ernst haeckel - o monismo

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Edição digital do livro O Monismo de Ernst Haeckel

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro epoder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • O MonismoErnest Haeckel (1834-1919)

    TraduoFonseca Cardoso

    Verso para eBooklivrosdoexilado.org

    Fonte-base DigitalDigitalizao de edio em papel

    Livraria Chardon, Porto, 1908

    2012 Ernest Heinrich Haeckel

  • NDICE

    O AutorO Monismo

    Prefcio do AutorO Monismo

    Notas

  • O MONISMO

    porErnest Haeckel

    TRADUO DEFonseca Cardoso

  • O Autor

    ERNESTO HAECKEL

    HAECKEL nasceu em Potsdam no dia 16 de fevereiro de 1834. Quando num colgio deMersbourg, discpulo de Basedow, revelava as suas aspiraces de viagens largas e largasexploraes. Basedow o mestre come il faut. Estimula-lhe o amor pelas cincias naturais. Afamlia quer fazer de Heckel un mdico. Ser um medico, certo, mas, como medico, homemsecundrio. De resto, j com Fritz Muller sucedera o mesmo. Ento, a certa altura, em 1854, emBerlim, Haeckel resolve abandonar a carreira mdica. Seis anos depois, merc de um gentiloferecimento do professor de anatomia comparada em Iena, G-genbaur, Haeckel comea areger a cadeira de zoologia, funo que no abandonou mais. Isto a vida do sbio. Quanto suaobra, pouco podemos dizer, to escasso o espao concedido. A sua obra principal a Histriada Criao dos seres organizados. Vm, a seguir, pela ordem da importncia cientifica, aAntropogenia e a Filogenia sistemtica. a que se condensa a sua teoria biolgica. Mas os seustrabalhos mais conhecidos so os da vulgarizao cientfica, Os Enigmas do universo em que oautor se prope resolver as questes principais e o mundo mental e moral, o Monismo, Origem doHomem, Religio e Evoluo e As Maravilhas da Vida onde Haeckel continua o trabalho iniciadonos Enigmas. Nestes ltimos trabalhos, Haeckel o propagandlsta tenaz do livre pensamento, umdos maiores combatentes dos erros e dos preconceitos doutrinrios da Religio catlica.

  • O Monismo

    Lao entre a religio e a cincia(PROFISSO DE F DE UM NATURALISTA)

    TRADUO DEFONSECA CARDOSO

    Prefcio do autor (1)

    A seguinte conferncia sobre o Monismo um simples discurso de circunstncia, que seimprovisou em Altemburg, por ocasio do jubileu do 75. aniversrio da NaturforschencheGesellschaft des Osterlandes. A causa direta deste improviso foi um discurso pronunciado nestacerimnia pelo professor sr. Schlesinger, de Viena, sobre os artigos de f das cincias naturais(naturwissenschaftliche Glaubenstze). Vrias proposies deste discurso filosfico tocavam nasquestes mais importantes e elevadas do conhecimento da natureza pelo homem, sendoindiscutveis umas e reclamando outras asseres uma resposta imediata com a exposio dasidias contrrias. Como eu me ocupo, h trinta anos, do estudo profundo deste problema defilosofia natural e como expus em diversos escritos as minhas convices monistas, numerososmembros me exprimiram o desejo de as ver resumidas nesta circunstncia solene. paracorresponder a esse desejo que a presente Profisso de f de um naturalista foi feita. O seu contedo essencial, tal como a escrevi de memria no dia seguinte quele em que elafoi pronunciada, apareceu primeiramente na Altenburger Zeitung. Uma reimpresso destaprimeira comunio fez-se, acompanhada de alguns suplementos filosficos, na Freie Bhne frden Entwickelanskampf der Zeit, primeiro fascculo de novembro (Berlim, III, 11). Na presentememria, o discurso de Altemburgo foi aumentado com proposies importantes, tendo-se dadomais desenvolvimento a outras partes. Nas notas esclareci, no sentido monista, alguns problemasde flagrante atualidade. O fim da minha sincera profisso de f monista duplo. Primeiramente desejaria dar umaidia da concepo racional do mundo, imposta como uma necessidade lgica pelos recentesprogressos do conhecimento unitrio da natureza. Sentem-na no fundo todos os naturalistasindependentes e que pensam, embora um pequeno nmero tenha somente a coragem ou anecessidade de a confessar. Em segundo lugar queria estabelecer por esse motivo um lao entrea religio e a cincia e contribuir assim para o desaparecimento da oposio que to mal seestabeleceu nestes domnios superiores do pensamento humano. A necessidade moral do nossosentimento ser satisfeita pelo Monismo, como a necessidade lgica de causalidade do nossojuzo. Esta aproximao natural da crena e da cincia, esta conciliao racional do sentimento e doraciocnio, tornam-se cada vez mais uma exigncia instante nas esferas esclarecidas, como se

  • depreende da enorme quantidade de brochuras e de livros publicados sobre o assunto. NaAmrica do Norte, em Chicago, aparece publicidade, h j alguns anos, uma revistahebdomadria que tem por objetivo: The open Court, a weekly Journal devoted to the Work ofconciliating Religion with Science. O seu excelente editor, dr. Paulo Carus, autor da obra The Soulof Man, publica alm disso uma outra revista trimestal intitulada: The Monist, a quarterlyMagazine. Era para desejar que estas preciosas tentativas conciliadoras entre a consideraopositiva da natureza e a especulao, entre o realismo e o idealismo, tivessem melhor apreo sefossem mais animadas; porque somente pela sua unio natural que podemos atingir o fimsupremo da nossa atividade intelectual, o fusionamento da religio e da cincia no Monismo.

    ERNESTO HAECKEL.

  • O MONISMO__________

    UMA sociedade que tem por fim a investigao da natureza e o conhecimento da verdade, nopode festejar mais dignamente o seu Jubileu do que examinando os seus problemas gerais maisimportantes. Devemos-nos felicitar que o orador, numa circunstncia to solene como o Jubileudos sessenta e cinco anos de existncia da nossa Sociedade dos Naturalistas, escolhesse para temada sua conferncia um assunto de altssima importncia geral. Tem-se abusado, emcircunstncias semelhantes e em particular nas sesses gerais da grande Reunio dos naturalistase dos mdicos alemes, de tomar sempre para assunto dos discursos uma limitada questo deespecialidade, de interesse restrito. Ainda que esse hbito crescente se possa desculpar tambmpelo aumento da diviso do trabalho e pela especializao divergente em todos os seus ramos,dever-se-ia no entanto, na ocasio destas festas, submeter antes ateno da assistncia assuntosmais vastos e de um interesse mais geral. Um assunto desta importncia aquele que o sr. professor Schlesinger acaba de desenvolvercom as suas idias pessoais: os princpios da f do homem de cincia (2). Regozijo-me em estarde acordo com ele em numerosos pontos importantes, ainda que sobre outros eu tenha queapresentar algumas dvidas, expondo-vos vistas diferentes. Em primeiro lugar estou plenamentede acordo com a sua concepo unitria da natureza inteira, que designamos com o nico nomede Monismo. Exprimimos tambm, sem dvida alguma, a convico de que um esprito est emtudo e que todo o mundo conhecido existe e se desenvolve por uma lei fundamental comum. Porisso insistimos particularmente na unidade fundamental da natureza orgnica e inorgnica, cujaltima comeou relativamente tarde a evolucionar da primeira (3). J se no pode traar umlimite exato entre estes dois dominios principais da natureza, nem estabelecer uma distinoabsoluta entre o reino animal e o vegetal ou entre o mundo animal e o humano. Por conseqncians consideramos tambm toda a cincia humana como um nico edifcio de conhecimentos,repelimos a distino habitual entre a cincia da natureza e a do esprito. A segunda no maisdo que uma parte da primeira ou reciprocamente as duas no fazem mais do que uma. A nossaconcepo monista do universo pertence pois a esse grupo de sistemas filosficos que sedesignam, sob um outro ponto de vista, com os nomes de mecanistas ou pantestas. Por maisdiferentemente que sejam expressas nos sistemas de um Empdocles e de um Lucrcio, de umSpinoza ou de um Bruno, de um Lamarck ou de um Strauss, subsistem no entanto as idiasfundamentais comuns da unidade csmica, da solidariedade inseparvel da fora e da substncia,do esprito e da matria ou, como tambm se pode dizer, de Deus e do mundo. Ningum deudeste conceito uma expresso mais potica do que o maior dos nossos poetas e pensadores,Goethe, no seu Fausto e no seu maravilhoso poema Deus e o Mundo. Permitam-nos, para exata apreciao do Monismo, que do alto das consideraes filosfico-

  • histricas, lancemos primeiramente uma vista de conjunto sobre o desenvolvimento histrico doconhecimento humano da natureza. Uma longa srie de perodos psquicos e de estdios decivilizao do homem, desfila diante do nosso esprito. No degrau mais baixo, o estdio grosseiro,podemos dizer animal do homem pr-histrico primitivo, esse antropopiteco que durante a pocaterciria se elevou um poucochinho acima dos seus imediatos parentes pitecides, osantropomorfos. Em seguida vem uma srie de estdios civilizadores do nvel mais baixo, dasimplicidade dos quais podemos fazer uma idia parcial, pelos selvagens mais grosseiros queainda hoje existem. Com estes selvagens confinam os povos menos civilizados e destes destaca-se uma longa srie de escales intermedirios que vai at aos povos mais civilizados. Destes ltimos, dentre as doze raas de homens, somente a mediterrnea e a mongolideforam as que fizeram o que ns chamamos impropriamente a histria universal, que, maisexatamente, conviria designar a histria das naes. O espao de tempo que esta compreendecom as tentativas de conhecimento cientfico, estende-se apenas por seis mil anos, um perodosingularmente curto na longa srie de milhes de anos da histria do mundo orgnico terrestre. Tanto nos mais antigos homens primitivos ou antropopitecos como nos selvagens queimediatamente se lhes seguiram, no se nota ainda um conhecimento da natureza de quepossamos falar. O grosseiro selvagem primitivo em grau to inferior, no ainda o animal dascausas primeiras (Ursachenthier) de Lichtenberg; a sua necessidade de causalidade no se elevaainda acima da dos smios e dos ces, a sua curiosidade no est ainda educada para a puranecessidade de saber. Queremos falar de razo a propsito do homem pitecide primitivo e s opodemos fazer no mesmo sentido que nos mamferos de um desenvolvimento superior e assimtambm para os primeiros rudimentos da religio (4). Hoje tem-se freqentemente o hbito de negar completamente a razo e a religiosidade aosanimais, quando pelo contrrio a comparao seguinte conduz a uma concluso oposta. Oaperfeioamento lento e incessante que a vida civilizada realizou na alma humana durante ocurso dos sculos, no se cumpriu sem deixar tambm vestgios na alma dos nossos mamferosdomsticos mais elevados, em particular no co e no cavalo. Em ntima comunidade de vidacom o homem e sob a influncia da sua dedicao, associaes de idias cada vez mais elevadasse desenvolveram tambm no seu crebro, assim como um discernimento mais perfeito. Oadestramento tornou-se instinto, um exemplo irrefutvel da hereditariedade das qualidadesadquiridas (5). A psicologia comparada leva-nos a conhecer uma longussima srie de graus histricos nodesenvolvimento da alma no reino animal. s nos vertebrados mais elevados, nas aves e nosmamferos, que reconhecemos os primeiros lampejos da razo, os primeiros vestgios dasrelaes religiosas e morais. No encontramos neles apenas as virtudes sociais de todos osanimais superiores, vivendo em sociedade (amor do prximo, amizade, fidelidade, sacrifcio,etc.), mas tambm o conhecimento, o sentimento do dever e a conscincia e, com respeito aohomem, ser dominante, a mesma obedincia, a mesma submisso, a mesma necessidade de serprotegidos que os selvagens manifestam para com os deuses. Tanto aos ltimos, como aosprimeiros, falta ainda esse grau superior do conhecimento e da razo, que tende a considerar omundo que o cerca e que representa o comeo da filosofia, da cincia do universo. essa umaprimeira conquista, muito posterior, dos povos civilizados; desenvolveu-se de um modo lento econtnuo com as esferas mais inferiores da concepo religiosa.

