposição de tarefas, retrabalhos e violação ao princípio de guerra

da economia de meios58. Ressalta-se de importância também a necessidade de um

comando único ou, como estabelece a doutrina militar de defesa, unidade de

comando59. O desrespeito essas condicionantes básicas pode conduzir a elaboração

de linhas de ação equivocadas e desrespeito ao DICA, com a possibilidade de se

comprometer toda a campanha militar.

De maneira reversa, os anais da História Militar nos indicam que, quando

foram realizadas operações de vulto com a participação de uma ou mais força

58 Também conhecido por Economia de Forças: princípio que se caracteriza pelo uso econômico das forças e pela distribuição e emprego judiciosos dos meios disponíveis para a obtenção do esforço máximo nos locais e ocasiões decisivos (BRASIL, 2007) (grifo nosso). 59 Segundo BRASIL (2007) é ―o princípio que é caracterizado pela atribuição da autoridade a uma só pessoa, ou seja, à pessoa do comandante‖ (grifo nosso). O Glossário das Forças Armadas explica ainda que somente a combinação dos meios e a convergência de esforços permitem que seja obtido o máximo rendimento das forças disponíveis, as quais devem atuar em íntima cooperação. Conclui que isto só é possível havendo unidade de comando no mais alto escalão. Para efeito de operações conjuntas, a doutrina básica lista

que Unidade de Comando é ―a existência de apenas um oficial no comando das

operações, em cada um dos escalões envolvidos.‖ (grifo nosso).

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armada, de forma separada, cada qual com seu próprio planejamento e sem um

comando único, o resultado não foi o esperado (ASSIS FILHO, 1994). Da mesma

maneira, a condução de operações conjuntas ad hoc, ou seja, sem preparo e

doutrina comum prévios, ensejou resultados aquém do possível de se esperar.

È imperioso ressaltar ainda, que, a par da clareza destes fatos, eles não são

unânimemente aceitos pelos estudiosos das operações conjuntas, restando flexíveis

os marcos de surgimento efetivo deste conceito. Há os que são convictos de que a

verdadeira mentalidade conjunta, com todas os elementos que as caracterizam,

somente surgiram no âmbito internacional no terceiro quartil do século passado. Em

relação ao Brasil, alude-se que a par da criação do antigo EMFA, apenas a partir da

criação do MD e da primeira edição da END tornou-se mais presente.

Ficou claro na breve ambientação feita anteriormente que os tempos em que

as guerras eram mais simples, em que a diferença no campo de batalha se dava

puramente por aspectos como a liderança militar ou um maior efetivo empregado de

uma única força isoladamente se passou. Todavia, para se garantir a eficiência

operacional60 plena das forças empregadas, verificou-se a existência de algumas

premissas básicas. Neste contexto, um passo inicial marcante no Brasil foi a criação

de Ministérios da Defesa enquadrando as forças armadas. Segundo a ESG (2010),

entre 179 países do mundo pesquisados, apenas 22 não adotam este órgão.

Conforme ESG (2010), uma premissa básica é a existência de uma doutrina

única orientadora deste tipo de emprego. Em segundo lugar, é imprescindível que se

tenha capacidade técnica e prática no planejamento conjunto. A capacidade técnica

é altamente ligada à capacitação dos estados-maiores, potencializada no Brasil

atualmente com iniciativas como a implementação do Curso de Estado-Maior

Conjunto e Simulações de Combate entre as três escolas de Comando e Estado-

Maior das forças singulares, o conhecido AZUVER. A capacidade prática vem sendo

adestrada por meio dos exercícios conjuntos, como em 2012 as Operações

Atlântico, Ágata e Amazônia . Premissa que tem saltado aos olhos recentemente é a

existência de um sistema de comando e controle único além, naturalmente, que

fique evidente a existência de uma finalidade única para o comando conjunto.

60 Conforme BRASIL (2007): capacidade que tem uma unidade operacional de cumprir, de maneira adequada e com economia de meios, todas as missões de combate, previstas na sua base doutrinária.

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Surge neste ponto da pesquisa a necessidade de se estabelecer alguns

conceitos básicos sobre as operações conjuntas. Inicialmente é relevante lembrar

que os termos operação conjunta e operação combinada vêm sofrendo um momento

de acomodação no âmbito da doutrina nacional. Apesar de o termo constar

expressamente na novíssima Lei Complementar Nº 136, de 25 de agosto de 2010,

ainda há uma gama de documentos de cunho doutrinário a serem revisados,

publicados e, após um inexorável período de adaptação, fielmente incorporados à

cultura operacional de cada uma das três forças singulares.

Para se compreende melhor esta acomodação terminológica, é válida a

menção ao JDP 0-01.1 Glossary for Joint Operations das Forças Armadas do Reino

Unido (2006), onde joint é o adjetivo usado:

to describe activities, operations and organisations in which elements of at least two services participate. Also called "multiservice". See also combined61·. (grifo nosso)

Assim, percebe-se que, na doutrina do RU, operação conjunta é aquela em

que elementos de pelo menos duas forças armadas participam. A publicação sugere

ainda que se verifique a definição referente ao termo combined:

Adjective used to describe activities, operations and organizations, in which elements of more than one nation participate. Also called multinational62.

É importante notar ainda que para o Reino Unido, operações combinadas ou

multinacionais são as que envolvem elementos de mais de uma nação. Como

membro da OTAN, é mister que o Reino Unido prime por coerência e precisão

vocabular, uma que suas forças operam com outras de países da aliança em

diversos exercícios e missões reais. Como assevera a mesma publicação, é

importante para todas as nações da aliança da OTAN acordar sobre uma definição

única.

Na terminologia nacional, operação conjunta é aquela empreendida por

elementos ponderáveis de mais de uma Força Armada, sob a responsabilidade de

61 Joint é o termo usado para descrever atividades, operações e organizações em que

elementos de pelo menos duas forças armadas participam. Também chamado de "multi-forças". Veja também combinada. (tradução livre do autor)

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um comando único (GUERRA, 2011). A diferença básica em relação à definição da

doutrina britânica diz respeito à condição de haver ―elementos ponderáveis‖.

O termo ―combinada‖ no Brasil se refere à operação que envolve o emprego

coordenado de elementos de Forças Armadas de mais de um país, sem que haja a

constituição de um comando único. Segundo Guerra (2011), antigo Chefe da Seção

de Operações Conjuntas da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, o

termo ―interaliadas‖ ainda se encontra em processo de assimilação por parte da

doutrina do Ministério da Defesa63. Seriam operações que envolvem ―forças da

Marinha, Exército ou Força Aérea de países aliados, sob um comando único‖ (grifo

nosso).

Quando se mencionou que as atuais designações brasileiras estão em fase

de acomodação é porque que estes significados conforme apresentados acima

apenas foram consignados após a edição da END, em 2008. Até então, os termos

combinado e conjunto para o Brasil tinham significados diferentes, que destoavam

da doutrina internacional. Até a edição da END, o significado de combinadas para o

Brasil correspondia ao entendimento internacional de joint. Em que pese à

necessidade de se construir uma doutrina genuinamente nacional, a adaptação

vocabular veio a reboque de alterações substanciais na concepção de emprego das

Forças Armadas.

Conforme já mencionado acima, após a primeira edição da Estratégia

Nacional de Defesa e a criação do EMCFA, as forças armadas brasileiras deverão

passar a atuar mais freqüentemente sob um comando conjunto.

Tal alteração foi materializada pela edição da Lei Complementar 136/2010, a

chamada ―Lei da Nova Defesa‖. Ela alterou a Lei Complementar 97/99, que dispõe

sobre ―as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças

Armadas‖. A LC 136/2010 criou o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas

(EMCFA), órgão de assessoramento permanente do Ministro de Estado da Defesa.

Esta norma acresce o artigo 11A à LC 97/99, definindo que:

62 Combined é o termo usado para descrever atividades, operações e organizações, nas

quais os elementos de mais de uma nação participam. Também chamadas de multinacionais (tradução livre pelo autor). 63 Embora o termo força interaliada conste do Glossário das Forças Armadas, não está presente nas publicações do MD sobre operações conjuntas. A doutrina militar terrestre, conforme o manual de campanha C 124-1 Estratégia, do Exército Brasileiro, consagra este tipo de operação em sua 3ª edição, de 2001.

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Compete ao Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas elaborar o planejamento do emprego conjunto das Forças Armadas e

assessorar o Ministro de Estado da Defesa na condução dos exercícios conjuntos e quanto à atuação de forças brasileiras em operações de paz, além de outras atribuições que lhe forem estabelecidas pelo Ministro de Estado da Defesa. (grifo nosso)

Seu chefe tem o mesmo nível hierárquico dos Comandantes das Forças e

ascendência sobre todos os oficiais-generais, exceto sobre os comandantes das

mesmas. Este oficial general deverá construir iniciativas que dêem realidade prática

à tese da unificação doutrinária, estratégica e operacional e contará com estrutura

permanente que lhe permita cumprir sua tarefa64 (RANGEL, 2011). Este mesmo

oficial assevera que:

A alteração na doutrina e a criação do EMCFA permitirão uma atuação integrada das Forças Armadas. Nos exercícios militares, será constituído o comando conjunto. Com isso a tropa de uma Força poderá ser comandada na ação por militar de outra Força.

Assim, conclui-se que há atualmente uma harmonia entre os termos utilizados

no Brasil para se referir às operações conjuntas e o que internacionalmente se

chama de joint operations. Tal uniformidade é relevante que fique bem clara, uma

vez que será útil para trechos posteriores desta pesquisa. Passaremos a seguir a

discorrer sobre outros conceitos básicos ao entendimento das operações conjuntas

de forma geral, base para a compreensão do seu planejamento.

Antes de uma crise65, onde o poder político anteveja o emprego de tropa,

será ativada a Estrutura Militar de Defesa. Deste ponto em diante, haverá

planejamento em diversos níveis desta estrutura. Estes processos de planejamento

serão desenvolvidos de acordo com a ameaça apresentada. Caso a ameaça exija o

emprego de meios de mais de uma força armada, deverá haver um Comando

64 Além do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, o Ministro Jobim mencionou, em palestra proferida na Secretaria de Assuntos Estratégicos em 15 de dezembro de 2010, a implantação dos núcleos de estados-maiores conjuntos regionais em todo o Brasil. 65 Crise como entendida por BEAUFRE (1998): Estado de tensão no curso do qual existe o risco de escalada até o conflito militar e onde se quer impedir que o oponente adquira

vantagem política ou militar. No Brasil, há três definições no Glossário das Forças Armadas (2007), cabendo melhor aqui a seguinte: ―Conflito desencadeado ou agravado imediatamente após a ruptura do equilíbrio existente entre duas ou mais partes envolvidas em um contencioso. Caracteriza-se por um estado de grandes tensões, com elevada probabilidade de agravamento (escalada) e risco de guerra, não permitindo que se anteveja com clareza o curso de sua evolução.‖ (grifo nosso)

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Conjunto. No Brasil, segundo o Glossário das Forças Armadas (BRASIL, 2007), ele

é definido como:

Comando de mais alto nível com responsabilidade de cumprir determinada missão e que terá como subordinados, quando necessário, elementos de mais de uma Força Armada. Caracteriza-se pelo comando único e pela existência de um Estado-Maior Conjunto. (grifo nosso)

Figura 4 - Comando Conjunto. Fonte: Guerra (2011)

A Figura 04 mostra o organograma de um comando conjunto, composto por

seu comandante, as forças componentes e o Estado-Maior66 Conjunto (EMCj). Este

último é ―o órgão composto de pessoal militar qualificado, pertencente às forças

componentes, que tem por finalidade assessorar o comandante.‖ (BRASIL, 2007).

De acordo com Guerra (2011), no Brasil é importante que ―Em cada seção do EMCj

66 Posteriormente será discorrido sobre o surgimento da noção de estado-maior.

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haja pelo menos um oficial das Forças participantes da operação―. As grandes

batalhas da Segunda Guerra Mundial ensinam que ―quaisquer novos métodos de

guerra não deverão nunca ignorar os princípios básicos‖. Neste sentido, a inclusão

de um oficial de cada força em cada seção do EMCj tem amparo nos princípios

básicos para o cumprimento da missão por um comando conjunto67 estabelecidos

pelo MD 33-M-03, em especial os listados a seguir:

Coordenação - é a ação necessária que visa ao entrosamento de diferentes setores e atividades, a fim de evitar a duplicidade de ações, a dispersão de recursos e a divergência de soluções;

Limite de Responsabilidade - é a definição, para cada força componente, de sua responsabilidade no que concerne à

disciplina, ao modo de emprego e à administração; e

Conhecimento recíproco - é o conhecimento das possibilidades, limitações, estrutura e funcionamento das forças componentes. (grifo nosso)

67 Além desses, a Doutrina Básica de Emprego Conjunto Brasileira prevê que o comando conjunto respeite a Unidade de Comando (é a existência de apenas um oficial no comando das operações, em cada um dos escalões envolvidos); Uniformidade Doutrinária (a observância dos preceitos da doutrina de emprego conjunto), Liberdade de Ação (a capacidade de agir de maneira descentralizada e específica, mantendo as características de cada força componente) e a Flexibilidade (capacidade de organizar os meios para atender às diferentes fases de um plano ou ordem de operações, quanto às situações que se possam apresentar);

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Figura 5 - Estado-Maior Conjunto. Fonte: Guerra (2011)

A figura 05 ilustra as diversas seções que podem compor um Estado-Maior

Conjunto. Além dos tradicionais chefe de estado-maior e as quatro seções de

estado-maior, o Estado-Maior Conjunto brasileiro chama atenção pela existência do

D5 – Chefe da Seção de Planejamento; D6 – Chefe da Seção de Comando e

Controle; e o D7 – Chefe da Seção de Comunicação Social. Segundo Guerra (2011),

nos últimos exercícios conjuntos do MD, o EMCj contou com um D8 - Seção de

Operações Psicológicas, um D9 – Seção de Assuntos Civis e um D10 – Seção de

Administração Financeira. Todos ainda estão em estudo no MD para serem

efetivados ou não (GUERRA, 2011). Há a possibilidade de o D8 e o D9 virem a

serem enquadrados pelo D3, dependendo da operação.

No organograma da Figura 04 verifica-se que o comando conjunto tem

subordinado a si várias forças. Elas podem ser arranjadas como forças componentes

simplesmente ou como forças conjuntas. As forças componentes, as três à esquerda

na figura, podem ser entendidas como o ―conjunto de unidades e organizações de

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uma mesma força armada que integra uma força conjunta. Pode ser força naval

componente, força terrestre componente ou força aérea componente‖ (BRASIL

2007).

Na parte inferior direita do organograma verifica-se a existência de Forças

Conjuntas, podendo cada uma (―FORÇA CONJUNTA ALFA OU BRAVO‖ na Figura

04) agrupar as forças componentes necessárias, a fim de cumprir a missão. Esta

será pois o farol para se definir qual a dosagem adequada de forças conjuntas

deverá ser implementada.

Determinados os meios à disposição do comando conjunto, o que no Brasil é

feito por meio de um processo chamado de adjudicação68, seu comandante deverá

iniciar seus planejamentos a fim de cumprir a missão que lhe foi atribuída. Para tal

deverá seguir parâmetros pré-estabelecidos de raciocínio e de trabalho a fim de

solucionar o problema militar que lhe foi apresentado. No âmbito do MD, conforme

Brasil (2007), este processo é conhecido como Processo de Planejamento Militar:

Metodologia desenvolvida para ser empregada na solução de problemas militares, ou seja, onde se fazem presentes forças militares antagônicas. É um processo de tomada de decisão que não prescinde do conhecimento, experiência profissional, criatividade, perspicácia do comandante e dos oficiais do seu estado-maior. (grifo nosso)

Esta metodologia adotada atualmente tem suas bases e origens em uma

gama de ciências distintas. Se antigamente as decisões militares eram meros frutos

da perspicácia do comandante, atualmente, dado o vulto dos meios e da própria

evolução do pensamento militar ao longo dos séculos, outros aspectos passaram a

ser considerados. Assim, uma vez que foram elencados conceitos básicos das

operações conjuntas, passaremos a verificar como se planeja esta operação. Tentar-

se-á discorrer sobre o fenômeno da metodologia de resolução de problemas a partir

de Descartes e Herbert Simon para em seguida discorrer sobre alguns aspectos

básicos referentes ao processo de planejamento conjunto em si.

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4.2 METODOS DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS MILITARES E O PROCESSO DE PLANEJAMENTO CONJUNTO

Não existem métodos fáceis para resolver problemas difíceis. Divide as dificuldades que tenhas de examinar em tantas partes quantas for possível, para uma melhor solução.

René Descartes

Segundo Miranda (1999), historicamente, adota-se o método cartesiano nos

processos decisórios. Por que isto acontece e qual a origem desta escolha será o

escopo desta parte do trabalho. Será analisado o cartesianismo, as ideias de

Herbert Simon sobre tomada de decisões e, por fim, como surgiram os estados-

maiores nos processos decisórios.

René Descartes nasceu em Touraine, na França, em 1596. É tido como um

dos pensadores mais influentes de sua época. Foi contemporâneo de Galileu, de

Thomas Hobbes e da Guerra dos Trinta Anos, ocorrida entre França e Inglaterra

entre 1618 e 1648. Faleceu em 1650. Sua obra se desenvolveu em várias ciências,

em especial na Filosofia, Matemática e Física.

Descartes foi um dos inúmeros pensadores do século XVII empenhados em

se descobrir um método69, ou algo que pudesse arranjar organizadamente a

resolução de dúvidas, criando-se assim um novo conhecimento. O Método de

Descartes foi um dos conceitos fundamentais de sua filosofia, entretanto se

constituiu também em um processo para organizar as incertezas e suspeitas. Serão

abordados inicialmente aspectos mais abrangentes do pensador francês sobre a

própria necessidade de se estabelecer um método e a seguir as regras do método

por ele proposto.

Segundo Ariew (2003), o marco inicial sobre o método para Descartes é que

deve haver um conjunto de:

68 Segundo o Glossário das Forças Armadas (2007), adjudicação é o processo por meio do qual o Ministro de Estado da Defesa determina a transferência do comando ou do controle operacional de meios de cada Força Armada para um comando conjunto, de acordo com as necessidades levantadas durante o planejamento. Pode ocorrer, por decisão do comandante conjunto, para atender uma necessidade operacional, consistindo na transferência provisória dos meios de uma força componente (singular ou combinada) para outra, ou para constituição de uma Força-Tarefa durante o desenrolar de uma campanha. 69 Do grego méthodos, ―caminho para chegar a um fim‖ (HOLANDA, 2010).

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regras confiáveis que são fáceis de aplicar e de natureza tal que caso alguém as siga exatamente, nunca irá tomar por verdadeiro o que é falso ou realizar um esforço mental de maneira infrutífera, mas poderá gradualmente e constantemente aumentar seu conhecimento até que se chegue a um verdadeiro entendimento de

tudo. Tudo isto dentro da respectiva capacidade deste alguém. (grifo nosso)

Assim, o pensador francês entende que não se deve buscar o conhecimento

ao acaso, começando com problemas difíceis, mas se buscar proceder

"metodicamente," isto é, de forma deliberada e ordenada, começando com os

problemas que se pode resolver. Depois de fazê-lo, aproveitando os conhecimentos

advindos desta solução anterior, continuar com os problemas mais difíceis.

A segunda consideração de Descartes a respeito do Método é que todos os

seres humanos são naturalmente capazes de distinguir o que é verdadeiro do que

não é. ―O poder de julgar bem e distinguir o verdadeiro do falso (que modernamente

conhece-se por bom senso ou razão) é naturalmente igual em todos os homens"

(ARIEW, 2003). Assim, o método não deve se preocupar fundamentalmente com

critérios de verdade, mas com problemas de ordem e hierarquia. Uma vez que o

assunto seja metodicamente processado e apresentado de uma forma ordenada,

ninguém terá qualquer problema em reconhecer intuitivamente como verdadeiro e

certo tudo o que de fato é verdadeiro.

O terceiro ponto do pensador é que o Método - como método de resolução de

problemas – deve ser sempre o mesmo, dado o fato de que:

as ciências como um todo são nada além de sabedoria humana, que permanece sempre uma e a mesma, porém diferente de acordo com os assuntos ao qual ela é aplicada. A ciência não é mais alterada por estes do que a luz solar é pela variedade de coisas em que ela brilha (ARIEW, 2003) (grifo nosso).

Extrai-se disto que, no saber de René Descartes, tanto faz se o problema que

estamos a tratar é de matemática, física, filosofia moral, ou militar. A maneira de se

lidar com isso – o método - deve ser a mesma.

Finalmente, Descartes acredita que não há meio termo entre verdadeiro e

falso. Se algo não é reconhecidamente verdadeiro, pode ser tratado como falso. Um

aspecto interessante sobre o método de resolução de problemas de Descartes é

que, caso se estabeleça as verdades na ordem certa, a descoberta da primeira

verdade facilita a descoberta da próxima e assim a resolução do problema.

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Para o método, isto também pode significar que um problema geralmente é

uma versão particular de um problema mais geral (por exemplo, como uma questão

de aritmética ou um problema geométrico pode ser reduzido a um problema de

álgebra). Assim, o método pode também significar que se deve concentrar em

aspectos particulares de um problema ou um fenômeno, ou seja, aqueles possíveis

de se compreender de forma clara e distinta.

Em seu clássico Discurso sobre o Método, René Descartes (2008) apresenta

enfim suas quatro "regras do método". Vale a transcrição:

Nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente a pressa e

a prevenção70, e de nada fazer constar de meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele. O segundo, o de repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e

necessárias a fim de melhor solucioná-las. O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer,

para elevar-me, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. E o último, o de efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir. (grifo nosso)

Nestas reflexões, o pensador francês deixa claro alguns aspectos que

caracterizam o chamado método cartesiano de resolução de problemas. Assim, ao

se defrontar com uma dúvida, ou um problema, deve-se inicialmente verificar se há

evidências reais sobre ele. A seguir, deve-se analisar, isto é, repartir a questão ao

máximo, em partes menores, mas fundamentais, e uma vez que a sua compreensão

se torne mais simples, analisá-las. O terceira etapa consiste em sintetizar, ou seja,

reunir estas partes menores estudadas na fase anterior sintetizando-as em um todo

único e verdadeiro. Por fim, a fim de se manter uma ordem do pensamento, deve-se

enumerar as conclusões e princípios empregados no processo.

Seu legado ultrapassou em muito o século XVII ao ponto de ser reconhecido

como útil até os nossos dias. Ariew (2003) ressalta que apesar de suas conclusões

70 Prevenção talvez seja mais bem traduzida para preconceito atualmente.

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sobre matemática e física já terem sido ultrapassadas, seu pensamento sobre a

abordagem ciêntifica, do raciocínio em geral, e seu método ―permanecem válidas

para alguns e desafiadoras para outros―.

No plano militar, o método é uma referência válida para situações em que o

estado-maior se defronta com um problema militar - em regra - complexo e repleto

de nuances para resolver. A fim de se empreender um roteiro metodizado e se

chegar a uma conclusão verdadeira e minimamente científica, deve-se reparti-lo em

partes menores, analisá-las e em seguida realizar uma síntese final consolidada na

decisão do comandante.

Esta decisão advém, portanto de um processo que, no caso das operações

conjuntas, se chama de processo de planejamento de comando para operações

conjuntas. Como todo processo de planejamento operacional é um método de

resolução de problemas militares resultado de experiências de combate e de

arcabouço teórico.

No meio civil, suas origens remontam aos filósofos gregos, passa por

Descartes e modernamente é mote para discussões por teóricos de várias áreas da

ciência como administração, filosofia e matemática.

Neste contexto, o estudo científico do comportamento humano aplicado à

Ciência da Administração começa a ganhar força a partir de um refinamento no

processo de seleção do exército norte americano no fim da Primeira Guerra Mundial.

O estudo mais aprofundado de métodos de resoluções de problemas teve um ponto

marcante com o início dos estudos de Herbert Alexander Simon, cientista político

norte-americano que se debruçou sobre a tomada de decisões em meados do

século passado. O autor tenta explicar como se deve reconhecer, decidir e

desenvolver soluções para resolver conflitos em uma determinada situação.

Suas idéias deixam clara a interligação entre o método civil e militar, ao usar

por vezes exemplos de tomada de decisão por comandantes militares. Fruto de

trabalho realizado no âmbito das tomadas de decisão, Simon recebeu um Prêmio

Nobel em 1978. Seu legado, todavia, abrangeu inúmeras ciências, entre elas a da

Administração e um trabalho amplo sobre tomada de decisão para o Departamento

de Defesa dos EUA. Simon é estudado em cursos de altos estudos militares dos

EUA e da Marinha do Brasil. Simon será o marco teórico central utilizado para a

abordagem do estudo de situação de estado-maior enquanto método de resolução

de problemas.

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Quando graduando, Herbert Simon apresentou um trabalho em havia de se

definir onde uma prefeitura deveria investir seus recursos para o lazer. A carência de

uma metodologia no órgão para se tomar uma decisão correta aborreceu o

estudante, o que o levou a considerar meramente a natureza humana do decisor

como o elemento de maior influência no processo.

No prefácio de sua obra maior, ―Administrative Behavior71‖, Simon (1945)

ressalta que seu trabalho era uma tentativa de construir para si ferramentas úteis às

suas pesquisas no campo da administração pública. Nesse ponto vale ressaltar o

perfil público da instituição forças armadas.

No sistema constitucional brasileiro, compete à União declarar a guerra e

assegurar a defesa nacional, tendo ao seu dispor basicamente as Forças Armadas,

constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, ―instituições nacionais

permanentes e regulares‖, (Art 21 e 142, da CRFB/1988).

Assim, cabe à União ―administrar‖ o uso da violência, por meio área de

atuação do Ministério da Defesa. Segundo a Lei 10.863/2003, com a redação dada

pela Lei nº 12.375/2010, são assuntos que constituem áreas de competência do MD,

entre outros: doutrina, planejamento, organização, preparo e emprego conjunto e

singular das Forças Armadas; operações militares das Forças Armadas; política de

ensino de defesa e a constituição, organização, efetivos, adestramento e

aprestamento das forças.

Enquadram-se assim as FA na administração pública direta, no conjunto de

órgãos que integram as pessoas federativas, aos quais fora atribuída competência

para o exercício de forma centralizada de atividades administrativas do Estado,

conforme Carvalho (2005). Tal noção, embora se revista de caráter mais

administrativo do que operacional, serve para se compreender que o ambiente das

FA tem mais aspectos comuns com a administração pública do que com a privada, o

que dá mais sustentação ao trabalho de Simon enquanto base para este estudo.

A interação entre a Ciência da Administração e o método de planejamento de

operações militares é normal e no âmbito doméstico apresenta inúmeras evidências

explícitas. Um exemplo é a organização da Marinha do Brasil para o combate por

tarefas, preconizada no Processo de Planejamento Militar constante do EMA 331 -

Manual de Planejamento Operativo da Marinha:

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Esse organograma deve [...] procurar atender aos seguintes princípios básicos da administração: Coordenação, Amplitude de

Controle, Homogeneidade, Delegação de Autoridade (BRASIL, 2006).

Modesto, Simon faz uma consideração inicial em sua obra: alude que se

houver alguma teoria que se possa angariar do seu trabalho é de que o processo de

tomada de decisão deve ser entendido como o coração da administração e que um

glossário de teoria da administração deveria começar pela lógica e pela psicologia

das escolhas humanas.

A obra maior deste catedrático é dividida em sete capítulos. No primeiro ele

discorre sobre alguns conceitos básicos que servirão de base para se compreender

o restante. No capítulo II - A correção das decisões - trata-se sobre do que se

entende por uma decisão "correta". Simon mostra que a correção de uma decisão é

puramente relativa - dependendo do conjunto de valores que serão considerados na

análise das conseqüências daquela escolha. No capítulo III – A lógica das decisões

administrativas – verifica-se a anatomia do processo de tomada de decisão. Simon

discorre sobre como selecionar uma determinada linha de ação entre um conjunto

de alternativas disponíveis definindo ao término o que se entende por

comportamento objetivamente racional. No capítulo IV discute-se a psicologia da

decisão. O autor contrasta os processos psicológicos de tomada de decisão com os

processos que seriam necessários para atender às demandas da razão ou da

racionalidade.

A segunda parte do livro se inicia com o capítulo V – O conceito de

autoridade. O catedrático apresenta como a decisão tomada por uma pessoa pode

influenciar as escolhas de outros. No capítulo VI, Simon volta à noção de "correção"

abordada no capítulo II reiterando que uma decisão "correta" é aquele que satisfaz

determinados critérios, com relevo para o aspecto social. No capítulo VII,

desenvolve-se o aspecto da psicologia das decisões administrativas, examinando o

mecanismo de "identificação". No capítulo VIII, Simon faz uma discussão sobre as

influências das características da organização no método de tomada de decisão,

tratando de aspectos de psicologia da decisão não abordados anteriormente. No

capítulo IX, Simon aplica sua forma de análise em uma crítica às teorias de

71 Título em português: Comportamento administrativo.

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administração vigentes à época, concluindo sobre a apresentação de alguns

princípios da boa administração.

Para o escopo deste trabalho, foram selecionadas algumas passagens que

tem correlação com a metodologia de resolução de problemas deixando-se de lado

as abordagens feitas no âmbito da psicologia, críticas de cunho acadêmico e mesmo

sobre efeitos sociais sobre as organizações.

Para Simon, administrar é ―a arte de conseguir fazer com que as coisas

aconteçam‖. Na opinião do autor, numa teoria geral da administração devem

prevalecer princípios de organização que assegurem decisões corretas, ao invés de

métodos que assegurem apenas que as coisas serão efetivamente feitas. Como

exemplo, ele relata o caso do soldado que luta no campo de batalha com uma

metralhadora. Para o autor, o comandante, mesmo sem uma metralhadora na mão,

provavelmente exercerá mais influência no resultado da batalha do que qualquer

soldado. Em suma: garantir que o soldado atacará não basta; mais importante é

assegurar que as decisões a respeito do ataque em si forem bem tomadas.

Conclui Simon que o grau de influência do comando no resultado final do

combate dependerá diretamente do quanto cada subordinado foi influenciado pelas

decisões adequadamente tomadas, aí se incluindo, por exemplo, a determinação

correta do centro de gravidade do inimigo e o estado final desejado.

Para Simon, decisão é todo e qualquer processo aonde um comportamento é

selecionado para ser adotado, entre todos os outros possíveis de serem escolhidos.

O autor acrescenta que este processo inclui elementos do consciente, do

inconsciente, do racional e do irracional.

Sobre a racionalidade, o cientista político acredita que existem dois extremos

nas ciências sociais quando o assunto tratado é a racionalidade (PARK, BONIS,

ABUD, 1997). Por um lado, o homem completamente racional, que busca reunir e

considerar todas as informações indispensáveis à sua tomada de decisão. Na outra

extremidade estão os que resumem toda a informação à afetividade, o que denota

que os indivíduos são menos movimentados pela razão do que almejariam ser.

Simon conclui que, para ele, o comportamento humano nas organizações é

altamente racional, pois o decisor busca a melhor solução, mas nem sempre a

consegue. Isto se deve ao método - ou a falta dele – na tomada de decisão.

A seguir, Simon lista as características das decisões. Inicialmente, afirma que

as decisões são seletivas, o que significa dizer que entre as opções plausíveis,

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aceitáveis, muitas vezes decide-se aleatoriamente. Seria algo como querer ir ao

cinema, aceitar ir a um filme ou outro e lançar uma moeda pra decidir a qual cinema

se dirigir. Uma decisão aleatória como o fato da moeda cair ―cara‖ ou cair ―coroa‖.

A segunda característica aventada pelo autor é a da integração. Para ilustrar

como uma decisão anterior se integra a uma posterior, o autor se vale do exemplo

de um datilógrafo. Se ele escolhe digitar um ―q‖, certamente sabe que em seguida

teclará um ―u‖. Assim, as decisões são integradas, ao menos parcialmente.

Esta integração viria do fato que decisões tomadas em um período de tempo

curto entre si são em regra parte de um plano maior. Tal assertiva é facilmente

identificável num processo de resolução de problemas militares, em que há um

contexto de Plano de Operações ou de Campanha maior, em que as decisões

devem se subordinar às orientações de escalões superiores. O Glossário de Termos

do MD (BRASIL, 2007) define decisão como:

DECISÃO – 1. Expressão clara e precisa de como um comandante ou chefe militar resolveu cumprir sua missão ou solucionar determinado problema. 2. Plano de ação realizável, com o qual o

Comandante pretende cumprir sua missão, não condicionada a formas rígidas, devendo ser redigido como uma afirmação breve, expondo de forma clara, simples e concisa a linha de ação selecionada. (grifo nosso)

Quanto a como precisamente a integração acontece num processo decisório,

o autor diz que, além das limitações físicas mencionadas, ela se dá em razão da

intenção final. A escolha é feita levando-se em conta os meios e fins. Os

comportamentos decisórios são definidos em função dos meios que se adaptam ao

fim, à intenção. Adaptando-se esta concepção ao planejamento militar, basta se

substituir no exemplo mencionado a ação de estar em Chicago pela de atacar, ou de

conquistar Chicago ou São Francisco. A intenção aventada por Simon pode ser

facilmente substituída pelo estado final desejado ou pela intenção do comandante.

Assim, uma decisão tomada sofrerá influências não somente de ordem física, mas

também em relação a como esta decisão se integra ao estado final desejado.

O autor menciona que o processo de tomada de decisões abrange valor e

fato. E explica que decisões menores são em regra ocorrências de decisões maiores

em relação à intenção do decisor e o método que ele emprega. Exemplifica que um

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homem contrai seus músculos ―a fim de‖72 dar um passo, ele dá um passo ―a fim de‖

prosseguir na direção do seu destino, ele vai ao seu destino – um posto dos correios

– ―a fim de‖ enviar uma carta, ele manda a carta ―a fim de‖ transmitir certa

informação a certa pessoa e assim por diante. Cada decisão envolve a seleção de

uma meta, e um comportamento respectivo. Esta meta – ou objetivo intermediário - é

relevante para se atingir um objetivo conseqüente mais distante e assim

sucessivamente até que se alcance um objetivo final. Simon afirma que, caso as

decisões se dirijam à seleção de objetivos finais elas serão ―julgamentos de valor‖.

Caso elas envolvam a implementação destas metas, elas serão chamadas apenas

de ―julgamentos de fato‖.

Acrescenta o estudioso que, infelizmente, os problemas não são

apresentados ao decisor claramente divididos em ―decisões de valor‖ e ―decisões de

fato‖. Primeiro, porque a intenção, ou os objetivos finais de determinadas tarefas ou

mesmo de organizações, pode ser redigido de forma muito geral ou ambígua. Além

disto, há situações em que fato e valor podem ser combinados, como no caso da

segurança pública. Sob certo enfoque, prender criminosos para a polícia é um

objetivo em si mesmo, em que o foco é simplesmente tirar de circulação aqueles que

ofenderam a lei de alguma maneira. Por outro ponto de vista, a prisão é considerada

um meio de proteger cidadãos, de reabilitar criminosos e ainda de desencorajar

prováveis futuros delinqüentes.

Simon indica ainda como uma característica das decisões o fato de - fruto da

noção de intenção final - elas fazerem parte de uma hierarquia. Assim a decisão

encontrada em um nível inferior nesta pirâmide seria uma implementação das metas

estabelecidas pelo nível imediatamente acima. Tal característica é facilmente

identificável em decisões tomadas no ambiente militar nacional, dado o arraigado

respeito à hierarquia presente na cultura organizacional das forças singulares,

direciona-se intuitivamente o estado-maior a propor linhas de ação baseadas em

diretrizes e metas do escalão superior.

72 A repetição intencional do termo ―a fim de‖ nesta parte do trabalho se deve ao fato de se buscar repetir fielmente a idéia da importância da intenção final no processo de tomada de decisão, conforme aventado por Simon, na sua obra Administrative Behavior.

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Figura 6 - A missão como elemento norteador das decisões. Fonte: Blue Summit (2011).

O autor deixa claro que não se deve crer que esta pirâmide é perfeitamente

linear e perfeita. Uma mesma organização pode ter que focar seus esforços e sua

intenção final em variadas direções. Por exemplo, o autor cita uma secretaria

municipal de bem estar. Esse órgão pode ter que se concentrar tanto na recreação

das crianças, como na prevenção da delinqüência juvenil e mesmo ainda em metas

similares para o público adulto. Ainda que conscientemente o decisor não faça a

integração destas diferentes metas, há de fato uma integração. Ainda que o decisor

falhe no momento de dar o referido peso a cada uma destas diferentes e às vezes

conflitantes metas em termos de importância relativa, suas decisões e suas

orientações sobre a política da secretaria de educação irão refletir na prática um jogo

de pesos sobre estes objetivos.

Trazendo tal assertiva para um conflito armado, é de clareza solar que os

conflitos de 4ª Geração apresentam uma gama de desafios às forças armadas. A

dificuldade de se identificar claramente os oponentes e a necessidade inexcusável

de se operar em ambientes urbanos traz aos comandantes uma variedade de focos

distintos e por vezes ocultamente interdependentes, exigindo uma combinação

extraordinária de posturas em um mesmo teatro de operações. Na conquista de

Bagdá, em 2003, houve momentos em que era igualmente importante para a

campanha se realizar ações humanitárias e de combate. Tudo num perímetro

bastante pequeno, o que caracteriza bem o que Simon a possibilidade de uma

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organização ter que orientar seus esforços em diversas direções, distorcendo, de

certa forma, a pirâmide ilustrada na figura anterior.

Outra característica que Simon elenca como parte das decisões é o chamado

―elemento relativo‖. Para o autor, toda a decisão é uma questão de harmonização. A

alternativa que é finalmente selecionada nunca permite um completo ou perfeito

atingimento dos objetivos, sendo meramente a melhor solução entre as disponíveis

na circunstância em tela. O ambiente situacional inevitavelmente limita as

alternativas disponíveis, e assim leva o decisor a buscar um arranjo que permita o

máximo grau possível de atingimento da intenção final.

Este elemento relativo no atingimento da intenção final torna ainda mais

inevitável a necessidade de se achar um denominador comum quando o

comportamento decisório tiver que focar inúmeros objetivos. Assim, se, por exemplo,

no caso da secretaria de bem-estar mencionada acima – verifica-se que ela tem

capacidade de programar atividades para pessoas adultas e para pessoas jovens

simultaneamente sem comprometer suas atividades, a secretaria tenderá a atingir

ambos os objetivos. Por outro lado, se a experiência mostra que o atingimento de

algum desses objetivos poderia impedir seriamente o cumprimento do outro, a

secretaria deveria necessariamente escolher entre um dos dois como o objetivo final

- a intenção da agência.

Tal assertiva tem bastante a ver com o consagrado princípio de guerra do

Objetivo, em que uma força deve estabelecer objetivos:

[...] claramente definidos e atingíveis, a fim de se obter os efeitos desejados na operação militar. Uma vez fixado o objetivo, deve-se

nele perseverar, sem permitir que as circunstâncias da guerra façam perdê-lo de vista (BRASIL, 2007) (grifo nosso)

Assim, se os objetivos devem ser atingíveis, é de se esperar que, caso um

segundo objetivo final levantado venha a comprometer o atingimento do primeiro,

não seja aconselhável estabelecer o segundo. Confrontando os dois objetivos, e na

tentativa de encontrar um denominador comum, seria necessário deixar de pensar

nos dois objetivos, tal como fins em si mesmos, mas sim concebê-los como meios

para um fim mais geral, uma intenção final síntese disto tudo, no topo da hierarquia

decisional. Harmonizam-se assim os elementos da hierarquia e da relatividade das

decisões.

Este ensinamento em muito se relaciona com o direito humanitário e os

conflitos contemporâneos, nos quais, em razão da quantidade expressiva de outros

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atores no teatro de operações, há uma considerável imprevisibilidade do curso do

conflito. Isto faz com que, muitas vezes, os planos de campanha e as regras de

engajamento, por mais completos que sejam, não consigam prever todas as

situações que as tropas no terreno irão enfrentar. Faz-se necessário, assim,

estabelecer uma clara intenção do comandante e objetivos de fácil compreensão em

todos níveis. Especialmente em situações em que as regras de engajamento não

sejam perfeitamente adequadas, elas serão o norte que o comandante tático terá

para, em uma contingência, decidir sem violar o DICA.

De relevo para este trabalho também são as idéias de Simon sobre a tomada

de decisão em equipe. Ainda que focadas no processo administrativo, valem como

referência para a atividade militar. Assim como o trabalho de estado-maior73, a

atividade administrativa é atividade de grupo.

O cientista norte-americano afirma que as tarefas simples são mais facilmente

desenvolvidas, pois um homem as planeja e as executa individualmente. Entretanto,

assim que uma tarefa cresce até o ponto de se tornar necessário os esforços de

várias pessoas para ser realizada, isso não é mais possível, e torna-se desejável o

desenvolvimento de processos para a aplicação organizada do esforço do grupo

para a realização da tarefa.

As técnicas que facilitam esta aplicação são os processos decisórios

administrativos74. Dois aspectos principais destes processos foram destacados pelo

autor. O primeiro deles é a divisão do todo da tarefa a ser cumprida e sua repartição

entre aos diversos integrantes do grupo (ou do estado-maior). O segundo aspecto é

que os processos de tomada de decisão administrativos devem assegurar a

coordenação de atividades entre os membros da referida equipe.

À guisa de ilustração, Simon narra as decisões a serem tomadas na

construção de um navio. Inicialmente, um projeto do navio é feito e adotado pela

73 Não confundir com o trabalho de Estado-Maior com a técnica ESTUDO DE ESTADO-MAIOR. Esta segunda é consagrada em um documento formal e é definida pelo Glossário de Termos do MD (2007) como uma técnica aplicável à solução de problemas administrativos ou não-operacionais, que permite o encadeamento lógico do raciocínio,

visando a assegurar um exame ordenado de todos os fatores envolvidos, a fim de fornecer ao comandante conclusões e propostas para a solução de problemas. (grifo nosso)

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organização. Este projeto limita e guia as atividades das pessoas que realmente irão

construir a embarcação. Nele, a organização adjudica dos indivíduos um pouco de

sua autonomia decisional e a substitui por um processo organizacional de tomada de

decisão. Assim, algumas decisões a organização faz antecipadamente no lugar dos

indivíduos, a saber:

1) especificam sua função, que são o escopo geral e a natureza de seus afazeres; 2) atribuem autoridade, isto é, determinem quem na organização

deve ter poder para fazer novas decisões a serem seguidas pelos membros do grupo, e 3) definem limites à escolha dos membros, como meios necessários para se coordenar as atividades de inúmeros indivíduos de uma

mesma organização. (grifo nosso) (tradução livre do autor)

O autor completa afirmando que as decisões quanto às políticas gerais são

geralmente tomadas no topo da organização. Por sua vez, as pessoas que recebem

a tarefa de levar a cabo essas decisões normalmente precisam, na execução, de

tomar outras decisões. A tomada de decisões torna-se assim uma parte maior ou

menor no âmbito das tarefas de cada membro da organização. Adaptando-se tal

concepção ao âmbito de uma força conjunta, as orientações de planejamento do

comandante servem de norte e de limite para os oficiais do estado-maior conjunto e

assim sucessivamente para o interior das respectivas seções do estado-maior e para

as forças componentes.

Ressalta o cientista estadunidense, ainda, que as organizações são quase

sempre caracterizadas pela especialização. Tarefas específicas são delegadas a

partes específicas da organização. Tal especialização aumenta sua eficácia em

muitos aspectos, mas também cria uma necessidade de coordenação. A

coordenação, por sua vez, é normalmente alcançada ao se estabelecer uma

estrutura hierárquica ou piramidal de responsabilidade e autoridade. E ressalta a

relevância deste aspecto na instituição Exército. Essa estrutura é considerada pelo

74 Os processos decisórios administrativos são processos decisórios que consistem em separar certos elementos das decisões dos membros subordinados e estabelecer procedimentos organizacionais padrão a serem seguidos por todos que devam tomar decisões (SIMON, 1945).

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autor como uma grande vantagem do Exército, ―where divisions are divided into

brigades, brigades into regiments, regiments into battalions, and so forth75.‖

Neste ponto vale mencionar que a hierarquia desfruta de tal importância para

as forças armadas brasileiras que alcançam status constitucional. Diz o Art. 142, da

CRFB/88:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina

[...].

Em um sistema romanístico de produção de normas jurídicas, como o

brasileiro, em que se privilegia sobremaneira o processo legislativo, é indiscutível o

relevo de uma norma constar da Carta Magna. A Constituição, conforme o clássico

sistema hierarquizado de normas elaborado por Hans Kelsen apud Cunha Júnior

(2010), está no topo de um sistema de normas jurídicas escalonadas em planos

distintos o que faz, no Brasil, que ela tenha uma feição de supremacia em relação a

toda e qualquer manifestação nomativa, sob pena de inconstitucionalidade.

Canotilho apud Cunha Júnior (2010) a coloca ainda como um ―parâmetro obrigatório

de todos os atos da vida humana‖. Fica claro aqui o status que a hierarquia, como

base de organização das forças armadas, tem na sociedade brasileira.

Configura-se, assim, à luz de Simon, uma marcante vantagem das forças

armadas brasileiras enquanto instituições em que, graças a um ambiente favorável,

facilita-se a existência de uma boa coordenação organizacional interna. Ao menos

tecnicamente, portanto, estaria facilitado o processo de tomada de decisão.

A seguir, o autor discorre sobre a questão da motivação que os níveis mais

elevados devem empreender sobre os níveis subordinados da organização. Ele

aponta que, uma vez que os níveis elevados devem – e só podem - realizar tarefas

através do esforço do grupo, suas decisões e atividades serão direcionadas a

motivar as pessoas dos níveis inferiores no organograma organizacional. Ele

acredita que a única função do pessoal não operativo da organização é influenciar

75 Simon se refere naturalmente à organização do Exército dos Estados Unidos da América, mais precisamente no pós-Segunda Guerra Mundial, em que as divisões eram compostas por brigadas, as brigadas por regimentos e os regimentos por batalhões.

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as escolhas comportamentais das pessoas que ―do the actual "work" of the

organization76―.

Esta questão da motivação é tão valorizada ao ponto de se afirmar que até

mesmo a existência deste pessoal não operativo só se justifica pelo resultado da

influência destes sobre a eficiência das decisões tomadas pelos níveis mais

subordinados, aumentando a eficiência da organização como um todo. Conclui-se

apontando a necessidade fundamental que o grupo não operativo - dos níveis mais

elevados da organização - adote uma teoria de tomada de decisões para conseguir

tal intento.

