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636 Hoepers, Ação Católica na “Bis Saeculari Esclarecimentos Jurídico-Práticos sobre a Ação Católica na '“Bis Saeculari”. Pelo Pe. Dr. Frei Mateus Hoepers, O. F. M., Lente de Teologia Pastoral na Faculdade Teológica dos Franciscanos, Petrópolis, R. J. Um comunicado do “Osservatore Romano” de 8 de Dezem- bro de 1948 1 nos revela que a Constituição Apostólica Bis Sae- culari causou grande impressão no mundo inteiro, tanto de en- tusiasmo como de surpresa. A nota, que podemos considerar ofi- ciosa, declarou, entretanto, que “substancialmente” nela não há nada de novo, mas só o reconhecimento explícito, autoritativo e solene dum fato já existente. O Papa proclama que as Congregações Marianas, com toda razão, devem ser consideradas Ação Católica. A Constituição Apostólica se apresenta como um mosaico de citações documen- tárias com a manifesta intenção de não alterar o conceito de Ação Católica, como também de manter a natureza e as regras da Congregação Mariana. Para muitos isto foi tanto mais desnorteante, porque per- manecia a dúvida se o Papa usava o termo “Ação Católica” no sentido lato ou no sentido estrito, segundo a distinção geral- mente aceita do Manual de Ação Católica de Mons. C i v a r d i.2 que o Papa não usa esta terminologia, mas fala em Ação Católica, sem distinguir, será mister examinar o teor de sua argumentação a fim de elucidar o seu verdadeiro pensa- mento. No presente estudo nos propusemos contribuir algo para melhor compreensão das intenções e da vontade do Vigário de Cristo, na mesma atitude tão belamente expressa pela Comissão Episcopal: “no propósito decidido de sentir sempre com a Santa Igreja e de em tudo ser, irrestritamente, fiel às diretrizes do San- to Padre”. 3 1. As Congregações Marianas são Escolas de Santidade e de Espírito Apostólico para os Nossos Tempos. Comentando o primeiro fim essencial das Congregações Marianas, o Papa enaltece as suas regras e prescrições, “devido REB 1949, 148; texto da Const. Ap. REB 1948, 943, tradução em Lumen 1949, 26. -) C i v a r d i, trad. de Dr. Aires Ferreira, Lisboa 1934, 28. Doc. Pont. 55. = ) REB 1949, 214.

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Page 1: Esclarecimentos Jurídico-Práticos sobre a Ação Católica na ...20...manecia a dúvida se o Papa usava o termo “Ação Católica” no sentido lato ou no sentido estrito, segundo

636 H o e p e r s , Ação Católica na “ Bis Saeculari

Esclarecimentos Jurídico-Práticos sobre a Ação Católica na '“Bis Saeculari”.

Pelo Pe. Dr. Frei M a t e u s H o e p e r s , O. F. M., Lente de Teologia Pastoral na Faculdade Teológica dos Franciscanos, Petrópolis, R. J.

Um comunicado do “Osservatore Romano” de 8 de Dezem­bro de 1948 1 nos revela que a Constituição Apostólica Bis Sae- culari causou grande impressão no mundo inteiro, tanto de en­tusiasmo como de surpresa. A nota, que podemos considerar ofi­ciosa, declarou, entretanto, que “substancialmente” nela não há nada de novo, mas só o reconhecimento explícito, autoritativo e solene dum fato já existente.

O Papa proclama que as Congregações Marianas, com toda razão, devem ser consideradas Ação Católica. A Constituição Apostólica se apresenta como um mosaico de citações documen­tárias com a manifesta intenção de não alterar o conceito de Ação Católica, como também de manter a natureza e as regras da Congregação Mariana.

P ara muitos isto foi tanto mais desnorteante, porque per­manecia a dúvida se o Papa usava o termo “Ação Católica” no sentido lato ou no sentido estrito, segundo a distinção geral­mente aceita do Manual de Ação Católica de Mons. C i v a r d i.2

Já que o Papa não usa esta terminologia, mas fala em Ação Católica, sem distinguir, será mister examinar o teor de sua argumentação a fim de elucidar o seu verdadeiro pensa­mento. No presente estudo nos propusemos contribuir algo para melhor compreensão das intenções e da vontade do Vigário de Cristo, na mesma atitude tão belamente expressa pela Comissão Episcopal: “no propósito decidido de sentir sempre com a Santa Igreja e de em tudo ser, irrestritamente, fiel às diretrizes do San­to Padre” . 3

1. As Congregações Marianas são Escolas de Santidade e de Espírito Apostólico para os Nossos Tempos.

Comentando o primeiro fim essencial das Congregações Marianas, o Papa enaltece as suas regras e prescrições, “devido

REB 1949, 148; texto da Const. Ap. REB 1948, 943, tradução em Lumen 1949, 26.

-) C i v a r d i, trad. de Dr. Aires Ferreira, Lisboa 1934, 28. Doc. Pont. 55.

= ) REB 1949, 214.

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às quais os congregados são por assim dizer conduzidos pela mão até esta excelência de vida espiritual, a qual lhes permite atingir os cumes da santidade”. A capacidade de alimentar a vida interior e de formar o “tipo de perfeito varão católico” ele considera o seu mérito principal no passado como também ra­zão precípua de sua atualidade no meio da sub-alimentação e do depauperamento espiritual dos tempos modernos. Os meios de santificação são aqueles mesmos que Pio XI não se cansava de recomendar como fundamento necessário de Ação Católica, se­gundo o princípio: “santificar-se para santificar”. 4 Foi por este motivo que Pio XI punha suas melhores esperanças nas Con­gregações Marianas, como também na Ordem Terceira de São Francisco, para dar impulso e segurança à Ação Católica. Na alocução aos congregados de Roma, em 30 de Março de 1930, citada na Bis Saeculari, o S. Padre declarou 5: “O que se quer é que todas essas formas de bem possam e devam ajudar a ini­ciativa central desta Ação Católica. Do vosso meio, filhos dile- tíssimos tão numerosos e tão bem preparados, esperamos ver surgir os melhores germes para aquelas santas obras, e encon­trar em vós e por vosso meio, os melhores auxílios e subsídios. Mesmo continuando onde estais e conservando as obras, que vos devem ser sempre caras; mesmo ficando nessas formas, que vos foram, são e serão a tutela da mais consciente e fervorosa formação cristã e católica G; mesmo abrigados no regaço de vos­sa Mãe celeste, encontrareis tempo, encontrareis forças e modo de vos ajeitar nas falanges especiais, tão providencialmente dis­tribuídas para o bem comum, uma vez que a sagrada hierarquia tanto precisa da cooperação externa dos fiéis”. No mesmo dia dessa declaração do S. Padre, escrevia o então Cardeal Secre­tário de Estado Eugênio Pacelli ao Comendador Ciriaci, Presi­dente Geral da Ação Católica Italiana: “Além da Ação Católica propriamente dita, existem outras Instituições, Associações e Ini­ciativas que, com admirável variedade de organismos, tendem não só a uma cultura ascética mais intensa, às práticas de pie-

4) Cfr. G u e r r y , La Acción Católica, 12 sg. — Pio XII insisie na mesma recomendação na sua alocução programática à Ação Católica i a- liana a 4 de Setembro de 1940. REB 1941, 290 sg. ulo7

s) Apud S a n t i ni , S. J., Curso de Ação Católica, Ed. Vozes, u w , 172.

e 59.6) Esta frase é citada na nota 37 da Bis Saeculori. Cfr. notus

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ciade e de religião, particularmente ao apostolado de oração, mas também ao exercício de caridade cristã em todas as suas difu- sões e aplicações; promovem um eficacíssimo e largo apostola­do individual e social, com estas variadas organizações, apro­priadas a cada iniciativa, mas, por isso mesmo, diversas da or­ganização própria da Ação Católica” . Seguindo essas instruções da S. Sé, os Estatutos da Ação Católica Brasileira de 1935 in­seriram no artigo 17 o mandamento: “Os membros das associa­ções agregadas às confederações católicas serão encaminhadas a se inscreverem individualmente numa das organizações funda­mentais da Ação Católica Brasileira” . Os Estatutos de 1946, ar­tigo 14, § 2.°, expressamente se referem a estas “orientações da S. Sé” . A própria Bis Saeculari por isso enaltece como mé­rito especial que “em várias nações os primeiros núcleos de Ação Católica foram constituídos por membros das Congrega­ções Marianas, seguidos doutros membros que prosseguiram com ardor a mesma obra, e demonstraram assim que se podia com razão colocar os Congregados de Maria entre os princi­pais promotores da Ação Católica” . 8

Mas agora parece que Pio Xll pensa ter chegado o momen­to em que os Congregados possam exercer esta milícia nos pró­prios quadros da Congregação, sem se inscrever individualmente na organização central de Ação Católica. Pois ele nos surpreen­de com uma grande novidade:

2. As Congregações Marianas já possuem todas as características essenciais que distinguem a Ação Católica.

O P. R. O r t i z, no seu trabalho magistral aprovado na Gregoriana e na Universidade Lavai de Québec, conclui por uma análise dos documentos pontifícios serem quatro as caracte­rísticas que distinguem a Ação Católica 9: A Iaicidade e a uni­versalidade do apostolado, a organização hierárquica e o man­dato, sendo as primeiras duas “já compreendidas na definição”

: ) C i v a r d i, i. c., 29.‘j No dia 7 de Maio foi publicado no “Jornal do Comércio" um dis­

curso do Secretariado Central das Congregações Marianas, Roma, cm c;ut se dizia por causa desta observação da Bis Saeculari: “A Ação Ca­tólica nasceu do espírito e dos melhores elementos das Congregações Marianas seria um cont.vassenso negar a m ãe a natureza e o espírito da tiíi* de* nascida*’. ,!sio 'parece um ion lo retórico. Fjpís a Ação Gdólica ,nascei prvp** Co* fa*;?** quase um século desde

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e as duas últimas, “especificamente jurídicas", “apenas sugeri­das na definição e inequívocas nos documentos pontifícios”. Ve­jamos se são essas as características aplicadas às Congregações Marianas na Bis Saeculari.

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a) Laicidade.

