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* Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq Equações de FitzHugh-Nagumo aplicadas a caracterização de sinais mioelétricos Henrique R. L. Machado* Mariana P. M. A. Baroni Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFSP) 01109-010, Campus São Paulo, São Paulo - SP E-mail: [email protected], [email protected] RESUMO Sabe-se desde o século XIX, que os fenômenos elétricos desempenham um papel importante na fisiologia das células nervosas. No século XX, entretanto, um avanço importante na área de modelagem do comportamento dinâmico dos potenciais de ação das células nervosas foi realizado por A. Hodkin e A. Huxley [6]. Eles apresentaram um modelo de quatro equações diferenciais que descrevem a dinâmica do potencial da membrana de um neurônio diante da ação de uma corrente aplicada. No entanto, pela sua dimensão e sua não linearidade, é muito difícil a análise qualitativa das equações. Além disso, os estudos que vem sendo realizados com este modelo se apoiam somente em simulações computacionais, baseadas em soluções numéricas [6,10]. Para entender e compreender melhor o fenômeno neuroelétrico, por exemplo, vários modelos mais simples foram propostos com uma estrutura matemática mais fácil abordando a essência da dinâmica de alguns dos processos envolvidos na membrana de um neurônio. Um desses modelos foi proposto por R. FitzHugh [3] e J. C. Nagumo [8] para descrever um protótipo de um sistema excitável. O modelo de FitzHugh-Nagumo adimensionalizado consiste de duas equações diferenciais, sendo uma linear e outra não-linear de grau três, como a seguir: dv dt = v(a v)(v 1) w + I dw dt = b(v cw) onde v(t ) representa a voltagem através da membrana celular e w(t ) representa a variável de recuperação após sua excitação. Os parâmetros a , b e c são positivos e representam, respectivamente, o limiar de excitação e os parâmetros que simulam a mudança do estado de repouso e da dinâmica do sistema, enquanto que o termo I representa o estímulo externo aplicado ao neurônio. Neste formato, as equações de FitzHugh-Nagumo tornaram-se uma ferramenta matemática poderosa que auxilia na compreensão de alguns fenômenos biofísicos que outrora não poderiam ser interpretados somente através do raciocínio lógico dedutivo [11]. Outras aplicações dessas equações podem ser encontradas na literatura. Entre elas estão: estudo do mecanismo de transmissão dos impulsos elétricos em uma célula nervosa [1], características fundamentais do mecanismo de propagação do pulso sináptico em um neurônio [1], compreensão visual da dinâmica da propagação do impulso nervoso [1], estudo da propagação de ondas elétricas no sistema cardíaco [5], estudo de sistemas lineares com múltiplos pontos de equilíbrio e ciclos-limites [7], etc. Neste contexto, inicialmente este trabalho trata do estudo da solução numérica, utilizando o método de diferenças finitas, das equações de FitzHugh-Nagumo e suas aplicações em sistemas excitáveis. Em seguida, esses conhecimentos teóricos são aplicados para se obter a solução numérica das equações de FitzHugh-Nagumo em comparação com sinais de sistemas excitáveis, particularmente, sinais mioelétricos. Os sinais mioelétricos são aqueles enviados pelo cérebro através do sistema nervoso e do sistema muscular até o membro que deseja-se efetuar algum tipo de trabalho. O estudo desses sinais é importante especialmente na fabricação de próteses para membros superiores e/ou inferiores, por exemplo. Esses sinais, dentre outros sinais biológicos, podem ser adquiridos gratuitamente com o grupo PhysioNet através do PhysioBank [4] (ver Figura 1). 142 ISSN 1984-8218

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* Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq

Equações de FitzHugh-Nagumo aplicadas a caracterização de sinais mioelétricos

Henrique R. L. Machado* Mariana P. M. A. Baroni

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFSP) 01109-010, Campus São Paulo, São Paulo - SP

E-mail: [email protected], [email protected]

RESUMO

Sabe-se desde o século XIX, que os fenômenos elétricos desempenham um papel importante na fisiologia das células nervosas. No século XX, entretanto, um avanço importante na área de modelagem do comportamento dinâmico dos potenciais de ação das células nervosas foi realizado por A. Hodkin e A. Huxley [6]. Eles apresentaram um modelo de quatro equações diferenciais que descrevem a dinâmica do potencial da membrana de um neurônio diante da ação de uma corrente aplicada. No entanto, pela sua dimensão e sua não linearidade, é muito difícil a análise qualitativa das equações. Além disso, os estudos que vem sendo realizados com este modelo se apoiam somente em simulações computacionais, baseadas em soluções numéricas [6,10]. Para entender e compreender melhor o fenômeno neuroelétrico, por exemplo, vários modelos mais simples foram propostos com uma estrutura matemática mais fácil abordando a essência da dinâmica de alguns dos processos envolvidos na membrana de um neurônio. Um desses modelos foi proposto por R. FitzHugh [3] e J. C. Nagumo [8] para descrever um protótipo de um sistema excitável. O modelo de FitzHugh-Nagumo adimensionalizado consiste de duas equações diferenciais, sendo uma linear e outra não-linear de grau três, como a seguir:

dvdt= v(a− v)(v−1)−w+ I

dwdt

= b(v− cw)

