entrevista exclusiva / luiz felipe lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos...

13
MUNDO Geografia e Política Internacional ANO 3 N º 4 AGOSTO 1995 Tiragem da 1 a edição: 35.000 exemplares Em 28 de dezembro, o cinema completa uma história de 100 anos, inaugurada com a exibição de filmes curtos e sem som no Café Real, de Paris, pelos irmãos Lumière, inventores do ‘‘cinématographe’’. Inaugurava-se, então, uma nova era na história da humanidade, melhor simbolizada por Hollywood, a ‘‘fábrica de sonhos’’ que exportou para todo o planeta os ideais americanos de felicidade. Em artigo exclusivo para T&C, o historiador e crítico da cultura Nicolau Sevcenko (do Departamento de História da USP) analisa a inserção do cinema na cultura mundial, dando especial enfoque ao seu impacto no Brasil. Para Sevcenko, a cultura brasileira poderia, facilmente, ser dividida em duas fases: AH e DH (antes e depois de Hollywood). Direitos humanos: Anistia denuncia violações em 151 países pág. 3 Barbárie na Bósnia: desaparece o Estado multi-étnico pág. 4-5 Ecologia: ambientalistas querem diminuir uso do carro pág. 9 Diário de Viagem: Cuba, uma tragédia caribenha pág. 10 Greenpeace: campanha contra testes nucleares em Mururoa pág. 11 O Meio e o Homem: guerra nas cidades pág. 11 Texto & Cultura Aos 25 anos, Orson Welles dirigiu e foi a estrela de ‘‘Cidadão Kane’’, considerado pela crítica o melhor filme de todos os tempos. Kane, um magnata da imprensa, usava o seu império para criar mentiras e verdades.O filme, de 1941, foi uma antecipação genial do poder conquistado pela mídia nas décadas seguintes Lançamento: sai o livro “Panorama do Mundo”, uma síntese atualizada dos principais temas de Mundo/1994 pág. 9 Chanceler do Brasil discute os rumos da política externa entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia Com uma política externa ‘‘pragmática e objetiva’’, adequada aos no- vos tempos dos megablocos e da globalização, o Brasil tende a ocupar um lugar cada vez mais destacado, como reflexo de sua importância regional (expressa, em particular, na formação do Mercosul) e de sua projeção inter- nacional. Esta é a síntese da entrevista concedida pelo chanceler Luiz Felipe Lampreia, que também falou da crise mexicana, da guerra comercial entre Washington e Tóquio, de direitos humanos e da luta do Brasil para mudar a estrutura ‘‘ultrapassada’’ do Conselho de Segurança da ONU -do qual o país quer fazer parte (v. págs. 6 e 7). A ‘‘nova fase’’ do Itamaraty pode ser melhor compreendida à luz do quadro traçado pelo jornalista Newton Carlos, que analisa as oscilações da política externa brasileira, de Getúlio Vargas a Itamar Franco (v. pág. 8). Em setembro, Mundo realiza um debate sobre este tema, na USP, com professores e jornalistas. Você está convidado. ‘‘Vovô’’ cinema faz 100 anos

Upload: phungdiep

Post on 08-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos principais temas ... sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos”

MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDOAGOSTO

95

1

M U N D OGeografia e Política Internacional

ANO 3 • Nº 4 • AGOSTO 1995Tiragem da 1a edição: 35.000 exemplares

Em 28 de dezembro, o cinema completa uma história de 100 anos, inauguradacom a exibição de filmes curtos e sem som no Café Real, de Paris, pelos irmãosLumière, inventores do ‘‘cinématographe’’. Inaugurava-se, então, uma nova era nahistória da humanidade, melhor simbolizada por Hollywood, a ‘‘fábrica desonhos’’ que exportou para todo o planeta os ideais americanos de felicidade. Emartigo exclusivo para T&C, o historiador e crítico da cultura Nicolau Sevcenko (doDepartamento de História da USP) analisa a inserção do cinema na culturamundial, dando especial enfoque ao seu impacto no Brasil. Para Sevcenko, acultura brasileira poderia, facilmente, ser dividida em duas fases: AH e DH (antese depois de Hollywood).

■ Direitos humanos: Anistia denuncia violações em 151 países pág. 3

■ Barbárie na Bósnia: desaparece o Estado multi-étnico pág. 4-5

■ Ecologia: ambientalistas querem diminuir uso do carro pág. 9

■ Diário de Viagem: Cuba, uma tragédia caribenha pág. 10

■ Greenpeace: campanha contra testes nucleares em Mururoa pág. 11

■ O Meio e o Homem: guerra nas cidades pág. 11

Texto & Cultura

Aos 25 anos, OrsonWelles dirigiu e foi aestrela de ‘‘CidadãoKane’’, consideradopela crítica o melhorfilme de todos ostempos. Kane, ummagnata da imprensa,usava o seu impériopara criar mentiras everdades.O filme, de1941, foi umaantecipação genial dopoder conquistado pelamídia nas décadasseguintes

Lançamento: sai o livro “Panorama do Mundo”,uma síntese atualizada dos principais temas de Mundo/1994 pág. 9

Chanceler doBrasil discute osrumos da políticaexterna

entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia

Com uma política externa ‘‘pragmática e objetiva’’, adequada aos no-vos tempos dos megablocos e da globalização, o Brasil tende a ocupar umlugar cada vez mais destacado, como reflexo de sua importância regional(expressa, em particular, na formação do Mercosul) e de sua projeção inter-nacional. Esta é a síntese da entrevista concedida pelo chanceler Luiz FelipeLampreia, que também falou da crise mexicana, da guerra comercial entreWashington e Tóquio, de direitos humanos e da luta do Brasil para mudar aestrutura ‘‘ultrapassada’’ do Conselho de Segurança da ONU -do qual o paísquer fazer parte (v. págs. 6 e 7). A ‘‘nova fase’’ do Itamaraty pode sermelhor compreendida à luz do quadro traçado pelo jornalista Newton Carlos,que analisa as oscilações da política externa brasileira, de Getúlio Vargas aItamar Franco (v. pág. 8). Em setembro, Mundo realiza um debate sobreeste tema, na USP, com professores e jornalistas. Você está convidado.

‘‘Vovô’’ cinema faz 100 anos

Page 2: entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos principais temas ... sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos”

MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDOAGOSTO

95

2MUNDO no Vestibular

sem

fron

teira

sEsta seção acolherá cartas de

alunos e professores contendoopiniões e críticas não apenas a

respeito dos assuntos tratados noboletim, mas também sugestões

sobre sua forma e conteúdo.Só serão aceitas cartas portando o

nome completo, endereçotelefone e identidade (RG) do

remetente.A redação reserva-se o direito de

não publicar cartas, assim como ode editá-las para sua eventual

publicação.

A sua escola não precisa esperar até 1996 para tero Mundo. Estamos oferecendo assinaturas ao lon-go de todo o ano. Entre em contato com a gente(veja os endereços no Expediente, à pág. 3).• as edições são veiculadas no fim de março, abril,

maio, agosto, setembro e outubro• o nº 6 (outubro) é dedicado ao Vestibular• todas as edições contêm 16 páginas, 4 das quais

formam o encarte Texto & Cultura• quantidade mínima de assinaturas: 50 por edi-

ção• preço unitário do exemplar: US$ 1,60• pagamento mediante documento bancário, pela

cotação do dólar comercial do dia 30 do mêsanterior

Exemplos:1) assinaturas para 120 alunos e professores, edi-

ções de maio, agosto, setembro e outubro: 120(nº de assinantes) x 4 (nº de edições) x US$1,60 (preço unitário) = US$ 768

2) assinaturas para 180 alunos e professores, edi-ções de agosto, setembro e outubro: 180 x 3 x1,60 = US$ 864

• Obs: pedidos atrasados (de edições já veicu-ladas) dependem de disponibilidade de es-toque. Os preços são válidos para o Estadode São Paulo. Regiões mais distantes pode-rão ter acréscimo correspondente ao valordo frete.