Desde aquele angustioso apelo aos leigos fiéis no Concilio Vaticano10 *, tantas vezes renovado pelos Papas sucessores até hoje, ninguém mais põe em dúvida que a Ação Católica agrupa só leigos. Um artigo na “Nouvelle Revue Théologique” 12 le­vanta a questão, se a Ação Católica depois da Bis Saeculari não é mais necessariamente apostolado dos leigos por existirem tam­bém Congregações de sacerdotes. A resposta é dada com toda simplicidade: “Ce serait ici manifestement étendre trop loin les conlusions. Mais ces reflexions aideront à comprendre, comme le note le Souverain Pontife, qu’un danger réel d’erreur menace ceux qui voudraient des formules trop rigides, dans un sens comme dans 1’autre. L’Esprit de charité est aussi souple qu’universer. A Bis Saeculari define a Ação Católica “Christi fidelium aposta- latus. . . ” e quando começa a tratar do fim apostólico da Con­gregação Mariana, o Papa se refere ao zelo admirável de tantos fiéis: “tot Christifidelium mirum ubique gentium studium”. Não há dúvida que o Papa visa nestas expressões unicamente as Con­gregações constituídas por leigos e seria ridículo querer excluir as Congregações Marianas da Ação Católica, porque existem também Congregações para sacerdotes e seminaristas. Estas, por natureza, ficarão fora do quadro de Ação Católica.

b) apostolado omnimodo, sobretudo social.No tempo de Pio IX a “Ação comum dos católicos”, rinha

como fim a defesa contra os erros e os ataques à Igreja.12 Leão XIII 13 já mobilizou os leigos para a colaboração positiva no ensino religioso e a ação social e caritativa em beneficio do pro­letariado e de todos os necessitados. Pio X, enfim, na sua En-

i») Constituição Dei Filius, no fim. texto citado por Leão XIII u. Encidica Sapientiae christianae, Documentos Pontifícios, . <■ ■• • - ^

•>) l.es Congrégations Mariales. \ 'IgV, t > * "toUque ''Bis saeculMi" du 27 setembre I94N *T c c4 sg

Cfr. P. D a " iu. $. O A m o lad o Letso. to . A-> ** ^l.'actiou catluilique. libv. Bloud c day. ** **• . a ,)ítinuí(í.'») l ucidicas So#*«c«hue c, iusOne. Pontillcio*. V\\ W »m , Nr. UV tb- -’«>

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cíclica II {ermo proposito 14 alargou esses fins de Ação Católica, definindo a universalidade do seu apostolado: “O campo da Ação Católica é mui vasto, pois ela, por natureza, não exclui absolu­tamente nada de quanto, de qualquer modo, direta ou indireta­mente, pertence à missão divina da I g r e j a Mas Pio X, depois, na mesma Encíclica, insiste, de modo particular, na solução cris­tã da questão social proposta por Leão XIII: “E* de peremptória necessidade que a Ação Católica, valendo-se do momento opor­tuno, se ponha na vanguarda com galhardia, apresente sua so­lução e a faça valer como uma propaganda perseverante, ativa, adestrada, sistemática, de tal modo que oponha resistência direta à propagação da doutrina contrária” . Pio X exprimiu breve­mente o seu pensamento numa audiência às Conferências Vicen- tinas a 16 de Abril de 1909 15: “Se o apóstolo revestido de ca­ráter sacerdotal tem por função ensinar as verdades da fé e con- firmá-la por prodígios de caridade, encontra ele no apostolado leigo dos simples fiéis um poderoso auxílio” . De fato, todas as atividades da influência sobre as almas, tanto do sacerdote como do leigo, podem de algum modo reduzir-se às obras de miseri­córdia corporais e espirituais. Na Ação Católica isto se faz de modo organizado e metódico. Bento XV, como fiel discípulo de Leão XIII e anjo da paz, empenhado em curar as chagas da guerra, muito sublinha a nota social da Ação Católica. Mas Pio XI novamente não se cansa em proclamar que “o fim da Ação Católica coincide com a finalidade mesma da Igreja”. 16 Por este Papa das missões é dado sobretudo o lema da conquista e da reconquista das almas para o reino de Cristo. Pio XII na sua primeira alocução à Ação Católica Italiana 17 do mesmo modo diz que a missão da Ação Católica consiste em prestar seu concurso à consecução do próprio fim da Igreja: “cooperar na salvação das almas, e continuar através do tempo e do espaço a obra re­dentora de Nosso Senhor Jesus Cristo”. “Não è acaso a conver­são do mundo e a reunião dos povos no reino de Deus o excelso fim da Igreja e da Hierarquia Eclesiástica?” Mas ele também exorta de modo especial: “Ide aos humildes, aos pobres, aos doentes, aos infelizes, aos abandonados do mundo; ide para ele-

14) Documentos Pontifícios, Ed. Vozes, 38, 5.lL) D a b i n, O apostolado leigo, 86.1,;) F. L e l o t t e , S. J., Para realizar a Ação Católica, Agir 1948, 69,

multiplica os textos de Pio XI.17) REB 1941, 286.

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vá-los, como seus restauradores, seus consoladores, seus auxilia­res, seus animadores. Em suas desgraças, em seu trabalho, em suas dores, em sua solidão que sintam de perto o irmão que chora com eles, que comunga com suas desventuras e misérias, que é seu amigo na adversidade, que tem uma mão que os sustenta, uma palavra que lhes suaviza a falta de conforto, e lhes mostra, além da fugaz posse do tempo, os imutáveis bens da eternidade”. Na Bis Saeculari Pio XII se mostra muito empenhado em demons­trar pelas Regras, pela tradição do passado e pelas atividades no tempo presente que a Congregação possui este fim apostólico uni­versal: “quae inde ab origine tamquam sibi proprium legibusque suis apprime consonum opera apostólica quaecumque ab Ecclesia Matre com m endata.. . cum viritim tum coniunctim suscipienda proposuere”. E o Papa enaltece os grandes sucessos apostólicos não só no passado, mas ainda no presente, em todas as partes do mundo, por todos os gêneros de apostolado (in omne genus apostolatus).

Depois enumera os trabalhos apostólicos levados a efeito, ressaltando a sua nota social e caritativa, felicita os congregados pela fraterna colaboração que prestaram nas confederações ca­tólicas e pelo trabalho pioneiro na fundação da própria Ação Católica. De todos estes modos o S. Padre quer desenvolver dian­te de nossos olhos a capacidade das Congregações Marianas para o apostolado universal. E no ponto XI das conclusões legislativas proclama com toda precisão: Inter primários Congregationum fi­nes habendus est apostolatus omnimodus, socialis praesertim, pro Christi regno propagando Ecclesiaeque iuribus defendendis. . .

c) organização hierárquica e d) mandato.Diz o P. O r t i z nas suas conclusões: “A organização da

Ação Católica deve seguir à da hierarquia.. . O mandato — de- putação oficial pela qual a Ação Católica participa do aposto­lado hierárquico e os seus membros colaboram com a hierarquia — é dada aos membros por intermédio da instituição. Somente os leigos inscritos nos quadros da instituição — recebem o mandato”.

De fato, são dois conceitos correlativos. Pela organização se mobilizam as forças dispersas dos soldados de Cristo para es­tarem a serviço da hierarquia. Pelo mandato os soldados postos em linha de batalha recebem ordem de combate.

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Já Leão XIII expunha na encíclica Sapientiae christianae a necessidade de uma “ação coletiva e organizada”, “em estrei­tíssima união com os Bispos” . Mas foi Pio XI que a tornou realidade, tornando visível a união orgânica do Corpo Místico de Cristo, concatenando a atividade apostólica dos leigos com a atividade apostólica da hierarquia ou melhor fazendo o apos- iolado leigo um prolongamento e complemento do apostolado hie­rárquico. 18 Na Ação Católica o leigo já não trabalha mais por própria conta, mas sob a responsabilidade da hierarquia. Daí se compreende a distinção entre a ação de católicos dos que mili- tam como franco atiradores e Ação Católica dos que lutam em exército organizado sob o comando do general, isto é, sob ordens da hierarquia. Com este conceito concorda perfeitamente a de­finição de Pio XI adotada pela Bis Saeculari: “Christi fidelium apostolatus, qui suam Ecclesiae operam conferunt eiusque pastorali muneri complendo quodammodo auxiliantur” .

Diz o P . R. O r t i z 18 19: “Pode, excepcionalmente, dar-se o caso de alguma associação do c. 7 0 0 20 enquadrar-se dentro da definição pontifícia, exercendo um apostolado universal. Então seria possível aplicar-lhe estas palavras de T r o m p, S. J., so­bre a Ação C atólica21: “Differt etiam in puncto iuridice essen- tiali ab iis coetibus, qui quidem intendunt finem apostolicum uni- versalem socialem, sed tantum approbante et commendante hie­rarquia, non vero ex Ecclesiae mandato, e missione proprie dieta. Tales coetus in Actionem Catholicam organice posse inseri ipsa missione canônica data, nemo non videt”. P i c a r d 22 externa idêntica opinião nestes termos: “Certas confrarias correspondem de fato muito mais à definição de Ação Católica que à das obras de piedade. Nada impede, pois, que sejam incorporadas a uma Associação de Ação Católica” . Para que isso se verifique, entre­tanto, duas condições prévias são indispensáveis: a) organice in­seri, que tenham organização hierárquica; b) missione canônica data, que recebam da Hierarquia o mandato” .

18) Por isso o Conde Delia Torre chamou a Ação Católica uma Or­dem III da própria Igreja por ser o prolongamento e o braço forte do apostolado hierárquico. Cfr. D a b i n, O Apostolado Leigo, 16.

>9) REB 1948, 580.20) Triplex distinguitur in Ecclesia associationum species: tertii or-

dines saeculares, confratemitates, piae uniones.21) De actione Catholica in Corpore Christi, Romae, 1936, 9.22) Action catholique, dans Jacquemet, Dictionnaire de Sociologie. Pa­

ris, 1933, 4, IV.

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Aqui é 0 ponto preciso, em que a Bis Soeculari nos traz uma surpresa. O Papa não diz: Já que as Congregações Ma- rianas têm a finalidade idêntica com a da Ação Católica eu as incorporo às falanges da mesma e lhes dou o mandato, mas proclama que as Congregações Marianas como todas as demais associações de finalidade apostólica já dependem da hierarquia e militam sob as suas ordens.

O S. Padre faz quatro considerações: as primeiras duas es­peciais para as Congregações Marianas, e as duas últimas co­muns para todas as associações religiosas.

1) Com notável insistência o Papa alega o espírito de obe­diência à S. Sé Apostólica, cabeça e base de toda a organização eclesiástica, e aos Bispos “colocados pelo Espírito Santo à fren­te da Igreja de Deus” (Ap 20, 2 8 ), espírito esse concretizado na regra pela divisa do “sentir com a Igreja” e sempre vivo por uma gloriosa tradição dos congregados de Maria.

2) Quanto ao regime interno as Congregações Marianas de­pendem da hierarquia: Alguns poucos sodalícios 23 dependem do Papa, por intermédio da delegação dada ao Prepósito Geral da Companhia de Jesus. Os outros todos dependem do Bispo do lugar. Estes podem mesmo dar normas próprias que atinjam a vida interna, contanto não mudem a substância das regras, sendo estas a garantia para uma boa formação espiritual e apostólica.

Para desfazer completamente a impressão de que as Con­gregações sejam alguma coisa particular da Companhia de Je­sus, o Papa tem o cuidado de frisar: a) as Congregações Ma­rianas são eretas e fundadas pela própria Igreja por meio da Bula de Gregório XIII Omnipotentis Dei; b) a agregação dada pelo Geral da Companhia segundo o C. J. C. 722, § 2.°, não lhe confere qualquer direito sobre a dita Associação; c) a ori­gem que remonta à Companhia de Jesus e uma especial ligação com a mesma em nada impedem a submissão incondicional à hierarquia, porque foram justamente os filhos de S. Inácio que incutiram às Congregações Marianas esse espirito “do sentir com a Igreja” e não as fizeram servir a interesses de qualquer causa particular, mas ao proveito comum da Igreja.

3 ) Todas as associações religiosas dependem da hierarquia (V ), porque estão sujeitas ao Papa, que por direito divino, de­

23) Diz o artigo citado de Nouv. Rev. Théol. que são somente ã rc do total das Congregações Marianas.

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finido pelo Vaticano 24, tem a jurisdição suprema sobre todas as entidades da Igreja. Neste sentido as Ordens Terceiras sujeitas à jurisdição das respectivas Ordens também dependem do Papa e portanto da hierarquia da mesma forma quanto as Congrega­ções Marianas sujeitas à Companhia de Jesus.

4 ) Concernente ao apostolado externo absolutamente todas as Congregações M arianas — e o mesmo vale das demais as­sociações que têm fim apostólico — dependem do Bispo e tam­bém do pároco enquanto não houver isenção. Quanto ao Bispa o Papa aplica os dois cânones: 334, § l.° : “Episcopi residen- tiales sunt ordinarii et immediati pastores in dioecesibus sibí commissis” e 335, § l.° : “ lus ipsis et officium est gubernandi dioecesim tum in spiritualibus tum in temporalibus cum potestate legislativa, iudiciaria, coactiva ad normam sacrorum canonum”. Quanto ao Pároco aplica-se o Cân. 464, § l.°: “ Parochus ex of- ficio tenetur curam animarum exercere in omnes suos paroecia- nos, qui non sint legitime exempti” .