  • Neste degrau da religio primitiva e tambm da filosofia primitiva, o homem est muito longeda concepo monista. Quando pesquisa as causas primrias dos fenmenos e a aplica a suainteligncia, ele est sempre disposto a considerar seres pessoais e especialmente deusessemelhantes ao homem, como os fatores que os produzem. No trovo e no relmpago, natempestade e no tremor de terra, no movimento do sol e da lua, em qualquer mudanameteorolgica ou geolgica notvel, ele v a manifestao imediata de um deus pessoal ou deum gnio e imagina-os ordinariamente mais ou menos antropomorfos ou semelhantes aohomem. Distinguir seres bons e maus, inimigos e amigos, conservadores e destruidores, o anjo eo diabo. Produz-se isto num mais alto grau quando a necessidade crescente de conhecer, afronta asmanifestaes mais elevadas da vida orgnica, a formao e a destruio das plantas e dosanimais, a vida e a morte do homem. A composio engenhosa e adaptada ao seu fim doorganismo vivo, conduz imediatamente a uma comparao com as obras da arte humanaconstrudas segundo um plano, e a idia indeterminada de um deus pessoal, converte-se na de umdeus que constri aps um plano definido. notrio que esta concepo da criao orgnica,como obra de arte de um deus antropomorfo, de um construtor divino, manteve-se, muito geralainda, at ao meado do nosso sculo, embora j durante dois mil anos, eminentes pensadores ademonstrassem como no sustentvel. O ultimo naturalista de nome que a sustentou edesenvolveu foi Luiz Agassiz, falecido em 1873. No seu notvel Ensaio sobre a classificao(1857) ele explicou amplamente esta teosofia em todas as suas conseqncias e por isso foi cairno absurdo (6). Todos os mais antigos sistemas religiosos e teleolgicos assim como os filosficos que delesdecorrem, por exemplo os de Plato, dos Padres da Igreja, so antimonistas e esto em oposiode princpio com a nossa filosofia monista da natureza. A maioria destes velhos sistemas sodualistas, pois que consideram Deus e o Mundo, o criador e a criao, o esprito e a matria,como duas substncias inteiramente separadas. Este dualismo evidente, encontra-se tambm namaior parte das puras religies de Igrejas, em particular nessas trs principais formas domonetesmo que os trs profetas mais clebres do Oriente, Moiss, Cristo e Maom fundaram.No entanto em muitas seitas impuras destas trs principais religies mediterrnicas e mais aindanas baixas formas de religio da antigidade, j se encontra, em vez desse dualismo, umpluralismo religioso. Ao deus bom conservador (Osiris, Ormuzd, Vischn), se ope um deus maue destruidor (Ty fon, Ahriman, Siv). Numerosos semideuses ou santos, boas e maus, filhos efilhas dos deuses, associam-se a estas duas divindades principais partilhando com elas aadministrao e o governo do Cosmos. Em todos esses sistemas dualistas e pluralistas de concepo do mundo, deve-se reconhecerpor idia fundamental mais importante o antropomorfismo, a humanizao de Deus. O prpriohomem, como um ser semelhante a Deus ou derivando dele diretamente, toma um lugarparticular no mundo e fica separado do resto da natureza por um abismo profundo. A mais dasvezes junta-se-lhe a idia antropocntrica, a convico de que o homem o ponto central doUniverso, o ltimo e supremo fim da criao e que o resto da natureza se fez unicamente para oservir. Na idade mdia acrescentava-se ainda a esta ltima proposio a idia geocntrica,segundo a qual a terra, como residncia do homem, ocupava exatamente o ponto central dosistema planetrio, girando o sol, a lua e as estrelas em torno da terra. Assim como Coprnico em

  • 1543 vibrou o golpe mortal no dogma geocntrico fundado sobre a Bblia, assim tambm Darwinem 1859 destruiu o dogma antropocntrico intimamente conexo com o primeiro (7). Uma comparao geral, histrica e crtica dos diversos sistemas religiosos e filosficos dcomo resultado principal que a cada grande progresso no conhecimento profundo, correspondeum afastamento do dualismo tradicional ou do pluralismo e uma aproximao do monismo. Quando a razo funciona impe-se-lhe sempre mais ntida a necessidade de no opor Deus aomundo material como um ser exterior, mas sim de o colocar no fundo do prprio Cosmos comofora divina ou esprito motor. Cada vez se torna para ns mais claro que todas essasmanifestaes admirveis da natureza que nos cerca, orgnica e inorgnica, so produesdiferentes de uma nica e mesma fora primria, combinaes diferentes de uma nica emesma matria fundamental. Sempre mais irresistvel se mostra para ns a noo de que a nossaalma humana unicamente uma parte nfima dessa alma universal que engloba tudo, do mesmomodo que o corpo humano apenas uma parcela individual do grande corpo organizado douniverso. Para servir de base exata e at em parte matemtica a esta concepo unitria da natureza,temos os materiais fornecidos pelas grandes descobertas gerais da fsica e da qumica tericas.Depois que Roberto Mayer e Helmholtz estabeleceram a lei de conservao da energia,demonstrou-se que a energia no mundo constitui uma quantidade constante e imutvel; mesmoquando uma fora parece diminuir ou desaparecer, isso no mais do que a transformao deuma fora em outra. Tambm a lei de Lavoisier sobre a conservao da matria nos ensina quea matria do Cosmos representa uma quantidade constante e invarivel; assim quando um corpoparece desaparecer, por exemplo na combusto ou mostra-se como novo na cristalizao, trata-se sempre e apenas de uma mudana de forma e de combinao. Estas duas grandes leis, a leifundamental fsica da conservao da fora e a lei fundamental qumica da conservao damatria, podemo-las reunir num conceito filosfico, a lei da conservao da substncia. Na nossaconcepo monista, com efeito, a fora e a matria so inseparveis e simples manifestaesdiferentes de uma mesma essncia universal, a substncia (8). Como parte fundamental e essencial desse monismo puro pode-se num certo sentido aceitar ateoria dos tomos animados, uma velha hiptese de que Empdocles, h mais de dois mil anos,deu a expresso na sua teoria do dio e do amor dos elementos. A nossa fsica e qumica daatualidade aceitaram j de uma maneira geral a hiptese atmica primeiramente proposta porDemcrito, pois que essas duas cincias consideram todos os corpos como constitudos de tomose referem todas as mudanas a deslocamentos de pequenas parcelas discretas. Todas essasmudanas, quer na natureza orgnica, quer no mundo inorgnico, no nos parecemverdadeiramente compreensveis, se considerarmos os tomos no como pequenas massas dematria morta, mas sim como partculas elementares vivas, providas de foras de atrao e derepulso. O prazer e o desprazer, o amor e o dio dos tomos no so mais do que expressesdiferentes dessa fora atrativa e repulsiva. A fsica designa muito exatamente a sua energiacintica com o nome de fora viva, por oposio energia potencial fora de tenso. Ainda que o monismo nos aparea de um lado como uma proposio fundamental necessriada cincia na natureza e ainda que o monismo tenha que chegar a reduzir todos os fenmenossem exceo mecnica atmica, devemos, por outro lado, concordar que estamos, pelomomento, completamente fora do estado de fazermos uma idia satisfatria da essncia prpria

  • dos tomos e das suas relaes com o ter universal que enche o espao. A qumica, conseguiuh muito tempo reduzir os diferentes corpos da natureza a combinaes com um nmerorelativamente pequeno de elementos. Os progressos da qumica nestes ltimos tempos, tornarammuito verossmeis esses elementos ou substncias fundamntais como formas diversas ecomplexas, constitudas por nmeros variveis de tomos de uma substncia nica primitiva; e,no entanto, esses elementos ou substncias eram considerados como no podendo serdecompostos. Contudo no nos ainda possvel formular uma concluso mais precisa sobre anatureza prpria desses tomos primitivos e sobre as suas propriedades elementares. Em vo uma srie dos mais sutis pensadores, tem-se fatigado at hoje em penetrar mais afundo nesse problema da filosofia natural e a determinar de perto a natureza do tomo e das suasrelaes com o ter universal que preenche o espao. Esta proposio constantemente se vaitornando mais fundada: que no existe espao vazio e que por toda a parte os tomos primitivosda matria pondervel ou da massa pesante esto separadas pelo ter universal, homogneo eespalhado no espao do universo. Este ter muito sutil e levssimo, seno impondervel, produz,com as suas ondulaes, todos os fenmenos da luz e do calor, da eletricidade e do magnetismo.Podem-no representar quer como uma substncia contnua, enchendo o intervalo entre ostomos, quer como composto tambm de partculas discretas. preciso ento atribuir a essestomos do ter uma fora intrnseca de repulso, opondo-se com a fora de atrao inerente aostomos de matria pondervel. pela atrao destes ltimos e pela repulso dos segundos que seexplicaria, a seu turno, toda a mecnica da vida universal. Poder-se-ia tambm referir a aodo espao universal, no sentido do professor Schelessinge, s vibraes do ter universal. A fsica terica fez nestes ltimos tempos um progresso elementar de grandssimaimportncia que aproximou o conhecimento desse ter universal, colocando a questo da suanatureza, da sua estrutura, do seu movimento, na fronteira da filosofia natural monista. H poucosanos ainda, o ter csmico parecia maior parte dos homens de cincia uma substnciaimpondervel de que se no conhecia propriamente nada e que era admissvel provisoriamentecomo uma hiptese cujo socorro se no pode prescindir. Isto mudou completamente depois queHenrique Herz (1888) nos esclareceu sobre a natureza da fora eltrica. Com as suas belasexperincias ele verificou a previso de Faraday , que a luz e o calor, a eletricidade e omagnetismo eram manifestaes de parentesco mui ntimo num s grupo de foras e resultavamde vibraes transversais do ter. A prpria luz, de qualquer natureza que seja, sempre e portoda a parte uma manifestao eltrica. O prprio ter j no uma hiptese; a sua existnciapode-se manifestar a cada instante em experincias eltricas e ticas. Conhecemos a extensodas ondas luminosas e das ondas eltricas. Ainda mais; certos fsicos pensam poder avaliaraproximadamente a densidade do ter. Quando por meio de uma mquina pneumtica extramosde uma campnula de vidro a massa de ar atmosfrico, com exceo de um leve resduo, aquantidade de luz fica invariavelmente dentro e ns vemos ter em vibrao! (9) Estes progressos no conhecimento do ter constituem um ganho enorme para a filosofiamonista. Com efeito, as proposies errneas sobre espao vazio e a ao dos corpos a distncia,ficam eliminadas. O espao infinito do universo, ainda que os tomos pesantes, a matriapondervel, no o ocupem por completo, est cheio de ter. A nossa noo de tempo e de espaoser muito diferente do que a ensinada h cem anos por Kant. O sistema crtico do grandefilsofo de Knigsberg mostra nesta circunstncia, na explicao teleolgica do mundo