Assine: Boletim MUNDO

MUNDO

É com muita satisfação e alegria que lhes escrevo, paraparabenizá-los pela excelente publicação que é o jornalMundo. Sou leitor e assinante, além de aluno pré-vesti-bular, e este conceituado periódico tem sido uma neces-sidade constante, haja visto ser uma riquíssima fonte deinformação. Gostaria de ver publicado algum texto refe-rente à Guerra das Malvinas, travada em 1982 entre Ar-gentina e Grã-Bretanha, saber a posição do Brasil peran-te o conflito e também, se fosse possível, obter indica-ções de algum(uns) livro(s) sobre o assunto. Ficaria mui-to agradecido.(Ivan Flávio de Souza do Nascimento, Belém -PA)

A leitura do jornal Mundo representa para o estudanteque vai prestar vestibular, a possibilidade de acesso a

tema atuais, aborda-dos por especialistasde maneira extre-mamente didática e,em consequência,acessível. Dá umavisão esclarecedora,não encontrada nosperiódicos comuns,menos preocupadoscom a formação in-telectual em si.(Antônio Almeida,professor de Histó-ria do Colégio Idealde Belém-Pa)

1) (FGV-julho 95) Com relação à América Latina, É INCORRETO afirmar que:a) a crise de 1929 teve efeitos benéficos para nossa industrialização, pois a redução da capacidade de importar

estimulou a produção interna e, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, logo depois, as exportações dematérias-primas cresceram, expandindo o mercado interno.

b) a década de 80 pode ser caracterizada como um período de acentuado crescimento econômico, principalmentepara o Peru, Argentina e Bolívia, responsável pela produção de mais da metade do produto interno da área.

c) as características principais dos governos populistas na região foram o assistencialismo, o anti-imperialismo e onacionalismo.

d) contrapondo-se ao Estado oligárquico tradicional e valendo-se de brechas deixadas pelos países europeus epelos Estados Unidos, o cardenismo (México) e o peronismo (Argentina) possibilitaram a incorporação dasmassas populares no processo político.

e) os anos 70 foram marcados por golpes militares no Chile, na Argentina e na Bolívia.

2) (FGV-julho 95) “...em 1955, em Bandung, na Indonésia, reuniram-se 29 (...) países que se apresentavam como doTerceiro Mundo. Pronunciaram-se pelo socialismo e pelo neutralismo, mas também contra o Ocidente e contra aUnião Soviética, e proclamaram o compromisso dos povos liberados de ajudar a libertação dos povos dependentes...”A conferência a que o texto se refere é apontada como um:

a) indicador da crise do sistema colonial por representar os interesses dos países que estavam sofrendo as conse-qüências do processo de industrialização na Europa.

b) indício do processo de globalização da economia mundial uma vez que suas propostas defendiam o fim dasrestrições alfandegárias nos países periféricos.

c) sintoma de esgotamento do imperialismo americano no Oriente Médio, provocado pela quebra do monopólionuclear a favor dos árabes.

d) sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos” que valorizou o planejamentoestratégico, a industrialização independente e a educação.

e) marco no movimento descolonizador da África e da Ásia que condenou o colonialismo, a discriminação raciale a corrida armamentista.

3) (FGV-julho 95) “...com a subida de Gorbatchov ao poder, em 1985, a União Soviética iniciou a renovação de seusquadros dirigentes e pôs em prática a reformulação da legislação eleitoral, da administração popular e da econo-mia...” Das reformas a que o texto se refere surgiu a Glasnost,

a) um ousado plano de reestruturação da política e da economia que reduziu a participação soviética em conflitosfora da Europa.

b) uma doutrina de “soberania limitada que previa a existência de governos coniventes com o monopólio deMoscou.

c) uma política de abertura, traduzida na campanha contra a corrupção e ineficácia administrativa, maior liberdadepolítica, econômica e cultural.

d) uma forma mais liberal de comunismo que incluia a ampliação das liberdades sindicais e individuais na Rússiae excluía das mudanças os Estados-satélites.

e) um plano quinqüenal que priorizou a reforma agrária, a formação de cooperativas camponesas e adotou aeducação obrigatória para todo o povo.

4) (FGV-julho 95) “Diversos gases expelidos pelas indústrias, principalmente os óxidos de enxofre e nitrogênio, podemreagir com a luz solar e a umidade presentes na atmosfera. Quando isso ocorre, transformam-se em soluções diluídasdos ácidos nítrico e sulfúrico. Em ambientes saturados por esses elementos, as precipitações atmosféricas (chuva eneve) apresentam alto poder corrosivo e contaminam os solos, lagos e oceanos. Por isso são chamadas chuvas ácidas.”Sua distribuição geográfica está associada à presença de altos níveis de produção industrial. No mundo, as altas taxasde chuva ácida concentram-se:

a) nos países subdesenvolvidos com industrialização recente: China, Indonésia e Birmânia e na região do marMediterrâneo, mar fechado, circundado por regiões altamente industrializadas.

b) no Golfo do México e no eixo industrial da região sudeste brasileira até Buenos Aires, na Argentina.c) no arquipélago japonês e em países de industrialização recente: Taiwan, Cingapura, Coréia do Sul e Filipinas.d) nas regiões petrolíferas da Venezuela, do Golfo do México e do Oriente Medio.e) na região dos Grandes Lagos, no nordeste dos Estados Unidos e na Europa centro-ocidental.

5) A cidade de Kikuwit, localizada na África Central, mais especificamente no antigo Congo Belga, hoje república doZaire, freqüentou o noticiário internacional por causa da descoberta e a disseminação de um vírus extremamenteletal, chamado ebola. As condições naturais da área de ocorrência desse vírus são marcadas por:

a) chuvas concentradas em apenas dois meses, vegetação de estepes e muito degradada.b) estação chuvosa no inverno; é o domínio das savanas, que aparecem intercaladas de vegetação herbácea.c) clima com invernos brandos e ventos úmidos, pois a região é cortada pelo trópico de Câncer.d) clima quente e úmido, com ocorrência de densas florestas, características típicas das áreas equatoriais.e) predomínio de bosques com vegetação degradada, marcada por um clima que apresenta grandes amplitudes

térmicas.

RESPOSTAS1) B 2) e 3) c 4) e 5) d

A situação na Bósnia é a pior mixórdia que já vimos na Europa desde o fim da SegundaGuerra, o maior fracasso coletivo do Ocidente desde os anos 30.

(Richard C. Holbrooke, subsecretário de Estado dos EUA para Assuntos Europeus,O Estado de S. Paulo, 15.jul.95, pág. A-10)

Nos anos 30, a “política do apaziguamento” desenvolvida pelos primeiros-ministros britânico efrancês, Neville Chamberlain e Edouard Daladier, resultou na vergonhosa capitulação de Munique,

quando os Sudetos (região a oeste da então Tchecoslováquia) foram entregues àAlemanha de Adolf Hitler.

Alunos do Colégio Ideal (Belém-PA)festejam os resultados do Vestibular-95

Page 3: entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos principais temas ... sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos”

MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDOAGOSTO

95

3E D I T O R I A L

E X P E D I E N T E

Civilização x Barbárie

MUNDO - Geografia e Política Internacional é uma publicação de Pangea - Edição e Comercialização

de Material Didático LTDA.

Editor Geral: José Arbex Jr.Editores: Demétrio Magnoli (Geografia e Política Internacional), Nelson Bacic Olic (Cartografia), Paulo Césarde Carvalho (Texto & Cultura)Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MT 14.779)Diretor Comercial: Arquilau Moreira RomãoProjeto e editoração eletrônica: Wladimir SeniseEndereços: São Paulo: Rua Romeu Ferro, 501. CEP 05591-000 - Fone e Fax: (011) 211-9640Ribeirão Preto: Espaço Cultural Tantas Palavras - Rua Floriano Peixoto, 989 CEP 14.025-010 -Fone: (016) 634-8320 Fax: 623-5480. Belém: J.M.C. Morais, Av. Augusto Montenegro, conj. Morada do Sol, pr.Sol Nascente, aptº 403 - Belém (PA) CEP 66000-000 Fone: (091) 216-8018Colaboradores: Newton Carlos, J.B. Natali, Nicolau Sevcenko, Rabino Henry I. Sobel, Carlos A. Idoeta (Anistia

Internacional), Guilherme Fiuza (Greenpeace), Hassan El Emleh (Federação Palestina do Brasil).A Redação não se responsabiliza pela opinião ou informação veiculadas em matérias assinadas.

Assinaturas: Por razões técnicas, só oferecemos assinaturas coletivas para escolas conveniais. Pedidosdevem ser encaminhados aos endereços acima. Exemplares individuais podem ser obtidos nos seguintesendereços, em SP:• Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), na Faculdade de Geografia da Universidade de SP (USP).• Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900.• Em Ribeirão Preto: na Sucursal (v. endereço acima)

Democracias “ricas” violam direitos,denuncia Anistia

Anistia Internacional (AI) di-vulgou, em julho, o seu relatório anualsobre a situação dos Direitos Humanosem 151 países. Os dados da AI são obti-dos de forma independente e rigorosa,através de seus associados e simpatizan-tes, que somam mais de 1 milhão de pes-soas em todo o mundo.

Um dos dados do relatório quemais chama a atenção é que a violaçãodos Direitos Humanos não se restinge apaíses do Terceiro Mundo. Foram cons-tatados casos de torturas e maus-tratosem 29 países da Europa, incluindo Ale-manha, França, Itália, Suíça, Portugal eEspanha. Em muitos deles, certas açõespoliciais tiveram motivação de caráterracial, voltada especialmente contra imi-grantes e seus descendentes. Por outrolado, grupos armados como o ETA bascoe o IRA irlandês contabilizaram dezenasde mortos e feridos.