Trazendo tal preceito para as operações conjuntas, ele encontra paralelo no

princípio de guerra da moral, tão comum nas doutrinas de forças armadas ocidentais

como o Reino Unido e o Brasil. Conforme a Doutrina Básica de Defesa (BRASIL,

2007), este é o ―princípio que define o estado de ânimo ou atitude mental de um

indivíduo, ou de um grupo de indivíduos, que se reflete na conduta da tropa‖ (grifo

nosso), acrescentando que é mister haver uma permanente manutenção de um

moral elevado para que haja sucesso na guerra. Assim, no saber de Simon, deve o

comando da força conjunta, assessorado por seu estado-maior, seguir um método

de tomada de decisão eficiente que garanta decisões acertadas. Estas terão fator

motivador na tropa, facilitando o sucesso da operação.

Feita esta caracterização inicial dos processos decisórios, Simon elenca quais

as atividades que o administrador deve realizar objetivamente, citando

planejamento, organização, pessoal, finanças, compras, comando, coordenação e

controle. Entre estas, ele destaca o planejamento, a organização e o comando como

as que mais influência sofrem do processo decisório.

Para o autor, planejamento é quase inteiramente uma questão de decisão. O

termo refere-se à deliberação, que ocorre em um processo de tomada de decisão

abrangente antes da ação propriamente dita. E acrescenta que o planejamento pode

ter como referência o conteúdo do trabalho da organização, ou o organograma da

própria organização.

76 Fazem o verdadeiro trabalho da organização (tradução livre do autor). Simon se refere aos níveis subordinados em que, em regra, o ―fazer‖ é mais presente que o planejar ou que o pensar.

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Neste último caso, em que o planejador se refere ao organograma da

organização, funde-se o planejamento com a segunda atividade do administrador:

organizar. Para o cientista, organizar é uma tarefa que se refere a tomar decisões

sobre o processo decisório em si. É a tarefa de determinar quais são as funções

especializadas de cada membro da organização, e a respectiva atribuição de

autoridade - o direito de tomar decisões - entre os membros da organização.

Relaciona-se tal ponto com a organização da força conjunta de acordo com a

missão que lhe é atribuída e a conseqüente adjudicação de forças aventada

anteriormente. Além disto, cada comandante poderá, a par de seguir fielmente a

doutrina no que tange ao método de tomada de decisão, organizar o trabalho de seu

estado-maior de acordo com as experiências adquiridas ao longo de sua carreira e

as aptidões e perfil da equipe ao seu dispor. Esta organização será relevante se, por

exemplo, houver ou não um corpo de assessores jurídicos a fim de se avaliar a

conformidade das linhas de ação com o DICA.

O comando, para Herbert Simon, é a atividade que torna possível uma

especialização – anteriormente abordada supra - do processo de tomada de decisão

em si. Ele permite a comunicação de uma decisão desde sua origem, onde a

decisão foi tomada, a outro ponto, onde será levada a efeito. Somente assim todas

as vantagens inerentes à especialização das atividades podem colaborar

positivamente com o processo de tomada de decisão.

Este breve esboço das atividades de administração serve como referência

para se compreender a lógica das decisões administrativas. Nesta análise, o autor

elenca conceitos que entende serem centrais para as decisões administrativas:

autoridade, eficiência, identificação, influência e comunicação. Já tendo tratado da

autoridade e da comunicação no tópico a respeito da hierarquia, e da influência ao

se tratar da motivação, passa-se a abordar a eficiência e a identificação.

Para o estadunidense, inicialmente, ao se analisar a eficiência, deve-se

examinar o conteúdo das decisões tomadas na organização. O autor alerta que não

há relação necessária entre o procedimento pelo qual as decisões são formuladas e

sua transmissão aos seus membros (comunicação e autoridade), e o conteúdo das

decisões.

Isto quer dizer que não basta dispor de um estado-maior capacitado, adotar

procedimentos adequados de tomada de decisão, e assegurar uma fiel comunicação

das decisões com as forças no terreno. Para se analisar a eficiência de uma força

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conjunta, deve-se analisar o conteúdo das decisões, aí incluído seu respeito ao

DICA.

A seguir, o cientista trata de deixar claro seu entendimento sobre a eficiência.

Inicialmente, ela pode ser compreendida como uma relação entre entrada e saída,

entre um esforço e seus resultados, entre as receitas e as despesas, entre o custo e

o prazer resultante. Outro significado diz respeito ao quanto foi produzido em relação

ao que era possível se produzir com determinados meios disponíveis.

Neste ponto, Simon conclui que as definições de eficiência, como razão de

saída para a entrada e como proporção do valor real do montante máximo possível,

não alteram sua teoria sobre o tema. E afirma que, no processo decisório, o

fundamental é que o decisor se paute por critérios de eficiência. Exemplificando, e

trazendo para o escopo deste trabalho, um comandante de força conjunta deve ter

claro seu critério de eficiência no momento de eleger uma linha de ação.

Ele adverte, todavia, que tais critérios não devem se referir aos elementos de

valor de uma decisão. Neste ponto, afiança o autor que um Estado democrático

deve ser comprometido com o controle popular sobre esses elementos de valor.

Verifica-se aqui uma preocupação com os valores que a sociedade defende, os

quais devem estar estampados em sua política, emanada por seus representantes

legais, eleitos democraticamente pelo voto. Nesta lógica, as decisões ―corretas‖ de

uma organização pública são as que estiverem de acordo com os valores que a

sociedade defende, mormente estampados em seu arcabouço legal, aí incluídos os

tratados internacionais sobre o DICA de que o Estado é parte.

Por fim, Simon acredita que uma melhoria da qualidade da decisão deve se

assentar sobre uma investigação que abarque as relações entre as atividades da

organização com seus resultados. Simon alerta que mesmo que a discussão sobre

os critérios a se elencar ainda mereça maiores estudos, a eficiência deve ser vista

sempre como um indispensável instrumento da razão, sem que o decisor opere em

um ambiente a que o autor chamou de ―vácuo de fato‖.

Ao tratar do elemento das decisões administrativas ―identificação‖, o cientista

explica que as decisões mais amplas, as de comando, são aquelas que determinam

o objetivo que cada homem deve ter como marco de referência no seu processo de

tomada de decisão. Com essa estrutura estabelecida, a tarefa de decidir se reduz a

um nível gerenciável, vez que haverá um recorte dentro do qual o decisor de menor

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nível deve se pautar. A identificação é um conceito, assim, que possui similaridade

com as chamadas diretrizes de planejamento do comandante.

Simon assevera que o conhecimento sobre as conseqüências do

comportamento é a principal influência no processo de tomada de decisão. A

segunda influência são preferências comportamentais do indivíduo em cada uma

das possibilidades, em comparação com outra possibilidade. Verifica-se aí um

aspecto interessante relacionado à personalidade do decisor, ou, no meio militar, do

comandante. Verifica-se ainda uma referência a possibilidades do inimigo e análise

das linhas de ação opostas.

O problema da tomada de decisão é por fim descrito por Simon em três

pontos cardeais: descrever possibilidades, avaliá-las e conectá-las com alternativas

de comportamento. Nesta cadeia de ações são relevantes os meios e os fins. Neste

contexto, os objetivos intermediários em tal cadeia servem como referências de valor

e ao usá-los, é possível avaliar as possibilidades, sem uma análise completa dos

objetivos finais, ou de seus valores.

A noção de possibilidade lança luz sobre os padrões de comportamento

interpessoal. A relação dos valores dos indivíduos interagindo com as possibilidades

que pontuam o conseqüente comportamento determinam se o padrão de

comportamento no grupo será competitivo ou cooperativo. Disto, pode-se inferir que

o trabalho de estado-maior, como trabalho eminentemente de grupo, produzirá

melhores decisões se o comportamento da equipe apresentar um padrão mais

cooperativo que competitivo.

Quando o padrão é competitivo, pode haver uma instabilidade do padrão de

comportamento. Tal assertiva encontra correlação com o princípio de guerra da

moral, inserido num contexto de estado-maior conjunto, não de tropas. No estado-

maior conjunto há elementos de mais de uma força singular, que inevitavelmente

possuem formações e referenciais similares, mas não iguais, podendo levar a uma

desestabilização do ambiente e conseqüente perda de eficiência.

O autor divide ainda os problemas em duas categorias simples, com base na

quantidade de tempo que o decisor terá para formular uma resposta. Assim, tem-se

os problemas ―inopinados‖ e os problemas ―previstos‖. Os problemas ―inopinados"

surgem porque uma determinada situação se configura - ou é provocada pelo

inimigo, ou mesmo pelo tempo ou por qualquer outra razão - em que a ação é mais

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imediata. Os problemas previstos ocorrem em situações em que há bastante tempo

para planejar uma futura linha de ação.

Segundo Simon, a importância desta categorização cognitiva entre os

problemas é como o tempo e as informações (ou a falta delas) das forças podem

impor modificações na lógica de tomada de decisões. Nos problemas inopinados,

devido a pressões de tempo e incertezas ou lacunas de informação, um único

indivíduo emprega o modelo de resolução de problemas. Problemas previstos, por

sua vez, requerem, em regra, uma equipe para sua resolução, proporcionando a

"oportunidade para auto-correção".

Com base nessas diferenças, ele afirma que enfrentar problemas previstos e

problemas inopinados significa encarar duas situações fundamentalmente

diferentes. No caso da resolução de problemas militares contemporâneos, em regra

se enfrentarão situações em que há muitas informações, mas o prazo não permite

que todas elas sejam totalmente analisadas.

Tal distinção remete à clássica classificação das abordagens intuitiva e

analítica do processo de tomada de decisões. Segundo Estados Unidos da América

(1996), na abordagem analítica, o solucionador de problemas, ou uma equipe de

solucionadores de problemas, vale-se de um processo sistemático que consiste das

seguintes ações: análise detalhada do problema em si; coleta das informações

necessárias para se resolver o problema, realização de uma comparação entre as

soluções ou opções e, finalmente, a seleção de uma alternativa, que deve

preferencialmente ser a melhor solução.

Assim, coloca-se que a abordagem analítica de tomada de decisão é um

processo reconhecidamente eficiente, porém apresenta várias desafios, que devem

ser superados para empregá-lo efetivamente. Os principais desafios são os

seguintes: exigência de instruções explícitas e uma análise detalhada; foco no

método podendo afastar o decisor da realidade do problema em si, necessidade de

haver várias opções; critérios de comparação sujeitos a alterações antes que o

processo esteja completo; foco na solução perfeita;·limitação à criatividade; e, por

fim, a abordagem analítica consome uma quantidade considerável de tempo.

Assim, caso se adote a abordagem analítica e não se consiga superar os

obstáculos atinentes a ela, as seguintes limitações podem ser potencializadas:

- Método demorado, sendo por isso menos eficaz em tomada de decisões

sensíveis a prazos.

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- Exige muitas informações para produzir melhores resultados.

- Dificuldade para aplicar em decisões de alto risco.

- Precisa de objetivos claramente definidos para que se possa elaborar linhas

de ação.

- Se mal aplicada a abordagem, a tomada de decisão será mal executada.

- A falta de flexibilidade na abordagem pode produzir decisões pouco práticas.

Em contrapartida, há o método intuitivo de tomada de decisão. Segundo

Estados Unidos da América (1996), é um processo que se assenta na experiência

do decisor em se reconhecer elementos-chave do problema. O objetivo é chegar à

primeira solução que possa resultar em sucesso.

A fim de tomar decisões quando há pouco tempo para fazê-lo, o decisor,

naturalmente, tenderá a colocar mais ênfase em sua intuição que num processo

mais formal, como o descrito anteriormente.

Neste tipo de abordagem, os comandantes usam mais facilmente a intuição, o

julgamento e a experiência. A intuição consiste na ideia de se saber alguma coisa

sem necessitar muita reflexão ou raciocínio, o que pode estar diretamente

relacionado a lições aprendidas ao longo da vida. O julgamento na tomada de

decisão intuitiva refere-se à capacidade de se adaptar à situação a primeira solução

possível de se obter sucesso. Vale a advertência que apenas agir com a primeira

solução que vem à mente não requer julgamento. Experiência, por sua vez, consiste

na combinação de tudo o que um indivíduo tenha aprendido sobre o processo de

lidar com problemas e decisões no âmbito de sua carreira ou mesmo de sua vida.

A abordagem intuitiva de tomada de decisão tem como vantagens a maior

rapidez, o foco na primeira boa solução que surgir (ao invés da solução ideal, como

na analítica) e a possibilidade de ser atualizada com novas experiências

constantemente. Assim como a abordagem analítica, a intuitiva apresenta várias

limitações que o tomador de decisão deve saber lidar.

Elas dizem respeito basicamente ao uso correto da experiência e do

julgamento: assim como a situação no momento da resolução do problema pode não

corresponder precisamente às experiências do passado, as experiências obsoletas

não devem ser aplicadas a situações atuais. Enfim, o decisor deve se precaver no

sentido de que as lições aprendidas podem não estar ainda claras na sua mente,

prejudicando sua tomada de decisão.

Os dois métodos são comparados resumidamente no quadro a seguir:

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Critério de comparação

Tomada de decisão

analítica

Tomada de decisão

intuitiva

Situação em que se aplica

Problema muito bem definido

Problema mal definido

Processo de raciocínio

Análise sistemática e comparativa

Criativo

Foco No processo de tomada

de decisão Na missão a ser

cumprida

Dados disponíveis para se tomar a decisão

Claramente definidos Incertos

Necessidade de Conhecimento

Compreensão completa do problema

Compreensão incompleta do problema

Pesquisa de novos dados pelo decisor

Ampla e rebuscada Incompleta, uso de

estimativas

Objetivo a se atingir Predeterminado Estipulado pela

situação

Resultado desejado

Busca da única e melhor solução

possível

Busca da primeira solução aceitável

Quadro 02 – Comparação entre a abordagem analítica e a intuitiva nos processos de tomada de decisão. Fonte: o autor, baseado em Estados Unidos da América (1996).

Fica nítido, assim, que o método intuitivo leva em consideração menos

aspectos e é indicado quando há menos tempo e o decisor é mais experiente. Era o

adotado pelos grandes generais da antiguidade, sendo também exemplo Frederico,

o Grande. Após a perda do gênio militar, a Prússia migrou para um processo mais

cartesiano, em que se levam em consideração outros aspectos, seguindo para um

modelo analítico. O precursor deste processo de trabalho de estado-maior

coordenado e voltado para uma tomada de decisão racional foi Helmuth von Moltke,

vitorioso marechal prussiano. Este processo foi aos poucos sendo difundido por

outros exércitos ocidentais no limiar do século passado. Vejamos um pouco deste

processo.

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Foi mencionado anteriormente que desde a Antiguidade, as decisões em

combate eram fruto, na grande maioria das vezes, de conduta pessoal do

comandante. Caso este fosse perspicaz, o chamado ―gênio militar‖, seu

planejamento resultaria numa vitória. A arte da guerra nunca deixou e nem deverá

prescindir deste tipo de figura: o vocacionado para a coisa bélica, que sabe

planejar77 e conduzir operações com algo mais que seu conhecimento técnico-

profissional.

Todavia, com a nacionalização dos Exércitos e o aumento notável dos

efetivos, dos alcances, das velocidades, da letalidade das armas e dos teatros de

operações, em especial no século XIX, tornou-se difícil para um homem sozinho

processar todas as informações que poderiam influenciar em uma campanha. Foi

neste momento de dúvida que o método cartesiano se mostrou útil e eficaz:

Descartes havia ensinado a necessidade de se dividir um problema complexo em

outros menores e analisá-los pormenorizadamente. E para analisar estas partes

menores eram necessários assessores: surgia o serviço de estado-maior.

Mas há de se deixar claro um ponto importante. Quando se discorre sobre o

termo estado-maior no âmbito das forças armadas, três aspectos saltam os olhos: A

implementação do Serviço de Estado-Maior como órgão de assessoramento do

comandante, a metodização de seu trabalho e o preparo do oficial de estado-maior.

O foco deste trabalho é a metodização, contudo, como os assuntos são afins e se

inter-relacionaram ao longo da História, os outros dois aspectos também serão

mencionados.

Não por acaso, os fatos que deram origem ao moderno estado-maior como

conhecemos atualmente se encontram na Europa do século XVII. Os exércitos já

incorporados aos Estados-Nação passaram a fazer parte dos projetos de conquista

de novos espaços, ao mesmo tempo em que a consolidação política e econômica

passava pela garantia de sua integridade territorial.

A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), época em que Descartes estava vivo

e atuante, determinou a queda dos Habsburgos e um atraso considerável na

unificação alemã e a ascensão da França no mapa político europeu. O duradouro

77 Sobre o preparo dizia Napoleão Bonaparte apud NOVAES (1999): ―Se eu sempre pareço preparado, isso é porque antes de entrar num grande empreendimento, eu medito por muito tempo e antevejo o que poderá ocorrer.‖ (grifo nosso)

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ambiente de incerteza política entre as nações de seu entorno, fazia com que os

Estados buscassem proteger suas fronteiras e estarem prontos para uma ação dos

vizinhos. Neste contexto, a Prússia foi palco do desenvolvimento de uma estratégia

de defesa nacional desde o tempo de paz.

Fruto desta belicosidade, o Imperador por vezes centralizava o poder político

e militar, surgindo a necessidade de se cercar por assessores permanentemente.

Assevera Peres e Câmara (2005) que Frederico I da Prússia estabeleceu para isto

um Estado-Maior Especial78. Tinha aspectos de especialização como os de

Engenharia, Intendência e algo parecido com a atual arma de Comunicações. Os

assessores de Engenharia permitiam ao imperador planejar e executar a

concentração estratégica, em especial a supervisão das estradas necessárias, e a

construção de acampamentos e de posições fortificadas. Possuía, ainda, um corpo

de ordenanças, algo semelhante à atual arma de Comunicações atual, formado por

oficiais selecionados, prontos para o cumprimento de missões de relevância, como

mensageiros especiais do imperador. Os assessores de Intendência tratavam da

alimentação e outros assuntos correlatos, (mais amplo até que Napoleão, que

focava sua Intendência apenas em comida).

Ponto importante deste processo se deu em meados do século XVIII, em que

a Prússia tinha como imperador Frederico II, o Grande. Graças a fatores como a

formação de um respeitado exército, este monarca e general levou a Prússia ao

patamar de grande potência, vitoriosa inclusive na Guerra dos Sete Anos, ocorrida

entre 1756 e 1763.

Após esse conflito, fruto da Primeira Revolução Industrial, concluiu-se que

houve um incremento nos alcances e efeitos das armas de fogo, levando as

distâncias de desdobramento e de apoio mútuo a ser aumentadas. As formações em

linha foram aperfeiçoadas para dispositivos em profundidade, em que os exércitos

eram escalonados em brigadas, regimentos e outros. Privilegiava-se assim o

78 Similar ao que se vê atualmente, conforme BRASIL (2007): Órgão de uma organização militar terrestre composto de pessoal militar de qualificação técnica, especialistas e chefes de serviços, que tem por finalidade assessorar o comandante no exercício do comando, em assuntos relacionados com suas especialidades. (grifo nosso)

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principio de guerra da segurança79, o que exigia um desdobramento mais espaçado

das frações.

Ao mesmo tempo, a observação direta do campo de batalha ficara inviável.

Os teatros de operações extensos exigiam comandantes com maior autonomia, pois

as batalhas se desenrolavam longe demais para se exercer uma supervisão direta.

Quanto aos processos decisórios, os planejamentos precisavam ser mais metódicos,

a fim de que nenhum detalhe escapasse ao planejador.

Neste ambiente, Frederico II mantinha ajudantes gerais, nada sistemáticos e

permanentes no sentido de se planejar a defesa estratégica da Prússia. Assim que

em 1802, um membro respeitado de seu estado-maior especial, o então Coronel

Christian Karl August Ludwig von Massenbach80, emite dois memorandos em que se

consagra o surgimento do Estado-Maior permanente:

como centro de planejamento de guerra, com base em hipóteses para cada provável teatro de operações, funcionando desde o tempo de paz. Essa proposta rompia com a tradição de um grupo de oficiais da estrita confiança pessoal do imperador, passando a assumir critérios de assessoramento institucional. (PERES e

CÂMARA, 2005) (grifo nosso)

Relata-se que a alteração organizacional não foi de pronto incorporada à

cultura militar da Prússia. Entre os problemas apresentados, ressalta-se a falta de

habilidade de alguns comandantes em lidar com oficiais especialmente designados

para assessoramento. E de maneira tão próxima.

Durante o século XIX, estes oficiais eram reservados ao anonimato, apesar

da eficiência com que contribuíam nas decisões tomadas pelo poder militar

prussiano. Esta eficiência envolve aspectos acerca da metodização do trabalho de

estado-maior, sobre o que se discorrerá a seguir.

Em meados do século XIX estava claro que o estado-maior permanente

proposto por Massenbach era eficiente. A Prússia viveria nesta época momentos

importantíssimos em sua História, as guerras de unificação da Alemanha. Era o

79 Princípio de Guerra que consiste nas medidas essenciais à liberdade de ação e à preservação do poder de combate necessário ao emprego eficiente das Forças Armadas, tendo por finalidades: negar ao inimigo o uso da surpresa e do monitoramento; impedir que ele interfira, de modo decisivo, em nossas operações; e restringir-lhe a liberdade de ação nos ataques a pontos sensíveis de nosso território ou de nossas forças (BRASIL,

2007) (grifo nosso). 80 Massenbach é considerado ―o pai da organização de um estado-maior integrado‖.

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Chefe do Estado-Maior da Prússia entre 1857 e 1888 o General do Exercito alemão

Helmuth C. von Moltke, o Velho.

Ao Velho se atribui a elaboração de um método de processo de tomada de

decisão. Exigia raciocínio lógico e vislumbrava um resultado estratégico e tático ao

final da campanha81. Investindo no ensino de ciências exatas, Moltke acreditava que

seria possível desenvolver a capacidade de se ―ler‖ a manobra futura das tropas

amigas e inimigas com um olhar crítico e lógico. Tudo sem prescindir de

conhecimentos militares. Seu método recebeu a denominação de Diretivas Gerais.

Como assevera Peres e Câmara (2005):

Por meio de sua aplicação, os comandantes subordinados passaram a contar com um instrumento para o planejamento prévio e para a execução de condutas durante o combate — o trabalho de estado-maior — que lhes assegurava a necessária e indispensável autonomia para exercitar e desenvolver a iniciativa exigida pelas

condições dos novos teatros de operações

Sobre a necessidade de se descentralizar algumas decisões com o intuito de

se incentivar a iniciativa e senso de responsabilidade, Moltke citado por Peres e

Câmara (2005) assevera que:

a vantagem que o comandante pensa obter, por meio de intervenções continuadas e pessoais, é muito ilusória. Agindo assim, ele assume encargos que pertencem a outros, cuja eficiência é então destruída. Além do mais, multiplica suas próprias tarefas, a ponto de não poder resolvê-las. (grifo nosso)

Neste ponto, Peres e Câmara (2005) realizam uma critica ao método de

Napoleão, o qual, possuidor de indiscutível talento para a arte da guerra sempre

fazia o curso da batalha pender para o seu lado. Todavia, ressaltam que seu estado-

maior não era chamado a planejar, uma vez que o general francês considerava o

combate algo simples. Os autores ressaltam que esta fraca repartição de

responsabilidades pode ter contribuído para o seu insucesso nas ultimas batalhas

em que esteve no comando.

O entendimento de Moltke sobre a equipe que deveria assessorá-lo deixou

um legado curioso que, segundo o presidente da Academia de Historia Militar

Terrestre do Brasil, transbordou para a escolha de executivos no meio civil. Segundo

81 Algo semelhante ao estado final previsto no Glossário das Forças Armadas (2007) - Situação política ou militar a ser alcançada ao final das operações e que indica se o efeito desejado foi alcançado.

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Bento (1990), Moltke descrevia os oficiais candidatos ao seu estado-maior da

seguinte maneira:

1 - Os mentalmente vazios e fisicamente preguiçosos

A estes ele atribuía tarefas simples e repetitivas. 2 - Os mentalmente vazios e fisicamente ativos

Estes eram considerados por Moltke mais perigosos que os primeiros, por se constituírem fábricas ambulantes de problemas e por isto necessitavam de vigilância. 3 - Os mentalmente brilhantes e fisicamente ativos

Moltke nunca levou um oficial com estas características para o coração do seu Estado-Maior por se convencer serem pessoas hiperativas, obcecadas com irrelevâncias e incapazes de bem assessorar com oportunidade. 4 - Os mentalmente brilhantes e fisicamente preguiçosos Este era o herói de Moltke, que considerava que a preguiça fazia com estes oficiais procurassem sempre a maneira menos trabalhosa para resolver um problema, inclusive os próprios. E questões sem importância não conseguiam parar na mesa deste tipo de oficial. (grifo nosso)

A confirmação que tais critérios efetivamente servem de orientações para a

escolha de executivos civis no ramo da Administração é materializada na Figura

abaixo, extraída de uma palestra sobre teorias da liderança e gerenciamento de

recursos humanos. Verifica-se que no quadrado número 1 está o funcionário esperto

e preguiçoso e no número 4 aquele que é menos capacitado intelectualmente, mas

bem disposto como o que destrói valores da empresa, assim como entendia o militar

prussiano.

Figura 7 - Contribuição de Moltke para a Ciência da Administração. Fonte: Verma (2011)

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Prússia e Alemanha tomaram a dianteira na história da implementação

pioneira dos estados-maiores permanentes e de um método para seu trabalho.

Todavia, no campo da preparação formal dos oficiais para o desempenho da função

de oficial de estado-maior, há de se referir à França. De acordo com Ministère de la

Défense (2011), desde meados do século XVIII funcionava no Exército um Curso de

Estado Maior. O histórico da Escola de Estado Maior de Compiègne relata que, em

1766, o duque de Choiseul decide criar um "curso superior de guerra e de oficiais de

estado-maior", sendo nomeado o tenente-general Peter Bourcet seu primeiro diretor.

Todavia, como diz o dito popular, por vezes se cresce mais com o fracasso do

que com as vitórias. Após a acachapante derrota na Guerra Franco Prussiana,

diversas falhas de comando afloraram na França. Era necessário aprimorar o

método de resolução de problemas militares. Neste contexto, em 1876, era criada

uma escola fortemente voltada para a formação de oficiais de estado-maior, a

Escola Superior de Guerra da França (PERES e CÂMARA, 2005). Esta Escola

marcou o processo formal de preparação de oficiais de estado-maior, por influenciar

inúmeros países e ter mais afinidades com o estado-maior atual.

No Brasil, os antecedentes remotos de assessoramento para atividades

militares se deram no Brasil Colônia em que os Comandantes das Capitanias

Hereditárias se apoiavam nos habitantes locais para prover a defesa do núcleo

habitacional em face de invasores externos, como os da França e Holanda.

Com a vinda da família real em 1808, veio para o Brasil o alto comando das

forças armadas do Reino, estabelecendo-se aqui o Quartel-General da Corte. Neste

QG havia uma estrutura de assessoramento, mas sem o caráter permanente e

institucional. Um titular de renome desta pasta foi D. Rodrigo de Souza Coutinho, o

Conde de Linhares82. Suas funções, todavia, se assemelhavam mais com as de um

comandante de força (PERES e CÂMARA, 2005).

82 Acompanhou a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, onde exerceu as funções de Ministro da Guerra e dos Negócios Estrangeiros. Criou a Academia Real Militar, construiu a Casa da Pólvora e remodelou o Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro. Faleceu nesta cidade no ano de 1812, onde é homenageado com a designação de seu nome em um museu do Exército: o Museu Militar Conde de Linhares, sediado no bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro (MUSEU HISTÓRICO DO EXÉRCITO, 2011).

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Em 1831, durante o período Regencial, o Exército passou a contar com o

Estado-Maior General, ainda de caráter limitado, sem contar formalmente com um

curso que preparasse seus integrantes para o desempenho da função. Destaca-se

assim, em 1839, o surgimento do primeiro Curso de Estado-Maior, na Academia

Real da Corte. Em 1840, com a Declaração da Maioridade de D. Pedro II, os cursos

de Estado-Maior foram transferidos da Academia para uma escola superior de

guerra.83

Com esta mentalidade de estado-maior que o Brasil entrou na Guerra da

Tríplice Aliança em 1864. Após a declaração de guerra, o país se viu de frente a um

enorme desafio: concentrar tropas na frente sudoeste do País, em movimentos que

alcançavam milhares de quilômetros. Após as ações iniciais e a derrota em

Curupaiti, Caxias assumiu o comando brasileiro. Soldado experiente, relata-se que

ouvia incontinenti seus subordinados na elaboração dos planos e manobras,

buscando ao ouvi-los, medir a lógica de seu pensamento militar e como as idéias

poderiam ser aproveitadas para o êxito da Tríplice Aliança sobre o inimigo.

Reconhece-se ainda que dada a amplitude do TO, incentivava a iniciativa de seus

comandados, traço já característico de suas atuações nas revoltas internas.

Para ilustrar a sinergia que Caxias construiu com seus assessores, relata o

acatamento de soluções inéditas propostas por seus oficiais de estado-maior, como

as propostas pelo coronel da arma de engenharia José Carlos de Carvalho. Ao

preciso assessoramento deste oficial, são atribuídas a construção do ―fosso de

Mallet‖, o emprego de balões para observação e a construção de observatórios em

terrenos planos da área de operações. A estas, soma-se o assessoramento que

possibilitou a Manobra do Piquiciri, abordada supra, em que um Batalhão de

engenharia abriu uma estrada de 11 km no Chaco paraguaio, permitindo o avanço

das tropas por uma porção do terreno inesperada pelo inimigo.

Em que pese à dificuldade demonstrada nos momentos iniciais da Guerra da

Tríplice Aliança e a importância que as forças armadas tiveram para defender a

soberania do País no conflito, o pós-guerra não se caracterizou por investimentos na

profissionalização das forças. Na campanha ficou caracterizado o início de um

assessoramento de estado-maior de alguma forma similar ao conhecido atualmente.

83 Peres e Câmara (2005) salienta que esta não é a origem da homônima ESG atualmente subordinada ao Ministério da Defesa.

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Em 1870, fora a Prússia, nenhum força do mundo tinha um estado-maior tão bem

articulado e eficiente, tão próximo do que se conhece hoje. Todavia, o próximo

passo marcante se daria quase trinta anos depois.

No final do século XIX, já no período republicano, surgia no Exército um

movimento de renovação, aí incluídas as concepções acerca do serviço de estado-

maior. O foco era o profissionalismo, a fim de reduzir vulnerabilidades – mais uma

vez demonstradas - em episódios como a Revolta de Canudos de 189684.

Os vetores eleitos incluíam a atualização da estrutura organizacional, dos

métodos de trabalho, e do ensino específico para assessores de alto nível, preparo

de comandantes e de tropas de acordo com os paradigmas mais avançados da

época.

Nesse contexto, buscava-se que um órgão de direção geral bem estruturado

permitisse que houvesse um planejamento metódico e coordenado do preparo e

emprego do Exercito, seguindo parâmetros menos empíricos e mais cientifico –

cartesianos.

Neste ambiente foi criado pela Lei 403/1896, o Estado-Maior do Exército

(EME). Este novo órgão materializava os ventos de modernização da força rumo à

desejada desvinculação com já bem antiga organização portuguesa. Conforme seu

regulamento, no atendimento de sua atividade fim, cabia-lhe "estudar o emprego das

tropas em campanha e preparar os elementos de sua mobilização, transporte e

concentração nos diversos teatros de operações".

Iniciava-se o caminho rumo ao profissionalismo, consolidado no século XX.

Com poucos anos de funcionamento do EME ficou claro que eram necessários

conhecimentos específicos para os oficiais que ali trabalhariam, sendo fundado em

1905 um estabelecimento de ensino militar especialmente voltada para a formação

do oficial de estado-maior: a Escola de Estado-Maior (EEM), ficando por mais de 70

anos diretamente subordinada ao EME. Hoje denominada Escola de Comando e

Estado-Maior do Exército, tem vinculação ao Departamento de Educação e Cultura

do Exército (DECEx).

84 Revolta ocorrida entre 1896 e 1897 no interior do Estado da Bahia. O conflito externou dificuldades da República recém instaurada em lidar com este tipo de agitação interna exigindo várias investidas das tropas federais para ser pacificada (GIGOLOTTI, 2001).

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No mesmo caminho surgia em 1911, pelo Decreto número 8.650/1911 o

―Curso Superior de Marinha‖, dentro da estrutura da Escola Naval, na cidade do Rio

de Janeiro (EGN, 2011). Hoje o curso respectivo funciona na Escola de Guerra

Naval. Com escopo de preparar os oficiais para a condução da Força Aérea

Brasileira após o término da Segunda Guerra Mundial, foi criado, pelo Decreto nº

20.798/1946, o Curso de Estado-Maior, funcionando atualmente na Escola de

Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR, 2011).

Uma leitura do primeiro Programa de Ensino Trienal da EEM demonstra que

já havia uma matéria exclusiva Serviço de Estado-Maior, consistindo em:

Serviço de estado-maior: considerações gerais sobre a guerra; apreciação sucinta e histórica da constituição dos estados-maiores realizada pelas principais nações modernas; estudo de cada uma das funções dos estados-maiores; exercícios práticos. (grifo

nosso)

De relevo para esta pesquisa, é o fato de que desde 1907 os oficiais de

estado-maior já eram expostos à disciplina Direito Internacional. O plano continha a

seguinte descrição desta matéria:

Direito Internacional aplicado às relações de guerra: Direito Internacional Público; dos estados e das relações internacionais

durante a paz; dos litígios internacionais e suas soluções.

Ao que parece não havia um enfoque no DICA, mas já demonstrava uma

compreensão por parte dos elaboradores do currículo de que uma preparação formal

dos oficiais de estado-maior no tocante ao direito internacional era conveniente.

Considerando as assertivas de Celso Mello (2001) que o direito internacional deveria

fazer parte do ensino regular de todos os cidadãos, pode-se auferir uma visão

bastante prospectiva por parte da EEM à época.

O segundo plano, editado em 1909, caracterizou-se por um incremento da

disciplina Trabalho de Estado-Maior, recebendo mais carga horária e forte influência

alemã. Nesta época, muitos países se inspiravam nos avanços advindos da

organização dos estados-maiores prussiano e alemão, em especial baseados no

pensamento militar de Frederico, o Grande, de Massenbach, do Exército Prussiano,

e de Moltke, do Exército da Alemanha unificada. Após mais de cem anos de

existência, tal é a relevância do método para o trabalho de estado-maior que a

ECEME se intitula a ―Casa do Método‖.

Estava consolidado o estado-maior na cultura militar brasileira sob os três

ângulos de abordagem: metodização, ensino e serviço. Ao longo do século XX,

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França e Estados Unidos inspiraram a doutrina militar brasileira. Indiscutível, todavia,

é o fato de que essas escolas beberam de uma forma mais ou menos intensa do

ideário de Moltke e seu estado-maior. No processo de evolução do estado-maior no

País, o próximo passo seria a integração das forças exigida após a 2ª Guerra

Mundial. A primeira iniciativa foi a criação do EMFA. A recente criação do Estado-

Maior Conjunto foi o último grande movimento nesta direção.

Vista a evolução desde Descartes até o estabelecimento do estado-maior

atualmente, o passo seguinte será estudar o caso específico da doutrina britânica,

um dos paradigmas teórico escolhidos para esta pesquisa. Posteriormente, no Cap

referente à apresentação e análise dos resultados, será discutido

pormenorizadamente como deve um estado-maior considerar o DICA, na resolução

de problemas militares.

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5 O REINO UNIDO E SEU PROCESSO DE PLANEJAMENTO DE COMANDO

PARA OPERAÇÕES CONJUNTAS

O que é necessário é um plano de integração,

no qual cada Força Armada seja chamada a

desempenhar o papel que lhe é próprio,

partindo de um princípio de colaboração

e não de competição.

Bernard Law Montgomery

A natureza da guerra contemporânea apresenta um rol tão vasto de tarefas a

que as forças podem ser submetidas, que apenas seu emprego conjunto pode dar

ao comandante a gama de ferramentas necessárias a cumprir sua missão de

combate. Isto exige flexibilidade e perfeito entrosamento dos estados-maiores.

A atenção ao preparo adequado dos estados-maiores se externa de várias

formas, como, por exemplo, a reunião dos cursos de estado-maior em único

estabelecimento de ensino, como já faz o Reino Unido, desde 1998 (JOINT

SERVICES COMMAND AND STAFF COLLEGE, 2011). O Brasil tem enviado oficiais

para freqüentar tal curso, trazendo uma nova luz à doutrina brasileira, bebendo-se

de uma fonte mais parecida com a realidade nacional do que a de um país

economicamente muito mais forte, como os EUA.

Esse amadurecimento da mentalidade de emprego conjunto provém também

do tempo transcorrido desde que o Ministério da Defesa se consolidou. O atual

Ministério da Defesa do Reino Unido (MDRU) foi criado em 1964, pela fusão do

Ministério do Defesa, da Marinha, o Ministério da Guerra e do Ministério da

Aeronáutica. Em 1971, houve ainda a inclusão do Ministério de Suprimento de

Aviação e em 1973 absorveu as operações com armas nucleares da Autoridade do

Reino Unido em Energia Atômica para o MDRU.

Serão estudados a seguir aspectos da Defesa do Reino Unido, que

colaborarão na compreeensão de sua estrutura de defesa, seu processo de

planejamento de comando para operações conjuntas e quais elementos do DICA

são relevantes neste processo, em especial na fase similar ao Exame de Situação

brasileiro.

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5.1 REINO UNIDO E SUA DOUTRINA BASICA DE DEFESA

Antes de se discorrer sobre as operações conjuntas no Reino Unido, é mister

se caracterizar este Estado. Tal ambientação será importante para auxiliar na

compreensão da sua atual mentalidade de Defesa.

Os primeiros sinais de vida na região das ilhas britânicas ocorreram há cerca

de 3000 anos. Posteriormente, por volta do século V a.C. a região recebeu tribos

celtas e bretãs oriundas do continente europeu, influenciando sua língua e cultura

(BRASIL. IBGE, 2011).

A região foi conquistada por outros povos em algumas vezes, sendo a

primeira grande invasão ocorrida na época do Império Romano. Ao término desta

ocupação, povos saxões também oriundos da Europa continental ocuparam a

porção oriental. A expansão destas tribos originou o núcleo anglo-saxão que marca

intensamente o povo inglês. Estes núcleos cresceram evoluindo para vilarejos.

Aí surge a primeira noção de força militar organizada primordialmente para

autodefesa do vilarejo. A partir destes surgiram inúmeros reinos pequenos, de forma

que no século VI já se contabilizam sete ao todo. Em 1215, com a imposição da

Magna Carta, a Inglaterra entra para a História como o berço do constitucionalismo.

A Idade Média foi marcada também pela conquista da ilha da Irlanda, sendo

declarada parte do reino posteriormente em 1541. A formação do Reino Unido com

as características que o conhecemos atualmente remonta, todavia, ao início do

século XVIII, com os chamados Atos da União, reunindo Inglaterra e Escócia.

Durante os séculos XVIII e XIX, a Inglaterra passou pela Revolução Industrial,

alterando substancialmente seus meios de produção e conseqüentemente todo o

modo de vida da região. A riqueza que produzida permitiu construir uma das forças

navais mais respeitadas do mundo, imbatível até mesmo pelo gênio militar de

Napoleão85.

O século XX foi marcado pela participação do Reino Unido nas duas Grandes

Guerras, saindo vitorioso em ambas. Apesar dos enormes prejuízos causados pelos

bombardeios sofridos durante este último conflito, foi mantida a tradição inglesa de

nunca terem sido vencidos em seu próprio território.

85 A vinda da família real portuguesa para o Brasil em 1808, um dos pontos de inflexão da História do Brasil, tem como uma de suas razões as ações de Napoleão em face da Inglaterra, em especial o estabelecimento do Bloqueio Continental.

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Como um dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido saiu

do conflito como uma das maiores potências político-econômicas e militares do

mundo, consubstanciada pela participação no Tratado de Versalhes, pelo assento

permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas e pela

posse de armamento nucelar.

O Reino Unido atualmente é composto por quatro nações: Inglaterra, Escócia

e País de Gales (localizada na Ilha da Grã-Bretanha) e Irlanda do Norte (localizada

na Ilha da Irlanda) além de territórios que não pertencem a nenhuma destas nações,

como a Ilha de Man e as Ilhas do Canal (ou Ilhas Anglo-Normandas), e várias outras

possessões espalhadas pelo mundo (BRASIL. IBGE, 2011). Seu atual chefe de

Estado é a rainha Elizabeth II e o atual primeiro-ministro e chefe de Governo é David

Cameron.

Ponto marcante na história do Reino Unido ao longo do século XX, foi sua

adesão, como membro fundador, ao Tratado do Atlântico Norte. Assinado em 1949,

em um clima de pós-guerra, este tratado tinha o fim de se antepor ao crescimento da

influência soviética, em especial na Europa, tendo ainda como uma de suas

características mais marcantes a liderança dos Estados Unidos da América.

Sobre a relação entre EUA e Reino Unido, é notório que este último, após um

momento inicial de reação à independência das Treze Colônias em 1776 e outros

pequenos desentendimentos pontuais ao longo do século XIX, firmara-se como leal

parceiro dos país norte-americano. Os EUA, sem dúvida, emergiram politicamente

muito fortes da Segunda Guerra reforçando o sentido da cooperação. A aliança

político-militar veio a amalgamar esta parceria no século XX.

Surgia desta forma um novo paradigma em termos de defesa do Estado-

nação. Afinal, nos termos do artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte, de 1949, o

Reino Unido deve considerar que um ataque armado contra um ou mais estados

parte deste Tratado, seja na Europa ou na América do Norte, deve ser tratado um

ataque armado contra todos eles. Além de assegurar a materialização da legítima

defesa coletiva conforme estabelecido no Art 51 da Carta da ONU86, tal

compromisso internacional tem reflexos na doutrina de defesa do Reino Unido,

86 Art 51: Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas... (grifo nosso)

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vislumbrando-se hipóteses de emprego neste sentido em várias passagens dos

seus manuais doutrinários.

A reconhecida capacidade militar foi testada em conflitos como o das

Malvinas em 1982, o último em que o emprego das FARU foi isolado. Aliado a outras

forças, as FARU atuaram no passado recente na Bósnia (1995), Kosovo (1999),

Afeganistão (2001 até os dias atuais) e Iraque (199187 e 2003).

Em março de 2011, as FARU iniciaram uma participação nas ações em apoio

a Resolução 1973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a fim de, com

base no capitulo VII da Carta da ONU, impor uma zona de exclusão aérea, segundo

considerações como as vistas a seguir:

Recordando a decisão de levar a situação da Líbia para o Procurador do Tribunal Penal Internacional, e salientando que os responsáveis ou cúmplices dos ataques contra a população civil, incluindo ataques aéreos e navais, devem ser levados em conta [...] Condenando atos de violência e intimidação cometidos pelas autoridades líbias contra jornalistas, profissionais da imprensa e pessoal associado e exortando que essas autoridades cumpram as suas obrigações com o direito humanitário internacional,

conforme descrito na Resolução 1738 (2006), [...] Considerando que os ataques generalizados e sistemáticos, atualmente em curso na Líbia, contra a população civil podem constituir crimes contra a humanidade

[...] 3. Exige que as autoridades líbias cumpram suas obrigações com o direito internacional, incluindo direito internacional humanitário,

direitos humanos e dos refugiados e toma todas as medidas para proteger civis e atender suas necessidades básicas e para assegurar a rápida e desimpedida passagem da ajuda humanitária; (grifo nosso)

O episódio externa a postura de protagonista do Reino Unido no cenário

internacional e sua lealdade com os Estados Unidos da América, mentor da

Resolução. Além disto, traz à baila alguns aspectos interessantes, como a motivação

da operação estar assentada no DICA, o efetivo emprego do TPI como ferramenta

de disuassão e a rápida atuação do Tribunal Penal Internacional em uma grave crise

em curso, vez que o TPI até este episódio atuava normalmente em casos pretéritos.

Em que pese a recomendação do Conselho de Segurança da ONU de 2005 ao

87 O Reino Unido empregou 45.000 homens nesta operação (SINGER E OUTRO, 2011)

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presidente do Sudão, neste caso, tal recomendação serviu de mote para uma ação

militar.

Serão estudados a seguir, aspectos da concepção de Defesa deste país,

consubstanciados no Defence Framework (REINO UNIDO, 2010), publicação

periódica do governo britânico. Segundo este documento, o Ministério da Defesa do

Reino Unido é a organização financiada pelo Parlamento Britânico responsável por

prover a Defesa.

É um departamento dentro do próprio governo, sendo dirigido por um ministro

do Gabinete, o Secretário do Estado da Defesa. Ele é o responsável perante o

Primeiro-Ministro e ao Parlamento Britânico. A Força Naval (incluindo a Marinha

Real e os Royal Marines), a Real Força Aérea e o Exército são as forças armadas de

que dispõe o Chefe do Estado-Maior de Defesa como responsável pelo emprego e

pela direção das operações militares.

Cada Força tem seu Chefe de Estado-Maior que é o responsável, entre

outras coisas, de garantir a eficiência em combate e a moral da tropa. Atualmente, o

Secretário de Defesa é Philip Hammond, antigo Secretário de Estado para a área de

Transportes e membro do parlamento britânico.

Figura 8 - Estrutura Básica do MD do Reino Unido. Fonte: Defence Framework (REINO UNIDO, 2010)

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Segundo relatório do Instituto de Pesquisas para a Paz Internacional de

Estocolmo (2012), o Reino Unido ocupa o quarto lugar mundial em termos de gastos

militares. O país é apontado ainda como um grande investidor em engenharia militar,

e ciência e tecnologia, sendo responsável por 4% das exportações globais de armas

convencionais. O trabalho aponta ainda o Reino Unido como um dos oito estados

que dispõem de armamento nuclear, tendo mais de 160 cabeças de guerra

instaladas.

A Marinha Real é considerada a segunda maior da OTAN, após a Marinha

dos Estados Unidos. O Serviço Naval (que compreende a Marinha Real e os Royal

Marines) tem um efetivo de 35.000 homens, com previsão gradativa de redução para

30.000 nos próximos cinco anos. O exército britânico tem um efetivo de cerca de

140.000 homens, enquanto a Real Força Aérea dispõe de 36.000 homens, com

previsão de redução para 33.000 em cinco anos. Isto soma cerca de 211.000

homens, dos quais doze por cento do segmento feminino. (MDRU, 2010).

Em que pese as reduções de efetivo estabelecidas no contexto da Estratégia

de Defesa (REINO UNIDO, 2010b) denominada ―A Strong Britain in an Age of

Uncertainty88‖, analistas acreditam que as FARU não perderão sua eficiência. Como

assevera Richards (2011), por exemplo, o Reino Unido continuará a ser uma das

poucas nações com a possibilidade de lançar uma brigada expedicionária de pronto

emprego e mantê-la por longos períodos.

