epistemologia do direito ambiental: uma abordagem ... · 2.3 valoração normativa a partir do...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA
INSTITUTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
REA DE CONCENTRAO ANLISE, PLANEJAMENTO E GESTO DOS
ESPAOS URBANOS E RURAIS.
EPISTEMOLOGIA DO DIREITO AMBIENTAL: Uma
abordagem interdisciplinar da geografia e do direito normativo
aplicado.
TONY GERALDO CARNEIROUBERLNDIA/MG
2008
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TONY GERALDO CARNEIRO
EPISTEMOLOGIA DO DIREITO AMBIENTAL: Uma
abordagem interdisciplinar da geografia e do direito normativo
aplicado.
Dissertao de Mestrado apresentada ao programa
de PsGraduao em Geografia da Universidade
Federal de Uberlndia como requisito parcial
obteno do ttulo de mestre em Geografia.
rea de concentrao: anlise, planejamento e
gesto dos espaos urbanos e rurais
Orientadora: Prof. Dra. Marlene Teresinha de
Muno Colesanti
Uberlndia/MG
INSTITUTO DE GEOGRAFIA
2008
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
C289e Carneiro, Tony Geraldo, 1974- Epistemologia do direito ambiental: uma abordagem interdiscipli-nar da geografia e do direito normativo aplicado / Tony Geraldo Car-neiro. - 2008. 115 f. : il.
Orientadora: Marlene Teresinha de Muno Colesanti. Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Uberlndia, Programa de Ps-Graduao em Geografia. Inclui bibliografia.
1. 1. Direito ambiental - Teses. 2. Epistemologia - Teses. I. Colesanti, Marlene Teresinha de Muno. II. Universidade Federal de Uberlndia. Programa de Ps-Graduao em Geografia. III. Ttulo. CDU: 349.6
Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogao e Classificao
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA
Tony Geraldo Carneiro
EPISTEMOLOGIA DO DIREITO AMBIENTAL: Uma abordagem interdisciplinar
da geografia e do direito normativo aplicado.
____________________________________________________________.
Professora Dra. Marlene Teresinha Muno Colesanti. (Orientadora)
___________________________________________________________.
Professor Dr. Ezalmone Moreira dos Santos.
_________________________________________________________.
Professor Dr. Aguinaldo Alemar.
Data:____/_________de ______
Resultado:_________________
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AGRADECIMENTOS
"Voc simplesmente no ser a mesma pessoa daqui a dois meses depois de
conscientemente dar graas todos os dias pela abundncia que existe em sua vida.
E voc ter colocado em ao uma antiga lei espiritual: quanto mais voc tem e
agradecido, mais ser dado a voc."
-Sarah Ban Breathnach
Externo meus agradecimentos, revestidos de sinceridade e afetividade as quais no podem
ser mensuradas em palavras e sim mediante o sentimento em demasia alocado no ntimo de
meu corao. Agradeo primeiramente a Deus que permitiu a realizao deste trabalho, e a
todas as pessoas que se fizeram presentes, que se preocuparam, que foram solidrias, que
torceram por mim. Mas bem sei que agradecer sempre difcil. Posso cometer mais
injustias esquecendo pessoas que me ajudaram do que fazer jus a todas que merecem.
Apesar de dever muito a todas as pessoas mencionadas aqui, intelectual e emocionalmente,
as idias contidas nesta dissertao so fruto do trabalho intenso, trabalhados paulatinamente
ao transpor desta etapa acadmica.
De qualquer forma, todos os que realizam um trabalho de pesquisa sabem que no o fazem
sozinhos, embora seja solitrio o ato da leitura e o do escrever. O resultado de nossos
estudos foi possvel apenas pela cooperao e pelo esforo de outros antes de ns.
Pesquisadores de vulto histrico, j escreveram sobre o fardo que impomos aos ombros de
gigantes que nos precederam. Isto me leva a questionar-me: quanto de mim sou eu, e quanto
dos outros com quem convivi e com quem convivo? A pergunta cabe porque sinto que este
trabalho no s meu. Pelos autores que li, pelos professores com quem tive aulas na
graduao e ps-graduao, pelos colegas de mestrado que me fizeram aprender com as
discusses e conversas e pelos comentrios e sugestes feitos aos meus primeiros rabiscos
da dissertao.
Agradeo de forma especial a minha orientadora, Dra. Marlene T. M. Colesanti, antes de
mais nada pela pacincia que teve comigo, pelas aulas, ensinamentos, sugestes, conselhos,
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dicas, horas de leitura gastas em meu trabalho e pela participao em minhas bancas de
qualificao e defesa. Marlene, muito obrigado!
Agradeo aos Professores Dr. Joo Clps e Dr. Manfred Fer, meus primeiros professores no
mestrado, ainda como aluno especial, que compartilharam o saber com maestria.
Professora Dra. Vnia Vlach, de forma singular Dra. Neiva F. Oliveira, que agraciada
por Deus em intelectualidade e determinao, que auxiliou na base do trabalho, sempre me
incentivando com suas palavras gentis e sabias.
Aos professores Dr. Aguinaldo Alemar, Dr. Samuel C. Lima e Dr. Ezalmone M. Santos,
participantes em minhas bancas de qualificao e defesa, contribuindo ricamente com
sugestes e conselhos.
Aos familiares, obrigado por vocs existirem e por depositarem em mim a credibilidade da
vitria e realizao em todos os momentos. Pais e avs, obrigado pelos valores e exemplos
sempre pautados na honestidade no trabalho e na famlia, que me proporcionou a base para
alar grandes vos. Dificuldades todos ns temos, mas vocs foram testemunhas da
trajetria inclusive das tribulaes, vivenciadas para chegar at aqui, tais dificuldades
contriburam de forma inegvel para me fazer forte e muito me ensinou. Aos filhos, irmos,
tios (as), cunhadas (os), sobrinhos, sogro, sogra e amigos, um abrao em cada um de vocs.
Agradeo a minha esposa Priscila, que por vezes deve ter detestado a mim e a este trabalho,
pois ele sacrificou muitos momentos que poderamos ter desfrutado juntos, mas sempre
incentivou, sempre apoiou e, o melhor de tudo, sempre me cobrou para que eu continuasse e
conclusse mais esta etapa de nossas vidas que vamos construindo juntos. TE AMO.
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Lista de Siglas
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
CF Constituio Federal
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
EIA Estudo de Impacto Ambiental
IBAMA Ministrio do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis
IG Instituto de Geografia
MAPA Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento
MMA Ministrio do Meio Ambiente
RIMA Relatrio de Impacto Ambiental
SDS Secretaria do Desenvolvimento Social
STF - Supremo Tribunal Federal
TRF Tribunal Regional Federal
UFU Universidade Federal de Uberlndia
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
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SUMRIO
1. INTRODUO...............................................................................................................11
I EVOLUAO APLICATIVA DA GEOGRAFIA...........................................................15
1.1 Construo etimolgica e desenvoltura histrica da geografia......................................15
1.2 Espao geogrfico enquanto meio ambiente..................................................................19
II ARGUMENTAES JURDICAS NO VIS POSITIVISTA E TRIDIMENSIONAL
DA NORMA.........................................................................................................................28
2.1 Panaroma da Norma Jurdica a partir da Moral, Justia e Direito na tica Positivista de
Hans Kelsen.......................................................................................................................29
2.2 Viso da Norma Jurdica a partir da Teoria Tridimensional, implantada por Miguel
Reale.....................................................................................................................................31
2.3 Valorao normativa a partir do ecocentrismo.................................................................37
III- ESPAO NORMATIVO A PARTIR DA TICA INTERDISCIPLINAR.........................39
3.1 Surgimentos da interdisciplinaridade...............................................................................40
3.2 Teoria do Rizoma.............................................................................................................41
IV IMPLEMENTAO EFETIVA DO DIREITO AMBIENTAL..................................46
4.1 Justificativa do Direito Ambiental..................................................................................46
4.2 Natureza jurdica e demais ramos do Direito Ambiental................................................49
4.3 Aspectos da Disciplina de Direito Ambiental aplicada ao ensino superior.....................52
4.4 Mudana de comportamento a partir da conscincia ecolgica e educao ambiental...55
4.4.1 Imperativo Categrico aplicada a conduta Ambiental......................................58
4.5 Democratizando a Norma Ambiental Cidad a Partir da Educao Ambiental.............60
4.6 O Paradigma do Meio Ambiente Sustentvel..................................................................61
4.6.1 Sustentabilidade do processo de produo e exportao da carne bovina no
Brasil.....................................................................................................................................69
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V - PRINCPIO DA BAGATELA NO DELITO DE NATUREZA
AMBIENTAL........................................................................................................................70
5.1 Introduo ao princpio da bagatela.................................................................................77
5.2 Transposio terica aplicao prtica do princpio da bagatela..................................80
5.3 Manifestaes do Judicirio, aplicadas ao delito de natureza ambiental.........................83
5.4 Avaliao epistemolgica................................................................................................85
CONCLUSO.......................................................................................................................91
REFERNCIAS.....................................................................................................................97
ANEXO A Crime contra a fauna / Absolvio.................................................................102
ANEXO B Crime contra a fauna / Absolvio.................................................................105
ANEXO C Crime contra a fauna / Condenao...............................................................111
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Resumo
O presente trabalho dissertativo realiza uma abordagem crtica concepo etimolgica da geografia e de seu objeto de estudo. De forma interdisciplinar, foca o direito ambiental espacial normativo, a partir da concepo moderna de geografia, como cincia resolutiva dos conflitos sociais aplicados. Considerando-se a norma valorativa oriunda da teoria tridimensional, em detrimento da norma positivista, busca-se um desenvolvimento sustentvel e a devida aplicao da legislao ambiental, que deve ser implantada em prol da construo de uma conscincia ambiental personalssima. Ainda, atentamos para a importncia do exerccio da cidadania participativa, a fim de consolidar o regime democrtico de Direito, no tocante tutela do meio ambiente. Concluindo o trabalho, com um estudo de caso, nota-se a importncia do contedo terico trabalhado, explicitando-se como a aplicao do preceito legal ora utilizado, em detrimento da devida tutela normativa, aplicada ao Meio Ambiente.
