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ESCOLA DA FÉ Paróquia Santo Antonio do Pari Aula 11: O que Jesus fez. 2ª parte. Frei Hipólito Martendal, OFM. São Paulo-SP, 23 de agosto de 2012.

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ESCOLA DA FÉParóquia Santo Antonio do Pari

Aula 11:O que Jesus fez.

2ª parte.

Frei Hipólito Martendal, OFM.São Paulo-SP, 23 de agosto de 2012.

revisãoda aula anterior.

1- Introdução.Na aula 10 desenvolvemos

brevemente que o Logos encarnou-se em Jesus para salvar o gênero

humano e para revelar-nos o quanto Deus é Amor e como Ele ama. Para mim, pessoalmente, o

aspecto mais tocante e profundo da natureza do amor de Deus por nós,

como vimos na aula 9, nº1, é a gratuidade da Encarnação e do

sacrifício na cruz.

Mas o livre imolar-se de Cristo, desta forma bárbara, tinha uma intenção pessoal que ia além da Redenção. Vimos que Deus tinha infinitas formas para nos redimir. Além de gratuito, o amor do Pai

precisava ser sem qualquer limitação ou ressalva. Tem de ser total porque isso é da natureza do

Pai.

2- Parábola dos trabalhadores da vinha (Mt 20, 1-16).

Anselm Grun, em “ A Fé dos Cristãos”, afirma que Romano

Guardini diz que “a essência do cristianismo não se encontra em uma determinada doutrina, mas

numa pessoa: na pessoa de Jesus Cristo” (p. 19-20).

Isso é fascinante. Nós cristãos não nos reportamos a um conjunto

cristalizado de crenças, mas a um corpo vivo de crenças sempre a

revelar novos elementos, aspectos surpreendentes, pois nossa Fébaseia-se na expressão sempre

viva de nosso amado Mestre, “que está conosco todos os dias”.

Realmente nossa fé é um tesouro onde sempre encontramos pérolas

novas.Vamos ler a parábola dos trabalhadores da vinha.

Embora eu costume dizer que não precisamos perder tempo em nos ocupar dos elementos materiais

com os quais a estória éconstituída, aqui vale a pena ater-nos mais em tais elementos, pois

eles dão mais colorido e sentido ao conto. Na parábola das Dez Moças

em que cinco delas se negam a repartir o óleo de suas lâmpadas,

não adianta discutir se elas deviam

ser solidárias ou não com as outras cinco. Poder-se-ia perguntar onde

ficou a caridade, o amor ao próximo de que Jesus tanto fala. Não. Se o

fizéssemos estaríamos distanciando-nos do ponto

essencial da parábola que é a espera, prudentemente preparada,

para receber o Filho do Homem quando Ele vier.

Na parábola de hoje o assunto éretribuição.

Para a situação ficar bem vívida em nossa mente, vou tentar descrever

melhor o cenário e os atores.

A cena começa na pracinha centralde uma pequena cidade. Era

comum os pequenos proprietários morarem em tais cidades por

questão de segurança. No tempo da ocupação romana havia um

fenômeno comum no império, que consistia na distribuição de

propriedades agrícolas para fixar soldados nos territórios

administrados por Roma.

Com isso surgiu o fenômeno dos sem-terra. Esses dependiam então

de serem ou não contratados. Esperavam serem contratados na

praça. Os salários eram pagos sempre diariamente. Então, um dia sem trabalho, principalmente para os mais pobres, significava um dia

sem pão na mesa da família.

Todos sabemos de que Senhor da vinha Mateus está falando.

Os profetas referiram-se muitas vezes a Javé como o cultivador de uvas. A vinha é sempre o povo de

Israel. Proponho para sua leitura sóduas passagens de Isaías: 5, 1-7 e

27, 2-5.

Os trabalhadores chamados para o eito somos nós, discípulos de

Jesus.É muito difícil encontrar alguém

que, ao ouvir essa narração, não sinta ao menos certo desconforto

com a injustiça do proprietário daquele parreiral.

Afinal, pagar o mesmo salário a quem trabalhou mais de dez horas e ao que o fez por uma hora não pode parecer

justo em qualquer sociedade organizada.

Mas acontece que o patrão aqui éo Pai de Jesus. O Mestre Jesusvive dizendo que as coisas e as pessoas no Reino de Deus são regidas de modo bem diferentedaquilo que observamos nas

organizações humanas, mesmo nas melhores delas. Por vezes, até

parece que nossa ordem social precisa ser colocada de cabeça

para baixo.

Não é muito fácil ouvir afirmações como: “se alguém quer ser o

primeiro, seja o último de todos e servo de todos” (Mt 9,35). Ou, “se

alguém quiser ser grande entre vós, seja o vosso servo. E, se

alguém quer ser o primeiro entre vós, seja o vosso escravo” (Mt

26,26).

O respeito e a retribuição pelos méritos de quem presta serviços é

uma conquista importante no combate a injustiças e

arbitrariedades. A principal medida dos méritos se dá pelos resultados alcançados. Isso em geral é muito bom. Mas aqui estamos lidando

com o amor de Deus e sua infinita misericórdia.

Deus não se contenta apenas em evitar injustiças. Quer o melhor

para todos.O operário que trabalhou uma hora apenas, como aquele convidado na

primeira hora, tem sua mulher e crianças, bocas famintas para

alimentar. Os primeiros trabalhadores, apesar do cansaço

e suor mais copiosos, tinham a certeza de que os problemas

daquele dia estavam resolvidos.

Quanto valem a segurança e a tranquilidade?

Enquanto os problemas dos primeiros já estavam resolvidos, os

outros, esperando na praça, deviam estar em angústia crescente a cada hora que

passava.Na verdade aqui há um elemento

novo, imponderado.