Ainda dentro da “civilizada” Eu-ropa, um dos casos mais graves de vio-lação dos Direitos Humanos tem aconte-cido na guerra da Bósnia. Todos os gru-pos envolvidos no conflito sistematica-mente praticam torturas, execuções su-márias e deportação em massa. NaChechênia, as forças armadas da Rússiacometeram, desde o início da invasão doterritório checheno (dezembro de 1994),inúmeros abusos contra a população ci-vil, sem que nenhum responsável poresses atos fosse indiciado.

Ásia e ÁfricaNo Terceiro Mundo continuam

ocorrendo graves violações dos DireitosHumanos. Na África, a guerra étnica emRuanda fez mais de um milhão de mor-tos e uma quantia semelhante de refugi-ados. No vizinho Burundi, milhares depessoas foram assassinadas por motivosétnicos e políticos. Apesar dos avançosdemocráticos no continente, ao final dosanos 80, em grande parte dos países asituação dos Direitos Humanos é aindamuito precária.

Na Ásia, destaca-se a China, que,apesar de ser considerada naçãofavorecida por Washington, tortura e mataseus cidadãos em grande escala. Em 1994,foram registradas quase 2.000 execuções

A

A Anistia Internacional é umaorganização internacional de defesa dosDireitos Humanos. Caso você queira obtermais informações, entre em contato:Rua Vicente Leporace, 833 - CEP 04016-032Fone (011) 542-9819 - São Paulo

e 2.500 sentenças de morte foram emiti-das pelo governo. Estão presos mongesbudistas, freiras e até crianças.

AméricasNos Estados Unidos, tem sido uma

constante a prática de maus-tratos emprisões, além de persistir, em vários Es-tados, a prática da pena de morte. Pes-quisas demonstram que a pena de mor-te tem sido aplicada principalmente aindivíduos das comunidades mais pobrese minorias étnicas (negros e hispânicos).

Em Cuba, há pelo menos 600 pre-sos de sonsciência; no Peru e na, Co-lômbia muitas pessoas desaparecem emmeio ao conflito entre os governos, guer-rilheiros e traficantes.

BrasilNo Brasil, centenas de pessoas

foram executadas por esquadrões damorte, muitas vezes com conivência po-licial nas metrópoles (Rio, Belo Horizon-te, São Paulo e Salvador). Constatou-se,também, a prática sistemática de torturae maus-tratos em delegacias e prisões.Nas zonas rurais, notadamente no nortedo país, a violência tem atingido sobre-maneira líderes sindicais.

O que acontece no Brasil e emoutras partes do mundo, é que poucosculpados dos crimes de violação de Di-reitos Humanos são levados aos tribu-nais.

Isso é apenas uma pequena partedo relatório da AI, que apresenta núme-ros detalhados para cada país. Comopode-se perceber, ainda estamos muitodistantes de uma sociedade que possaser chamada de civilizada.

A Guerra da Bósnia ressuscitou práticas que se julgava en-

terradas, pelo menos em solo europeu: campos de concentra-

ção, depuração étnica e deportação de populações (v. págs. 4 e5). Qualquer semelhança com os métodos de Hitler e Stalin não é

mera coincidência. É o atestado de um fracasso: a Organização

das Nações Unidas foi criada, há 50 anos, exatamente para ga-

rantir que o mundo jamais teria que enfrentar de novo tal horror.

A violência impera onde não há Lei -onde a lei é a do mais

forte. Ora, a própria ONU sempre foi refém dos mais fortes. O

poder de veto dos integrantes de seu Conselho de Segurança -

Estados Unidos, Rússia, China, Grã-Bretanha e França- transfor-

ma em pilhéria a vontade da maioria dos membros da organiza-

ção. A Assembléia Geral reduz-se a uma ópera-bufa, mero ator

coadjuvante do Conselho dos "grandes".

Isso é verdade hoje, quando a Casa Branca, em particular,

faz da ONU a "casa da sogra". George Bush o demonstrou na

Guerra do Golfo (1991): quando lhe interessou, a ONU foi eficaz.

Mas era também verdade à epoca da Guerra Fria, quando Wa-

shington e Moscou tratavam o mundo como seu espólio; o "equi-

líbrio do terror", jamais o concerto das nações, ditava as regras.

A Razão de Estado poderia alegar que é utópica a idéia de

um poder supranacional assegurar democraticamente a paz. Este

raciocínio conduz à destruição da ONU, ainda mais quando se

multiplicam guerras étnicas e civis. Se o único meio de resolver

os conflitos é submetê-los ao jugo das potências -ou, em outros

termos, se a única forma de resolver a fome é matar os famintos-,

então a paz será, sempre, a paz dos cemitérios, aquela que Wa-

shington impôs a Tóquio, também há 50 anos, em Hiroxima e

Nagasaki.

A Razão do Direito Internacional afirma, em oposição, que

o fracasso da ONU, sua incapacidade de impedir a barbárie na

Bósnia -ou em Ruanda– não é resultado de uma suposta inclina-

ção humana para o Mal, mas sim reflete a vontade geopolítica,

imperial, das potências. Elas jamais dotaram a ONU de qualquer

capacidade efetiva de intervenção, mantendo o poder de soar os

tambores da guerra ou de passar o cachimbo da paz.

Hoje, quando se discute a reformulação da estrutura de po-

der da ONU -incluindo a recomposição de seu Conselho-, a comu-

nidade das nações tem nova chance de tentar a via democrática

(v. entrevista com o chanceler Lampreia, às págs. 6 e 7). Os "gran-

des" podem contribuir, limitando os seus próprios poderes, em

benefício de um acréscimo de poder da ONU; ou, ao contrário,

podem reafirmar sua lógica imperial. Caso escolham esta via, se-

rão eles -e não a figura abstrata da "ambição humana"- os res-

ponsáveis pela liberação da Besta do Apocalipse.

Ilust

raçã

o La

ís G

uara

ldo

Page 4: entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos principais temas ... sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos”

MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDOAGOSTO

95

4

ESLOVÊNIA HUNGRIA ROMÊNIA

SÉRVIA

MONTENEGRO

CR

CI

A

SN

IA

Bihac

Tuzla

Srebrenica

Gorazde

Sarajevo

Krajin

a

MAR ADRIÁTICO

SITUAÇÃO MILITAR (1992/1995)

Áreas sob o domínio dos sérvios da Croácia

Federação muçulmano-croata

Áreas sob o domínio dos sérvios da Bósnia

Áreas de segurança da ONU

Zepa

A antiga Iugoslávia sempre foi um mosaico de povos. A grande heterogeniedade étnica do paísocorria de forma mais evidente na Bósnia, conhecida como Iugoslávia em miniatura (v. mapaao lado).

Na Bósnia, os muçulmanos eram cerca de 42% da população, os sérvios 32% e oscroatas 18%, segundo o recenseamento de 1991. Apesar do predomínio de cada um dessesgrupos étnicos em algumas regiões, em geral havia quase uma certa representação, mínimaque fosse, das outras comunidades étnicas. Ademais, um número expressivo de pessoas sedesignava única e exclusivamente iugoslavos, até porque existiam numerosas famílias mistas.

Na Croácia, a minoria mais expressiva era representada pelos sérvios (cerca de 11% dapopulação total), concentrados sobretudo na área de Krajina, região localizada junto às fron-teiras da Bósnia.

Era esse o panorama étnico da região, quando a Iugoslávia começou a se desintegrar,em 1991.

Livros:• A desintegração do leste,

Nelson Bacic Olic, Moderna, SP, 1993• A tragédia iugoslava,

Jayme Brener, Atual, SP, 1993•Nacionalismo - o desafio à nova

ordem pós-socialista, José Arbex Jr., Scipione, SP, 1993

•Iugoslávia: origens de um conflito,Bernard Feron, L&PM, 1995

Filmes em vídeo:•Espionagem em Belgrado,

Milos Radivojevic (Iugoslávia,1985)• Sessenta e sete dias,

Zika Mitrovic (Inglaterra,1979)• Antes da chuva,

Milcho Manchevski (Macedômia, 1994)

SERVIÇO:

Razão de Estado x Direitos Universais

ABC da barbárie na Bósnia

roácia invade Krajina, anunciava numa de suas man-chetes o jornal O Estado de S.Paulo de 05 de agos-to; era mais um capítulo da sangrenta carnificina.

No início de maio, o exército da Croácia re-tomava a região da Eslavônia Oriental, que estavanas mãos da minoria sérvia desde 1991. Esse fatofoi como uma senha para que os sérvios da Bósniaintensificassem seus ataques sobre as áreas de se-gurança mantidas pela ONU em torno das cidadesde Sarajevo, Gorazde, Tuzla, Zepa, Srebrenica eBihac (v. mapa acima) Em junho e julho, duasdessas cidades (Srebrenica e Zepa) cairam em po-der dos sérvios.

No final de julho, o exército da Croácia lan-çou uma grande ofensiva para impedir a queda deBihac, cercada pelos sérvios da Bósnia e de Krajina(v. mapa ao lado). A estratégia das forças croatasmostrou que mais que ajudar seus aliados na Bósnia,o governo de Zagreb estava interessado em recupe-rar toda a Krajina. Em 6 de agosto, caia Knin, a capi-tal da república sérvia de Krajina. No dia seguinte,toda Krajina cairia sob poder da Croácia.