Palavras-chaves: direito ambiental, geografia, interdisciplinaridade, sustentabilidade, princpio da insignificncia.
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Abstract
The present written work carries through a critical boarding to the design of etymological geography, and its object of study. So interdisciplinary, focus on the right environmental space, from the modern conception of geography resolute science of the applied social conflicts. May there be sight, considering the standard values come from the three-dimensional theory to the detriment of the standard positivist, searching a development sustainable, and the had application of the ambient legislation, what should be implanted in favour of the construction of an exclusive ambient conscience. Still, we are attentive to the importance of the exercise of the participatory citizenship, in order to consolidate the democratic system of Right, in the moving one to the guardianship of the environment. Concluding the work from a case study, the importance of the worked theoretical content is noticed it, explaining how the application of the legal precept sometimes used, at the expense of proper regulatory supervision, applied to the Environment.
Keywords: enviromental law, geography, interdisciplinarity, support, principle of the insignificncia.
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INTRODUO
Atualmente, vivemos nos tempos histricos que sequencializam os tempos biolgicos que
por sua vez se sobrepem aos tempos geolgicos. Cada lapso temporal (histrico, biolgico
ou geolgico), possui sua respectiva caracterstica. Os tempos geolgicos ocorreram h
bilhes de anos e temos poucos registros que nos permitam hoje tirar concluses definitivas
sobre as origens e etapas de formao de nosso planeta. J o tempo biolgico marcado
com a presena da vida no palco terreno, h aproximadamente, centenas de milhes de anos.
Por intermdio de seus ecossistemas, esse processo de formao e desenvolvimento ocorre
de forma lenta e contnua, de forma que vrias espcies (vegetais e animais), apareceram e
desapareceram sem uma justificativa plausvel. Entretanto, o processo evolutivo continuou
seu caminho a fim de preparar o Planeta Terra, para o um momento muito especial. Os
tempos histricos possuem seu marco inicial a partir da identificao e da presena da
espcie humana nos ecossistemas naturais. Podemos concluir que esse momento se deu h
aproximadamente milhes de anos, sem ao certo sabermos o momento exato de tal
acontecimento. (ALLEGRE, 1987)
Os tempos histricos tm o condo de demonstrar as atividades do homem, assim, como a
ocupao do espao. Tambm testemunham as alteraes por ele imposta ao ecossistema
planetrio, no apenas as causas fsicas naturais bem como as alteraes oriundas de causas
fsicas artificiais oriundas do intelecto humano. (JOHSTON, 1986)
Os recursos naturais, finitos por natureza, foram formados lentamente ao decorrer dos
processos biolgicos e geolgicos, cujo processo de formao no voltaro mais. So
esgotados e colocados disposio de forma inconcebvel, devido impossibilidade do
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processo de recriao. Por intermdio do crescente desequilbrio ecolgico e da devastadora
degradao ambiental, chegamos aos dias atuais. Nossas aes chocam-se contra nossos
deveres e direitos, comprometendo nosso prprio destino. O historiador H. G. Wells
registrou: A histria humana cada vez mais uma corrida entre a educao e o desastre.
(PENNA, 1999, p. 15). Este o paradoxo existente nas relaes do homem e a Terra1.
A partir deste prisma, temos a imperiosa necessidade de interao entre as cincias como um
todo, trabalhando em prol de um fim profcuo criao de uma conscincia ambiental
personalssima, com o escopo universal de proteo ao meio ambiente. Para tanto, temos a
necessidade de trabalhar a questo ambiental de forma aberta, ou seja, de forma
interdisciplinar enfatizando a juno entre Direito Ambiental e Geografia Espacial e demais
reas que se fizerem necessrio.
Iniciando o presente trabalho, abordamos a conceituao e evoluo da estrutura geogrfica
espacial no vis de Santos (2001), Kant (2005), Montesquieu (2005) e outros, a fim de
chegar construo moderna da Geografia, como soluo dos problemas sociais. Ainda
neste captulo, aborda-se o espao geogrfico, como meio ambiente de forma ampla, bem
como concepo etimolgica da palavra meio ambiente, posteriormente realizada uma
avaliao aplicativa considerando meio ambiente e espao, a partir do posicionamento
moderno de Santos (2001). Finalizando, tecemos algumas ponderaes relativas
importncia da interdisciplinaridade, em especfico envolvendo Direito e Geografia.
1 A questo ambiental fica exposta e interpelam a responsabilidade dos seres humanos, inequvoca e intransfervel. Todo saber cientfico contido nas Geocincias, nas Biocincias e nas Cincias humanas, fala da fragilidade do mundo natural e da agressividade dominante. Esse o palco que se desenrola o drama da vida no Planeta, a questo ambiental esta desenhada nos cenrios da humanidade e manifesta-se atravs das aes visveis, que podem facilmente ser constatadas; porm no possvel ignorar o que se passa nos bastidores, nas aes ocultas e no jogo de interesses que no vm cena. A vigilncia ambiental, inclusive a conscincia jurdico-ecolgica, deve estar atenta ao que patente e ao que latente.(MILAR, 2005.p. 49).
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Em um segundo momento, verificaremos como feita a interpretao da norma a partir de
um posicionamento positivista, demonstrando a insuficincia atual da utilizao da norma
posta no direito ambiental, adquirida de forma histrica em nosso contexto jurdico
utilizado, que consiste em trabalhar em sentido amplo, a norma e a conduta, apartada da
moral que neste vis objeto de estudo da tica. Seqencialmente, realizada uma
abordagem detalhada da aplicao da Teoria Tridimensional a qual entendemos deve ser
aplicada sempre que necessrio for interpretao da norma em geral, pautada em seus
pilares motrizes: norma, conduta e o valor. A Teoria Tridimensional uma concepo de
Direito internacionalmente conhecida, elaborada pelo jusfilsofo brasileiro Miguel Reale em
1968.
Seqencialmente, abordamos a disciplina de direito ambiental, buscando afastar a aplicao
da norma positivista e introduzir a aplicao da norma valorativa ou humanizada, pois de
suma importncia agregar ao preceito legal vigente, tica e cidadania. E concluindo o
presente captulo, ponderamos sobre as formas e dificuldades na mudana de
comportamento por parte do ser humano, em prol da implantao de uma conscincia
ambiental, como forma de maximizao do bem estar e preservao do meio ambiente.
Alm de rompermos o paradigma do comportamento latencial, com o auxlio da educao
ambiental cidad, a qual enfatizada no presente captulo, necessrio pautarmos o
processo de desenvolvimento em bases sustentveis, utilizando como referencial terico,
Leff, (2001) que traz baila o prisma da sustentabilidade tecnolgica ou econmica, em
detrimento da amiental ou ecolgica.
Neste mesmo vis, verifica-se a sustentabilidade da produo e exportao da pecuria de
corte, bem como seu custeio total.
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E conclundo o trabalho, apresentamos trs decises oriundas do judicirio, realizando uma
abordagem prtica do princpio da insignificncia, que por sua vez demonstra a importncia
da concepo espacial, a necessidade de vigilncia no tocante aplicao da norma bem
como a necessidade de implantao de polticas pblicas, alinhadas com a tica e cidadania.
Assim, desenvolvemos o presente trabalho em uma linha dialtica, a fim de construir uma
viso epistemolgica do direito ambiental, de forma interdisciplinar.
Buscando agregar ao trabalho, o vis crtico do direito ambiental alinhado dialtica da
geografia contempornea e demais segmentos inerentes ao eficiente processo de formao
da conscincia ambiental, a fim de humanizar e uniformizar a aplicao da norma ambiental.
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I EVOLUO APLICATIVA DA GEOGRAFIA
1.1 Construo etimolgica e desenvoltura histrica.
A concepo etimolgica da palavra Geografia auto explicvel e tem origem na Grcia
antiga, "Geo" significa Terra e "graphos" significa escrever. Assim sendo, Geografia o
estudo cientfico da superfcie da Terra com o objetivo de descrever e analisar a variao
espacial de fenmenos fsicos, biolgicos e humanos que acontecem na superfcie do globo
terrestre. (CHRISTOFOLETTI, 1985.)
A geografia o estudo do nosso prprio planeta, o oikos, (casa) do ser humano. Enfoca
a organizao da sociedade e suas relaes com espao fsico, os diversos aspectos da
natureza e da paisagem.
Desde o surgimento da geografia na Antiga Grcia, grande parte do mundo ocidental tinha
interesse em descobrir novos territrios de domnio e atuao comercial, era fundamental
que conhecessem o ambiente fsico e os fenmenos naturais.
No perodo entre os sculos XV e XVI, grandes nomes como, Vasco da Gama, Bartolomeu
Dias, Amrico Vespcio, o genovs Cristvo Colombo redescobririam o interesse pela
explorao, pela descrio geogrfica e pelo mapeamento. (MOREIRA, 1986).
Como o direito, a geografia tambm dinmica e, com o passar do tempo, foram surgindo
novas frentes e subdivises cincia da geografia, tais como:
O Estudo da Geografia voltado para o fenmeno social, em que grandes estudiosos se
empenharam no estudo das vrias reas da geografia. Grandes nomes, entre eles: o filsofo
alemo Emanuel Kant, o iluminista Charles-Louis de Secondat, conhecido como
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Montesquieu, entre outros, buscavam estabelecer em seu estudo a relao entre a
humanidade e o meio ambiente. O estudo geogrfico recebeu nova roupagem, no tocante s
suas novas subdivises geogrficas, dentre elas: a geografia antropolgica e a geografia
poltica.