Este nos parece o “ovo de Colombo” da Bis Saeculari. Se­gundo um princípio geralmente admitido, a Ação Católica não se exerce dentro, mas fora da obra . 25 As atividades internas da as­sociação em vista da Ação Católica são formação e preparação. Também a Bis Saeculari define a Ação Católica: “Christifidelium ap o sto la tu s.. . ”

Atqui o apostolado externo depende da hierarquia, isto é, do Bispo e do Pároco.

Ergo todas as associações que exercem apostolado externo, o exercem sob a dependência e direção da hierarquia e portanto exercem Ação Católica.

De fato, todos os trabalhos apostólicos enumerados pela Bis Saeculari, como realizados pelas Congregações Marianas, são apostolado externo: 1) promover exercícios espirituais, es­pecialmente para jovens operários (subentendendo-se que não são membros da C ongregação), a fim de levá-los à virtude; 2 ) consolar infelizes nas dores morais e corporais; 3 ) propor boas leis sociais nos parlamentos, de acordo com o evangelho e a jus­tiça; 4 ) moralizar o teatro e o cinema; 5 ) trabalhar pela boa imprensa em livros e publicações periódicas; 6 ) manter escolas

24) E ’ citado o Cone. Cat., Sess. IV, Const. de Ecclesia Chnsti, cap. 3 e C. l . C. 218, § 2.

25) Cfr. L e l o t t e , 1. c., 86.

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gratuitas para crianças e adultos pobres como escolas técnicas e profissionais e outras para formar especialistas; 7) as obras es­pecializadas, promovidas por Congregações inter-paroquiais para grupos ligados por profissão ou disciplina.

Quanto às Congregações Marianas o Papa faz a aplicação: ' “quando se trata de empreender e prosseguir trabalhos apostóli­cos, estão submetidos à autoridade do seu Bispo e até algumas vezes do pároco” .

O mesmo se repete explicitamente no ponto legislativo VI. Daí o S. Padre deduz: “Quapropter, cum et ab Ecclesiastica Hie- rarchia inter apostolicae militiae copias excipiantur ab eaque in operibus adoriendis et perficiendis plane pendeant, iure merito- que, ut quondam notavimus 26, hierarchici apostolatus cooperatri- ces sunt dicendae”. Aqui expressamente se destacam os dois ele­mentos: a organização hierárquica, porque “são admitidas pela hierarquia como unidades da milícia apostólica” e o mandato, porque “dependem inteiramente da hierarquia na iniciativa e rea­lização dos trabalhos apostólicos” e se infere que com toda ra­zão devem ser chamadas “colaboradoras do apostolado hierár­quico”, isto é, Ação Católica.

A organização hierárquica o S. Padre toma no pleno senti­do da palavra, dando às Federações diocesanas um verdadeiro vinculo jurídico pela autoridade do Bispo27, constituindo assim •um verdadeiro exército sob o comando central dos sagrados pas­tores. Os termos são explícitos e insistentes: 1) Cum vis toia ca- tholicorum in unam veluti adem ordinatam coalescentium in sa- crorum Pastorum potestati obtemperatione reponenda s i t . . . 2) Cui arctae catholicorum hominum veluti militari unitati minime illud officit. . . 3) Ne in Dei regno propagando religionisque iu- ribus tutandis christianae militiae ordines dissipentur viresque

2G) Na alocução à A. C. I . 4 de Setembro 1940, cír. REB, 1941, 29!.27) O mesmo não se poderá dizer da Confederação nacional, per re­

ceber o mandato da Comissão episcopal, que não possui poder de juris­dição sobre as dioceses. Na Itália a Comissão Episcopal é diretameme nomeada pelo Papa, mas para representar todo o Episcopado italiano. No Brasil ela é constituída pelo mandato coletivo do Episcopado nacional, mas por ordem do Papa e segundo os estatutos que devem ser aprovados pelo Papa. Nos Estados Unidos todo o Episcopado nacional se reúne iodos os anos e elege a Comissão Episcopal. Em obediência ao Papa os Bispos conjugam as suas forças para um fim comum. A Junta nacional e as di­retorias nacionais são centros orientadores e impulsores. A execução nas dioceses depende do Placet do Bispo diocesano. Depois de dado este, 4ambém há verdadeiro vinculo jurídico.

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cnerventur, mariani sodales, maiorum vestigiis ipsique hodiernae agendi rationi fideliter insistentes, in apostolicis operibus susci- ptendis et prosequendis, m em inerint.. . (V I) Segue a afirmação do poder jurídico do Ordinário do lugar e da autoridade do P á­roco. Portanto não se pode mais sustentar a doutrina comum até a Bis Saeculari de que o conselho da Federação, apesar de re­presentar o Bispo junto das Congregações federadas, só iem o direito de “orientar, aconselhar e auxiliar” e “de fomentar e es­treitar tão-sòmente os laços de amor fraterno” . 28 Quanto ao apostolado externo não haverá mais autonomia local, mas verda­deira subordinação jurídica às ordens superiores da Federação diocesana e da Confederação nacional que promana do poder episcopal.

O mandato, como vimos, é um conceito correlativo à organi­zação hierárquica. Pois seria tempo perdido pôr um exército em linha de batalha, se não recebesse ordem de combater. Mas a Bis Saeculari é muito explícita em afirmá-lo. Além do texto aci­ma citado, há os seguintes: 1) No ponto XI em que se conden­sam todos os elementos que definem as Congregações Mananas como forma especial de Ação Católica: apostolatus.. . “ab ipsa ecclesiastica Hierarchia eisdem demandatus; 2 ) No corpo da ar­gumentação ocorrem os termos: ecclesiastica hierarchia auspice et duce in laboribus ad maiorem Dei gloriam animarumque bonum suscipiendis constanterque perferendis; Episcopis auctoribus et ducibus; sacris Pastoribus praesidibus.

Parece-nos, portanto, evidenciado que o Papa atribui às Congregações Marianas as características essenciais da Ação Ca­tólica in sensu stricto: a laicidade, o apostolado universal, orga­nização hierárquica e mandato. Diante disso resta-nos ainda, co­mo corolário, examinar a posição do diretor em relação à Con­gregação Mariana como “colaboradora do apostolado hierár­quico”.

e) O diretor em funções de assistente eclesiástico.E ’ considerado um ponto essencial na estrutura das Con­

gregações Marianas terem um sacerdote como verdadeiro Diretor com plenos p o d e r e s .E * ele a autoridade imediata de que to­dos os congregados dependem, inclusive o Presidente e os de- * **)

**) Cfr. S a n t i n i , 1. c.f 125. , . „ _ . . . .**) S a n t i n i , 1. c., 138 sg. Cfr. “Jornal do Comercio — 7 de Maio

de 1ÍM9 — Aloc. do Secr. Central das Congregações Mananas.

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niâis 0ÍIC131S da diretoria; é o responsável pelo cumprimento das finalidades da Congregação: o espírito mariano, a formação para a vida interior e as obras de apostolado; é o responsável pela seleção dos membros; ele admite, exclui e tem a última palavra em todas as decisões.

Também a Bis Saeculari afirma esta característica no ponto VII, logo depois de estabelecer a organização hierárquica no ponto VI. Mas é mister não preterir as importantes ressalvas que confinam essa plenitude de poderes.

1) in ipsa Congregationis vita interna plena fruitur potesta- te. Quanto ao apostolado externo, pois, acabava-se de declarar no ponto anterior que absolutamente todas as Congregações, mesmo aquelas sujeitas à jurisdição da Companhia de Jesus, de­pendem da hierarquia, isto é, do Bispo e do Pároco dentro do território paroquial.

2 ) quamquam legitimis Superioribus ecclesiasticis omnino subicitur, isto é, quanto à vida interna da Congregação àquele Superior que legitimamente o nomeou (moderator legitime re- nuntiatus), quanto ao apostolado externo sempre à hierarquia, seja ao pároco seja ao Bispo. Sendo o pároco o diretor nato de uma Congregação paroquial (VI b 10), outro diretor nomeado só poderá ser o representante dele, sobretudo para o apostolado externo. E como o pároco, também o diretor está sujeito às or­dens vindas da federação diocesana ou da confederação nacional por promanarem do poder episcopal.

3) plena fruitur potestate, quam plerumque per sodales sibi muneris adiutores adscitos exercere convenit. Mesmo na vida in­terna da Congregação isto sempre foi, desde os tempos da fun­dação, um sábio método de organização e educação: dar respon­sabilidades aos próprios congregados. Dividir e distribuir o tra­balho para aumentar a eficiência e dar uma certa liberdade de ação para estimular o interesse e o espírito de iniciativa. O P. Walter M a r i a u x, S. J., no l.° Congresso Mariano Nacional de Petrópolis, deu ótimas instruções sobre isso. Quanto ao aposto­lado externo uma certa autonomia de ação c imprescindível, pre­cisamente por ela se exercer fora da obra, isto é, longe do Di­retor. E ’ o que na terminologia da Ação Católica se chama ver- dadeira direção na ordem de execução. Concernente à Ação Ca­tólica no apostolado externo da Congregação, portanto, esta di-

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reção também deve ser dada à diretoria leiga responsável pela respectiva ação. Isto decorre da própria natureza das coisas.

Por estas ressalvas da Bis Saeculari a posição do Diretor se aproxima em tudo à do assistente eclesiástico de Ação Ca­tólica. E ’ opinião vulgar que este goza de uma autoridade um tanto precária por não ser diretor dos quadros organizados hie­rarquicamente, e que se dá aos leigos uma posição perigosa­mente independente. E ’ um equívoco. O estudo do P. R. O r t i z 30 traz uma citação de M i c h e 1 e 11 i 31 que claramente define a posição jurídica do assistente eclesiástico, a) quoad ius: non est director suae associationis, sed tantummodo: l.° Auctoritatis ec- clesiasticae vice fungens; 2.° Moralis consultor Praesidentiae; 3.° Orthodoxiae associationis suae tutor; 4.° et anima; 5.° Angelus tu- telaris consociatorum et praesertim, eorum conscientiae fictor in- stitutorque est; 6.° ab ordinário eligitur vel saltem approbatur, et si ipse loci parochus non sit, hunc semper directe ac immediate in universa associationis vita repraesentat, cui debitum obsequium ac oboedientiam sinceram praestabit. Quum vero diversimode sentiat, dissonantiam suam nunquam sociis manifestet et quam- primurn auferre satagat, ne centrum infectionis paroeciae asso­ciado efficiatur” .

O assistente de Ação Católica não é diretor que aja em próprio nome, mas exerce todas as suas funções em nome da autoridade hierárquica que representa, seja o Bispo seja o pá­roco. E ’ desta hierarquia que os leigos dependem de tal modo que sem essa dependência total não há Ação Católica. O Car­deal C a g g i a n o, numa conferência em Porto Alegre, compa­rou a posição do assistente diocesano com a do vigário geral que, exercendo a sua autoridade vicária, em tudo deve agir de acordo com as instruções e a vontade do Bispo. Da mesma for­ma, quanto às iniciativas paroquiais, o assistente paroquial só pode agir na pessoa do pároco. O Cardeal Caggiano delicada­mente corrigiu o art. 16 dos estatutos da Ação Católica Brasilei­ra: “O pároco, na própria paróquia, é o Assistente nato da Ação Católica”, dizendo: “O pároco é hierarquia , ainda que em su­bordinação ao Bispo, segundo o Canon 451 : "cui paroecia col-

t í ) KLD ly^O, 0/0. . . II3I) M i c h e l e t t i , A. M., Epitome Theoiogiae pastorahs, II, Komat,

Taurini, 1929, 178.