  • organizado e na sua metafsica, uma fraqueza dogmtica que no devo admitir (10). Sim; a teoriado ter tomada como base de f pode fornecer-nos uma forma racional de religio, se se opuserao ter universal e mvel, divindade criadora, a massa inerte e pesada, matria da criao (11). Mas ao nosso esprito de investigador, satisfeito por ter atingido felizmente esse fastgio doconhecimento monista, oferecem-se j novas prespectivas surpreendentes, que nos permitemaproximar ainda mais da soluo do nico grande enigma do mundo. Como se comporta esseter universal, leve, ativo, com relao massa pesada e inerte dessa matria pondervel queestudamos quimicamente e que podemos supor constituda somente de tomos? A nossa qumicaanaltica atual necessita de dar conta ainda de cerca de setenta matrias indecomponveis ouelementos. No entanto as relaes recprocas desses elementos, o seu parentesco por grupos, assuas propriedades espectroscpicas, etc., mui verossimilmente fazem com que eles todos sejamhistoricamente simples produtos de evoluo, constitudos pelas disposies e as correlaesdiferentes de um nmero varivel de tomos primitivos. A esses tomos primitivos, massa de tomos, essas ltimas partculas discretas da matriapondervel inerte, podemos com maior ou menor verossimilhana atribuir certo nmero dequalidades fundamentais eternas e imutveis. Na verdade, por toda a parte do espao so asmesmas em grandezas e propriedades. Ainda que em ltima anlise, apresentem uma grandezadeterminada, esses tomos j no so mais divisveis em razo da sua prpria natureza. A suaforma perfeitamente esfrica; no sentido da fsica so inertes, invariveis, elsticos,impenetrveis ao ter. Fora da sua imutabilidade, a principal propriedade desses tomosprimitivos a sua afinidade qumica, a sua tendncia a colocarem-se ao lado uns dos outros e aunirem-se em pequenos grupos com formas determinadas por leis. Fixos nas condies atuais daexistncia fsica da terra, esses grupos so os tomos elementares, os tomos indecomponveisconhecidos em qumica. As diferenas qualificativas dos nossos elementos qumicos, imutveispara a nossa cincia empirica atual, so contudo devidas somente ao nmero e posiodiferente de tomos primitivos da mesma natureza, unidos entre si. Assim, por exemplo, o tomodo carbono, esse verdadeiro criador do mundo orgnico! muito verossimilmente um tetraedro,composto de quatro tomos primitivos. Depois que Mendeleieff e Lothar Meyer em 1869 descobriram a lei da periodicidade doselementos qumicos e fundaram sobre ela o seu sistema natural, esse precioso progresso daqumica terica, foi de novo utilizado por Gustavo Wendt no sentido da teoria da evoluo.Procurava ele estabelecer que os diferentes elementos eram estados de desenvolvimento oucombinaes historicamente produzidas por seis elementos fundamentais, e que estes ltimoseram por seu turno os produtos histricos de um nico elemento primitivo. Crookes, na Gnesedos elementos, dera j a esta substncia primitiva hipottica o nome de matria primitiva ouProty lo (12). A demonstrao experimental dessa substncia primitiva, que a base de toda amatria pondervel, no levar muito tempo. A sua descoberta satisfar por certo as esperanasdos alquimistas, de transmudar artificialmente em ouro e em prata, outros elementos. Mas aquiencontra-se esta nova questo: como se estabelecem as relaes desta matria primitiva com oter? Essas duas substncias primitivas esto em antinomia essencial e eterna? Ou ento o terativo no tem precedido e criado a matria pondervel. J se apresentaram vrias hipteses fsicas em resposta a esta grande questo fundamental.No entanto, at ao presente as diferentes hipteses atmicas da qumica, no se firmam em bases

  • satisfatrias e o mesmo me parece acontecer com a hiptese muito sensata, de resto, que oorador desenvolveu h um instante nesta reunio sobre a ao do espao universal. Como eleprprio disse judiciosamente, em todas as tentativas de filosofia natural s se trata por agora deartigos de f cientficos, sobre o fundamento dos quais se podem ter as mais diferentes vistas,consoante o raciocnio subjetivo e o grau de instruo de cada qual. Creio que a soluo destegrande problema est ainda do outro lado dos limites do conhecimento da natureza e quedevemos ainda, por muito tempo, contentarmo-nos com dizer ignoramusou mesmo ignorabimus. Outro tanto no acontece, se lanarmos as nossas vistas sobre as relaes histricas daevoluo universal, tal como nos foi revelada pelos grandes progressos realizados sobre oconhecimento da natureza nestes ltimos trinta anos. Um novo domnio se abriu inesperadamentepara alm dos limites desse conhecimento, domnio que permitiu resolver de um modosurpreendente uma infinidade de problemas importantssimos, considerados dantes comoinsolveis (13). Acima de todas as outras conquistas do esprito humano, coloca-se a nossa moderna teoria daevoluo. Pressentida j h mais de um sculo por Goethe, mas formulada maissatisfatoriamente no comeo deste sculo por Lamarck, ela foi finalmente estabelecida porCarlos Darwin h quarenta anos (14). A sua teoria da seleo preencheu a lacuna que Lamarckdeixara aberta na sua teoria da influncia recproca da hereditariedade e da adaptao. Sabemosagora com certeza que o mundo orgnico se desenvolveu sobre a terra de uma maneira contnua,segundo leis de bronze eternas como as que Lyell demonstrara desde 1830 para o globoinorgnico. Sabemos que as diferentes espcies de animais e de plantas to inumerveis, quehabitaram o nosso planeta no decorrer de milhes de anos, no so mais do que ramsculos deum tronco nico. Sabemos que o prprio gnero humano no representa mais do que um dosramsculos mais novos do ramo dos vertebrados. Uma srie ininterrupta de processos naturais evolutivos, desenvolvendo-se segundo leis fixas,conduz agora o esprito do pensador atravs dos Eoes de um estado primitivo catico do universoat ao nosso Cosmos atual. De princpio no tnhamos nada mais no espao infinito do que o terelstico mvel, e inumerveis partculas discretas, homogneas, dispersas no seu seio, os tomosprimitivos. Talvez estes sejam mesmo na origem os pontos de condensao da substnciavibrante, cujo resto o ter representa. Quando os tomos primitivos ou os tomos de massa sereuniram em grupos por nmeros determinados, os nossos tomos elementares constituram-se.Conforme hiptese da nebulosa de Kant e de Laplace, as esferas girantes separam-se dessanebulosa primitiva em vibrao. O nosso sol apenas um desses milhares de globos e consigo osplanetas que dele saram por efeito da fora centrfuga. A nossa insignificante terra tambmum simples planeta do nosso sistema solar, sendo toda a sua vida individual o produto da luz dosol. Depois que o globo incandescente da terra atingiu um certo grau de arrefecimento, a gualquida precepita-se em gotas sobre a crosta solidificada da sua superfcie, primeira condio davida orgnica. Os tomos de carbono comeam a sua ao prganognica e unem-se com osoutros elementos em combinaes plsticas coagulveis. Um pequeno coalho de plasmaultrapassa os limites e divide-se em duas metades semelhantes. Com esta primeira monracomeam a vida orgnica e a sua funo prpria, a hereditariedade. No plasma da monrahomognea isola-se um ncleo central mais denso entre uma massa mais mole; por estadiferenciao do ncleo e do protoplasma, a primeira clula orgnica forma-se. Por longo tempo

  • tais protistas ou seres primitivos unicelulares habitaro sozinhos o nosso planeta. Os histionesinferiores, plantas e animais pluricelulares, s se produziro mais tarde pela evoluo doscenbios ou unies sociais. Sob a direo firme e certa das trs grandes cincias experimentais das origens, apaleontologia, a anatomia comparada, a ontogenia e a filogenia levam-nos passo a passo desde osmais antigos metazorios, desde os animais pluricelulares mais simples at ao homem. Na raizmais baixa da arvore genealgica comum dos metazorios, encontram-se os gastraedos e osespongirios; o seu corpo inteiro, no caso mais simples consiste apenas numa bolsa gstricaarredondada, cujas paredes espessas apresentam duas camadas de clulas, os dois folculosblastodrmicos primitivos. Um estado blastodrmico correspondente, a gstrula com doisfolculos, encontra-se transitoriamente na embriogenia de todos os outros metazorios, desde osradiados e os vermes at ao homem. Do tronco comum dos helmintos ou dos vermes inferioresdesenvolvem-se, como divises principais e independentes, os quatro ramos separados dosmoluscos, dos zofitos, dos articulados e dos vertebrados. Estes ltimos concordam com ohomem em todas as particularidades essenciais da morfologia e da embriologia. Uma longa sriede vertebrados aquticos inferiores (amphioxus, lampreias, peixes) precede os anfbiospulmonados; estes aparecem pela primeira vez no carbonfero. A seguir aos anfbios vm, noperodo permico, os primeiros amniotos, os reptis mais antigos. Destes saem, mais tarde, napoca trisica, as aves por um lado e os mamferos pelo outro. Sabe-se que o homem pela sua estrutura inteira um verdadeiro mamfero, desde o primeiromomento em que o compreenderam na unidade natural desta classe superior de animais. A maissimples comparao deveria convencer o observador, sem idia preconcebida, do prximoparentesco de forma entre o homem e os macacos, os mais anlogos entre os mamferos. Aanatomia comparada, penetrando com mais profundeza, verificou que todas as diferenasmorfolgicas do homem e dos antropides (gorila, chimpanz, orango) so menos importantes doque as diferenas correspondentes entre estes antropides e os outros macacos. A importnciafilognica desta proposio de Huxley salta aos olhos. A questo magna da origem do gnerohumano ou do lugar que o homem ocupa na natureza, a questo das questes, recebeu agora asua resposta cientfica: o homem descende em linha direta de mamferos pitecides. Aantropogenia desvenda a longa cadeia dos vertebrados ancestrais que precederam odesenvolvimento tardio deste rebento, o mais elevadamente evolucionado (15). A importncia incalculvel da luz que esta concluso da teoria da descendncia lanou sobre odomnio inteiro da histria natural do homem, evidente a todos. Cada ano ela estender a suainfluncia transformadora sobre todos os ramos da cincia, medida que a crena na suaverdade inabalvel fizer o seu caminho. Hoje, somente os ignorantes e os espritos acanhadospodero duvidar ainda que ela seja verdadeira. Embora de quando em quando um velhonaturalista possa ainda negar os seus fundamentos ou lastimar-se da falta de provas, como se deucom um clebre patologista alemo do Congresso antropolgico de Moscou, o fato demonstrasomente que os progressos admirveis da biologia contempornea e, sobretudo, da antropogenia,lhe so estranhos. Toda a literatura moderna da biologia, toda a nossa zoologia, a nossa botnica,a nossa morfologia, a nossa fisiologia, a nossa antropologia de agora, se penetraram da teoria dadescendncia e foram por ela fecundadas (16). Assim como a teoria natural da evoluo, sobre a base monista, esclarecendo e iluminando