Ressalta-se que em meados do sculo XIX, aps o surgimento da Escola Alem, foi
mencionado o Determinismo, que se baseava na idia de que o clima poderia estimular ou
no a fora fsica e o desenvolvimento intelectual das pessoas. Portanto, defendeu-se a tese
de que, nas zonas temperadas, a humanidade teria um desenvolvimento mais elevado do que
nas quentes e midas zonas tropicais. Tal teoria caiu por terra quando esportistas se
confrontaram e perceberam pelos resultados que a argumentao no era procedente. Por
outro lado, nos anos 30, a Escola Francesa lanava o Possibilismo, que afirmava que as
pessoas poderiam determinar seu desenvolvimento a partir de seu ambiente fsico, ou seja,
sua escolha, determinaria a extenso de seu avano cultural (MORAES, 1989).
Em um momento posterior dcada de 60, surgem novos elementos ilustrativos da
Geografia, destacamos entre eles: a estatstica, os computadores, os satlites e a concepo
geogrfica propriamente dita, ganha novos aliados a partir do dinamismo, ento, moderno.
A vontade de fazer da geografia um estudo mais cientfico, com aceitao harmnica como
disciplina, gerou a adoo da estatstica como recurso de apoio. Ao findar da dcada,
considerando as novas tcnicas de suma importncia para a geografia comeavam a ser
desenvolvidos: o computador eletrnico e o satlite, dando nova nfase disciplina.
Atualmente, a geografia voltada para o estudo das relaes entre o espao e as sociedades,
resultando em uma necessidade, hoje experimentada pelo gegrafo, de recorrer a outras
cincias como geologia, oceanografia, meteorologia, ecologia, matemtica , estatstica,
bem como s cincias sociais, tais como a Economia, Sociologia, Histria, Poltica e Direito.
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Portanto, o significado etimolgico da palavra Geografia, uniforme e pacfico, no
demando uma pesquisa cientfica proficiente. No entanto, quando questionamos o
significado cientfico da palavra, surgem algumas controvrsias significativas. Assim,
podemos identificar esta realidade a partir da identificao e avaliao do objeto da
Geografia.
Partindo do significado etimolgico da prpria palavra Geografia, a fim de identificar o
objeto, compreendemos assim, uma descrio da superfcie terrestre, com todos os
fenmenos apresentados na superfcie planetria, gerando uma sntese de todas as cincias,
ou seja, seria a cincia com maior multidisciplinaridade existente no planeta, capaz de
estudar tudo que existe no planeta (ANDRADE, 1999).
J em outro vis, a Geografia se atm ao mero aspecto visual do real, ou seja, vista como
cincia sntese da paisagem associada s variantes da fenomenologia, perceptveis ao espao
terreno visvel. Em outro prisma, pode-se dizer que a geografia, sntese da diferenciao
de reas, utilizando o mtodo da descrio e comparao. E por fim, temos a viso
contempornea do objeto pautado, o estudo das relaes entre o homem e o meio, tal
concepo possui maior difuso no meio cientfico. Atualmente, alguns a chamam de
geografia ambiental, que por sua vez enfatiza, tanto o meio urbano, o meio rural, quanto os
impactos da ao humana. Portanto, a anlise da interao entre sociedade e natureza no
favorece nem um nem outro, por outro lado favorece, o resultado desta relao, o que
chamamos de organizao do espao.
Em sendo a Geografia uma cincia que tem o escopo de estudo focado no espao; no o
espao cartesiano e, sim, aquele produzido entre as relaes do homem e o meio,
envolvendo aspectos dialticos e fenomenolgicos. Na tica do gegrafo francs Paul Vidal
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Fenomenologiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ren?_Descarteshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Espa?ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ci?ncia
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de la Blache a Geografia a Cincia dos Lugares2, j Hartshorne (1978, p. 125) diz ser [...]
a cincia da diferenciao de reas.
Uma definio simples poderia ser: Geografia o estudo da superfcie terrestre e a
distribuio espacial de fenmenos geogrficos, frutos da relao recproca entre homem e
meio. (CHRISTOFOLETTI, 1985. p.19)
Vale ressaltar a meno de Foucult apud Vasentini, no tocante geografia:
Cada vez mais me parece que a formao dos discursos e a genealogia do saber devem ser analisadas a partir no dos tipos de conscincia, das modalidades de percepo ou das formas de ideologias. Elas devem ser analisadas em funo das tticas e estratgias de poder. Tticas e estratgias que se desdobram atravs das implantaes, das distribuies, dos recortes, dos controles de territrios, das organizaes de domnios que poderiam constituir uma espcie de geopoltica, onde minhas preocupaes encontrariam os mtodos dos gegrafos. H um tema que gostaria de estudar nos prximos anos: o exrcito como matriz de organizao e saber -- a necessidade de estudar a fortaleza, a 'campanha', o 'movimento', a colnia, o territrio. A Geografia deve estar no centro das coisas de que me ocupo.3(Foucult, apud VESENTINE, 2003, p.98)
A partir da ponderao de Foucault, percebe-se a associao ntida dos saberes da geografia
relao de poder e controle, considerando a concatenao dos saberes inerentes a
disciplina, ou seja, a articulao do saber no vis de domnio, que por sua vez poder ser
usado para diversas finalidades, tanto para melhorar a qualidade da vida humano quanto
para pior-la, no caso de regimes ditadores.
Considerando a Geografia, no vis de melhorar a qualidade de vida, como soluo para os
problemas da sociedade moderna, os pesquisadores tm obtido um resultado positivo que se
inicia desde a orientaes para que pessoas com problemas de incapacidade fsica possam
guiar-se em complexas reas urbanas; pesquisa de distribuio espacial de doenas,
2 Paul Vidal de La Blache, em sua obra maior O Possibilismo e a Geografia, escrita no incio do sculo XX, tem como caracterstica marcante uma crtica ao determinismo geogrfico desenvolvido por Ratzel, a quem acusava de ter politizado em demasia a cincia geogrfica. (Blache apud. Botelho, 1993, p.22.)3 Artigo do Dr Jos Willian Vesentini sobre o pensamento Geogrfico ao longo da histria, seus destaques e propostas, publicado no site pessoal, Geocrtica. Acesso: http://www.dge.uem.br/geografia_comentarios.htm/ Em 12/03/2008.
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http://www.dge.uem.br/geografia_comentarios.htm/ Em 12/03/2008http://www.dge.uem.br/geografia_comentarios.htm/ Em 12/03/2008http://www.geocritica.com.br/texto05.htm
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auxiliando de forma direta na implantao de campanha de combate de forma localizada.
Atualmente, qualquer grande obra no pas, como estradas, pontes , aterros sanitrios e
instalaes de fbricas requerem um Relatrio de Impacto Ambiental ( RIMA ), em que o
gegrafo tem atuao fundamental, encontrando suas diretrizes legais em resolues do
Conama.
Assim, chegamos em um posicionamento moderno, agregando o vis de soluo dos
problemas sociais. Ressalta-se que no abordaremos a utilizao do saber geogrfico
moderno, a fim de mencionar o uso do referido conhecimento em prol de uma utilizao
negativa, ou seja, o proveito prprio individual em detrimento do progresso e bem estar
coletivo.
Portanto, toda essa desenvoltura geogrfica ao transpor do tempo, visa auxiliar o
aprimoramento dos talentos humanos, a fim de agregar uma melhora no convvio social em
sentido latu, seja ele no meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho. Assim,
passamos a discorrer inicialmente sobre o espao geogrfico ambiental.
1.2 Espao Geogrfico Enquanto Meio Ambiente
O espao geogrfico como meio ambiente engloba, alm do espao cartesiano, as relaes
do convvio social, bem como possveis solues aos problemas terrenos como j dito
anteriormente. Para tanto, Inicialmente adentraremos na seara da concepo epistemolgica
do meio ambiente em si.
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De forma inaugural temos que o naturalista francs Geoffrey de Saint-Hilaire utilizou a
expresso meio ambiente em sua obra tudes progressives d un naturaliste, de 1835.
(NUNES, 2006, p. 19)
A expresso meio ambiente derivada do latim ambiens e entis em sentido amplo, possui
conotao de algo que rodeia (MACHADO, 2003, p. 75). Diversos autores dizem que o
vernculo imprprio, considere que meio e ambiente tm a mesma conotao, por outro
lado h quem utiliza a expresso, meio ambiente como de boa aplicao na lngua
portuguesa:
Numa concepo ampla, que vai alm dos limites estreitos fixados pela Ecologia tradicional, o meio ambiente abrange toda a natureza original (natural) a artificial, assim como os bens culturais correlatos. Temos aqui, ento, um detalhamento do tema: de um lado, com o meio ambiente natural, ou fsico, constitudo pelo solo, pela gua, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora; e, de outro, como meio ambiente artificial (ou humano),, formado pelas edificaes, equipamentos e alteraes produzidos pelo homem, enfim os assentamentos de natureza urbanstica e demais construes. (MILAR, 2005, p. 99)
Para Silva (1994, p. 84), o meio ambiente , assim, a interao do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em
todas as suas formas. Assim sendo, perceptvel a fragmentao do meio ambiente em
trs vieses diferentes: o meio ambiente artificial (espao urbano); o meio ambiente cultural
(patrimnio histrico, artstico, arqueolgico, paisagstico e turstico) e o meio ambiente
natural ou fsico (constitudo pela interao dos seres vivos com seu meio.)
Na tica de Santos:
O meio ecolgico j meio modificado e cada vez mais meio tcnico. Dessa forma, o que em realidade se d um acrscimo ao meio de novas obras dos homens, a criao de um novo meio a partir daquele que j existia: o que se costuma chamar de natureza primeira para contrapor natureza segunda j segunda natureza. A natureza primeira como sinnimo de natureza natural, s existiu at o momento imediatamente anterior quele em que o homem se transformou em homem social. A partir desse momento, tudo o que consideramos como natureza primeira j foi transformado. Esse processo de transformao, contnuo e progressivo, constitui uma mudana qualitativa
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fundamental nos dias atuais. E na medida em que o trabalho humano tem por base a cincia e a tcnica, tornou-se por isso mesmo a historicizao da tecnologia. (SANTOS, 1997, p.149)
Na concepo de Corra (1995), podemos classificar o meio ambiente como: I) natural,
formado pelo ar, solo, gua, fauna e flora; II) artificial, formado pelo espao fsico a partir
da transformao da ao continua e perseverante do homem almejando estabelecer relaes
sociais, classificados em urbano, perifrico e rural; III) cultural, formado por bens, valores e
tradies, significativas para as comunidades, atuando na sua identidade e formao; IV)
trabalho, enquanto local de exerccio laborativo. Ressalta-se, que o meio ambiente natural,
visto como objeto valorativo, de acordo com os interesses mercadolgicos.