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Uta est ia titulura «n, cur. ,ut „rMrdate exercendd, w

Revista Ectoiástie. Br asilei,,, vol 3 Wi|i||>io J m ^

Os pontos 2, 3, 4, 5 da citação de Micheletti assinalam a plena responsabilidade do assistente eclesiástico quanto ã for­mação doutrinária, espiritual e apostólica dos acistas. Esta ele exerce em nome da hierarquia, mas por isso não deixa de ser plena e tão plena como a do diretor de uma congregação E ’ sobretudo o termo usado por Pio XI: “alma da associação” que melhor exprime a sua responsabilidade na Ação Católica, como “fonte de zelo, educador das consciências, propulsor das inicia­tivas, princípio de vida e de unidade”. Mas também se deve no­tar esta outra observação de Mons. C i v a r d i : A alma vivifica, conserva, move, mas não dispensa o corpo e os seus órgãos. nem elimina as suas funções específicas. Também na Ação Ca­tólica, o sacerdote guia e move os órgãos diretivos, mas não os substitui” .

O Cardeal C a g g i a n o, ampliando essa mesma compara­ção, salientou* que além da direção do corpo pela consciência e a vontade, há uma certa autonomia das funções vegetativas do estômago, do coração, das glândulas, etc. E ’ só quando es*es órgãos estão doentes que sentimos a sua existência; enquanto normais, deles nem nos lembramos. De modo semelhante os lei­gos na ordem de execução devem possuir uma certa liberdade de organizar as influências dentro do próprio meio de vida, frequen­temente estranho ao clero. Nesta organização o leigo muiias ve­zes pode usar conhecimentos técnicos de sua profissão que o sa­cerdote não possui.32

Mas mesmo nesta ordem de execução o leigo não pode nem deve ficar sòzinho. Quando surgem dúvidas de ordem moral. in­correções doutrinárias, perigos para a alma, ele deve encontrar no assistente um conselheiro, um censor, um anjo tutelar. Quan­to a isso, a responsabilidade do assistente é muito grande. Pois pelo mandato o leigo arrasta consigo a responsabilidade da hie-

*2) Não basta que o Bispo ou o pároco lance uma _ e ^que todos devem trabalhar. Depois de dada a ordem « f^ aAda? tivas, são as diretorias leigas que organizam a; e.■ '1S ^ccsana com as diretorias diocesanas ou a, fouUs v0‘iantes dè pro-retorias paroquiais, fazendo programas, fo,he^ militantes. Sena umpaganda, orientando o trabalho coletivo de todos m.Wante* .eerro querer encarregar deste trabalho os ^ lhesexecução, só têm a função de aprovar ou \t - • . = cavdica.devem sér apresentados. De outra forma não havería mai> asao

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rarquia em cujo nome procede a sua Ação Católica. O leigo não possui formação teológica — e por isso fàcilmente escapam in­correções. O assistente deverá corrigi-las como censor eclesiásti­co, antes que tenham publicidade.

Diz o Cônego C a r d i j n : “Quais assistentes, tais dirigen­t e s . . . Tais dirigentes, tal Juventude Operária Católica. O des­tino da Juventude Operária Católica, da Ação Católica está nas mãos dos assistentes, do clero. Seu papel se exprime por uma fórmula muito simples: Tudo pelos o p e rá rio s ... Nada sem os assistentes!” 38 E ’ só na base de uma mútua confiança que se pode fazer Ação Católica e no mesmo espírito também o diretor deverá “dirigir” os seus leigos para a ação, se ele não quer ma­tar tudo em germe. Diz o P. D a b i n, S. J., no sentido de Pio X I: “Um erro prático consiste em atribuir o triunfo da Igreja apenas à hierarquia, excluindo o Laicato da sua parte nesse pe­sado encargo que lhe cabe de fato” . 33 34 O Cônego C a r d i j n exprime o mesmo pensamento com muita verdade e precisão35: “ Há para a Igreja um duplo perigo: o laicismo e*o clericalisnw. No primeiro caso, são os leigos que não querem o clero; no se­gundo, os padres que não querem os leigos, mas pretendem tudo fazer, por si próprios, na igreja. Entre esse dúplice escolho acha- se a solução: o laicato da Ação Católica” .

O bom diretor, com a plenitude dos poderes, na vida inter­na da Congregação, não só deve fazer, mas ele faz fazer e tudo que os Congregados podem fazer, dentro e fora da Congrega­ção, ele não faz, mas ensina, ajuda e encoraja a fazer. E ele mes­mo deve procurar e encontrar o seu conselheiro, censor, o seu anjo tutelar e a força de sua autoridade no pároco ou no Bispo. Nihil sine parocho! Nihil sine Episcopo! Assim ele descarrega o peso de sua responsabilidade no hierarca que representa. Pois em úl­tima análise a vida ou a morte da Ação Católica numa paróquia depende do pároco, e numa diocese depende do Bispo. São as realidades do Corpo Místico de Cristo que se tornam visíveis na

Ação Católica.

33) Cardijn na América, S. Paulo, Secretariado da Juventude Operá­ria Católica, 47.

34) D a b i n, O Apostolado Leigo, 92.35> C a r d i j n, 1. c., 50.

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3. A Ação Católica é unidade na multiplicidade de formas e de métodos.Depois de assentar que “não se pode negar às Congrega­

ções Marianas nenhuma das características que distinguem a Ação Católica” e que elas correspondem perfeitamente à defini­ção que determinam a essência da mesma, o S. Padre faz umas indicações muito preciosas sobre a diversidade de formas e mé­todos que brotam, numa inexaurível fecundidade, da vida super- abundante do Corpo Místico de C risto.36

O Catolicismo é universalidade também no sentido de que afirma e sabe aproveitar toda a verdade de ordem natural e sobrenatural.37 38 Na defesa da verdade revelada a Igreja é in­transigente, não deixando perder nem um ceitil do riquíssimo te­souro que recebeu a guardar no depósito da fé.

Essas verdades, no entanto, não nos foram dadas tão-sò- mente para alimentar a curiosidade, mas para serem valores vi­tais. Elas são poderosas realidades que nos devem le­var ao amor e pelo amor à ação da caridade. Elas penetram no coração pelo afeto, formam convicções profundas, plasmam per­sonalidades conscientes e ricas e estas se tornam capazes de dar um impulso para o bem a uma multidão de homens.

A estreiteza da consciência humana, porém, não nos permite que todo o conjunto de verdades de modo atual esteja presente em nós. Cada um tem o seu ponto de vista. São fragmentos da plenitude católica que atuam sobre as nossas vontades e produ­zem esta grande variação de espiritualidades.3S A Igreja, como é intransigente quanto à doutrina, também “é de uma condescen­dência infinita para com as almas; respeita-lhes a liberdade, os gostos, as inclinações. No seu místico jardim não medra apenas uma única espécie de flores, antes as quer múltiplas e varie- gadas”. 39

Grandes personalidades, como são os Santos na Igreja, dão grandes impulsos à vida do Corpo Místico, determinando escolas, movimentos, Ordens ou Congregações, tanto para o fervor duma intensa vida cristã como para a ação do apostolado em todas

3G) Esta verdade foi muito bem explicada por P. M. T.-L. Penido, O Corpo Místico de Cristo, Ed. Vozes, 1947, 299 sg.

37) Cfr. K. A d a m , A essência do catolicismo, Ed. Vozes, 194-,138 sg. . . . ,

38) Veja-se a lista de grande número de escolas de espiritualidade na introdução de Ad. T a n q u e r e y , Compêndio de Teol. Asc. e Mística.

3y) P e n i d o, 1. c., 299 sg.

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as formas de obras de misericórdia corporal e espiritual. Ado­tando uma terminologia corrente de poderosos movimentos mo­dernos, fala-se hoje na Ação Católica de uma mística e uma técnica. A mística significa o conjunto de idéias capaz de pro­duzir a força passional do amor e dedicação e que determina a forma de uma espiritualidade católica. A técnica significa o con­junto de métodos empregados na ação coordenada do movimen­to, métodos esses que geralmente nascem da variedade de ne­cessidades dos tempos e meios de vida. A mística é como a alma, a técnica como o corpo do movimento.

Na Bis Saeculari se proclama a multiplicidade de formas e de métodos na Ação Católica. E ’ o que decorre do dogma do Corpo Místico de Cristo: a unidade na variedade, a própria be­leza da Igreja. Sigamos o pensamento do S. Padre.

a) As C ongregações M arianas são uma form a peculiar de Ação Católica com os seus m étodos próprios e sem pre atuais para o nosso tempo

A força passional de amor que dá o impulso à formação es­piritual como à atividade apostólica da Congregação, é “a de­voção a Maria e de modo particular a consagração total e defi­nitiva da própria pessoa à dependência e proteção da Bem-aven­turada Virgem Mãe de Deus” . O S. Padre volta a insistir nesta nota característica, tanto quando fala da formação espiritual, co­mo quando especifica o apostolado.

Pela consagração a Maria (VIII) o congregado assume o compromisso “de trabalhar com todas as forças na própria per­feição cristã e salvação eterna e na dos outros sob o estandarte da Bem-aventurada Virgem Maria; em virtude desta consagra­ção, o associado fica para sempre ligado à causa da Bem-aven­turada Virgem Maria, a não ser que seja afastado por indigni­dade ou, por ânimo leve, deserte da associação”.

Fiéis a este compromisso, os congregados merecem “o título de infatigáveis arautos da Virgem Mãe de Deus e de propaga­dores eminentes do reino de Cristo” .

Mas a consagração não é só compromisso unilateral. Ela é correspondida pelo mais carinhoso Patrocínio desta Mãe de bon­dade e misericórdia. Unindo os seus esforços com a Rainha dos Apóstolos, Medianeira de todas as graças, Esmagadora da Ser­pente, a Vencedora das heresias em todo o mundo, os congre­gados se tornam certos dos maiores triunfos na batalha pelo rei-

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653no de Maria, idêntico com o reino de Cristo e de Deus.40 Por esta nota de conjugação com o poder de Maria, o S. Padre de­fine o apostolado das Congregações Marianas como “Ação Ca­tólica, empreendida sob o patrocínio e a inspiração da Bem- aventurada Virgem Maria” .

Como outra nota peculiar, essencial às Congregações Ma­rianas, o S. Padre destaca a observância das regras. Ela é "ne­cessária, pelo menos no substancial, para obter a agregação” ; ela é e será sempre a "defesa e proteção de uma formação ca­tólica mais esclarecida das almas”. E ’ esta observância fiel das regras que também as torna atuais, não só fomentando a vida interior que tanto falta na dissipação dos tempos modernos, mas também pelo método de preparar o apostolado. Nas reuniões se acende a chama de zelo apostólico. E é nas secções e academias que podem especializar-se os apóstolos para os serviços de to­dos os departamentos de Ação Católica no âmbito diocesano como nacional, serviços esses enumerados um por um na Bis Saeculari como obras de apostolado externo realizadas pelas Con­gregações Marianas.

E ’ por esta técnica moderna de especialização que podem formar-se os apóstolos de imprensa, cinema, teatro, rádio, cate­cismo, ação social, defesa da fé e moral e das vocações sacer­dotais. Em Congregações para estudantes, mesmo, poderão for­mar-se os defensores da Igreja nos parlamentos, a fim de pro­mover leis cristãs no Estado.