As forças especiais e a segurança cibernética não foram apenas poupados

dos cortes, mas receberão acréscimos de investimentos. Além disto, o orçamento

para o setor de inteligência ficará relativamente intocado, enquanto o

contraterrorismo recebe um impulso e a dissuasão nuclear naval continua em vigor.

Operações como a do Afeganistão, a luta contra a Al-Qaeda e o ―cibercrime‖

continuam ativas levando a Secretária de Estado norteamericana Hillary Clinton a

afirmar que o aliado histórico "continuará a ser uma potência de primeira ordem

militar".

No contexto geral da Segurança Nacional, sete tarefas são estabelecidas

como o que de contribuição pode se esperar que o Governo solicite às Forças

88 Uma Grã-Bretanha forte em uma era de incerteza, (tradução livre do autor).

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Armadas. Estas Tarefas Militares servem para orientar o planejamento de emprego

das Forças Armadas e refletirão na doutrina vigente. São apontadas como as

principais Tarefas Militares que as FARU podem receber atualmente, segundo o

Defence Framework:

- fornecer informações estratégicas;

- prover a dissuasão nuclear;

- defender o Reino Unido e seus territórios ultramarinos;

- apoiar as operações civis de emergência em tempos de crise;

- dar uma contribuição em termos de Defesa à influência do Reino Unido;

- defender os interesses do Reino Unido projetando poder estrategicamente e

através de intervenções expedicionárias, e

- proporcionar segurança para a estabilização.

Assim, observa-se que, em razão das Tarefas Militares que as FARU estão

sujeitas de serem solicitadas a cumprir, elas são obrigadas a estar em condições de

operar fora do seu território, em conflitos armados internacionais. Tal hipótese

estaria englobada por quase todas as tarefas listadas, em especial ―defender o

Reino Unido e seus territórios ultramarinos‖ e ―defender os interesses do Reino

Unido projetando poder estrategicamente e através de intervenções

expedicionárias‖. Pode-se vislumbrar a presença das FARU pelo mundo na figura

abaixo. Destaca-se a presença de quase 10.000 homens na International Security

Assistance Force (ISAF) no Afeganistão desde 2001 e as tropas nas Ilhas Malvinas

(ou Falklands) colocadas como ―a powerful garrison on the islands to deter the threat

of future invasion89―.

89 Em tradução livre: uma guarnição poderosa nas ilhas para deter uma ameaça de invasão futura.

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Figura 9 - Desdobramento do Exército do Reino Unido em junho de 2010. Fonte: Reino Unido (2010)

Vale ressaltar, ainda, a corrente atuação no conflito da Líbia. Como ressalta

Dal Maso Jardim (2011), este incidente se reveste de características bastante

peculiares, até mesmo para o âmbito das revoluções nos países árabes de 2011,

iniciadas na Tunísia e rapidamente se espalhando para inúmeros países como Egito,

Síria, Iêmen e Bahrein.

Ao surgirem indícios que Kadafi estaria atacando civis nacionais, foi

disparada uma gama de reações da sociedade internacional, destacando-se uma

pressão por parte do TPI no sentido de se indiciar o presidente líbio sob a acusação

de crimes de guerra. Neste contexto, foi aprovada Resolução do Conselho de

Segurança das Nações Unidas no sentido de, entre outras coisas, se criar uma zona

de exclusão aérea na Líbia, missão que o Reino Unido participou como membro da

OTAN. As ações subseqüentes incluíram envio de tropas britânicas para treinar os

rebeldes líbios. Kadafi foi preso e, provavelmente, assassinado em outubro de 2011.

As circunstâncias chamaram a atenção do TPI.

Em termos doutrinários, as FARU, no JDP 01 (2008), entendem que o bom

desenrolar das operações militares requer uma base comum de entendimento

intelectualmente forte, claramente articulada e com base empírica garantindo assim

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uma vantagem para as Forças Armadas de um país e seus prováveis parceiros na

gestão de um conflito. Esta base comum de entendimento é fornecida pela doutrina.

Reconhecendo uma estreita ligação com a OTAN, a doutrina do Reino Unido

é, na medida do possível, coerente com a desta organização. O desenvolvimento da

doutrina das FARU aborda essas áreas não cobertas adequadamente pela OTAN,

colaborando com a evolução da doutrina desta organização, em conformidade com

o pensamento e experiência nacional.

A Figura abaixo ilustra dois aspectos importantes das FARU: a doutrina

(―Concepts and Doctrine”) como vetor na formação de capacidade militar90 e a

mentalidade de emprego conjunto (―Joint Capability Packages‖). Segundo o Defence

Framework (2010), o adestramento de forças forças conjuntas é elencado como um

dos processos principais na construção de capacidades militares. Como processo de

apoio essencial de que este adestramento depende se enumera a doutrina.

Figura 10 - A Doutrina como vetor de formação de capacidades conjuntas nas Forças Armadas do Reino Unido. Fonte: Reino Unido (2008)

90 Segundo o Defence Famework (REINO UNIDO, 2010), capacidade militar (―military capability”) é a capacidade contínua de alcançar um resultado operacional desejado ou efeito.

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Quanto a doutrina referente ao DICA, é algo que remonta ao início do último

século, com a inclusão de um tópico ―Leis da Guerra Terrestre‖ em seu Manual de

Direito Militar editado em 1914. Além disto, o trato dos ingleses para com os PG

argentinos durante a Guerra das Malvinas se tornou leading case na disciplina,

citado inclusive pelo CICV. Para o presente estudo, portanto, aspectos do DICA

estampados na doutrina deste país serão de valor.

5.2 O PROCESSO DE PLANEJAMENTO DE COMANDO CONJUNTO BRITÂNICO

O Plano não é nada. Planejar é tudo.

Eisenhower (REINO UNIDO, 2008)

Para a doutrina militar do Reino Unido, operações conjuntas são definidas

simplesmente como ―Operations in which 2 or more Services participate‖. Mas a

publicação deixa claro que, para serem eficazes, as operações conjuntas devem ser

muito mais que apenas uma série de discretas operações conduzidas por um

comando único. Segundo a JDP 01 (2008), uma campanha conjunta de sucesso

deve se assemelhar mais a um composto resultado da interação de vários

elementos do que apenas a uma combinação de elementos, fazendo assim melhor

uso de todos os recursos disponíveis91.

Antes de tecer mais detalhes a respeito do processo empregado para planejar

estas operações, cabe salientar que seu nível de amadurecimento merece destaque.

Conforme visto anteriormente, o RU foi consideravelmente envolvido na 2ª GM,

integrante da força aliada vencedora e coator mais próximo do grande vencedor do

conflito: os Estados Unidos da América. Sendo a 2ª GM um grande divisor de águas

nas operações conjuntas e os EUA seu mais proeminente difusor, infere-se que o

processo britânico tende a ter um bom nível de desenvolvimento.

91 Effective joint operations are, however, more than just a series of discrete operations carried out under a single command. A successful joint campaign resembles a composite rather than just a combination of elements, making best use of all available capabilities and managing, in particular, the vital interplay between land/air, maritime/air and maritime/land assets. Although the operational level is invariably joint, joint operations are not always set at the operational level; tactical activity frequently involves more than one Service. (JDP 01,

2008)

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A estrutura de tempo de paz do MDRU colabora para um eficaz emprego

conjunto das forças, por meio de órgãos como o que o Defence Framework (REINO

UNIDO, 2010) chama de Permanent Joint Headquarters (Quartel-general Conjunto

Permanente, em tradução livre). Entre as tarefas deste QG Conjunto Permanente,

destacam-se:

- prover assessoramento militar politicamente coerente com os compromissos estratégicos do RU a tropas em operações conjuntas ou combinadas no exterior;

- quando determinado pelo Chefe do Estado-Maior de Defesa, exercer o comando das forças designadas para operações internacionais conjuntas e combinadas, a fim de alcançar os objetivos estratégicos do Reino Unido;

- em conjunto com os comandos de cada Força armada e Chefes de Escritório, desenvolver a capacidade conjunta do Reino Unido de combate; e

- aprimorar a eficácia e a eficiência das bases permanentes de operação conjunta, de modo que elas sejam otimizadas para

atender as missões futuras e atuais. [grifo nosso]

Assim, a noção de emprego conjunto no Reino Unido é uma regra, e não uma

operação eventual, feita de maneira episódica de acordo com as possibilidades

específicas de cada força. Enquanto a reduzida dimensão geográfica do RU pode

fazer com se acredite que estas tarefas sejam mais fáceis em um espaço menor, o

desdobramento das FARU pelo mundo, conforme ilustrado na Figura 09, deixa claro

que sua área de atuação é bem ampla. Neste sentido, o QG Conjunto Permanente

surge como uma ferramenta imprescindível e central no Processo de Planejamento

de Comando para Operações Conjuntas.

A fim de se compreender a fase do planejamento operacional conjunto das

FARU correspondente ao exame de situação brasileiro, será percorrido um caminho

lógico iniciado pela Publicação de Doutrina Conjunta 1-00 Campanhas (JDP 01,

Joint Doctrine Publication 01 Campaigning) para, em seguida, se estudar o manual

diretamente afeto ao tema, a Publicação de Doutrina Conjunta 5-00 Planejamento de

Campanhas (JDP 5-00 Joint Doctrine Publication 5-00 Campaign Planning).

Na parte introdutória da Publicação de Doutrina Conjunta 1-00 Campanhas

(JDP 01, Joint Doctrine Publication 01 Campaigning), percebe-se a valorização de

alguns princípios de guerra similares aos de outras forças ocidentais, como Objetivo,

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Segurança, Surpresa, Massa, Economia de Meios, Ofensiva, Manutenção do Moral,

Flexibilidade, Cooperação e Sustentabilidade. Estes princípios devem orientar

comandantes e seus estado-maiores nos planejamentos e condutas de qualquer

atividade militar das FARU, não apenas de guerra. Neste ponto surge um aspecto

que interessa sobremaneira ao DICA. O JDP 01 acrescenta que existe um fator

adicional: a legitimidade. Explicando a seguir que:

Legitimacy is a significant additional factor, influencing the application of force in particular; legitimacy is broader than legality, and encompasses political, moral, and ethical propriety as well. It is an important factor in creating and sustaining Campaign Authority: „the authority established by international forces, agencies and organisations within a given situation in support of (or in place of) an accepted (or ineffective, even absent) indigenous government or

organisation.

Legitimidade é um fator adicional significativo, influenciando a aplicação de força, em particular. A legitimidade é mais ampla do que a legalidade e engloba a correção política, moral e ética. É

um fator importante na criação e sustentação da Autoridade da Campanha. Autoridade da Campanha é "a autoridade estabelecida por forças internacionais, de agências e organizações dentro de uma dada situação de apoio (ou, no lugar de) a um governo aceito (ou ineficaz, ou mesmo ausente)‖92. (grifo do autor)

Ao longo de seus esforços para estabilizar o Iraque e Afeganistão, os Estados

Unidos cada vez mais invoca o trabalho de civis contratados. De acordo com

Lindemann (2007), o Comando Central dos EUA contabilizava, no final de 2006,

cerca de 100.000 empreiteiros operando apenas no Iraque. Estima-se que 30.000 -

mais que o número de forças não-americanas da Coalizão no Iraque - fornecem

serviços militares armados como a segurança pessoal e de instalações. Neste

contexto, o fenômeno Blackwater foi marcante nas operações dos EUA no Iraque. O

governo dos EUA contratou empreiteiras para operar sistemas de armas, interrogar

prisioneiros, e conduzir comboios através de áreas de alto risco.

Também o RU se serve deste expediente, em especial no sistema

operacional logística. Segundo o Comodoro-do-Ar Andy Gell93 (2011), as forças

armadas do Reino Unido empregam amplamente a terceirização nas operações de

combate em que se envolve, mormente na logísitca no inóspito teatro de operações

do Afeganistão.

92 Tradução livre pelo autor. 93 O militar era, na ocasião, o Chefe de Política de Logística de Defesa do Reino Unido.

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A autoridade compreende que a questão do emprego de civis no teatro de

operações, à luz do DICA é delicada. Ele assevera todavia que, sob o seu ponto de

vista, civis contratados não exercem atividade de combate, mantendo portanto o

status de civil e de não-combatente com todas as prerrogativas que as Convenções

de Genebra lhes garantem.

No que diz respeito ao emprego da força, a postura de Estado do Reino

Unido é de que, frente a situações complexas, buscam-se ações em diversos

campos de atuação, valendo-se principalmente de instrumentos diplomáticos,

econômico e militar. O RU entende que, apesar de cada um deles ser limitado, em

termos de sua influência e impacto, o emprego cuidadoso de todos os instrumentos

em conjunto - utilizando princípios gerais comuns e processos colaborativos na

obtenção de uma abordagem global do problema - aumenta as chances de um

desfecho favorável da situação problema.

Assim, fica claro que o estado britânico reconhece a extrema necessidade de

se estudar uma situação problema por meio de uma perfeita harmonia entre diversos

atores distintos, não somente o militar. O JDP 01, todavia, deixa bem claro que ―…in

situations of extreme violence, the ultimate responsibility must rest with the

military commander94‖ (grifo nosso). Consagra-se assim a noção de que o

planejamento da campanha é interdisciplinar, mas o especialista em emprego de

violência autorizada pelo estado britânico é o comandante militar. Tal assertiva se

reveste de fundamental importância para o Direito Internacional dos Conflitos

Armados, em especial no que se refere à responsabilidade de comando.

Segundo o JDP 01, este especialista em uso autorizado da violência, se

estiver a frente de uma força conjunta britânica terá as seguintes atribuições no

planejamento de uma campanha, tudo naturalmente apoiado no trabalho de seu

Estado-Maior: a formação e o desenvolvimento das idéias operacionais iniciais95;

tradução dessas idéias em uma ou mais Linhas de Ação viáveis; seleção de uma

94 Em situações de extrema violência, a responsabilidade derradeira deve ser do comandante militar. (tradução livre do autor) 95 A doutrina britânica se vale do conceito de Desenho Operacional. Para esta metodologia, os principais elementos que irão nortear o Desenho da Campanha, e pelo qual as idéias do comandante de força conjunta são traduzidas em ações são: a Análise Operacional, os Conceitos do Planejamento de Campanha e o Plano de Campanha. Estes são descritos abaixo.

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Linha de Ação específica, e a determinação de um adequado Conceito da

Operação.

Na fase inicial, em que o planejador deve visualizar como cumprirá sua

missão, chama-nos a atenção em termos de DICA, a autorização que o JDP 01 faz

da tomada de riscos. Reza a doutrina britânica que freqüentemente será necessário

sobrepesar entre se enfatizar uma estável conquista de objetivos estratégicos de

longo prazo e oportunidades fugazes de risco muito maior, mas de efeito de curto e

ainda possivelmente médio e longo prazos.

A doutrina de planejamento conjunto do Reino Unido aqui reforça Clausewitz

(2003) aceitando a guerra como o domínio da incerteza, em que mais de setenta e

cinco porcento das ações permanecem ―nas brumas‖. Sendo assim, mais eficaz é o

comandante que consegue extrair no meio da bruma aquelas variáveis do campo de

batalha que de fato permitam diminuir os riscos. Pela eficiente diminuição dos riscos

estaria o comandante interferindo decisivamente no resultado final da campanha.

A tomada de riscos, portanto, pode funcionar como um atalho, ou até mesmo

como única saída96 para a resolução de um problema militar. A autorização

doutrinária de se assumir riscos, todavia, não deve servir de argumento para

violações claras do DICA, como, por exemplo, empreender um ataque ―arriscando-

se‖ destruir um bem histórico reconhecidamente protegido.

Em respeito ao princípio de guerra do objetivo, a doutrina britânica elenca o

estado final desejado da campanha - e sua relação com a solução desejada - como

o ponto focal do planejamento. O Glossário do Reino Unido de Termos e Definições

de Emprego Conjunto e Multinacional (REINO UNIDO, 2006) define o estado final

desejado da campanha como sendo: ―The political and/or military situation to be

attained at the end of an operation, which indicates that the objective has been

achieved. The end state should be established prior to execution97‖ (grifo nosso). O

estado final desejado deve esclarecer, dentro do espectro da abordagem

96 Sobre o risco como única saída, o JDP menciona o episódio em que o general Petraeus se dispôs a assumir riscos de curto prazo no Iraque, em 2007, ao explorar o "despertar" de ex-rebeldes que se voltaram contra a Al-Qaeda no Iraque. Petraeus entendeu que sem o risco de tal progresso no curto prazo, poderia sequer haver um longo prazo. 97 A situação política e / ou militar a ser atingida no final de uma operação, o que indica que o objetivo foi alcançado. O estado final deve ser estabelecido antes da execução. Tradução livre do autor. (grifo nosso)

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multidisciplinar da situação-problema, qual será a contribuição do ponto de vista

militar para a solução da questão.

O JDP 01 acrescenta que um comandante conjunto pode receber o estado

final desejado ou obtê-lo por meio da interpretação das diretrizes recebidos do

escalão superior, mesmo que este seja o nível político. Caso ele venha a elencar o

estado final desejado, uma análise subseqüente deve esclarecer e confirmar a

compreensão do comandante acerca das diretrizes que recebeu, validando assim

seus objetivos de campanha e estabelecendo as bases em que serão planejadas as

atividades militares.

A seguir o JDP 01 faz algumas observações acerca da Análise Operacional,

citada acima como um dos elementos mais relevantes do Desenho Operacional. Ela

consiste em um processo de resolução de problemas, aplicado a problemas muitas

vezes mal definidos em ambientes incertos e dinâmicos, em situações de elevados

riscos em que há ainda a pressão de tempo.

Seu produto final é uma decisão sobre o que fazer e quando e onde fazê-lo.

Na prática e especialmente em situações onde as forças e comandantes militares

estão envolvidos com outras agências e partes interessadas, esta decisão pode

refletir um julgamento ou mesmo um compromisso comum. Tal noção de

compromisso comum é extremamente útil para se garantir um adequado equilíbrio

de interesses naquilo que o manual chama de ―relevant operational community‖.

Esta comunidade operacional relevante é o conjunto de atores que devem agir nos

conflitos atuais, encabeçadas pela força conjunta, mas composta de inúmeros outros

entes.

A obra estabelece que a Análise Operacional somente funcionará

adequadamente se o comandante conjunto atentar para dois aspectos

fundamentais: compreender o problema e focar no estabelecimento da ―arte do

possível‖.

Para se ter a compreensão do problema, o JDP 01 afirma que o comandante

deve analisar a missão atribuída e o objetivo a ela relacionado. O objetivo é o

aspecto em que a missão se apóia ou aquele que apresenta a maior resistência a

essa missão. Especialmente em operações de vulto, este objetivo tenderá a ser as

forças militares do adversário. Sob este ponto, o JDP assevera que apenas com

uma análise detalhada de missão e de seu objetivo, logo no início do processo de

planejamento, será possível se chegar a um conceito da operação adequado.

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A criação da ―arte do possível‖, por sua vez, consiste num entendimento

completo do problema militar, estabelecendo-se uma base lógica para que o

comandante possa fornecer a devida orientação para seu estado-maior conjunto.

Para que isso ocorra, a doutrina britânica compreende que se deve trabalhar com

fatores de planejamento especialmente selecionados para aquela situação

problema, evitando-se as listas de verificação predeterminadas. Observa-se neste

ponto uma ressalva ao emprego indiscriminado aos consagrados mementos e check

lists tão comuns no meio militar; tudo a fim de se evitar engessar o raciocínio do

estado-maior conjunto. Caracteriza-se aqui a valorização do princípio de guerra da

flexibilidade, já mencionado supra.

Assim, a Análise Operacional fica compreendida como um processo interativo

entre o comandante conjunto e seu estado-maior para a formulação inicial do plano

de campanha, e sua conseqüente adaptação ao longo do tempo, gerando ordens e

de diretrizes aptas para cumprir a missão.

Este processo tem cinco premissas básicas a serem perseguidas. A primeira

delas diz respeito à análise precisa das diretrizes do escalão superior e do contexto

em que a situação-problema se encontra, a fim de ―enquadrá-lo‖ convenientemente.

Deve-se deixar bem claro qual a natureza da ameaça e como ela se manifesta,

tendo a atenção de se considerar que, atualmente, o foco não pode ser apenas o

oponente militar, uma vez em que em muitos casos pode não haver nenhum

protagonista assim como entendidos na guerra convencional.

A partir desta definição, o comandante e o estado-maior devem analisar qual

a possibilidade efetiva de emprego e como a força conjunta deve ser manobrada e

estruturada em razão disto. A análise deve passar pela avaliação do nível de

interação civil-militar necessário e quais atores do componente civil poderão ser

considerados hostis, neutros, aliados ou colaboradores. Além disto, a existência de

refugiados deve ser levada em conta. Neste ponto, a doutrina britânica faz uma

observação final relevante: ―This interaction may be the crucial flank98‖.

Verifica-se aqui, que o processo de resolução de problemas da Análise

Operacional do Reino Unido reconhece a atualidade das considerações civis no

planejamento das campanhas conjuntas em conflitos contemporâneos, colocando-as

sob o status de possível ponto de fraqueza, ou flanco exposto da campanha.

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Por fim, nesta fase do ―enquadramento‖ da situação problema, o comandante

conjunto e seu estado-maior devem investigar qual é o nível de consentimento e de

respeito que a força conjunta deve esperar e suas conseqüências. Tais aspectos

irão nortear, entre outras coisas, a postura das forças e a necessidade de ações

para se buscar aumentar o consentimento para um nível que torne o ambiente

operacional favorável ao desencadeamento das ações.

Figura 11 - O ―enquadramento‖ da situação problema e a compreensão do ambiente operacional. Fonte: Reino Unido (2008)

A segunda premissa em que a Análise Operacional se baseia é a de garantir

a maior clareza possível no concerto dos outros entes envolvidos na campanha, em

especial no resultado desejado e na contribuição que cada um deve apresentar para

o atingimento dos objetivos da campanha.

A terceira premissa diz respeito ao cuidado na confirmação de uma perfeita

interligação entre os objetivos da campanha e os esforços estabelecidos para cada

instrumento de poder empregado. Tal premissa é chamada pelo JDP como a ―a

validação dos objetivos de campanha‖ e atende ao princípio de guerra do objetivo.

A quarta premissa é que as possíveis linhas de ação deve ser elaboradas em

coerência com o estado final desejado para a campanha. Por fim, é prevista a

98 Esta interação pode ser o flanco crucial (tradução livre do autor).

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constante revisão pelo comandante conjunto da LA selecionada, ainda que durante

a execução da campanha.

A doutrina britânica de planejamento conjunto observa que devido a

complexidade dos conflitos contemporâneos, a tomada de decisão se torna muitas

vezes um polêmico processo coletivo, em que - não obstante os méritos do

planejamento racional - às vezes fatores sociais, inter-pessoais e institucionais

desempenham um papel importante. Em face desses desafios, o comandante

conjunto, com base na sua experiência pessoal, deve buscar desenvolver uma

abordagem própria para a situação em curso.

A partir destas considerações, o JDP elenca uma gama de metodologias que

podem apoiar a tomada de decisão. Elas consistem em uma flexibilização do

processo de tomada de decisão, com escopos diferentes de acordo com as

necessidades da situação-problema. O quadro a seguir, as resume:

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Metodologia de suporte à tomada de

decisão

Descrição Escopo

Análise de Riscos e Gestão

Identificação, avaliação e gerenciamento pelo Cmt Cj dos riscos envolvidos, fornecendo diretrizes ao seu EM e forças subordinadas para a redução de riscos.

Redução dos riscos, incluindo a delegação de assunção de riscos para o Esc subordinado e a transferência de riscos insuportáveis ao Esc superior.

Inimigo Vermelho e Jogo da

Guerra

Constituição de uma equipe independente com espírito de ―Inimigo‖. Jogo da Guerra com emprego de especialistas em análise operacional e foco na geração de planos de contingência pelo EM.

Reforço da análise crítica e lógica, validando o planejamento da campanha, tanto antes como durante sua execução.

Designação de Mentores

Nomeação de um oficial antigo como mentor, pelo Esc superior, ou mesmo designação de um no âmbito da Força Conjunta.

Disponibilizar ao comandante conjunto os benefícios da experiência de um terceiro de forma objetiva e confidencial, a fim de melhorar a qualidade de sua tomada de decisão.

Facilitação

Uso de facilitadores treinados (normalmente distintos do comandante ou de qualquer líder com poder executivo ou de representação) em especial no planejamento em um contexto multi-agências.

Assegurar a efetiva participação de todos os agentes, incluindo aqueles inexperientes em práticas de planejamento formal de campanhas. Eficiente gestão de conflitos internos dentro de um grupo com potencial de ocorrer antagonismos.

Dissidência Institucionaliza

-da

Designação de um ―Advogado do Diabo‖99 externo questionando o trabalho do EM.

Evitar os perigos do groupthink100,

que pode conduzir o EM a chegar a conclusões prematuras. Assegurar que a elaboração de uma linha de ação não venha a ser mero resultado de acomodação do EM. Evitar que um EM Cj possa vir a desenvolver elevado nível de coesão que pode, em algumas circunstâncias, diminuir a eficácia de sua tomada de decisão.

Quadro 03 – Metodologias de suporte à tomada de decisão no processo de planejamento conjunto do Reino Unido. Fonte: o autor, com base em Ministério da Defesa do Reino Unido (2008).

99 Aquele que se encarrega de opor e sustentar objeções a qualquer tese, ou anda sempre a levantar dificuldades, a criar objeções. (HOLANDA, 2010) 100 Fenômeno que ocorre quando membros de um grupo homogêneo e coeso tentam minimizar conflitos e chegar a uma decisão por consenso sem uma avaliação crítica das idéias ou pontos de vista alternativos (OREGON, 2011).

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A tomada de decisão, desde que tomada tempestiva e eficazmente, é vista

pela doutrina britânica como um sustentáculo do comando e de caráter fundamental

para o sucesso das operações. Se bem conduzida, permite ainda a otimização do

tempo, um dos fatores da decisão para o Brasil. O Reino Unido também coloca a

avaliação de riscos como um aspecto a não ser olvidado, considerando que grande

parte da arte de comandar depende do reconhecimento de quando decidir, bem

como quando agir.

Esta capacidade do comandante conjunto de identificar quando decidir e

quando agir se assentam no bom julgamento e intuição, baseados na consciência da

situação em curso. Para haver esta consciência, o Reino Unido entende que apenas

uma gestão eficiente pode garantir que o enorme volume de informações

potencialmente disponíveis para um comandante conjunto não venham a obstruir ou

tornar por demais sobrecarregado o processo de tomada de decisão.

Além da busca por decisões oportunas e corretas, o comandante conjunto

britânico também deve ter seu foco na eficácia e, sempre que possível, buscar a

comunicação pessoal de suas decisões aos seus subordinados. Mais importante que

tudo isso, entretanto, será sua capacidade de tomar decisões difíceis,

particularmente quando as informações disponíveis forem ambíguas ou incompletas.

A doutrina conjunta do Reino Unido considera este o aspecto que caracteriza ―a

strong commander101‖.

Somente a clara compreensão da natureza do problema miltar permitirá ao

comandante conjunto ser capaz de tomar decisões de qualidade. Uma segura

orientação do escalão superior, uma análise operacional bem feita e um eficiente

processamento do sistema inteligência auxiliam sobremaneira o comandante, a este

respeito.

O JDP 01 compreende, todavia, que apesar de tudo isto, um entendimento

completo dos fatores mais intangíveis e mais amplos em torno da questão só

poderão vir de investigação, estudo, consultas e debates com os principais atores

militares e não-militares. Ainda que o comandante conjunto britânico tenha

angariado algumas destas habilidades por meio de experiência anterior, este

101 Um comandante forte, competente (tradução livre do autor).

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"sentir"102 da situação deve ser apurado rapidamente desde o momento em que o

comandante é designado devendo continuar ao longo de toda a campanha.

Mesmo reconhecendo o instinto como um dom dos grandes chefes militares,

o JDP 01 deixa claro que isto não significa abrir mão de um processo de tomada de

decisão, ainda que em situações limite: “Even when a very rapid decision is required,

decision-making should be structured and supported by appropriate tools and

procedures‖. Em resumo, mesmo uma decisão sob pressão, deve ser tomada sob a

égide de um processo. Este deve seguir uma estrutura e ter apoio em ferramentas e

procedimentos adequados.

O processo de tomada de decisão para o planejamento de operações

conjuntas das forças armadas britânicas segue um rito de quatro fases.

Na primeira fase, a de ―Diretrizes‖, o comandante conjunto determina a

natureza da decisão exigida e o tempo disponível para se fazer isso,

disponibilizando tempo suficiente para o planejamento e a preparação de seus

subordinados. Em seguida, ele emite orientações de planejamento ao seu estado-

maior e demais subordinados para que alinhavem toda a ação

exigida para se cumprir a missão. O escopo aqui é permitir ao comandante conjunto

chegar posteriormente à sua decisão de maneira tempestiva e ordenada.

A seguir, segundo o JDP, se inicia a fase das ―Consultas‖. De acordo com o

manual, a consulta o mais rápido possível com outros comandos permite ao

comandante conjunto compreender as principais inquietações dos outros

comandantes. Além disto, em contato com outros quartéis-generais, o comandante

conjunto poderá avaliar melhor a possibilidade e impactos de alterações posteriores

nas diretrizes já emanadas.

Essas consultas devem ocorrer em três direções: para cima, a fim de se

buscar orientações e garantir que o escalão superior está a par das intenções do

comandante conjunto; para os lados, a líderes de igual estatura no meio civil, seus

próprios consultores (como os legal advisers, por exemplo) e seus oficiais de estado-

maior, preferencialmente os mais experientes; para baixo, aos comandantes

102 Neste ponto a doutrina britânica se vale de Charles de Gaulle: ―Os grandes líderes militares sempre tiveram consciência da importância do instinto. O que Alexander chamou sua "esperança", César a sua "sorte" e Napoleão sua ―estrela‖ era simplesmente o fato de que eles sabiam que tinha um dom especial de

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subordinados para assegurar que eles compreenderam o problema militar, e que

tem a oportunidade de contribuir para sua solução, gerando ainda uma sensação de

compromisso com as decisões posteriores tomadas no comando conjunto.

Por fim, referente a esta fase das ―Consultas‖, vale mencionar que a doutrina

britânica privilegia, além do princípio da Cooperação, o da Surpresa, ao ensinar ao

comandante conjunto que ele, não raro, terá vantagens consideráveis elaborando

um planejamento inicial rapidamente, desde que tome esta iniciativa em colaboração

com outros comandos. A ressalva é feita, todavia, de que o comandante conjunto

precisa estabelecer procedimentos firmes para gerenciar as consequências do

primeiro contato de seu planejamento inicial com as ―forças amigas". Em suma, ao

consultar outros entes, eles naturalmente podem vir a discordar das diretrizes

emanadas na primeira fase do processo, exigindo flexibilidade por parte do comando

conjunto para se adaptar aos novos inputs.

A próxima fase do processo de tomada de decisão conjunto britânico é a da

―Análise‖. O manual JDP estabelece que, antes de chegar a sua decisão, o

comandante conjunto deve considerar todas as informações e assessoramentos de

seus comandantes táticos, além, é óbvio, do trabalho do seu estado-maior. Apesar

de o comandante conjunto invariavelmente exercer seu juízo se valendo de

informações incompletas, esse risco pode ser reduzido caso os elementos

essenciais de informação críticos sejam identificados e satisfeitos o mais

rapidamente possível.

A quarta fase do processo é a da ―Decisão e Execução‖. Apesar de

parecerem duas semifases em uma, a partir da importância que a doutrina britânica

dá à supervisão que se deve fazer sobre a decisão tomada, compreende-se porque

decisão e execução são consideradas num estágio único do processo.

A publicação ressalva ainda que as quatro fases do processo de tomada de

decisão do comandante conjunto ocorrerão frequentemente de maneira simultânea,

e não linear e consecutiva. Neste contexto, o prazo fatal para que a decisão seja

tomada pode estar claro e aflorar das próprias circunstâncias. Se isto não ocorrer,

entretanto, este ―quando se tomar a decisão‖ deve ser claramente estabelecido

durante a primeira fase, a de ―Diretrizes‖.

estabelecer contato com a realidade das situações problema tão intimamente a ponto de dominá-las.‖

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As fases da ―Consulta‖ e da ―Análise‖ podem se mesclar, levando à tomada

de decisões em curto espaço de tempo, ―pra já‖. Tomada em prazo curtíssimo, a

decisão irá invariavelmente envolver o juízo do comandante conjunto sobre uma

nuvem de informações incompletas, o que significa dizer que riscos103 não poderão

ser absolutamente evitados. O Reino Unido prefere, entretanto, que se privilegie a

iniciativa e a impulsão, evitando a paralisia em razão de se esperar um inalcançável

esclarecimento completo da situação.

A doutrina britânica alerta que os comandantes conjuntos devem possuir o

discernimento para saber o que e a quem delegar. Devem ter a consciência que

embora possam delegar a sua autoridade, eles conservam sempre para si a

responsabilidade. Tal aspecto coaduna para a quase inafastabilidade da

responsabilidade de comando, conforme prescreve o DICA. Cabe ressaltar que ela

pode abranger, além do comandante conjunto, também os elementos de estado-

maior.

Neste ponto vale identificar uma lição estampada na parte que toca os

cuidados que o comandante conjunto deve ter ao empregar forças conjuntas. O JDP

01 entende que um comandante, ao ter ao seu dispor uma força conjunta, deve

buscar selecionar os meios para cumprir determinada atividade operacional, com

base nos requisitos que a atividade requer e nas capacidades das forças a ele

adjudicadas.

O comandante deve deixar bem clara a sua intenção para que, durante a

―orquestração‖ dos meios adjudicados, todos eles colaborem de maneira adequada

para que a missão seja cumprida.

Para tanto, o manual elenca alguns cuidados a serem tomados pelo

comandante ao trabalhar com uma força conjunta. Ele deve ter em mente três

aspectos. O primeiro deles é que:

Ensure that all activities are effectively targeted, not least to ensure that they are mutually supporting and undertaken in accordance with the Laws of Armed Conflict (LOAC).

[...] The principles of the LOAC are distinction, proportionality, military necessity and humanity104. [JDP 01, 2008] [grifo nosso]

103 O gerenciamento de riscos no EM conjunto do Reino Unido já foi abordado supra. 104 Assegurar que todas as atividades estão bem orientadas, sobretudo para garantir que as forças se apoiam mutuamente e atuam de acordo com o Direito Internacional dos Conflitos

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O segundo cuidado diz respeito a verificar a coerência e a integração entre as

ações do escalão superior e aquelas elencadas pelo escalão em tela. Por fim, o

comandante conjunto deve considerar a influência de políticas nacionais ou

multinacionais nas tomadas de decisão.

Estas políticas em regra consideram a questão humanitária, no sentido de

apoio à população civil presente no TO. Tal questão também é colocada no manual,

como informação ao comandante conjunto de que cada vez mais, as operações

militares são coordenados e harmonizadas com as de outras agências, incluindo

ONGs, Organizações Internacionais. A título de exemplo, enumera-se o

normalmente presente Escritório da ONU para a Coordenação dos Assuntos

Humanitários (OCHA), o qual estabelece um centro de coordenação em toda grave

crise humanitária.

Vale a consideração que tais organismos colaboram na consciência

situacional e na adequada ―orquestração‖ dos meios adjudicados. é comum

entretanto, que, fruto de seu conhecimento do assunto e de experiência em conflitos

armados, sejam também fiscais do Direito Internacional dos Conflitos Armados,

cobrando da força conjunta ações em acordo com a lei e denunciando violações.

Seu trabalho, por exigir trato direto com a população local, lhes empresta acesso

direto a informações acerca disto.

As decisões críticas que um comandante de força conjunta deve tomar nas

FARU são destacadas no JDP 01. A primeira decisão importante é, no início do

processo de tomada de decisão, selecionar um conceito vencedor para a campanha

e a melhor linha de ação. Tirando esta, demais decisões críticas devem abranger

aspectos susceptíveis de determinar o sucesso ou fracasso da campanha.

Entre estas, três se destacam. A primeira é a posição inicial da força conjunta.

Sua importância é colocada como fundamental, uma vez que posteriores re-

posicionamentos podem não ser possíveis. Assim, o comandante conjunto deve se

concentrar no que ele está tentando alcançar na área de operações e, a partir deste

trabalho, determinar o posicionamento inicial de sua força.

Armados. Os princípios do DICA são distinção, proporcionalidade, necessidade militar e humanidade (tradução livre do autor).

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A segunda diz respeito à determinação do esforço principal. Tal decisão é

mencionada como crítica, pois permitirá concentrar as atividades da força sobre as

ações que o comandante conjunto julgar vitais. Uma mudança no esforço principal

requer uma análise cuidadosa e não deve ser feita sem um calendário pré-

estabelecido. Alterações com muita freqüência podem dissipar o poder de combate

em vez de alcançar a concentração, apesar de o JDP fazer a ressalva que uma

rápida mudança no esforço principal pode ser também uma excelente maneira de se

aproveitar um êxito ou uma oportunidade imprevista.

O emprego da reserva é também citado como uma decisão considerada

crítica. Se o comandante optar por manter uma reserva (o que pode ser discutível

em operações conjuntas de nível operacional no Reino Unido), a decisão de

empregá-la deve recair exclusivamente nele.

A doutrina britânica elenca dois fatores como vitais para esta decisão:

emprego oportuno, e a segurança da força empregada. Para analisá-los, o

comandante deve ter perfeita noção dos tempos de desdobramento e de

deslocamento da reserva, de modo a ter o efeito desejado sobre o inimigo – uma

ação desencadeada muito cedo ou muito tarde pode ter conseqüências desastrosas,

seja para a campanha, seja para a própria reserva.

Finalizando este ponto, deve o comandante conjunto disfarçar suas intenções

de modo a aumentar a incerteza do inimigo e, assim, ampliar, uma vez empregados,

os efeitos da reserva. Percebe-se aí respeito a princípios de guerra elencados supra,

como o da segurança e da surpresa.

Outra decisão crítica que um comandante conjunto deve se ater diz respeito

ao emprego de forças especiais. O JDP 01 alerta que as operações com forças

especiais podem oferecer ganhos consideráveis para o sucesso da campanha.

Todavia, pela sua natureza complexa e potencialmente alto risco, exigem uma

coordenação cuidadosa. Uma vez que há ocasiões em que o comandante conjunto

não poderá controlar diretamente as forças especiais no terreno e que os efeitos

decorrentes de suas operações são susceptíveis de real impacto sobre as condições

na área de operações conjuntas, a decisão sobre o seu emprego é considerada

crítica. Por isso, o Reino Unido sugere ao comandante conjunto que avoque para si

tal medida.

Exemplo prático desta consideração é o caso recente da morte do ex-

presidente da Líbia, Muamar Kadafi. Ficou claro nos vídeos postados na rede

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mundial de computadores a existência de ocidentais durante a batalha que

antecedeu a captura de Kadafi. A primeira hipótese que se levantou é de que eram

forças especiais de algum país da OTAN em apoio às tropas rebeldes. Levaram-nas

ao sucesso, mas não conseguiram impedir que após capturado e desarmado, o ex-

ditador fosse literalmente assinado, contrariando claramente normas do DICA.

Finalizando este ponto em que foram descritas as decisões críticas durante o

processo de tomada de decisão do comandante conjunto britânico, o JDP 01

assevera que o comandante deve atentar para o fato de não estar tomando decisões

demais, o que tende a impactar diretamente na ―subordinates freedom of action‖ 105

.

Ao abordar aspectos do relacionamento entre comando e estado-maior, são

ressaltados aspectos como a importância da liderança e personalidade do

Comandante da Força Conjunta e da manutenção de um ambiente de confiança e

respeito, a fim de que seja comum a existência de contrapontos, enriquecendo o

planejamento como um todo. Neste contexto, o JDP 01 deixa claro quem são os

membros mais importantes do Estado-Maior Conjunto das FARU:

A JFC should pay particular attention to the delegated authority and responsibility within his core team (COS, DCOS, POLAD, Cultural Adviser, Legal Adviser (LEGAD) and Deputy Commander, if one is present)106.

Fica latente aqui, que o Reino Unido enxerga como fundamental a existência

aos consultores jurídicos e a atenção particular que a eles se deve emprestar.

Considerando que muitas vezes para se cumprir uma norma de DICA - por

exemplo, dar alerta oportuno à população antes de um ataque - é mister se valer de

todos os meios possíveis, vale a pena apresentar aspectos do trato com a mídia

presentes no processo de planejamento de comando conjunto britânico.

105 O JDP 010 faz uma referência legal à liberdade de ação. Para as FARU, liberdade de ação de uma força conjunta pode ser considerada uma ―abertura‖ pela qual seu poder de combate pode ser aplicado, ou uma parte dele, por um período limitado ou em um espaço territorial definido. O comandante pode definir critérios para se caracterizar a liberdade de ação, mas o manual assevera que três aspectos são particularmente indispensáveis: legitimidade, a sustentabilidade e a segurança proporcionada pela proteção da força são os mais prováveis de serem adotados. A legitimidade, como fator transversal aos princípios de guerra, e sustentáculo da autoridade da campanha conjunta britânica já foi abordada supra.

106 Um comandante de força conjunta deve prestar especial atenção à autoridade delegada e responsabilidade dentro de sua equipe principal (COS, DCO, POLAD, Conselheiro Cultural, assessor jurídico (LEGAD) e subcomandante, se houver). (tradução livre do autor)

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Ao tratar de considerações sobre a mídia, o JDP 01 elenca o que a doutrina

conjunta do Reino Unido entende como uma equipe mínima e ideal de mídia para se

assegurar um bom relacionamento do Comando da Força Conjunta com ela: ‖A

JFC‟s staff should include, as a minimum, a Chief Media Operations and, ideally, a

Media Adviser and a Media trained linguist.‖ 107

A existência dos três componentes caracteriza a preocupação com o ―efeito

CNN108‖ e com o empenho em não se perder o apoio da população local e

doméstica, o que pode comprometer sobremaneira a autoridade da campanha. Em

última análise, um mau relacionamento com a mídia pode fazer com que esta venha

a se afastar do comando conjunto para obter informações. Quando isto acontece, o

acesso a fontes menos confiáveis pode gerar reportagens equivocadas ou baseadas

em meias versões dos fatos, caracterizando violações do DICA que podem até

mesmo não ter ocorrido de fato.

Dentro do processo de tomada de decisão enquadrado no ciclo Diretrizes,

Consultas, Análise, Decisão e Execução nos chama a atenção nesta publicação,

indubitavelmente, as Considerações Legais:

All military operations must be conducted within a legal framework. The laws that apply will, like the ROE, vary depending upon the nature of the operation. The applicable law may be a combination of international and domestic (national) laws and will include human rights law. Failure to comply with the law, or even perceived failure, can significantly undermine Campaign Authority109.[grifo nosso]

Feito este primeiro alerta ao comandante conjunto - de que o enquadramento

legal deve ser preciso e respeitado, sob pena de comprometer aquela manobra

perfeitamente concebida - o JDP passa a descrever quatro Considerações Legais

que provavelmente deverão ser levadas em conta:

A primeira diz respeito a assegurar que tanto o comandante como aqueles

sob seu comando compreendem suas responsabilidades e obrigações legais e são

107 Um EM conjunto deve dispor, no mínimo, um Chefe de Operações de Mídia, e preferencialmente, um assessor de mídia e um intérprete treinado. (tradução livre do autor) 108 Termo empregado para descrever o impacto resultante da cobertura de notícias em tempo real, 24 horas sobre os processos decisórios dos estados (HARVARD, 2002). 109 Todas as operações militares devem ser conduzidas sob um enquadramento jurídico. As leis que se aplicam, tal como as regras de engajamento, variam consoante a natureza da operação. A lei aplicável pode ser uma combinação de normas internacionais e domésticas, também incluindo os direitos humanos. O não cumprimento da lei, ou mesmo uma falha de percepção, pode prejudicar significativamente a Autoridade da Campanha. (tradução nossa)

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treinados de acordo com as regras de engajamento definidas para a operação. Cabe

salientar que as regras de engajamento são colocadas como ―assunto-chave‖ no

JDP 5-00 e no âmbito da doutrina britânica são assim definidas:

Diretrizes emitidas pela autoridade militar competente que especificam as circunstâncias e os limites dentro dos quais forças irão iniciar e / ou prosseguir o engajamento em combate com forças oponentes. (REINO UNIDO, 2006)110.

A segunda Consideração Legal diz respeito ao dever maior que os

comandantes têm de assegurar o cumprimento da lei, e a observância a todo custo

das regras de engajamento, exercendo a devida ação de comando sobre seus

subordinados.

Observa-se aqui mais uma vez a preocupação com a supervisão. Ela é vista

como parte integrante dos noventa por cento da responsabilidade do comandante

sobre qualquer decisão. Conforme Patton, já abordado supra, para que as regras de

engajamento sejam pragmaticamente difundidas e cumpridas, é imperativa sua

estreita supervisão pelo comandante conjunto.

A terceira Consideração se refere aos contextos multinacionais, em que o

comandante de força conjunta deve considerar as diferentes posições políticas

nacionais e as obrigações legais dos respectivos contingentes nacionais (incluindo o

seu). Deve-se compreender que a participação nacional na operação pode se

basear em certas condições e as regras de engajamento nacionais podem se

contrapor a estas condições.

O que se salienta aqui é mais uma vez a preocupação com a integração em

um contingente único de realidades jurídicas distintas. Este ponto oferece

ensinamentos, de relevância especial para operações interaliadas, visto que cada

contingente nacional111 terá certamente um status jurídico próprio em relação à

operação em curso. Isto pode levar, por exemplo, à desconfortável situação de as

regras de engajamento não poderem ser cumpridas à risca por todas as forças do

comando conjunto.

Como membro atuante da ONU e da Organização do Tratado do Atlântico

Norte (OTAN), as FARU apontam algumas nuances ao processo decisório em

110 Tradução livre do autor. 111 Vale ressaltar que, em que pese o contexto mutlinacional trazer alguns ensinamentos válidos para este trabalho, as operações interaliadas não fazem parte do recorte proposto, não recebendo, portanto tratamento profundo.

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ambientes multinacionais. Deixam claro que quando atuam com inúmeros países há

uma incompatibilidade de equipamento, de modo de pensar, e uma falta de

confiança inicial, em especial fora do ambiente OTAN.