Podemos, enfim, citar o conceito legal brasileiro de meio ambiente, presente no art. 3., I, da
Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981: o conjunto de condies, leis, influncias e
interaes de ordem fsica, qumica e biolgica, que permite, abriga e rege a vida em todas
as suas formas (MEDAUAR, 2006, p.856).
A partir da leitura desses vrios conceitos, inferimos a concepo de natureza e,
conseqentemente, de meio ambiente em dois grandes centros distintos: um apoiado no ser
vivente genrico em que o homem espcie do gnero denominado por muitos como
ecocentrismo que toma a vida em sua concepo latu universal e, na outra vertente, a
espcie humana, figurando no plo central universal denominada antropocntrica. Nos
conceitos de meio ambiente apresentados, grande parte nos conduz a esse axioma de forma
explcita.
Portanto, independentemente do vis adotado, entendemos que o meio ambiente, antes de
tudo, compe o espao geogrfico de forma natural, bem como as relaes desenvolvidas no
convvio civilizatrio ou ecossistema humano, reforando o carter dinmico de assimilao
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dos conceitos de espao e meio ambiente (meio natural, ou pr-tcnico, meio tcnico e meio
tcnico cientfico informacional).
Entretanto, a tutela do meio ambiente no almeja, por si s, a preservao do planeta, mas
tambm, a conservao e a melhora do qualitativo da vida terrena. Assim sendo, lembramos
que as manifestaes bsicas internacionais relativas tutela ambiental reportam a
necessidade de proteo vida humana com qualidade e preservao dos pequenos nichos
de etnia desfavorecida.
Da anlise do conceito de meio ambiente somos remetidos a outro elemento que deve ser
apreciado: o espao. Lembramos que o estudo do espao considera a presena humana e
suas respectivas relaes.
Assim sendo, e, em consonncia com os ensinamentos bibliogrficos apresentados por
Santos (1999). temos sua conceituao, resultante do conjunto de relaes oriundas de suas
funes e de formas apresentadas a partir de um contedo histrico, englobando fatos
pretritos e presentes. A partir do conjunto de formas capazes de representar a relaes
sociais presenciadas, as quais podem ser perceptveis, consideram-se suas funes e seus
respectivos fatos. Conclui-se que o espao um lugar onde as foras possuem acelerao
diferente. Assim, podemos justificar que a evoluo nos espaos, consideram suas
particularidades especificas, discernindo de um espao para outro.
Posteriormente, o corrente autor considera o espao geogrfico como mera natureza
transformada pelo homem face sua interferncia.
J Corra (1995), enfatiza as relaes sociais quando define o espao geogrfico em sendo o
local produtor das relaes sociais. Tal construo espacial origina-se, a partir da publicao
doutrinria de Lefvbre 1979, que concebeu caractersticas de cunho social ao espao. J
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Kant (2005) trabalhou a problemtica espacial de forma subjetiva, inacreditando na
existncia espacial, desvinculado das relaes sociais.
Inicialmente, em sua tica o espao de modo algum representa uma propriedade de coisas
em si; isto , no representa qualquer determinao dessas coisas que seja inerente aos
prprios objetos e permanea ainda que se abstraia de todas as condies subjetivas de
intuio. Com efeito, nem determinaes absolutas nem relativas podem ser intudas antes
da existncia das coisas s quais dizem respeito e, por conseguinte, tambm, no a priori.
Portanto, o espao no seno a forma de todos os fenmenos dos sentidos externos, isto ,
a condio subjetiva da sensibilidade unicamente sob a qual nos possvel a intuio
externa. Ora, visto que a receptividade do sujeito ao ser afetado por objetos necessariamente
precede toda a intuio destes objetos, compreende-se como a forma de todos os fenmenos
pode ser dada na mente antes de todas as percepes efetivas. Por conseguinte, a priori, uma
intuio pura na qual todos os objetos tm que ser determinados pode conter antes de toda a
experincia princpios das relaes dos mesmos.
Em seguida, Santos conclui:
O conceito transcendental dos fenmenos do espao uma advertncia crtica de que em geral nada intudo no espao uma coisa em si e de que o espao tampouco uma forma das coisas que lhes prpria qui em si mesmas, mas sim que os objetos em si de modo algum nos so conhecidos e que os por ns denominados objetos externos no passam de meras representaes da nossa sensibilidade. (Santos, 1997, p. 138).
Assim sendo, a idia de espao apresentada pode ser avaliada em quatro vieses, os quais
Santos ( 1997), denomina de categorias: estrutura, processo, funo e forma. Ressalta que
tais categorias devem ser observadas forma integrada, isto , estabelecendo entre as
categorias relaes dialticas, de modo que a anlise do espao sempre deve levar em conta
seu aspecto sistmico. Essas categorias podem ser assim entendidas:
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Forma o aspecto visvel de uma coisa. Refere-se, ademais, ao arranjo ordenado de objetos,
a um padro. Tomada isoladamente, temos uma mera descrio de fenmenos ou de um de
seus aspectos num dado instante de tempo. Funo, de acordo com o Dicionrio Webster,
sugere uma tarefa ou atividade esperada de uma forma, pessoa, instituio ou coisa.
Estrutura implica a inter-relao de todas as partes de um todo; o modo de organizao ou
construo. Processo pode ser definido como uma ao contnua, desenvolvendo-se em
direo a um resultado qualquer, implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudana.
A assimilao conceitual dos espaos e da co-relao entre suas categorias importante
instrumento na identificao e interpretao de questes ambientais relevantes, porquanto,
so intrinsecamente atreladas ao antrpica.
Temas atuais como danos ambientais, cooperao internacional, efeitos do comrcio
internacional sobre o meio ambiente, pobreza, so passveis de estudo tanto sob a tica
ambiental quanto sob a tica espacial ou geogrfica.
Utilizemos, como exemplo, a possvel aplicao de diretrizes normativas, no palco terreno,
em um espao transcendental, a fim de primar pela tutela do meio ambiente. Em
determinados pases imprescindvel a explorao ambiental de forma direta, o aspecto
normativo ganha importncia mpar, haja vista a imperatividade do instrumento legal. Com
o escopo maior voltado equidade ambiental, imaginemos: a implantao normativa com o
escopo de evitar que a atividade econmica dominante possa provocar modificaes na
paisagem, por conseguinte, evitando a degradao ambiental; implantao normativa
regulando de forma sustentvel, a explorao ambiental em questo, a partir de uma
organizao mnima nos campos poltico (projetos pblicos voltados ao desenvolvimento
sustentvel) - comercial (compradores, vendedores, logstica, depsitos), social
(trabalhadores), legal (leis que disciplinam a atividade, ao de fiscalizao das autoridades
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competentes), de modo que existe uma estrutura que sustenta ou legitima a funcionalidade
do espao; havendo na utilizao desse espao um processo histrico, primando pela
existncia de aes estruturadas no decorrer do tempo. Reinando em absoluto, a dinmica
social em detrimento da latncia, face s modificaes, alteraes e ajustes, dentre as
relaes sociais como fenmeno contnuo.
A questo ambiental encontra-se inserida na dinmica espacial. Portanto, Santos (1999),
descreve a constituio elementar espacial: os homens; as empresas que produzem bens,
servios e idias; instituies; o meio ecolgico, entendido como um conjunto de complexo
territoriais que constituem a base fsica do trabalho humano, entendidos tambm como o
conjunto dos recursos naturais disponveis; e a infra-estrutura (casas, plantaes, caminhos
etc.). O termo ecossistema ou ecossistema humano refora o carter dinmico que aproxima
os conceitos de espao e meio ambiente.
Considerando tais categorias espaciais teremos uma co-relao maior ou menor, portanto,
classificando o meio onde se do as relaes sociais teremos: I meio natural, ou pr-tcnico -
marcado pela escassez de objetos substituveis ao trabalho do homem com o escopo de
dominar os elementos naturais; II meio tcnico - marcado pela mecanizao do espao; III
meio tcnico cientfico-informacional.
Neste ltimo, que se manifestou principalmente, aps a Segunda Guerra Mundial, a
cincia que, dominada por uma tcnica marcadamente informacional, aparece como um
complexo de variveis que comanda o desenvolvimento do perodo atual. O meio tcnico-
cientfico-informacional a expresso geogrfica da globalizao (SANTOS, 2001). Com o
meio tcnico-cientfico-informacional, a dinmica espacial atinge o seu pice, com reflexos
no fenmeno da globalizao.
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Encontramos no mundo bons exemplos de tais categorias, haja vista o desenvolvimento dos
instrumentos de controle e utilizao dos recursos naturais no ocorrer simultaneamente em
todos os lugares. Boa parte dos problemas ambientais existentes na atualidade, iniciam-se no
perodo tcnico e intensificam-se quando surge o perodo tcnico, cientfico e informacional.