Espírito mariano e os métodos de formação e apostolado: eis a mística e técnica, a alma e o corpo das Congregações A\a- rianas.41 Longe de serem um impedimento para a Ação Cató­lica, são pelo contrário o segredo de sua força e eficácia. E ’ por isso que o Papa os considera essenciais para uma autêntica Congregação Mariana. De modo acidental podem ser diferentes (V ), adaptando-se às necessidades dos tempos e lugares e meios42, mas sempre conservando o que lhes é próprio e es-

10) Cfr. Radiomensagem de Pio XII à Fátima em 13 de .Maio de 1947, REB 1947, 177 sg. “E o seu reino é vasto como o de seu Fiiho e Deus, pois que de seu domínio nada se exclui”.

11) O P. A. R o d r i g u e s , S. J., diretor da Confederarão Nacional das Congregações Marianas, no Congresso Nacional em Petrópolis muiro insistia nesta mística e técnica das Congregações.

t2) Para cumprir os desejos do S. Padre de uma fraterna colaoora- ção com a Ação Católica, nada impede que unia Congregação num meio operário tenha uma secção de Juventude Operária Católica que talvez soo

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sencial. 0 S. Padre explanou este seu pensamento nas numero­sas alocuções e mensagens a Congregados Marianos das diver­sas partes do mundo, citadas na Bis Saeculari. A mais impor­tante é a radiomensagem ao Congresso Mariano de Barcelona em 25 de Março de 194 7 43, em que Pio XII se exprime com muita precisão sobre o nosso ponto: “Nas congregações dessa católica Nação, que as acolheu com tanto amor, tendes um exem­plo de grande variedade dentro da unidade essencial que elas podem revestir, adaptando-se dia por dia com bastante flexibi­lidade às mais diversas necessidades da Igreja e às circunstân­cias mais diferentes do momento atual, contanto que sejam sem­pre fiéis às suas formas essenciais de espiritualidade e de apos- talado. Quantas vezes, tanto Nosso predecessor de gloriosa me­mória, quanto Nós mesmo, temos recordado a rica tradição e a eficácia atual das Congregações Marianas, assim como os im­periosos deveres que na hora presente pesam sobre elas e so­bre as demais organizações semelhantes quanto à formação es­piritual dos seus membros e quanto ao intenso exercício de apos- tolado; e tantas outras vezes tivemos também ocasião de decla­rar que a Congregação Mariana, ao colaborar fraternalmente com todos pelo causa de Deus e o bem das almas, pode conser­var-se sempre fiel às suas formas e características próprias”. E ’ o que a Bis Saeculari também acrescenta às notas comuns com a Ação Católica, no ponto X I . . . “ad quam veram plenamque cum apostolatu hierarchico cooperationem praestandam propriae Sodalitatum normae ad huiusmodi cooperationis modos pertinen­tes nullatenus sunt variandae aut innovandae” .

Além das notas características essenciais à Ação Católica, portanto, as Congregações Marianas têm as suas características que constituem o essencial de uma Congregação Mariana, as quais, porém, não são impedimento nenhum para que sejam ver­dadeira Ação Católica.

b) Há uma variedade de form as e de m étodos na Ação Católica.

Pelos calorosos elogios do S. Padre às Congregações Ma­rianas, alguém poderia ter a impressão de que elas deverão ser­vir de padrão único para a mística e técnica de Ação Católica

a orientação do mesmo assistente eclesiástico coopere com os jocistas do lugar, que uma Congregação de estudantes tenha uma secção de JEC que colabore com os jecistas do Colégio.

« ) A AS, Dez. 1947, 632 sg.

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— e que agora todos deverão tomá-las como modelo de forma­ção e de apostolado. Mas seria precisamente cair no erro que o S. Padre severamente condena de querer reduzir tudo à mesma forma. Seria tão tolo, como se alguém, depois dos encômios do S. Padre sobre a atualidade dos capuchinhos 14, quisesse susten­tar que também os beneditinos e jesuítas tivessem que tomá-los como modelo de formação e de apostolado. “Se o corpo todo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se fosse todo ouvido, onde estaria o olfato? Mas agora Deus pôs os membros no corpo, cada um como lhe aprouve” (1 Cor 12, 17-18).

Na radiomensagem a Barcelona, o S. Padre faz referência à importante missão e tremenda responsabilidade de associações congêneres às Congregações Marianas. Nos estritos limites deste artigo não nos podemos estender sobre a grande variedade de Ordens Terceiras, Pias Uniões e Confrarias, que todas elas têm a sua espiritualidade peculiar e os seus métodos de ação, a sua mística e técnica, prestando cada uma a sua contribuição nas funções do todo, no Corpo Místico de Cristo. O que mais nos interessa no presente estudo é fazer a comparação com a íorma nova de Ação Católica, criada pela atuação dos últimos Papas santos e sábios desde Pio IX até Pio XI, e que o S. Padre glo­riosamente reinante considera “a forma nobilíssima de colabora­ção” e a sua “cara e preciosa herança”. 45 Ninguém pode pôr em dúvida a excelência da mística e técnica peculiares às Congre­gações Marianas. Mas a plenitude católica e as necessidades do tempo moderno suscitaram uma nova forma que poderemos cha­mar a mística da Igreja e um novo método que poderiamos ca­racterizar como aquele do evangelho e dos tempos apostólicos.

No meio da apostasia laicista, em que “leigo” tomou o sen­tido de negador e inimigo da Igreja, de Cristo e de Deus. era preciso que os fiéis fossem levados a amar apaixonadameme a Igreja e a Cristo presente na Igreja, especialmente na Euca.istia, e a prestar culto a Deus com Cristo e a Igreja por uma intima participação na liturgia. Era mister despertar os leigos do es­tado letárgico de mera passividade, torná-los membros ativos do Corpo Místico de Cristo, conscientes de sua dignidade de sa­cerdócio universal46 conferida pelo batismo e pela crisma, de

H) Carta do S. Padre ao Ministro Geral dos Capuchinhos, REB 1949. 210 sg.

46) REB 1941, 291.46) Cfr. P e n i d o , 1. c., 255 sg. O Papa Pio XI não so aplica o sa-

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sua responsabilidade como membros e soldados de Cristo, de sua solidariedade pelo mandamento da caridade cristã.

A doutrina do Corpo Místico, a renovação litúrgica e a in­tensa vida eucarística são grandes idéias em marcha que reve­lam os tesouros sobrenaturais da Igreja. A festa do Sagrado Coração de Jesus em que se comemora o nascimento da Igreja do lado de Cristo, a festa de Cristo Rei em que todos os fiéis conscientemente se consagram à cabeça do Corpo Místico, a fes­ta do Preciosíssimo Sangue que nos lembra sermos resgatados por alto preço, pelo sangue do Cordeiro Imaculado — deverão martelar cada ano na alma dos fiéis esta mística da Igreja. Pio X, Pio XI e Pio XII são os três grandes Papas que assinalaram os seus pontificados pela doutrinação desta m ística .47

Infelizmente, os movimentos tão providencialmente suscita­dos como grandes paixões de amor, opostas à onda de ódio do laicismo sectário, em alguns lugares caíram em exageros uni­laterais e abusos. Pio XII não só mui carinhosamente corrige os erros, mas dá um novo impulso à verdadeira doutrina. “Estes erros, diz o Papa na Encíclica do Corpo Místico de C ris to ... fazem que alguns, cheios de infundado temor, considerem esta sublime doutrina como perigosa e fujam dela como do pomo do Paraíso, belo mas proibido. Não; os mistérios revelados por Deus não podem ser prejudiciais ao homem, nem devem perma­necer infrutíferos como tesouro enterrado no campo; senão que nos foram dados por Deus, para proveito espiritual dos que pia- * 7

cerdócio universal à participação dos fiéis na Missa, mas também ao apostolado leigo na Encíclica Ubi arcano (Doc. Pontifícios, 23, 30). O receio de o leigo confundir o sacerdócio universal com o sacerdócio do padre não tem muito fundamento. Pois nada mais fácil do que explicar aos fiéis de que eles não podem consagrar nem perdoar pecados. E mes­mo o perigo de diminuir a estima do sacerdócio hierárquico, por se ex­por aos leigos o sentido do sacerdócio universal, como o fazem Pio XI e Pio XII,- também é inexistente. Pelo contrário o apostolado leiço na Ação Católica se torna tão dignificante precisamente por causa da sua m ais intima união com o apostolado hierárquico. E ’ bem eloquente o fato alegado por Pio XI que a Juventude Católica Masculina na Itália em 7 anos produziu 5.400 vocações sacerdotais.

i7) Pio XII, na introdução da Encíclica do Corpo Místico de Cristo, alega como causas do crescente interesse pela doutrina do Corpo Mís­tico: 1) o renovado estudo da sagrada liturgia; 2) a maior frequência da mesa eucarística; 3) o culto mais intensificador do SS. Coração de Jesus e 4) os documentos sobre Ação Católica publicados nestes úliimos tempos: “Os quais por isso mesmo que estreitaram mais os vínculos dos fiéis entre si e com a hierarquia eclesiástica, particularmente com o Sumo Pontífice, contribuíram sem dúvida grandemente para pôr na devida luz esta doutrina”.

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mente os contemplam”. 48 * O conjunto destas grandiosas verda­des que nos faz amar apaixonadamente a Igreja com todos os seus membros e participar ativamente dos seus preciosíssimos tesouros, mas também nos faz trabalhar pela propagação e o triunfo do reino de Deus: todo este conjunto constitui a mística da Ação Católica.

E foi o amor gerado pela mística, que fez nascer uma nova técnica de apostolado. Pio XI na sua primeira encíclica Ubi ar- cano encarece a necessidade de descobrir métodos sempre novos para fazer face às novas situações criadas pela evolução do tem­po. 40 O grande Papa compreendia que se tratava de uma missão entre pagãos no meio de terras e cidades de nome cristão, de uma reconquista de meios hermèticamente fechados para a Igreja pela catequização leiga e atéia. E ’ uma situação bem semelnante à dos apóstolos reunidos no cenáculo, na festa de Pentecostes, que tinham a conquistar um mundo em que os judeus julgavam a cruz um escândalo e os pagãos uma loucura (1 Cor 1, 23). “Revestidos da força do alto” (Lc 24, 4 9 ), “repletos do Es­pírito Santo” foram mandados como “cordeiros para o meio de lobos” para serem “sal da terra” (Mt 5, 13), “luz do mundo” (Mt 5, 14), “fermento da massa” (Mt 13, 3 3 ). E hoje, assim viu o Papa por inspiração do Espírito Santo, eram os próprios leigos do respectivo meio que deviam tornar-se o complemento e prolongamento insubstituível da hierarquia dentro desses “meios hermèticamente fechados” à influência do sacerdote. E* o que ele chamou o apostolado do meio pelo meio.

Pio XI, neste afã de reconquistar as massas, recebeu ines­peradamente um braço forte, um grande batalhador que seria o fiel intérprete e executor dos seus pensamentos: o Cônego C a r d i j n, o fundador da Juventude Operária Católica. E' dra­mático, como este mesmo conta o seu primeiro encontro com o S. Padre, em 1925: “ . . . o Papa, surpreendido por me ver che­gar de maneira inesperada, me disse: “Que é que o senhor de­seja?” Respondi-lhe nervosamente, gaguejando: “Santo Padre,quero me matar para salvar a massa operária”. O Papa me fi­xou imediatamente: “Finalmente alguém me fala da massa, de

48) De modo semelhante diz o Papa na “Mediator Dei ’ : “Não acre­ditem os inertes e os tíbios ter a nossa aprovação porque repreendemos os que erram e contemos os audazes; nem os imprudentes se tenham por louvados quando corrigirmos os negligentes e preguiçosos”.