onde v(t) representa a voltagem através da membrana celular e w(t) representa a variável de recuperação após sua excitação. Os parâmetros a, b e c são positivos e representam, respectivamente, o limiar de excitação e os parâmetros que simulam a mudança do estado de repouso e da dinâmica do sistema, enquanto que o termo I representa o estímulo externo aplicado ao neurônio. Neste formato, as equações de FitzHugh-Nagumo tornaram-se uma ferramenta matemática poderosa que auxilia na compreensão de alguns fenômenos biofísicos que outrora não poderiam ser interpretados somente através do raciocínio lógico dedutivo [11]. Outras aplicações dessas equações podem ser encontradas na literatura. Entre elas estão: estudo do mecanismo de transmissão dos impulsos elétricos em uma célula nervosa [1], características fundamentais do mecanismo de propagação do pulso sináptico em um neurônio [1], compreensão visual da dinâmica da propagação do impulso nervoso [1], estudo da propagação de ondas elétricas no sistema cardíaco [5], estudo de sistemas lineares com múltiplos pontos de equilíbrio e ciclos-limites [7], etc. Neste contexto, inicialmente este trabalho trata do estudo da solução numérica, utilizando o método de diferenças finitas, das equações de FitzHugh-Nagumo e suas aplicações em sistemas excitáveis. Em seguida, esses conhecimentos teóricos são aplicados para se obter a solução numérica das equações de FitzHugh-Nagumo em comparação com sinais de sistemas excitáveis, particularmente, sinais mioelétricos. Os sinais mioelétricos são aqueles enviados pelo cérebro através do sistema nervoso e do sistema muscular até o membro que deseja-se efetuar algum tipo de trabalho. O estudo desses sinais é importante especialmente na fabricação de próteses para membros superiores e/ou inferiores, por exemplo. Esses sinais, dentre outros sinais biológicos, podem ser adquiridos gratuitamente com o grupo PhysioNet através do PhysioBank [4] (ver Figura 1).

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ISSN 1984-8218

1 1.2 1.4 1.6 1.8 2

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0.2

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0.6

Paciente Saudável

Tempo (s)

Ampli

tude (

mV)

1 1.2 1.4 1.6 1.8 2

−0.4

−0.2

0

0.2

0.4

0.6

Paciente com miopatia

Tempo (s)

Ampli

tude (

mV)

a) b) Figura 1: Exemplos de sinais mioelétricos, obtidos a partir de um eletromiograma (EMG): a) sinal mioelétrico de um paciente saudável, b) sinal mioelétrico de um paciente miopatia (polimiosite). Fonte: Adaptado de [10].

Os dois grupos de sinais, virtuais (modelados pela equação) e biológicos (proveniente do banco de sinais), são analisados utilizando o método Detrended Fluctuation Analysis (DFA) [9]. Este método vem sendo amplamente utilizado na caracterização de séries temporais, e atualmente, também foi utilizado na caracterização de séries espaço-temporais [2]. A partir deste método, é possível determinar o grau de auto-afinidade do sinal, especialmente aqueles com memória longa. Os resultados deste trabalho podem indicar alguma característica universal similar ao modelo e ao sinal real. Desta forma, este trabalho, que tem um caráter interdisciplinar envolvendo conhecimentos matemáticos, computacionais e biológicos, tem resultados aplicáveis nessas áreas e poderá contribuir com a caracterização de sinais de sujeitos normais ou doentes, e na fabricação de próteses. Palavras-chave: Sinais mioelétricos, Equações de FitzHugh-Nagumo, DFA Referências [1] T. A. de Assis, J. G. V. Miranda, S. L. P. Cavalvante, A dinâmica da condução nervosa via

modelo de FitzHugh-Nagumo. Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 32, n. 1, p. 1307, 2010.

[2] M. P. M. A. Baroni, A. De Wit, R. R. Rosa, Detrended fluctuation analysis of numerical density and viscous fingering patterns. Europhysics Letters, vol. 92, p. 64002, 2010.

[3] R. FitzHugh, Impulses and physiological states in theoretical models of nerve membrane. Biophysical J., vol. 1, p. 445-466, 1961.

[4] A. L. Goldberger, L. A. N. Amaral, L. Glass, J. M. Hausdorff, P. C. Ivanov, R. G. Mark, J. E. Mietus, G. B. Moody, C. K. Peng, H. E. Stanley, PhysioBank, PhysioToolkit, and PhysioNet: Components of a New Research Resource for Complex Physiologic Signals. Circulation, vol. 101, n. 23, p. e215-e220, 2000.

[5] J. M. Guerra, Y. L. Liu, R. R. Rosa, Análise dinâmica das equações de FitzHugh-Nagumo. Anais do XXX CNMAC, SBMAC, 2007.

[6] A. Hodgkin, and A. Huxley, A quantitative description of membrane current and its application to conduction and excitation in nerve. J. Physiol. vol. 117, p. 500–544, 1952.

[7] L. H. A. Monteiro, Sistemas Dinâmicos, 2ed, Ed. Livraria da Física, 2006. [8] J. Nagumo, S. Arimoto, S. Yoshizawa, An active pulse transmission line simulating nerve

axons. Proceedings of the Institute of Radio Engineering and Electronics, vol. 50, p. 2061–2070, 1962.

[9] C-K. Peng, S. V. Buldyrev, S. Havlin, M. Simons, H. E. Stanley, A. L. Goldberger, Mosaic organization of DNA nucleotides. Phys Rev E, vol. 49, p. 1685-1689, 1994.

[10] Physionet, PhysioBank Archive Index: Examples of Electromyograms. Disponível em: <http://www.physionet.org/physiobank/database/emgdb/>.

[11] G. C. Quiroz, Análisis cualitativo del modelo de FitzHugh-Nagumo. Foro-Red-Mat: Revista electronica de contenido matemático, vol. 23, n. 3, p. 1-94, 2007.

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ISSN 1984-8218