A correta utilizao dos avanos tcnicos e cientficos pode, contribuir para a diminuio
dos problemas ambientais, mas o monoplio do conhecimento tcnico e cientfico tem sido
aplicado em forma de domnio e esbulho de recursos naturais em detrimento dos pases em
desenvolvimento por parte dos pases desenvolvidos. Temos, devido a maior ou menor
quantidade de informao existente e/ou exigida, espaos produtivos (ativos pelo intelecto
humano) meio tcnico-cientfico-informacional e espaos improdutivos (inertes pelo
intelecto humano), deficientes de densidade tcnico-cientfico-informacional satisfatria
(SANTOS, 2001). Assim sendo, os espaos produtivos tendem inevitavelmente expanso e
ao domnio dos espaos improdutivos, caso no haja a criao de mecanismos, que possam
garantir condies mnimas, de estabelecer os critrios necessrios expanso do processo
de produo espacial. Portanto, torna-se evidente e necessria a implantao e utilizao
efetiva de instrumentos legais e polticas de conscientizao voltadas para coibir o processo
expansionista dos espaos produtivos, tcnico-cientfico-informacional que, na maioria das
vezes, so oriundos de pases desenvolvidos, e so implantados em pases subdesenvolvidos
ou em fase de desenvolvimento. Assim, certamente estaramos primando pela proteo dos
espaos improdutivos que, no maioria das vezes, esto vinculadas h uma realidade
economicamente invivel, mas que ambientalmente falando se justifica, haja vista a
preservao do ambiente natural, cultural e do trabalho. Assim sendo, como resultante da
implantao destas aes estaria se protegendo o quantitativo de matrias-primas,
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cooperando de foram internacional para o desenvolvimento tecnolgico dos pases em
desenvolvimento.
Concluindo o posicionamento de Santos (2001), o mesmo enfatiza o espao em face das
relaes de poder e domnio, propondo uma classificao espacial territorial: I) reas de
densidade e de rarefao considerando a densidade relativa a objetos, pessoas,
movimentao dos objetos e pessoas, valores e aes; II) fluidez e viscosidade variando,
conforme o grau de circulao dos fatores acima descritos; III) espao da movimentao,
conforme a quantidade de elementos fixos (vias, transporte) que favoream a circulao, a
diviso do trabalho ou a variedade e densidade do consumo.
Considerando o aspecto social do espao no que tange sua rapidez, podemos dizer que o
mesmo possui um movimento maior nos locais de concentrao de sua atividade financeira
ou sociocultural; IV) reluzentes e ofuscados, variando de acordo com a percepo atrativa
no tocante ao s atividades financeiras, tecnolgicas e; V) espaos coordenativos e espaos
submissos.
A partir da avaliao epistemolgica da concepo do espao e de suas categorias e
classificaes tendem-se um aprofundamento crtico nas abordagens de questes ligadas ao
meio ambiente, uma vez que esto associadas a processos de ocupao e apropriao do
espao normatizado. A elaborao de solues para os problemas espaciais como ambientais
depender cada vez mais do desenvolvimento de trabalhos e da formulao de polticas de
carter interdisciplinar. E para compreendermos a ocupao do espao de forma ampla,
percebe-se a necessidade de um vnculo entre os diversos setores do saber em prol desta
interdisciplinaridade to teorizada, e pouco realizada. E considerando a ausncia de uma
interpretao pautada na diversidade dos saberes, o aspecto normativo, pouco poder
intervir, haja vista a concepo espacial, voltada s relaes de poder e domnio.
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II ARGUMENTAES JURDICAS NO VIS POSITIVISTA E
TRIDIMENSIONAL DA NORMA
2.1 Panorama da Norma Jurdica a partir da Moral, Justia e Direito na tica
positivista de Hans Kelsen
Considerando a importncia da Geografia no tocante resoluo dos problemas sociais, bem
como a necessidade de tratar o direito ambiental de forma interdisciplinar, passamos agora a
verificar as ponderaes por parte da aplicao da norma positivista, herana histrica que,
por sua vez, no encontra harmonia com a tendncia moderna de aplicao da norma
ambiental humanizada ou como alguns preferem chamar valorativa.
O filsofo Kelsen (1984) apresenta um posicionamento critico no tocante s argumentaes
tericas, ao discernimento entre direito e moral, considerando os critrios interioridade
como moral e exterioridade como direito. Sua crtica repousa, sobretudo, considerando o
direito como regulador das condutas intrnsecas e aleatoriamente regulando as condutas
extrnsecas, igualmente ocorrendo com a moral. Este critrio seria, portanto, insuficiente
para dar conta do problema.
Caso o direito venha ser entendido e definido unicamente a partir das idias de
normatividade e validade, ento seu campo nada tem a ver com a tica. A proposta de
separao conceitual provocou uma diviso significativa no posicionamento e avaliao dos
doutrinadores do sc. XX. Resumindo sua proposio: o Direito estudaria as normas
jurdicas; a moral seria estudada pela tica. Assim sendo, o estudo jurdico, no opinaria
entre o certo ou errado, sobre o que virtuoso ou vicioso, sobre o que bom ou mau, mas
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somente em relao licitude e ilicitude, relativo legalidade ou ilegalidade, ainda
relativo validade e invalidade.
A diferena no que tange moralidade da juridicidade, na viso de Kelseniana, resultaria na
observncia da autonomia das cincias normativas. Considerando que estamos diante das
normas positivistas, ressalta-se que por se de tratar de um direito moral ou imoral, prefere-se
o Direito moral ao imoral, porm, reconhecendo que ambos so vinculados conduta
(KELSEN, 1984).
De forma resumida, temos que um direito positivo sempre pode contrariar algum
mandamento de justia e nem por isso deixa de ser vlido4. Assim sendo, o direito
positivado o direito posto pela autoridade do legislador, devidamente validado, por
obedecer s condies formais para tanto, pertencente a um determinado sistema jurdico.
No necessrio o respeito moral, por parte do Direito, para que a norma tenha validade
plena, somente valor jurdico. Portanto, direito e moral no se misturam.5 Assim, vlida a
ordem jurdica ainda que contrarie os alicerces morais.Validade e justia de uma norma
jurdica so juzos de valor diversos, portanto (uma norma pode ser invlida e injusta; vlida
e injusta; invlida e justa; vlida e justa).
ntida a inteno de Kelsen (1998) em querer extirpar do bojo da teoria jurdica a
preocupao com o que justo e o que injusto. Assim, a valorao da justia relativa,
no havendo pacificao por parte dos tericos, dos povos e civilizaes de qual o
definitivo conceito de justia. A discusso referente justia, trabalho da tica, cincia
que possui o papel de estudar normas morais e no normas jurdicas. Assim sendo, tem a
4 O Direito Positivo pode ser justo ou injusto; a possibilidade de ser justo ou injusto uma conseqncia essencial do fato de ser positivo (Kelsen, 1998, p. 364).5 Ocorrendo uma separao entre Direito e Moral, Direito e Justia, significa que a validade de uma ordem jurdica positiva independente desta Moral Absoluta, nica vlida, da Moral por excelncia, de a Moral (Kelsen, 1976, p. 104).
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incumbncia de detectar o certo e o errado, o justo e o injusto. E muitas so as formas com
as quais se concebem o justo e o injusto, o que abeira este estudo do terreno das
investigaes inconclusivas.6 Enfim, fica a indagao, o que justia?
Geralmente, ocorre o desinteresse errneo da Cincia do Direito ao deter-se em
investigaes metodologicamente destinadas a outras cincias (Antropologia, Sociologia,
Geografia, Economia). Neste prisma, podemos dizer que a tica como cincia possui
autonomia prpria, fora do alcance influenciativo do direito.
O embate terico relativo justia, de acordo com Kelsen e conforme os argumentos, acima
elencados, no se situariam no mbito das ambies da Teoria do direito.
Assim sendo, no necessariamente se deduz que Kelsen no esteja preocupado em discutir o
conceito de justia, e mesmo busque uma concepo prpria acerca deste valor7 que se
manifestando de forma controversa a toda discusso opinativa referente aos valores, que por
sua vez possui um setor delimitado de estudo, denominado de tica. Na seara da tica
lcito questionar sobre a justia ou a injustia de um governo, de um regime, de
determinadas leis. Sendo assim, Kelsen manifesta suas argumentaes referentes ao justo e
o injusto, a partir de sua teoria, em obra prpria, a quem de obra principal a Teoria Pura do
Direito, na qual somente o direito positivo, e sua organizao hierrquica e estrutural,
objeto de estudo (KELSEN, 2001).
6 Realmente, vrias normas de justia, bem diversas e em parte contraditrias entre si, so pressupostas como vlidas. Um tratamento cientfico do problema da justia deve partir destas normas de justia e por conseguinte das representaes ou conceitos que os homens, no presente e no passado, efetivamente se fazem e fizeram daquilo que eles chamam justo, que eles designam como justia. A sua tarefa analisar objetivamente as diversas normas que os homens consideram vlidas quando valoram algo como justo (KELSEN, 1996, p.16).7 Da dedicar-se, fora de sua obra Teoria pura do direito, a extensas investigaes sobre a justia, tendo publicado inmeros artigos, e se detido com muito afinco no estudo de algumas teorias sobre a justia, como, por exemplo, a teoria platnica da justia, que se tornou obra coesa, publicada postumamente (O que justia? A justia, o direito e a poltica no espelho da cincia; O problema da justia; A iluso da justia [].(KELSEN, 1996, p.47).
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Concluindo, ponderamos que em nosso ordenamento jurdico ptrio, observa-se uma forte
herana histrica e cultural, no tocante aplicao na norma positivista, como bem
salientado, trabalha questes meramente jurdicas, vislumbrando apenas a licitude,
legalidade e validade, no incluindo questes vinculadas ao bom, certo e virtuoso.
Realizando uma verdadeira diviso de guas entre moral e direito, assim afastando qualquer
possibilidade de valorao e subjetivismo norma jurdica. E na atualidade, um modelo
pautado em tais referncias, dificilmente encontrar guarida em qualquer ramo do direito,
muito menos no que tange aplicao de normas ambientais, as quais demandam um grau
significativo de sensibilidade, bom senso e valorao.
2.2 Exegeses da Norma Jurdica a partir da Teoria Tridimensional, implantada
por Miguel Reale.