C

Bósnia livre e independente -bradavam muçulmanos e croatas quando da realização, em marçode 1992, de um plebiscito que definiria os destinos do país no contexto de uma Iugoslávia emfrangalhos.

Enquanto isso, os sérvios da Bósnia, que haviam se recusado a participar do plebiscito,passavam a cumprir suas ameaças de ir a guerra, caso ganhasse a tese separatista. Desde aocorrência desses fatos, o que se presenciou foi uma barbárie sem fim.

Utilizando-se do expediente da “limpeza étnica”, e valendo-se de sua superioridade emarmamentos, os sérvios abocanharam cerca de 70% do território da Bósnia. Muçulmanos ecroatas que, em certos momentos chegaram a lutar entre si, promovendo inclusive mútuas“limpezas étnicas”, acabaram por configurar uma federação que ficou com o restante doterritório (v. mapa ao lado).

Contabilidade macabra do conflito até o início de 1995: 200 mil mortos, mais de 700 milferidos e cerca de 2,5 milhões de refugiados.

ESLOVÊNIA HUNGRIA ROMÊNIA

SÉRVIA

MONTENEGROMAR ADRIÁTICO

MAPA ÉTNICO DA CROÁCIA E BÓSNIA (1991)

Maioria absoluta de croatas

Maioria relativa de croatas

Maioria muçulmana

SN

IA

CR

CI

A

Maioria sérvia

ESLOVÊNIA

CR

CI

A

SN

IA

Bihac

Glamoc

Glahovo

Knin

Banja Luka

Krajin

a

MAR ADRIÁTICO

Zagreb

A RECONQUISTA CROATA

Sérvios da Bósnia

Áreas reconquistadas pelos croatas

Croatas da Croácia

Federação muçulmano-croata

Principais eixos do avanço croata

➥➥

Page 5: entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos principais temas ... sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos”

MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDOAGOSTO

95

5Razão de Estado x Direitos Universais

Jogo das potências sela o fim dopluralismo étnico na Bósnia

de Reação Rápida” franco-britânicadestinada, teoricamente, a defender os“capacetes azuis”, mas jocosamentedenominada “Força de Não-ReaçãoNão Tão Rápida”.

Nas últimas semanas, o quadroadquiriu ritmo acelerado. Os sérviostomaram as “áreas de segurança” deSrebrenica e Zepa, repetindo, em es-cala ampliada, as operações de “lim-peza étnica” do início da guerra eameaçando estabelecer um domíniocompleto sobre o leste da Bósnia.Pouco depois, em manobra surpreen-dente, o avanço do Exército croata pelaBósnia central e o cerco aos sérviosda Krajina descerrou a hipótese daocupação croata de todo o norte daBósnia. Ninguém duvida que a ofen-siva é sustentada diretamente porWashington. As operações em largaescala da nova fase do conflito pare-cem apontar para o desenlace: a con-figuração, às custas da Bósnia, de uma“Grande Sérvia” e de uma “GrandeCroácia”. A primeira, aliada da Rússia,controlaria o leste bósnio e, talvez,parte de Sarajevo. A segunda, aliadados Estados Unidos e das potênciasocidentais, controlaria indiretamente orestante da Bósnia. Os dois novos Es-tados estabeleceriam uma situação deequilíbrio de poder na antiga Iugoslá-via, contrabalançando-se mutuamen-te.

Esse horizonte representa a dis-solução integral da antiga Iugoslávia,que, bem ou mal, baseou-se na con-vivência étnica e na diversidade cul-tural. Os muçulmanos bósnios, expul-sos das áreas ocupadas pela “GrandeSérvia”, estarão condenados a vivercomo estrangeiros na “GrandeCroácia”. Os novos Estados étnicos,erguidos sobre a intolerância, são ooposto do que foi a Bósnia. Esses jo-guetes balcânicos das potências mun-diais configuram estufas do rancor edo ódio e prenunciam novas guerrasna parte mais infeliz da Europa.

“Grande Sérvia” e “Grande Croácia” erguem-se sobre os escombros da Bósnia, destruindo a convivência culturale alimentando os rancores balcânicos

O drama está chegando ao fim.Depois de cinco anos de guerra, aBósnia multiétnica desaparece. O seuterritório original, submetido a ondassucessivas de “limpeza étnica”, esva-zia-se da pluralidade cultural que en-trelaçava no mesmo espaço geográfi-co o rendado complexo de muçulma-nos, sérvios e croatas. A unidade polí-tica da Bósnia biparte-se segundo aslinhas de confrontação militar entresérvios bósnios (apoiados pela novaIugoslávia) e as forças regulares daCroácia. O governo bósnio deSarajevo, reduzido a uma franja de ter-ras da Bósnia central, assiste impoten-te ao desmantelamento do país.

Há cinco anos, o panorama eradiferente. A guerra estalou na antigaIugoslávia em consequência das de-clarações de independência daEslovênia e da Croácia. Em seguida, adeclaração de independência daBósnia-Herzegovina cimentou o pro-jeto sérvio de constituição de uma“Grande Sérvia”. O governo de Bel-grado estimulou as lideranças sérviasda Bósnia e da Croácia a promover a“limpeza étnica” nos territórios con-quistados, expulsando populaçõesmuçulmanas e croatas. O projeto, con-duzido a partir do controle sérvio so-bre o antigo Exército FederalIugoslavo, previa a futura unificaçãodos territórios conquistados na Bósniae Croácia com a nova Iugoslávia.

A Bósnia multiétnica transfor-mou-se no principal obstáculo ao pro-jeto da “Grande Sérvia”. A resistênciadas forças do governo de Sarajevo e ainterposição das forças de paz da ONU(os “capacetes azuis”) adiaram o de-senlace, congelando por mais de doisanos as linhas militares. A declaração,pelo Conselho de Segurança da ONU,de “áreas de segurança” em torno dascidades bósnias de Sarajevo,Srebrenica, Zepa, Gorazde, Tuzla eBihac colocou um limite temporáriona estratégia da “limpeza étnica” econferiu um sopro de vida ao Estadomultiétnico bósnio.

Nessa fase intermediária daguerra, a inação no campo de batalhadesviou as atenções para o macabrobaile diplomático das potências. Em1993, a ONU e a UE (União Européia)patrocinaram dois planos de paz fra-cassados, ambos baseados na idéia dereorganização da Bósnia em entida-des étnicas autônomas. A comunida-de internacional começava a se ren-der à lógica da “Grande Sérvia”, ofe-recendo a Bósnia multiétnica em sa-crifício. O embargo de armas, decre-tado desde o início do conflito, atin-gia unilateralmente o governo bósnio,já que os sérvios dispunham do arse-nal do antigo Exército iugoslavo e dosfornecimentos de combustíveis, aber-tos ou velados, da nova Iugoslávia. Em1994, as potências começaram a fazero seu jogo. A Rússia, que ensaiava oretorno a uma diplomacia mais agres-siva, reafirmou a sua tradicional alian-ça com os sérvios, bloqueando as pers-pectivas de uma ação internacionalcontra Belgrado. Os Estados Unidos,

tolhidos pela decisão de não contri-buir com tropas de paz em terra, esti-mularam a constituição de uma Con-federação Bósnio-Croata, elegendo oEstado croata como seu aliado na con-tenção do poderio de Belgrado.

A fase atual do conflito deli-neou-se após o encerramento da tré-gua de inverno, patrocinada pela mis-são do ex-presidente americano JimmyCarter em dezembro de 1994. A im-potência ocidental materializou-se nasdivergências táticas que separaram osEstados Unidos dos aliados europeus.As propostas de Washington, de bom-bardeios aéreos da Otan contra ossérvios, foram bloqueadas por france-ses e britânicos, que temem pela sortede suas tropas em terra. Em junho, atomada de centenas de “capacetesazuis” como reféns pelos sérviosdeflagrou a crise das operações daONU e da Otan. Os europeus passa-ram a encarar a hipótese humilhanteda retirada das forças de paz, ao mes-mo tempo que enviaram uma “Força

Gam

ma/

Sigl

a

Campo de concentração na Sérvia: procura-se vestígios de civilização

A “Grande Croácia” e a “Grande Sérvia” , joguetes das potências, são estufas de rancor eódio; prenunciam novas guerras na parte mais

infeliz da Europa

Page 6: entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos principais temas ... sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos”

AGOSTO95

AGOSTO95

MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO

ciliar a necessidade de proteger a estabilização inter-na com os acordos diplomáticos firmados pelo país?

LFL Nós estamos amparados pelos dispositivosdo Gatt -o artigo XVIII- para adotar as medidas quenos vimos na obrigação de tomar. Além disso, temostido a preocupação de explicar aos nossos parceirosque essas medidas refletem uma atitude cautelosa depreservação da estabilidade econômica.