É a graça de você estar entre os primeiros e descobrir-se convidado

a integrar-se no projeto de implantação do Reino de Deus.

Isso é basicamente graça e precisa ser aceito de graça.

Contudo Bento XVI tem considerações imperdíveis sobre essas figuras que reclamam ao final da parábola, no livro “Do

Sentido de Ser Cristão” (editora Principia).

O ponto de partida para o Papa éfocalizar o desencanto dos

trabalhadores da primeira hora, quando descobriram que podiam ter recebido o mesmo pagamento trabalhando apenas uma hora. Os primeiros deviam considerar-se os

perfeitos idiotas segundo nossa lógica.

O segundo elemento que encanta nosso sucessor de Pedro é

constatar que “esta parábola não existe por causa dos trabalhadores

daquele tempo; ela existe por nossa causa” (op. cit. p. 44). Alude

a uma radical atualidade não apenas quanto ao seu conteúdo

básico, mas também nas circunstâncias atuais da vida na

Igreja.

O terceiro elemento que Ratzingeraponta é a descoberta que se faz em nosso tempos: “existem tantos outros caminhos para o Céu e a

Redenção” (op. cit. p.42).

Sua pergunta soa então perturbadora.

Diz ele:“a questão que nos inquieta é, em boa verdade, como é que ainda é

necessário que nós ainda estejamos de serviço à fé cristã;”

“como é que, quando existem tantos outros caminhos para o Céu e para Redenção, ainda nos seja exigido que tenhamos de suportar todo o peso do dogma da Igreja e do caráter da Igreja dia após dia”.

“E é assim que, a partir de um ponto de partida totalmente

diferente, nos vemos outra vez perante a mesma questão que

levantamos ontem*, na conversa com Deus, e com a qual nos

separamos:”* conforme a sequência das homilias que

constituem o livro citado.

Continuamos citando o Papa:“qual é, na realidade, a verdade

cristã, a realidade dos cristãos que extravasa o mero moralismo?

Em que reside a particularidade da cristandade que não só justifica,

como torna obrigatoriamente necessário sermos cristãos e

vivermos como cristãos”? (op. cit. pp. 42-43).

Os trabalhadores da vinha parecem que trabalharam com agrado e

alegria enquanto pensavam que as coisas deviam estar piores para os outros que não haviam conseguido

trabalho.

Em nossos dias seria mais ou menos como os católicos que só

sentem satisfação em cumprir com as obrigações exigidas pela fé, enquanto imaginam que são os únicos privilegiados, que tem a segurança da Salvação Eterna.

Que denário, meu caro!

Outro elemento perturbador apontado por Bento XVI está em os

primeiros trabalhadores da vinhaimaginarem que os outros estavam

em situação pior do que eles no parreiral.

Transpondo a situação para os nossos dias o Autor afirma que

“incorremos facilmente num estrabismo errado sobre a vida supostamente mais fácil e mais

cômoda dos outros, que também vão para o céu” (op. cit. p. 43).

Diz que somos semelhantes àqueles trabalhadores.

O Papa quer saber onde fomos buscar a idéia de que a vida sem

fé, sem os exercícios da vida cristã, sem suas obrigações, é melhor,

uma vez que tais pessoas podem salvar-se.

Eu respondo que ao menos treselementos estão em falta em nossa

vida cristã, no projeto de nos tornarmos imitadores de Cristo.O primeiro elemento, e o mais importante, é não entender a

gratuidade de todo o agir de Deus a nosso respeito e trazer essa

gratuidade para dentro de nossa história pessoal, para o cerne de

nossa existência.

Precisamos aprender a agir em tudo gratuitamente.

Sugiro voltar para a aula 9, nº 1, inciso 4.

É necessário praticar a vida cristã com tudo o que isso implica, até

mesmo sem pensar no Céu!Amar e ser amado de graça deve

ser a felicidade por si mesma.

Eu ouso dizer que, mesmo que Deus revelasse que tudo terminaria na morte, ainda assim eu precisaria encontrar alegria em saber que sou

amado por Deus e amar também gratuitamente!

Como desdobramento do primeiro elemento pensamos num segundo.

A Igreja em sua liturgia fala em antecipar, já aqui na sua vida

terrena, coisas que são próprias do Céu. Poderíamos elencar várias

dessas coisas ...

O Papa levanta a questão de que a Igreja, para além das restrições que

nos impõe no exercício de nossa individualidade e liberdade,

também “é para nós uma pátria espiritual, na qual estamos seguros na vida e na morte” (op. cit. p. 44).

O terceiro fator que pode levar alguém a achar que a vida sem fépode ser melhor, está em nossa

dificuldade de imaginar o quanto a Fé é básica para dar sentido à vida e à morte, numa palavra, à nossa

existência. O ser humano é um ser essencialmente necessitado de perceber o sentido nas coisas.

Até a sua saúde mental depende desse princípio.

Recomendo a leitura do livrinho de Viktor Frankl “Em busca de

Sentido”.Ou seja, ter fé é um acréscimo

fundamental. Não ter fé édeficiência.

Por fim Bento XVI mostra-se perturbado com a idéia de que

possam existir pessoas cristãs que incluem entre as razões para engajar-se com Cristo e na

construção de sua salvação eterna, a condição de que os outros sejam

condenados.

Afirma que a parábola da vinha tem para nós exatamente o sentido de mostrar quanto essa idéia é anti-

cristã.

Vamos ver aonde chegaram Sartre e São Francisco.

Sartre viu nos outros o inferno.Francisco viu nos outros, Irmãos

enviados por Deus!Sartre chegou a formular o

existencialismo na sua forma mais frustrante e desanimadora para nós. Francisco cantou a perfeita

alegria.