Pautando-se na concepo moderna de geografia como forma de resolver os problemas da
sociedade moderna, em um cenrio moderno, temos a devida associao tica
tridimensional do direito, induzida pelo nome em si. O fenmeno jurdico deve ser
dimensionado sob um processo histrico-cultural de implicao e de forma dinmica e
unitria, considerando os elementos: fato, valor e norma, pertencentes ao cotidiano mundano,
realidade social, de modo a solucionar ou encaminhar, adequadamente, o caso concreto.
Considerando o presente, Reale afirma que:
Em sendo o direito interpretado como fato histrico cultural, cientificando-nos da presena real e basicamente dialtica, portanto, no aceitvel, somente como processo, cujos elementos constitutivos so fato, valor e norma, recebendo o nome de dimenso em sentido, filosfico, e no fsico-matemtico. (REALE 2003, p. 144)
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Considerando ser o Direito produto da relao social atravs da dialtica desses elementos,
chegamos concluso de que o Direito no pode ser considerado um esquema puramente
lgico, fechado, uma abstrao, sem resultado prtico. A ordem jurdica s tem razo na
medida em que trouxer solues prticas ao homem, da mesma forma que a geografia
moderna, sobretudo, como ente ecolgico social, no seu cotidiano. Neste vis, acordando
com Rodrigues (1983), jurista portuguesa, que se afirma: estreitando a ligao entre
normas jurdicas e realidade social temos a premissa para a construo de um sistema que
aspira a uma perspectiva de praticidade.
Entendemos que a aplicao normativa deve estar voltada para o ser humano, ao seu bem
estar social, ao seu livre desenvolvimento, soluo do que lhe ocorre ao longo da sua vida.
O Direito, assim visto, resulta da tenso interativa, a partir da dialtica entre o fato e o valor
buscando solucionar de forma concreta e racional o conflito. Considera que o homem faz
parte da histria dia aps dia, construindo de forma ativa seu contexto. O direito no poderia
ser uma obra finalizada, haja vista seu processo de construo ser contnuo. Sua construo,
formatao e interpretao, automaticamente, est propensa movibilidade cultural
valorativa, podendo ocorrer variaes temporais e espaciais, desde que em busca da norma
justa ou, pelo menos, tolervel e razovel, aplicada ao caso. Assim sendo, o texto normativo
ser interpretado e valorado considerando os demais aspectos, fora de um perfil fechado,
simplesmente formal e, sim, em sentido aberto, materialmente falando, satisfazendo,
efetivamente, o sentido da valorao constitucional, especificamente, em prol do modelo
Social e Democrtico de Direito vinculado ao nosso atual sistema, em que a humanidade o
centro convergencial das atenes.
Lembrando o entendimento de Reale fato, valor e norma esto sempre presentes e
correlacionados em qualquer expresso da vida jurdica, o que aponta no sentido de que os
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estudiosos e pesquisadores, independentemente da rea de atuao, no devem atuar de
forma isolada, mas, sim, conjuntamente de forma global. As pesquisas tm uma conotao
dialtica e a norma jurdica pesquisada e trabalhada com fulcro em uma experincia
axiolgica real. Reale, (2003, p. 564) pondera:
mister intensificar o espectro avaliativo considerando a experincia normativa, para no nos perdemos em cogitaes abstratas, julgando erroneamente que a vida do Direito possa ser reduzida a uma simples inferncia de Lgica formal, como a um silogismo, cuja concluso resulta da simples posio das duas premissas. Nada mais ilusrio do que reduzir o Direito a uma geometria de axiomas, teoremas e postulados normativos, perdendo-se de vista os valores que determinam os preceitos jurdicos e os fatos que os condicionam, tanto na sua gnese como na sua ulterior aplicao.
Assimilando a faceta axiolgica no que tange experincia, os valores, a no so tratados
como entidades meta-histricas, mas como afirmado por Czerna (1989, p. 127), em
aprofundado estudo sobre Miguel Reale: se realizam funcionalmente no prprio processo,
numa concreo mvel unitria ao mesmo tempo, que no pode dar lugar a formalsticas
abstraes reducionistas ou isoladores.
Pautando-se no trabalho de Reale, no h como o estudioso do Direito individualizar, de
forma absoluta, os elementos fato, valor e norma e obter um resultado cientfico satisfatrio,
sob pena regressar a um tempo anterior tridimensionalidade concreta e dinmica.
O mesmo autor, ao mencionar que o direito um s para todos os membros do respectivo
grupo, no quer dizer que se tenha apenas uma nica Cincia do Direito, haja vista os vrios
[...] objetos de cognio que a experincia do direito logicamente possibilita (REALE,
2003, p. 53)
Assim sendo, a partir de uma estrutura tridimensional, a experincia jurdica, precisa ser
compreendida como fruto tridimensional de natureza normativa bipolar com as devidas
atribuies. As respectivas caractersticas se tornam teis considerando que a experincia
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jurdica composta de homens e de coisas localizadas no mundo, agregadas de valorizaes
conseqentes.
A teoria tridimensional, ao utilizar a experincia jurdica, tem como um dos seus traos a
prpria atualizao dos valores e o aperfeioamento do ordenamento jurdico. Observando
esta realidade, assinala Reale:
com fulcro no escopo normativo que temos a essencial ateno jurista, visando atualizao dos valores que nela se consagram. J o poltico do direito ou o legislador, olhos atentos para experincia jurdica em geral, cuidam de aperfeioar o ordenamento em vigor, para adequ-lo s novas exigncias da sociedade. (Reale, 1968, p. 121)
Referendando a essa sistemtica (modelagem) dos valores em razo da experincia jurdica,
afirma Reale:
A formatao da experincia jurdica realizada, portanto, pelo jurista em contato direto com as relaes sociais, como o faz o socilogo, mas enquanto este se limita a descrever e explicar as relaes existentes entre os fatos, em termos de leis causais ou motivacionais, o jurista opera mediante regras ou normas produzidas segundo o processo correspondente a cada tipo de fonte que espelha a soluo exigida por cada campo de setores (Reale 1994, p. 41).
Considerando a estrutura dialtica da teoria tridimensional, Reale reconhece que o direito
uma realidade histrico-cultural, a qual no pode ser de forma alguma destacada da
experincia social. Considerando a situao terica, alerta o mestre que, para a compreenso
do Direito como fato histrico-cultural, implica o conhecimento de que estamos perante
uma realidade essencialmente dialtica, isto , que no concebvel seno como processo,
cujos elementos ou momentos constitutivos so fato, valor e norma, a que se d o nome de
dimenso em sentido, evidentemente, filosfico, e no fsico-matemtico.(REALE, 2003).
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Portanto, referindo-se s atitudes humanas, o autor faz aluso experincia histrico
cultural, a partir das diretrizes da cincia jurdica.
Podendo inferir como fato tudo de real dado ou disponibilizado desde que possa ser valorado de forma integrada junto norma jurdica, pautando-se em um resultado conexo entre esses elementos: fato, norma e valor, enquanto contedo histrico-cultural. (Reale, 2003, p. 171)
Para melhor compreender a teoria tridimensional do Direito, necessrio visualiz-la, a
partir de um prisma dialtico, considerando que os subsdios compem material vivo da
histria. Portanto, poder ser determinada uma forma futura capaz de convergir em fato,
haja vista um outro processo de integrao normativa originado de novas exigncias
valorativas, a dizer:
Resumindo, o termo tridimensional pode ser compreendido como traduzindo um processo dialtico, no qual o elemento normativo integra em si e supera a correlao ftico axiolgica, podendo a norma, por sua vez, converte-se em fato, em um ulterior momento do processo, mas somente com referncia e em funo de uma nova integrao normativa determinada por novas exigncias axiolgicas e novas intercorrncias fticas. Desse modo, quer se considere a experincia jurdica, estaticamente, na sua estrutura, quer em sua funcionalidade, ou projeo histrica, verifica-se que ela s pode ser compreendida em termos de normativismo concreto, consubstanciado-se nas regras de direito toda a gama de valores, interesses e motivos de que se compe a vida humana, e que o intrprete deve procurar captar, no apenas segundo as significaes particulares emergentes da praxis social, mas tambm na unidade sistemtica e objetiva do ordenamento vigente. (Reale, 2003, p. 228)
Aps a exposio de toda a argumentao, podemos deduzir que a interpretao da norma
jurdica somente ter alcance efetivo, se aplicada de forma valorativa, conforme os ditames
da teoria tridimensional. Assim, reconhecemos que o direito uma realidade histrico-
cultural, a qual no pode ser de forma alguma destacada da experincia social como um
todo.
Atualmente, ainda sofremos reflexos diretos da aplicao da norma de forma positiva em
boa parte do direito, em geral, de forma tendenciosa ao antropocentrismo.
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2.3 Valorao normativa a partir do ecocentrismo no vis de Miguel Reale
Atualmente, a norma de maior valor hierrquico em nossa cadeia jurisdicional, a
Constituio Federal de 1988, denominada por alguns de Constituio cidad,
reconhecendo valores inerentes ao bom e regular desenvolvimento biopsquico da pessoa
humana. Pertinente ao Meio Ambiente, a mesma designou o Captulo VI, em forma de
regra geral, tutela Ambiental. Ressalta-se o teor do artigo 225 do presente postulado
legal:
Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes. (MEDAUAR, 2006, p. 146)
Inicialmente, o pronome Todos, pode ser interpretado em dois prismas distintos, no vis
antropocntrico, obviamente prestigiando exclusivamente a categoria do seres humanos,
delimitando o acesso e as bencias ao meio ambiente equilibrado somente ao homem,
considerando a falcia que o homem senhor e detentor absoluto do Planeta Terra.
Em outra vertente, o pronome supra a partir da tica ecolgica ou ambiental, deve
contemplar todo ser vivente, pertencente biosfera terrestre, ou seja, o compndio dos
ecossistemas e nichos existentes em nosso planeta.