  • todo o domnio dos fenmenos naturais fsicos, ela faz o mesmo no campo da vida psquica,tornando inseparveis essas duas espcies de fenmenos. O nosso corpo humano formou-se lentae gradualmente atravs de uma longa srie de vertebrados ancestrais; e o mesmo aconteceu coma nossa alma que, sendo uma funo do nosso crebro, se desenvolveu gradativatnente emcorrelao com este rgo. O que chamamos simplesmente alma humana, no mais do que asoma das nossas sensaes, das nossas vontades e dos nossos pensamentos, o conjunto dasfunes psicolgicas, cujas clulas ganglionares microscpicas do nosso crebro representam osrgos elementares. Como que a admirvel estrutura deste ltimo, do pensar humano, sedesenvolveu, no decorrer de milhes de anos, acima das formas cerebrais dos vertebradosinferiores e superiores, o que nos mostram a anatomia comparada e a ontogenia. Como que,em correlao com ele, a prpria alma, funo cerebral, se desenvolveu, o que nos diz apsicologia comparada. Esta ltima cincia mostra-nos tambm como uma forma inferior deatividade psquica, se encontra j nos animais mais inferiores, nos protistas unicelulares, nosinfusrios e nos rizpodes. Qualquer naturalista que, como eu, tiver observado durante longosanos a atividade psquica dos protistas unicelulares, convencer-se- seguramente de que elestambm possuem uma alma. Esta alma celular , tambm, constituda por uma soma desensaes, de idias e de atos de vontade; as sensaes, o pensamento e a vontade da nossa almahumana, no so mais do que o desenvolvimento daquelas. Da mesma maneira se encontratambm uma alma celular hereditria, como energia potncial, no ovo, do qual o homem, comoos outros animais, evoluciona (17). O primeiro dever da psicologia verdadeiramente cientfica no ser pois, como at aqui, aespeculao ociosa sobre a natureza da alma imaterial e distinta e a sua duvidosa uniotemporria com o corpo animal, mas antes a pesquisa comparativa dos rgos da alma e a provaexperimental das suas funes psquicas. A psicologia cientfica , com efeito, uma parte dafisiologia, a teoria das funes ou da atividade vital dos organismos. Assim como a fisiologia e apatologia nova, a psicologia e a psiquiatria do futuro devem-se fazer celulares , em primeiralinha, investigar as funes psquicas das clulas. Que importantes concluses nos trar uma talpsicologia celular desde os graus mais inferiores da vida orgnica nos protistas unicelulares,especialmente nos rizpodos e nos infusrios, Max Verworn mostrou-o recentemente nos seusbelos Estudos psico-fisiolgicos nos Protistas. As mesmas categorias principais de atividade psquica que encontramos j no organismounicelular, os fenmenos de irritabilidade, de sensibilidade e de motibilidade, verificam-setambm em todos os organismos pluricelulares como funo das clulas que compem o seucorpo. Nos metazorios mais inferiores, os invertebrados das classes dos espongirios e dosplipos, no existe ainda, como nas plantas, nenhum rgo da alma particular e todas as clulasdo corpo participam mais ou menos na vida psquica. S nos animais superiores, esta funoparece localizada e ligada a um rgo particular. Em conseqncia da diviso do trabalho,diversos rgos sensitivos se especializaram neles como instrumentos de sensao, os msculoscomo rgos do movimento voluntrio, os centros nervosos ou gnglios como rgoscentralizadores e reguladores. Nos mais desenvolvidos ramos do reino animal, estes centrostornam-se cada vez com mais evidncia, os rgos especiais da alma. Em razo da estruturaextraordinariamente desenvolvida do seu sistema nervoso central, no crebro com o seu tecidoprodigioso de clulas ganglionrias e de fibras nervosas, a sua atividade mltipla atinge tambm

  • um grau de grandeza digna de admirao. neste grupo, o mais desenvolvido do reino animal, que verificamos esta funo a maisperfeita do sistema nervoso central, que apelidamos de conscincia. Sabe-se que at aqui estafuno, a mais nobre do crebro, ainda muitas vezes apresentada como um fenmenocompletamente misterioso e como a melhor prova da existncia imaterial de uma alma imortal.Sobre este ponto, recorreu-se de ordinrio ao clebre Ignorabimus do fisiologista berlins, DuBois-Ray mond, no seu discurso acerca dos limites do conhecimento da natureza (1872). Foi umaverdadeira ironia do destino que o clebre reitor da Academia das Cincias de Berlim, nessediscurso to debatido, tivesse h uns vinte anos, mostrado a conscincia como uma maravilhainconcebivel e um obstculo insupervel do conhecimento, justamente no momento em que ogrande telogo do nosso sculo, David Frederico Strauss, demonstrava precisamente o contrrio.O sagaz autor da Antiga e nova F, reconhecera, j claramente, que toda a atividade psquica dohomem e mesmo a sua conscincia, derivam de uma mesma origem, como funes do sistemanervoso central, e devem, sob o ponto de vista monista, ser submetidos ao mesmo raciocnio. Estanoo ficava impenetrvel ao exato fisiologista de Berlim e, com uma miopia intelectual,incompreensvel, ele colocava esta questo neurolgica especial, ao lado do grande enigma douniverso da questo fundamental da substncia, a questo geral da matria e da fora (18). Como j h muito tempo mostrei, estas duas questes magnas no so dois diferentesenigmas do universo. O problema neurolgico da conscincia apenas um caso particular doproblema cosmolgico que compreende tudo, a questo da substncia. Se tivssemos conseguidoa essncia da matria e da fora, teramos compreendido tambm como a substncia que nosso substratum, pode, em dadas circunstncias, sentir, desejar e pensar. A conscincia damesma maneira que a sensao e a vontade dos animais superiores, um trabalho mecnico dasclulas ganglionares, e, como tal, concentra-se num processos fsico e qumico, dentro do seuplasma. Alm disso chegamos, pela aplicao dos mtodos genticos e comparados, conclusoque tanto a conscincia como a razo, no so funes cerebrais exclusivamente prprias aohomem. Muito pelo contrrio, esta encontra-se tambm em muitos animais superiores, no svertebrados como articulados. somente de uma maneira qualitativa, por um grau mais elevadode evoluo, que a conscincia do homem difere da dos animais mais perfeitos e o mesmoacontece com todas as outras formas da atividade psquica do homem. Com estes resultados e com outros da fisiologia comparada, toda a nossa psicologia serestabelecida sobre uma nova base, segura, monista. Assim, destruir-se- essa velha idia msticada alma que ainda hoje se v nos povos das primeiras civilizaes e nos sistemas dos filsofosdualistas. Segundo essa idia, a alma do homem (e dos animais superiores?) seria uma essnciaparticular que habita no corpo e governa-o somente durante a sua vida individual, mas que oabandona no ato da morte. Esta teoria do piano to espalhada, compara a alma imortal a umpianista que toca no instrumento do corpo mortal, um trecho musical interessante, a vidaindividual, e que na morte volta para o outro mundo. Esta alma imortal -nos dada comoqualquer coisa de imaterial, porm que de fato, nos representada completamente material,como qualquer coisa de sutil, de invisvel, area ou gasosa, semelhante substncia ativa do ter,extremamente leve e tnue, como o admite a fsica atual. O mesmo sucede com a maioria dosselvagens grosseiros e das classes incultas dos povos civilizados que desde sculos representam aalma sob a forma de espritos ou de deuses. Se formos ao fundo das coisas encontra-se a, como

  • nos espritos dos espiritistas modernos, no uma coisa verdadeiramente imaterial, mas um corpogasoso e invisvel. Em geral somos incapazes de fazer representar exatamente uma substnciaimaterial. Como Goethe j claramente o reconhecera, a matria no pode existir nem obrar semo esprito, nem este sem a matria. No que diz respeito imortalidade, esta concepo importante sofreu notoriamenteinterpretaes e modificaes diversas. Ope-se freqentemente ao nosso monismo que, dizem,nega em absoluto a imortalidade; e no entanto isso no verdadeiro. Bem pelo contrrio,consideramo-la no sentido estrtamente cientfico, como uma concepo fundamental da nossafilosofia monista da natureza. A imortalidade, no sentido cientfico, a conservao dasubstncia, isto , o que se define em fsica por conservao da matria. O universo no seuconjunto imortal. possvel que a mais pequena parcela de matria ou de fora, nuncamorresse no universo; tambm provvel que o mesmo possa suceder aos tomos do nossocrebro ou s foras do nosso esprito. Quando nos sobrevm a morte, somente desaparece aforma individual, sob a qual se mostrava a substncia nervosa e a alma pessoal que representavao seu trabalho. As complicadas combinaes qumicas da massa nervosa decompem-se e dolugar a outras combinaes, e as foras vivas, produzidas por elas, transformam-se em outrosmodos de movimento.

    O grande Csar, morto, tornou-se em lodo,Tapa hoje um buraco contra o vento Norte.A argila que outrora espantou o mundo inteiro,Protege um muro contra o vento e a chuva.

    Pelo contrrio a idia de uma imortalidade pessoal completamente insustentavel. Omanter-se ainda hoje essa idia, de uma maneira geral, explica-o a lei fsica da inrcia,porque a fora da inrcia exerce tanto a sua ao sobre as clulas ganglionares do crebro,como sobre os outros corpos da natureza. Idias de origem muito antiga, transmitidas porhereditariedade durante numerosas geraes, conservar-se-o com a maior tenacidade nocrebro humano, sobretudo quando elas forem desde a infncia impressas no esprito dacriana como dogmas irrefutveis. Tais crenas hereditrias, enrazam-se tanto maissolidariamente quanto mais se conservam afastadas do conhecimento racional do universo,e quanto mais se envolvem no manto misterioso da fico mitolgica. No dogma daimortalidade individual intervm ainda o interesse suposto que o homem julga ter na suapresistncia individual aps a morte e a esperana desculpvel de ver que lhe reservam numoutro mundo bem-aventurado, uma compensao para as desesperanas e as mltiplasmisrias da vida terrestre. Por parte dos numerosos aderentes da imortalidade pessoal, sustentou-se muitas vezes,erradamente, que este dogma era uma idia comum, inata em todos os homens queraciocinam e ensinado pelas mais perfeitas religies. Isto no exato. Nem o budismo,nem a religio de Moiss, sustentavam na sua origem o dogma da imortalidade pessoal, e amaior parte dos homens instrudos da antigidade clssica tampouco criam nela e emparticular, na poca mais bela da Grcia. A filosofia monista desse tempo que j, 500 anos