Em um nível melhor de interoperabilidade estão as operações com membros

da OTAN, pela conhecida interoperabilidade de seus equipamentos e

procedimentos. No nível máximo para as FARU estariam os processos decisórios

envolvendo os EUA. A longa experiência operacional ao lado dos militares dos EUA

permite às FARU ter uma boa visão do modo de pensar de seu aliado e vice-versa,

gerando ainda confiança suficiente para permitir o acesso sem precedentes à

inteligência e respectivos fóruns de decisão. No que tange ao DICA, o JDP 01

menciona que nas operações internacionais:

c. The rules given to the force commander about the use of force – ROE – may not be entirely helpful. Furthermore, different contingents may have varying interpretations on the Laws of Armed Conflict (LOAC).

Em tradução livre: as regras dadas ao Comandante da Força Conjunta sobre o uso da força – as Regras de Engajamento (RE) - podem não ser totalmente úteis. Além disso, diferentes

contingentes podem ter interpretações diferentes sobre o Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA).

Interpretações diferentes de DICA podem influenciar sobremaneira no

processo decisório e em que aspectos do DICA devam ser considerados. Num

Estado-Maior envolvendo o Reino Unido e os EUA, por exemplo, os primeiros

ratificaram a Convenção de Ottawa sobre a Proibição do Uso, Armazenamento,

Produção e Transferência de Minas Antipessoal e sobre sua Destruição, de 1997.

Os EUA não112. Tal incompatibilidade no plano jurídico-diplomático certamente irá se

refletir no campo militar quando do processo de tomada de decisão.

Na quarta Consideração Legal, o JDP estabelece que qualquer suspeita de

ação ilegal no curso da operação conjunta deve ser imediatamente comunicada e

investigada profundamente. Tal orientação se justifica sob vários aspectos, entre

112 Segundo o Banco de Dados de Tratados da ONU (2011) cento e cinqüenta e seis países se submeteram às Convenções de Ottawa, e trinta e sete não. Entre os últimos, além dos EUA, China, Índia, Israel, Egito, Finlândia, Irã, Rússia e Arábia Saudita. Na América Latina destaca-se Cuba.

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eles para se assegurar a legitimidade da operação e a manutenção do apoio da

população.

Por fim, a última Consideração Legal que o Joint Doctrine Publication 01

Campaigning entende como passível de ser feita pelo comandante conjunto é que

ele deve sempre ter acesso a aconselhamento legal especializado, normalmente a

partir de um assessor jurídico desdobrado junto ao estado-maior no quartel-general

do comando conjunto. Acrescenta ainda que a assessoria jurídica deve estar sempre

disponível, ainda que à distância, a fim de apoiar em qualquer eventualidade que o

comando conjunto – aí incluídos seus comandos subordinados – venham a

enfrentar.

Em um aparte, o JDP 01 coloca o respeito às Considerações Legais como

verdadeira ferramenta de multiplicação de poder de combate, descrevendo, à guisa

de exemplo, como a negligência à ordem jurídica impactou ações frustradas do

Reino Unido no Quênia em 1952.

Neste episódio, a fim de sufocar um movimento de libertação e de reforma

agrária chamado Mau Mau, os ingleses empreenderam uma campanha com o uso

da guarda nacional queniana e da polícia. O Reino Unido fomentara o emprego da

força sem um respaldo legal legítimo aceito pela população local, uma vez que

setenta mil civis foram expulsos de suas terras de forma juridicamente questionável.

O povo se viu aviltado pelas forças nacionais, vindo a se filiar ao Mau Mau. Com a

assunção do comando pelo general Erskine em 1953, foram instituídos tribunais e

inquéritos, e ordens específicas relativas ao tratamento dos civis e presos. Segundo

o JDP 01, o respeito à ordem legal vigente melhorou a longo prazo a eficácia das

operações subseqüentes.

Conforme aventado supra, quanto ao arcabouço doutrinário, além da

publicação anteriormente analisada, receberá atenção neste estudo a Publicação de

Doutrina Conjunta 5-00 Planejamento de Campanha (JDP 5-00, Joint Doctrine

Publication 5-00 Campaign Planning, 2008), o que se iniciará a seguir.

Enquanto o JDP 01 aborda a contribuição militar a partir da perspectiva do

comandante da força conjunta, o JDP 5-00, com base em boas práticas

desenvolvidas em operações recentes do Reino Unido, descreve fundamentos do

planejamento operacional. Ele é colocado pelo MDRU como especialmente

importante para os estados-maiores de QG de Forças Conjuntas desdobradas no

terreno, além de servir como verdadeira atualização do primeiro.

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Esta publicação é dividida em três capítulos. O primeiro trata da ―Análise‖,

como passo primordial para que o comandante conjunto compreenda o contexto em

que a crise se encontra, antes do planejamento da campanha propriamente dito.

O segundo capítulo descreve o processo de planejamento da campanha a

partir do entendimento do contexto vindo da fase anterior. O chamado processo das

6 fases permite que o comandante conjunto enquadre o problema e, em seguida,

através de um processo flexível e adaptável destinado a tratar problemas mal

estruturados, estabeleça-se uma linha de ação adequada para se cumprir a missão.

Este capítulo descreve o que seria o similar ao processo brasileiro de exame de

situação113.

No primeiro capítulo, fica evidente a importância da ―Análise‖ para o trabalho

do comandante conjunto. Segundo o JDP 5-00, compreender a natureza de uma

situação de crise ajuda a identificar o problema como parte do processo de

planejamento. Para o Reino Unido, ambos – análise da situação e a identificação do

problema - estão separados (e devem preceder) a determinação da correspondente

solução. O capítulo descreve em detalhes os fundamentos para a compreensão da

situação, destacando como as principais questões a se considerar as seguintes:

Segundo o JDP 5-0, a natureza da análise é expansiva e aberta, sendo

diferente da resolução de problemas propriamente dita, que necessariamente tende

a ser mais focada em questões-chave. A análise leva em conta não só todos os

fatores relevantes, para melhor compreender o complexidade e as causas de uma

crise, mas também busca descobrir o que era até então desconhecido, a fim de

incluir diferentes perspectivas, possivelmente originais.

O manual oferece algumas metodologias de análise. A seleção das que mais

se adequam à resolução do problema militar em questão será realizada partir da

experiência e das preferências do comandante conjunto. As metodologias mais

comumente empregadas, segundo o JDP 5-00 serão abordadas a seguir.

A primeira é a análise SWOT(strengths, weaknesses, opportunities and

threats)114, freqüentemente utilizada na formulação de estratégias. Ela ajuda a

identificar internamente os pontos fortes e fraquezas, e externamente oportunidades

113 O capítulo três trata de ações multiagências e interaliadas, portanto fora do recorte

proposto para esta pesquisa.

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e ameaças associadas a um determinado objeto de análise. Este objeto pode ser um

país, grupo, organização, tribo, e outros. Uma situação problema pode assim ser

entendida como um equilíbrio entre se proteger pontos fortes, minimizar fraquezas,

explorar oportunidades e reduzir ameaças.

A segunda metodologia é a chamada análise PEST (Political, Economic,

Social/demographic and Technological)115. Ela é empregada para se entender o

ambiente externo a um objeto, e as mudanças nesse ambiente, em termos de

fatores políticos, econômicos, sócio-demográficos e tecnológicos. Estes fatores da

análise PEST não são passíveis de controle direto pelo comandante conjunto, mas,

sem dúvida, impactam em como uma crise se desenvolve, bem como na potencial

eficácia das ações militares e outras correlatas.

O JDP 5-00 ressalta que há uma série de extensões e variações da análise

PEST. As de maior relevo para esta pesquisa são a PESTL, a qual insere aspectos

jurídicos como fator de análise do ambiente externo ao objeto e a STEEPLE, que

observa, além deste, fatores ambientais e éticos.

A análise de fatores legais como intervenientes na consciência situacional é

observada a partir de exemplos reincidentes de referências legais em exemplos de

documentos de campanha do Reino Unido, conforme visto abaixo:

Figura 12 - Exemplo de referência a aspectos legais em documento de campanha do RU. Fonte: Reino Unido (2008)

114 Pontos fortes, fraquezas, oportunidades e ameaças (tradução livre do autor). 115 Política, Econômica, Sócio-demográfica e tecnológica (tradução livre do autor).

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Figura 13 - Exemplo de referência a aspectos legais em documento emanado pelo comandante conjunto. Fonte: Reino Unido (2008)

Tais referências confirmam o já percebido anteriormente no JDP 01: toda a

operação militar britânica se enquadra em um contexto jurídico e evidenciam uma

preocupação em se consagrar na doutrina tal paradigma. Isto serve para se

fortalecer o estado de direito e lembrar, ainda que de forma sutil, que há limites

jurídicos à operação, o que pode indubitavelmente auxiliar no respeito ao DICA.

Discorrendo sobre a ―Análise‖, o JDP 5-00 reforça alguns aspectos já

abordados pelo JDP 010, valendo salientar os pontos descritos a seguir. O primeiro

deles diz respeito aos resultados da análise. Eles podem incluir modelos complexos,

apenas como um auxílio à compreensão da situação-problema, não como um meio

para realizar operações. A fase da solução propriamente dita é posterior. Os

resultados da análise para serem amplamente compartilhados devem ser feitos em

meios que facilitem sua divulgação, de preferência por meio de ferramentas gráficas

disponíveis via web, textos e outros.

O segundo ponto é que a análise olhe para o futuro, sem deixar de analisar o

presente, com as suas raízes no passado. A apreciação final da análise em um

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comando conjunto britânico envolve a geração de um conjunto de cenários

alternativos, com diferentes probabilidades e com conseqüências variáveis (mais ou

menos favoráveis). O esquema abaixo representa a entrada da informação no QG

da força conjunta e a saída dos cenários após a análise pelo estado-maior.

Figura 14 - Diferentes cenários após a análise da situação pelo estado-maior conjunto. Fonte: Reino Unido (2008)

Na Seção I do Anexo 1ª do JDP, descreve-se o que se deve analisar (o

escopo da análise), enumerando-se pontos que fazem parte das circunstâncias da

crise e outros aspectos inerentes. A análise deve abordar uma série de pontos

agrupados em três maiores: circunstâncias, população/cultura e catalisadores. Nas

circunstâncias, deve o comando conjunto se ater ao histórico do conflito, à sua

posição geo-estratégica, ao ambiente físico, e à infra-estrutura nacional e regional

da área de operações.

Na análise da população e sua cultura, o chamado ―calco humano‖, deve-se

avaliar a população, sua cultura e religião, suas questões políticas, econômicas e

sociais, a mídia e os ―Legal Issues. Legal issues include the legal system of the

country in crisis, and national or international law applicable to any intervention

force:116‖ conforme a publicação em apreço.

116 Questões jurídicas. Questões jurídicas incluem o sistema jurídico do país em crise, e a lei nacional ou internacional aplicável a qualquer força. (tradução livre do autor)

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143

Após alertar que as considerações legais são aplicáveis às forças, o JDP 5-00

separa os dois aspectos legais. O primeiro diz respeito às leis da nação aonde se

desenvolve o conflito:

a. Crisis/Host Nation Law. The 3 main systems of law are: common law, a Civil Code and religious/culturally based law. The imposition of religious law may even be a causal factor in a crisis. While Status of Forces Agreements (SOFA), Memoranda of Understanding (MOU), or exchange of letters covering the deployment of forces normally exempt personnel from local law, deployed forces should nevertheless be conversant with it. As with local governance and economic practice, local laws may not follow conventional Western practice, but reflect instead local cultural, religious and societal norms.

Neste ponto da análise, a doutrina britânica explica a existência dos três

principais sistemas jurídicos internos aos países existentes atualmente: o

consuetudinário, como o do próprio Reino Unido e dos EUA; o que se convencionou

chamar de Código Civil, sistema adotado pela França e Brasil e o sistema baseado

na cultura e na religião, como o de alguns países árabes, como o Sudão do Norte,

por exemplo. Alerta ainda que, neste último caso, a imposição de lei religiosa para

parte da população que não segue o mesmo dogma pode até ser causa de uma

crise, como ocorreu no Sudão.

Uma vez que o comandante conjunto está consciente da situação que cerca o

problema militar, inicia-se a fase do planejamento da campanha. O capítulo 2 do

JDP 5-00 é baseado no JDP 01 e assim como na fase da análise vista

anteriormente, o JDP 5-00 serve de complemento, uma vez que se vale das últimas

experiências de emprego real vividas pelas FARU.

Inicialmente, o JDP 5-00 aborda o processo de gerenciamento de crise no

âmbito do ministério da defesa do Reino Unido, ressaltando, neste contexto, a

importância do DCMO (Defence Crisis Management Organisation117). Ressalta que

cabe a ele traduzir intenções políticas em atividade militar, envolvendo a emissão de

diretrizes e monitoramento das tropas do teatro de operações. Para tanto, se vale do

assessoramento de um órgão conjunto permanente: o PJHQ (Permanent Joint

Headquarters118).

117 Organização de Gerenciamento de Crises na Área de Defesa (tradução livre do autor). 118 Quartel-General Conjunto Permanente (tradução livre do autor).

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Figura 15 - Planejamento militar no RU: interação entre o DCMO e o PJHQ. Fonte: Reino Unido (2008)

Após a participação de inúmeros órgãos do Estado Britânico, estabelece-se

uma estratégia nacional para a crise em tela. Ali estão descritas aspirações, metas e

objetivos que o governo elencou para uma crise específica. Como estes são

articulados irão variar dependendo da natureza da crise, a natureza da resposta

pretendida (com graus variados de ênfase nos instrumentos diplomáticos,

econômicos e militares do poder), e a extensão da colaboração prevista com outras

nações, instituições multinacionais e organizações internacionais.

O JDP 5-00 faz uma menção interessante acerca da expectativa que os

comandantes militares costumam ter de uma estratégia bem definida e de objetivos

claros. Para a doutrina britânica, mudanças freqüentes e imprevisíveis na direção

estratégica são mais prováveis de serem a regra do que a exceção, todavia, os

comandantes tendem a exigir uma clareza solar na especificação de objetivos. Para

o JDP 5-0, isto ocorre por duas razões, a saber.

Incialmente por razões práticas. Os exercícios de adestramento tendem a se

iniciar por uma clara diretriz de planejamento (incluindo um cenário explícito e um

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nítido estado inicial). Para o JDP 5-0, isso raramente reflete a realidade, além de

poder criar a falsa percepção de que é um pré-requisito necessário para o

planejamento militar subsequente na vida real.

A segunda razão diz respeito ao duplo sentido do princípio de guerra do

objetivo. Para efeitos de planejamento, deve-se considerar que ele pode sugerir que

é essencial ter um objetivo claro (o que é correto), e que precisa ser mantido (o que

pode não ocorrer necessariamente). O objetivo deve ser mantido desde que

relevante e de acordo com a situação em curso. Conforme a crise se desenrola, os

imperativos podem mudar, alterando o objetivo.

Do exposto, infere-se que, se os conflitos contemporâneos levam a uma

incerteza inerente ao dinamismo da situação, é válido se ter claro os imperativos que

não se alteram por demais durante o desenrolar da crise, como as considerações

legais mencionadas supra.

Uma vez estabelecidos os objetivos estratégicos nacionais declarados pelo

governo em uma situação particular, normalmente expressos em termos de qual o

resultado futuro desejado, invariavelmente se requer contribuições de todos os

instrumentos do poder, entre eles o componente militar.

A extensão da contribuição militar para o cumprimento do objetivo estratégico

nacional é denominado estado final desejado militar estratégico, normalmente

expresso como uma série de objetivos estratégicos militares. A partir das condições

de execução recebidas, incluindo tempo e espaço, o comandante conjunto elencará

uma série de objetivos de campanha, expresso em termos de uma ou mais

condições decisivas (CD). O atingimento do estado final fica caracterizado pela

superação destas condições decisivas. A figura abaixo ilustra a relação entre o

objetivo estabelecido pela estratégia nacional e a necessidade de se elencar

objetivos de campanha correlatos.

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Figura 16 - Correspondência entre objetivos de campanha e objetivo estratégico nacional. Fonte: Reino Unido (2008)

Há na organização do ministério da defesa do Reino Unido um papel de

relevo representado pelo Comandante Conjunto Permanente. Este oficial general irá

emitir uma diretriz nomeando um comandante de força conjunta e orientando o

desdobramento, apoio durante a operação e, se for o caso, o retorno da força. Além

disto, questões vitais, como o plano de desdobramento, as regras de engajamento,

seu treinamento e apoio logístico constam desta diretriz.

Este comandante de força conjunta no Reino Unido, normalmente se

enquadrará no nível operacional. Para o RU, o nível operacional da guerra é o nível

no qual as campanhas e as principais operações são planejadas e conduzidas para

atingir objetivos estratégicos dos teatros de operação ativados. Assevera o JDP 5-00

que as campanhas de nível operacional são invariavelmente conjuntas.

A fim de traduzir objetivos estratégicos em atividade tática, o comandante de

força conjunta britânico deve se valer da Análise Operacional. Ela é descrita no JDP

5-00 de uma forma complementar ao visto no JDP 01. Vale neste ponto a ressalva

feita pelo JDP 5-00 a respeito de que a análise operacional visa a chegar a uma

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decisão acerca de uma linha de ação para se cumprir a missão, sendo portanto de

emprego válido para todos os comandantes em todos os níveis da defesa do Reino

Unido, pois seus princípios são imutáveis.

Ressalta a publicação, ainda, que, enquanto ferramenta de tomada de

decisão, é empregada até mesmo por líderes de organizações civis, ainda que sob

uma outra designação (como apreciação ou avaliação). Mesmo que conduzida de

maneira um pouco diferente, há um amplo consenso entre aqueles que aderem para

o planejamento racional da necessidade de uma análise formal como a adotada pelo

Reino Unido.

A seguir, o JDP 5-00 passa a descrever a análise propriamente dita. Inicia

reforçando que ela deve ser conduzida pelo comandante, uma vez que é a sua

decisão que o processo busca apoiar.

Em um segundo momento, lista-se os passos a serem seguidos:

compreensão da situação e do problema militar; verificação do que deve-se atingir e

até quando; identificação de possíveis linhas de ação; seleção da melhor linha de

ação, e uma decisão a respeito de como ela deve ser executada. Uma análise rasa

destes passos deixa estampada a relação desta estimativa com o método cartesiano

de resolução de problemas.

O formato da análise, conforme a Figura a seguir, foi pensado para servir de

norte ao comandante e seu estado-maior durante o processo de planejamento de

comando para operações conjuntas. O JDP 5-00 esclarece, entretanto, que o

comandante da força deve enxergar as várias etapas como ―um mero depósito de

suas descobertas‖, e não como um processo burocrático e amarrado.

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Figura 17 - A Análise Operacional britânica como método racional de planejamento de operações conjuntas. Fonte: Reino Unido (2008)

A Análise Operacional é considerada pelo JDP 5-00 como intimamente

condicionada à habilidade do comandante da força conjunta em desenvolver

conceitos. De qualquer forma, o comandante deve necessariamente manter seu foco

sob dois aspectos: os fundamentos básicos do problema militar em análise e a ―a

arte do possível‖, conforme já abordado supra. Acerca da arte do possível, o

comandante não pode se abster de ter em mente os meios à sua disposição, sem

olvidar de aspectos como o tempo, espaço, capacidades de suas forças, recursos e

a legitimidade da campanha.

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Cabe salientar mais uma vez na doutrina britânica de operações conjuntas a

menção à legitimidade, enquanto fator importante na criação - e sustentação - da

Autoridade da Campanha.

O JDP 5-00 repete a seguir menção feita à teoria da fricção de Clausewitz, já

feita no JDP 01, completando com algumas providências que o comandante da força

conjunta pode tomar de modo a amenizá-lo. São medidas como uma preparação

robusta, delegação de tarefas, e o desencadeamento de atividades simultâneas em

todos os níveis (por meio de oportunas ordens de alerta).

Outra ação sugerida para se reduzir o atrito inerente às operações militares

trata-se da elaboração do cronograma interno do estado-maior conjunto. Este

cronograma deve deixar claro quais as ações da equipe devem ser completas e em

que prazo. Ele se restringe ao trabalho do estado-maior conjunto em si e se difere da

consideração do tempo como fator de decisão para a análise operacional

propriamente dita.

Para o trabalho do estado-maior de força conjunta, a doutrina britânica adota

a regra "⅓ - ⅔‖ de disponibilização de tempo de planejamento. Assim o ― ⅓ ‖ deve

ser assim distribuído:

- 30% para a compreensão da situação e do problema militar;

- 50% para a formulação, desenvolvimento e validação de possíveis linhas de

ação; e

- 20% para a produção e emissão de documentos formais.

Este aproveitamento ótimo do tempo deve ser complementado por um modus

operandi definido de preferência antes do trabalho de estado-maior começar a se

debruçar sobre a operação em si. Apoiado em pesquisas sobre recursos

humanos119, o JDP 5-00 ensina que três aspectos são decisivos para se determinar

a capacidade de planejamento de um estado-maior: sua composição, experiência e

grau de colaboração. Reforça o alerta sobre os perigos do groupthink já aventados

anteriormente e assevera que dispor de um estado-maior bem treinado e eficiente é

tão fundamental quanto a qualidade da informação com que esta equipe irá lidar.

A seguir o JDP 5-00, de forma análoga ao JDP 01, lista técnicas para apoiar o

comandante da força conjunta na condução da Análise Operacional, ressalvando

119 O manual não é claro na fonte, mas é possível inferir referência implícita à Heresy e Blanchard (1986) e sua Teoria Situacional, estudada também no Exército Brasileiro.

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que tal escolha irá refletir o próprio estilo e preferências de cada comandante.

Apesar de deixar um rol de opções ao oficial, deixa claro que tal processo deve

necessariamente se constituir de um esforço colaborativo, devendo explorar a

expertise dos integrantes do quartel-general e de outras fontes. Assim, os

comandantes de força componente são considerados como peças chave no

processo, especialmente no desenvolvimento e validação das linhas de ação.

As técnicas que o JDP 5-00 apresenta ao comandante de força conjunta para

que ele atravesse os seis passos da análise operacional são as seguintes:

- 3-Colunas;

- Linha de Ação;

- Análise;

- Análise do Estado Final;

- Análise de Centro de Gravidade;

- De Comparação de Linhas de Ação;

- Esquemas;

- Medidas de Efeito;

- Inimigo Vermelho;

- Jogo da Guerra;e

- Análise de Risco.

Cada uma destas técnicas se aplica melhor a uma ou mais fases da análise

operacional (vide Figura a seguir). A despeito de sua eficiência, servem como uma

orientação de ordem prática ao manual, trazendo a doutrina para um plano mais

factível ao estado-maior conjunto e seu comandante.

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Figura 18 - Os 6 Passos da Análise Operacional e as técnicas a serviço do comandante da força conjunta. Fonte: Reino Unido (2008).

A técnica das 3-Colunas é, entre as técnicas enumeradas, aquela em que o

JDP 5-00 mais se detém. De acordo com a publicação, ela é freqüentemente usada

para registrar o processo de análise realizado. Aponta o JDP 5-00 que uma

vantagem desta técnica é o fato de auxiliar o comandante conjunto na manutenção

de um histórico da análise e das decisões mais importantes, para utilização futura na

campanha. Com notas simples acerca do fator, dedução e da ação tomada pelo

estado-maior em cada situação enfrentada (vide Figura abaixo), assegura-se maior

continuidade e coerência na seqüência das ações.

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Figura 19 - Técnica das 3-Colunas: registro de fator, dedução e ações tomadas pelo comandante da força conjunta ao longo da análise operacional. Fonte: Reino Unido (2008)

A seguir o JDP 5-00 passa a discorrer sobre as fases da Análise Operacional,

começando pelo 1º Passo: a compreensão do ambiente operacional

/enquadramento do problema.

Enquanto as conclusões recebidas do escalão superior revelam uma gama de

informações, o 1º Passo da análise operacional concentra sua atenção apenas

sobre o ―enquadramento do problema proposto ao comandante da força conjunta‖. O

correto enquadramento do problema é um indispensável ―gatilho‖ do processo de

planejamento operacional, não devendo nunca ser ultrapassado. Nesta fase,

realizando ligações com outros quartéis-generais o Comandante da Força Conjunta

poderá compreender as preocupações dos outros comandantes e administrar a

probabilidade e o impacto de alterações posteriores na condução da campanha

conjunta. Reforçando o já dito no JDP 01, deve o comandante realizar consultas

―para cima‖ (comando enquadrante), lateralmente (principalmente outras agências) e

―para baixo‖ (subordinados).

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A compreensão do ambiente operacional pode se beneficiar de uma

abordagem integrada que envolva órgãos públicos e não governamentais

apropriados. Esses atores não-militares, provavelmente, terão acesso às mesmas

conclusões recebidas do escalão superior pelo comando conjunto. Embora haja

provavelmente uma série de considerações mutuamente aplicáveis desta análise do

escalão superior e este 1º Passo, é importante mantê-lo como uma fase

independente.

Compreender o problema é um processo permanente que exige um enfoque

sobre a natureza exata da crise, as suas condições, circunstâncias e influências. Ela

permite que um comandante de força conjunta visualize a dimensão do problema

que ele enfrenta e como ele pode moldar e alterar o ambiente em seu benefício,

instruindo o seu processo decisório. Da mesma forma, deve instruir as decisões

tomadas por líderes não-militares. Este último ponto reforça a necessidade de uma

abordagem integrada para este 1º Passo: a abordagem integrada permitirá, por

parte de todos os envolvidos, uma resposta mais abrangente, eficaz e harmônica a

uma crise.

Enquadrado o problema, entra-se no 2º Passo, no qual deve o comandante

da força conjunta ter em vista melhor compreendê-lo. Deve tentar identificar os

objetivos a serem alcançados, porque e quais são os riscos envolvidos. Ele deve

também tentar prever como o problema militar pode se alterar ao longo do tempo e

dos acontecimentos, e o impacto potencial nos fins da campanha, no modus

operandi da força e nos meios ao seu dispor.

Por isso, este 2º Passo se desmembra em outras três etapas. A partir de

duas atividades paralelas e inter-relacionadas – a análise da missão (Passo 2-A) e a

avaliação de objeto / fator (Passo 2-B) – chega-se a um resultado. Este resultado é,

então, expressado pelo comandante da força como a compreensão mais completa

possível que ele pode chegar do problema (Passo 2-C) antes do desenvolvimento

de possíveis soluções.

O JDP 5-00 aborda cada uma das três etapas do 2º Passo, começando pela

análise da missão (Passo 2-A). Neste ―subpasso‖ deve o comandante da força

conjunta realizar sua própria análise da missão para estabelecer, precisamente,

através de quatro perguntas, o que envolve a sua missão e onde ela se encaixa em

um quadro mais amplo. Apesar de não ser um produto final, nesta fase, condições

decisivas para o cumprimento da missão podem ser reveladas. Segue a seguir a

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descrição das quatro perguntas que fazem parte da análise da missão do

comandante britânico:

a. Pergunta 1. Qual é o objetivo estratégico (nacional, multinacional, militar, outros)? Quais resultados são almejados, e quais os objetivos que são considerados indispensáveis para alcançá-los?

b. Pergunta 2. Qual é o meu papel? Que papel o estado final desejado e os objetivos da minha campanha desempenham na realização dos resultados estratégicos colimados?

c. Pergunta 3. Eu tenho a liberdade de ação, capacidade e autoridade para atingir o estado final desejado da minha campanha?

d. Pergunta 4. A situação mudou? Sendo assim, isso tem afetado os resultados gerais pretendidos? Posso fazer alguma estimativa neste momento de como a situação poderá se alterar futuramente?‖

A pergunta 4, ao revelar uma mudança de situação, será o ponto em que a

estimativa deverá ser reiniciada. A resposta à questão 4 deve ser fundada na

compreensão da mudança da situação, que deverá apresentar novos aspectos e

fatores de risco que contribuirão para a revisão da Passo 2b.

O Passo 2-A considera diretrizes do comando superior (incluindo estratégias

e planos), contudo igualmente pode recorrer aos objetivos declarados por parceiros

militares, bem como as intenções de agências civis alinhadas com a força conjunta.

Na conclusão da análise da missão, o comandante deve não só compreender a sua

missão, mas também deve estar consciente de seu papel e de sua força conjunta

dentro de um contexto mais amplo.

Sobre o estado final desejado da campanha, o comandante da força conjunta

pode recebê-lo do escalão superior, ou pode tentar negociá-lo detalhadamente com

o comandante da estratégia militar britânica. Uma vez que o estado final desejado

ditará o foco para todo o seu planejamento, ele não pode ser uma escolha

independente. O comandante da força conjunta deve investigar as relações entre os

seus objetivos e os dos outros atores, para identificar as interdependências.

Ele deve considerar de que maneira instrumentos de poder diplomático e

econômico podem contribuir para sua campanha militar, e a possibilidade de

coordenação ou apoio mútuo. Quando não existirem mecanismos formais de

controle que assegurem uma ação coordenada de todos os atores no teatro de

operações, o comandante da força conjunta britânico deve aproveitar a

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oportunidade, nesta fase inicial em seu planejamento, para esclarecer através da

cadeia de comando como, por exemplo, relações de apoio devem ser geridas.

Por fim, o JDP 5-00 ressalta que, neste subpasso 2-A, a partir do momento

em que o comandante da força conjunta começa a enxergar mais claramente a

missão, é provável que ele identifique potenciais centros de gravidade para posterior

análise, a partir dos quais possíveis condições decisivas de sucesso podem ser

estabelecidas.

No subpasso 2 – B, em paralelo com a análise da missão, o estado-maior do

comando conjunto examina o(s) ponto120(s) em que a missão se apóia, e outros

fatores121 relevantes. Inicialmente, a equipe deve abordar os fatores mais nítidos, até

que o comandante da força conjunta tenha concluído sua análise da missão e seja

capaz de conduzir um estudo mais focado na compreensão que o comandante

adquiriu da missão. A interação frequente entre aquele que conduz o subpasso 2-A

(o comandante) e o subpasso 2-B (seu estado-maior) contribuirá para que ambos

tenham uma boa cadência e foco no trabalho realizado.

Na doutrina britânica, sempre que o objetivo da campanha for a derrota de um

inimigo, a avaliação do ponto em que a missão se apoia deve incidir sobre as

capacidades do inimigo e sua linha de ação mais provável ou mais perigosa. Assim

como na análise da missão, esta avaliação pode ajudar a identificar potenciais

centros de gravidade.

A fim de assegurar que o esforço do estado-maior esteja focado apenas no

―essencial‖, cabe ao chefe do estado-maior da força conjunta incutir disciplina e

unidade de esforço na equipe constituída. O trabalho deve estar orientado sob o

enfoque da ―a arte do possível‖122. Para tanto, o estado-maior deve examinar as

circunstâncias, os participantes, o ambiente e as influências no ambiente

operacional, a fim de determinar os impactos sobre o sucesso da missão.

No subpasso 2-C, o comandante da força conjunta irá consolidar os

resultados da análise da missão que ele conduziu no subpasso 2-A com os

120 Um objeto é uma pessoa, grupo de pessoas ou coisas para as quais uma ação do comandante da força conjunta é dirigida. Isso pode ser um oponente, uma abstração da situação (como a autoridade de campanha), ou algo físico (em uma operação de socorro, poderia ser o ambiente). 121 Questões criteriosamente selecionadas a partir das quais deduções valiosas podem ser extraídas e daí derivar uma campanha militar (REINO UNIDO, 2008). 122 Confirme visto anteriormente, no estudo do JDP 01.

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resultados do trabalho do seu estado-maior (análise dos pontos em que se apoiam a

missão e os fatores, subpasso 2-B). É natural que algumas deduções importantes

tenham surgido destes subpassos, em especial em relação a centros de gravidade e

informações que irão nortear todo planejamento da campanha.

Assim, no subpasso 2-C, o comandante deve buscar a confirmação dos

seguintes pontos fundamentais para se continuar a análise operacional:

- os seus objetivos de campanha,

- seu estado final desejado (e sua relação com o objetivo estratégico),

- o(s) centro(s) de gravidade,

- as condições decisivas para se alcançar cada objetivo,

- os objetos-chave da campanha,

- fatores que irão proporcionar liberdade de ação ou restrições à força

conjunta (e outros organismos) possam influenciar no ponto onde se apoia a missão,

- fatores que impactam na conclusão do restante do processo de

planejamento (tempo, eventos e assim por diante).

Para desenvolver este subpasso 2-C, o comandante pode se valer de um

processo simples materializado em uma reunião entre o comando e o estado-maior.

Nesta reunião, ambas as partes fazem uma breve apresentação dos pontos

relevantes, culminando em algo que o comandante da força conjunta possa

sintetizar em um resumo útil e ao mesmo tempo um registro oficial do 2º Passo.

O fim do subpasso 2-C marca o ponto em que um comandante de força

conjunta já dispõe de conhecimentos suficientes para desenvolver uma ou mais

―grandes idéias da campanha‖ - a sua concepção da campanha. Afinal, nesta fase,

seus fins são confirmados; seus meios podem ainda ser objeto de negociação, mas

ele já terá uma idéia razoável das restrições em vigor. Nesse ponto, ele pode

considerar adequada a emissão de uma ordem de alerta para transmitir suas

principais deduções e atualizar os comandos subordinados.

Prosseguindo na Análise Operacional, após a emissão de uma ordem de

alerta aos comandos subordinados, o comandante da força conjunta deve articular

melhor suas ―grandes idéias‖, seu desenho operacional, desenvolvendo assim o 3º

Passo.

O JDP sugere que, para isso, o oficial se valha de esquemas mostrando o

estado final desejado, os objetivos estratégicos, objetivos da campanha, centros de

gravidade operacionais e várias opções de condições decisivas. O resultado deve

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contemplar uma ou mais alternativas, articuladas como diferentes conceitos

operacionais mostrando o ―que123‖ deve ser conquistado, a fim de se alcançar o

estado final desejado. A figura a seguir traz à guisa ilustração um dos esquemas

sugeridos pela doutrina britânica. Uma análise rasa permite se inferir que se trata de

operação recente das FARU, provavelmente no Iraque ou Afeganistão.

Figura 20 - Ferramenta de processo de planejamento de comando conjunto britânica. Fonte: Reino Unido (2008)

A menos que o comandante da força conjunta entenda que só há uma

solução para cumprir sua missão, ele deve continuar desenvolvendo outros

esquemas de linhas de ação baseando-se para isso em diferentes condições

determinantes (DC, na figura acima). As condições determinantes devem, por

123 Apenas no 4º Passo - no desenvolvimento e a validação de linhas de ação alternativas, será abordado detalhadamente o ‖como‖ cada conceito operacional pode ser posto em prática.

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definição, atingir os objetivos propostos, e conseqüentemente, o estado final

desejado da campanha. Além disto, os esquemas devem, por fim, levar em conta

diferentes liberdades de ação e restrições identificadas nos passos anteriores.

Uma vez que cada linha de ação de pode descrever maneiras completamente

diferentes de se conduzir a campanha, pode o comandante de força conjunta

britânica consultar seu escalão superior a fim de garantir a coerência com o objetivo

estratégico maior.

O passo seguinte, o 4º é transformar as possíveis linhas de ação descritas no

3º Passo em minuciosas linhas de ação alternativas. Como já aventado, o

desenvolvimento de cada linha de ação na doutrina do Reino Unido deve ser um

processo interativo. Para que isso ocorra, o JDP 5-00 informa que necessariamente

duas condicionantes devem ser respeitadas: os comandantes subordinados devem

estar envolvidos e a LA deve estar eixada com as ações de outras agências

envolvidas na campanha, tudo para permitir uma resposta única e abrangente ao

problema. Nesta fase da Análise Operacional, as relações entre as condições

determinantes, de meios, de tempo disponível e de espaço são analisadas levando

em conta as prováveis ações do inimigo e outros atores.

O JDP 5-00 reitera as observações feitas pelo JDP 01 a respeito do emprego

de técnicas de suporte à elaboração de linhas de ação, como o ―inimigo vermelho‖ e

o jogo da guerra. No detalhamento das LA, devem também constar os riscos

estimados, nomeadamente os resultantes da limitação de recursos e de capacidades

das forças adjudicadas, sendo assim incorporados na descrição de cada linha de

ação levantada. A fim de não se deixar ao julgamento de cada comandante o que

deve ser uma LA detalhadamente desenvolvida, permitindo o bom andamento dos

passos subseqüentes, a doutrina britânica deixa muito bem claro quais os aspectos

que devem constar de uma LA, a saber:

a. Um resumo do contexto estratégico, contendo objetivos estratégicos nacionais e a intenção do comando militar no nível estratégico;

b. O estado final desejado da campanha descrito como missão à força conjunta e objetivos da campanha;

c. Os centros de gravidade identificados; d. As intenções de outros órgãos envolvidos no problema militar; e. As principais hipóteses admitidas (inclusive aquelas ainda

sujeitas à resposta a elementos essenciais de informação); f. As principais restrições, limitações e liberdades;

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g. O conceito da operação concebida pelo comandante da força conjunta contendo: intenção, esquema de manobra, e esforço principal; e

h. Os riscos.

A fim de se filtrar as LA elaboradas, cada uma delas é minuciosamente

descrita e sujeita a um teste, chamado de "teste de viabilidade, aceitabilidade,

exaustividade, exclusividade e idoneidade124‖. Este teste visa a checar se cada linha

de ação delineada atende à ―arte do possível‖ da melhor maneira, sendo factível,

aceitável, se cumpre integralmente a missão, se é única (não uma variante de outra)

e adequada.

Aprovadas no teste FACES, as linhas de ação serão avaliadas quanto à sua

viabilidade e probabilidade de sucesso125 (permitindo inclusive seu aperfeiçoamento)

e, em seguida, comparadas pelas suas vantagens, desvantagens e riscos

associados. Este é o 5º Passo da análise operacional do comando de força conjunta

britânico.

Neste passo, a par dos critérios elencados acima e de acordo com o perfil do

comandante da força conjunta, o JDP 5-00 autoriza-o a elaborar suas próprias

perguntas, baseadas em seu conhecimento da situação e experiência. É importante,

sobretudo, identificar e avaliar riscos, nesta fase, pois eles podem indicar

importantes pontos fortes e fracos de uma linha de ação em particular. Se for o caso,

ainda, cada linha de ação pode ser avaliada e comparada com a mais LA mais

provável e mais perigosa do inimigo, por exemplo.

124 Conhecido por FACES test na doutrina britânica: sigla para feasibility, acceptability, fullness, exclusivity and suitability test (tradução livre do autor). 125 As linhas de ação podem também ser comparadas por critérios específicos, tais como os princípios da guerra ou o contexto operacional vigente.

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160

Figura 21 – 5º Passo da análise operacional britânica: comparação de linhas de ação. Fonte: Reino Unido (2008)

O 5º Passo se encerra com uma apresentação contendo a comparação das

vantagens e desvantagens de cada linha de ação validada ao comandante da força

conjunta. A fim de fazer uma seleção apropriada, é importante que o comandante da

força conjunta compreenda as condições de execução e os riscos associados a

cada linha de ação. Deve o comandante ter ainda bem claras as formas e os meios

de se cumprir a missão e quais serão as condicionantes para se declarar a missão

cumprida com sucesso.

O fim do processo de planejamento de comando das forças armadas do

Reino Unido é caracterizado pela decisão do comandante, no 6º e último passo. Ele

escolhe uma LA, ou uma combinação de LA viáveis, confirmando sua opção com

seu comandante militar superior. A linha de ação selecionada é então traduzida em

uma declaração concisa do comandante em que deve constar ―o que‖ a força

conjunta deve fazer e ―por que‖. Além disto, a decisão deve, de acordo com o caso,

explicar de forma adequada ―quando‖, ―onde‖, ―quem‖ e ―como‖.

Sem aprofundar na emissão da ordem em si, cabe salientar a ressalva feita

pelo JDP 5-00 que ela só pode ser implementada com sucesso se for comunicada

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de forma clara e inequívoca aos subordinados. Para isto ocorrer, sugere-se que as

diretrizes escritas sejam complementadas por ensaios da missão, apresentações

presenciais do comando conjunto e dos comandos subordinados.

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6 O MÉTODO DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS MILITARES DAS FORÇAS

ARMADAS BRASILEIRAS

―mesmo no quadro tormentoso da guerra, que é o recurso extremo violento

a que lançam mão os homens para solução dos conflitos internacionais, não

se travariam combate e batalhas, e sim choques e encontros desordenados

entre as facções ou hostes desenfreadas, se os exércitos em luta não se

movessem dentro dos limites demarcados pelas regras e princípios

regulamentares e os soldados individualmente não se submetessem à

autoridade da Lei.‖

Marechal Mascarenhas de Moraes (1945)

Nesta fase do trabalho, busca-se realizar o enquadramento técnico-

doutrinário com vistas à resposta da questão de estudo e. Para isto, será estudado

a seguir o processo de planejamento de comando para operações conjuntas do

Brasil, tema de vital contemporaneidade, haja vista a edição da novíssima doutrina

de comando conjunto, em dezembro de 2011.

6.1 O BRASIL E SUA DOUTRINA BASICA DE DEFESA

É interessante mencionar, inicialmente, o processo de amadurecimento pelo

qual passa o Ministério da Defesa, depositário maior da atual doutrina de defesa

nacional. Segundo Raposo (2010), a concepção do antigo Estado Maior das Forças

Armadas (EMFA) era mais logística que operacional. Tal assertiva é reforçada pela

seguinte afirmação na atual Doutrina Militar de Defesa:

Os esforços iniciados em 1946 para formular um documento doutrinário básico comum às FA enfrentaram uma extraordinária dificuldade para convergir as percepções políticas e estratégicas das FA nos campos da segurança e da defesa.(BRASIL, 2007) (grifo nosso)

Com a criação do MD, em 1999, o viés operacional cresceu, mas há de se

considerar o tempo de maturação deste processo. Percebeu-se que o emprego era

por demais singular, exigindo-se uma integração maior das forças para se efetivar o

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emprego conjunto e até mesmo tornar efetiva a existência do Ministério da Defesa.

Foram levantadas algumas necessidades de aprimoramento fundamentais, neste

processo, a saber:

da Doutrina Militar;

do funcionamento do Estado-Maior Combinado; do estreitamento dos contatos das Escolas de Formação de Oficiais de Estado-Maior; da formação de Oficiais de Estado-Maior de Defesa, por intermédio de curso específico, na Escola Superior de Guerra, a partir do segundo semestre de 2002; da realização de exercícios envolvendo mais de uma Força Armada; e da cooperação, do mútuo conhecimento e da ampliação do apoio logístico entre as Forças Singulares. (ESG, 2004) (grifo nosso)

Sob a égide do MD, pelo menos 12 (doze) exercícios conjuntos já foram

levados a efeito, como as Operações Pampa, Pantanal e Laçador, por exemplo.

Atualmente, este é o maior exercício conjunto da América Latina, em função do

efetivo total de mais de oito mil participantes.

Segundo Raposo, ainda, a primeira edição da END, em 2008, preencheu uma

lacuna lógico-documental que existia na área da defesa nacional. Assim também

entende o Comandante do Exército, General de Exército Enzo (2008), o qual afirmou

que, com a edição da END, estaria completo o nível mais elevado dos documentos

da defesa nacional.

Esta primeira126 edição da END reforçava a necessidade de se promover o

aperfeiçoamento da doutrina de operações conjuntas. No âmbito do ministério da

defesa, o termo doutrina é definido pelo:

Conjunto de princípios, conceitos, normas e procedimentos, fundamentadas principalmente na experiência, destinado a estabelecer linhas de pensamentos e a orientar ações, expostos de forma integrada e harmônica. (BRASIL, 2007)

Neste contexto, toca a este trabalho a questão doutrinária, encabeçada no

Brasil pela Doutrina Militar de Defesa, MD51-M-04, de 2007. Esta publicação será o

ápice da pirâmide da doutrina de defesa que se trabalhará nesta pesquisa. Antes de

126 À época de redação deste trabalho, a segunda edição da END (BRASIL, 2012), elaborada pelo Ministério da Defesa, ainda estava em fase de apreciação no Congresso Nacional, mas pouco alterava a edição anterior ao item acima. Ao contrário, dedicava trecho especial à promoção do aperfeiçoamento da doutrina de operações conjuntas.

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fazer considerações sobre a doutrina militar de defesa propriamente dita, o

documento deixa claro o entendimento nacional sobre doutrina:

A Doutrina Militar de Defesa (DMD) brasileira aborda os

fundamentos doutrinários, que visam ao emprego de forças militares na defesa da Pátria e em outras missões previstas na Constituição Federal, nas leis complementares e em outros

diplomas legais. As concepções para a organização e o preparo das FA não constituem objeto desta publicação, tendo em vista que esses fundamentos são estabelecidos pelos respectivos Comandos de Força. Dessa forma, esta publicação deve ser complementada por documentos operacionais que contenham conceitos, normas e procedimentos. A DMD tem o propósito adicional de prover entendimentos comuns às FA, propiciando condições para um eficaz emprego combinado. (grifo nosso)

É interessante, portanto, transcrever um extrato do farol maior a que a

Doutrina Militar de Defesa se refere: a Constituição Federal. Uma série de

documentos fornece atualmente a orientação e a base legal para a elaboração da

doutrina de defesa do Brasil. Basicamente, seriam as estampadas abaixo.

Figura 22 - Base legal para a Doutrina Militar de Defesa. Fonte: Escola Superior de Guerra (2010).

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A fim de se realizar uma contextualização que permita se compreender o

ambiente em que a Doutrina de Operações Conjuntas de 2011 foi elaborada, nosso

foco de estudo neste trabalho, serão feitas considerações sobre a Carta Magna, a

Política de Defesa Nacional e a Estratégia Nacional de Defesa.

A Constituição Federal traduz, numa análise meramente técnica, o que o

povo brasileiro – por meio de seus representantes – espera de sua política de

relações internacionais e de defesa:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos;

III - autodeterminação dos povos;

IV - não-intervenção;

V - igualdade entre os Estados;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X - concessão de asilo político. (grifo nosso)

A mera leitura dos incisos em negrito acima deixa claro quais são os

paradigmas iniciais para a elaboração da política de defesa nacional. Segundo a

ESG (2010), estes são os valores essenciais que norteiam a elaboração da Doutrina

Militar de Defesa. Além destes, são colocados algumas condicionantes à DMD, a

saber:

Indissolubilidade da Federação;

Preservação da soberania nacional;

Cidadania;

Dignidade da pessoa humana;

Independência e harmonia entre os poderes constitucionais;

Sociedade livre, justa e solidária;

Desenvolvimento nacional;

Independência nacional;(BRASIL, 2007)(grifo nosso)

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De relevo para esta pesquisa, identifica-se a menção da dignidade da pessoa

humana como condicionante de parte da doutrina militar do País, como vetor que

orienta o emprego autorizado da violência por suas Forças Armadas. Neste

contexto, o respeito ao DICA exerce papel primordial.

No plano político de planejamento, a Política de Defesa Nacional,

consubstanciada no Decreto Nº 5.484/2005, é o documento de mais alto nível127.