Mundo O México deu um sinal de alerta sobre osriscos associados aos fluxos globais de capitais finan-ceiros de curto prazo. Os organismos financeiros -oFMI, o Banco Mundial- não parecem aparelhadospara lidar com as novas condições da economia glo-bal. Como o Brasil se posiciona?

LFL O presidente Fernando Henrique foi o pri-meiro mandatário a chamar a atenção para o proble-ma representado pela vontade dos capitais especula-tivos e para a necessidade de se protegerem as eco-nomias emergentes con-tra ataques especulati-vos. Nossa proposta foiveiculada junto ao G-7 eoutros interlocutores. Elacontempla algumas me-didas, que estão sendoanalisadas e debatidas, e que antes de tudo repre-sentam uma tomada de consciência sobre a necessi-dade e a possibilidade de se fazer algo para preveniro que houve de artificial na crise mexicana. Bastamencionar os pontos centrais da nossa proposta:ampliar a cooperação entre autoridades monetáriascom vistas a antecipar problemas; ampliar o escopoda coordenação macroeconômica entre os países quepodem ter um grande impacto sobre o sistema finan-ceiro internacional; expandir os mecanismos existen-tes nos organismos financeiros internacionais paraestabilizar moedas sob ataques especulativos; e me-lhorar o monitoramento internacional de políticasmacro-econômicas domésticas. O tema já adquiriugrande projeção internacional e as propostas de FHCforam objeto de considerações favoráveis na Cúpulado G-7, em Halifax.

Mundo A “guerra comercial” EUA - Japão amea-ça destruir a OMC no seu nascedouro. As sançõesunilaterais americanas contra o Japão foram conde-nadas pela UE. Qual a posição brasileira?

6 7Entrevista exclusiva / chanceler Luiz Felipe Lampreia

Brasil assume ofensiva em busca de mercados Os novos rumos

do Itamaraty

1) (FGV-julho 95) O bloco subdesenvolvido dos países la-tino-americanos industrializados abrange os seguintes paí-ses: Brasil,a) México, Chile e Uruguai, produtores de minerais para asindústrias modernas dos países desenvolvidos do hemisfé-rio norte, dependendo, portanto, dos mercados de consu-mo externos b) México, Argentina e Chile, e o valor dasexportações industriais apresentam porcentual superior a 70%do PIB, demonstrando que as economias dependem muitodas exportações c) Argentina e Venezuela, que tiveram aindustrialização apoiada na substituição de importações, apósa década de 1930 d) México, Argentina e Chile, sendo ovalor das exportações industriais inferior a 10% do PIB, edesse modo, as respectivas economias dependentes do mer-cado interno e) Uruguai, Argentina e Peru, que tiveramindustrialização apoiada na substituição de importações, apósa crise do petróleo, nos anos 70

2) (FGV-julho 95) Sobretudo, a partir da década de 60, ocontinente africano tem passado por um processo dedescolonização, isto é, de independência política formal que:a) tem permitido às jovens nações superar o atraso econô-mico motivado pela exploração das antigas metrópoles b)desacompanhada da respectiva independência econômicae financeira, não conseguiu alterar de forma efetiva as pre-cárias condições de vida da população c) reestruturoueconomicamente as novas nações, uma vez que elas deixa-ram de produzir para os mercados externos e voltaram-separa as necessidades da população local d) alterou sensi-velmente o papel das antigas colônias na divisão internacio-nal do trabalho, uma vez que estas passaram a ter autono-mia econômica e) possibilitou a superação das relações desubordinação econômica das antigas colônias através do de-senvolvimento de atividades industriais modernas

3) (FGV-julho 95) Ataque russo mata 12 e fere 40tchetchenos (Folha de S.Paulo, sábado, 13/05/95)- ATchetchênia constantemente aparece em manchetes, devi-do à luta que trava com os russos para conquistar a suaindependência. É verdadeiro afirmar que essa área se loca-liza na:a) Europa, ao sul da península balcânica, que, após umperíodo de trégua sob a ação efetiva da ONU, retorna aoconflito armado (maio), com danos para a população civilb) Ásia, ao sul do Cáucaso, sendo uma das muitas áreas deetnias e culturas diversificadas que se opõem aos russos,enfrentando divergências internas que dificultam a estabili-zação e unificação política c) Europa, no Cáucaso, sendouma das áreas de oposição aos russos, os quais já conquis-taram várias cidades e enfrentam a resistência de guerrilhei-ros abrigados nas montanhas d) Ásia, ao norte da penínsu-la balcânica, onde a eliminação de uma força maior, repre-sentada pela Rússia, provocou guerras separatistas de or-dem religiosa, étnica e econômica, com grandes perdas paraa população civil e) Ásia, no Peloponeso, onde as lutasreligiosas vêm sendo intensas, com fugazes tréguas, nas quaisfamílias e crianças convivem permanentemente com a guer-ra e com a morte.

4) Nos últimos meses, o governo francês vem sendo critica-do pela comunidade internacional a respeito de uma expe-riência que o país pretende realizar no atol de Mururoa, noOceano Pacífico. A Austrália e a Nova Zelândia são algunsdos países que mais têm se manifestado contra essa experi-ência. De posse dessas informações e de seus conhecimen-tos, responda o seguinte:a) Em que consiste essa experiência ? b) Qual a razão delase verificar no atol de Mururoa? c) Por que Austrália eNova Zelândia são os países mais críticos dessa experiência?

Demétrio MagnoliEditor de Geografia e Política Internacional

MUNDO no VestibularRespostas1) d 2) b 3) c4a) Ela consiste na explosão de um artefato nuclear. A Fran-ça quer realizar este teste nuclear na atmosfera, diferente-mente daquele realizado pela China em seu próprio territó-rio (no Xinjiang, região desértica do noroeste do país), emmaio de 1995, que foi subterrãneo 4b) Duas razões expli-cam o fato. A França nunca realizaria tal experiência emsolo francês; segundo, o atol de Mururoa faz parte de umterritório sob seu domínio, conhecido como Polinésia fran-cesa 4c) Por causa da proximidade geográfica desses paí-ses em relação ao local do teste nuclear e, também pelosistema de circulação de ventos que, poderia levar poeiraradioativa para esses dois países.

Mundo Nos anos que antecederam o golpe de1964, a “Política Externa Independente” de JânioQuadros e Jango associou-se ao terceiro-mundismoem voga [v. pág. 8]. O regime militar oscilou entre aadesão a Washington de Castelo Branco e o ‘‘nacio-nalismo’’ de Geisel. Qual o atual norte do Itamaraty?

Luiz Felipe Lampreia A nossa concepção dapolítica externa parte necessariamente de um diag-nóstico do mundo em que nos inserimos, de umaconsciência a respeito do que somos como nação edo que pretendemos. A diplomacia faz a ponte essasduas esferas. O mundo atual é marcado por grandesoportunidade e alguns riscos. É um mundo mais ho-mogêneo, em que a democracia e a liberdade demercado são forças dominantes; é globalizado, emque a abertura das economias cumpre um papel de-cisivo na obtenção de investimentos produtivos, noacesso a tecnologia e mercados, na melhoria dacompetitividade; e é um mundo de núcleos regio-nais de integração, que fazem dessa tendência umaforça dominante na organização dos espaços econô-micos internacionais. O sistema multilateral de co-mércio foi consolidado e fortalecido, a partir da con-clusão da Rodada Uruguai do Gatt [sigla em inglêsAcordo Geral de Tarifas e Comércio -NR] e dacriação da Organização Mundial do Comércio (OMC),e alguns dos mais renitentes conflitos regionais (comoo do Oriente Médio ou a questão do apartheid naÁfrica do Sul) evoluíram positivamente, abrindo no-vas possibilidades de parcerias. A competição ideo-lógica e estratégica foi ultrapassada pela econômicae tecnológica, mas persistem desequilíbrios flagran-tes entre os níveis de desenvolvimento dos países,barreiras ao comércio internacional e conflitos regio-nais. O narcotráfico, o terrorismo, o crime organiza-

do e o tráfico dearmas são preo-cupações e pro-blemas univer-sais.

O Brasil é um país de grande complexidade, comsua democracia consolidada, em fase de estabiliza-ção e retomada do crescimento, comprometido comreformas que vão torná-lo mais atraente ao investi-mento produtivo internacional e à transferência detecnologia. Seu perfil de comércio é equilibrado (en-tre a União Européia, os Estados Unidos, a AméricaLatina, a Ásia e o restante do mundo), mas precisaampliar sua participação no comércio internacionale melhorar o seu acesso a investimentos, tecnologiase mercados consumidores e fornecedores. Nossa di-plomacia tem, portanto, um papel claro: ampliar asnossas parcerias, melhorando as tradicionais e ex-plorando aquelas onde nossa presença ainda éincipiente (como nos países da Asean, na África doSul); trilhar, com pragmatismo e objetividade, a viade integração, consolidando o Mercosul, explorandoo acréscimo de interesse externo que a iniciativa criapara nós e contribuindo para a integração hemisférica;ampliar a nossa participação nos mecanismosdecisórios de natureza econômica e política; e pro-mover a imagem de um Brasil de economia maisaberta, com grande potencial de mercado, politica-mente estável. Não é uma diplomacia que se preste arótulos: ela quer ser universalista, pragmática,participativa e promocional.