Nas palavras do Professor Reale A Ecologia no se subordina Antropologia, o que a
humanidade no raro esquece. O referido mestre tem como ponto de partida o
jusnaturalismo, passando pelo humanismo renascentista, focando grandes nomes como
Giambattista Vico, filsofo italiano, simpatizante da metafsica; intrprete da histria, a
partir do historicismo que bem abordado por Hegel (1971), realiza vrios estudos focado
na argumentao positivista e, por fim, realiza o estudo considerando a problemtica dos
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valores. Defende certos valores que denominados de invariantes valorativas ou axiolgicas
como alguns preferem chamar, dando como exemplo a valorao do ser humano, a
comear pelos direito fundamentais, como vida e liberdade.
Considerando as invariantes valorativas ou axiolgicas, podemos dizer que elas so
constantes e se pautaram nesta invariabilidade a fim de originar o valor ecolgico
estampado em nossa Magna Carta/1988. Em detrimento do absolutismo, o Professor
Reale confere ao ecolgico um valor absoluto, no obstante t-lo considerado a uma
invariante valorativa ou axiolgica, diminuindo e ofuscando sua grandeza, enquanto
protagonista da vida humana. Sustenta o ser humano como valor referncia a todos os
valores e retira da natureza o valor interno, abordado crescentemente pela cincia e pela
tica.
Atualmente, a prioridade valorativa emanada do homem , por natureza antropocntrica.
Neste vis, quando o filsofo Reale insiste na prioridade absoluta dos valores
antropolgicos. Considerando o sentido apresentado, no mencionamos antropocntrico
como cientfico e, sim, como valor, aquele valor interno e inalienvel da pessoa humana. E
tambm relativo ao valor interno dos demais entes da natureza: minerais, vegetais e
animais em seus devidos nichos.
Considerando, o meio ambiente como uma realidade presente de seres reais que se
integram e se relacionam, de forma contnua, ou melhor, de forma sistmica. o ser
humano, por sua vez no desvinculado desse sistema, sequer suas relaes se reduzem,
de forma inversa, pessoa humano, mesmo sendo racional, e possuindo particularidades,
ainda um elemento, entre e como os demais elementos existenciais na esfera terrena.
(MILAR, 2005).
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Portanto, seria mais sensato que a antropologia se integrasse de forma submissa
Ecologia, haja vista, ser espcie do gnero, enquanto ecossistema global, e universal de
relaes e inter-relaes realizveis freqentemente em seu bojo.
Ressalta-se que no est em cheque a valorao do ser humano. O que no refutado pelos
ambientalistas que possuem um posicionamento prprio a respeito. A partir deste
posicionamento, cremos que o papel do Homem na biosfera e em toda a Terra seria uma
espcie de intermedirio entre o Criador e as criaturas, ficando em uma posio talvez
intermediria e, ao mesmo tempo, mista, enquanto criatura, e ao mesmo tempo, um co-
gestor universal e ainda, sendo submisso s leis Universais.
O questionamento inevitvel, partindo dessa premissa, indagamos at que ponto e at
quando Homem ir sobrepor-se a todas as criaturas e ao prprio Oikos? Ironizando, o
filsofo Reale, menciona: Tal atitude no seria o mesmo que brincar de ser o Criador
Supremo, Deus?
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III - ESPAO NORMATIVO A PARTIR DA TICA INTERDISCIPLINAR.
3.1. Surgimento da interdisciplinaridade
Verificamos at o presente captulo, a importncia da epistemologia face concepo
espacial, para resoluo dos conflitos da sociedade, que devem se pautar em uma
normatizao eficaz, nacionalista e humana. Para tanto, deve ocorrer a juno de saberes
locados em reas distintas, por meio do estudo conjuntivo dos saberes de forma
interdisciplinar entre a normatizao do direito e a geografia espacial.
O acumular do saber, o transpor do tempo, gerou a especializao. E certamente, no
podemos negar os benefcios agregados com a especializao impulsionando o progresso
informativo, tanto no universo fsico-natural, bem como no social, ampliando as frentes
pesquisadas. (OLIVEIRA; GUIMARES, 2004)
Assim sendo, considerando o mundo complexo dos dias atuais, este encaminhamento tem
conduzido a uma fragmentao e dissociao entre vrios saberes, com resultados, muitas
vezes, comprometedores da prpria apreenso da totalidade do objeto de estudo,
propiciando vises incompletas e parciais. Isso tem ocorrido nas vrias reas dos saberes e
particularmente na educao, em todos os seus nveis. Ressaltamos que a sistemtica de
modelo linear e seqencial disciplinar produto de um modelo epistemolgico racional-
positivista que se consolidou como hegemnico no pensamento ocidental e acabou por
definir os espaos/tempos da pesquisa moderna, fundado nas noes de norma, seqncia e
disciplina.
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Corroborando neste vis, Deleuze, (1995) e Foucault, (2003) afirmam que estamos
transitando das sociedades disciplinares, analisadas por Foucault - que deram origem
priso e escola como conhecemos hoje - para as sociedades de controle, que certamente
engendraro novas instituies, assim como provocaro agudas transformaes nas que
conhecemos. E, este espao de transio - problematizado por diversos autores
contemporneos que vem sendo apontado como transio paradigmtica. Ainda que
possam ser orientados por diferentes pressupostos conceituais, o fato que as teorizaes
contemporneas nos levam a admitir que, a crise da modernidade colocou em questo a
linearidade da histria e possibilitou o emergir de rupturas de diversas foras: sociais,
culturais, econmicas, educativas gerando uma imprevisibilidade que preciso admitir.
Neste contexto, ao aceitarmos a idia de que a histria do conhecimento, da verdade, da
certeza, se encontra em conflito, temos tambm que admitir que esta histria no possa ser
nem linear, nem carregar a noo de progresso. Tambm a noo de sujeito e de
subjetivao tem de ser compreendida fora da lgica cartesiana em que o sujeito centro da
ao. E, se o homem no mais o centro e sim uma das foras, o princpio da
contemporaneidade deixa de ser o da Identidade para ser o da diferena (DELEUZE, 1991).
E para romper o paradigma e as imperfeies do monismo disciplinar, surge nos anos 60 a
interdisciplinaridade, permitindo observao do fenmeno por uma lente grande angular,
permitindo na mobilidade que a sustenta uma aproximao ou distanciamento do fenmeno
observado. A incurso do universo interdisciplinar de mltiplas teorizaes induz o
aparecimento de novas hipteses que podem consolidar o jeito novo, a nova forma de
conceber e realizar a abordagem temtica. Assim sendo, a interdisciplinaridade, conduzir,
evidentemente, criao de expectativas de prosseguimento e abertura de novos enfoques
ou aportes. Conquistando, a metodologia disciplinar parte de uma liberdade cientfica,
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pautando-se no dilogo e na colaborao, fundando-se no desejo de inovar, de criar, de ir
alm e aprimorar-se na arte da pesquisa, no objetivando apenas uma valorizao tcnico-
produtiva ou material, mas possibilitando um dinamismo ao saberes humanos,
desenvolvendo a capacidade criativa de transformar a concreta realidade histrica.
(FAZENDA, 1999).
O segmento da educao defensor da necessidade da interdisciplinaridade, de um inter-
relacionamento profcuo e complexo entre todas as disciplinas, com o objetivo de romper
com as limitaes impostas pelas divises arbitrrias do saber.
3.2 Teoria rizomtica aplicada
Os filsofos Flix Guattari e Gilles Deleuze (apud FAZENDA, 1999) construram outra
metfora para mostrar a interdisciplinaridade. No lugar da tradicional rvore do saber,
criaram a metfora do rizoma, caule subterrneo de alguns vegetais, constitudo por bulbos
portadores de uma multiplicidade de razes emaranhadas ou enlaadas e cujos elementos se
inter-relacionam e se conectam de forma completa, formando um conjunto complexo.
Para que se possa ter uma compreenso mais ampla das possibilidades de aplicao do
conceito de rizoma na construo interdisciplinar que propomos para o ensino de geografia e
direito, a seguir, enumeramos alguns de seus princpios e suas aproximaes com a
formao de um saber rizomtico no vis de Fazenda.
I Principiologia da conexo: todo e qualquer ponto de um rizoma pode ser/estar conectado a qualquer outro. Uma das principais caractersticas do rizoma , justamente, a ausncia de um centro pr-determinado. Assim, os temas apresentados mostram-se apenas como uma possibilidade de dar incio ao trabalho do Eixo temtico correspondente. Os campos de saberes no possuem uma hierarquia, uma centralizao curricular. Apresentam-se como redes de conhecimentos. A cartografia (o rizoma pode ser cartografado) mostra que o
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rizoma possui entradas mltiplas, ou seja, ele pode ser acessado a partir de inmeros pontos, podendo da, remeter a quaisquer outros em seu territrio. Estando conectado a normatizao valorativa do direito, ao espao geogrfico moderno, almejamos alcanar uma real conscientizao cidad, a fim de gerar a efetiva mudana de comportamento, em prol de atitudes harmnicas de convivncia. II - Principiologia da heterogeneidade: considerando que no existe disciplinarizao em territrios disciplinares, o rizoma rege-se pela heterogeneidade. Saberes que se desterritorializam e se interpenetram produzindo novas abordagens conceituais e metodolgicas. A partir desse vis, abre-se a oportunidade de exteriorizao do profissional alm do presente conhecimento tcnico, como o caso do Advogado discorrendo face ao espao geogrfico, em uma construo aqum ao universo tcnico da geografia.III Principiologia da multiplicidade: a teoria rizomtica sempre multiplicidade que no pode ser reduzida unidade, ou a homogeneidade. Uma multiplicidade no tem nem sujeito nem objeto, mas somente grandezas. Assim, a constituio interdisciplinar mista, inexistindo preponderncia ou dominncia, os diferentes saberes que constituem a magnitude da multiplicidade rizomtica. Santos, Kelsen, Reale, Corra so meros coadjuvantes, nesta abordagem, resguardando o papel principal aplicao interdisciplinar, formadora de uma nova tica ampliada e postura aplicada. IV Principiologia do romper a-significante: a teoria rizomtica no pressupe qualquer processo de significao, de hierarquizao. Mesmo constituindo um mapa, sua cartografia um devir. (Fazenda, 1999, p. 69)
Assim sendo, pode-se pensar, desde a perspectiva rizomtica, que o Eixo Temtico se
desterritorializa ao ser trabalhado pelos diversos saberes que o atravessam. Assim sendo, o
mapa traado em cada um dos Eixos Temticos est em constante constituio, produzindo
deveres com o sujeito e as redes de conhecimentos. A cartografia (o rizoma pode ser
cartografado Princpio da cartografia) mostra que o rizoma possui entradas mltiplas, ou
seja, ele pode ser acessado a partir de inmeros pontos, podendo remeter a quaisquer outros
em seu territrio.