19) Documentos Pontifícios 19, 24.

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salvar a m assa! Todos os dias me vêm falar de uma elite, mas é uma elite na massa; tem-se necessidade è do fermento na massa!,f “O maior serviço que poderia prestar à Igreja é de lhe restituir a massa operária que ela perdeu. A massa tem neces­sidade da Igreja, e a Igreja tem necessidade da massa. Sim, para cumprir sua missão, a Igreja tem grande necessidade da massa operária. Uma Igreja constituída somente de ricos não é a Igreja de Nosso Senhor. E ’ por isto que urge restituir-lhe as massas operárias” . O Papa me ouviu por uma hora inteira. Dis­se-me por fim: “Não somente abençoo seu movimento, mas eu o quero, eu o faço meu” . 50 51

Quatro anos mais tarde, em 1929, numa audiência a 1200 jocistas, o Papa declarou: “ Definimos a Ação Católica de uma maneira que é perfeitamente interpretada pela Juventude Operá­ria Católica e pelas suas publicações que bem conhecemos” . ?l E em 1935 escreveu o Cardeal Pacelli, hoje S. Padre Pio XII, gloriosamente reinante, para o décimo aniversário da Juventude Operária Católica Belga, o seguinte depoimento: “A Juventude Operária Católica encarna, aos olhos do S. Padre (Pio X I), o tipo acabado de Ação Católica, que é uma idéia mestra do seu pontificado” . Foi a confirmação da palavra de Pio XI, em ou­tras circunstâncias: “A Juventude Operária Católica é a forma autêntica de Ação Católica adaptada aos tempos presentes”. 52

O que o Papa aprova e louva é precisamente o novo mé­todo de formação e de ação praticado e propagado pelo Cônego Cardijn. Ele fez a sua maior descoberta em matéria de aposto- lado, no dia em que percebeu que havia meios de vida diferen­tes e que era mister cristianizá-los. O Cônego P. T i b e r g h i e n 53 distingue instituição, meio de vida e comunidade. A instituição é uma solidariedade organizada em vista de um fim a que visa. O meio de vida é uma solidariedade de fato entre os homens uni­dos a outros homens pela mesma maneira de viver, de trabalhar, pensar, agir e reagir, de vestir, de conceber as coisas, de diver­tir-se, cujas simpatias e antipatias são idênticas. Podem estas solidariedades permanecer inconscientes, mas na medida em que se tornam conscientes, constituem comunidades. A comunidade

õü) Cardijn, fundador da Juventude Operária Católica Mundial, Se­cretariado Geral da Juventude Operária Católica, 18.

51) Idem, 29.52) Cardijn na América, Secr. da JOC, S. Paulo, 19.5Ó Rev. do Ass. Ecl., Maio 1948, 34.

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é um grupamento de homens que têm a consciência de perten- cer a um mesmo meio de vida, sentindo-se muitos em um. E' uma vida ou marcha em comum. A Juventude Operária Católica é uma instituição apostólica criada em pleno meio de vida da classe operária com o fim de transformá-lo em comunidade cris­tã, cujo modo de pensar, agir e viver esteja em conformidade consciente com o evangelho e a doutrina da S. Igreja.

O primeiro passo para este fim é a escolha de chefes natu­rais que tenham as três qualidades naturais: inteligência media­na, generosidade, influência, como Cristo também escolheu chefes naturais para serem formados apóstolos. Feita a escolha dos chefes, dos futuros dirigentes, esses são formados por um método genial que educa para a ação no próprio meio, segundo os princípios cristãos. E ’ pelo ver, julgar, agir.

Ver, isto é, o inquérito metódico no próprio meio para co- nhecer-lhe as necessidades e problemas de vida.

Julgar, isto é, o estudo feito em equipe ou círculo das solu­ções e respostas que dá o evangelho e a Igreja.

Agir, isto é, a resolução tomada e posta em execução, a fim de organizar influências cristãs no próprio meio por intermédio de exemplo, abordagem, serviços e representação de justas rei­vindicações. A execução destas resoluções é revisada na seguinte reunião.

Este método parece muito simples, mas na verdade é o exer­cício prático de uma série de virtudes cristãs: 1) a prudência nas suas três fases da deliberação, resolução e execução; 2) a caridade, a justiça, e a pureza pelo estudo das respectivas obri­gações, a sua prática e pela irradiação dos seus princípios e dou­trinas; pela organização de serviços de caridade, de represen­tação de legítimos direitos e de diversões sãs e puras, de acordo com a moral cristã; 3) a temperança e fortaleza, vencendo na ação as repugnâncias da própria natureza corrupta e a oposição do meio hostil. Há necessidade de muita humildade, mansidão e paciência para que não haja fracasso total. E ’ evidente que os jocistas não aprendem tudo isto num dia. Haverá imprudências, desânimos e outras falhas. Mas é forjando que se faz o ferreiro e é agindo que se faz o militante e o futuro dirigente. Ef por atos repetidos cuidadosamente preparados que se adquire a vir­tude.

Este método tem um certo parentesco com o método inacia-

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no de meditação, em que também se exercem as fases da pru­dência: a deliberação, resolução e execução e por meio delas se corrigem os defeitos e se adquirem virtudes na vida individual. Mas notam-se também as diferenças: 1) O método jocista não parte da doutrina, mas dos problemas da vida real que reque­rem uma solução pela doutrina. 2 ) a ação deliberada não visa só a formação individual, mas já é uma influência apostólica que visa a santificação de todo um meio. 3 ) Os atos de deliberação, resolução, muitas vezes execução e sempre da revisão não estão entregues ao indivíduo isolado, mas são feitos em equipe. O sacerdote assistente, primeiro formador dos chefes, e os compa­nheiros leigos se auxiliam, fazendo em conjunto, fazendo fazer e obtendo metòdicamente que se conduzam por convicção pes­soal, não uma vez por outra, mas de maneira habitual.

Assim se forma uma personalidade cristã, um chefe que pelo ser, servir, irradiar dentro do próprio meio, cria uma nova men­talidade de meio, um clima favorável à virtude e à Igreja. E ’ o método consciente da fermentação da massa do evangelho. À luz de novas convicções organizam-se os lares, promovem-se diverti­mentos sãos, fomenta-se a piedade segundo o espírito da Igreja. Form am -se consciências em assembléias, retiros mensais e anuais, alimenta-se a vida sobrenatural pela frequência dos sacramentos.

Este método de apostolado do meio pelo meio, que a Ju­ventude Operária Católica tão vitoriosamente aplicou para a for­mação e conquista da classe operária 54, mutatis mutandis, se mostrou bem adaptável a outros meios de vida como entre estu­dantes (Juventude Estudantil Católica) e universitários (Juventu­de Universitária C atólica), intelectuais (Juventude Intelectual Ca­tólica) e agrários (Juventude Agrária Católica).

Os princípios psicológicos serão os mesmos, mas os proble­mas e necessidades, aos quais se aplicam, hão de divergir pro­fundamente nestes diversos meios. Essencial será para o bom fun­cionamento deste método que haja homogeneidade de elementos e verdadeira solidariedade de fato na mentalidade, na vida e nos interesses.

54) Quando o Côn. Cardijn começou, foi tido como lunático , fan- tasista” e havia os “que o tratassem de louco”. Assim ele contou numa conferência na sua passagem pelo Rio. Mas os apóstolos também ioram tidos como loucos — e conquistaram o mundo pagao. A JU L ja con­quistou em poucos anos boa parte do operariado: 2 milhões e meio em 52 países.

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Escreve muito criteriosamente o P. Valério A b e r t o n, S. J . 55: “Essa preocupação constante de ver as coisas como são e não como se pensa que sejam, é um dos trabalhos mais belos e realistas empreendidos pela Ação Católica; daí sua mobilidade, sua aparente “versatilidade”, daí o explodir, às vezes, de fer­mentações imprevistas e de interrupções momentâneas: nada mais natural que isto aconteça num organismo que está em pleno de­senvolvimento. “Um erro grosseiro seria”, diz o Cardeal S u h a r d, “identificar as estruturas da Ação Católica à sua mís­tica, seu “corpo” a sua “vida”, e confundir “organização” e “mo­vimento”. Esta última palavra que infelizmente o uso tornou in­sípida, indica suficientemente, todavia, que a Ação Católica não é “alguma coisa feita”, mas alguma coisa que está se fazendo. Ela está in via. Continuamente ela revê os métodos, confronta re­sultados, perseruta o futuro. E ’ natural e até tranquilizador que experimente ela momentos de interrupção e fermentação impre­vistas: nisso se reconhecem sinais de vida. A Ação Católica tem vinte anos: é justo que atravesse a sua “crise de crescimento” para alcançar a etapa da vida adulta. . . Encontra-se a garantia da sua segurança no fato de preocupar-se a Ação Católica com o ultrapassar-se a si própria — permanecendo fiel aos princípios essenciais — e também no seu espírito de confiança leal e filial em relação à hierarquia”.

De fato, a Ação Católica, na sua forma nova, com o seu método característico de apostolado do meio pelo meio, é de data bastante recente, e não podemos estranhar que nem todos ainda tenham compreendido o seu verdadeiro sentido e que pelo ardor da paixão humana tenha havido certos exclusivismos e erros quanto ao método, como os houve concernente à mística.

Na radiomensagem a Barcelona, fartamente citada na Bis Saeculari, o S. Padre adverte muito carinhosamente: “Pois neste magnífico movimento mundial de apostolado leigo, tão caio ao nosso coração, é preciso evitar alguns erros que mesmo podem insinuar-se em almas de boa vontade”. O primeiro erro ele ca­racteriza como exchisivismo do elemento exterior, condenando-o como “heresia da ação” — mas de outro lado também reprova o outro extremo de uma excessiva e tímida limitação à piedade, erro esse que D. Vicente S c h e r e r numa prática do Congresso

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B5) Rev. do Ass. Ecl., Setembro 1948, 41.

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Eucarístico de Porto Alegre com muita felicidade caracterizou co­mo “heresia da inação” .

A “formação pela ação”, propagada pelo Cônego C a r d i j n, nada tem que ver com a condenação do Papa que fala “num tra­balho superficial e naturalista” . Pelo inquérito e estudo das so­luções do evangelho e da Igreja, a ação é cuidadosamente pre­parada, motivada de modo sobrenatural e acompanhada poi ora­ção, vida litúrgica e eucarística.

Com esta “heresia da ação” está intimamente ligado o erro mais funesto do “conformismo mundano” . O apostolado do meio pelo Tneio obriga a viver no mundo, mas não a viver como o mundo. Seria um equívoco fatal querer ser apóstolo, sendo mun­dano com os mundanos. Em lugar de converter o mundo para Cristo, os apóstolos haveríam de perverter-se pelo seu contágio; em lugar de salvar o mundo, haveríam de cair na mais deplorável perdição.

Cristo enviou os seus apóstolos como “ovelhas para o meio de lobos”. Isto denota uma oposição irreconciliável entre o mun­do e o seu fiel discípulo. A ovelha não pode ter compromissos com o lobo. E Jesus dá logo a recomendação: “Sede, pois, pru­dentes como as serpentes e simples como as pombas” . Como as serpentes deverão fugir dos verdadeiros perigos, das ocasiões pró­ximas de pecado, mas como as pombas também ser isentos de malícia, não vendo escândalos a cada passo e sabendo interpretar as intenções do próximo para o bem, com caridade. A 1* epís­tola aos Coríntios diz que não é possível evitar o contacto com todos os pecadores deste mundo; “pois neste caso deverieis sair deste mundo” (1 Cor 5, 10) e o Bom Pastor foi atrás da ovelha desgarrada até “comendo com os publicanos e pecadores” (Mt 9, 11).