Tem como finalidade maior colocar objetivos e diretrizes para o preparo e o emprego

da capacitação nacional, em todas as esferas do Poder Nacional128; interessando

para este trabalho mormente sua expressão militar. Abordaremos os conceitos

básicos que a PDN emprega, a leitura feita sobre o ambiente internacional, o

ambiente regional, o Brasil propriamente dito e, por fim, os objetivos e diretrizes que

mais se referem à expressão militar do Poder Nacional.

O Decreto reafirma que a Política tem como premissas os fundamentos,

objetivos e princípios dispostos na Constituição Federal encontrando-se ainda em

consonância com as orientações governamentais e a política externa do País, a qual

―se fundamenta na busca da solução pacífica das controvérsias e no fortalecimento

da paz e da segurança internacionais‖ (BRASIL, 2005b).

Além disto, coloca o tema Defesa Nacional como de interesse de todos os

segmentos da sociedade brasileira, afirmação de qualquer coisa que poderia soar

inequívoco, todavia que de fato desvenda um País de modo eminente pacífico.

Expõe-se ainda de forma clara que, em face de outras pautas com maior apelo -

como a social por exemplo - a sociedade brasileira não vem destinando alta

prioridade à questão da Defesa.

Prova disto é a passagem em que se aborda a questão da percepção das

ameaças. É ressaltado que no Brasil, após uma extensa temporada sem tomar parte

de conflitos em seu território, a percepção das ameaças ficou desvanecida. Ressalta

127 À época da redação deste trecho da pesquisa, havia uma nova PDN, sob a denominação de Política Nacional de Defesa em apreciação no Congresso Nacional. Ainda que fora do recorte temporal estabelecido na metodologia, vale ressaltar que nesta última há a inserção, como Objetivo Nacional de Defesa ―manter Forças Armadas [...] integradas, operando de forma conjunta [...] (BRASIL, 2012b)‖.

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o documento que ―é imprudente imaginar que um país com o potencial do Brasil não

tenha disputas ou antagonismos ao buscar alcançar seus legítimos interesses‖,

concluindo que uma das intenções da Política de Defesa Nacional é dar consciência

a todos os segmentos da sociedade de que a defesa da Nação é um dever de todos

os brasileiros. Tal aspecto é desafiador e, considerando a interrelação entre direitos

humanos e direito internacional humanitário, serve como uma oportunidade de se

―entrar no assunto‖ de uma forma mais branda, mais amigável para o cidadão que

tenha alguma ressalva sobre o tema.

A seguir a Política busca distinguir segurança e defesa, termos comumente

confundidos. Em suma, coloca-se que a segurança como algo bem maior que

apenas a defesa frente a ameaças externas, envolvendo também os campos

político, militar, econômico, social, ambiental e outros. Por fim, deixa claro que, a par

da participação dos outros campos, a defesa externa continua como papel primordial

das Forças Armadas. Após fazer menção à definição propostas por especialistas da

ONU em 1990, conceitua segurança como:

A condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais;

Neste contexto, o decreto define Defesa Nacional como um conjunto de

―medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do

território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças

preponderantemente externas, potenciais ou manifestas‖ (BRASIL, 2005b) (grifo

nosso).

Sobre o ambiente internacional, a PDN descreve um mundo que vive desafios

mais difíceis do que os encarados durante a Guerra Fria, alertando que o seu fim

diminuiu o nível de previsibilidade das relações internacionais no grau que se

verificava desde a 2ª Guerra Mundial. Acrescenta que atualmente não é crível se

conjeturar um conflito generalizado entre Estados, entretanto reconhece um

128 Poder Nacional é a capacidade que tem o conjunto dos homens e dos meios que constituem a Nação, atuando em conformidade com a vontade nacional, de alcançar e

manter os objetivos nacionais. Alguns desses objetivos estão expressos na Constituição Federal, no Artigo 3o do Título I, como objetivos fundamentais. Manifesta-se em cinco

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aumento global do número de conflitos de fundo étnico e religioso, exacerbação de

nacionalismos e fragmentação de Estados, com uma força capaz de trazer ameaça

à ordem mundial. Exemplos claros destes tipos de conflito são os presenciados na

África Setentrional, que recentemente levaram ao surgimento de um novo país: o

Sudão do Sul (BBC BRASIL, 2011).

O decreto afirma que no século XXI poderão ser avivadas contendas por

espaços marítimos, pelo domínio aeroespacial e por mananciais de água e de

energia, nunca suficientes em um planeta que consome cada vez mais. Tais litígios

poderiam levar a intromissões em temas internos ao Brasil, configurando possíveis

quadros de conflito. Coloca-se que com a ―ocupação dos últimos espaços terrestres,

as fronteiras continuarão a ser motivo de litígios internacionais‖. Em que pese a

guerra por territórios ter sido condenada pela sociedade internacional, há de fato

inúmeras contendas desta natureza, como, por exemplo, a mal-resolvida questão

das Ilhas Malvinas/Falklands entre Argentina e Reino Unido.

Quanto ao ambiente regional, o documento afirma que se deve dar atenção à

América do Sul, por ser o ambiente regional de natural inserção do País, sem,

todavia, olvidar do entorno estratégico além-subcontinente, aí se incluindo o

Atlântico Sul e a África. Acrescenta que a nossa segurança tem estreita ligação com

o ambiente regional, sendo assim desejável que haja ―consenso; a harmonia política;

e convergência de ações entre os países vizinhos‖, além de aprofundamento no

desenvolvimento harmônico da América do Sul em todas as áreas, em especial a

defesa e segurança.

Em relação ao Brasil em si, o Decreto ressalta o grande valor do Direito

Internacional para o desenvolvimento da doutrina de defesa nacional do País ao

propugnar uma ―ordem internacional baseada na democracia, no multilateralismo, na

cooperação, na proscrição das armas químicas, biológicas e nucleares e na busca

da paz entre as nações‖. Tais pressupostos seriam a base para que o Brasil defenda

a reformulação e a democratização das instâncias decisórias de órgãos

internacionais – em especial a ONU - ―como forma de reforçar a solução pacífica

de controvérsias e sua confiança nos princípios e normas do Direito

Internacional‖ (grifo nosso). Assim, fica clara a ligação entre o DI e os pressupostos

expressões: a política, a econômica, a psicossocial, a militar e a científico-tecnológica. (BRASIL, 2007)(grifo nosso).

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para a elaboração da doutrina de defesa nacional. Concluindo, afirma que, apesar

da crença nos princípios do DI, é prudente conceber um país com ―capacidade de

defesa compatível com sua estatura e aspirações políticas‖. Um país que se vê

como candidato a titular de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da

ONU deve respeitar o DI e ter entronizado seus ditames entre os que detêm o uso

autorizado da violência; a doutrina é ferramenta deste processo.

Ainda em relação ao País, o Decreto faz menção expressa a dois

instrumentos do DICA que o Brasil ratificou: o Tratado de Não-Proliferação de Armas

Nucleares, de 1968129 e a Convenção Internacional sobre a Proibição do

Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso de Armas Químicas e sobre a

Destruição das Armas Químicas Existentes no Mundo, de 1993130. O primeiro é

lembrado no tópico acima, em que se discutiu o entendimento de ordem mundial

pelo Brasil e quanto ao segundo se aventa a necessidade de eliminação total das

armas nucleares por parte das potências nucleares, ressalvando o uso da tecnologia

nuclear como bem econômico para fins pacíficos. Por dizerem respeito a armas de

uso em conflitos armados, afetarão diretamente a elaboração da Doutrina de Defesa

para operações conjuntas.

Com base na avaliação feita supra, o decreto coloca quais seriam

efetivamente os objetivos da defesa nacional:

I - a garantia da soberania, do patrimônio nacional e da integridade territorial;

II - a defesa dos interesses nacionais e das pessoas, dos bens e dos recursos brasileiros no exterior;

III - a contribuição para a preservação da coesão e unidade nacionais;

IV - a promoção da estabilidade regional;

V - a contribuição para a manutenção da paz e da segurança internacionais; e

VI - a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior

inserção em processos decisórios internacionais.(grifo nosso)

129 Promulgado pelo Decreto nº 2.864, de 7 de dezembro de 1998. 130 Promulgada pelo Decreto nº 2.977, de 1º de março de 1999.

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O último inciso tem relevo particular para a presente pesquisa vez que, como

já aventado anteriormente, é aconselhável que um País que busque ter maior

projeção na sociedade internacional tenha sua doutrina de acordo com o que se

considera a última palavra em termos de respeito à dignidade humana. O DICA

neste contexto exerceria papel fundamental, pois nossa ascensão será a princípio

mais bem aceita se houver o entendimento que emerge uma nova potência

comprometida com esta agenda do que uma que não dá muita atenção a isto.

Estes objetivos nacionais seriam atingidos por meio do cumprimento de

orientações estratégicas, próximo ponto que a PDN aborda. Elas são divididas entre

as vertentes preventiva e reativa. A preventiva se reveste de ação diplomática inicial

e numa atitude estratégica calcada na dissuasão proporcionada por efetiva

capacidade militar.

Quanto às orientações estratégicas da vertente preventiva observa-se o

pressuposto básico que é colocado: ―estreito relacionamento com os países vizinhos

e com a comunidade internacional baseado na confiança e no respeito mútuos‖

(grifo nosso).

No que se refere às orientações estratégicas da vertente reativa da defesa,

isto é, no caso de agressão, o Decreto propugna que será empregado todo o poder

nacional, com ênfase na expressão militar, exercendo assim o direito de legítima

defesa previsto na Carta da ONU, de 1945. Sobre este aspecto, cabe salientar que a

PDN foi editada antes da definição do crime de agressão na revisão feita do Estatuto

do TPI em 2010, mas que não parece, à primeira vista, alterar o sentido da

colocação feita na PDN. Ainda sobre a vertente reativa, reza que em conflitos de

maior extensão, o País poderá tomar parte de arranjo de defesa coletiva autorizado

pelo Conselho de Segurança da ONU. Exsurge assim a necessidade das Forças

Armadas brasileiras estarem aptas a operarem em ambientes interaliados131 com

todas as suas peculiaridades.

A partir dos objetivos da Defesa Nacional abordados anteriormente, a PDN

conclama os variados setores da política nacional a definir políticas e ações

correspondentes, baseando-se em algumas diretrizes estratégicas. Entre estas,

131 A este respeito, segundo BRASIL (2007), operação interaliada é a que ―envolve forças da Marinha, Exército ou Força Aérea de países aliados, sem que haja um comando único‖ (grifo nosso).

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destacam-se duas, como as que teriam ligação mais estreita com a Doutrina Militar

de Defesa.

Inicialmente, a diretriz do inciso XXIII, que menciona a necessidade de se ter

capacidade de projeção de poder, visando à eventual participação em operações

estabelecidas ou autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU. Por fim, a do

inciso IV, que estabelece que o País deve incrementar o adestramento em

operações conjuntas e aprimorar as doutrinas e os planejamentos militares

pertinentes. O emprego fora do País (projeção) e aprimoramento da doutrina e dos

planejamentos militares pertinentes terá reflexo direto na reformulação da Doutrina

de Operações Conjuntas, recentemente editada, assim como nos aspectos do DICA

atinentes.

Naturalmente, o referido documento investe ainda o Ministro da Defesa na

função de coordenador das ações necessárias à Defesa Nacional. Titular desta

função, considerando as diretrizes da PDN, e a fim de estabelecer os fundamentos

doutrinários para o emprego das Forças Armadas em atendimento às demandas da

Defesa Nacional, o MD editou em 2007 a Portaria Normativa Nº 113/SPEAI em que

se trata a questão da Doutrina Militar de Defesa.

Tal documento – consubstanciado no manual MD 51-M-04 (BRASIL, 2007) -

tem ainda o propósito adicional de prover entendimentos comuns às FA, propiciando

condições para um eficaz emprego conjunto. Para isto, aborda os seguintes

aspectos: Poder Nacional, Segurança e Defesa, Conflitos, Crises Internacionais

Político-Estratégicas, Fundamentos do Emprego do Poder Militar e Emprego das

Forças Armadas.

Uma vez que os aspectos iniciais são meramente introdutórios e alguma

repetição de outros documentos condicionantes, será dada maior ênfase aos três

últimos capítulos, os quais terão impacto mais palpável no Processo de

Planejamento de Comando para Operações Conjuntas.

Inicialmente a publicação define a Expressão Militar do Poder Nacional como

a

―manifestação, de natureza preponderantemente militar, do conjunto dos homens e dos meios de que a Nação dispõe que, atuando em conformidade com a vontade nacional e sob a direção do Estado,

contribui para alcançar e manter os objetivos nacionais‖ (grifo nosso).

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Atuar em conformidade com a vontade nacional não é mero floreio poético do

redator; desvenda e exige que o emprego da expressão militar dirija olhares para

fora de si mesma, o que lhe conferirá parcela respeitável da legitimidade no uso

consentido da violência pelo Estado.

É interessante no Cap 3 o debate que se faz sobre o emprego do termo

guerra ou conflito armado. Distingue-se um e outro através da enumeração de seus

conceitos132, para, em seguida se realizar uma breve crítica de cada um. Conclui-se,

por fim, que ambos os termos serão usados indistintamente na Doutrina Militar de

Defesa, apesar de a guerra ser considerada ilegal pelo direito internacional e o

termo conflito armado poder reduzir o interesse dos outros vetores do Poder

Nacional sobre o fenômeno.

Interessante também é a enumeração das formas de guerra. Neste ponto, o

manual parece uma nota de aula, em que se listam vários critérios para tipificação

das guerras. Alguns destes conceitos, posteriormente, não parecem ser empregados

no Manual. Destaca-se a distinção entre guerra limitada e guerra total. Na

conceituação de guerra total, alude-se ao fato de que na segunda não há

―restrições quanto aos métodos e engenhos e mesmo quanto às leis

convencionais de guerra‖ (grifo nosso). Como já dito, a conceituação parece

meramente acadêmica, não se devendo concluir que o Brasil estaria colocando em

sua doutrina a possibilidade de deliberadamente desconsiderar as leis

convencionais da guerra, e mais claramente o principio da distinção do DICA.

Sobre a condução das hostilidades, padronizam-se quatro níveis: o político,

consubstanciado pelo Presidente da República assessorado pelo Conselho de

Defesa Nacional; o estratégico, encabeçado pelo Ministério da Defesa, Conselho

Militar de Defesa (CMiD) e pelos Comandos das Forças Armadas; o nível

operacional, caracterizado pelos comandos operacionais ativados e o nível tático,

onde se efetivam os enfrentamentos pelas forças oponentes.

Cabe salientar, dentro desta estrutura verticalizada que se coloca dentre as

atribuições do nível mais alto, o político, ―a definição das limitações ao emprego

132 Conceitos empregado pela DMD: A guerra é o conflito no seu grau máximo de violência.

Em função da magnitude do conflito, pode implicar a mobilização de todo o Poder Nacional, com predominância da expressão militar, para impor a vontade de um ator ao outro. O conflito armado é amplamente entendido como um recurso utilizado por grupos

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dos meios militares, ao direito internacional e aos acordos a serem respeitados‖

(grifo nosso). Assim, deixa-se claro que, desde o nível mais elevado, há de se

emanar diretivas no sentido do Direito Internacional e, por conseguinte, do DICA.

A seguir, abordam-se as condições que devem existir para se conseguir a

solução da guerra.

a) a estrutura de apoio ao esforço de guerra do inimigo tiver sido afetada a tal ponto que ele não consiga mais manter poder militar suficiente para o prosseguimento das operações;

b) quebra da vontade de lutar do inimigo;

c) perda de condições do governo inimigo em congregar o povo para o esforço de guerra; e

d) redução da capacidade das FA inimigas a um ponto tal que impeça uma oposição efetiva.

Obs: A situação pós-conflito deve merecer especial atenção dos responsáveis pela guerra, a fim de que sejam propiciadas ao vencido condições para a sua recuperação, fator essencial para o restabelecimento da paz. (grifo nosso)

Os aspectos ressaltados acima encontram ligação com o respeito ao DICA,

vez que, caso sejam violados ditames do direito humanitário em uma escala que

venha a potencializar a coesão do povo ou das forças armadas oponentes, o

restabelecimento da paz será prejudicado.

No tocante à manobra de crise, o poder militar é colocado como o que dá

continuidade aos esforços políticos entre os Estados, com o propósito inicial de

dissuadir o oponente e indicar-lhe a firme disposição do País de defender seus

interesses até as últimas conseqüências. O foco é o objetivo político final, sendo que

há limitações às ações militares estabelecidas pelo nível político.

Este enquadramento das ações militares é geralmente determinado por

fatores de natureza política e jurídica, devendo ser precisamente identificado no

nível político e repassado ao nível inferior de planejamento - o estratégico, para que

este gere as suas normas de comportamento. Tais normas terão efeito nas regras

de engajamento influindo diretamente no respeito ao DICA.

politicamente organizados que empregam a violência armada para solucionar controvérsias ou impor sua vontade a outrem.

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Quanto aos Fundamentos do Emprego do Poder Militar, o referido documento

estabelece que, para cumprir sua destinação constitucional, as Forças Armadas se

valem de estratégias militares e princípios de guerra. As Estratégias de Emprego das

FA previstas na Doutrina Militar de Defesa são as seguintes: Ação Independente,

Aliança, Defensiva, Dissuasão, Ofensiva, Presença, Projeção de Poder e

Resistência. É válido afirmar que, em qualquer uma delas, é possível se identificar

aspectos do DICA passíveis de influenciar de alguma forma as ações subseqüentes.

Os Princípios de Guerra constantes da DMD irão nortear profundamente a

Doutrina de Operações Conjuntas, visto que esta se refere freqüentemente àquela,

como seu documento norteador. O entendimento do conceito de Princípios de

Guerra para a doutrina brasileira é estampado em Brasil (2007):

Preceitos filosóficos decorrentes de estudos de campanhas militares ao longo da história e apresentam variações no espaço e no tempo. São pontos de referência que orientam e subsidiam os chefes militares no planejamento e na condução da guerra sem, no

entanto, condicionar suas decisões. (grifo nosso)

À DMD coube ressaltar que os princípios podem variar entre países e até

mesmo entre as Forças Armadas do País, e que a situação ditará o grau de

importância de um em proporção a outro, enumerando-os a seguir: do Objetivo, da

Ofensiva, da Simplicidade, da Surpresa, da Segurança, da Economia de Forças ou

de Meios, da Massa, da Manobra, do Moral, da Exploração, da Prontidão e da

Unidade de Comando.

Sobre o princípio de guerra do Objetivo, a DMD estabelece a seleção dos

objetivos e a clara definição dos efeitos que se desejam como indispensáveis.

Somente assim será possível se assegurar que todas as ações se dirigem a um

único fim, evitando assim esforços em direções distintas da que se quer chegar,

como por exemplo, empenhar muito esforço para se controlar uma cidade, mas

perder a liberdade de ação em razão de violações do DICA.

Quanto ao princípio da Economia de Forças ou de Meios, reza a DMD que se

deve primar pela distribuição e emprego judiciosos dos meios disponíveis,

exemplificando aspectos que podem caracterizar o respeito a este princípio:

―emprego de dosagens adequadas dos meios, visando a obter o máximo

rendimento com o mínimo de esforços‖ (grifo nosso). Tal menção ao emprego de

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dosagens adequadas encontra algum amparo no princípio do DICA da

proporcionalidade, vez que os meios devem ser proporcionais à vantagem militar.

A respeito do princípio de guerra da Massa, a DMD ressalta que o

atendimento a este princípio não significa obrigatoriamente mera aplicação maciça

de forças, porém o bom emprego de golpes contundentes, em superioridade, nos

locais e momentos oportunos.

No que se refere ao Moral, a DMD afirma que seu contínuo aprimoramento e

manutenção são essenciais ao sucesso na guerra, pois nenhuma superioridade de

recursos poderá reverter a falta de moral e a ceticismo nos objetivos da guerra. Tal

princípio tem íntima ligação com o respeito ao DICA. Uma tropa de moral baixa é

mais tentada a quebrar a disciplina e as regras com as quais foi formada e

adestrada. Por outro lado, a falta de crença nos objetivos de guerra, por mais

disciplinados que os soldados sejam, não gera comprometimento. Os subordinados

cumprirão as tarefas, mas não da melhor forma possível. Não por acaso, a história

militar é rica em casos de tropas que, com sua moral deficiente, vieram a violar o

DICA133.

O último capítulo da DMD diz respeito ao emprego das Forças Armadas,

ressaltando a autoridade suprema do Presidente da República, e seu papel de

determinar ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de comandos operacionais

diretamente subordinados ao primeiro no caso de comandos conjuntos.

A DMD separa e enumera o emprego das Forças Armadas em situações de

guerra e de não-guerra. Na primeira está encerrada unicamente a hipótese de

Defesa da Pátria, foco maior deste trabalho.

Assim, a DMD espera atender seu propósito de fornecer juízos comuns às

FA, criando desta maneira as melhores condições para um eficaz emprego conjunto,

foco da doutrina que será abordada a seguir.

6.2 O PROCESSO DE PLANEJAMENTO DE COMANDO CONJUNTO BRASILEIRO

Cabe antes de tudo ressaltar que em 2001, isto é, poucos anos após a

criação do Ministério da Defesa, foi editado um manual especificamente para o

133 A este respeito, vide extensa literatura sobre o Massacre de My Lay, durante a Guerra do Vietnã e o caso da Prisão de Abu Ghraib, no Iraque em 2006.

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processo de planejamento de comando para operações conjuntas: o Manual MD 33-

M-05 Processo de Planejamento de Comando para Operações Combinadas. Sobre

o tema operações conjuntas, outros foram editados como o Manual MD33-M-03

Doutrina Básica de Comando Combinado, de 2001, além de publicações versando

sobre assuntos diversos como por exemplo logística oucomando e controle neste

tipo de operação.

Após esforços para se incrementar as operações conjuntas, algumas

operações e dez anos depois, foi aprovada em dezembro de 2011 a Doutrina de

Operações Conjuntas – MD30-M-01 / Volumes 1,2, e 3 (1ª Edição/2011). Trata-se de

uma coletânea de três volumes134 que estabelece os fundamentos doutrinários que

orientaram as Forças no processo de planejamento, preparo e emprego neste tipo

de operação.

Em que pese o recorte abranger o exame de situação do processo de

planejamento de comando conjunto e tal processo ter validade para os níveis

operacional e tático, será feita uma breve explanação de como ocorre o

planejamento no nível estratégico a fim de se dar coerência, lógica e certa

contextalização técnica ao trabalho conseqüente.

O planejamento neste nível, segundo o MD33-M-03 (2011), terá início em

caso de conflito armado com a emissão de uma Diretriz Presidencial de Emprego de

Defesa (DPED), determinando-se a ativação dos Comandos Operacionais julgados

pertinentes e designando seus Comandantes. Estes ficarão subordinados ao

Comandante Supremo, por intermédio do Ministro da Defesa.

Com fulcro na DPED, o Ministro da Defesa enunciará uma Diretriz Ministerial

de Emprego de Defesa (DMED), levando em conta o Plano Estratégico de Emprego

Conjunto das Forças Armadas (PEECFA). Tal PEECFA, a princípio, foi previamente

elaborado, antes da deflagração da crise, para fazer face à situação ora em curso.

Como a situação não será idêntica à planejada no PEECFA, será necessária

uma atualização deste plano. Tal trabalho será coordenado pelo Estado-Maior

Conjunto das Forças Armadas (EMCFA).

Havendo uma situação nova, que não tenha sido contemplada durante o

estado de normalidade com um PEECFA específico, o planejamento no nível

134 Neste contexto, afirma o General Sérgio (2011), comandante da ECEME, por ocasião de um exercício que a ―nossa doutrina de operações conjuntas ainda não está consolidada‖.

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estratégico poderá se fundamentar no PEECFA que mais se assemelhe ao caso, ou

se for algo totalmente novo, será elaborado um PEECFA específico pelo EMCFA.

Estabelece ainda o manual que, baseado no PEECFA e nas demais

diretrizes recebidas, o Comandante Operacional elabora o planejamento militar da

campanha. Nesse nível, os principais conceitos do nível estratégico, os objetivos e o

estado final desejado devem ser o farol para o estabelecimento dos objetivos

operacionais e das missões a serem atribuídas às Forças Componentes. Somente

assim será possível se garantir a indispensável coerência com o nível estratégico.

O nível operacional é onde se desenvolvem na plenitude, segundo o manual,

os preceitos da Arte Operacional. Definida como ―um acervo de requisitos

necessários para a elaboração dos planejamentos operacionais e táticos orientados

Figura 23 - Visualização Esquemática do Planejamento de Emprego Conjunto.

Fonte: BRASIL (2011).

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à obtenção dos efeitos desejados durante as análises estratégicas‖, ela se coloca

entre a estratégia e a tática, constituindo-se numa interface entre essas duas áreas,

sem, contudo, substituir o PPC.

No mesmo contexto, o manual alude à necessidade de se empregar

ferramentas como o desenho operacional e indicadores durante a campanha. O

desenho operacional seria uma representação gráfica da síntese das Linhas de

Ação (LA) que o comandante no nível operacional desenvolveu junto ao seu Estado-

Maior Conjunto. Num desenho operacional, o comandante conjunto poderá

visualizar o estado final desejado do nível operacional, os objetivos operacionais, o

centro de gravidade, pontos decisivos, pontos culminantes da campanha e as linhas

de operação. Podendo colaborar para uma fotografia mais clara da operação, pode

ser ferramenta útil para se evitar violações do DICA por excesso de força e

desacordo com o que se planejou no nível superior.

Figura 24 - Desenho Operacional: exemplo. Fonte: Brasil (2011).

Quanto aos indicadores, podem ser de desempenho e de eficácia, tendo

maior relevância para o controle da operação planejada, fase ausente do recorte

deste trabalho. A eles se atribui a possibilidade de se efetivar o uso judicioso dos

recursos disponíveis e otimizar o esforço bélico.

Antes de tecermos comentários acerca do Exame de situação em si, vale

ressaltar o que a Doutrina de Operações Conjuntas estabelece em seu Cap V, sobre

a composição do comando conjunto.

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Quanto a estrutura brasileira, ela é composta de um Comandante, um Estado-

Maior Conjunto e Forças Componentes. Sobre o primeiro, alude o manual que ele

será assessorado pelo Estado-Maior Conjunto e pelos Comandantes das Forças

Componentes. Poderá, também, valer-se de ―assessores especiais, tais como:

jurídico, diplomatas, etc.‖.

As atribuições deste comandante incluem:

a) organizar as forças subordinadas, atribuindo-lhes meios e definindo as relações de comando; b) estabelecer diretrizes quanto à administração, instrução e disciplina às F Cte; c) estabelecer, claramente, a missão dos comandantes subordinados e suas respectivas responsabilidades; d) estabelecer, e disseminar, as regras de engajamento no nível operacional; e) estabelecer e priorizar as Necessidades de Inteligência, visando ao processo decisório, tanto para o planejamento quanto para a condução das operações militares; f) coordenar o apoio logístico de todas as forças subordinadas; e g) servir de interlocutor com os escalões superiores, zelando pela manutenção da Consciência Situacional naquilo que seja relevante aos níveis de decisão estratégico e político. (grifo nosso)

Destaca-se, entre suas atribuições originárias, a elaboração e a disseminação

das regras de engajamento. Neste ponto, vale transcrever a definição de regras de

engajamento segundo o Ministério da Defesa:

REGRAS DE ENGAJAMENTO – Caracteriza-se por uma série de instruções pré-definidas que orientam o emprego das unidades que se encontram na área de operações, consentindo ou limitando determinados tipos de comportamento, em particular o uso da força, a fim de permitir atingir os objetivos políticos e militares estabelecidos pelas autoridades responsáveis. Dizem respeito à preparação e à forma de condução tática dos combates e engajamentos, descrevendo ações individuais e coletivas, incluindo as ações defensivas e de pronta resposta (BRASIL, 2007) (grifo nosso)

É interessante notar nesta definição que as orientações para o emprego das

unidades devem permitir atingir os objetivos políticos estabelecidos pelas

autoridades. Assim, é válido considerar que violações do DICA, em especial quando

expostas e exploradas na mídia, podem gerar tamanha restrição de liberdade de

ação, que dificilmente estarão eixadas com os objetivos definidos pelo plano político.

Como visto na DMD, deve-se prestar especial atenção à situação pós-conflito, visto

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que a recuperação do oponente vencido é posta como fator essencial para o

restabelecimento da paz.

É compreensível que um oponente humilhado, ferido em sua dignidade, pode-

se recuperar economicamente, mas no íntimo do povo dificilmente restabecer-se-á

uma paz sustentável.

Cabe ao comandante, também, estabelecer a constituição do Estado-Maior

Conjunto para gerenciar os aspectos indispensáveis ao cumprimento da missão.

Segundo o manual, ele será constituído, em princípio, das seguintes seções: D1 –

1a Seção – Pessoal; D2 – 2a Seção – Inteligência; D3 – 3a Seção – Operações; D4

– 4a Seção – Logística; D5 – 5a Seção – Planejamento; D6 – 6a Seção – Comando

e Controle; D7 – 7a Seção – Comunicação Social; D8 – 8ª Seção – Operações

Psicológicas; D9 – 9ª Seção – Assuntos Civis; e D10 – 10ª Seção – Administração

Financeira. Ressalva-se que outras seções podem ser ativadas, em razão da

necessidade.

A seguir, o manual discrimina as principais atribuições de cada seção,

cabendo destaque que algumas exigem algum conhecimento do DICA, como as

elencadas no quadro abaixo:

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Pessoal (D1)

b) estabelecer normas e procedimentos para os assuntos relativos à gestão e ao trato de civis ou militares, sejam amigos ou inimigos, particularmente prisioneiros de guerra (PG), refugiados e deslocados, em coordenação com o D2 e D9; h) tratar dos assuntos relativos à disciplina e à justiça militar, dentro da esfera do EMCj; j) elaborar normas, planejar e controlar a utilização de mão-de-obra civil, em coordenação com as seções de Inteligência, de Logística e de Assuntos Civis; o) planejar, coordenar e estabelecer normas para o sepultamento;

Inteligência (D2)

i) levantar as vulnerabilidades e as ameaças prováveis para a operação; j) levantar os pontos sensíveis e os sistemas de alvos de interesse do C Op, apoiando e participando dos respectivos processos de seleção de alvos; q) coordenar com o D1 e com o D4 a seleção e controle da mão-de-obra civil; r) coordenar com D9, D1 e D4 as atividades relacionadas a PG, internados, deslocados e refugiados;

Operações (D3)

f) levantar as Linhas de Ação (LA) para o cumprimento da missão do C Op, em coordenação com as demais seções do EMCj; g) elaborar os registros e relatórios operacionais, com especial atenção na avaliação dos danos infringidos aos alvos constantes na LIA; h) propor, em coordenação com o D5, a elaboração da Lista Integrada e Priorizada de Alvos (LIPA), assim como a sua atualização ao longo da operação; i) propor ao Comandante as Regras de Engajamento a serem promulgadas no nível operacional;

Logística (D4)

g) planejar, em coordenação com os setores de logística envolvidos, a localização dos órgãos e das instalações de apoio logístico das F Cte, selecionando as regiões onde devam desdobrar-se; h) estabelecer normas para utilização dos recursos locais, em coordenação com o D9; i) estabelecer prioridades para a evacuação aeromédica;

Planejamento (D5)

i) realizar o planejamento das operações futuras em tempo hábil (em princípio após 72 horas), baseado em suas análises prospectivas e nas diretrizes do comandante.

Comunicação Social (D7)

g) orientar, coordenar e controlar a atuação da mídia nos aspectos que possam vir a interferir com as operações;

Assuntos Civis (D9)

b) avaliar as implicações, na esfera dos Ass Civ, inerentes às linhas de ação elaboradas pela seção de Operações; d) estabelecer os procedimentos para as atividades de sua responsabilidade, verificando as instalações a serem utilizadas e os meios de apoio necessários, bem como as possibilidades de emprego de instalações e pessoal civis, presentes nas áreas de responsabilidade, em apoio à campanha/operação; e) verificar os serviços públicos e infraestruturas críticas a serem preservados no TO ou nas áreas de responsabilidade, adotando as medidas necessárias para que isto ocorra e prevendo as ações necessárias para o posterior restabelecimento da situação de normalidade naquelas áreas, no prazo mais curto possível, sem prejuízo da obtenção e manutenção do EFD definido pelo escalão superior;

Quadro 04 – Atribuições dos Chefes de Seção de Estado-Maior Conjunto brasileiro que possuem nítido relacionamento com o DICA. Fonte: o autor, baseado em Brasil (2011).

Estabelecidas as atribuições, cabe ao 2º volume da Doutrina de Operações

Conjuntas tratar do processo de planejamento. Sobre o processo, aventa-se que ele

é uma ferramenta essencial para o êxito do emprego do poder militar. Coloca-se,

ainda, que no âmbito do Ministério da Defesa brasileiro, sendo um planejamento a

ser elaborado ―por um Estado-Maior Conjunto (EMCj), no nível operacional ou no

tático, esse processo é denominado Processo de Planejamento Conjunto – PPC‖.

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Com o fim de alcançar o Estado Final Desejado135 (EFD) militar estabelecido

pelo nível superior, o produto-fim do processo de planejamento conjunto é um Plano

Operacional, em que se estabelecem objetivos, organização dos meios, tarefas e

diretrizes, tanto de planejamento, como de execução das operações.

Afirma o manual que a fim de que este processo, como qualquer outro, tenha

bases corretas, deve-se fundar em orientações gerais, chamadas de fundamentos

do PPC. Somente assim, o processo poderá responder o que, para que, quando,

onde, com que meios e como fazer. Cada um é descrito basicamente em uma frase

no manual. Alguns se confundem com princípios de guerra da própria DMD, com

uma roupagem um pouco distinta, como do Objetivo, da Simplicidade, da

Segurança, da Economia de Forças ou de Meios, e da Unidade de Comando. Fora

estes, enumeram-se os seguintes fundamentos do PPC:

Universalidade: a abordagem de todos os aspectos que envolvem o problema, prevendo, tanto quanto possível, todas as conseqüências.

Disciplina: obediência às prescrições contidas nas diretrizes superiores, assegurando fidelidade ao propósito estabelecido.

Flexibilidade: a característica de que deve dispor uma força militar, de modo a organizar-se para o cumprimento de uma missão específica, para atender tanto às diferentes fases de um plano ou ordem de operações, quanto de se adaptar às variações de situação que se possam apresentar, no desenrolar do combate ou missão recebida.

Versatilidade: a característica que permite a uma força militar regular seu poder de destruição e alterar sua postura militar, mantendo a aptidão para executar uma ampla gama de tarefas.

Coordenação: o ato ou efeito de conciliar interesse e conjugar esforços para a consecução de um objetivo, tarefa, propósito ou missão comum. É obtida por meio da conjugação harmônica de esforços de elementos distintos, visando a alcançar um mesmo fim e evitando a duplicidade de ações, a dispersão de recursos e a divergência de soluções.

Interoperabilidade: a capacidade dos sistemas, unidades ou forças de intercambiarem serviços ou informações ou aceitá-los de outros

135 Por EFD compreende-se as condições genéricas a serem alcançadas numa ―certa área ou ambiente (ou sobre determinados grupos), cuja obtenção indicará que a missão recebida foi efetivamente cumprida, podendo-se passar, a partir daí, para a desmobilização total ou parcial dos meios empregados‖ (BRASIL, 2011). No caso do EFD não ser claramente estabelecido nas diretrizes do escalão superior, deve o Comandante defini-lo, com base em proposta do D5 – Chefe da Seção de Planejamento.

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sistemas, unidades ou forças e, também, de empregar esses serviços ou informações, sem o comprometimento de suas funcionalidades. (grifo nosso)

Estabelecidos os fundamentos, estudar-se-á o processo em si. O Processo

de Planejamento Conjunto brasileiro é desenvolvido em três etapas, a saber: o

Exame de Situação, a Elaboração de Planos e Ordens e o Controle da Operação

Planejada.

A primeira delas é que permite chegar à escolha da linha de ação (LA136)

mais favorável ao cumprimento da missão, que será consignada na segunda etapa,

de elaboração de planos e ordens. Ressaltando que foco maior deste trabalho é o

Exame de Situação, passaremos a sua análise.

A etapa do Exame de Situação é subdividida em seis fases pela Doutrina de

Operações Conjuntas (BRASIL, 2011), a saber:

a) Fase 1 – Análise da missão e considerações preliminares;

b) Fase 2 – A situação e sua compreensão;

c) Fase 3 – Possibilidades do inimigo, linhas de ação e confronto;

d) Fase 4 – Comparação das linhas de ação;

e) Fase 5 – Decisão; e

f) Fase 6 – Conceito Preliminar da Operação.

Antes de descrevê-los, é válido trazer à baila que a Doutrina de Operações

Conjuntas estabelece que, não obstante as fases devam ser seguidas na sua ordem

numérica crescente, é válido recuar a uma fase prévia, se for necessário estudar

mais uma vez aspectos que isto exija. Na mesma linha, permite-se que os atores

envolvidos podem eliminar, ―ao longo do processo, fatos que se mostrarem

irrelevantes‖.

Além disto, assevera-se o papel extremamente relevante do Chefe do EMCj,

em especial na coordenação entre as seções do Estado-Maior. A importância deste

oficial é capital, à medida que deve orientá-las ―quanto à profundidade e objetividade

do trabalho‖. Neste ponto cabe ressaltar que, caso o Chefe do EMCj seja um oficial

136 Linha de ação: solução possível que pode ser adotada para o cumprimento de uma missão ou execução de um trabalho. (BRASIL, 2007).

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com pouca ―infância‖ de DICA, pode vir a determinar que aspectos relevantes do

direito internacional não sejam aprofundados.

A Doutrina de Operações Conjuntas (2011) estabelece que a etapa do Exame

de Situação deve gerar ao seu final um documento formal de mesmo nome e que

necessita ser arquivado. A determinação de arquivo é relevante para o direito

internacional, pois, em caso de violações, pode servir de meio legítimo de prova.

Feitas estas considerações iniciais, tratemos das fases do Exame, conforme

mencionado supra. Na fase 1 do Exame de Situação - Análise da missão e

considerações preliminares, o Comandante deve ter o foco em reconhecer a

existência do problema militar e obter uma abrangente noção do que ele se trata.

Para se chegar a esta idéia do problema, deve o Comandante estudar os seguintes

aspectos: políticos, econômicos, psicossociais, científico-tecnológicos, da área de

responsabilidade, os meios adjudicados, o inimigo, premissas básicas, limitações ao

planejamento, uma apreciação sumária do poder relativo das forças em presença e

a(s) intenção (ões) do comandante.

Chama a atenção nesta fase que tanto as regras de engajamento, como os

fatores jurídicos são incluídos como limitações ao planejamento, que, logo no início

do exame de situação, podem ser identificadas e que se apresentariam como

―limitações com influência significativa nas possíveis soluções para o problema‖.

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Figura 25 - Esquema seqüencial do PPC: fase 1 do Exame de Situação. Fonte: Brasil (2011).

A seguir, na Fase 2 do Exame de Situação – A situação e sua compreensão -

devem ser analisados detalhadamente todos os dados relativos ao problema militar.

Segundo o manual, deve-se - de forma profunda - estudar os principais aspectos da

fase anterior. Inicia-se pelas características da área de responsabilidade, passando-

se em seguida pela análise das forças inimigas, das próprias forças, das forças

amigas, uma comparação dos poderes combatentes para se encerrar com uma

conclusão parcial. Lista-se abaixo o que deve ser analisado e suas subdivisões,

segundo a Doutrina (Brasil, 2011):

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2.1 Características da Área de responsabilidade

a. Fatores Gerais

b. Fatores Fixos

2.2 Forças Inimigas

2.3 Nossas Forças

2.4 Forças Amigas

2.5 Centros de gravidade e Vulnerabilidades Críticas

2.6 Comparação de Poderes Combatentes (CPC)

a.Forças Combatentes

b. Comando e Controle (C²)

c. Logística

d. Fatores de Tempo e Distância

2.7 Conclusão Parcial

A subfase da análise da A Op é dividida pelo Manual MD 33-M-05 em fatores

gerais e fatores fixos. Nos fatores gerais, são previstos de se abordar fatores

políticos, econômicos, psicossociais e científico-tecnológicas.

Ainda no escopo dos fatores gerais da A Op, nos fatores políticos, há a

menção a ―aspectos do direito internacional‖, sem maiores detalhes. O manual

prevê ainda que as conclusões da fase 1 podem determinar a exclusão de alguns

fatores na fase 2.

Neste mesmo tópico referente aos aspectos políticos, há um parágrafo em

que se destaca a relevância do tema assuntos civis137 na atualidade e a

necessidade de se levantar as organizações governamentais e não-governamentais

da área.

Coloca-se também, neste tópico sobre política, que devem ser apreciadas

eventuais ―implicações em termos ambientais e aquelas afetas ao Direito

137 Conjunto de atividades referentes ao relacionamento do comandante e dos demais componentes de uma organização ou força militar com as autoridades civis e a população da área ou território, sob a responsabilidade ou jurisdição do comandante desta organização ou força. Compreendem comunicação social, ação comunitária e assuntos de governo (Brasil, 2007).

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Internacional Humanitário‖. Acrescentando-se que ―Isso servirá para avaliar que tipo

de estrutura será estabelecida para lidar com tais demandas‖.

Nos fatores fixos, o manual aduz que estes aspectos devem ser estudados

mais amiúde no nível tático, mas não devem ser escusados de nível algum. Estuda-

se neste ponto a hidrografia, terreno e topografia, clima e meteorologia, períodos

diurnos e noturnos, pontos de importância operacional, linhas de transporte e

suprimento, condições sanitárias, instalações operacionais e defesas fixas, e as

comunicações na área. No item condições sanitárias há a ressalva que ―seus

possíveis efeitos na população nativa são importantes‖. No item pontos de

importância operacional, elencam-se linhas de geração de energia, represas e

outros. No item linhas de transporte e suprimento, prevê-se o estudo das rotas

marítimas, terrestres e aéreas existentes. No item comunicações na área, estudam-

se os disponíveis na área, que poderão ser apropriados e utilizados em

complementação ao sistema de comunicações do Comando Operacional, sem

mencionar efeitos, todavia, na população civil.

À luz do DICA, chama a atenção o fato de que alguns aspectos recebem

ressalva clara quanto ao efeitos sobre os civis, como o item condições sanitárias, e

outros (todos os outros) não.

Ainda na Fase 2 do Exame de Situação – A situação e sua compreensão, há

previsto o estudo detalhado do inimigo. Aproveitando-se do levantamento sumário

feito na Fase 1, aduz o manual que o Estado-Maior deve estudar detalhadamente

nesta fase:

a. suas manobras tradicionais em exercícios ultimamente executados;

b. a atualização de sua ordem de batalha,

c. alterações substanciais em sua mobilidade estratégica; e

d. atualização e modernização de seu sistema de mobilização e suas reais possibilidades de apresentar novos meios no tempo estimado para as operações.

e. consolidação da avaliação inicial quanto aos CG, bem como suas capacidades e vulnerabilidades críticas associadas; e

f. capacidade de o inimigo atuar sobre os nossos CG, dentro do nível de planeja-mento considerado, explorando eventuais vulnerabilidades.

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Tal estudo deve resultar em um mapeamento do inimigo contendo seu

dispositivo, composição, valor, atividades importantes, recentes e atuais e

peculiaridades e deficiências. Cabe ressaltar que não há efetiva menção a um

estudo referente a aspectos do DICA, como a peculiar percepção do inimigo a

respeito das nossas forças, por exemplo.

Figura 26 - Esquema seqüencial do PPC: fase 2 do Exame de Situação. Fonte: Brasil (2011).

Após coligir dados e obter conclusões parciais na Fase 2, deve o Estado-

Maior iniciar a chamada Fase 3 – Possibilidades do inimigo, linhas de ação e

análise. Nesta fase do Exame de Situação, precisa-se identificar e considerar as

possibilidades do Inimigo e elaborar LA. Estas LA são submetidas às chamadas

provas preliminares de adequabilidade, praticabilidade e aceitabilidade (ou ―prova de

APA‖). Segundo o Manual MD 33-M-05, uma LA é aceitável se os prováveis

resultados compensam os custos estimados. Acrescenta ainda que as perdas

prováveis servem de base e que ―tais perdas referem-se a pessoal, material, tempo

e posição‖ por parte das forças amigas.

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Figura 27 - Esquema seqüencial do PPC: fase 3 do Exame de Situação. Fonte: Brasil (2011).

Na Fase 4 do Exame de Situação - Comparação das linhas de ação, carece o

comandante de selecionar a melhor LA para o cumprimento da missão, após tabular

as vantagens e desvantagens de cada uma. Estabelece o Manual MD 33-M-05

ainda que o comandante deve responder às seguintes perguntas neste trabalho:

a. Qual a LA mais ofensiva ou defensiva, de acordo com a natureza da(s) operação (ões)?

b. Qual a LA que permite maior liberdade de ação?

c. Qual LA permite maior concentração de nossas forças, de maneira a obter superioridade no momento e no local decisivos?

d. Qual LA permite obter a melhor unidade de comando?

e. Qual a LA que permite obter o maior grau de surpresa?

f. Qual a LA que implica em maior simplicidade de execução?

g. Qual a LA que menos depende de informações acerca do inimigo?

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h. Qual a LA que menos depende das características da área de operações?

i. Qual a LA que mais favorece as futuras operações?

j. Qual a LA que proporciona a melhor economia de meios?

l. Qual é a mais facilmente sustentável, do ponto de vista logístico?

m. Qual oferece melhores condições para o atingimento do estado final desejado em menor tempo?

n. Qual oferece menos riscos para a população civil na área das operações? e

o. Qual a que oferece menores riscos, em termos de perdas materiais e humanas?

Cabe salientar que as últimas quatro perguntas foram um acréscimo feito à

redação do manual de 2001. A última questão não se refere expressamente a

perdas materiais de bens civis ou militares, assim como não deixa claro se as perdas

humanas são de combatentes, ou não combatentes.

A apresentação das LA é feita em uma reunião formal coordenada pelo Ch

EMCj, com a participação de todos os seus integrantes, seguindo script sugerido

pelo manual. Nesta reunião, depois de selecionada a LA vencedora, deve o

comandante responder uma pergunta: "É realmente isto o que de melhor posso

fazer para cumprir a minha Missão?". Logo após fazer esta consideração, o manual

faz a ressalva que os planejamentos serão tão completos quanto for o tempo

disponível. Nesta reunião formal, é facultada a presença dos comandantes de forças

componentes, seus Ch EMCj, Chefes de Seção de Operações e de Planejamento.