Mundo Quais as perspectivas do Brasil em rela-ção ao Mercosul?

LFL Nossa prioridade é consolidar o Mercosul eas suas parcerias -com outros países latino-america-nos, com o Pacto Andino, com a União Européia(UE). Nossa opção é por um caminho realista e prag-

“A crise mexicana soou comoum alerta”

mático, que leve em conta as dificuldades, os ajustespor que ainda passam os quatro países-membros.Temos passado com êxito por provas complexas naimplantação da União Aduaneira. O Mercosul temganho uma extraordinária projeção regional e inter-nacional, despertando interesses em parceiros comoa UE. Nenhuma das parcerias que o Mercosul podebuscar é excludente. No caso da UE, um acordo quecrie uma área de livre comércio entre os dois siste-mas reforçaria o perfil relativamente equilibrado queo Mercosul tem em suas relações externas. Quanto àintegração hemisférica, chegaremos a uma área delivre comércio com a agregação gradual dos esque-mas subregionais (é a tese do ‘‘building blocks’’) -oMercosul, o Pacto Andino, o Nafta, o Mercado Co-mum Centro-Americano, o Caricom-, acrescida dovetor político representado pelo compromisso daCúpula de Miami, de concluir as negociações até 2005.

Mundo A crise financeira mexicana, que eclodiuem janeiro, parece redimensionar as perspectivas dosistema de Estados das Américas. Quais as suas re-percussões no Nafta?

LFL A crise mexicana soou como um alerta deque é preciso fazer algo tanto no plano interno daseconomias em estabilização, quanto no plano da co-ordenação entre governos e no da mobilização dosorganismos financeiros internacionais. As repercus-sões acabam por ser positivas, porque os países lati-no-americanos estão fazendo correções e tomandoprecauções indispensáveis para que possam persistirem seus esforços de estabilização, abertura e reto-mada do crescimento. Confiamos em que o México

conseguirá superar as suas dificuldades, inclusive por-que, fazendo parte do Nafta, conta com um suporteinédito na história de um país latino-americano. UmMéxico saudável só pode ser positivo para nós.

Mundo Aparentemente, uma das prioridades doItamaraty é o estímulo a iniciativas de tipo Sul-Sul, apromoção do intercâmbio com os ‘‘países-continen-te’’ (Rússia, China, Índia, África do Sul). Qual é osentido dessa estratégia?

LFL É precisamente o que eu disse: temos deampliar e aperfeiçoar as nossas parcerias, e esses pa-íses, todos de grandes dimensões geográficas edemográficas, com muitos recursos naturais e proje-ção internacional e em suas respectivas regiões, cons-tituem parcerias prioritárias. Com alguns deles (comoa Índia e África do Sul), temos de recuperar tempo,queimar etapas; com a China, temos uma parceriaexemplar, que alcança a área de tecnologias avança-das, na produção de satélites. São mercados de di-mensões impressionantes para o Brasil, mas tambémsão atraentes para investimentos e parcerias em ter-ceiros mercados. E há, claro, a dimensão política, àmedida que compartilhamos com eles uma série deinteresses comuns em torno da agenda internacio-nal, além de características e desafios internos, quetornam imprescindível uma relação estreita, de coor-denação, consulta e cooperação.

Mundo As medidas para reequilibrar a balançacomercial brasileira, como a criação de cotas auto-mobilísticas, são vistas, às vezes, como um desafio aomultilateralismo da OMC e do Mercosul. Como con-

LFL Nós nos atemos muito fortemente à letra eao espírito dos acordos que resultaram da RodadaUruguai e que representam um grande avanço naconsolidação do multilateralismo. Esses acordos fo-ram produto de uma longa e complexa negociação erepresentam um amplo pacote de barganhas. Natu-ralmente, as ações dos Estados em matéria comercialdevem ser julgadas a partir da sua compatibilidadecom a letra e o espírito da OMC. Por isso, nós espe-ramos que os contenciosos entre parceiros comerci-ais sejam resolvidos estritamente dentro do marcojurídico fornecido pelo Gatt, que é também um mar-co político, o do compromisso com o multilateralismoe com a liberalização do comércio.

Mundo O ministro da Justiça Nelson Jobim de-clarou sua intenção de reabrir as investigações sobrea chacina de 111 presos do Carandiru (SP), inclusi-ve para melhorar a imagem externa do país. Como osr. vê essa questão?

LFL Nós temos reconhecido que o Brasil temproblemas na área de direitos humanos e quer resolvê-los com a ajuda desinteressada e não politizada dacomunidade internacional, seja dos governos e orga-nismos internacionais, seja das organizações não-governamentais. Qualquer medida que vise a escla-recer e punir casos de alegadas violações de direitoshumanos é bem-vinda. Nossos maiores problemas,do ponto de vista da política externa, são a impres-são de impunidade e as dificuldades que o governofederal tem para investigar, punir e prevenir a ocor-rência de crimes contra os direitos humanos, muitasvezes porque a competência sobre esses crimes nãoé da União -que representa o país na comunidadeinternacional-, mas dos Estados. Qualquer avanço eminvestigações sobre violações de direitos tem impli-cação direta sobre o padrão do nosso relacionamen-to com outros países e sobre a imagem do Brasil.

Mundo A ONU começa a discutir a reforma doConselho de Segurança. Qual é a posição do Brasil arespeito ?

LFL O CS reflete uma realidade de poder mundi-al ultrapassada e precisa ser fortalecido para que possaser mais eficaz na promoção e manutenção da paz eda segurança. Para fortalecer-se, ele precisa ter mais

legitimidade, o que, em um órgão como aONU, só se consegue através de melhorrepresentatividade, além, óbvio, de mais re-curso, sobretudo financeiro. A ampliaçãodo número de membros permanentes enão-permanentes do Conselho responde aesse imperativo. Essa percepção parece ser

majoritária, e da mesma forma tende a consolidar-sea idéia de que a maior representatividade do CS seobterá com a incorporação, como novos membrospermanentes, de países com grande peso específico,perfil de atuação global e representatividade em re-lação às regiões e grupos de países. Nosso esforço éno sentido de promover essa idéia.

Mundo O CS pode apenas incorporar Japão eAlemanha, transformando-se em algo como um G-7ampliado. O Brasil está disposto a combater essa pers-pectiva, ou apenas luta para ser integrado ao CS?

LFL Nós estamos dispostos a colaborar para queo CS se torne mais legítimo, eficaz e representativo.Uma fórmula que contemple a simples incorporaçãodo Japão e da Alemanha -o ‘‘quick fix’’, no jargão daONU- não corresponde aos princípios que devemnortear uma reforma. Nós não pretendemos um lu-gar no CS como parte de uma política de prestígio,ou como um exercício teórico. Queremos que o Con-selho funcione melhor, tenha mais autoridade.

O boletim Mundo tem a honra de convidar todos os seus leitores a participarem de um debate sobre osrumos da política externa brasileira, no dia 19 de setembro, às 19h30, no anfiteatro da faculdade de

Geografia da USP.

Farão parte da mesa debatedora:■ prof. José Augusto Guilhon de Albuquerque (coordenador do Programa de Relações Internacionais da USP)■ prof. Antonio Carlos Robert Moraes (Dep. de Geografia da USP)■ jornalista João Batista Natali (Folha de S. Paulo)■ prof. Demétrio Magnoli (editor de GePI de Mundo)■ coordenação: jornalista José Arbex Jr. (editor-geral de Mundo)

Mundo debate política externa brasileira, em setembro, na USP

“O maior problema para aimagem do Brasil é a impressãode impunidade dos criminosos”

Participe!!!!

O chanceler Lampreia (no destaque) critica a atualestrutura de poder da ONU (na foto, sua sessãoinaugural, em 1945), que, para ele, reflete ‘‘uma

realidade mundial de poder ultrapassada’’. OBrasil pleiteia o seu lugar no Conselho de

Segurança da ONU, órgão máximo executivo daentidade

Mar

cio B

atis

ta

Page 7: entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos principais temas ... sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos”

MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDOAGOSTO

95

8 As oscilações da política externa brasileira

Casa Branca sufocasonho de “potência regional”

Os novos rumosdo Itamaraty

De Getúlio Vargas a Itamar Franco, as eventuais tentativas brasileiras deexercer uma política externa independente, afirmando uma posição deliderança na América Latina, foram abortadas por Washington

6 de março de 1953: o presidente da Argenti-na, Juan Perón, escreve a Getúlio Vargas dizendoser “necessário nos unir diante de futuro incerto”.Vargas responde, lamentando “dificuldades que im-pedem o início de entendimentos”. Em fevereiro de1954, seis meses antes do suicídio de GV, o embai-xador americano no Brasil filtra para os jornais do-cumento secreto de seu governo analisando os ‘‘ris-cos para as democracias do continente’’ de uma ali-ança argentino-brasileira anti-Washington. Em setem-bro de 1955, cai Perón.