Se S. Paulo tivesse ficado em casa para evitar toda a oca­sião de pecado, ele não teria convertido o mundo. O Jocista não pode sair do meio em que vive e trabalha, nem o jecista da es­cola em que estuda; e mesmo em colégio religioso pode haver muita sedução mundana. Mas na Ação Católica precisamente se aprende a encarar o companheiro de vida com olhos de apóstolo, a fim de modificar a sua mentalidade e convertê-lo para Nosso Senhor. Pio XII na sua alocução à Ação Católica Italiana disse também &fl: “Ide em meio ao mundo. Confiai em Cristo que ven-

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5fi) REB 1941, 292.

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663ceu o mundo”. No método do Cônego Cardijn o jocista não está sòzinho. Ele tem o apoio moral do assistente ou do dirigente, e enviado pela própria hierarquia para o apostolado do meio, vai revestido da força do Alto e trabalha com o espírito de oração e a mística de ganhar tudo para Cristo.

Um segundo erro advertido pelo Papa é o exclusivismo de apostolado para determinados agrupamentos, querendo corno o totalitarismo absorver todos para uma espécie de partido único, açambarcando para esse a liberdade de atividades e iniciativas para fazer o bem. E ’ o caso dos discípulos (Mc 9, 38-40, Lc 9, 49-50) que vedaram alguém de expulsar os demônios no nome de Jesus, porque não pertencia à companhia deles. O divino Mes­tre, entretanto, respondeu: “Não lho proibais, porque o que não for contra vós, é por vós”. Ouvimos contar um exemplo, em que membros da Ação Católica teriam proibido uma pessoa ensinar o catecismo, porque isto competia à Ação Católica — e que ao depois as crianças teriam ficado sem catecismo. Se o fato é ve­rídico, certamente foi no dizer do S. Padre, “contrário ao espí­rito da Igreja”, e contrário ao espírito da Ação Católica, que não foi feita para impedir, mas para estimular o apostolaao. A Bis Saeculari condena toda e qualquer coarctação de apostolado desse gênero, mesmo “no raio de uma paróquia”. A Igreja não admite que se sufoque “a vida em germinação” e que se criem obstáculos à sua livre expansão.

Estes exclusivismos da paixão são uma miséria humana ine­vitável entre homens. Se já é proverbial a “invidia clericorum”. e não rara a rivalidade entre clero secular e regular e entre as diversas Ordens, não devemos estranhar, se a mesma fraqueza aparece entre os leigos — e às vezes até pode ser um reflexo do espírito reinante entre o clero.

Então só podemos implorar o Espírito Santo que venha cum­prir pela sua graça a oração de Cristo: Ut onrnes uniim sint. Pois:

c) Na Ação Católica devem unir-se todas as forças leigas da Igreja1) sob as ordens da mesma hierarquia,2) colimando o mesmo fim e3) congregadas pelo laço da fraterna caridade.

Depois de sustentar a liberdade do indivíduo e da personali­dade que produz uma riqueza de formas e uma variedade de mé­todos, o Papa termina com uma insistência enérgica nos princi-

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pios de unidade. Pois a beleza do Corpo Místico de Cristo con­siste justamente em ser unidade na variedade.

O primeiro princípio de união é a obediência à mesma hie­rarquia, havendo na Igreja universal um só Chefe supremo, o P ap a: na diocese um Bispo e na paróquia um pároco, sendo o Bispo subordinado ao Papa e o pároco ao Bispo.

Ainda que haja grande diversidade de agrupamentos, juris­dições isentas e uma grande variedade de formas e espiriluali- dades, quanto ao apostolado externo, todos devem subordinar-se à hierarquia dentro da respectiva competência. Na alocução ci­tada ao Congresso de Barcelona o S. Padre compara a Ação Ca­tólica a um grande exército que se compõe de diversos corpos de tropas e de diversas armas — todos obedecendo ao mesmo quar­tel-general e cooperando na mesma operação militar. E ’ iusta- mente a direção una que faz cooperar harmoniosamente as dife­rentes armas para o mesmo fim e leva à vitória. Assim também na Igreja as diversas formas de apostolado externo devem ser di­rigidas e coordenadas por uma só autoridade hierárquica, seja no âmbito da paróquia pelo Pároco e na diocese pelo Bispo, ou no âmbito nacional pela orientação central de todas as forças com­batentes da nação por uma espécie de quartel-general constituído pelos Bispos, por ordem do Papa.

O fim para o qual todos colimam as suas forças, é um só: a glória de Deus e a salvação das almas. Como a indisciplina, também a falta de reta intenção é uma fonte de desunião. O S. Padre exclui i(toda a controvérsia acerca de primazia” : “aspi­rando apenas a glória de Deus, persuadir-se-ão que se avanta- jarão às outras no dia em que aprenderem a ceder-lhes o passo”. E ’ a lição de Jesus aos discípulos, que disputam entre si os pri­meiros lugares, ao colocar um menino no meio deles: “Em ver­dade vos digo se não vos converterdes e não vos fizerdes humil­des como este menino, não entrareis no reino dos céus”. “Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último e servo de todos (Mt 18, 1-5 ; Mc 9, 3 3 -3 7 ; Lc 9, 4 6 -4 8 ) .

O terceiro vinculo de unidade é a caridade. Sem ela o apos­tolado no reino de Cristo é “um bronze que soa” e “um címbalo que retine” , “não é nada”. Com ela, tudo se harmoniza e se co­ordena. Pois “a caridade não é invejosa, não se ufana, não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas ale-

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gra-se com a verdade; tudo suporta, tudo crê, tudo espera tudo sofre” (1 Cor 13, 1 sq.).

O Papa recomenda “um entendimento na concórdia”, ‘;uma colaboração ordeira” e “uma mútua compreensão” (concordem consensionem, ordinatam colligationem mutuamque inteliigen- tiam). Esta última compreensão nos parece o mais importante. Quantos equívocos, más interpretações e recriminações provêm dessa falta de compreensão mútua. O acista, convicto da eficiên­cia de sua forma nova, tantas vezes recomendada pela Igreja, não cogita em apreciar devidamente as associações tradicionais tão beneméritas, com métodos comprovados pelos séculos. Os membros de associações, não simpatizando com “essas novida­des”, nem se dão o trabalho de estudar o verdadeiro sentido des­sas organizações. E já que se fala em tantos erros condenados pelo Papa C7, semeia-se a desconfiança e a antipatia contra elas, não se lembrando que elas são o fruto da solicitude carinhosa dos Soberanos Pontífices e que Pio XII faz a correção dos erros com uma imensa benevolência paternal, sempre frisando, quanto a Ação Católica lhe é cara ao coração. E se especialmenle as Congregações Marianas devem “aprovar o que a Igreja aprova”, isto vale seguramente da Ação Católica que Pio XI chamou a menina dos seus olhos e Pio XII “a nobilíssima forma de cola­boração”, “a sua preciosa herança”. De modo semelhante como na sua primeira alocução à Ação Católica Italiana, o Papa tam­bém na Bis Saeculari considera a Ação Católica “coetus prima- rius”, com que as demais associações deverão coordenar-se e co­operar. Citando uma palavra de Pio XI, que ela “não deve su- 57

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57) Mandaram-nos de parte desconhecida um folheto de propaganda do livro de Plínio Corrêa de O l i v e i r a : “Este livro, apoiado em mais de 400 citações extraídas da Sagrada Escritura, de documentos pontifí­cios, de Padres e Doutores da Igreja, alerta a opinião católica a res­peito de doutrinas que o S. Padre Pio XII condenou nas Enciclicas Mystici Corporis Christi e Mediator Dei e na Constituição Apostólica Bis saeculari Die”. Nós também condenamos de todo o coração estes erros. Mas achamos que aqueles documentos também contêm muita doutrina positiva, e bem importante. Se o talentoso autor fizer um estudo bem feito sobre essas doutrinas positivas, nós nos comprometemos de bom grado a fazer dele ampla propaganda. Do caráter negativo do referido li­vro, cujo titulo adequado — na frase de um ilustre antistite brasileiro — seria: ^A-.Ação Católica — Um Perigo”, receamos que muitos che­guem a :formãf da Ação Católica uma idéia errônea, como se tosse uma coleção de errbs. D. Montini, com toda a razão, escreve ao zeloso autor “quão importjante é estudar e promover tal forma auxiliar do apostoJauo hierárquico”; O caráter negativo do livro foi frisado pelo proprio au.or à pág. 14. -43

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primir ou absorver as outras associações católicas ativas”, se­gundo o mesmo texto lhe atribui a função de uni-las e organizá- las amigável mente, fazendo-as beneficiar dos progressos de cada uma delas, em completa concórdia, união e caridade das almas” (coagm entare, amice componere, uniusque incrementa in aliarum commodum derivare, plena cum animorum concordia, unione, ca- ritate). Isto quer dizer que, pràticamente, a Ação Católica conti­nua a ter as mesmas atribuições para com as outras associações que Pio XI lhe deu.

No ponto XII da parte legislativa, Pio XII fixa os princípios gerais, dentro dos quais podem ser regulamentadas as relações das associações com a Ação Católica.

1) As Congregações Marianas são equiparadas às demais associa­ções de finalidade apostólica;

2) Dessas se distingue uma organização principal (coetus primarius), com a qual as obras católicas podem ter duas relações possíveis:

a) podem ser constituídas ou reconhecidas obras dependentes à seme­lhança da Juventude Operária Católica e da Juventude Estudantil Ca­tólica;

b) podem ser simplesmente ligadas, mas sempre coordenadas por in­termédio da federação.

3) Todas as associações pela sua finalidade já devem prestar a sua colaboração ativa, militando nas diversas obras de apostolado externo sob a direção e a dependência da hierarquia.

4 ) Por isso para fins de Ação Católica é desnecessário dar o nome a diversas associações.

São as mesmas normas observadas nos últimos estatutos da Ação Católica Italiana, aprovadas por uma carta autografa do S. Padre, datada de 11 de Outubro de 1 9 4 6 .58

Comparem-se com os princípios acima os seguintes artigos:Art. 2. A Ação Católica Italiana considera como seu principal dever

e honra ser chamada a prestar uma especial e direta colaboraçao ao apostolado hierárquico e é o que a distingue das outras associações de apostolado que se propõe, também, a promover, em comum com ela, o reino de Deus nas almas e na sociedade. A Ação Católica Italiana pode promover e reconhecer obras católicas dependentes diretamente dela ou a ela simplesmente ligadas, desde que se proponham a assegurar a forma­ção espiritual de seus próprios membros 09 e a estender o apostolado da Ação Católica Italiana a fins especificamente determinados: elas consti­tuem um domínio particular das atividades dos m em bros da Ação Católica Italiana . . .

r,h) Rev. do Ass. Ecl., Outubro de 1947, 51 sg., cfr. o artigo na REB 1948, 314 sg. A disciplina na Ação Católica Italiana, pelo P. Luís do Amaral M o u s i n h o.

5‘J) Deste modo, no ano passado foi incorporada à Ação Católica Ita­liana a Juventude Antoniana, sendo garantida por ela a necessária for­mação.

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Sendo enibora a Ação Católica Italiana o organismo principa! doscatólicos militantes, comporta a seu lado outras Associações, dependentes igualmente da autoridade eclesiástica, algumas das quais, com fins e mé­todos de apostolado, são consideradas como colaboradoras na apostolado hierárquico. Entre essas Associações e a Ação Católica Italiana, é ne­cessário que exista benevolência mútua, larga compreensão e cooperação sincera.