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Figura 28 - Esquema seqüencial do PPC: fase 4 do Exame de Situação. Fonte: Brasil (2011).

Após extensamente debatidos os méritos e deméritos de cada LA para o

cumprimento da missão, entra-se na Fase 5 – Decisão. Esta fase do Exame de

Situação é descrita como estritamente individual do comandante conjunto, pois ele

deverá – sob sua integral responsabilidade – escolher a LA que acredita melhor

cumpra a missão. A decisão não tem formato pré-definido, e ―deve ser uma

afirmação breve, que exponha, clara, simples e concisamente, a LA selecionada‖.

Escolhida a LA e enunciada a decisão, inicia-se a última fase do Exame de

Situação: a Fase 6 – Conceito Preliminar da Operação. Nesta fase, cabe ao

comandante anunciar uma ideia genérica de manobra quanto a como serão

desenvolvidas as operações concernentes à LA eleita. Segundo o manual, o CPO é

o ―aprimoramento do Conceito Sumário da LA selecionada como Decisão,

enriquecido pelas conclusões obtidas no Confronto e pela análise de outros

aspectos do Exame de Situação‖.

No final da discussão do CPO, o manual alude que o conceito deve ser claro

e conciso e, para tanto, carece de conter alguns itens no mínimo, a saber:

a) apreciação da situação de forma resumida;

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b) estado final desejado, no nível de planejamento considerado, com a devida conexão com a situação definida pelo nível superior;

c) a missão e a Concepção da Manobra do Comandante;

d) como a missão será cumprida pelo Comandante, em termos genéricos, enfatizando o emprego das Forças Componentes (F Cte), no tempo e espaço;

e) visão macro para as necessidades de forças extras ou suporte logístico;

f) diretrizes para comunicação social, operações psicológicas, assuntos civis, operações especiais e conduta com refugiados/evacuados;

g) riscos políticos, diplomáticos, econômicos e militares; e

h) diretrizes sobre a confecção da Lista de Alvos. (grifo nosso)

Chama a atenção a expressa referência a conduta com

refugiados/evacuados, como algo do mesmo nível que a comunicação social,

assuntos civis, operações psicológicas, assuntos civis e operações especiais.

De acordo com a doutrina, pode o CPO ser encaminhado tanto para o

escalão superior como para as forças componentes. O primeiro, a partir de uma

análise de riscos, poderá interagir e intervir nas etapas seguintes do Processo de

Planejamento. Os segundos terão acesso a uma espécie de ordem preparatória,

facilitando seu próprio planejamento corrente. Encerra-se assim a primeira etapa do

Processo de Planejamento Conjunto, o Exame de Situação, foco principal desta

parte da pesquisa.

A próxima etapa do PPC diz respeito à ―Elaboração dos Planos e Ordens‖.

Ela tratará da redação dos documentos que irão consubstanciar as ordens e como

será feito o controle da execução destas ordens. O 2º volume da Doutrina de

Operações Conjuntas traz no apêndice XIV um modelo de Plano Operacional.

Por fim, o PPC se encerra na etapa138 conhecida como ―Controle da

Operação Planejada‖. Nela, cabe ao Comandante conferir se o andamento da

138 Conforme recorte estabelecido para este trabalho e com foco na resposta às questões de estudo aventadas, estas duas últimas etapas não sofrerão abordagem profunda, vez que são posteriores à elaboração das LA.

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operação está de acordo com o planejado na etapa anterior e, ainda, se tanto os

efeitos desejados como os objetivos estão sendo devidamente alcançados.

Conclui-se assim a segunda etapa desta pesquisa, onde se buscou construir

um referencial teórico que servisse de contexto para a resposta das questões de

estudo de b. a f., o que será feito a seguir.

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7 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Este capítulo está organizado em três partes, em estreita relação com as

questões de estudo alinhavadas supra, em especial na exposição da metodologia

empregada.

7.1 ELEMENTOS COMUNS AOS PROCESSOS DE PLANEJAMENTO DE COMANDO

A resposta à questão de estudo b. teve papel importante para definir passos

futuros da pesquisa. A questão proposta, apresentada abaixo, era parte de um

questionário semiestruturado:

Questão: Quais são os elementos ou aspectos do DICA que o comandante

conjunto, no seu planejamento, deve necessariamente considerar no Exame de

Situação ao eleger uma determinada linha de ação?

IDÉIA CENTRAL A – o comandante deve levar em consideração os princípios

do DICA, além de ter conhecimento prévio do DICA.

O Discurso do Sujeito Coletivo estabelecido foi o seguinte:

IDÉIA CENTRAL B – O comandante deve conhecer as limitações que o DICA

impõe, distinguir civis e combatentes e estabelecer regras de engajamento.

Existem aspectos que todos têm que conhecer: princípios, os estatutos, a seleção de objetivos, o que são crimes de guerra. É imprescindível que as forças armadas conheçam adequadamente quais são as sanções para suas violações. Se o DICA estiver devidamente integrado às forças armadas, consequentemente o comandante deverá aprender adequadamente os princípios e normas do DICA durante sua preparação ao longo da carreira militar. Uma vez que o DICA esteja devidamente integrado às forças armadas, a equação entre a necessidade militar e as consequências humanitárias que possam resultar para se atingir o objetivo militar provavelmente será feita dentro do marco previsto pelo DICA. Eu sempre me atenho muito aos princípios, porque eu acho que quando você insere os princípios, converte-se aos princípios do DICA, na prática você vai estar sensibilizado a eles na hora de fazer um exame. O nível de formação tem que estar um pouco uniforme entre as três forças. No planejamento, os primeiros elementos ou aspectos que devem ser necessariamente são os princípios. Então, tudo tem que ser colocado numa balança: o meu objetivo militar é esse; vamos ver os danos que isso vai causar. Então, a proporcionalidade entre a humanidade e a necessidade militar é a chave de todo o DICA. Portanto, os princípios gerais do DICA destacam-se no planejamento. Em que pese a sua subjetividade, ao serem considerados, terão impacto direto na escolha da linha de ação adequada.

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O Discurso do Sujeito Coletivo estabelecido foi o seguinte:

7.1.1 Discussão

O discurso obtido a partir da idéia central A revela dois aspectos: a relevância

dos princípios no planejamento e a necessidade de o comandante ter conhecimento

prévio do DICA.

Sobre os princípios, ensina Accioly (2000), que, se há um direito para

conflitos armados, isto implica em afirmar que o conflito armado produz implicações

legais entre os contendores. O DICA como ramo do direito internacional público,

regula a postura Estatal em momentos de grave crise e uso de violência. Nesta idéia

central, portanto, verifica-se que os entrevistados valorizam, no planejamento de

operações conjuntas, uma verdadeira fonte do direito internacional geral, conforme a

própria Corte Internacional de Justiça reconhece: ―os princípios gerais de direito,

reconhecidos pelas nações civilizadas‖. Verifica-se neste trecho do DSC obtido

valorização de fonte legítima do direito internacional para imensa parcela dos

autores, entre eles os adotados para esta pesquisa, Accioly e Celso Mello,

O segundo aspecto, acerca do imperativo de o comandante ter noções

anteriores sobre o direito humanitário, explicita que este grupo de especialistas

reconhece a necessidade de que o DICA seja algo naturalmente incorporado às

forças armadas e seus integrantes, fazendo que, conseqüentemente, o comandante

conjunto tenha a devida ―infância‖ no assunto. O DICA naturalmente entronizado nas

Um comandante conjunto deve necessariamente considerar, ao planejar uma operação, que há bens e pessoas protegidos pelo direito internacional dos conflitos armados e que há exceções. O comandante deve ainda conhecer meios e métodos proibidos e buscar evitá-los. Em terceiro lugar, o comandante de uma operação conjunta deve ser razoável na escolha de seus objetivos, tudo em nome do menor custo às pessoas e aos bens protegidos. O comandante deve também saber destacar qual o efetivo âmbito de utilização do DICA, delimitando as situações em que esse conjunto normativo é aplicável, qual seja, o âmbito material; em que momento isso deve ocorrer, isto é, o âmbito temporal; qual parcela territorial ele abrange, isto é, o âmbito espacial; e, finalmente, as pessoas que são objeto da proteção do DICA, isto é, o âmbito pessoal. Para isso, deve o comandante estabelecer regras de engajamento.

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forças sugere um processo contínuo de conhecimento desde o início da formação do

oficial, crescente ao longo de sua carreira.

Em determinado trecho, fica clara uma preocupação com um nivelamento do

conhecimento entre Marinha, Exército e Aeronáutica: ―O nível de formação tem que

estar um pouco uniforme entre as três forças”. Como visto anteriormente, atento a

uma tendência mundial, o governo brasileiro dedica atualmente atenção especial ao

emprego conjunto. Prova disto são as vultosas operações que o MD coordena

anualmente há aproximadamente dez anos, como Laçador e Tapuru, por exemplo.

Ocorre, porém, que neste início do processo de integração das forças, diferenças

sejam expostas, como essa estampada neste trecho do DSC. Afinal, o preparo é

feito individualmente, e o emprego é conjunto.

Iniciativas no sentido de se nivelar o conhecimento do direito humanitário

entre as forças singulares existem, como o Curso de DICA conduzido anualmente

pela ESG, com a participação de oficiais da Marinha, Exército e Aeronáutica.

A afirmação de que parece haver um desnível no conhecimento de direito

internacional entre as forças ecoa a preocupação de Mello (2004) que alertara que o

País ainda não entendeu o verdadeiro papel do Direito Internacional Público. Para o

autor, o DI deveria preocupar não somente o perito, porém todos, pois toda nossa

existência política, econômica, social e cultural está se internacionalizando, sendo o

Direito Internacional uma ferramenta vital nesta transformação. Em suma, segundo

Mello, vivemos num País em que o DI encontra pouco espaço para florescer entre os

que com ele não trabalham, apresentando reflexos naturalmente na sua estrutura

estatal e em sua doutrina de defesa.

Este segundo aspecto da idéia central A, embora sirva de dado relevante

para conhecimento geral do tema, não serve de base direta para a resposta à

questão de estudo, uma vez que não revela ligação com o processo de

planejamento conjunto, mas com aspecto da implementação do direito humanitário

nas forças, conforme orientação da Portaria Normativa 916/MD de 13 de junho de

2008, que estabelece a Diretriz para a Difusão e Implementação do Direito

Internacional dos Conflitos Armados (DICA) nas Forças Armadas. Assim, o

conhecimento prévio do DICA pelo comandante conjunto se dá antes da sua

designação, ficando, portanto, fora do recorte proposto para esta pesquisa.

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197

Sobre o discurso obtido a partir da idéia central B, à primeira vista parece ter

foco distinto do obtido a partir da idéia central A. Todavia, uma leitura mais atenta a

este discurso revelará que princípios também estão descritos no DSC obtido.

Quanto ao trecho ―Um comandante deve necessariamente considerar, ao

planejar uma operação, que há bens e pessoas protegidos e que há exceções‖

verifica-se menção ao princípio da distinção, como previsto no Art. 48 do Protocolo

Adicional I, de 1977:

A fim de garantir respeito e proteção à população civil e aos bens de caráter civil, as Partes em conflito deverão sempre fazer distinção entre a população civil e os combatentes, entre os bens de caráter civil e os objetivos militares e, em conseqüência, dirigirão

suas operações unicamente contra os objetivos militares. (grifo nosso)

No trecho ―O comandante deve ainda conhecer meios e métodos proibidos e

evitá-los” percebe-se clara referência ao princípio da limitação, conforme consta do

Art. 22 da Convenção de Haia Concernente às Leis e Usos da Guerra Terrestre, de

1907 e do Art. 35 do Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra Relativo à

Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados de Caráter Internacional, de 1977: ―Em

todo conflito armado, o direito das Partes em conflito a escolha dos métodos ou

meios de combate não é ilimitado‖.

No fragmento ―Em terceiro lugar, deve ser razoável na escolha de seus

objetivos, tudo em nome do menor custo às pessoas e bens protegidos.”, por sua

vez, caracteriza-se claramente o princípio da proporcionalidade, como visto em Mello

e no Art. 57 do Protocolo Adicional I, de 1977.

Assim, respeitar limitações e distinguir civis de combatentes não é nada mais

do que se respeitar princípios do DICA: o da limitação e o da distinção. Verifica-se

aqui correspondência clara com os dois grandes eixos do DICA segundo Swinarski:

proteção e limitação. Ao desenhar sua definição do direito internacional humanitário,

o autor se refere à proteção ―das pessoas e os bens afetados, ou que possam ser

afetados pelo conflito‖. Conforme Palma (2008), estas proteções podem ser

enumeradas em um princípio único de distinção,

A respeito do trecho da idéia central B, que se refere à necessidade do

comandante compreender o âmbito de aplicação do DICA, tal conhecimento é sem

dúvida relevante e precioso ao comandante conjunto. Ocorre, todavia, que -

conforme esclarecido anteriormente -, o recorte proposto para esta pesquisa se

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limita a situações em que o DICA tem aplicabilidade indiscutível, o que faz com que

esse trecho perca a relevância para a pesquisa em tela.

Por fim, apresenta-se no DSC a necessidade de materialização do respeito

ao DICA por meio da elaboração de regras de engajamento: ‖Para isso, deve o

comandante estabelecer regras de engajamento”.

Como visto, a adoção de regras de engajamento é uma ferramenta presente

tanto na doutrina britânica como na doutrina brasileira, mas com pequenas nuances

de sentido na sua definição.

Na doutrina britânica, elas são

Diretrizes emitidas pela autoridade militar competente que especificam as circunstâncias e os limites dentro dos quais forças irão iniciar e / ou prosseguir o engajamento em combate com forças oponentes (REINO UNIDO, 2006)139.

Na doutrina conjunta brasileira, as regras de engajamento são

uma série de instruções pré-definidas que orientam o emprego das unidades que se encontram na área de operações, consentindo ou limitando determinados tipos de comportamento, em particular o uso da força, a fim de permitir atingir os objetivos políticos e militares estabelecidos pelas autoridades responsáveis. Dizem respeito à preparação e à forma de condução tática dos combates e engajamentos, descrevendo ações individuais e coletivas, incluindo as ações defensivas e de pronta resposta (BRASIL, 2007).

Percebe-se que, apesar do conceito ser similar, no caso do Reino Unido, as

regras de engajamento são consideradas como diretrizes que especificam ocasiões

e limites para o uso da força. No caso do Brasil, são instruções e percebe-se uma

preocupação em se atingir os objetivos políticos, em seguida se referindo à

condução do combate em um nível tático, o que sugere que devam ser elaboradas

no nível operacional. Da análise da Doutrina Conjunta brasileira, verifica-se ainda

que as regras de engajamento são colocadas na Fase 1 do Exame de Situação

como uma ―limitação‖ ao planejamento com considerável significado para a

resolução do problema militar.

Feitas estas considerações, pode-se inferir da análise desta idéia central que

os especialistas entenderam as regras de engajamento como umas das pedras

angulares no respeito ao DICA quando do planejamento de uma operação conjunta,

139 Tradução livre do autor.

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visto que elas teriam o condão de traduzir de uma maneira pragmática o respeito

aos princípios do DICA.

Em síntese, do exame destes discursos aufere-se que os elementos do DICA

que o comandante conjunto, no seu planejamento, deve necessariamente considerar

no Exame de Situação ao eleger uma determinada linha de ação são os princípios

do DICA. De uma forma paralela, deve estar em condições e estar atento a

elaboração das respectivas regras de engajamento.

A resposta a esta questão de estudo (b.) era fundamental para a resposta a

outras questões de estudo posteriormente desenvolvidas na pesquisa.

7.2 O DICA NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO DE COMANDO CONJUNTO BRITÂNICO

Com base nos elementos levantados no item anterior, buscou-se levantar

como se encontra o Direito Internacional dos Conflitos Armados constante do

processo de planejamento de comando para operações conjuntas do Reino Unido.

Para a resposta a esta questão de estudo, foi selecionada a técnica da

analise de conteúdo dos documentos RU1 e RU2. Ela permitiu, por um lado, fazer

uma descrição sistemática destes documentos e, por outro, inferências válidas no

contexto do DICA e do processo de planejamento de operações conjuntas.

Na etapa do recorte dos conteúdos, foram levantados trechos da doutrina

britânica relacionados com o processo de planejamento conjunto que poderiam de

alguma forma ter relação ao respeito aos aspectos levantados na resposta a

questão de estudo b., via DSC. Foram determinadas duas categorias, as quais

abrangeram cada uma aspectos congêneres, cuja análise e discussão apresentam-

se a seguir.

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200

Categorias Analíticas Subcategorias

CA1 – Aspectos coincidentes

com o aventado no DSC

RU2 - Princípios do DICA

RU4 - Regras de engajamento como assunto-

chave no planejamento

CA2 – Aspectos não

coincidentes com o aventado

no DSC

RU1 - Legitimidade da campanha

RU3 - Assessoramento e enquadramento

jurídico como fator decisivo

RU 5 - Orientações Gerais ao Comandante

Conjunto

Quadro 05 –- O DICA No Processo de Planejamento de Comando Conjunto Britânico: Categorias e subcategorias levantadas na Análise de Conteúdo. Fonte: o autor

7.2.1 Categoria Analítica CA1 - Aspectos coincidentes com o aventado pelos

especialistas no DSC

Para a Categoria Analítica CA1 – aspectos coincidentes com o aventado

pelos especialistas no DSC, foram levantadas duas categorias inferiores, a saber:

Subcategoria Analítica RU2 - Princípios do DICA no corpo da publicação e a

Subcategoria RU4 - Regras de engajamento como assunto-chave no planejamento.

7.2.1.1 Subcategoria Analítica RU2 - Princípios do DICA no corpo da publicação

Trecho de recorte 6

Assegurar que todas as atividades estão bem orientadas, sobretudo para

garantir que as forças se apóiam mutuamente e atuam de acordo com o Direito

Internacional dos Conflitos Armados. Os princípios do DICA são distinção,

proporcionalidade, necessidade militar e humanidade.

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201

Trecho de recorte 11

A lei aplicável pode ser uma combinação de normas internacionais e

domésticas, também incluindo os direitos humanos.

7.2.1.2 Subcategoria Analítica RU4 - Regras de engajamento como assunto-chave

no planejamento

Trecho de recorte 5

Emitir uma ordem não representa mais de dez por cento da sua

responsabilidade. Os restantes noventa por cento consistem em garantir por

meio de supervisão pessoal [...] a sua execução adequada e vigorosa, pragmática.

Trecho de recorte 14

A primeira diz respeito a assegurar que tanto o comandante como aqueles

sob seu comando compreendem suas responsabilidades e obrigações legais e são

treinados de acordo com as regras de engajamento definidas para a operação. Elas

são ―assunto-chave‖.

Trecho de recorte 10

[...] as regras de engajamento, variam consoante a natureza da operação.

Trecho de recorte 16

... dever maior que os comandantes têm de [...] observância a todo custo das

regras de engajamento, exercendo a devida ação de comando sobre seus

subordinados.

Trecho de recorte 17

A terceira Consideração se refere aos contextos multinacionais, em que o

comandante de força conjunta deve considerar as diferentes posições políticas

nacionais e as obrigações legais dos respectivos contingentes nacionais (incluindo o

seu). Deve-se compreender que a participação nacional na operação pode se

basear em certas condições e as regras de engajamento nacionais podem se

contrapor a estas condições.

Trecho de recorte 23

Isto significa afirmar que a maneira pela qual a campanha é conduzida [...]

pode ser consideravelmente significativa.

Trecho de recorte 5

Além da busca por decisões oportunas e corretas, o comandante conjunto

britânico também deve ter seu foco na eficácia e, sempre que possível, buscar a

comunicação pessoal de suas decisões aos seus subordinados.

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202

7.2.2 Categoria Analítica CA2 - aspectos não coincidentes com o aventado

pelos especialistas no DSC

Nesta categoria foram identificadas três subcamadas de análise, a saber:

Subcategoria analítica RU1 - Legitimidade da campanha, Subcategoria analítica

RU3 - Assessoramento e enquadramento jurídico como fator decisivo e

Subcategoria analítica RU 5 - Orientações Gerais ao Comandante Conjunto.

7.2.2.1 Subcategoria Analítica RU1 - Legitimidade da campanha

Trecho de recorte 1

Legitimidade é um fator adicional significativo, influenciando a aplicação de

força, em particular. A legitimidade é mais ampla do que a legalidade e engloba

a correção política, moral e ética. É um fator importante na criação e sustentação

da Autoridade da Campanha. Autoridade da Campanha é "a autoridade estabelecida

por forças internacionais, de agências e organizações dentro de uma dada situação

de apoio (ou, no lugar de) a um governo aceito (ou ineficaz, ou mesmo ausente)‖.

Trecho de recorte 2

Não obstante a justificativa ou a legitimidade do emprego de qualquer uso da

força, os membros individuais das forças armadas devem agir de acordo com

Direito Internacional dos Conflitos Armados. Se eles não o fizerem, estarão agindo

ilegalmente.

Trecho de recorte 3

Em situações de extrema violência, a responsabilidade derradeira deve ser do

comandante militar

Trecho de recorte 4

[as considerações civis] Esta interação pode ser o flanco crucial.

Trecho de recorte 8

Um EM conjunto deve dispor, no mínimo, um Chefe de Operações de Mídia,

e, preferencialmente, um assessor de mídia e um intérprete treinado.

Trecho de recorte 11

O não cumprimento da lei, ou mesmo uma falha de percepção, pode

prejudicar significativamente a Autoridade da Campanha.

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203

Trecho de recorte 15

A segunda Consideração Legal diz respeito ao dever maior que os

comandantes têm de assegurar o cumprimento da lei,

Trecho de recorte 1815

Na quarta Consideração Legal, o JDP estabelece que qualquer suspeita de

ação ilegal no curso da operação conjunta deve ser imediatamente comunicada e

investigada profundamente. Tal orientação se justifica sob vários aspectos, entre

eles para se assegurar a legitimidade da operação e a manutenção do apoio da

população.

Trecho de recorte 22

Uma vez que cada linha de ação pode descrever maneiras completamente

diferentes de se conduzir a campanha, pode o comandante de força conjunta

britânica consultar seu escalão superior a fim de garantir a coerência com o objetivo

estratégico maior. Embora o resultado desejado seja sempre importante, as formas e

os meios pelos quais ele é atingido (ou a contribuição militar para alcançá-lo)

também podem influenciar os acontecimentos em longo prazo. Quando o resultado é

duvidoso, por exemplo, o impacto nas relações geopolíticas pode sofrer reflexos. Isto

significa afiançar que o modo como é percebida a campanha pela sociedade

internacional pode ser consideravelmente significativa.

7.2.2.2 Subcategoria Analítica RU3 - Assessoramento e enquadramento jurídico

como fator decisivo

Trecho de recorte 7

Um comandante de força conjunta deve prestar especial atenção à autoridade

delegada e responsabilidade dentro de sua equipe principal (COS, DCO, POLAD,

Conselheiro Cultural, assessor jurídico (LEGAD) e subcomandante, se houver).

Trecho de recorte 9

Todas as operações militares devem ser conduzidas sob um enquadramento

jurídico. As leis que se aplicam [...] variam consoante a natureza da operação

Trecho de recorte 11

O não cumprimento da lei, ou mesmo uma falha de percepção, pode

prejudicar significativamente a Autoridade da Campanha.

Trecho de recorte 13

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204

As Considerações Legais que provavelmente deverão ser levadas em conta

pelo Comandante Conjunto serão as seguintes.

Trecho de recorte 20

Descreve-se, à guisa de exemplo, como a negligência à ordem jurídica

impactou ações frustradas do Reino Unido no Quênia em 1952.

Trecho de recorte 19

Por fim, a última Consideração Legal que o Joint Doctrine Publication 01

Campaigning entende como passível de ser feita pelo comandante conjunto é que

ele deve sempre ter acesso a aconselhamento legal especializado, normalmente a

partir de um assessor jurídico desdobrado junto ao estado-maior no quartel-general

do comando conjunto. Acrescenta ainda que a assessoria jurídica deve estar sempre

disponível, ainda que à distância, a fim de apoiar em qualquer eventualidade que o

comando conjunto – aí incluídos seus comandos subordinados – venham a

enfrentar.

Trecho de recorte 21

A análise de fatores legais como intervenientes na consciência situacional é

observada a partir de exemplos reincidentes de referências legais em exemplos de

documentos de campanha do Reino Unido

Trecho de recorte 22 13

Na análise da população e sua cultura, o chamado ―calco humano‖, deve-se

avaliar a população, sua cultura e religião, suas questões políticas, econômicas e

sociais, a mídia e as Questões jurídicas. Questões jurídicas incluem o sistema

jurídico do país em crise, e a lei nacional ou internacional aplicável a qualquer força.

7.2.2.3 Subcategoria Analítica RU5 - Orientações Gerais ao Comandante Conjunto

Trecho de recorte 24

Planejar é uma atividade mental auxiliada, mas não dirigida por um processo.

Trecho de recorte 25

Os parágrafos abaixo podem sugerir – especialmente na calma do ambiente

acadêmico – que o comandante da força conjunta poderia adotar uma abordagem

mecânica para seu planejamento. Planejar campanhas, principalmente nas

operações contemporâneas, é uma atividade muito dinâmica, em que abordagens

pseudo-científicas não se aplicam.

Trecho de recorte 26

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205

Fig 2.8. Este diagrama não sugere uma abordagem mecânica ao

planejamento.

Trecho de recorte 27

As fases ajudam o comandante da força conjunta a planejar a campanha

logicamente, além de proverem um quadro de trabalho para o planejamento e a

execução, mas não devem ser vistas como prescrições, ou algo simplista e imutável.

Trecho de recorte 28

Na prática, planejar não é um processo rigorosamente linear ou seqüencial.

Trecho de recorte 29

São medidas como uma preparação robusta, delegação de tarefas, e o

desencadeamento de atividades simultâneas em todos os níveis (por meio de

oportunas ordens de alerta).

7.2.3 Discussão

A resposta a questão de estudo b. levou a dois elementos primordialmente:

uma inclusão dos princípios do DICA como relevante para a adoção de uma LA e a

capacidade e atenção na elaboração de regras de engajamento.

Da análise da Subcategoria Analítica RU2, inferiu-se que os princípios do

DICA são sopesados como algo que o comandante deve considerar na elaboração

de uma linha de ação no processo de planejamento de comando para operações

conjuntas. O estudo desta Subcategoria revela que a doutrina do Reino Unido os

menciona expressamente no manual do PPC.

Verifica-se aqui uma preocupação nítida do Ministério da Defesa do Reino

Unido em deixar claro, em sua doutrina de processo de planejamento de comando

conjunto, que o emprego da gama de meios diversos ao dispor do comandante

conjunto enseja alguns cuidados próprios deste tipo de operação e de força. Apesar

de a publicação tratar de planejamento de campanhas e processo decisório, o

MDRU fez questão de estampar claramente a necessidade de se atuar em acordo

com o Direito Internacional dos Conflitos Armados.

Não satisfeito, o JDP 01 complementou ainda mais a informação,

mencionando quais seriam estes princípios no entendimento do Reino Unido:

distinção, proporcionalidade, necessidade e humanidade. Acredita-se que qualquer

oficial britânico tenha estes princípios claros em sua cabeça, o que nos leva a

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206

concluir que repeti-los na doutrina de processo de planejamento de comando

conjunto se trata de uma forma de reforçar a sua importância e – parece-nos óbvio –

deixar claro ao comandante conjunto que ações fora do âmbito do DICA não terão o

respaldo do Ministério da Defesa do Reino Unido, e, por conseguinte, do Estado

Britânico.

Na Subcategoria RU1 foram incluídas menções à legitimidade da campanha,

fundamento das operações conjuntas que é o elo para o que a doutrina britânica

elenca como a autoridade da campanha. Esta última, por sua vez, inclui tanto a

preocupação com a opinião pública, quanto com o apoio da população da área de

operações e da sociedade internacional.

A menção à sociedade internacional em um texto de doutrina militar revela

indícios de maturidade no tocante à percepção da importância do Direito

Internacional Público, aspecto discutido no Cap 3 deste trabalho. Como alertara

Mello (2004), o DI interessa a todos, vez que a vida contemporânea está se

internacionalizando e o DI é um dos instrumentos deste processo.

Se por um lado o DI se revela fator de compreensão da legitimidade da

campanha, percebe-se também que a maneira como a sociedade internacional

percebe a missão é considerada no PPC do Reino Unido, sem se olvidar quão

complexo é ler esta percepção. Lê-se nas entrelinhas a descentralização inerente ao

DIP e, ainda, a dificuldade em se enfrentar estas questões de forma objetiva (Rezek,

2000), característica importante de um líder militar.

Da análise desta Subcategoria infere-se que até mesmo a descrição da LA

deve ter olhos para Legitimidade. Enquanto a descrição da LA faz um breve resumo

do contexto estratégico contendo qual a contribuição militar que povo britânico - por

meio de seus representantes - deseja para aquela campanha, a prova de

aceitabilidade e adequabilidade remete implicitamente a uma fiel conformidade aos

atos internacionais dos quais o Estado faz parte. Assim, tais aspectos sugerem ao

comandante da força conjunta que uma LA somente será aprovada no testes

FACES se estiver em acordo com o direito internacional. Afinal, diferentes linhas de

ação podem descrever maneiras completamente diferentes de se obter os mesmos

resultados. Deve o comandante de força conjunta britânica, porém, ao descrever o

contexto, verificar se sua LA tem coerência com o objetivo estratégico maior.

Do mesmo modo, vale destacar que buscar a legitimidade não indica negação

da toda e qualquer violação ao DIP. Como visto em Mello (2000), há hipóteses de

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violação do DIP que o próprio estado violador entende justas, como por exemplo,

quando se compreende que certa norma jurídica está por demais ultrapassada.

Ao colocar que a legitimidade é algo abrangente, que abraça a legalidade, a

correção política, moral e ética, fica nítida a preocupação com algo além da pura

legalidade140 do uso da força. Coloca-se a legitimidade como um fator de criação da

Autoridade da Campanha, o que pode nos levar a contrariu sensu a questionar se –

com este enfoque - caso uma força tenha autoridade legal para operar, mas não

tenha legitimidade, não seria portanto a devida autoridade competente no campo de

batalha. Tal situação, portanto, autorizaria, em um espectro de Conflito de 4ª

Geração, a população a se opor a esta força.

Buscar algo mais do que a legalidade, no saber de Santos (2001), mera

conformidade com o ordenamento jurídico no tocante ao uso autorizado da força

pelo Direito Internacional, colabora na formação de um ambiente de respeito a

outras normas, aí incluídas as do Direito Internacional dos Conflitos Armados.

Vem também à baila a questão da inserção da moral e da ética em processos

decisórios militares. Conforme assevera Walzer apud Verweij (2005), ―Becoming a

soldier does not preclude one from moral responsibility, no matter how difficult the

decision and action might be.‖141 As relações entre a Moral e o Direito são alvo de

inúmeros estudos em diversos ramos do saber, como Direito, Sociologia e Filosofia.

Aqui, valemo-nos dos ensinamentos de Reale (2004). Este autor apresenta a teoria

do "mínimo ético", afirmando que o Direito representa apenas o mínimo de Moral

declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Acrescenta ainda que

a Moral deve ser cumprida de maneira espontânea, mas como as violações são inevitáveis, é indispensável que se impeça, com mais vigor e rigor, a transgressão dos dispositivos que a comunidade considerar indispensável à paz social. Assim sendo, o Direito não é algo de diverso da Moral, mas é uma parte desta, armada de garantias específicas. (grifo do autor)

140 Conforme Santos (2001), o termo legalidade (do latim legalitate) se refere ao que está em

conformidade com a ordem jurídica. No caso deste estudo, se refere ao uso autorizado da força pelo Direito Internacional, de acordo com as hipóteses autorizadoras constantes na Carta da ONU, já mencionadas no item 2.2 supra. 141 Tornar-se um soldado não exclui alguém de responsabilidade moral, não importa quão difícil a decisão e a ação possam ser (tradução livre pelo autor).

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208

Quanto à inserção da ética142 no processo decisório de solução de problemas

militares, cabe salientar que esta tem encontrado considerável espaço em forças

armadas ocidentais, ensejando iniciativas como o Defence Ethics Program143 do

Canadá e recentemente, no campo doméstico, pesquisas científicas no meio

acadêmico militar144, além de sua formal inclusão no sistema de ensino das forças

com iniciativas como o Programa de Ética Profissional Militar com ênfase em Direitos

Humanos,

No saber do JDP 01, a legitimidade, como fator transversal aos princípios de

guerra que devem nortear todas as ações das FARU, deve englobar todos estes

aspectos acima aventados: a correção política, moral e ética, sobrepujando a mera

legalidade. Todavia, vale ressaltar que até mesmo a mais pura legitimidade não é

fator autorizador para posturas incompatíveis com o DICA, como se apreende do

seguinte trecho de análise:

Regardless of the justification for or the legitimacy of any resort to force, individual members of the armed forces must act in accordance with the law of armed conflict. If they fail to do so, they will be acting illegally.

Não obstante a justificativa ou a legitimidade do emprego de qualquer uso da força, os membros individuais das forças armadas

devem agir de acordo com Direito Internacional dos Conflitos Armados. Se eles não o fizerem, estarão agindo ilegalmente145. (grifo

do autor)

Chama à atenção a referência ao membro individual das Forças Armadas. Tal

menção está em consonância do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional,

que prevê julgamento individual de responsáveis por crimes de guerra. Além disto,

ao citar membros, a doutrina britânica amplia a orientação aos civis envolvidos no

142 Para Reale (2004), a ética pode ser compreendida como a ciência normativa dos comportamentos humanos não só valiosos, mas obrigatórios. 143 O Programa Ético de Defesa do Canadá está em vigor desde 1997 e tem como objetivo melhorar a internalização de valores éticos nas Forças Armadas Canadenses e no Departamento de Defesa Nacional. O programa parte da premissa que as Forças Armadas do Canadá e o Departamento de Defesa Nacional tem uma relação especial com o Canadá e sua população. Esta relação é baseada em uma relação de confiança da sociedade que atribui a estes entes a responsabilidade pela defesa da nação colocando como pressuposto fundamental do Programa que qualquer decisão ou ação que possa afetar as pessoas deve ter uma dimensão ética. Ela implica no dever de considerar e proteger os direitos e interesses das pessoas na tomada de decisões fazendo com que estas reflitam fielmente os valores da sociedade canadense. 144 Neste sentido vide Cinelli (2008). 145 Tradução livre pelo autor.

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planejamento e execução da Campanha membros das FARU, não se restringindo

apenas aos militares, como se poderia equivocadamente presumir.

A relevância e a atualidade da inserção de outros integrantes na execução da

campanha são inquestionáveis. Observa-se atualmente uma crescente participação

de civis nas operações. Por um lado como special advisers, por outro lado através

do fenômeno da ―terceirização‖ do campo de batalha.

O enquadramento legal dos civis que atuam como special advisers é

relativamente pacífico. A grande dificuldade é no tocante aos civis contratados. As

Convenções de Genebra caracterizam empreiteiros que acompanham forças como

combatentes, mas atualmente as tarefas que estes contratados tem desenvolvido os

coloca em situações que os forçam a agir, no mínimo, em legítima defesa. Seu

enquadramento no âmbito do DICA é difícil, uma vez que não são puramente

mercenários, como estabelece o art. 47 do Protocolo Adicional I às Convenções de

Genebra146 e nem combatentes, como estabelece o art.43.

Conforme Cinelli (2008), as Companhias Militares Privadas vão desde firmas

de consultoria compostas por generais da reserva até empresas transnacionais que

podem fazer de tudo, de ações de comandos até apoio logístico a uma operação

militar inteira. A fim de resolver esta pendência técnico-jurídica, Gutman (2007)

assevera que especialistas em direito internacional têm sugerido que, concedendo

aos mercenários o status e, portanto, os direitos dos combatentes, eles seriam mais

propensos a cumprir suas obrigações como combatentes. Neste contexto a inclusão

de membros das forças armadas na doutrina britânica parece bastante razoável.

Da análise da Subcategoria Analítica RU3, restou claro que o

assessoramento jurídico é seriamente considerado por ocasião do Exame de

Situação, seja por sua alocação como core team do comando conjunto, seja como

apoiador na análise das questões legais.

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Tal dinâmica permite um enquadramento jurídico adequado à campanha. Em

termos de DICA, isto é de muita relevância, vez que os conflitos apresentam

situações inéditas, em especial no contexto dos conflitos de 4ª geração, em que

lançar mão de um assessor pode colaborar sobremaneira no convencimento e na

tomada de uma decisão eficaz pelo comandante conjunto.

O emprego dos assessores jurídicos no DICA é vastíssimo e transcorre desde

a escalada de uma crise até a desmobilização pós-conflito, de maneira que tal

preceito constante da doutrina britânica parece perfeitamente adequado às tarefas

militares previstas para as FARU. Assim, a previsão de ―sempre‖ haver

aconselhamento legal especializado é deveras relevante e vem complementar e dar

efetividade às quatro outras Considerações Legais pregadas na doutrina britânica.

Afinal, se cada operação tem um contexto legal enquadrante, é nitidamente dificil

para o estado-maior puramente formado por oficiais com formação combatente

operacional elaborar uma regra de engajamento juridicamente perfeita. Se assim se

exigisse, seria por um lado imprudente, por outro correr-se-ia o risco de se esvaziar

o trabalho de estado-maior com um estudo de leis e normas que afastaria os oficiais

combatentes do estado-maior de sua real vocação, qual seja o planejamento e

execução das campanhas militares.

Além disto, as eventuais violações – ou mesmo acusações de violação - do

DICA podem trazer ao comando conjunto questionamentos de ordem técnico-jurídica

de natureza complexa. Tais questionamento podem ter diversas fontes, destacando-

se aí a mídia, a população local e as autoridades. Se não for dado prontamente um

entendimento correto do fato em questão sob a ótica dos que detem a autorização

do emprego da violência, corre-se o risco de que as versões difundidas se baseiem

em entendimento jurídico errado ou – ainda que legalmente aceitável – sob enfoque

que comprometa o êxito da campanha militar.

146 Reza o referido artigo que é mercenário toda pessoa: a) que tenha sido especialmente recrutada, no local ou no estrangeiro, a fim de combater em um conflito armado; b) que, de fato, tome parte direta nas hostilidades; c) que tome parte nas hostilidades motivada essencialmente pelo desejo de obter um ganho pessoal, e de fato lhe tenha sido efetivamente feita a promessa, por uma Parte em conflito ou em nome dela, de uma retribuição material consideravelmente superior à prometida ou paga aos combatentes do mesmo ponto e funções semelhantes nas Forças Armadas dessa Parte; d) que não seja nacional de uma Parte em conflito nem residente em um território controlado por uma Parte em conflito; e) que não seja membro das Forças Armadas de uma Parte em conflito; e f) que

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211

Assim, a definição da necessidade de ―sempre‖ se dispor de aconselhamento

jurídico, ainda que à distância, nos parece prudente, realista e coerente com as

outras Considerações Legais estabelecidas anteriormente. O leading case do caso

Mau Mau, apresentado no Cap 5, reforça tal assertiva, ao deixar implícito que no

episódio explorado o assessoramento jurídico, se havia, foi mal feito – ou

desconsiderado pelo decisor - levando a conseqüências indesejáveis.

Nesta mesma Subcategoria, e com estreita ligação com os assessores

jurídicos, extrai-se que as questões legais encontram assento no processo de

planejamento conjunto das FARU.

Destaca-se aqui o fato de o Reino Unido incluir as considerações legais na

fase da análise da situação, no momento inicial de obtenção da consciência

situacional, e em especial na elaboração do ―calco humano‖. Fica evidente aqui a

opção que o Reino Unido fez por entender os aspectos jurídicos como algo que se

caracteriza uma determinada população, ombreando-se com suas questões políticas

e culturais, por exemplo.

Ainda da análise desta Subcategoria de Análise, pode-se extrair da doutrina

britânica que, ainda que os militares individualmente possam ser isentos de

responder perante a legislação local, as forças, no planejamento e execução das

operações, devem estar familiarizadas com elas. Assim como acontece com

outros aspectos da vida local, como forma de governo e práticas econômicas, as leis

locais podem não corresponder à prática ocidental que os britânicos estão

acostumados, pois refletem a cultura, religião e normas sociais locais.

Tal previsão encontra amparo no fundamento do DI à luz de Rezek (1991): o

consentimento. Os povos se organizaram na sociedade internacional de tal forma

que apenas se subordinam a um direito que tenham originariamente criado, seja

internamente, seja como direito fruto da relação com outros estados. Assim, é

natural que ao se empreender o emprego de violência, esforce-se, por questão de

coerência, em submeter seu planejamento a estes ditames, que por livre

consentimento reconhecera.

Ainda nesta subcategoria, destaca-se a afirmação taxativa de que toda

operação tem um enquadramento legal. Para qualquer militar isto é relevante, uma

não tenha sido enviada em missão oficial como membro de suas Forças Armadas por um Estado que não é Parte em conflito.

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212

vez que o comandante é talhado nas escolas militares a se portar como um líder,

alguém que faz as coisas acontecerem. Como homem da ação (TEIXEIRA, 2010),

seu ímpeto em regra é o de fazer, e não de elocubrar à busca de aspectos que

restrinjam ou mesmo evitem que se cumpra a missão.

O Direito, como ciência que aponta limitações, pode não ser algo que tenha

pura afinidade com o desejável empreendedorismo bélico-operacional. Assim, não é

de se esperar que naturalmente o comandante conjunto e seu estado-maior fiquem

procurando empecilhos ao cumprimento da missão. Por isto, a inserção em um

manual doutrinário de tal assertiva: ―toda a operação tem um enquadramento legal‖

é de cristal relevância, vez que deixa claro ao comandante que este é mais um

aspecto a considerar na plêiade de dados com que deve trabalhar no bojo do estudo

de situação.

Salienta-se ainda nesta subcategoria de análise a expressa menção aos

direitos humanos. A partir da concepção integracionista147 de relação entre Direito

Internacional dos Direitos Humanos e DICA, pode-se afirmar que a doutrina britânica

de estudo de situação para operações conjuntas coloca o DICA como aspecto de

relevo para o comandante.

Os resultados obtidos evidenciam ainda, em especial do constante na

Subcategoria Analítica RU4, que o processo de planejamento conjunto das forças

armadas britânicas valoriza consideravelmente a exteriorização do respeito a esses

três itens acima elencados (princípios, legitimidade e questões legais) por meio do

estabelecimento de adequadas regras de engajamento.

É sabido que as Convenções de Genebra impõem compromissos aos países

no tocante à devida instrução dos contingentes das forças armadas antes do seu

emprego. Considerando-se que as regras de engajamento devam ter sido

elaboradas com o apoio de assessores jurídicos, o treinamento das regras de

engajamento reveste-se, desta feita, de instrução complementar de DICA de suma

importância para o efetivo respeito de suas normas durante a operação concebida.

Restou claro ainda, que é aconselhável ao comandante conjunto britânico que

expresse suas decisões de forma clara e sucinta, de preferência pessoalmente. O

JDP 01 considera isto a verdadeira pedra angular de um comando eficaz. Após a

apresentação pessoal da decisão, são bem-vindas apresentações complementares

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dos seus subordinados, o que proporciona uma oportunidade de esclarecimento e

de reforço na plena compreensão da decisão. Por fim, feito isso, o comandante

conjunto deve se assegurar que a decisão tomada está sendo disseminada da

maneira que ele a emanou e executada corretamente.

Tal é o cuidado com a questão da supervisão, que o manual se vale de

ensinamentos do General Patton148 para caracterizá-la:‖Promulgation of an order

represents not over ten percent of your responsibility. The remaining ninety per

cent consists in assuring through personal supervision ... proper and vigorous

execution149‖ [grifo nosso].

A preocupação com uma supervisão firme tem um duplo viés: se por um lado

assegura que a decisão está realmente difundida fielmente, evitando uma má

execução das ordens por risco da falta de comunicação, por outro colabora com o

respeito ao DICA em dois pontos vitais.

Inicialmente, partindo-se da premissa que os escalões decisores seguiram

fielmente o método de tomada de decisão e se valeram das consultas, terão acesso

a mais fontes de assessoramento, entre estas, fontes que irão prover uma

consciência situacional ampla e fiel, e outras mais técnicas, como os legal advisers,

por exemplo. Assim, estando os comandantes conjuntos mais bem assessorados do

que seus subordinados, diminui-se o risco de os escalões mais baixos violarem o

DICA por terem que tomar uma decisão ruim por falta de diretriz superior.

Num segundo aspecto, ao se assegurar uma plena compreensão e difusão da

decisão tomada, reduz-se a probabilidade de se desrespeitar o direito humanitário

por falha de comunicação, o que significaria que certa decisão foi tomada por

alguém que detém apenas consciência parcial do contexto operacional.

Do estudo da Subcategoria Analítica RU5, pode-se apreender a considerável

valorização da flexibilidade e criatividade que a doutrina britânica empresta ao

processo de planejamento. São feitas ressalvas no sentido de que o comandante

147 Conforme abordado anteriormente, de acordo com MELLO (2001) e PIOVESAN (2006) 148 George S. Patton: general norteamericano que liderou a introdução da guerra blindada no Exército dos EUA e um dos mais excepcionais comandantes de linha de frente da 2ª GM. Convertido, excêntrico, arrogante e vaidoso, não sofreu derrota significativa neste conflito, conquistando o respeito de seus homens e popularidade no meio civil (LANNING, 1999).

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214

conjunto deve liderar ativamente o processo e buscar sempre o assessoramento do

seu estado-maior, sem, contudo, se prender a um processo burocrático.

Restou claro, ainda, do estudo da Análise Operacional, que seu emprego,

enquanto método de resolução de problemas mal definidos, é adequado aos

ambientes operacionais em que o RU está operando, como o Afeganistão, por

exemplo. Um teatro de operações em que é quase impossível se distinguir o inimigo

do civil, em que as técnicas e táticas do oponente são quase imprevisíveis e que a

incerteza é tal que fica difícil até mesmo ter claramente a noção quando a missão

será efetivamente cumprida, se isto for factível.

O JDP 01 coloca o processo de resolução de problemas da Análise

Operacional como um misto de análise objetiva e racional com o poder da intuição

(uma combinação de experiência e inteligência, mas também de criatividade e

inovação). Seria assim um processo decisório cartesiano, mas recheado pela

experiência e criatividade dos envolvidos.

Este processo é racional, na medida em que, a partir de um determinado

fator, progride de forma lógica até se chegar a uma dedução. Todavia, um

comandante de força conjunta não está limitado a simplesmente esta análise

objetiva e pragmática. Uma vez que este oficial é - em regra – um militar

experimentado, seu intelecto e habilidade prática irão também informar sua decisão,

o que pode fazer com que sua criatividade e visão possam ser mais decisivos para a

campanha do que a análise fria e metódica.