Tomando por base o modelo rizomtico, o qual sugestiona novas possibilidades de
abordagem do conhecimento, rompendo com o paradigma fragmentalizado do saber ou com
a disciplinaridade (fruto do modelo arbreo), prope-se a transversalidade ou saberes
transversais, ou seja, saberes que atravessam as vrias reas do conhecimento (FAZENDA,
1999).
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nesse sentido que pretendemos desenvolver o presente texto, buscando a
interdisciplinaridade. Evitando o isolamento ou a falta de interao do Direito com as
demais reas do conhecimento, em especial com a Geografia, de forma a propor o
paradigma rizomtico.
Tomando por norte os dizeres de MACHADO (2003), a interdisciplinaridade no elimina as
caractersticas de cada disciplina e no impe uma mesma viso e uma mesma linguagem a
todos. Alm disso, evita abordagens redundantes e incompreensveis. Se houver disparidade,
ou at antagonismo, essa circunstncia no deve ser ocultada, mas explicada.8
Para realizar uma abordagem interdisciplinar, primeiramente nos reportamos Geografia, ao
pesquisar sobre o estudo do espao geogrfico, cuja apropriao, construo, reconstruo e
organizao so reguladas por um conjunto de leis e normas que regem a vida em sociedade,
percebe-se, de forma dialtica, a interdisciplinaridade entre ela e o Direito.
Assim sendo, percebemos que o espao geogrfico no possui somente uma dinmica
natural, mas tambm uma dinmica social que exercida pelas formas sociais que nela
vivem e atuam. Ao se apropriar da natureza e ao transform-la, a sociedade cria ou produz o
espao geogrfico, utilizando as tcnicas de que dispe, segundo o momento histrico e
segundo as suas representaes, ou seja, crenas, valores, normas (Direito) e interesses
polticos e econmicos. Desse modo, no se pode ignorar que os espaos geogrficos
possuem uma historicidade, ou seja, so realidades temporais, pois a cada gerao humana
corresponde a uma gerao espacial, mediada no seu processo de apropriao de riquezas e
de organizao pelas normas ou pelas leis vigentes.
Sabendo que o ser humano por sua natureza um ser gregrio e no age de forma isolada e
sim coletivamente, no processo de produo do espao geogrfico, conclui-se que ele 8 PHILIPPI JR e ALVES, Em sua obra, Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental., 2005. p. XIX, (Paulo Afonso Leme Machado, ao prefaciar a referida obra, externa, de forma sinttica, sua viso interdisciplinar).
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socialmente elaborado ou produzido, corroborando o seu carter de produto social ou ainda
de produto histrico-social.
Temos que o espao geogrfico , inequivocamente, a expresso do visvel de como a
sociedade est organizada segundo as normas estabelecidas. Nele esto expressas as
desigualdades sociais, a distribuio do poder, o jogo de interesses e de presses existentes
entre grupos e classes sociais sobre o Estado, conduzindo este, historicamente, no veculo
permissivo da construo de espaos em benefcio de alguns e no de todos.
Portanto, podemos reconhecer que o espao geogrfico um produto histrico-social e a
expresso da distribuio do poder existente numa dada sociedade, podemos, sem receio,
afirmar que ele possui um contedo ideolgico e poltico, ou como afirmou o filsofo
Lfbre apud: Azuelle,
A formao do espao se deu a partir de elementos histricos ou naturais. A produo do espao no pode ser comparada produo de tal ou qual objeto particular, de tal ou qual mercadoria. E no entanto existem relaes entre a produo de coisas e a produo do espao. E isso devido a grupos particulares que se apropriam do espao para administr-lo e explor-lo. (LFBRE apud: AZUELLE, 1972, p. 115-116)
A abordagem conectiva entre o Direito Normativo e a Geografia Espacial vem disciplinar o
processo de relao, apropriao e produo no espao geogrfico. Podemos observar que a
cincia sempre entendida como a expresso de seu tempo e aqui se inclui a Geografia, o
Direito e as demais cincias que esto a servio de todos, melhorando e harmonizando o
convvio social, atravs de regras de convvio so pautadas na democracia participativa,
evitando a segregao socioeconmica espacial.
O estudo interdisciplinar entre Geografia Espacial e Direito Normativo, no vis da
construo e reconstruo do espao, do aproveitamento dos recursos naturais, da proteo
ao meio ambiente, da questo fundiria, do uso do solo urbano, da distribuio da renda e de
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muitas outras contradies que marcam o presente perodo histrico dificilmente ser
resolvido, se no houver um grande dilogo entre os saberes, um elucidar objetivo da
realidade social e uma educao no-discplinar, que acreditamos ser uma exigncia da
contemporaneidade.
Finalizamos este tpico com base na argumentao do filsofo alemo Hegel, que se
manifesta da seguinte forma:
Antes que o novo tenha condies de surgir, necessrio que o antigo atinja a sua plenitude, ou seja, a sua forma mais plena. O momento em que um sistema atinge o seu auge o momento que precede o seu esgotamento e superao. (HEGEL, 1971, p. 344)
Portanto, percebemos que o atual sistema de regulamentao espacial socioeconmica no
fornece suporte satisfatrio, a fim de agregar ao ser humano a evoluo do saber,
implantao de uma conscincia valorativa personalssima, ou se quer coibir a expanso do
mercantilismo dominante, bem como regular a distribuio de renda, entre outras facetas,
discernindo, assim o que patente e o que latente.
IV IMPLEMENTAO EFETIVA DO DIREITO AMBIENTAL
4.1 Justificativa do Direito Ambiental.
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A Revoluo Industrial foi protagonista, no cenrio internacional, do desequilbrio
ambiental, devido a acelerao da extrao dos recursos naturais, para atender a demanda
crescente das populaes em desenvolvimento urbano, gerando assim, alimento cobia
humana, resultante, portanto, de um poder a qualquer custo e em um curto espao de tempo.
Houve a participao direta tanto dos proletrios, movidos pela ganncia, quanto dos pobres,
movidos pela necessidade de sobrevivncia. Tal situao gerou um desequilbrio social e
ambiental muito grande, capaz de mudar de uma vez por todas a realidade de nosso planeta
(GOMES, 1996). Assim, o homem modificou sua viso do mundo, no mais se
considerando parte da natureza, mas sim, senhor absoluto, a escravizando e explorando seus
recursos como se fossem inesgotveis. As conseqncias foram inevitveis, resultando uma
poluio crescente, com malefcios visveis a toda sociedade. Surgiu, o despertar de uma
conscincia social, considerando que a continuidade desse processo poderia resultar na
extino da espcie humana. A partir de Estocolmo em 1972, essa preocupao disseminada
pela sociedade internacional, gerou como conseqncia, atitudes, que por sua vez no
poderiam ser diferentes, implicando em mudanas na esfera pertinente ao convvio social
pautado no desenvolvimento sustentvel.
E j temos mais de 35 (trinta e cinco) anos da realizao da Conferncia das Naes Unidas
sobre o Meio Ambiente Humano e seu futuro. Realizada em 1972 foi reconhecido como
marco histrico, resultante de um movimento ambiental permanente e crescente, que vem se
consolidando ao transpor do tempo, passando do campo terico ao campo da ao (atitude),
por intermdio da tomada de conscincia dos governos e da sociedade, resultante de uma
nova forma de gesto de polticas pblicas, priorizando o desenvolvimento sustentvel.
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No Brasil, tal alerta resultou na ao de implantao da Poltica Nacional do Meio
Ambiente, Lei n. 6.938/81, que foi o marco inicial ou seja a implantao do primeiro
diploma legal, que cuidou do direito do meio ambiente como um direito prprio autnomo.
Antes disso, a proteo do meio ambiente era feita de modo mediato, indireto e reflexo, na
medida em que ocorria apenas quando se prestava tutela a outros direitos, tais como direito
de vizinhana, propriedade, regras urbanas de ocupao de solo, etc.
Como o nome mesmo j diz, a referida Lei criou a Poltica Nacional do Meio Ambiente,
sendo muito mais do que um simples conjunto de regras, mas estabelecendo uma poltica
com princpios, escopos, diretrizes, instrumentos e conceitos gerais sobre o meio ambiente.
A Constituio Federal de 1988, seria o arcabouo jurdico que faltava para que o direito
ambiental fosse iado categoria de direito autnomo, haja vista estarem esculpidos, na
Magna Carta, os prprios princpios do direito ambiental. Nestes termos, no h dvida que
a Lei n. 6.938 foi recepcionada pela norma maior.
Conforme tendncia mundial, aqui no Brasil o direito ambiental passa a possuir status do
direito autnomo, constitucionalmente amparado, previsto em um capitulo prprio, no art.
225.
A partir deste momento, nota-se por parte do legislador uma elaborao acentuada de leis
direcionadas tutela do meio ambiente, podemos citar como exemplos dentre as muitas
existentes:
Lei dos Agrotxicos n. 7.802/89, Crimes ambientais Lei n. 9.605/98, Lei da Explorao
mineral n. 7.805/89, Recursos hdricos Lei n. 9.433/97, Lei de Educao ambiental n.
9.795/99.
perceptvel que temos um arcabouo jurdico farto em legislao ambiental digno de
Pases de primeiro mundo. Mesmo assim, nos deparamos de frente com uma realidade
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