  • de Cristo, se elevara a uma altura to admirvel de especulao, no conhecia esse dogma. primeiramente por Plato e por Cristo que ele se desenvolveu em toda a sua extenso eatingiu, durante a idade mdia, um tal desenvolvimento que raramente um pensador ousadose arriscava a contraditar. A pretenso de que a crena da imortalidade pessoal influi de ummodo particular sobre a natureza moral do homem, enobrecendo-o, no est verificada pelasinistra histria da idade mdia, nem tampouco pela psicologia dos povos selvagens (19). Ainda hoje uma velha escola de psicologia puramente especulativa sustenta, sem razo,esse dogma irracional, de um anacronismo lamentvel e que h sessenta anos ainda sepoderia desculpar. Com efeito, nesse tempo no se conhecia bem a fina estrutura docrebro, nem a funo fisiolgica das suas diversas partes; os rgos elementares, osgnglios celulares microscpicos eram quase desconhecidos, assim como a alma celular dosprotistas. Tinha-se uma noo muito imperfeita da evoluo ontogentica, e no se faziaidia alguma da evoluo filognica. Tudo isso se modificou no decorrer deste ltimo meiosculo. A nova fisiologia verificou j, nas suas grandes linhas, a localizao de diversasfunes psquicas e a sua dependncia em relao a partes determinadas do crebro. Apsiquiatria demonstrou que essas funes psquicas eram perturbadas ou aniquiladas, quandoessas partes cerebrais ficavam doentes ou se destruam. A histologia das clulasganglionares, evidenciou-nos a sua estrutura complicadssima e a sua situao. Asdescobertas destes dez ltimos anos, sobre os fenmenos mais delicados da fecundao, sode uma importncia decisiva para esta interessantssima questo. Sabemos agora que essesfenmenos consistem na copulao ou fuso de dois elementos celulares microscpicos, oovo fmea e o espermatozide macho. O fusionamento dos ncleos das duas clulas sexuais,representa exatamente o momento em que o novo indivduo humano comea. A clula meque se acaba de formar, o ovo fecundado, contm j poderosamente todas as propriedadescorporais e intelectuais que a criana herda de seus pais. uma contradio evidente para arazo pura, o admitir uma vida eterna para uma manifestao individual de que podemosapreciar exatamente, por meio da observao direta, o comeo no tempo. E eis porquenuma apreciao racional da vida intelectual do homem, no podemos j separar a nossaalma individual, do crebro, do mesmo modo que o movimento voluntrio dos nossosbraos, no pode ser separado da contrao dos seus msculos, ou que a circulao dosangue esteja fora da ao do corao. Contra esta concepo estritamente fisiolgica, elevar-se- ainda como uma injria, aobjeo de materialismo, assim como contra o nosso exame das relaes entre a fora e amatria, entre a alma e o corpo. J acima disse que essa palavra no tinha que ver com estaquesto. Poder-se-ia tambm empregar o termo espiritualismo, seu adversrio aparente.Todo o crtico que conhece a histria da filosofia, sabe que estas palavras tomamsignificaes diversas consoante os sistemas empregados. Para o materialismo ainda seacrescenta a diferena essencial da significao terica e prtica. A nossa concepo domonismo ou filosofia da unidade , pelo contrrio, clara e nada equvoca. Para ele, umesprito vivo imaterial to inconcebvel como uma matria sem esprito e sem vida. Emcada tomo, os dois esto inseparavelmente unidos. A idia de dualismo (ou depluralismo em outros sistemas antimonistas) separa o esprito e a fora da matria, comoduas substncias essencialmente diferentes, mas sem que se apresente prova alguma

  • experimental, sobre se uma pode existir sem a outra. Indicando aqui sumariamente estas conseqncias psicolgicas to vastas da teoriamonista da evoluo, abordo um assunto da maior importncia, ao qual o nosso orador j fezaluso na sua conferncia: o terreno da religio e o da crena em Deus que lhe associada.Como ele, eu tenho por importantssima a formao de idias filosficas claras sobre estabase fundamental da f, e peo por conseqncia assemblia a permisso de lheapresentar nesta circunstncia solene, uma profisso de f pblica. Esta concepo monistadeve atrair tanto mais a ateno dos espritos, sem idia preconcebida, quanto, segundo aminha firme convico, ela partilhada pelos nove dcimos, pelo menos, dos naturalistasvivos. Creio, com efeito, que esta profisso de f monista ser seguida por todos osnaturalistas que satisfizerem s quatro condies seguintes: 1. Conhecimento suficiente dascincias naturais, principalmente da teoria moderna da evoluo; 2. finura e clareza deraciocnio suficientes para tirarem, com o auxilio da induo e da deduo, asconseqncias lgicas do conhecimento experimental; 3. fora moral suficiente parasustentarem as convices monistas, assim adquiridas, contra os ataques dos inimigosdualistas e pluralistas; 4. fora de esprito suficiente para se libertarem, firmando-se na suaprpria razo s, dos preconceitos religiosos reinantes e, em particular, desses dogmas vaziosde sentido que, desde a idade mais tenra, nos implantaram solidamente na memria comorevelaes inabalveis. Se, com este ponto de vista independente de pensador, encararmos, comparando-as, asnumerosas religies dos diferentes povos, somos forados a declarar insustentveis todasaquelas, cujas idias esto em antinomia irredutivel com as proposies da cinciaexperimental claramente reconhecidas e estabelecidas pela razo crtica. Devemos pois,desde j, abstrairmo-nos de todas as narraes mitolgicas, de todos os milagres e de todasas chamadas revelaes que tenham sido feitas por via sobrenatural. Todas essas teoriasmsticas so irracionais, porque no so fortalecidas por nenhuma verdadeira experincia; e,demais, porque ns as temos por inconciliveis com os fatos estabelecidos peloconhecimento racional da natureza. Assim acontece com as lendas crists e mosastas, dos muulmanos e dos cicloslegendrios da ndia. Se pusermos assim de parte os diversos dogmas msticos e asrevelaes inacreditveis, fica, como ncleo precioso e inestimvel da verdadeira religio, amoral purificada e fundada na antropologia racional. Entre as numerosas e diversas formas de religio que se desenvolveram durante os dezmil anos, pelo menos decorridos desde os grosseiros comeos pr-histricos, as duasreligies que tm seguramente o primeiro lugar e apresentam ainda hoje a maior difusonos povos civilizados so: o budismo mais antigo e o cristianismo mais recente. Ambas tmmuitos traos comuns tanto na sua mitologia como na sua tica. Uma parte importante docristianismo deriva do budismo indiano, ao passo que uma outra parte provm das crenasmosastas e platnicas. Parece-nos ainda, sob o ponto de vista da nossa civilizao atual, quea moral crist tem o direito de ser considerada como a mais perfeita e a mais pura dasoutras religies. Devemos acrescentar espontaneamente que as mais importantes e maisnobres mximas da tica crist, o amor do prximo, a fidelidade ao dever, o amor pelaverdade, a obedincia s leis, no so de nenhum modo prprias do cristianismo, mas sim de

  • origem muito mais antiga. A psicologia comparada dos povos, demonstra que essasmximas ticas fundamentais eram mais ou menos conhecidas ou praticadas em muitospovos antigos antes de Cristo. A mais alta lei moralista da religio racional reside no amor do prximo que constitui oequilbrio natural entre o egosmo e o altrusmo, entre o amor por si e o amor pelos outros. Oque tu queres que outrem te faa, f-lo tu tambm. Esta elevada determinao natural eraensinada e praticada j muitos sculos antes que se ouvisse a palavra de Cristo : Devesamar o prximo como a ti mesmo. Na familia humana, esta mxima era de h muitotempo considerada como naturalssima, porque fora j transmitida hereditariamente pelosnossos antepassados animais como instinto tico. Existia j assim e com uma significaoampla nas mais primitivas comunidades e nas hordas dos povos mais antigos, e tambm nosagrupamentos de macacos e de outros animais sociveis. O amor do prximo, isto , areciprocidade de auxlio, de cuidados e de proteo, aparece j como um dever social,nestes animais que vivem em sociedade. Ainda que estes fundamentos morais da sociedadese tenham mais tarde desenvolvido mais no bomem, a sua origem pr-histrica mais remotaencontra-se, como Darwin o demonstrou, no instinto social dos animais. Tanto nosvertebrados superiores (co, cavalo, elefante, etc.) como nos articulados (formigas, abelhas,trmites, etc.) a vida comum em sociedades regalares comporta o desenvolvimento dasrelaes e dos deveres sociais. Isso foi para o homem a mais poderosa alavanca dosprogressos intelectuais e morais. Sem dvida alguma, a civilizao humana atual deve uma grande parte da sua perfeioao desenvolvimento e ao enobrecimento da moral crist; o seu valor, porm, foi muitasvezes comprometido tristemente pela sua conexo com mitos insustentveis e compretendidas revelaes. Como estas ltimas contriburam muito pouco para a formao damoral, mostra-o o fato histrico bem conhecido de que a ortodoxia e a hierarquia fundadasobre ela, o papismo (20), foram os que menos se esforaram por satisfazer osmandamentos desta moral. Quanto mais esta pregada em teoria, tanto menos as suasprescries so praticadas. preciso pensar ainda que uma parte considervel da nossa civilizao e da nossa ticamodernas se desenvolveu de um modo inteiramente independente do cristianismo, e emparticular pela cultura ininterrupta dos mais perfeitos tesouros intelectuais da antigidadeclssica. O estudo profundo dos clssicos gregos e romanos contribuiu muito mais do que odos padres da Igreja crist. A isto vem acrescentar-se ainda no nosso sculo, denominadocom razo, o sculo das cincias naturais, o imenso progresso da altssima culturaintelectual, que ns devemos ao conhecimento mais completo da natureza e filosofiamonista que sobre ela se fundou. Que isto deve tambm intervir no desenvolvimento danossa moral e enobrec-la, no resta dvida e j muitos excelentes escritos (de Spencer,Carneri, etc.), o provaram nestes ltimos trinta anos (21). Contra essa moral monista que toma por base o conhecimento racional da natureza,levantou-se a censura de minar a civilizao atual e de favorecer os progressos dademocracia socialista moderna, inimiga dessa civilizao. Consideramos essa censura comocompletamente injustificada. A aplicao dos princpios filosficos s necessidades prticasda vida e em particular s razes sociais e polticas, pode-se fazer de maneiras diferentes. O