Vislumbra-se aqui uma estreita relação entre o método de resolução de

problemas da Análise Operacional do comandante de força conjunta britânico e

ensinamentos de Descartes e Simon. Inicialmente, tal processo privilegia o método

para se atingir o conhecimento, como defendia o pensador francês, por outro lado,

reconhece o aspecto pessoal da decisão e uma aceitação do método intuitivo,

quando o decisor é experiente, conforme ensinamentos de Simon.

Neste contexto de inovação e criatividade, verifica-se nesta Subcategoria de

análise reflexos do leque de metodologias de suporte à tomada de decisão

estampados supra. Técnicas como a Designação de Mentores, Facilitação e

149 Emitir uma ordem não representa mais de dez por cento da sua responsabilidade. Os restantes noventa por cento consistem em garantir por meio de supervisão pessoal ... a sua execução adequada e vigorosa, pragmática. (tradução livre do autor)

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Dissidência Institucionalizada têm como possibilidades, ora emprestar maior

objetividade e rigor técnico ao planejamento e à tomada de decisão, por meio do

emprego de especialistas, ora levar a um maior comprometimento e

corresponsabilização por decisões tomadas em um ambiente interagências. Num

ambiente flexível, permite-se ainda disponibilizar ao comandante conjunto os

benefícios da experiência de um terceiro de maneira direta e reservada, permitindo

um incremento na qualidade da decisão.

Esta liberdade do comandante da força conjunta não sugere uma negligência

ao método. Indica, sim, um trecho do caminho, em que a doutrina britânica deixa em

aberto o como se operacionalizar de fato. Não significa que a análise deixará de

levar em conta este ou aquele aspecto, mas apenas que poderá fazê-lo segundo

mais de um modus operandi. Assim como visto em Moltke, requer uma equipe

especialmente preparada e treinada para este tipo de atividade, qual seja, trabalho

eminentemente em grupo e em assessoramento a um líder com demandas próprias

de situações limite.

Sob o ponto de vista do DICA, a adoção, por exemplo, da técnica das 3-

Colunas, estudada no Cap 5, pode servir de meio de prova contra alegações de

violação, ou mesmo defesa no caso de necessidade de responder a um inquérito ou

mesmo processo. Um comandante que mantiver registros de que respeitou as leis

da guerra - ou ao menos se preocupou em fazê-lo - desde o planejamento inicial da

campanha pode ter melhor sorte num julgamento do que aquele que nada tenha

para mostrar a respeito.

Da mesma forma que é um meio de prova, serve também como

potencializador da legitimidade da campanha e sua autoridade. Indo além, trabalha

como instrumento de operações psicológicas, visto que é uma evidência para aquele

que reluta em se render de que, se aquela tropa respeita as normas do DICA no

planejamento de suas operações, provavelmente deve tratar seus prisioneiros de

guerra dignamente.

Ainda no âmbito da Subcategoria Analítica RU5 percebe-se sugestões de

procedimentos que visam a suavizar os efeitos da fricção durante o planejamento de

operações militares, em que há em regra de se decidir sob pressão, a respeito de

um problema mal definido. A preparação robusta é de fato algo inerente à atividade

militar, em especial em um ambiente global de alteração das demandas estatais a

respeito do emprego das forças armadas. Militares estão sendo empregados em

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missões mais diversas, desde executar um único homem no TO – vide a morte de

Osama Bin Laden -, combater o terrorismo em outro país, treinar opositores do

regime Líbio – vide a OTAN em 2011, até ―libertar‖ durante quase dez anos um País

inteiro da produção de armas de destruição em massa.

Assim, é de se inferir que a preparação robusta exigida pela doutrina britânica

com o escopo de se diminuir o atrito apresente reflexos no respeito ao DICA. Tal

inferência advem de vários fatores como a declaração de que ―toda a operação

militar está sob um enquadramento legal‖ e pelo bom reconhecimento que as forças

armadas do Reino Unido detem na sociedade internacional no tocante ao seu

emprego versus violações do DICA. Forças robustamente preparadas oferecerão

menos espaço para improvisações e decisões tomadas intempestivamente,

ambiente propício para transgressões.

Assim, pode-se verificar que o Direito Internacional dos Conflitos Armados

constante do processo de planejamento de comando para operações conjuntas do

Reino Unido encontra respaldo no extraído do DSC, tanto quanto aos princípios

(Ideia Central A), quanto no tocante às regras de engajamento (idéia central B).

Responde-se assim a questão de estudo c. desta pesquisa.

7.3 ELEMENTOS POSSIVELMENTE NÃO LEVANTADOS NA INVESTIGAÇÃO ANTERIOR

Esta questão de estudo foi proposta com o escopo de se investigar se algum

aspecto do DICA levantado no processo de planejamento de comando para

operações conjuntas do Reino Unido estaria ausente do levantamento feito

anteriormente com os especialistas na área.

Deste modo, foi possível inferir o exposto a seguir:

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217

Aspectos levantados

junto aos especialistas

Aspectos levantados no

PPC do Reino Unido

Elementos não

levantados pelos

especialistas

Relevância dos princípios

Princípios do DICA - como

algo elementar que o

comandante deve

considerar na escolha de

uma linha de ação

-

Estabelecimento de

regras de engajamento

Estabelecimento de regras

de engajamento

apropriadas

-

Considerável atenção à

legitimidade da campanha

Considerável atenção à

legitimidade da campanha

Assessoramento jurídico

alocado como core team

do comando conjunto e

foco no enquadramento

jurídico adequado

Assessoramento jurídico

alocado como core team

do comando conjunto e

foco no enquadramento

jurídico adequado

Quadro 06 - Elementos não levantados pelos especialistas Fonte: o autor.

Verifica-se assim, que os elementos do DICA levantados150 pelos

especialistas na questão de estudo b. encontram ressonância no PPC das FARU.

Além disto, foi possível extrair dois outros elementos intrínsecos ao PPC das

FARU que se referem ao DICA: a considerável atenção à legitimidade da campanha

(Subcategoria Analítica RU1) e o Assessoramento jurídico alocado como core team

do comando conjunto e o foco no enquadramento jurídico adequado (Subcategoria

Analítica RU3). Responde-se assim a questão de estudo d. desta pesquisa.

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218

7.4 O DICA NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO DE COMANDO CONJUNTO BRASILEIRO

Esta parte da pesquisa procura, a partir dos elementos levantados na questão

de estudo b., caracterizar como se encontra o DICA no Processo de Planejamento

Conjunto para Operações Conjuntas do Brasil.

Na resposta à questão de estudo b, constatou-se que, em termos de DICA, o

comandante conjunto, no seu planejamento, deve necessariamente considerar no

Exame de Situação ao eleger uma determinada linha de ação os princípios do DICA

e o estabelecimento de regras de engajamento.

Com base nestes elementos, levantou-se como se encontra o Direito

Internacional dos Conflitos Armados que integra o processo de planejamento de

comando para operações conjuntas das forças armadas do Brasil.

Foi feito primeiramente um estudo sobre aspectos do DICA no PPC brasileiro

e, a seguir, uma apreciação se os princípios e as regras de engajamento se realçam

no curso deste processo.

Na fase do recorte dos conteúdos, foram levantados trechos na doutrina

nacional que poderiam de certa forma ter afinidade com o acatamento ao DICA

como um todo. Foram assentadas, a seguir, duas categorias analíticas englobando

um total de seis subcategorias, as quais abrangeram aspectos congêneres, sendo

apresentados a seguir.

150 Exceção feita à questão de o comandante conjunto possuir conhecimento prévio do DICA. Como já analisado no âmbito da discussão dos resultados do DSC, este aspecto da

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219

Categorias Analíticas Subcategorias

CA1 – Aspectos coincidentes com

o aventado no DSC

BR2 - Regras de engajamento como assunto-

chave no planejamento

BR5 - Atenção a efeitos colaterais

BR6 - Respeito ao Princípio da Humanidade

CA2 – Aspectos Não coincidentes

com o aventado no DSC

BR1 - Possibilidade de acesso a assessor

jurídico

BR3 - Atenção com as conseqüências

BR4 - Aspectos do Direito Internacional

BR 5 - Orientações Gerais ao Comandante

Conjunto

Quadro 07 - O DICA no Processo de Planejamento de Comando Conjunto Brasileiro: Categorias e subcategorias levantadas na Análise de Conteúdo Fonte: o autor.

7.4.1 Categoria Analítica CA1 - aspectos coincidentes com o aventado pelos

especialistas no DSC

Na categoria de análise CA1 – aspectos coincidentes com o aventado pelos

especialistas no DSC - foram levantadas três subdivisões, a saber: Subcategoria

Analítica BR2 - Regras de engajamento como assunto-chave no planejamento, BR5

formação do oficial antecede sua designação como comandante de força conjunta, ficando

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220

- Atenção a efeitos colaterais e BR6 - Respeito ao Princípio da Humanidade.

7.4.1.1 Subcategoria Analítica BR2 - Regras de engajamento como assunto-chave

no planejamento

Trecho de recorte 3

As atribuições deste comandante incluem

d) estabelecer, e disseminar, as regras de engajamento no nível operacional;

Trecho de recorte 4

Daí a necessidade do estabelecimento de regras de engajamento

adequadas e sua ampla divulgação em todos os escalões das Forças Componentes

subordinadas ao Comando Operacional.

7.4.1.2 Subcategoria Analítica BR5 - Atenção a efeitos colaterais

Trecho de recorte 8

g. Condições sanitárias. Possíveis efeitos nos requisitos médicos das nossas

forças (e do inimigo) e da população nativa são importantes e devem ser

considerados.

Trecho de recorte 9

[...] o comandante deve responder às seguintes perguntas neste trabalho:

n. Qual oferece menos riscos para a população civil na área das operações?

Trecho de recorte 10

É importante ter em vista que a população civil tem o direito de permanecer

livre de interferências desnecessárias, ou não plenamente justificáveis do ponto de

vista militar, em sua liberdade individual e direito de propriedade. Os membros das

forças militares são, individual e coletivamente, responsáveis pela observância de

todas as leis referentes o (sic) seu relacionamento com as autoridades civis e a

população.

7.4.1.3 Subcategoria Analítica BR6 - Respeito ao Princípio da Humanidade

Trecho de recorte 11

assim fora do recorte lógico para a pesquisa e sendo assim desconsiderado.

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221

[...] o comandante deve responder às seguintes perguntas neste trabalho:

o. Qual a que oferece menores riscos, em termos de perdas materiais e humanas?

Trecho de recorte 13

uma LA é aceitável se os prováveis resultados compensam os custos

estimados. Acrescenta ainda que as perdas prováveis servem de base e que ―Tais

perdas referem-se a pessoal, material, tempo e posição‖.

7.4.2 Categoria Analítica CA2 - aspectos não coincidentes com o aventado

pelos especialistas no DSC

Nesta categoria foram identificadas quatro subcategorias de análise, a saber:

BR1 - Possibilidade de acesso a assessor jurídico, BR3 - Atenção com as

conseqüências, BR4 - Aspectos do Direito Internacional e BR 5 - Orientações Gerais

ao Comandante Conjunto.

7.4.2.1 Subcategoria Analítica BR1 - Possibilidade de acesso a assessor jurídico

Trecho de recorte 1

O comandante operacional desempenhará as suas funções assessorado pelo

Estado-Maior Conjunto e pelos Comandantes das Forças Componentes. Também,

poderá valer-se de assessores especiais, tais como: jurídico, diplomatas, etc.‖.

Trecho de recorte 2

Devem ser apreciadas eventuais ―implicações em termos ambientais e

aquelas afetas ao Direito Internacional Humanitário. Isso servirá para avaliar que

tipo de estrutura será estabelecida para lidar com tais demandas.‖

7.4.2.2 Subcategoria Analítica BR3 - Atenção com as conseqüências

Trecho de recorte 5

[...] fundamentos do PPC:

Universalidade: a abordagem de todos os aspectos que envolvem o problema, prevendo, tanto quanto possível, todas as conseqüências.

Trecho de recorte 6

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222

que a etapa do Exame de Situação deve gerar ao seu final um documento

formal de mesmo nome e que necessita ser arquivado.

7.4.2.3 Subcategoria Analítica BR4 - Aspectos do Direito Internacional

Trecho de recorte 7

Ainda no escopo dos fatores gerais da A Op, nos fatores políticos, há a

menção a ―aspectos do direito internacional‖, sem maiores detalhes. Conclusões da

fase 1 podem determinar a exclusão de alguns fatores na fase 2.

Trecho de recorte 12

No final da discussão do CPO, o manual alude que o conceito preliminar da

operação deve ser claro e conciso e, para tanto, carece de conter alguns itens no

mínimo, a saber:

[...]

f) diretrizes para comunicação social, operações psicológicas, assuntos civis, operações especiais e conduta com refugiados/evacuados;

Trecho de recorte 14

São objetivos das atividades de Assuntos Civis: auxiliar as operações

militares; cumprir as obrigações impostas por leis e tratados internacionais [...]

7.4.2.4 Subcategoria Analítica BR7 – Orientações gerais

Trecho de recorte 15

Ainda na Fase 2 do Exame de Situação – A situação e sua compreensão, há

previsto o estudo detalhado do inimigo. Aproveitando-se do levantamento sumário

feito na Fase 1, aduz o manual que o Estado-Maior deve estudar detalhadamente

nesta fase:

a. suas manobras tradicionais em exercícios ultimamente executados;

b. a atualização de sua ordem de batalha,

c. alterações substanciais em sua mobilidade estratégica; e

d. atualização e modernização de seu sistema de mobilização e suas reais possibilidades de apresentar novos meios no tempo estimado para as operações.

e. consolidação da avaliação inicial quanto aos CG, bem como suas capacidades e vulnerabilidades críticas associadas; e

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223

f. capacidade de o inimigo atuar sobre os nossos CG, dentro do nível de planeja-mento considerado, explorando eventuais vulnerabilidades.

Trecho de recorte 16

Caso julgue necessário, o Comandante poderá determinar o comparecimento

a esta reunião, também, dos Comandantes das Forças Componentes,

acompanhados pelos seus Ch EMCj e respectivos Oficiais de Operações e de

Planejamento.

7.4.3 Discussão

Da análise da Subcategoria Analítica BR1, verifica-se que assessores

especiais podem ou não ser empregados na elaboração do Pl Cmp e na elaboração

das regras de engajamento, conforme livre arbítrio do EMCj. A opção pelo não-

emprego de assessores – neste caso jurídicos - pode ser temerária, dificultando

inclusive o respeito ao fundamento de planejamento do PPC ―disciplina‖. Como visto,

tal fundamento exige que se obedeça às prescrições contidas nos escalões

superiores, aí incluídas restrições do DI estabelecidas pelo nível político da

condução.

Conforme aventado no Cap 3, Rezek (2000) adverte que - até mesmo para os

próprios operadores do direito – o direito internacional é de um dinamismo e

subjetividade desafiadores, desconhecendo valores absolutos e a objetividade

características do direito doméstico. Assim, resta complexo para um EMCj seguir

fielmente os ditames do DI sem um assessor próprio.

O DICA, como ramo do direito internacional, enfrenta estes desafios

elencados por Rezek e outro próprio: uma boa abordagem do DICA exige noções de

duas áreas: direito e operações militares. Assim, há a discussão acerca da

necessidade de se cursar uma faculdade para estudá-lo convenientemente ou não.

A contrario sensu, como envolve operações militares, exigiria também uma formação

militar? Partindo-se da premissa que um não vive sem o outro, isto é, o jurista deve

buscar entender as lides castrenses para compreender melhor o DICA e, por outro

lado, o planejador militar compreender melhor o direito, vale salientar que, a priori,

não há falta de militares com formação na área do direito, ao menos no Exército,

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224

com capacidade técnica de executar a função de assessores jurídicos em um EMCj.

O Quadro Complementar de Oficiais (QCO) do Exército se vale de bacharéis em

direito. Ocorre que, segundo Mello (2004), inexiste uma tradição forte do estudo do

Direito Internacional Público (DIP) nas universidades brasileiras, de onde eles são

oriundos:

[...] o DIP há mais de 20 anos não é disciplina obrigatória nos cursos jurídicos. Ele está morrendo e só tem alguns sobreviventes em S. Paulo, Brasília, Porto Alegre e Rio de janeiro. Inúmeras Faculdades de Direito de Universidades Federais não o incluem no currículo, ou o lecionam em apenas um semestre como disciplina eletiva.

(grifo do autor)

Aprovados em concurso de admissão, os alunos da EsFCEx têm um breve

contato de 20 (vinte) horas de DICA durante o curso151. Paralelo a isto, os órgãos de

assessoramento jurídico da força para onde os oficiais do QCO são classificados

após o curso apresentam, em regra, uma vocação mais administrativa do que

operacional.

Por outro lado, o requisito do planejamento conjunto da Disciplina faz com

que aumente de importância a precisão das informações sobre as regras de

engajamento que vierem do escalão superior. Um EMCj sem assessor jurídico

poderá enfrentar dificuldades em lidar com restrições ao DI pouco precisas,

perdendo tempo ou eficiência na elaboração de regras de engajamento que as

traduzam corretamente.

Conforme visto no Cap 3 supra, uma das premissas básicas para se garantir

a eficiência operacional plena das forças empregadas é se ter capacitação técnica e

prática no planejamento conjunto (ESG, 2010). O assessor jurídico, neste contexto,

parece indispensável, enquanto provedor de capacidade técnica. Como visto em

Brasil (2007), o Processo de Planejamento Militar não pode prescindir de

conhecimento.

Como defendia Simon, uma das tarefas principais do administrador é

organizar. Assim, pode o comandante conjunto organizar o trabalho de seu estado-

151 Conforme Ofício nº 98–Div Ens.7/EsAEx, de 1º de outubro de 2009, do Comandante da Escola de Administração do Exército e Colégio Militar de Salvador.

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225

maior de acordo com as aptidões e perfil dos recursos humanos ao seu dispor. Se

não houver assessores jurídicos, tal trabalho pode ser dificultado.

Além disto, o DICA é visto como um algo ―eventual‖, casual. Assim, permite

que se olvide deste aspecto no processo, caso o planejador entenda que não se

aplica. Ademais, o termo Direito Internacional Humanitário, embora adequado,

contraria escolha terminológica feita pelo próprio MD, de adotar o termo Direito

Internacional dos Conflitos Armados.

A elaboração de adequadas regras de engajamento, conforme se extrai da

Subcategoria Analítica BR2, é uma exigência que ficou bem clara no Manual. Toda a

decisão é uma questão de harmonização e o ambiente situacional contemporâneo

exige um arranjo que possibilite em alto nível o atingimento da intenção final. A

―névoa da guerra‖, faz com que as regras de engajamento, por mais detalhadas que

sejam, não abracem todas os casos que as forças componentes venham a enfrentar.

Faz-se necessário, assim, estabelecer, além de uma clara intenção do comandante,

regras de engajamento perfeitamente adequadas.

A este respeito, vale ressaltar sua vital importância na manobra de crise,

como ferramenta imprescindível de tradução de elementos que orientam a manobra

no nível político: a intenção política, os limites impostos pelo ordenamento jurídico e

pela opinião pública e mesmo a necessidade de autodefesa das unidades militares.

Elas serão a moldura e a orientação que permitirão ao comandante de qualquer

nível usar a força quando necessário for garantir a segurança de seus subordinados

e dos civis colocados sob sua proteção, observando princípios do DICA consagrados

pela doutrina brasileira, como o princípio da necessidade e da proporcionalidade.

Além disto, da análise desta Subcategoria Analítica extrai-se que na doutrina

conjunta nacional exige-se ampla ―divulgação‖ das RE. Divulgar amplamente enseja

meramente dar conhecimento ao escalão subordinado. Aconselhável talvez fosse

enfatizar a necessidade de que todos dominem as regras a fundo, padronizando-se

melhor como isto se efetiva na prática no âmbito da doutrina conjunta nacional. Tudo

com o escopo de se cumprir a missão sem violar o DICA.

O Brasil ratificou tratados internacionais no âmbito do DICA que estabelecem

não só comportamento durante conflitos armados, mas também medidas antes do

emprego, como a instrução dos nossos contingentes. Partindo-se da premissa que

as RE tenham sido elaboradas de acordo com o Direito Internacional, seu efetivo

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226

treinamento ou ensaio pela tropa caracteriza instrução complementar de DICA, de

vital valor para o acatamento de suas normas durante a operação idealizada.

A Subcategoria Analítica BR3 contem orientações que deixam clara a

preocupação com o pós-ação e a respectiva manutenção de provas. Como visto em

Cinelli (2008), atualmente os documentos relativos a uma operação se tornaram de

Estado, sendo uma das primeiras provas a serem analisadas, em caso de

responsabilização pessoal, não devendo deixar suspeitas quanto a pontos

rudimentares a respeito do DICA.

Exemplo claro da atualidade deste tipo de responsabilização pessoal é a

recente punição de oficiais israelenses acusados de autorizar o emprego de fósforo

branco sobre civis durante uma ofensiva aos palestinos em 2009. Uma comissão de

investigação da ONU acusou militares israelenses de cometer crimes de guerra e

crimes contra a humanidade na Faixa de Gaza. Em resposta, Israel enviou um

relatório descrevendo as investigações que foram realizadas pelo Exército e as

sanções aplicadas. Quando Israel puniu os oficiais, claramente tentou evitar que os

militares fossem indiciados pelo TPI. Isto certamente implicaria em revés político ao

país e perda de seu grau de liberdade de ação no conflito.

Outro aspecto relevante acerca da manutenção de provas é que ela fornece

subsídios a, por exemplo, uma possível operação psicológica futuramente, tanto

dirigida a favor, como contra. Além disto, ainda que o Cmt seja o responsável pela

seleção final da LA, vale lembrar que o EM também tem responsabilidade penal,

visto que detém alguma capacidade de coordenação. Tudo isto irá convergir para

um aprimoramento da legitimidade da campanha.

Quanto à universalidade, é interessante ressaltar que a descrição de tal

fundamento exigindo a previsão, tanto quanto possível, de todas as conseqüências,

empresta maior detalhamento na elaboração de LA e mesmo no confronto das

nossas LA com as do inimigo, permitindo se antever hipóteses de violações do

DICA.

Tal fundamento, todavia, parece por vezes ser contradito no próprio corpo do

manual, por exemplo, na fase 1 do Exame de Situação. A publicação opta por uma

lista taxativa de aspectos que o comandante conjunto deve considerar a fim de ter

uma noção do problema militar, discorrendo pormenorizadamente o que se deve

compreender por cada um destes aspectos. Neste ponto fica claro que não há

qualquer referência a estudo de aspectos legais.

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227

Poderia caber o questionamento se os aspectos legais do problema militar

estariam incluídos nos aspectos políticos. Uma análise do que a Doutrina de

Operações Conjuntas traz a respeito de exame de fatores políticos152 revela que o

comandante deve checar pressões e o ambiente em si, restando claro que não há

menção ao direito internacional como aspecto a ser claramente estudado nesta fase

do PPC.

Ainda nesta questão da universalidade enquanto fundamento do

planejamento conjunto, verifica-se que na fase 2 do Exame, A Situação e sua

Compreensão, deve-se estudar pormenorizadamente todos as nuances do problema

militar. Entretanto, na subfase em que se analisam os fatores gerais da área de

responsabilidade, resta evidente que dentre estes não se avaliam em detalhe

aspectos jurídicos como colaboradores em se elucidar as características desta

região em estudo, o que pode dificultar o respeito ao fundamento de planejamento

ora em tela.

Assim, infere-se que, pelo olhar da doutrina conjunta brasileira, quando um

comando conjunto busca entender o contexto de uma campanha, seja de uma forma

geral ou de uma forma mais detalhada, as características legais do território em

questão não servem para caracterizar a população que ali habita, para se fazer o

chamado ―calco humano153‖. Tal premissa parece-nos frágil, à medida que cada

País tem um sistema jurídico único, às vezes semelhante ao de outros países, mas

com uma roupagem típica da cultura local, sem contar com o status ímpar que cada

Estado tem no que toca à ratificação de tratados internacionais.

Na Subcategoria Analítica BR4, apreende-se que as conclusões da fase 1

podem determinar a exclusão de alguns fatores na fase 2, o que pode determinar

que os aspectos do direito internacional não sejam estudados. Neste ponto, é de

clareza solar que a menção do termo ―aspectos do direito internacional‖ não aponta

precisamente para uma análise de DICA. Uma possível exclusão da análise dos

―aspectos do direito internacional‖ poderia comprometer, à luz do DICA, a adequada

152 O Comandante examinará, de imediato, os fatores políticos que poderão interferir diretamente no planejamento subsequente, as pressões políticas internacionais sobre um dos contendores, o ambiente político nacional e internacional, etc. 153 Termo empregado para designar o estudo aprofundado da população, constante da doutrina dos EUA e da OTAN, no âmbito do fator de decisão ―Considerações Civis‖.

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elaboração de uma Linha de Ação? Além disto, caso a ação se dê em território

nacional, não haveria uma análise de aspectos do direito doméstico?

Vislumbra-se do estudo desta Subcategoria de Análise uma lacuna no

processo cartesiano de solução de problemas, em especial no que se refere à

segunda e quarta regras do método de Descartes (2008). Ao se excluir aspectos do

direito internacional nas duas fases do Exame de Situação, resta a dúvida se o

planejador realmente se empenhou em ter a certeza de nada omitir, como defendia

o filósofo francês.

Sob o olhar de Simon, seria eficiente uma decisão de um comando de força

conjunta que não corresponde aos valores que a sociedade defende? Estes valores

são tirados de sua política, derivada da ação de seus representantes eleitos, que por

sua vez decidem se o País reconhece determinado ato internacional ou não. Assim,

uma decisão ―correta‖ de um comando conjunto deve ter respaldo também nos

valores que a sociedade brasileira reconheceu via tratados internacionais de que o

Estado é parte.

Embora o resultado de uma campanha seja sempre importante, as formas e

os meios pelos quais ele é atingido (ou a contribuição militar para alcançá-lo)

também podem influenciar acontecimentos em longo e curto prazo. Quando as

formas ou os meios são controversos, por exemplo, pode haver impacto nas

relações geopolíticas. Isto significa afirmar que a maneira pela qual a campanha é

conduzida - e como é percebida pela sociedade internacional - pode ser

consideravelmente significativa.

Em termos de DICA, tal assertiva nos remete ao paradigma de que ações

táticas militarmente irreparáveis podem vir a comprometer equilibrados jogos

diplomáticos. Exemplo recente disto foi a militarmente muito bem sucedida operação

de execução de Osama Bin Laden.

O chefe da rede terrorista Al Qaeda, após quase uma década de busca, foi

morto em uma operação que levou meses de ensaios e menos de uma hora de

execução. Ocorre, todavia, que o objetivo da campanha militar, qual seja, eliminar o

chefe da organização, não estava claramente eixado com o que se defendia em

termos diplomáticos nos EUA. Isto levou a sociedade internacional a questionar

justamente o que se tratou anteriormente: a ação não foi totalmente percebida como

um sucesso, vez que negligenciou a soberania do território paquistanês e negou à

família Laden a oportunidade de lhe prestar honras fúnebres, considerando que seu

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corpo foi declaradamente atirado no mar. A conseqüência disto foi o surgimento de

pontos de atrito entre a diplomacia norte-americana e a sociedade internacional.

Ainda que os EUA coloquem a ação como um ato de guerra contra o terrorismo, ela

vem sofrendo críticas de diversos ramos da sociedade, como juristas e acadêmicos

em geral (TOMUSCHAT, 2011). Aspectos do direito internacional poderiam ser mais

bem considerados.

Ainda nesta subcategoria, chama à atenção a expressa referência a conduta

com refugiados/evacuados, como algo do mesmo nível que a comunicação social,

assuntos civis, operações psicológicas, assuntos civis e operações especiais. À

primeira vista, parece se fazer menção a algo inerente ao combate moderno, mas

partindo desta premissa, faltaria alguma referência a outras situações congêneres,

como, por exemplo, os deslocados. Estes, assim, como os refugiados, podem

influenciar sobremaneira na elaboração do CPO.

Na atenção a efeitos colaterais, consagrada na Subcategoria Analítica BR5,

destaca-se o fato de que, no estudo das características da área de responsabilidade,

alguns fatores recebem nota clara quanto ao efeitos sobre os civis, como o item

condições sanitárias, e todos os outros itens não. À luz do DICA, lê-se respeito ao

Princípio da Distinção, particularmente em relação a pessoas. É inegável que outros

fatores também possuem influência sobre os civis.

O manual aventa que fatores fixos devam ser estudados mais

detalhadamente por escalões mais baixos – assinalando-se neste ponto a

característica das decisões de fazerem parte de uma hierarquia (Simon, 1945) - sem

exclusão de um estudo amplo pelo EMCj. Assim, resta certa incoerência em se

considerar os efeitos colaterais apenas no fator condições sanitárias, assim como

outra brecha quando se analisa a questão sob a ótica do processo cartesiano de

solução de problemas, em especial no que se refere à segunda e quarta regras do

método de Descartes (2008), ao se ponderar efeitos colaterais apenas no fator

descrito acima.

Em passagens como a do trecho de recorte 10 consagra-se mais uma vez o

Princípio da Distinção e ao mesmo tempo faz-se referência ao Princípio da

Legalidade. Vale a ressalva que esta passagem específica se localiza em um anexo

de Análise de Assuntos Civis, não sendo, portanto, a lente pela qual todos os

membros do EMCj devam enxergar a situação, mas tão somente os que forem

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envolvidos na área de assuntos civis e quando tratarem de assuntos civis. O DICA

engloba outros aspectos mais que os assuntos civis.

Da análise da Subcategoria Analítica BR6, constata-se a preocupação com

perdas humanas e materiais ao se trabalhar com seleção de LA. O trecho de recorte

11 compreende uma pergunta nova acrescida às constantes da versão anterior do

manual. Ocorre que ela não se refere expressamente a perdas materiais de bens

civis ou militares, assim como não deixa claro se as perdas humanas são de

combatentes, ou não combatentes. Conforme visto em Mello (2001) é uma indicação

de respeito ao princípio da Humanidade, insculpido no Art. 27 da Quarta Convenção

de Genebra relativa à Proteção dos Civis em Tempo de Guerra, de 1949 e mesmo

em ordem do dia de Caxias de 1851. Resta, todavia, de certa feita imprecisa e

casual a indicação, deixando espaço para aperfeiçoamentos abrangendo aspectos

outros do PPC e não tão somente neste ponto específico do processo.

Verificou-se assim, que nem todos os princípios do DICA encontram assento

claro no processo de planejamento de comando para operações conjuntas brasileiro.

Os princípios da Humanidade e da Distinção podem ser ora esparsa ora

imprecisamente identificados, como visto nas Subcategorias Analíticas BR5 e BR6.

Em um processo de tomada de decisões analítico, em que se valoriza uma análise

sistemática como processo de raciocínio, a inclusão dos outros princípios parece

necessária.

Quanto à elaboração de adequadas regras de engajamento, conforme se

extrai da Subcategoria Analítica BR2, é um elemento que expressamente consta da

doutrina. Assim, considerando-se a resposta à questão de estudo b., pode-se afirmar

que o Direito Internacional dos Conflitos Armados constante do processo de

planejamento de comando para operações conjuntas brasileiro encontra-se

parcialmente respaldado no extraído do DSC, no que toca aos princípios (Idéia

Central A). Ao que diz respeito às regras de engajamento, a doutrina brasileira está

de acordo com o DSC elaborado a partir dos especialistas da área (Idéia Central B).

Responde-se assim a questão de estudo e. desta pesquisa.

Quanto às orientações diversas ao comandante conjunto, consubstanciadas

na Subcategoria Analítica BR7, destaca-se a passagem em que se coloca

taxativamente quais peculiaridades do inimigo devem ser estudadas na Fase 2 do

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231

Exame de situação pelo EMCj. Foi visto que há relatos históricos154 de que a postura

do inimigo em relação ao DICA norteou ações no campo de batalha, Assim, pode-se

considerar que o estudo da postura do inimigo em relação ao DICA, seu nível de

respeito histórico em relação a suas normas e o conhecimento de quais tratados o

inimigo reconhece poderiam servir de subsídios para se caracterizar peculiaridades

do inimigo ?

Neste tocante, vale salientar que conhecer o inimigo também representa

saber seu nível de conhecimento e respeito ao DICA, a fim de que aquele militar que

faz o papel do oponente, em regra o oficial de inteligência do estado-maior conjunto,

tenha condições de simular as possíveis reações do inimigo da forma mais fiel que

puder. Isto permitirá ao comandante conjunto antecipar ações – e elaborar ordens a

respeito - no caso do inimigo se valer de medidas para as quais não se costuma

treinar a tropa habitualmente, como, por exemplo, o enfrentamento de uma tropa

formada por crianças soldado ou que emprega agentes químicos contra civis.

Ademais, a faculdade da presença dos comandantes de força componente na

fase de comparação das LA merece atenção. Segundo o fundamento do

planejamento conjunto da simplicidade, a condução do planejamento deve garantir

que as ordens e os planos sejam claros e facilitem o entendimento e execução das

operações pelos escalões envolvidos. Foi visto que a maior parte das violações do

DICA ocorre em escalões mais baixos, enquadrados provavelmente pelo

comandante da força componente. Assim, tão antes o comandante da força

componente tenha contato com as LA, melhor entenderá futuramente suas tarefas

advindas do Pl Cmp, favorecendo a redução de violações ao DICA.

Em referência feita a Simon supra, que a decisão de se invocar a presença

dos comandos subordinados poder se fiar ao estilo de liderança – aí incluídos

elementos do consciente, inconsciente, racional e irracional - do comandante

conjunto, é inegável que, atualmente, com meios de mídia, pode-se efetivar esta

presença até mesmo remotamente, como via videoconferência, por exemplo. Como

asseverou Simon, pela característica da integração, será uma decisão tomada num

âmbito de um plano maior, mas havendo a possibilidade de se ter os comandantes

154 Vide supra caso da rendição da 148 DI alemão na Campanha da FEB na Itália e rendição de iraquianos na 1ª Guerra do Golfo.

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232

das forças componentes remotamente, passa esta decisão a entrar no rol das

opções plausíveis; assim, deve-se evitar aleatoriamente descartá-la.

Além disto, no olhar de Simon, deve-se estabelecer uma teoria de tomada de

decisões que valorize a motivação, ou como previsto na doutrina conjunta brasileira,

que privilegie o princípio da moral. É inegável que mais contato pessoal entre

comandante da força conjunta e força componente tem possibilidade de ser mais

motivador e levantar a moral do que menos contato, devendo-se ponderar in casu a

questão da necessidade da presença/atuação do comandante da força componente

junto a seu respectivo estado-maior.

7.5 DISCUSSÃO DA HIPÓTESE

Do exame do DSC, constante da seção 7.1, auferiu-se que os elementos do

DICA que o comandante conjunto, no seu planejamento, deve necessariamente

considerar no Exame de Situação ao eleger uma determinada linha de ação são os

princípios do DICA e a atenção a elaboração das respectivas regras de

engajamento.

Quanto aos princípios, verificou-se na seção 7.3, que eles não encontram

amparo seguro na doutrina pátria, enquanto que as regras de engajamento sim.

Assim, pode-se afirmar que 50% dos elementos estão representados e 50% não.

O exposto acima permite que se afirme que a hipótese inicial desta pesquisa,

de que o DICA se encontra de forma limitada no Processo de Planejamento de

Comando para Operações Conjuntas atualmente utilizado pelas forças armadas

brasileiras, foi confirmada.

Fruto da resposta à questão de estudo anterior, partiu-se para o estudo de

quais seriam os outros elementos do Direito Internacional dos Conflitos Armados a

serem inseridos no processo de planejamento de comando para operações

conjuntas brasileiro. Tais elementos integram a parte de conclusões e

recomendações da presente pesquisa, que responde a questão de estudo f.,

derradeira deste trabalho.

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233

8 CONCLUSÃO

Quando se vêem povos civilizados recusarem-

se, quer a conduzir os prisioneiros à morte, quer a

saquear cidades e campos, é porque a inteligência tem

um lugar muito mais importante na sua forma de

conduzir a guerra, e que ela lhes ensinou a utilizar a

força de um modo mais eficaz do que através da

manifestação brutal do instinto.

Clausewitz (1996)

Neste ponto vale ressaltar o objetivo mais amplo deste trabalho de completar

uma lacuna existente na literatura militar brasileira em dois temas que muito vem

influenciando a doutrina de defesa nacional neste século - o DICA e o processo de

planejamento conjunto - e uma inédita interrelação entre ambos.

Neste momento é lícito retornar às principais premissas que apoiaram a

pergunta que este trabalho buscou responder. Fruto de uma migração dos campos

de batalha para os centros urbanos, e um aprimoramento da eficiência dos

engenhos bélicos, aumentou-se consideravelmente o efetivo de baixas civis nos

conflitos. Tudo isto, aliado à cobertura em tempo real dos combates trouxe aos lares

a discussão sobre o respeito às pessoas não envolvidas nos combates e limites à

aplicação da força, levando a comunidade internacional a consagrar a

responsabilidade individual de pessoas acusadas de crimes de Guerra através do

estabelecimento do Tribunal Penal Internacional.

Fruto de tratados internacionais, a sociedade brasileira se envolveu na

discussão da implementação do DICA via diretrizes presidenciais e do Ministério da

Defesa, esta última emanada em 2008. Apesar disto, a doutrina de PPC atual ainda

não foi analisada após a edição destas novas diretrizes.

Simultaneamente, as tendências doutrinárias atuais nas forças armadas mais

desenvolvidas do mundo apontam cada vez mais para uma integração entre as

forças singulares por meio das operações conjuntas, o que no Brasil vem sendo

colocado em prática por medidas como intensificação dos exercícios conjuntos e

elaboração de uma nova doutrina, em 2011.

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Tudo isto nos dirigiu à pergunta de como se encontra o DICA no âmbito desta

nova doutrina, em especial no processo de planejamento de comando para

operações conjuntas brasileiro.

Será feita a seguir, permeada por algo do pensamento deste autor, uma

apresentação resumida do conteúdo da pesquisa, uma mostra sucinta dos principais

achados e sugestões para investigações posteriores na área de pesquisa do DICA.

Tudo a fim de mostrar abreviadamente como tal pergunta foi respondida.

8.1 APRESENTAÇÃO RESUMIDA DO CONTEÚDO DA PESQUISA

Para resolver o problema proposto, valeu-se de uma abordagem qualitativa e

de seis questões de estudo que foram respondidas ao longo do trabalho.

Foi construído inicialmente um referencial teórico, do qual se ressaltam os

principais conteúdos que colaboraram na contextualização técnica da pesquisa e na

posterior obtenção de resultados que respondessem o problema da inserção do

DICA no PPC.

Do mencionado referencial, pode-se apreender que o Direito Internacional

Público é o ramo do Direito no qual se estabelecem as relações entre entes

internacionais. Entre as suas características mais importantes, nota-se o

consentimento, mandatório para que os Estados admitam a redução de seu poder

soberano. Esta redução de soberania se dá de várias configurações, das quais as

mais clássicas são os tratados e convenções.

Viu-se que as fontes primordiais do DIP são os tratados, atos pelos quais os

entes estabelecem normas para regular a vida global em todas as suas situações,

seja nas relações comerciais, jurídicas e de crise.

Devido a fatores históricos, este ramo tem íntima ligação com a política. A

política faz com que o DIP seja permeado de aspectos outros, menos pragmáticos

que os observados no direito interno. A política também, por vezes, assume a

adoção da força como forma de resolver conflitos. Este conflito armado enseja o

emprego das forças armadas e, no caso brasileiro, de maneira conjunta na maioria

das vezes. Assim, esta força deve respeitar os compromissos avençados pelo poder

estatal.

Por mais que modernamente o Homem venha buscando a paz em suas

relações, a História mostra que, basicamente, a História do Homem é a História das

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Guerras. É um fenômeno que se mostra enraizado e, ainda que colocado como um

ilícito internacional na Carta das Nações Unidas, de 1945, os entes políticos ainda o

empregam como forma de resolução de conflitos155. Assim, a Carta estabelece três

exceções para o emprego da violência: nas guerras de libertação nacional, nas

intervenções militares autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU e nas

hipóteses de legítima defesa.

Enraizada na natureza humana, a guerra experimenta alguma espécie de

limitação desde antes de Cristo, sofrendo um grande esforço codificador após a

edição de alguns documentos como o Código Lieber, a Convenção de Genebra de

1864 e a Declaração de São Petersburgo, todos do segundo terço do século XIX.

Nascia formalmente um sub-ramo do DIP em que os Estados buscavam

principalmente limitar sua soberania no tocante aos meios e métodos de combate e

na proteção dos que não combatem ou que não combatem mais: o Direito

Internacional dos Conflitos Armados. O CICV teve papel importante neste momento

e, desde então, exerce função ímpar no DICA, tendo inclusive capacidade jurídica

para firmar atos internacionais.

Este sub-ramo tem como fonte básica os tratados, mas se vale dos costumes,

princípios gerais do direito, doutrina e das decisões dos tribunais, como o novíssimo

Tribunal Penal Internacional. O DICA apresenta alguma relação com o Direito

Internacional dos Direitos Humanos. Esta relação foi enfrentada por alguns

doutrinadores, mas a tendência mais moderna é de se compreender que os dois

ramos se complementam, apresentando importantes pontos de convergência, o que

dá status de norma constitucional aos tratados que forem aprovados nas Casas

Legislativas de acordo com o trâmite previsto na EC 45/04.

O DICA apresenta algumas características muito específicas, como o

particular papel do CICV e a mitigação do princípio do DIP da reciprocidade,

garantindo-se que se um ente não respeita o DICA, isto não libera o adversário de

fazê-lo. Seus princípios são definidos de forma diversa pelos estudiosos. Celso Mello

elencou como o principal o da humanidade, que tem o condão de conectar a

violência dos campos de batalha à dignidade humana, buscando garanti-lo a

155 Exemplos recentes ilustram bem esta assertiva, como o emprego em 2010 pela Coreia do Norte de artilharia pesada na Ilha sul-coreana de Yeonpyeong, deixando quatro mortos. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, disse que o incidente é "um dos mais graves" desde o fim da Guerra da Coreia. (BBC, 2010).

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qualquer custo. Este princípio, que já estampava ordens do dia do Exército Brasileiro

em meados do século XIX, se encontra positivado atualmente em diplomas como a

Quarta Convenção de Genebra relativa à Proteção dos Civis em Tempo de Guerra,

de 1949. Foi visto ainda que outros princípios norteadores do DICA, à luz de Celso

Mello, principal escolha teórica deste trecho da pesquisa, são o da ―cavalaria‖, a

Cláusula de Martens, o da necessidade militar, o da proporcionalidade e o da

distinção. Este último abarcando a proteção da população civil, das vítimas da

guerra e dos bens de caráter civil.

Compreender as dicotomias objetivo militar x bem civil e civis x forças

armadas é indispensável para se efetivar o respeito aos princípios ora nominados.

No campo de batalha do século XXI se apresentam um sem-número de atores e,

com o surgimento dos conflitos de Quarta Geração, misturam-se nas localidades os

civis, militares, combatentes, hospitais e bens culturais, dificultando sobremaneira o

planejamento das operações, em especial as terrestres.

O Protocolo Adicional I, de 1977, conta com dispositivos que auxiliam

sobremaneira nesta compreensão, deixando claro que, em caso de dúvida em

relação à condição de uma pessoa, ela deve ser considerada civil. Além disto,

observa-se que há militares que são desautorizados a combater, como os capelães

e o pessoal do serviço de saúde.

Raciocínio similar se aplica aos bens. Caso haja dúvida se um bem se presta

apenas para fins civis ou se está colaborando com o esforço das operações, ele não

deve ser considerado objetivo militar. Fora isto, para que um bem seja considerado

objetivo militar legítimo, sua localização, natureza, finalidade ou utilização devem

contribuir de maneira determinante para a ação militar ou uma vantagem militar

definida.

Após o estudo das peculiaridades do DICA, a pesquisa buscou elucidar quais

os elementos do DICA que deveriam ser considerados nos métodos de

planejamento de comando para operações conjuntas, conceituando-as inicialmente.

Pode-se inferir que o surgimento do estado-nação europeu e seus exércitos

nacionais, associado ao advento de novos meios bélicos oriundos da revolução

industrial, refletiram em alterações significativas para a arte da guerra. Entre elas

destaca-se a necessidade de se coordenar elementos de mais de uma força

singular, em um teatro de operações imenso, em que o comandante não tinha a

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capacidade de decidir tudo sozinho e de sequer verificar o emprego de suas tropas

diretamente.

Este fenômeno se desenvolveu em duas direções distintas. Por um lado, fez

com que o comandante passasse a necessitar - e de reconhecer isto – de outros

auxiliares para poder planejar adequadamente suas operações. Seus homens mais

próximos, mais do que meros homens de confiança, deveriam se tornar verdadeiros

assessores. Era montada uma equipe de oficiais com preparo próprio para isto:

surgia o estado-maior. Sua evolução compreendeu três vertentes: a da preparação,

a do serviço de estado-maior e a da metodização.

Noutra direção, verifica-se que se ações de terra eram imprescindíveis para o

cumprimento da missão, de acordo com o caso, as marítimas também o eram. Desta

feita, por que planejá-las separadamente? Surgiam assim as operações conjuntas.

Fenômeno recente na história militar, apesar de suas origens remotas serem do

século XIX, sua consagração se deu no século XX, principalmente na Segunda

Guerra Mundial. Deste conflito em diante, verifica-se um crescente deste tipo de

operação nas forças armadas mais desenvolvidas e também no Brasil.

Seu conceito nacional difere um pouco do de outras forças por considerar o

emprego de forças ponderáveis de mais de uma força singular. O País ainda vive um

momento de acomodação terminológica e doutrinária, em razão de haver lançado há

pouco duas edições de Estratégia Nacional de Defesa e mais recentemente

estabelecido um Estado-Maior Conjunto. Passa-se a ter mais coerência com a

doutrina ocidental em que joint operations corresponde a operações conjuntas.

Foi visto que as operações conjuntas se valem de uma organização por

tarefas, de acordo com a missão que lhe é atribuída. Neste contexto, o comandante

terá a seu dispor um estado-maior e forças. Estas forças podem ser arranjadas de

forma singular, como forças componentes, ou como forças conjuntas, tudo conforme

a missão.

A análise deixou claro ainda que a guerra se tornou fenômeno deveras

complexo para se reunir as forças para planejarem uma operação apenas no

momento do seu emprego real. Era indesejável se formar estados-maiores conjuntos

ad hoc. Neste contexto, formaram-se estados-maiores conjuntos permanentes.