Na época, a Argentina tinha peso (42% dototal das linhas férreas sul-americanas e 55% dosautomóveis), e ainda desfrutava dos saldos do nãoenvolvimento direto na Segunda Guerra. Perón ofe-receu a Vargas 1,5 milhão de toneladas de trigo. Osamericanos contaram com aliados entre diplomatase militares brasileiros para bloquear a aliança. Argu-mentos não faltavam. O Brasil havia lutado contra onazismo, com o qual a Argentina flertou. Mas im-portou bastante o fato de que se tratou de iniciativaargentina, em oposição, portanto, à “vocação” bra-sileira de potência regional.

O fracasso da empreitada peronista não se-pultou sentimentos favoráveis a que os países lati-no-americanos assumissem maior independênciaface a Washington. Reações iradas à visita do entãovice-presidente Richard Nixon, em 1958, abriramespaço para que o Brasil tomasse a iniciativa, com aOperação Panamericana. ‘‘É preciso criar algo maisprofundo e algo mais duradouro em favor do nossodestino comum”, escreveu, em maio de 1958, o en-tão presidente Juscelino Kubitschek, ao chefe deEstado americano Dwight Eisenhower.

Em outra carta, ao presidente Arturo Frondizi,da Argentina, JK defendeu a necessidade de melho-rar as condições de vida de “todas as zonas subde-senvolvidas da nossa comunidade”. Caberia a JânioQuadros, sucessor de JK, avançar no terreno aindavirgem da independência diplomática. Em sua pri-meira e única mensagem ao Congresso, Jânio, em-bora registrando que “a posição ideológica do Bra-sil é ocidental e não variará”, pregou a “ neutralizaçãodo conflito ideológico”, disse que o Brasil “não podeignorar a vitalidade e o dinamismo dos Estados so-cialistas” e falou dos “pontos de contato entre Brasile os povos da África e Ásia”. Além de condecorar“Che” Guevara, herói da Revolução Cubana e inimi-go de Washington, encontrou-se com Frondizi, emUruguaiana, numa reunião impregnada de fantasi-as de independência. JQ renunciou, em agosto de

Newton CarlosDa Equipe de Colaboradores

1961, sete meses apóssua eleição, alegandoestar submetido a pres-sões ‘‘terríveis’’.

João Goulart, seusucessor, votou contra aexpulsão de Cuba daOEA, colocou o Brasil nalinha de frente do Gru-po dos 77 (dos paísessubdesenvolvidos daÁsia, África e AméricaLatina), e contribuiu demodo decisivo para quese instalasse a Unctad(conferências de comér-cio e desenvolvimento),que acirrou o confrontonorte-sul. Mas, o golpede 1964 depôs Goularte trouxe o “alinhamen-to automático”: o que ébom para Washington ébom para o Brasil, disse, textualmente o ex-chancelerJuracy Magalhães. Cuba foi expulsa da OEA, com ovoto do Brasil, o único grande país latino-america-no a mandar tropas para a República Dominicana,invadida em 1965 pelos Estados Unidos em nomeda contenção do comunismo.

O governo Costa e Silva (março de 1967 aagosto de 69) traria surpresas. O Brasil foi dos maisativos na convocação da conferência só de paíseslatino-americanos em Vina del Mar (Chile), em mar-ço de 68. O “Consenso de Vina del Mar” afirmava anecessidade de “modificações importantes nas rela-ções com os demais membros da comunidade in-ternacional”. Dizia que os interesses latino-america-nos “não são idênticos aos dos Estados Unidos, etendem a ser progressivamente contraditórios”. Ogoverno Médici (outubro de 69 a março de 74) foicaracterizado pela paralisia e isolamento.

Com Geisel (março de 74 a março de 79),instalou-se o “pragmatismo responsável”, o Brasilcomo “país do Ocidente e do Terceiro Mundo”.Criou-se um “dual track” (duas vertentes, Ocidentee Terceiro Mundo) a partir de conflitos com os Esta-dos Unidos, sobretudo na disputa de mercados ára-bes de armas. Sedimentaram-se fantasias atômicas.OBrasil, certo de que os petrodólares financiariam odesenvolvimento de sua indústria bélica, concluiuum acordo de cooperação nuclear com a Alemanha

e denunciou o tratado de assistência militar de 1952com Washington. O Brasil não podia continuar “imó-vel” diante da recusa americana a repassar“tecnologia sensível” para armas convencionais enucleares. Mas o governo seguinte, do generalFigueiredo (março de 79 a março de 85), viu-seenvolvido com a crise da dívida. O discurso diplo-mático quase se limitou a criticar “rígidas políticasde austeridade que possam destruir bases econômi-cas dos países latino-americanos” e a denunciar o“baixo nível de cooperação internacional”.

O governo Sarney, a partir de 1985, definiucomo prioridade uma política latino-americana, so-bretudo de relações com a Argentina, com a qualforam assinados 10 protocolos de cooperação, abrin-do o processo de integração que daria no Mercosul,e acordo de inspeção recíproca de instalações nu-cleares. E também de entusiasmo com a China. Ogoverno Collor iniciou a abertura do mercado naci-onal (incluindo o de informática), e admitiu que oBrasil tinha planos para fazer testes nucleares (no‘‘buraco’’ da base aérea de Cachimbo, por ele fe-chado). Os governos de Itamar e Cardoso reitera-ram e reiteram a prioridade das políticas deintegração mais amplas, da criação de “vastas áreasde livre comércio”, o que, em última instância, con-fluiria com os novos interesses americanos, nos quaisa geoeconomia substitui a velha geopolítica.

Em desafio a Washington, JQ condecora ‘‘Che’’ Guevara, herói da Revolução Cubana, logoapós a fracassada invasão da baía dos Porcos, em abril de 1961, ordenada por John Kennedy

Page 8: entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos principais temas ... sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos”

MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDOAGOSTO

95

9De novo, o “efeito-estufa”

Contra o CO2, ambientalistas querem diminuir

o uso do carroLerda, burocrática e submetida às pressões dos países ricos, ONU mostra-se incapaz de combater a poluição,

cujos efeitos são agravados com a chegada do inverno

como a dos países insulares e da Ale-manha. Estes, defenderam a reduçãoem 20% dos índices de CO2 até 2005,em relação ao total emitido em 1990.Mas, foi aprovada a manutenção dosníveis de emissão de CO2 de 1990 noano 2000 pelos países desenvolvidos-os que mais emitem gases estufa, gra-ças, principalmente, à queima de com-bustível fóssil (derivados de petróleo).Além disso, foi instituído um grupo detrabalho para elaborar um plano decontrole das fontes que contribuempara o aquecimento global. A discus-são do relatório deste grupo será emTóquio, em 1997.

Os formadores de opinião dasociedade civil, incluindo lideranças deorganizações não governamentais(ONGs), expressaram sua decepçãocom os resultados da conferência.Porém, há que se ter cautela. Criticaras deliberações é uma coisa. Outra, éatacar o fórum em que elas são gera-das. A estratégia ambientalista devepautar-se por ampliar o interessa daopinião pública pelo tema, e não es-vaziar uma instância de deliberação.Seria um erro não assumir que, aomenos, já há um fórum para debatero tema das mudanças climáticas.

O reconhecimento de novosatores no campo das relações interna-

cionais é um fato incontestável. Estereconhecimento levou, inclusive, àinserção de ONGs na arena das deci-sões, desde as reuniões preparatóriaspara a Rio-92. A questão é como in-tervir, considerando-se o ambientepolítico desfavorável, em que as pro-postas avançadas são sistematicamen-te derrotadas.

gases-estufa na atmosfera são parte dospaíses desenvolvidos e os países pro-dutores de petróleo. Ou seja, aliam-seos que produzem e consomem carros(com todo o peso que possui a indús-tria automobilística na geração de di-visas e de empregos, num quadro dedesemprego estrutural e mundializaçãoda produção) àqueles que extraem amatéria-prima para produção do com-bustível.

Para alterar esta situação, é pre-ciso atingir todos os que utilizam car-ros e combustíveis fósseis, por exem-plo. Assim, o apoio às campanhas queregulamentam o uso automóveis, pri-vando-os de circular nas metrópolesem alguns dias da semana, ou mesmoa introdução de novos hábitos comoo de dar e receber carona, devem sersomados às lutas pela melhoria dotransporte coletivo. Com menos car-ros nas ruas, teremos menos proble-mas ambientais. É pouco, mas, semdúvida, é a ação de mais longa dura-ção, uma vez que aborda o usuário,aquele que tem a decisão de sair decarro ou de usar outro meio de trans-porte.