  • liberalismo poltico nada tem que ver com o livre pensamento da nossa religio naturalmonista. Estou de resto convencido que a moral racional desta ltima, no est, de modoalgum, em contradio com a parte boa e verdadeiramente preciosa da tica crist, e queunida com ela, pode ainda servir por muito tempo ao verdadeiro progresso da humanidade. Compreende-se sem dificuldade que outro tanto no acontece com a mitologia crist ecom as formas da crena em Deus particularmente unidas com ela. Tanto esta crenainvolve a idia pessoal de Deus, que ela se torna insustentvel perante os progressos recentesdo conhecimento monista da natureza. J h mais de dois mil anos que eminentes defensoresda filosofia monista demonstraram que com a idia de um Deus pessoal, artista e condutordo universo se no ganhou nada para a explicao verdadeiramente racional do mundo.Respondeu-se, com efeito, questo da criao, tomada no sentido vulgar, invocando aatividade de um Deus, estranho ao mundo, que se pe a criar para um certo fim. E novasperguntas se formulam: De onde vem esse Deus pessoal? Que fazia ele antes da criao?Aonde foi buscar os materiais? etc. E porisso que no domnio da filosofia realmentecientfica, a idia caduca de um Deus pessoal antropomorfo perder o seu crdito daqui poralguns anos. A noo correlativa de um diabo pessoal, que se opunha ainda no sculo ltimoa Deus, e no qual se acreditava, j foi completamente abandonada pela gente instruda danossa poca. Notemos de passagem que no anfitesmo, a crena em um Deus e num diabo, concordade resto muito melhor com uma explicao racional do mundo do que o puro monotesmo.A forma mais pura de anfitesmo encontra-se talvez na religio zenda dos Persas queZoroastro (Zarathustra, a estrela de ouro) fundou dois mil anos antes de Cristo.Constantemente se encontra nela Ormuzd, o deus da luz e do bem, em luta com Arim, odeus das trevas e do mal. A luta eterna de um bom e de um mau princpio, encontra-sepersonificada do mesmo modo na mitologia de muitas outras religies anfitestas. No antigoEgito, o bom Osiris combatia o mau Ty fon; na velha ndia, Vishnu o conservador lutasempre contra Shiva o destruidor. Se se quer realmente tomar a idia de um Deus pessoal para base de uma concepo domundo, este anfitesmo explica mui simplesmente os males e os defeitos deste mundo com aao de maus princpios ou do diabo. Pelo contrrio, o monotesmo puro que a base da religio primitiva de Moiss e deMaom no pode dar a esse respeito uma explicao racional. Se o seu Deus nico verdadeiramente a bondade absoluta, um ser perfeito, deveria ter produzido tambm o seuuniverso perfeito. Um mundo orgnico incompleto e cheio de defeitos, como o que existesobre a terra, no deveria ser encontrado. Estas observaes tomam peso quando por meio da nova biologia se entra noconhecimento mais profundo da natureza. Foi sobretudo Darwin que pela sua teoria daseleo, nos abriu os olhos h quarenta e trs anos. Sabemos desde ento que toda a naturezaorgnica do nosso planeta s subsiste com uma luta sem misericrdia de cada qual contratodos. Milhares de animais e de plantas tm de sucumbir diariamente em cada ponto daterra, para que outros indivduos eleitos possam subsistir e gozar a vida. A prpria existnciadesses privilegiados uma luta perptua contra os perigos que os ameaam por todos oslados. Milhares de germes cheios de esperana morrem a cada minuto. A luta feroz dos

  • interesses da sociedade humana no mais do que uma fraca imagem do combateincessante e cruel que existe em todo o mundo vivo. A bela fiCo da bondade e daprovidncia de Deus na natureza, que ns escutvamos devotamente, quando criana, hsessenta anos, j no tem crentes hoje em dia, pelo menos no mundo instrudo que pensa!Foi aniquilada pelo nosso conhecimento profundo das relaes recprocas dos organismos,pelos progressos da ecologia e sociologia, pela parasitologia e a patologia. Todos estes fatos desesperadores e incomutveis, verdadeiro lado tenebroso da natureza,eram compreensiveis para a f religiosa pelo anfitesmo. Apareciam como a obra dodemnio, que combate e destri o cosmos perfeito e moral do bom Deus. Ficamincompreensveis para o monoteismo puro, que reconhece um Deus nico, um ser nico, desuprema perfeio. Se com isso se continua a ter na boca a perfeio moral do universo, porque se fecham os olhos aos fatos indiscutveis da histria universal e da histria natural. Baseando-nos sobre essas consideraes, compreendemos dificilmente como ainda hojea maior parte dos chamados homens instrudos reconhece de um lado, que a crena numDeus pessoal o fundamento indispensvel da religio, e do outro lado repele a crena numdiabo pessoal como uma superstio absurda da idade-mdia. Nos cristos instrudos estainconseqncia tanto mais incompreensvel e censurvel quanto certo representarem osdois dogmas partes igualmente essenciais da verdadeira f crist. Sabe-se que o demniopessoal representa sob os nomes de Sat tentador, enganador, prncipe do Inferno, senhordas trevas, um papel importantssimo no Novo Testamento, enquanto que no se trata delenos vetustos escritos do Velho Testamento. O nosso grande reformador Martinho Lutero quemandou para o diabo tantos trechos caducos do dogma, no podia renunciar crena daexistncia real e do antagonismo pessoal de Belzebu; lembremo-nos da histrica ndoa detinta da Wartbourg! Alm disso a nossa arte decorativa crist representou em milhares dequadros e outras representaes figuradas, um sat to corporal como os trs bons deusespessoais, cuja reunio em uma nica e trplice pessoa inutilmente fatigou a razo humanadurante mil e oitocentos anos. A impresso profunda que semelhantes apresentaesconcretas, repetidas milhes de vezes produzem, particularmente na alma das crianas, uma fora colossal que se costuma desprezar demasiadamente. Por certo ela tem a maiorparte de responsabilidade na conservao de mitos to irracionais mascarados pelasverdades da f, apesar de todas as objees da razo. Alguns telogos cristos liberais procuraram de resto, afastar muitas vezes o diabopessoal da doutrina crist, representando-o unicamente como a personificao da idia damentira, como o gnio do mal. Pelo mesmo motivo deveramos pois assentar em vez doDeus pessoal, a idia personificada da verdade e o gnio do bem. No teramos que fazer aminima objeo a este conceito e, bem pelo contrrio, ns a consideraramos comoprecioso trao de unio que ligaria o pas maravilhoso da fico religiosa com o daconcepo cientfica da natureza. A nossa idia monista de Deus que a nica que concorda com as noes que possumosboje sobre a natureza, reconhece o esprito de Deus em todas as coisas. J se no poderepresentar Deus como um ser pessoal, isto , como uma personagem ocupando uma partedeterminada do espao, ou sob uma forma humana. Deus est em toda a parte. GiordanoBruno j o dizia: Um esprito encontra-se em todas as coisas e no existe corpo, por mais

  • pequeno que seja, que no contenha em si uma parcela da substncia divina que o anima.Cada tomo pois provido de alma e assim o ter csmico. Pode-se portanto definir Deuscomo a soma infinita de todas as foras naturais ou a soma de todas as foras atmicas e detodas as vibraes do ter. Chega-se assim essencialmente ao mesmo ponto que o anteriorconferente, o qual definiu Deus: a lei suprema do mundo e o representa como a obra doespao geral. Importa pouco o nome nesta matria to elevada da crena, bastando aidentidade da idia fundamental, a unidade de Deus e do mundo, do esprito e da natureza.Pelo contrrio, o homotesmo, a idia antropomrfica de Deus faz descer este conceitocsmico supremo at ao vertebrado gasoso (22). Entre os diversos sistemas de pantesmo que, de h muito tempo, a idia monista de Deusinspirou de uma maneira mais ou menos clara, destaca-se como muito mais perfeito o deSpinoza. Sabe-se que Goethe concedia tambm a este sistema a sua admirao e adeso.Dos outros homens eminentes que orientaram a sua religio natural no mesmo sentidopantesta, ns s citamos aqui dois dos maiores poetas conhecedores do homem:Shakespeare e Lessing, dois dos maiores prncipes alemes Frederico II de Hohenstaufen eFrederico II de Hohenzollern, dois dos maiores sbios Laplace e Darwin. Pois que a nossaprpria profisso de f pantesta concorda com a desses espritos eminentes e independentes,devemos ainda notar que com os admirveis progressos realizados no conhecimento danatureza durante estes ltimos trinta anos, ela adquiriu bases experimentais que outrora seno podiam pressentir. O labu de atesmo que ainda hoje se lana contra o nosso pantesmo e contra o monismoque lhe serve de base, j no aceite nos crculos verdadeiramente esclarecidos. No entanto fato que o chanceler atual do imprio alemo estabeleceu ainda, no comeo deste ano,esta singular alternativa na cmara dos deputados da Prssia: Ou uma concepo crist domundo, ou uma concepo atesta. Tratava-se ento dessa clebre lei escolar destinada aentregar o ensino de mos algemadas hierarquia papal. O intervalo considervel quesepara esta deformao da religio crist do puro cristianismo primitivo no maior do quea desta alternativa medieval religio esclarecida da atualidade. Com respeito quele queconsidera como verdadeiras prticas crists a adorao de velhos farrapos de vestimentas ede bonecas de cera ou a salmodia improvisada das missas e dos rosrios e quele que crnas relquias miraculosas e procura o perdo dos seus pecados na compra de indulgncias eno dinheiro de S. Pedro, ns abandonamos de boa vontade as suas pretenses pela nicareligio que salva. Para com este fetichista estimamos bem em passar por ateu. Assim como pouco fundamentada a acusao de atesmo e de irreligio, assimtambm o a censura que se ouve a cada passo de que o nosso monismo destroi a poesia eno satisfaz as necessidades do sentimento humano. A esttica em particular, um domniocertamente importantssimo quer para a filosofia terica, quer para a prtica da vida, ficariaameaada pela filosofia monista da natureza. J David Frederico Strauss, um dos nossosmais delicados estetas e nobilssimo escritor, refutara esta objeo e mostrara que a culturada poesia e o culto do belo eram destinados a representar um papel muito mais grandioso nanossa nova f. Para vs, senhores, que sois naturalistas e amigos da natureza, no tenhonecessidade de vos mostrar quanto a penetrao mais profunda da nossa inteligncia noconhecimento dos segredos da natureza esquenta os nossos sentimentos, traz um alimento

  • novo nossa imaginao e engrandece a nossa concepo do belo. Para se convencerem dequo intimamente estas matrias esto relacionadas diretamente com as mais nobresmanifestaes do esprito humano, como o conhecimento da verdade se liga estreitamenteao amor do bem e ao culto do belo, basta citar um s nome, o do maior gnio da Alemanha,Wolfgang Goethe. Se a significao esttica da nossa religio natural monista e o seu valor moral nopenetraram muito at aqui no esprito dos homens instrudos, isso devido sobretudo aonosso defeituoso ensino escolar. Dissertou-se e escreveu-se muito nestes ltimos anos sobrea reforma do ensino e dos mtodos de educao, mas no se v, em verdade, que qualquerprogresso se realizasse. A reina tambm a lei fsica da inrcia, a tambm e muitoparticularmente nas escolas alems, a escolstica da idade-mdia exerce um poderioimobilizante contra o qual a reforma racional do ensino mui penosa e passo a passoconquista terreno. Nesta to importante ordem de coisas, de que depende a felicidade e adesgraa das geraes futuras, no haver progresso sem que o conhecimento monista danatureza seja reconhecido como base slida e indispensvel. A escola do sculo XX, florescente sobre esta base nova e slida, no dever descobrirsomente mocidade crescente as maravilhosas verdades da evoluo universal, mastambm os inesgotveis tesouros de beleza que se acham esparsos a ocultas nessa natureza.Quer admiremos o esplendor das altas montanhas ou o mundo maravilhoso do mar, querobservemos com o telescpio as maravilhas infinitamente grandes do mundo estrelado oucom o microscpio as maravilhas ainda mais estonteantes da vida dos infinitamentepequenos, o Deus-Natureza oferece-nos por toda a parte uma fonte inesgotvel de gozosestticos. Cega e obtusa a maior parte da humanidade no meio deste esplndido emaravilhoso mundo terrestre que uma teologia mrbida e contrria naturezsa nos designacomo um vale de lgrimas. preciso abrir finalmente os olhos ao esprito humano queprogride poderosamente, preciso mostrar-lhe que o verdadeiro conhecimento da naturezafornece uma plena satisfao e um alimento fecundo no s razo ativa como tambm saspiraes dos seus sentimentos. O estudo monista da natureza e o conhecimento do verdadeiro, a moral monista e aprtica do bem, a esttica monista e o culto do belo; eis a os trs pontos principais do nossosistema monista. Para o seu desenvolvimento harmnico e coordenado, adquirimos o laoverdadeiramente satisfatrio entre a religio e a cincia e que tantos espritos dolorosamenteprocuram ainda hoje. O Verdadeiro, o Bem e o Belo, so as trs divindades sublimesperante as quais ns dobramos devotamente os joelhos. Pela sua unio natural e ocomplemento recproco ns obtemos o conceito natural de Deus (23). a esse ideal de Deusuno e trplice, a essa trindade natural do monismo que o prximo sculo XX levantar osseus altares. H vinte anos assisti eu s festas do tricentenrio da Universidade de Wrzburg onde hcinqenta anos comecei e continuei por seis semestres os meus estudos mdicos. O Reitor,distinto qumico Johannes Wislicenus, pronunciou ento um discurso solene na igreja daUniversidade, e terminou, lanando a beno, com estas palavras: Praza a Deus, esprito doBem e do Verdadeiro! Acrescentarei ainda o esprito do Belo. nesse sentido queofereo tambm vossa sociedade dos naturalistas das provncias orientais, os meus votos