Tendo a força à sua disposição e um problema militar, o comandante da

operação conjunta deve então decidir como resolvê-lo. Neste ponto, viu-se que a

teoria de resolução de problemas, sendo fruto de arcabouço científico, teve sua

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origem mais remota em René Descartes, filósofo francês que viveu no século XVII.

Ainda que o método de Descartes seja relativamente antigo, vale como referência a

sua obsessão sobre a existência de um método para se abordar a produção do

conhecimento, a necessidade de que quem o siga o faça fielmente e não tome por

certo algo que não tenha sido provado como tal.

Além disto, suas quatro regras do método serviram de paradigma para uma

abordagem analítica de resolução de problemas. Seu procedimento de colher dados

reais sobre o problema; reparti-lo em partes menores para analisá-las; realizar uma

síntese destas partes em algo único e, no fim, enumerar as conclusões e princípios

empregados no processo foi inspiração para o estado-maior de Moltke e para a

evolução do estudo das decisões, o que veio acontecer no século XX.

Entre os estudiosos da decisão, viu-se Herbert Alexander Simon, cientista

norte-americano que se debruçou sobre a tomada de decisões no período pós-

Segunda Guerra Mundial. Sua área de estudo principal, a administração pública

encontra íntima ligação com as forças armadas, de forma que o autor enumera

inclusive algumas passagens militares para ilustrar seu pensamento.

No tocante ao trabalho em grupo, Simon afirma que as tarefas simples são

mais facilmente desempenhadas, pois um homem as planeja e as executa sozinho.

Entretanto, assim que uma tarefa cresce até o ponto de se tornarem necessários os

esforços de várias pessoas para ser realizada, isso não é mais possível, e torna-se

desejável o desenvolvimento de processos para a aplicação organizada do esforço

do grupo para a realização da tarefa. Alusão clara ao trabalho de estado-maior,

inspirado em Moltke e no cartesianismo.

No tocante a estrutura das organizações, ressalta que elas são quase sempre

caracterizadas pela especialização, assim como se vê nas forças conjuntas. Tarefas

específicas serão atribuídas a cada força de acordo com sua vocação, aumentando

a eficácia da força, mas como ressalta Simon, exigindo em contrapartida um grande

esforço de coordenação.

Simon esclarece que este esforço de coordenação é por demais facilitado

quando há uma estrutura piramidal de responsabilidade e de autoridade. Este

aspecto ficou evidenciado nos organogramas das forças conjuntas e particularmente

no princípio da unidade de comando, indispensável neste tipo de operação. No

Brasil, a hierarquia nas forças armadas tem status constitucional.

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239

Assimilou-se assim o que Simon entende como conceitos centrais para as

tomadas de decisões: a autoridade, a eficiência, a identificação, a influência e a

comunicação. Todas elas encontram alguma referência a conceitos militares. No

estudo de critérios de eficiência, faz-se a ressalva de que a decisão ―correta‖ (não a

mais eficiente) de uma organização de caráter público deve se pautar pelos valores

que a sociedade defende, o que entendemos que pode abranger aquilo que os

representantes elegeram como fonte do Direito, aí incluídos os tratados

internacionais e os costumes da guerra reconhecidos. Em termos militares,

significaria dizer que uma decisão militar eficiente deve respeitar o DICA.

Foi visto ainda a distinção entre problemas inopinados e problemas previstos,

assim como a abordagem analítica e intuitiva de resolução de problemas. O método

analítico leva em consideração mais aspectos e é indicado quando há mais tempo

para a tomada de decisão. Dadas as características de uma operação conjunta e a

complexidade da guerra contemporânea, é lícito afirmar que este método permite se

estudar sistematizadamente os inúmeros aspectos de um problema militar, evitando-

se se olvidar aspectos relevantes, como o respeito aos ditames do DICA, por

exemplo.

Não por acaso este foi este o método que prosperou quando a adoção de um

assessoramento mais cientifico156 ao comandante tornou-se um instrumento

essencial da vitória na guerra. O vetor de permanência dos estados-maiores,

entretanto, veio por outra via, destacando-se o prussiano Massenbach como o oficial

que lançou as luzes para o mundo da necessidade da implantação de estados-

maiores permanentes. Moltke, o Velho, por seu turno, apresentou ao mundo o

estado-maior como o reconhecemos atualmente, baseado no método das Diretivas

Gerais.

Este método materializou um considerável progresso no processo de tomada

de decisão, enfatizando-se a importância do trabalho em grupo e o espírito de

equipe, privilegiando-se assim o ―ambiente cooperativo‖ em detrimento ao

―competitivo‖, como preveniu Simon.

156 A ciência como um dos pontos norteadores da doutrina militar é ponto pacífico atualmente, como se vê na primeira e atual Doutrina Militar de Defesa do Brasil (2007): ‖As doutrinas militares de defesa [...] valem-se da ciência e da técnica. Nesse particular,

doutrinas de diferentes países podem ser intercambiáveis, sem prejuízo de sua eficácia.‖ (grifo nosso)

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Considerado modelar, o Exército Alemão gerou admiração em muitos países,

servindo de inspiração para a formulação de métodos de formação de oficiais de

estado-maior em todo o mundo. O que se viu é que o uso dos estados-maiores em

ambientes de guerra ou de paz, no século XIX, representou uma considerável

evolução da capacidade de comando, coordenação e controle das forças armadas

em todo o globo.

Atualmente, o método de resolução de problemas é algo tão importante para

a solução de problemas militares que a mais antiga escola de formação de oficiais

de estado-maior do Brasil - a centenária ECEME – intitula-se a ―Escola do Método‖.

Conclui-se assim que a influência de Moltke e sua concepção de estado-

maior se encontram fortes até hoje. Da experiência alemã, destacam-se a admiração

pelo sentido de organização do estado-maior, o senso de responsabilidade dos

chefes e o método para tomada de decisões militares. Finda a fase germânica,

esses valores haviam sido integrados ao espírito militar brasileiro, ainda que outros

países tenham influenciado nossa doutrina militar posteriormente, como os Estados

Unidos e a França.

A seguir, abordaram-se aspectos da doutrina conjunta do Reino Unido, a

qual, aliada à sua história recente, nos permite afirmar que este é um país que

dispõe de um arcabouço legal e doutrinário amplo no campo da defesa. Aspectos da

conjuntura atual levaram-no a efetuar uma redução de efetivos e de orçamento, mas

sem perda de capacidades.

Tal fato corrobora a seleção deste país para o tema em pesquisa, vez que se

permitiu extrair conclusões de um país que tem um orçamento para a área de defesa

mais parecido com o brasileiro, diferentemente dos EUA, paradigma doutrinário

primeiro ao se tratar deste assunto.

Da análise do processo de planejamento de comando conjunto do Reino

Unido alguns aspectos do Direito Internacional dos Conflitos Armados saltaram aos

olhos. O primeiro deles é a nítida preocupação com a legitimidade da campanha e o

correspondente apoio da população.

O segundo aspecto se refere ao cuidado com determinados meios, que

devido a características peculiares de emprego podem vir a tomar decisões

descentralizadamente, podendo ensejar violações. Típica é a menção ao uso de

forças especiais.

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Igualmente importante é a correlação entre os fundamentos do processo de

planejamento e o DICA, assim como menções expressas a conceitos próprios do

DICA ao longo da apresentação do processo. Em determinada parte da publicação

há claramente estampados os princípios do DICA. O peso disto em uma publicação

de planejamento de campanha é fundamental, vez que tal documento visa a orientar

o planejador para a ação. Deixa claro que a ação não deve olvidar de respeitar

alguns aspectos, entre eles os do DICA.

Da mesma forma, é relevante o estabelecimento, desde o início do processo,

de uma estrutura de assessoramento formal ao comandante conjunto e a colocação

do assessor jurídico como um membro do core team do comandante, assim como a

classificação das regras de engajamento como ―assunto-chave‖ no planejamento da

campanha. O resultado do trabalho do comandante conjunto, o Plano de Campanha,

exige, por sua vez, um ―enquadramento legal da operação―.

Quanto à doutrina brasileira, foi visto que o Brasil se vê como candidato à

titular de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Para se ter

apoio a este projeto, é aconselhável que seja reconhecido como país respeitador do

Direito Internacional. Daí a necessidade de se ter entronizado os ditames do DICA

entre os que detêm o uso autorizado da violência. Neste contexto a doutrina é

ferramenta essencial.

A confiança e respeito mútuo, enquanto orientações estratégicas da vertente

preventiva, incluem respeito ao militar dos outros Estados em um virtual conflito, de

seus civis e seus bens no caso de um hipotético conflito armado. O respeito aos

tratados internacionais que o Brasil ratificou e mesmo ao DICA pode assim colaborar

na construção desta sensação, tanto no caso de um Estado que venha a se colocar

como inimigo, como no caso de um Estado convidado a tomar parte em uma

coalizão em que estejamos tomando parte.

É previsto que a Expressão Militar do Poder Nacional atue em ―conformidade

com a vontade nacional‖, o que exige que o emprego tenha também respeito àquilo

que o brasileiro e a nação compreendem como ético. A vontade da nação brasileira

certamente é de que suas forças respeitem a dignidade da pessoa humana, o que

em termos práticos pode se resumir em legitimidade.

A DMD coloca que o nível político de condução delimita as limitações ao

emprego dos meios, além de limitações ao DI e aos acordos, o que exige uma

coerência nos níveis abaixo. Assim, vê-se aconselhável que, por um lado os oficiais

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242

compreendam minimamente o DI, e por outro há de se reverberar estas limitações

no exame de situação.

A mesma recomenda que a situação pós-conflito deve propiciar condições

para a sua recuperação, possibilitando o restabelecimento da paz. A respeito do

DICA, conclui-se que, caso sejam violados ditames do DICA em uma escala que

venha a potencializar a coesão do povo ou das forças armadas oponentes, o

restabelecimento da paz será prejudicado, além de permitir o surgimento de

ressentimentos que dificultam o almejado restabelecimento da paz. Um exemplo

claro é o cuidado que se deve ter com os civis no caso de uma ocupação.

Na composição do comando conjunto, ao qual se atribui a incumbência de

estabelecer regras de engajamento, está previsto o emprego opcional de assessores

jurídicos. Dada a complexidade do DI, restou clara a dificuldade de se estabelecer -

sem uma assessoria adequada - regras de engajamento que ao mesmo tempo

estejam em acordo com o direito e com os objetivos da campanha.

A doutrina conjunta brasileira adota um processo analítico de tomada de

decisões. Segundo pode-se inferir, este processo é válido para problemas muito

bem definidos e quando há dados claramente determinados. Exige uma pesquisa

ampla e rebuscada pelo decisor a fim de se encontrar uma única e melhor solução

possível para o problema. Tal itinerário metodológico, embora permita que o decisor

use de sua experiência e intuição para aperfeiçoar o processo, não deve olvidar de

alguns passos intrínsecos ao sucesso da campanha, como os vistos no Capítulo 6. .

Depois de construído o referencial teórico, apresentaram-se e analisaram-se

os resultados obtidos. Inicialmente foi analisado o discurso do sujeito coletivo de

próceres, gerando elementos a serem testados na análise de conteúdos de

documentos doutrinários de planejamento conjunto.

Os principais elementos levantados pelo DSC foram o respeito aos princípios

e a atenção à elaboração de regras de engajamento. De posse destes elementos,

analisou-se o conteúdo de documentos da doutrina britânica, constatando-se que,

que estes encontraram eco no PPC das FARU, reserva feita ao imperativo de o

comandante conjunto possuir conhecimento anterior do DICA. Este aspecto da

formação do oficial, como sendo antecedente à sua atribuição como comandante de

força conjunta, ficou fora do recorte lógico-temporal proposto para a pesquisa, sendo

assim descartado para o progresso da investigação do problema, mas útil para

outras considerações.

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243

De posse destes elementos, analisou-se o conteúdo de documentos da

doutrina britânica e brasileira, possibilitando-se realizar várias inferências úteis às

soluções das questões de estudo.

A seguir, da análise dos conteúdos brasileiros, constatou-se que os princípios

da Humanidade e da Distinção podem ser reconhecidos, contudo em um processo

de tomada de decisões analítico, em que se valoriza uma análise metódica como

processo de raciocínio, a inclusão dos outros princípios parece necessária. Quanto à

elaboração de regras de engajamento, elas encontram assento no PPC, brasileiro,

apresentando correspondência com o extraído do DSC.

Do conjunto da análise foi possível se aferir que a hipótese inicial foi

confirmada. O DICA se encontra de forma limitada no PPC brasileiro, podendo ser

aprimorado. Considerações a respeito são feitas a seguir.

8.2 PRINCIPAIS ACHADOS, SUGESTÕES PARA PESQUISAS POSTERIORES E RECOMENDAÇÕES

É indelével que a área internacional é muito sensível, tendo as ações nesta

área repercussões imediatas, por vezes no mundo todo. O Direito Internacional

assume assim um papel cada vez mais relevante, sendo imprescindível uma íntima

coordenação entre a Política de Relações Internacionais de um país e a colaboração

que a Defesa a ela pode prestar. Respeitar os tratados é compromisso que o Brasil

defende há tempos, por isso implementar o DICA seria algo inerente a este

compromisso brasileiro de respeitar os tratados, aí incluídas as questões referentes

à metodologia de resolução de problemas militares.

Da pesquisa constatou-se, ainda, quão árida se encontra a atual

documentação brasileira oficial a respeito do DICA. Enquanto o Exército norte-

americano lista mais de 30 (trinta) publicações sobre o tema, o Brasil, apesar de ser

signatário de inúmeros tratados acerca do assunto, à época do início deste trabalho,

não dispunha de nenhum manual militar tratando especificamente deste aspecto das

operações militares.

Para o EB, há dois aspectos relevantes a se considerar. Inicialmente, a

Doutrina Conjunta é referência para participação em Operações Conjuntas, tendo

comandantes e integrantes de Estado-Maior oriundos do EB. Por outro lado, o

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movimento intenso de elaboração de novos manuais pelo MD, em especial após a

criação do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, levanta a possibilidade de

que o estudo de situação singular venha cada vez mais a se amoldar – ou mesmo

ser absorvido – ao exame de situação.

Restou da análise do DSC de próceres na área que há dois aspectos que

devem estar claros para um comandante conjunto ao se elaborar uma linha de ação:

a relevância dos princípios do DICA e o estabelecimento correto de regras de

engajamento.

Foi levantado também que o comandante conjunto deveria ter conhecimento

prévio do DICA. A este respeito, não obstante esforços como o anual CDICA da

ESG, haveria um possível desnível entre as forças em termos de conhecimento do

DICA. Esta situação confirma afirmação categórica de Celso Mello de que o País

como um todo poderia ser mais atento ao Direito Internacional, uma vez que este

seria uma das ferramentas de internacionalização da vida moderna.

A respeito das regras de engajamento, foi estampada sua vital importância no

processo de planejamento de comando para operações conjuntas britânico e

também no brasileiro. Ajuda aqui notar seu indiscutível valor na condução da

situação limite, enquanto instrumento de passagem dos aspectos que emolduram as

ações no plano político para a ação prática dos comandantes em todos os níveis.

Do estudo do PPC do Reino Unido, pode-se concluir que mesmo o manual de

processo decisório encontra espaço para uma menção expressa aos princípios do

DICA, coadunando com o achado a partir do DSC dos especialistas. Tal preceito

reflete o valor dado ao conceito transversal de legitimidade da campanha, que reflete

simultaneamente atenção à percepção da sociedade internacional, externando

atenção ao DIP, conforme ensinaram Mello e Rezek e à busca de valores maiores

que a mera legalidade, como a correção política, moral e ética.

Verificou-se, ainda, zelo com a comunicação pessoal do comandante de suas

ordens para os seus subordinados. Ficou claro que a doutrina britânica empresta

especial atenção à questão do papel do comandante na emissão de ordens e a

estreita supervisão subseqüente.

A pesquisa estampou que a doutrina britânica aborda considerações legais

em seu processo de planejamento de comando conjunto, além de explicitar a

necessidade de se ponderar como o direito pode auxiliar na elaboração da

consciência situacional no Brasil.

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245

Do mesmo modo, ficou latente que ao comandante conjunto britânico é

mandatória a disponibilidade de assessoria jurídica ininterruptamente, enquanto que

no Brasil a necessidade ou não de se dispor de assessoria jurídica, segundo a

doutrina, será decidida caso a caso, abrindo a possibilidade para que o comando

conjunto enfrente dificuldades quando tiver que tratar com questões legais, aí

incluídas as regras de engajamento.

A doutrina britânica valoriza consideravelmente a flexibilidade no método de

resolução de problemas militares sugerindo um ―menu‖ com inúmeras opções de

técnicas de suporte à decisão, que podem ser úteis em determinados ambientes,

como o interagências, por exemplo.

Ficou claro que o processo de tomada de decisões conjunto previsto na

doutrina conjunta pátria reflete expressamente alguns dos princípios do DICA

reconhecidos no referencial teórico, como o da Humanidade e o da Distinção, mas

com ressalvas. Ademais, não constam expressamente do manual em questão.

Com suporte nas experiências colhidas ao longo do estudo do referencial

teórico, e dos resultados da pesquisa, findamos este trabalho apresentando algumas

propostas.

8.2.1 Regras de Engajamento

Sugere-se que se dê ênfase à criação de expertise nesta tarefa no âmbito das

escolas de todos os níveis, em especial no Curso de Estado-Maior Conjunto e nos

Cursos de Altos Estudos Militares, com vistas a se aprimorar seu estudo, possível

atualização e criação de novas regras de engajamento. Para este fim, é possível

empreender exercícios específicos de elaboração de regras de engajamento.

No mesmo sentido, sugere-se a inserção do Tema ―elaboração de regras de

engajamento‖ na área de temas a serem desenvolvidos sob a coordenação do

Centro de Doutrina do Exército e também nas iniciativas de cooperação com o meio

acadêmico do governo federal como o concurso de Teses e Dissertações sobre

Defesa Nacional do MD, por exemplo.

A doutrina conjunta pátria exige mera divulgação das regras de engajamento

ao escalão subordinado. Aconselhável talvez fosse recomendar que todos dominem

as regras a fundo e deixar claro que se deve controlar seu entendimento à exaustão.

No nível tático, estas regras podem ser traduzidas por cartões de bolso, em

que se resume ao soldado o core do que fazer nas situações-chave. Sugere-se

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estudar a confecção do cartão de bolso como passo final do processo de elaboração

de regras de engajamento.

8.2.2 Aspectos do PPC

Cabe ressaltar que os manuais militares sobre DICA são referenciados como

base para costume internacional e, sendo um documento de estado, diferentemente

da doutrina defendida pelos autores brasileiros de renome, são analisados como

uma fotografia de como um país interpreta a norma humanitária.

Assim, deixar explícito nosso respeito ao DICA no manual que orienta o

planejamento do uso da força cria fonte de direito internacional a favor das forças

armadas brasileiras e do País. Aliado a isto, facilita a elaboração de LA que

alimentem em melhores condições uma real legitimidade da campanha, favorecendo

a conquista/manutenção do apoio da população, economizando meios.

A fonte mais óbvia do DICA, os tratados, engloba uma série de milhares de

normas. Como diz Teixeira (2010), do militar – e mais ainda - do comandante de

uma operação conjunta - espera-se o perfil de homem de ação, de fazer. Sua

destinação constitucional lhe exige uma postura mais de empreendedor do que de

intelectual, estudioso e acadêmico. Ainda que seja estudioso, a ―névoa da guerra‖ de

Clausewitz não lhe permitirá divagações e elocubrações no planejamento e conduta

de uma campanha.

Surge assim o paradigma: como confrontar a necessidade de se planejar uma

campanha eficaz com a necessidade de se evitar violações de DICA, e a sua

enorme complexidade de fontes?

A inserção expressa dos princípios no PPC parece uma opção razoável neste

contexto, vez que seria um ponto de equilíbrio entre todas as condicionantes

mencionadas acima.

Mas onde se inserir os princípios? Há várias opções: no rodapé do memento,

nos rodapés das decisões críticas e no início da doutrina, na parte da introdução.

Talvez a melhor solução fosse nos três lugares.

Uma possível contestação de que isto levaria a uma perda de eficiência, por

se estampar algo teórico em um manual, cai por terra quando se considera o ganho

em legitimidade que se pode obter. Nenhum conflito é igual ao anterior, mas deve-se

conhecer o último para se preparar para os próximos. Neste contexto, há uma gama

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de conflitos da atualidade que tem seus rumos influenciados, ou mesmo definidos,

por aspectos do respeito ao DICA.

A complexidade dos conflitos contemporâneos exige que o decisor interaja

com diversos atores a fim de se chegar a uma LA de qualidade. Neste contexto, o

emprego e adestramento em metodologias de suporte à tomada de decisão podem

aumentar a eficiência do trabalho de estado-maior. Neste sentido, sugere-se estudar

a viabilidade de adoção de técnicas como a Designação de Mentores, Facilitação e

Dissidência Institucionalizada à cultura militar doméstica.

Segundo as conclusões desta pesquisa, a brecha que existe atualmente na

doutrina para que o comando decida in casu a necessidade de um assessor jurídico

para o EMCj ou não poderia sofrer uma revisão.

Foi visto que a doutrina conjunta britânica elenca cinco Considerações

Legais, como multiplicadoras do fator de combate. Neste sentido, seria

aconselhável, verificar se alguma dessas poderiam se prestar à doutrina nacional. A

ECEME inseriu experimentalmente o item ―Considerações Civis‖ no Estudo de

Situação, apontando para uma maior importância ao respeito de aspectos do DICA,

considerando-se ao menos sua dimensão proteção dos civis. Há de se considerar,

contudo, que o DICA compreende ainda a proteção de outros, como os que não

combatem mais por estarem feridos, foram presos, naufragaram ou que detêm

especial proteção apesar não serem civis: pessoal de serviço sanitário e religioso.

Além disto, o DICA deve compreender a limitação de meios e métodos de combate,

não necessariamente contemplada nas considerações civis, porquanto este se

aplica igualmente ao inimigo.

Como a grande maioria das violações acontecem no nível tático, recomenda-

se estudar que, ao invés de ser uma opção, seja mandatória a presença de

integrante da Força Componente na reunião de apresentação das LA, ainda que via

remota. No estudo do PPC do Reino Unido verificou-se uma considerável

preocupação com a transmissão pessoal pelo comandante de suas ordens para os

subordinados.

Na comparação das Linhas de Ação, a inclusão da pergunta 14, em que pese

caracterizar uma considerável evolução em relação à edição de 2001 do manual do

PPC, ainda não restou claro se as perdas são de combatentes ou não-combatentes.

Assim, seria aconselhável estudar a inclusão das perdas de combatentes na

pergunta 10, referente à economia de meios. Por outro lado, as perdas de civis

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poderiam constar como um aspecto negativo da LA a ser comparada. Em suma, há

espaço para que o DICA possa ser mais adequadamente considerado nesta fase de

comparação das LA. Resta assim a pergunta para posterior investigação: há algum

aspecto do DICA que poderia ser inserido como pergunta para contribuir com o

convencimento do comandante quanto a qual a melhor LA levantada?

Fruto da aridez de manuais militares brasileiros a este respeito sugere-se

verificar a necessidade de se ampliar o rol de publicações oficiais do Brasil que

estampem nossa visão sobre o direito humanitário e como devemos implementá-lo.

8.2.3 Assessoria Jurídica Operacional

Os dados obtidos revelaram que a doutrina britânica aborda considerações

legais em seu processo de planejamento de comando conjunto, além de explicitar a

necessidade de se entender o direito como ferramenta na elaboração da consciência

situacional. Para tanto, necessita o comandante de assessoramento especializado,

disponível vinte e quatro horas. Daí surge a pergunta: quais são as técnicas e

procedimentos que este assessor (ou equipe de assessores) deve seguir?

Esta pergunta seria respondida através de um manual de assessoria jurídica

operacional, assim como já existente em algumas forças da OTAN, como os Estados

Unidos, por exemplo.

Ainda a este respeito, sugere-se a realização de estudos no sentido de se

avaliar a criação de um corpo jurídico operacional para apoiar as operações

conjuntas, ainda em tempo de paz no EMCj. Embora seja uma recomendação que

vem de constatação da tese, é de fato meramente questão de se implementar

dispositivo já ratificado do Art. 82 do Protocolo Adicional I às Convenções de

Genebra. O assessor jurídico tem dupla função segundo este dispositivo: assessora

no emprego e orienta quanto ao ensino apropriado em tempo de paz.

Neste contexto, pode-se experimentalmente inserir operadores do direito em

exercícios. Atualmente é impossível se resolver um problema militar sem uma

abordagem abrangente da situação-problema. Tal conclusão não é nova, sem

dúvida. Talvez novo ou repensado deva ser a forma de se preparar o planejador

para enfrentar isto. O que se antevê seria a integração de profissionais do direito em

exercícios militares conjuntos, como o AZUVER da EGN, ECEMAR e ECEME, por

exemplo.

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Partindo-se de uma análise rasa dos sub-ramos do direito que abrangem as

atividades jurídicas no âmbito militar terrestre, teríamos pelo menos: civil, penal

militar, administrativo, trabalhista, contratos, previdenciário, operacional, médico,

internacional e, naturalmente, a área de educação. Perfazem assim, dez áreas um

tanto específicas e autônomas.

No Exército Brasileiro, pelo menos, listam-se estes militares de uma forma

única sob o rótulo ―direito‖. Assim, um oficial do QCO voltado para direito

administrativo poderia, sem problemas, ocupar uma vaga em uma assessoria

operacional em uma operação conjunta, o que não seria aconselhável.

Análoga é a situação dos oficiais da área de Letras, no tocante à gestão de

recursos humanos. Todavia, a organização dos quadros de Letras no QCO

contempla a língua de formação do oficial, evitando que um professor de francês

venha a ser alocado em uma organização militar com necessidades de professor de

inglês, por exemplo.

Assim, outra sugestão seria realizar estudos para a criação de um

destacamento no Exército Brasileiro, especializado em assessoria jurídica

operacional. Este pessoal poderia ser composto por um subquadro do atual Quadro

Complementar de Oficiais, complementado por sargentos com formação na área ou

mesmo outra solução análoga, envolvendo civis.

8.2.4 Revisão Curricular

Visto que já no currículo da ECEME de 1905 constava o estudo de Direito

Internacional Público e da necessidade explicitada ao longo do trabalho de o oficial

de estado-maior compreender minimamente o DI, sugere-se a adoção de

providências para se avaliar em que medida os currículos das escolas militares

atendem a esta premissa e se seria necessário um nivelamento entre as forças.

8.2.5 Prosseguimento de Pesquisas em áreas afins

Quanto ao prosseguimento de investigações no meio acadêmico, pode-se

afirmar que fruto da pesquisa exploratória no início deste trabalho já nasceu na

ECEME tese focada na área do respeito histórico que o Brasil tem pelo DICA, o que

muito já entusiasma este autor.

Outra recomendação seria o de se estudar a influência das metodologias de

planejamento militar na jurisprudência penal militar. Poderia se escolher o Tribunal

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Penal Internacional ou um tribunal ad hoc. Seria um prolongamento do estudo aqui

feito com uma veia mais concreta, que poderia render bons ensinamentos para a

área de estudo em questão.

Ademais, trabalhos buscando se analisar os reflexos do DICA no mecanismo

de elaboração de regras de engajamento seriam um prosseguimento natural desta

pesquisa, permitindo chegar a conclusões úteis aos profissionais envolvidos neste

processo e na doutrina militar brasileira.

Neste contexto, o MD editou recentemente seu primeiro manual de DICA.

Outra pesquisa nesta área poderia abranger uma comparação entre o manual

brasileiro e o de outros países, verificando oportunidades de melhoria.

No estudo do PPC do Reino Unido verificou-se preocupação com a

comunicação pessoal do comandante de suas ordens para os seus subordinados.

Tal procedimento favoreceria a eficácia daquela decisão. Um estudo buscando

investigar o papel da liderança no respeito ao DICA poderia esclarecer melhor este

ponto, valendo-se, por exemplo, de grandes líderes militares da História e sua

postura em relação ao DICA.

No trabalho ficou clara a complexidade do direito internacional público e sua

influência nas operações, assim como a necessidade de que o comandante conjunto

tenha noções deste assunto. O Direito, assim como Relações Internacionais,

Estratégia e Política são disciplinas de que a formação do general do século XXI não

se pode olvidar. Assim, recomenda-se ainda um estudo aprofundado do que de

Direito Internacional Público o oficial em cada momento de sua carreira deva

conhecer, com olhos para uma atualização formal constante.

Por fim, a real implementação do DICA no Brasil tem inúmeras vertentes.

Espera-se que este trabalho tenha levado luzes a uma pequena, mas importante,

fresta neste rol de possibilidades. O DICA faz parte de um processo civilizatório do

mundo, em que se busca limitar os efeitos dos conflitos armados, e ao Brasil resta

apenas colaborar. Encerramos esta pesquisa convencidos de que nunca haverá

limites para o incremento do respeito à dignidade humana.

________________________________________

FREDERICO OTÁVIO SAWAF BATOULI - Major

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Francisco: ONU, 1945. PERES, C. R. e CÂMARA, H.F. A Escola do Método: um século pensando o Exército. Rio de Janeiro: BIBLIEx,2005.

PALMA, Najla Nassif. Direito Internacional Humanitário e Direito Penal Internacional. Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky, 2008. PARK, K. H; BONIS, D. F de; ABUD, M. R. Introdução ao estudo da administração. São Paulo: Pioneira, 1997.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional.

São Paulo: Saraiva, 2006. RANGEL, Anselmo dos Anjos . Estrutura Militar de Defesa e Sistemática de Planejamento Estratégico. Palestra proferida em 16 Fev 2011 na Escola de

Comando e Estado-Maior do Exército. RAPOSO, Carlos Antonio de Vasconcellos. Dez anos do Ministério da Defesa e Estratégia Nacional de Defesa. Palestra proferida em 19 Fev 2010 na Escola de

Comando e Estado-Maior do Exército.

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REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 19. Ed. São Paulo: Saraiva, 1991. REINO UNIDO. House of Commons. A Strong Britain in an Age of Uncertainty. Londres: The Parliamentary Bookshop: 2010. ______. Ministry of Defence. Joint Doctrine Publication 01 Campaigning. 2. Ed. Bicester: MOD, 2008. ______. Ministry of Defence. Joint Doctrine Publication 0-01.1 Glossary for Joint Operations. 2. Ed. Bicester: MOD, 2006. ______. Ministry of Defence. Joint Doctrine Publication 5-00 Campaign Planning. 2. Ed. Bicester: MOD, 2008. ______. Ministry of Defence. Defence Framework. Disponível em http://www.mod.uk/NR/rdonlyres/08C7EF38-F51E-4F6D-BBFB-C7ED8315E8B6/0/de fenceframework_dec10.pdf2. Acesso em 10 Fev 2011. REZEK, José Francisco. Direito internacional público curso elementar. 8ª

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http://www.cdocex.eb.mil.br/site_cdocex/Arquivos%20em%20PDF/Guerra_do_Paraguai.pdf. Acesso em 13 Fev 2011. SINGER, P.W. e LAURENCE, Jonathan. Tough times. Armed Forces Journal. Disponível em http://www.armedforcesjournal.com/2010/12/5062276. Acesso em 08 Fev 2011. SWINARSKI, Christophe. A norma e a guerra. Porto Alegre: Fabris,1991.

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259

TRINDADE, Antonio Augusto Cançado; PEYTRIGNET, G.; e RUIZ DE SANTIAGO, Jorge. As três vertentes da proteção internacional dos direitos da pessoa humana. Brasília: San José de Costa Rica: IIDH/ACNUR/CICV, 1996

THEOPHILO, Guilherme Cals Gaspar. Uma nova visão das Missões de Paz e a necessidade de maior participação do Brasil. Rio de Janeiro: DEE, 2009. TOMUSCHAT, Christian. Assassinato seletivo de Bin Laden é questionável no direito internacional. Disponível em http://www.dw-

world.de/dw/article/0,,15049758,00.html. Acesso em 05 Maio 2011. UNITED NATIONS. United Nations Treaty Collection. Coleção de Tratados das Nações Unidas - Status. Disponível em http://treaties.un.org/Pages/Participation

Status.aspx. Acesso em 02 Fev 2011. UNIVERSIDADE DE AMSTERDÃ. The Dachau Trials. Trials by U.S. Army Courts in Europe (1945 – 1948). Disponível em http://www1.jur.uva.nl/junsv/index.htm. Acesso em 10 Mar 2011. VALLADARES, Gabriel. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha e o DIH. Palestra proferida em 26 Fev 2010 na ECEME. VERMA, H. General von Moltke’s Value Matrix. Disponível em http://hverma.wordpress.com/2011/02/27/general-von-moltke%E2%80%99s-value-matrix/. Acesso em 10 Mar 2011. VERWEIJ, D. et al. Ethical Decision-Making in the Military Decision-Making Process. Disponível em http://pubs.drdc.gc.ca/PDFS/unc48/p524514.pdf. Acesso em 17 Jan 2010.

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ANEXO A – MODELO DE ROTEIRO DE ENTREVISTA

ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO

ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

PESQUISA DE CAMPO PARA TESE DE DOUTORADO (requisito para obtenção do título de Doutor em Ciências Militares)

ENTREVISTA

Objetivo: este questionário destina-se à coleta de dados para a tese de doutorado

do Major de Artilharia FREDERICO OTÁVIO SAWAF BATOULI, da Escola de

Comando e Estado-Maior do Exército com o tema O Direito Internacional dos

Conflitos Armados e sua Influência no Processo de Planejamento Conjunto

das Forças Armadas Brasileiras.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Considerando as seguintes premissas:

- ao longo da história, os campos de batalha migraram para os centros urbanos,

o que aumentou consideravelmente o efetivo de baixas civis nos conflitos;

- a cobertura em tempo real dos combates trouxe aos lares a discussão sobre o

respeito às pessoas não envolvidas nos combates e limites à aplicação da força;

- a comunidade internacional consagrou a responsabilidade individual de

pessoas acusadas de crimes de Guerra através do estabelecimento do Tribunal

Penal Internacional;

- as tendências doutrinárias atuais nas forças armadas mais desenvolvidas do

mundo indicam cada vez mais para uma integração entre as forças singulares por

meio das operações conjuntas;

- o Ministério da Defesa (MD) é uma instituição recente no Brasil, mas que

vem buscando ano a ano intensificar os exercícios conjuntos; uma novíssima

doutrina foi lançada em 2011;

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- fruto de tratados internacionais, a sociedade brasileira se envolveu na

discussão da implementação do Direito Internacional dos Conflitos Armados via

diretrizes presidenciais e do MD, esta última emanada em 2008. Isto indica que a

doutrina de Planejamento Operacional Conjunto atual ainda não foi analisada sob o

enfoque destas novas diretrizes;

- a Estratégia Nacional de Defesa (2008) entendeu que o País precisa estar apto

a assumir novos compromissos na área bélica, fruto de seu atual status político-

econômico;

- atualmente o processo de planejamento para operações conjuntas está previsto

no abrangendo três etapas: o exame de situação, a elaboração de planos e ordens e

o controle da situação. A primeira delas é que permite chegar à escolha da linha de

ação (LA157) mais favorável ao cumprimento da missão, que será consignada na

segunda etapa, de elaboração de planos e ordens. (Este trabalho se foca no Exame

de Situação).

Serão feitos questionamentos de forma aberta e com caráter discursivo, de maneira

que o entrevistado tenha a liberdade de expor suas idéias sobre o assunto. O

entrevistado deve ficar livre para acrescentar documentos ou quaisquer outras fontes

de conhecimento que julgue de relevo para sua resposta.

1) Na fase 1 do Exame de Situação - Análise da missão e considerações

preliminares, há um estudo de Dados Importantes do Problema. Aí se prevê

abordar os seguintes aspectos: políticos, econômicos, psicossociais, científico-

tecnológicos, da área de operações, os meios adjudicados, o inimigo, limitações e

hipóteses básicas. O (a) senhor (a) entende que o DICA deveria ser também

considerado como um dado importante do problema ? Por quê ?

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2) A fase 2 do Exame de Situação – A situação e sua compreensão; analisa

detalhadamente todos os dados relativos ao problema militar. Nesta fase há uma

análise das características da área de operações (A Op). A análise da A Op é

dividida pelo Manual MD 33-M-05 em fatores gerais e fatores fixos. Nos fatores

gerais, são previstos de se abordar fatores políticos, econômicos, psicossociais e

científico-tecnológicas. O (a) Sr (a) considera que fatores jurídicos relativos ao DICA

colaborem para elucidar características da A Op ?

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157 Linhas de ação - são conjuntos de ações ou operações que possibilitam o cumprimento da missão (BRASIL, 2001).

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3) Dentro dos fatores gerais da A Op, nos fatores políticos, há a menção a ―aspectos

do direito internacional‖, sem maiores detalhes. O manual prevê ainda que as

conclusões da fase 1 podem determinar a exclusão de alguns fatores na fase 2, o

que pode determinar que os aspectos do direito internacional não sejam estudados.

O (a) Sr (a) considera que a menção do termo ―aspectos do direito internacional‖

aponta precisamente para uma análise de DICA ?

Uma possível exclusão da análise dos ―aspectos do direito internacional‖ poderia

comprometer, à luz do DICA, a elaboração de uma Linha de Ação?

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4) Nos fatores fixos, estuda-se a hidrografia, terreno, clima, períodos de luar, pontos

de importância operacional, linhas de transporte, condições sanitárias, facilidades

operacionais e comunicações. No item condições sanitárias há a ressalva que

―seus possíveis efeitos na população nativa são importantes‖. No item pontos de

importância operacional, elencam-se linhas de geração de energia, represas e

outros. No item transporte prevê-se o estudo das rotas marítimas, terrestres e

aéreas existentes. À luz do DICA, seria necessária alguma atenção especial nestes

itens a fim de se garantir a elaboração de LA que considerem a proteção à

população civil ?

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5) Ainda na Fase 2 do Exame de Situação – A situação e sua compreensão há o

estudo detalhado do inimigo. Aproveitando-se do levantamento sumário feito na

Fase 1, deve o Estado-Maior estudar detalhadamente nesta fase:

a. suas manobras tradicionais em exercícios ultimamente executados;

b. a atualização de sua ordem de batalha,

c. alterações substanciais em sua mobilidade estratégica; e

d. atualização e modernização de seu sistema de mobilização e suas reais

possibilidades de apresentar novos meios no tempo estimado para as operações.

Tal estudo deve resultar em um mapeamento do inimigo contendo seu

dispositivo, composição, valor, atividades importantes, recentes e atuais e

peculiaridades e deficiências.

Assim, o (a) Sr (a) considera que o estudo da postura do inimigo em relação ao

DICA, seu nível de respeito histórico em relação a suas normas e o conhecimento de

quais tratados o inimigo reconhece poderiam servir de subsídios para se

caracterizar peculiaridades do inimigo ?

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6) Após coligir dados e obter conclusões, na chamada Fase 3 – Possibilidades do

inimigo, linhas de ação e análise, deve o Estado-Maior identificar e considerar as

Possibilidades do Inimigo e elaborar LA. Estas LA são submetidas à chamada Prova

de adequabilidade e provas preliminares de praticabilidade e aceitabilidade (ou

―prova de APA‖). Segundo o Manual MD 33-M-05, uma LA é aceitável se os

prováveis resultados compensam os custos estimados. Acrescenta ainda que as

perdas prováveis servem de base e que ―Tais perdas referem-se a pessoal, material,

tempo e posição‖ por parte das forças amigas.

Assim, o (a) Sr (a) acredita que tal ditame está satisfatório à luz do DICA ? Precisa

ser aperfeiçoado? Caso positivo, quais seriam as observações a respeito ?

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7) Na Fase 4 - Comparação das linhas de ação, deve o comandante selecionar a

melhor LA para o cumprimento da missão, após tabular as vantagens e

desvantagens de cada uma. Estabelece o Manual MD 33-M-05 ainda que o

comandante deve responder às seguintes perguntas neste trabalho:

a. Qual a LA mais ofensiva ou defensiva, de acordo com a natureza da(s) tarefa(s)?

b. Qual a LA que permite maior liberdade de ação?

c. Qual LA permite maior concentração de nossas forças, de maneira a obter

superioridade no momento e no local decisivos?

d. Qual LA permite obter a melhor unidade de comando?

e. Qual a LA que permite obter o maior grau de surpresa?

f. Qual a LA que implica em maior simplicidade de execução?

g. Qual a LA que menos depende de informações acerca do inimigo?

h. Qual a LA que menos depende das características da área de operações?

i. Qual a LA que mais favorece as futuras operações? e

j. Qual a LA que proporciona a melhor economia de meios?

O (a) Sr (a) acredita que o DICA foi adequadamente considerado nesta fase de

comparação das LA ?

Há algum aspecto do DICA que poderia ser inserido como pergunta para contribuir

com o convencimento do comandante quanto a qual a melhor LA levantada?

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8) Para esta pergunta, solicita-se ao entrevistado que desconsidere a

doutrina brasileira, passando a raciocinar em tese apenas, imaginando-se um

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exame de situação ideal, perfeito à luz do DICA. Quais são os elementos ou

aspectos do DICA que o Comandante, no seu planejamento, deve

necessariamente considerar no Exame de Situação ao eleger uma determinada

linha de ação?

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9) O (A) Sr (a) acredita que, com a atual doutrina de Planejamento Operacional

Conjunto das Forças Armadas Brasileiras, em especial no estabelecido para a

fase do Exame de Situação, possam sobrevir violações do Direito Internacional dos

Conflitos Armados ensejando responsabilidade criminal individual aos

comandantes de operações militares ? Comente sua resposta, por favor.

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10) De acordo com a doutrina de planejamento conjunto vigente no Ministério da

Defesa, em que nível o Brasil está preparado para empregar suas forças armadas

sem causar violações ao DICA ?

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11) Considerando principalmente a recente posição de destaque do Brasil no

contexto internacional, como o(a) Sr(a) enxerga o cuidado com o respeito ao DICA

no âmbito da doutrina de emprego conjunto brasileira, em comparação com o resto

do mundo ?

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12) Considerando a nova posição de destaque do Brasil no contexto internacional, o

DICA presente no processo de planejamento operacional conjunto das forças

armadas, em especial no Exame de Situação:

- precisa ser atualizado para encontrar o estado da arte do Direito

Internacional ?

- está adequado ao atual porte do País ?

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13) O(a) Sr(a) gostaria de realizar um comentário final ou mais algum comentário a

respeito do assunto ?

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14) O(a) Sr(a) indicaria outros especialistas que poderiam colaborar com esta

pesquisa ?

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OBRIGADO POR DEDICAR SEU TEMPO A ESTA PESQUISA!Para qualquer

necessidade adicional de informação: [email protected]

Brasil acima de tudo!

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ANEXO B - LISTA DE PESQUISADORES E AUTORIDADES CIVIS E MILITARES

- Gen Ex Sérgio Ernesto Alves Conforto, Exército Brasileiro. Atual Ministro do Superior Tribunal Militar. O Gen tem residência na cidade do Rio de Janeiro. - Gen Bda Américo Paysan Valdetaro Filho. Atual Chefe de Gabinete do Comando

Logístico do Exército Brasileiro. Antigo comandante da 4ª Bda Inf Mtz e possuidor de dois cursos na área do DICA. Palestrante convidado do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais. - Gen Div Arilcides de Moraes Motta. Antigo comandante da ECEME. Chefe do Projeto História Oral do Exército. - Professor Doutor Bruno de Moura Borges. PhD pela Universidade de Duke, EUA e mestre pela PUC-Rio. Professor convidado da AMAN e em outros EE civis. - Sr Michel Minnig, chefe da Delegação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha para o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. - Dr Gabriel Pablo Valladares, assessor jurídico do CICV para a Delegação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha para o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Advogado com ampla atuação no DICA, tendo participado como expositor em mais de uma centena de encontros internacionais para públicos civis, militares e policiais na Argentina, Bolívia, Brasil, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Chile, Espanha, Grécia, Guatemala, México, Paraguai, Peru, Reino Unido, Suíça e Uruguai. - Professor Luiz Mesquita. Mestre em Direito pela Universidade de Madrid. Ex-Chefe do Escritório da ONU para os Direitos Humanos na Guatemala e no Setor 2 da Missão da ONU no Sudão. - Professor Doutor Michael Byers. Ph.D. Cambridge University. Autor reconhecido internacionalmente. Autor do livro A Lei da Guerra, traduzido em mais de 5 (cinco) idiomas. - Professor Tarcísio Dal Maso Jardim. Professor de DICA da UnB. Consultor do Senado Federal para Relações Internacionais e Defesa. Observador Internacional da ONU para a Implementação do Estatuto de Roma de criação do TPI. - Dra Sylvia Steiner. Juíza do Tribunal Penal Internacional, desde 2002. Ex-procuradora e juíza federal. Especialista em Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário. - Embaixador Antonio Jose Vallim Guerreiro. Primeiro presidente da Comissão Nacional para Difusão e Implementação do DIH .Atual embaixador brasileiro da missão permanente do Brasil junto a ONU em Viena. - Professora Najla Nassif Palma. Promotora da Justiça Militar da União. Mestre em Direito Internacional Humanitário pela Universidade de Genebra, Suíça. Professora em diversos estabelecimentos de ensino, como a Escola Superior do Ministério Público da União, por exemplo. Palestrante convidada da ECEME.

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- Professor Antonio Carlos Gomes Facuri. Promotor da Justiça Militar da União. Diretor Jurídico da Associação Nacional do Ministério Público Militar. Professor de Direito Militar em diversos cursos, faculdades e organizações militares, como a Universidade da Força Aérea, por exemplo. - Ten Brig Ar Gilberto Antonio Saboya Burnier. Secretário de Política, Estratégia e

Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa. É o representante do MD na Comissão Nacional para Difusão e Implementação do DICA. - CMG Guilherme Sandoval Goes. Doutor em Direito. Chefe da Divisão de Assuntos

Geopolíticos e Relações Internacionais da Escola Superior de Guerra. - Cel Art QEMA Marcos Aurélio Barbosa dos Reis. Doutor em Ciências Militares pela ECEME e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. - Cel Inf QEMA Carlos Alberto Pacheco de Moraes. Membro da Divisão de Doutrina da ECEME e membro da equipe de organização do Exercício de Operação Conjunta AZUVER desde 2003. - Ten Cel Inf QEMA Marcos de Sá Affonso da Costa, oficial de Estado-Maior, Exército Brasileiro, mestre em ciências militares com concentração na área do DICA. Foi instrutor da ECEME e orientador de pesquisas científicas na área. - Maj Inf QEMA Carlos Frederico Gomes Cinelli. Mestre em ciências militares com concentração na área do DICA. Instrutor de DICA da ECEME e integrante da equipe de elaboração do Manual de DICA do MD.