Art. 11. À Comissão episcopal são reservadas:. . . f) a constituição ou o reconhecimento das obras católicas de que

trata o art. 2, alínea segunda, com a determinação de sua dependência da Ação Católica Italiana ou de sua ligação à mesma, conforme seus regu­lamentos e fins particulares;

h) as normas diretivas para a coordenação das atividades de apos­tolado social da Ação Católica e das obras católicas dependentes da Ação Católica Italiana ou a ela ligadas.

Art. 104. Considerados o fim e o espírito da Ação Católica, é inútil pertencer simultaneamente à Ação Católica e a outras Associações ou Obras de Apostolado, em particular àquelas que dependem da Ação Ca­tólica ou que são mantidas por ela.

Art. 111. São órgãos de ligação das atividades da Ação Católica com as obras a elas ligadas, os Conselhos de qualquer grau constituídos junto da Autoridade eclesiástica; são órgãos de ligação interior entre as di­versas Associações da Ação Católica Italiana, as Comissões ao centro em cada diocese e paróquia. O vivo sentimento da organização unitária da Ação Católica Italiana deverá inspirar a cordialidade necessária en­tre as diversas Associações, bem como entre os seus membros, em vista de uma colaboração harmoniosa, generosa e eficaz, numa verdadeira amizade cr is tã ...

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4. Conclusões Jurídicas e Práticas.As Constituições apostólicas são formas muito solenes que

usa o S. Padre para promulgar suas leis seja de doutrina de fé ou de disciplina eclesiástica. Ainda que Pio XII na Bis Saeculari não queira introduzir coisa nova, mas só quer declarar o que já existe e levá-lo até às últimas consequências, interessa salientar ainda os efeitos jurídicos e práticos deste documento obrigatório para a Igreja universal.

a) Conclusões Jurídicas.1) A Bis Saeculari confirma e oficializa o conceito jurídico

da Ação Católica, determinando as suas notas características es­senciais, já deduzidas dos diversos documentos Pontifícios pelos melhores tratadistas: A laicidade, o apostolado universal, orga­nização hierárquica, mandato. A espiritualidade e os métodos (mística e técnica) são vários e variáveis e não pertencem à es­sência da Ação Católica, mas constituem notas características de diversas formas de colaboração com a hierarquia.

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2 ) Este conceito é aplicado às Congregações Marianas e ou­tras associações congêneres de finalidade apostólica, declarando- se que pelos sagrados cânones 218, § 2, 334, § 1, 335, § 1 e 464 , § 1 o apostolado externo está sujeito à direção da hierar­quia, seja do Papa, do Bispo ou do Pároco, de acordo com as suas respectivas competências.

3 ) No Cânon 707 o conceito das Pias Uniões constituídas “ad modum organici corporis”, envolve a nota da organização hierárquica, quanto às atividades de apostolado externo, declara­do este sempre juridicamente dependente da hierarquia (V ).

4 ) Perde a sua razão de ser a usada distinção entre Ação Católica in sensu stricto et sensu lato, porque todas as associa­ções que exercem apostolado externo sob a dependência e a di­reção da hierarquia, realizam o mesmo conceito de Ação Ca­tólica com as suas características essenciais. Outras associações, que não exercem apostolado externo, eo ipso não exercem Ação Católica, nem in sensu lato.

O que em algumas associações pode faltar, é a finalidade apostólica universal. Mas todos não podem fazer tudo. Também na Ação Católica, para eficiência dos trabalhos, deve haver es­pecialização e divisão de trabalho. E no caso de uma campa­nha geral, todas as associações confederadas devem obedecer e cooperar.

5 ) A Constituição Apostólica, rematando a doutrina jurídica de uma longa série de documentos Pontifícios, estabelece uma nova classificação das associações eclesiásticas, não prevista pelo Cânon 685, distinguindo pelas notas características indicadas as­sociações de Ação Católica de outras que não possuem estas notas e por isso não são Ação Católica. — Quanto ao direito de precedência, regularizado pelo Cânon 701, com isso nada se modificou, ainda mais que o S. Padre declara que não quer ques­tões de primazia. De outra forma por uma inversão total as úl­timas Pias Uniões haveríam de ser colocadas acima das Vene­ráveis Ordens Terceiras, cujas regras não organizam apostolado externo.

6) Segundo o Cânon 22 “lex generalis nullatenus derogat locorum specialium et personarum singularium statutis, nisi aliud in ipsa caveatur” ; portanto, os estatutos de Ação Católica que estiverem em contradição com ela, devem ser regulamentados de acordo com a Bis Saeculari. Pois

6 6 8 H o e p e r s, Ação Católica na “ Bis Saeculari”

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a) não existindo uma lei universal de Ação Católica, só po- dem ser visados diretamente estatutos particulares.

b) a cláusula final o diz expressamente: Haec mandamus, edicimus, decernentes litteras firmas, validas atque efficaces íugi- ter exstare ac permanere suosque plenos et íntegros effectus sor- tiri et obtinere, illisque, ad quos res pertinet, plenissime suffra- gari, sicque rite iudicandum ac definiendum esse, írritumque ex nunc et inane fieri, si quidquam secus super his, a quovis, aucto- ritate qualibet, scienter vel ignoranter contigerit attentari. Con- trariis non obstantibas quibuslibet.

b) Conclusões Práticas.1) O S. Padre visa mobilizar todas as forças vivas do lai-

cato católico. E para que a vida cristã se possa desenvolver com toda a profusão, conforme os dons naturais e sobrenaturais de cada um, ele promove e favorece a legítima liberdade individual para escolher a forma que mais lhe convier; mas para que ro­das as forças se unam num só exército efetivo e eficiente, todos se deverão coordenar pela caridade fraterna, colimar as ene-gias comuns para o mesmo fim sem ambições de orgulho e sujeitar- se pela obediência a uma só hierarquia.

2) A fim de realizar esta rica beleza do Corpo Místico de Cristo da “unidade na variedade”, deverá resplandecer a santi­dade nos seus membros. Pois sem ela não há caridade, nem hu­mildade, nem obediência. O S. Padre aproveita todas as oca­siões, como também a Bis Saeculari, para insistir na importância de uma vida santa. Em particular, para os Congregados, os exí­mios louvores deverão ser um estímulo vigoroso a fim de de­monstrarem pelos fatos os frutos de santidade e de apostolado que Pio XII deles espera. Que sonho dourado seria para o Bra­sil, se em verdade os milhares de congregados todos fizessem o seu retiro anual, a meditação e o exame de consciência diários e se submetessem à direção espiritual de um confessor e usassem fielmente os demais meios prescritos pelas regras tão urgidas pelo Papa.

3) A Comissão Episcopal em 3 de Novembro de 1948 es­tabeleceu que “Os congregados marianos para o exercício do apostolado externo recebessem a formação técnica de acordo com as normas da Ação Católica diocesana”. E' lógico. Como o Pa­dre, para o seu apostolado na cura d’almas, deve estudar teoré-

Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 9, fase. ;t, Setembro 1949 669

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tica e pràticamente a pastoral, também o leigo não é ner.hum mestre nato e mesmo que seja santo. Esse adestramento técnico os congregados poderão obter nas suas secções e academias, pre­vistas pelas regras. Mas a autoridade hierárquica competente de­verá indicar as necessidades mais urgentes e os serviços que pre­tende organizar nos diversos departamentos, para que nas asso­ciações se possam treinar para estes fins visados.

4 ) Os últimos responsáveis pela boa formação dos leigos e o bom espírito nas associações, somos nós sacerdotes. Só se nós formos santos e verdadeiros apóstolos, os leigos serão samos e apostólicos. O P. P e n i d o começa o Prefácio do seu novo li­vro “ Itinerário Místico de São João da Cruz” tí0 com a seguinte reflexão: “Tão desalentadoras as condições deste mundo apo­drecido, que a água morna do chamado “catoiicismo burguês” se mostra de todo ineficaz. Só um sobrenaturalismo total poderia derrotar esse naturalismo avassalador; só um espiritualismo sem reticências conteria a animalidade desenfreada; só a presença de Deus lograria povoar a amarga solidão da alma contemporânea. Ódios internacionais — nacionalismos e imperialismos frenéticos, desejos de vingança ou de desforra — ódios nacionais — lutas de classe, sórdidos egoísmos, rancores, ressentimentos, invejas — que força seria bastante para deter a rubra torrente, senão o Amor a viver no coração dos Santos? Infinitamente mais do que de políticos e economistas, carece o mundo dos valores da santi­dade. Surgisse de novo Francisco de Assis e logo amansaria o lobo de Gubbio” . Pio XI, numa encíclica t!1 dirigida a todos os Bispos do mundo, designou a S. Francisco como padroeiro da Ação Católica — e observou pelo fim: “Talvez alguém dirá que para restaurar a sociedade cristã de hoje, precisaríamos de um outro Francisco. Entretanto, fazei que os homens, animados de novo zelo, tomem aquele antigo Francisco por mestre de san­tidade e piedade, fazei com que todos imitem e reproduzam em si os exemplos que nos deixou quem era “espelho de virtude, o caminho de retidão, a regra de costumes” (Brev. Fr. M in.); não terá isto força e eficácia suficientes para sanar e exterminar a corrupção dos nossos tem pos?” Francisco, o Serafim do amor de Deus, despojado de todas as coisas criadas, mas que no Cria­dor amava a todas as criaturas como pequenino irmão; Francis-

60) Editora Vozes, Petrópolis 1949.61) Documentos Pontifícios 25, 2 e 25.

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co, 0 generoso cavaleiro de Cristo e da Virgem, ambicionando tão somente ser o mais semelhante ao seu grande Rei e à sua Soberana Rainha pela pobreza, pelo sofrimento e na humilhação, sempre pronto para os serviços mais desprezados e trabalhosos; Francisco, o gênio da liberdade evangélica, segundo a palavra de S. Agostinho: Ama et fac, quod vis — e ao mesmo tempo cheio de respeito e obediência para com Cristo presente na Igreja, no sacerdote e sobretudo em cada autoridade da hierarquia, “o varão católico e todo apostólico”, ele nos faça cumprir fiel e ge­nerosamente os grandes intentos do S. Padre na Bis Saec^lari: a exuberante riqueza e o resplendor de beleza do Corpo Místico de Cristo.

Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 9, fase. 3 , Setembro 1949 1571

A Estatística a Serviço da Igreja.Pelo Pe. Dr. L u í s C a s t a g n o 1 a, C. M., Professor de Direito Eclesiástico no Seminário São Vicente de Paulo, Petrópolis, R. J.

1. Uso e Valor da Estatística no Mundo Moderno.

Um dos campos em que se exercitou a atividade humana com ardor e meticulosidade incansáveis nos tempos modernos é, indubitàvelmente, o das estatísticas.

Na verdade, o uso da estatística tornou-se de tal sorte ge­ral, que o nosso tempo foi chamado, com muito acerto, “o reino das estatísticas”. Com efeito, poucas são as instituições publi­cas e particulares que não tiram proveito da estatística, dela servindo-se, mais ou menos, segundo as possibilidades e as necessidades de cada instituição. E ’ que, às vezes, não há modo melhor do que o método estatístico para fixar no escrito a ati­vidade de um organismo social em ação. De fato, este método, na sua breve e exata concretização numérica e gráfica, pode exprimir qualquer forma de atividade; a inteligência humana pois, pode sempre e cômodamente interrogar e interpretar es­tes levantamentos estatísticos, e a fantasia revesti-los de formas sensíveis, reconstruindo, assim, de certo modo, a historia.

Os historiadores da ciência da estatística querem encon­trar, já nos antigos tempos bíblicos, vestígios de metodologia