  • mais diletos nesta circunstncia solene. Possa a pesquisa dos segredos da natureza florescere prosperar ainda neste canto nordeste da nossa terra de Thuringe e possam os frutoscientficos amadurecidos em Altenburgo ser de outra tanta utilidade para a cultura doesprito e a formao de uma religio verdadeira como os produzidos h trezentos e setentaanos, pouco mais ou menos, pelo grande reformador Martinho Lutero no ngulo noroeste daThuringe, em Wartburgo junto de Elsenach. A meio caminho de Wartburgo a Altenburgo encontra-se na fronteira setentrional daThuringe a clssica cidade das musas, Weimar, e na vizinhana, a Universidade do nossopas, Iena. Considero como um pressgio favorvel que precisamente neste instante umafesta de um carter raro, tenha reunido em Weimar os protetores da Universidade de Iena,os defensores da indagao e do livre ensino (24). Na esperana de que a sua proteo e oseu auxlio nos sero reservados para o futuro, eu concluo a minha confisso de f monistanestes termos: Praza a Deus, esprito do Bem, do Belo e do Verdadeiro.

  • NOTAS

    (1) Ernest Haeckel, professor da Universidade de Iena, nascido em Potsdam a 16 de Fevereirode 1834, foi sucessivamente estudante em Berlim e em Wrzburg, preparador de Virchow emBerlim, depois mdico nesta cidade. Conhecido j por importantes memrias publicadas, ele foinomeado professor de zoologia em Iena em 1865. Data desta poca o comeo de uma srie deobras de desigual extenso, cujas tendncias comuns fazem um todo impregnado de um mesmoesprito. Haeckel foi o criador da cincia nova da filogenia e quase todas as suas publicaes tmpor objetivo esta cincia. Segue-se a lista das suas obras principais. Die Radiolarien (1862). Ueber die Entwickelungstheorie Darwins (1863), conferncia naqual o autor toma a sua atitude cientfica. Generelle Morphologie der Organismen (1866), obrade uma importncia considervel que contm as bases da cincia filognica. NatrlicheSchopfungsgechite (1868), a clebre Histria da criao natural, que vulgarizou a filogenia e deucausa a que desabassem sobre o autor e o darwinismo formidveis e terrveis furaces. Ueberdie Entstehung und Stammbaum des Menschengeschlechtes (1868), primeira monografia sobre aorigem animal do homem. Die Kalkschwmme (1872). Anthropogenie (1874). DiePerigenesis (1876). Das System der Medusen (1879) e seguintes. Report on the Radiolaria(1887). Grundriss einer algemeinen Naturgeschichte der Radiolarien (1887). PlanktonStudien (1890). Systematische Phylogenie (1894-1896), obra capital para a genealogia domundo animal, que o autor cuja morte fora anunciada no ano findo por uma revista deantropologia mal informada, acaba neste momento de publicar. Encontrar-se- uma bibliografia mais completa, compreendendo 108 obras, memrias ouedies publicadas de 1855 a 1894 na Bericht ber die Feier des LX. Geburtstages von ErnestHaeckel, Iena, 1894. Ha tradues em francs publicadas pela livraria C. Reinwald, da Histria da criao natural eda Antropogenia, obras de vulgarizao que melhor do que os seus grandes trabalhos cientficos,manifestam as tendncias do autor, assim como as Cartas de um viajante na ndia.

    (2) No discurso solene que o professor Schlesinger pronunciou sobre este assunto a 9 deOutubro em Altenburgo, ele indicou com razo, no sentido de Kant, os limites do conhecimentoda natureza, que nos so impostos pela imperfeio dos rgos dos nossos sentidos. As lacunasque as pesquisas experimentais produzem no edifcio da cincia, podemo-las preencher comhipteses, com suposies mais ou menos verossmeis. No podemos logo demonstr-las comcerteza; -nos permitido porm utiliz-las para a explicao dos fenmenos, contanto que elasno contradigam as noes racionais sobre a natureza. Semelhantes hipteses racionais so osartigos de f cientficos, e por esse motivo muito diferentes dos pretendidos artigos de f das

  • Igrejas ou dogmas religiosos. Estes ltimos so puras invenes sem base experimental ousimples absurdos em contradio com a lei da causalidade. Hipteses racionais de importnciafundamental, por exemplo, so a crena na unidade da matria (formao dos elementos poragrupamento de tomos primitivos, pag. 23), a crena na gerao espontnea, a crena noprincpio da unidade de todos os fenmenos naturais como sustenta o monismo. (Veja-se a minhaGenerelle Morphologie, 1, pag. 105, 164 e seg., Histoire de la Creaton naturelle, trad. fr., 2a.edio, pag. 19, 299). As mais rudimentares manifestaes da natureza inorgnica e as mais desenvolvidas da vidaorgnica podem relacionar-se igualmente com as mesmas foras naturais e pois que alm disso,elas tm o seu fundamento comum num princpio originrio nico que enche o espao infinito douniverso, pode-se considerar este ltimo, o ter universal, como uma divindade universal eformular por conseguinte esta proposio: A crena em Deus concilivel com as cinciasnaturais. Tanto nesta concepo pantesta como na crtica do materialismo unilateral estou deacordo com o professor Schlesinger, embora em outros pontos de vista no possa aceitar umaparte das suas concluses, na biologia e especialmente na antropologia. (Veja-se a sua memriaThalsachen und Folgerungen aus dem Wirken des allgemeinen Raumes, Mittheilungen aus demOsterlande, V).

    (3) A unidade em princpio da natureza organizada e da inorgnica, assim como as suasrelaes genticas, so para mim um princpio fundamental do nosso monismo. Insistoespecialmente sobre este artigo de f, porque h ainda naturalistas afamados que o combatem.No s se resuscita de quando em quando a velha fora vital mstica, como se objeta aindacontra a teoria natural da descendncia com a passagem maravilhosa da natureza mortainorgnica vida orgnica como um enigma insolvel, um dos sete enigmas do universoenunciados por Du Bois-Reymond (discurso sobre Leibniz, 1880). A soluo deste enigmatranscendental e da questo conexa da arquigonia, a gerao espontnea tomada num sentidopreciso, pode ser encontrada somente por meio de uma anlise crtica e uma comparaoinfatigvel das matrias, das formas e das foras na natureza orgnica e inorgnica. A esserespeito j dei um exemplo em 1866. No segundo livro da minha Generelle Morphologie (I, pag.109-238. Indagaes gerais sobre a natureza e a formao primria dos organismos, suasrelaes com o mundo inorgnico e a sua diviso em animais e plantas). A dcima quinta lioda minha Criao Natural contm tambm um breve resumo (trad. franc., pag. 332). As maioresdificuldades que outrora se opunham doutrina monlsta assim exposta podem ser consideradascomo resolvidas agora com as noes recentemente adquiridas sobre a natureza do plasma, adescoberta das moneras, o estudo mais exato dos protistas uuicelulares, os seus prximosparentes, a sua comparao com a clula fundamental ou ovo fecundado, assim como pelateoria qumica do carbono. (Veja-se os meus Studien ber Moneren und andere Protisten, noJenaische Zeitschrift fr Naturwissenschaft, IV, V, 1868-70; veja-se ainda C. Ngeli, 1884,Mechanisch-physiologische Begrndung der Abstammunsgslehre.

    (4) Os primeiros vestgios destas funes cerebrais, que denominamos razo e conscincia,religio e moral, reconhecem-se j nos animais domsticos mais aperfeioados, sobretudo nosces, nos cavalos e no elefantes; apenas diferem de uma maneira quantitativa e no qualificativa

  • das formas correspondentes da atividade psquica nas raas humanas inferiores. Se os macacos eprincipalmente os antropides tivessem sido domesticados como o co desde sculos e educadosem comunho ntima com a civilizao humana, ter-se-iam aproximado das formas humanas daatividado psquica de um modo por certo muito mais surpreendente. O abismo profundo quesepara na aparncia o homem destes mamferos muito aperfeioados principalmente devido aque o homem reuniu vrias qualidades capitais que apenas existem separadas nos outros animais:1. diferenciao mais avanada da laringe (linguagem); 2. do crebro (alma); 3. dasextremidades e 4. finalmente da estao ereta. simplesmente a feliz combinao de umelevado grau de desenvolvimento destes rgos e destas funes importantes que coloca amaioria dos homens tanto acima de todos os animais (Generelle Morphologie, 1866, II, pag. 430).

    (5) Como a discusso desta importante questo continua sempre aberta, seja-nos permitidoinsistir novamente sobre os preciosos elementos de soluo que nos fornecem o desenvolvimentodos instintos nos animais superiores, da linguagem e da razo no homem. A hereditariedade dasqualidades adquiridas durante a vida individual uma hiptese essencial da teoria monista daevoluo. Se a negam como Galton e Weismann, exclui-se inteiramente a influnciatransformadora do mundo exterior sobre a forma orgnica. (Anthropogenie, IV, Auft., XXIII,pag. 836); veja-se tambm os trabalhos que se citam de Eimer, WeismaNn, Ray -Lankester eLudwig Wilser, Die Veerburg der geistigen Eigenschaften (Heidelberg, 1892). Nota do tradutor. Nestes ltimos anos a questo modificou-se sensivelmente. As teoriasbiolgicas desenvolvidas por Lapouge (Selees sociais, pag. 48 e seg., 56, 105, 128, 140)permitem conciliar a negativa quase completa da hereditariedade das qualidades adquiridasdurante a vida extra-uterina e a influncia dos meios. Quanto ao exemplo dos ces, Lapougejulga ter demonstrado quo pouco a hereditariedade das qualidades psquicas adquiridas intervmno seu caso (109 s. q.)

    (6) De todas as tentativas mais recentes da filosofia dualista para dar ao estudo da naturezaum fundamento teolgico e precisamente sobre a base do monotesmo cristo o Essay on classificde Luiz Agassiz a mais importante para no dizer a nica que merea a pena de ser citada. Vera tal respeito a minha Histria da criaco natural trad. franc., pag.. 55 e seg., Ziele and Wege derheutigen Entwicklunggeschichte, 1875, Iena, Zeitschrift fr Naturwissenschaft, X, supl. Quando secompara esta obra plena de idias do sbio zoologista americano com o miservel trabalho dorenegado darwinista Hamann, pratica-se com a primeira uma grande injustia.

    (7) Darwin e Coprnico. Com este titulo o conselheiro intimo Emilio du Bois-Rey mondreimprimiu no segundo volume de Gesammelle Reden (1887, pag. 496) um discurso quepronunciara a 25 de Janeiro de 1883 na Academia das Cincias de Berlim. Este discurso, comodiz o autor numa nota pag. 500, tendo suscitado injustamente muito barulho e provocadoviolentos ataques da parte da imprensa clerical, ser-me- permitido notar que no contmnenhuma idia nova. Eu mesmo tinha, h quinze anos, desenvolvido a fundo a comparao deDarwin e de Coprnico e mostrado o mrito destes dois heris que destruram o antropocentrismoe o geocentrismo, na minha conferncia Ueber die Entstehung und den Stammbaum desMenschengeschlechts (Sammlung gemeinwissenschaftel, Vortrge, S. III, 53-54, 1868, IV, Aufl.

  • 1881). Quando du Bois-Reymond diz: Quanto a mim, Darwin o Coprnico do mundoorgnico regozijo-me tanto mais em ver as minhas idias aceites por ele e muitas vezes nosmesmos termos quanto certo o estar inutilmente em oposico comigo. preciso dizer o mesmoda explicao das idias originadas pelo darwinismo, que du Bois ensaia no seu discursoLeibnizische Gedanken in der neueren Naturwissenschaft (Gres. Reden, I). As suas idiasconcordam de maneira a satisfazer as que eu desenvolvera quatro anos antes na minha GenerelleMorphologie, II, 446 e na Histria da Criao Natural, primeira e ltima lies. As leis dahereditariedade e da adaptao explicam como os acontecimentos a priori saramprimitivamente de conhecimentos a posteriori. No me admiro de encontrar no clebre reitorda Academia de Berlim um amigo e um partidrio da Histria da Criao Natural, que aoprincpio classificara de mau romance; o que no faz esquecer o seu dito arremessado comouma flecha: as rvores genealgicas da filogenia tm tanto valor como as dos heris de Homeroaos olhos da crtica histrica (Darwin versu Galiani, 1876).

    (8) A lei da conservao da substncia, na sua acepo rigorosa, faz parte dos artigos de fnatural e poderia ser o I da nossa religio monista. Os fsicos atuais consideram em geral, ecom razo, a sua lei da conservao da fora como a base inabalvel do seu conhecimentocientfico da natureza (Roberto Meyer, Helmholtz); o mesmo se d com os qumicos com a sualei fundamental da conservao da matria (Lavoisier). Os filsofos cientficos seriam os nicosque poderiam levantar utilmente algumas objees contra cada uma destas duas leisfundamentais e contra a sua reunio lei suprema da conservao da substncia. Semelhantesobjees so continuamente formuladas pela filosofia dualista, sob a aparncia de uma crticaprudente. Estas cticas objees, em parte simplesmente dogmticas, parecem justificar-sesomente no que diz respeito ao problema fundamental da substncia, ao problema fundamentalda unio, da matria e da fora. Se se deve reconhecer como ainda subsistente esta ltimafronteira do conhecimento da natureza, podemos no entanto aplicar geralmente nos seus limites alei mecnica de causalidade. Os processos psquicos complicadssimos, especialmente aconscincia, so submetidos lei de conservao da substncia, precisamente como os maissimples processos mecnicos que so o objeto da fsica e da qumica inorgnica.

    (9) Numa conferncia notabilssima sobre as relaes da luz e da eletricidade, HenriqueHertz explicou na 62a. reunio dos Naturalistas e dos mdicos alemes, realizada em Heidelbergno ano de 1889, a importncia da sua brilhante descoberta. Assim o o dominio da eletricidadeestende-se natureza inteira. Toca-nos propriamente: sabemos que temos realmente um rgoeltrico, o olho. De um lado encontramos a questo da ao imediata distncia; de um outroencontramos o problema da natureza da eletricidade. E logo conexo com estes problemas, eleva-se a questo capital da essncia do ter, das propriedades do meio que enche o espao da suaestrutura, do seu repouso ou do seu movimento, da sua infinidade ou dos seus limites. Esteproblema parece dominar cada vez mais todos os outros e o conhecimento do ter deve tornaracessvel o das coisas imponderveis e sobretudo a essncia da matria antiga e das suasqualidades mais ntimas, a gravidade e a inrcia. E a fsica atual aborda esta questo, se poracaso tudo o que existe no foi criado pelo ter. Certos filsofos monistas responderamafirmativamente a esta questo, como G. Vagt na sua obra profunda Das Wesen der Electricitt

  • und des Magnetismus auf Grund eines einheitlichen Substanzbegriffes (Leipzig, 1891). Eleconsidera os tomos primitivos da teoria cintica da matria como centros individualizados deconcentrao da substncia contnua, enchendo sem intervalo o universo inteiro. A parte mvel,elstica, desta substncia compreendida entre os tomos e espalhada por todo o universo, o ter.Jorge Helm de Drede, h muito tempo que tinha vistas semelhantes sobre o terreno da fsicamatemtica na sua publicao Ueber die Vermittelung der Fernwirkungen durch den Aether(Annalen der Physik und Chemie, 1881, XIV). Mostra a que, pela explicao da ao a distnciae da radiao, torna-se necessrio admitir somente uma matria, o ter; isto , que para essesfenmenos, todas as qualidades que podem ser atribudas a uma matria no tm influncia,exceto a de ser mvel, ou que no conceito do ter no til fazer entrar outra coisa que no sejaa mobilidade.

    (10) A nova filosofia alem refere-se na sua maior parte a Emmanuel Kant e adora ogrande filsofo de K&ligoe;nigsberg de uma maneira exagerada, quase infalvel. Permitam-mepois que lembre que o seu sistema de filosofia crtica uma mistura de monismo e de dualismo.Os seus princpios crticos de teoria do conhecimento, a demonstrao de que no podemosconhecer a essncia profunda e real da substncia, a coisa em si, ou a unio da matria e dafora, ficaro sempre considerados de importncia fundamental. O nosso conhecimento danatureza subjetiva, acondicionado pela organizao do nosso crebro e dos rgos dos nossossentidos e pode por conseqncia compreender somente o fenmeno que a experincia lhetransmite do mundo exterior. Porm nestes limites do conhecimento humano, um conhecimentomonista positivo da natureza possvel, em oposio com todas as fantasias dualistas emetafsicas. Um ato importante de reconhecimento do monismo encontra-se na cosmogoniamecnica de Kant e Laplace, o ensaio sobre a organizao e a origem mecnica de todo oedifcio universal, tratado conforme os princpios de Newton (1755). Em geral Kant conserva nodomnio das cincias naturais inorgnicas o ponto de vista monista, ligando apenas valor aomecanismo para a explicao dos fenmenos. Pelo contrrio, no domnio das cincias naturaisorgnicas, conta com ele embora de uma maneira insuficiente. Kant julgava com efeito, deverinvocar no s as causas eficientes como tambm as finais (veja-se a quinta lio da minhaHistria da Criao Natural , teoria da evoluo desde Kant a Lamark, trad. fr., pag. 93, Veja-setambm Albrecht Ray , Kant und die Naturforschung, Eine Prfung der Resultate des idealistischenKritichismus durch den realistischen, Kosmos, II. 1886). Isto levava Kant ao plano inclinado dateologia dualista e mais tarde s suas vistas metafsicas insustentveis sobre Deus, a liberdade e aimortalidade. Provavelmente estes erros teriam sido evitados se Kant tivesse uma profundacultura antomo-fisiolgica. Nesse tempo as cincias naturais comeavam a desabrochar. Tenhoa firme convico de que o sistema de filosofia crtica de Kant teria sido muito diferente einteiramente monista se tivesse podido aproveitar-se dos tesouros imprevistos da cinciaexperimental que ns possumos atualmente.

    (11) As relaes dos dois componentes originrios do Cosmo, o ter e a massa podem muitobem ser postos em evidncia na anttese seguinte, conforme uma das suas numerosas hipteses:

    Universo = Substncia = Cosmos

  • ter universal= esprito =

    substncia mvele ativa.

    Capacidadevibratria.Funesprincipais:

    eletricidade,magnetismo, luz,

    calor.Estrutura:dinmica,substncia

    contnua elsticano composta de

    tomos (?)

    Massauniversal =

    corpo =substncia inerte

    e passiva.Fora de

    inrcia.Funesprincipais:gravidade,

    inrcia, afinidadeeletiva qumica.

    Estrutura:atmica,

    substnciadiscontnua no

    elstica,composta de

  • Teosofia:Deus criador

    constantementeem ao.

    Ao doespao

    universal.

    tomos.Teosofia:

    universo criado,formado

    passivamente.Efeito da

    condensao doespao.

    (12) Gustavo Wendt, no h muito tempo, deu as razes numerosas e importantes a favor danatureza composta dos nossos elementos experimentais, no seu trabalho Die Entwicklung derElemente, Entwurf zueiner biogenetischen Grundlage fr Chemie und Physik (Berlim 1891). Veja-se tambm Wilhelm Preyer, Die organischen Elemente und ihre Stellung in System (Wiesbaden,1891); Vitor Meyer, Chemische Probleme der Gegenwart (Heidelberg, 1890); W. Crookes, DieGenesis der Elemente (Braunschweig, 1888). Sobre as diferentes concepes do tomo, comp.Philip Spiller, Die Atomenlehre, em Die Urkraft des Weltalls nach ihrem Wesen und Wirken aufalten Naturgebieten (Berlim, 1886). Acerca da formao da massa pelos tomos, veja-se A.Turner, Die Kraft und Materie in Raume (Leipzig. 1886, III. Aufl.).

    (13) A significao fundamental da teoria moderna da evoluo e da filosofia monistamanifesta-se claramente pelo aumento contnuo da sua rica literatura. Citei os mais importantesescritos desta ordem na nova edio da minha Natraliche Schpfungsgeschichte (VIII. Auft.,1889). Veja-se particularmente Carus Sterne (Ernst Krause): Werden und Vergehen. EineEntwicklungsgeschichte des Naturganzen in gemeinwerstndlicher Fassung (III. Aufl., Berlim1886). Veja-se ainda Hugo Spitzer, Beitrge zur Descendeztheorie und zur Methodologie derNaturwissenschaft (Graz, 1886); Alberto Bau, Ludwig Feuerbachs Philosophie der Naturforschungund die philosofische Kritik der Gegenwart (Leipzig, 1882); Hermann Wolf, Kosmos, dieWeltentiwick lungnach monistisch-psychologischen Principien auf Grundlage der exactenNaturforschung (Leipzig, 1890).

    (14) Devem-se contar hoje quarenta e oito anos.

  • (15) Desde 1866 que eu tenho definido a noo e o fim da filogenia, ou histria da raa noVI livro da minha Generelle Morphologie (II, 301-422). O contedo essencial desse livro assimcomo as relaes entre a filogenia e a ontogenia ou embriogenia foram desenvolvidas em formavulgar, na II parte da minha Histria de Criao natural. A aplicaco especial ao homem destesdois ramos da histria da evoluo foi tentada na minha Anthropogenie (Leipzig 1874, IV.Auflage 1891, traduo francesa por Letourneau, Paris, C. Keinwald, 1877).

    (16) Aps a morte de Luiz Agassiz (1873), apenas h que