‘‘Panorama do Mundo’’ traz o que aconteceu de mais importante em 1994

A Redação de Mundo tem o prazer de anunciar aos seus leitores que a editora Scipione acaba de lançar o livroPanorama do Mundo - vol. 1. Como o título indica, o livro traz um panorama -revisado e atualizado- de tudo o que demais importante apareceu em Mundo em 1994. Trata-se do primeiro volume de uma série, que anualmente procurarácaptar as tendências e processos mais significativos do cenário geográfico e político internacional.

A nova configuração da Europa, com suas turbulências e tensões, em particular na antiga URSS, na Bósnia e noleste europeu, é o tema do Capítulo 1. O dramático processo de paz no Oriente Médio, acelerado pelo acordo Israel-OLP (de setembro de 1993), é o tema do Capítulo 2. As eleições multirraciais de 1994 pariram uma nova África do Sul,liberta das instituições opressivas do apartheid. Esse é o assunto do Capítulo 3. O Capítulo 4 trata dos labirintos da criselatino-americana, incluindo o drama que culminou com a invasão do Haiti pelos Estados Unidos. O Capítulo 5 analisa anova geometria da América do Sul estabelecida a partir da formação do Mercosul. O Capítulo 6 reflete sobre oscontornos da questão demográfica neste fim de século, debatidos na Conferência Mundial sobre a População e oDesenvolvimento promovida pela ONU no Cairo, em agosto de 1994.

Os autores esperam que esse material, posto à disposição de professores e estudantes, possa contribuir para odesenvolvimento de um ensino inteligente e interessante, voltado para a formação da cidadania.

Lançamento

Wagner Costa RibeiroEspecial para Mundo

No inverno, as temperaturasmais baixas combinam-se a uma né-voa de fumaça nos grandes centrosurbanos; indústrias são momentanea-mente desativadas diante de índiceselevados de poluição; ressurgem ascampanhas recomendando o não usodos automóveis, os maiores respon-sáveis pela emissão de CO2 que en-contra dificuldades para se dispersar,afetando a qualidade de vida da po-pulação. Esse quadro descreve, soci-almente, o ciclo do ‘‘efeito-estufa’’, aretenção do calor refletido pela super-fície da Terra pelos gases estufa, entreeles o CO2.

Segundo muitos especialistas, asconseqüências do efeito-estufa reper-cutem em todo o planeta. Sua intensi-ficação elevaria as temperaturas daTerra, podendo causar catástrofesambientais, como o descongelamentodas calotas polares e o aumento donível dos oceanos, alagando territóri-os e cidades. Esta é uma das premis-sas que norteiam a discussão em tor-no das mudanças climáticas globais.Para tratar deste assunto, foi realizadauma série de reuniões preparatórias àConferência das Nações Unidas sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento, noRio, em 1992.

Naquela ocasião, foi firmada aConvenção de Mudanças Climáticas(CMC), que serve de medida para asrelações internacionais no campo dasmudanças climáticas globais. Os paí-ses que ratificaram a CMC realizaram,em março, a Primeira Conferência so-bre Mudanças Climáticas, em Berlim(v. Mundo nº 1, pág. 11). Esta reu-nião tampouco atingiu resultados ex-pressivos. Assim, pouco se avançou,três anos após a Conferência do Rio -cujo maior mérito talvez tenha sido ode alertar a opinião pública sobre aproblemática ambiental.

Sequer o consenso dos pesqui-sadores em torno do aumento da tem-peratura no planeta permitiu a apro-vação de propostas mais avançadas,

No cinqüentenário da ONU,acumulam-se as evidências de que háinúmeros problemas no que se refe-re à forma pela qual as decisões sãoassumidas naquela instituição. A mo-rosidade excessiva (cuja marca maiorsão as inúmeras reuniões que poucoou nada decidem), acompanhada deingerências das potênciashegemônicas, gera inquietude nos quese alarmam com questões ambientais.

Os maiores opositores de me-didas mais rígidas para o controle de

Wagner Costa Ribeiro é professordo Depto. de Geografia da USP

‘‘Com menos carros nasruas, teremos menos

problemas ambientais. É aação de mais longa

duração, já que aborda ousuário, aquele que tem a

decisão de sair de carro oude usar outro meio de

transporte’’

Page 9: entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos principais temas ... sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos”

MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDOAGOSTO

95

1 0 Diário de Viagem Agonia do socialismo castrista

Elaine Senise Barbosa, 29 anos, historiadora eprofessora do Colégio Augusto Laranja, de São Paulo,viajou a Cuba no último mês de julho.

Capital estrangeiro vaidecidir os destinos de Cuba

Há cinco anos, Cuba ingressou no “períodoespecial”. O eufemismo, criado pelo Partido Comu-nista, designa a crise terminal de um sistema apoia-do sobre dois pilares: a estatização geral da econo-mia e o influxo de subsídios soviéticos.

A Revolução de 1959, que derrubou a dita-dura de Fulgencio Batista e conduziu Fidel Castroao poder, derivou do nacionalismo ao alinhamentointegral com a antiga União Soviética. Sob o fogodo bloqueio econômico e das ameaças militares dosEstados Unidos, o regime castrista aninhou-se noescudo protetor de Moscou, transformando a ilhana vitrine caribenha do socialismo.

A economia pré-industrial e dependente dasexportações de açúcar foi atada politicamente aobloco soviético. Por três décadas, o comércio admi-nistrado e os empréstimos perdoados transferiramcerca de 5 bilhões de dólares anuais da superpotên-cia comunista para a vitrine caribenha.

A ‘‘festa’’ acabou em 1991, com a implosãosoviética. Cuba perdeu o petróleo barato, os merca-dos garantidos para as exportações agrícolas e osempréstimos subsidiados. A decretação do “perío-do especial” assinalou o início da jornada que con-duz a ilha ao seu ambiente original: a América Lati-na, o Caribe, a miséria. Do outro lado do estreito daFlórida, os emigrados cubano-americanos de Miami,que somam 1,2 milhão, aguardam a conclusão polí-tica dessa trajetória: o reingresso do país na esferaestratégica dos Estados Unidos.

A ditadura castrista manobra para iludir odestino. Há um ano, a liberação da posse de dóla-res inaugurou as reformas econômicas, cuja metaconsiste no estabelecimento de uma parceria entreo Estado e o capital estrangeiro. Nas condições dobloqueio econômico americano, os capitais euro-peus -especialmente espanhóis- assumem a vanguar-da dos investimentos na ilha, concentrados no setordo turismo. A “via chinesa” escolhida por FidelCastro implica a substituição gradual da moeda na-cional -o peso, atado à lógica da economia estatal-pelo peso convertible, atado ao dólar na cotação de1 para 1. A redução brutal da oferta de produtos empesos cubanos divide a população em duas classes,separadas pelo critério da posse de dólares: a misé-ria absoluta ronda a maioria que só tem acesso àmoeda em extinção.

A nova economia do dólar ergue, aos pou-cos, uma ponte sobre o estreito da Flórida. O mer-cado negro que floresce na ilha, ao lado das 145atividades privadas familiares recém-liberadas, trans-ferem imperceptivelmente o controle da economiapara os emigrados de Miami. A médio prazo, é láque se encontra a chave do futuro de Cuba. Fidelsabe disso: emissários do regime já negociam,secretamente, com os líderes moderados da emi-gração e com o governo de Bill Clinton.

Caça aos dólares em Havana

Um olhar superficial sobre Cuba pode fazer sonhar com a utopia. Em Havana, as primeiras atençõesrecaem sobre as ruas - limpas, sem lixo ou esgotos abertos, com praças e árvores seculares, indicando umacidade que não sofreu grandes transformações urbanísticas. Os casarões que compõem a paisagem, onderaríssimos são os prédios que ultrapassam 5 ou 6 andares, desvendam um passado de riquezas que foiabandonado pela burguesia cubana e americana nos anos subsequentes à chegada de Fidel Castro aopoder. Hoje, são habitadas por populares, que pagam um pequeno aluguel ao Estado. As crianças,saudáveis e com bons dentes, brincam pelas ruas sempre calçadas, mesmo que o tênis esteja velho erasgado de um lado a outro. A propaganda governamental sobre os benefícios médicos alcançados peloregime é incontestável: toda criança recebe um litro de leite por dia até os 6 anos, além de vacinas,acompanhamento pediátrico, creches, escolas.

Cuba é governada pelo Partido Comunista, presenteem cada quarteirão através dos CDRs (Comitês de Defesada Revolução). As pichações oficiais nos muros são semprepalavras de ordem de cunho nacionalista - evocando JoséMartí, primeiro líder da Independência ou enaltecendo a Re-volução. É curioso notar que o nome de Fidel e sua imagempouco aparecem. No seu lugar, as imagens de Martí e CheGuevara funcionam como os rostos e vozes que,subrepticiamente, legitimam o “Comandante em Chefe”. Umolhar mais acurado revela que o sonho da Revolução sedesvanece e dá lugar a um país em crise.

A carência de energia e combustível transparece na frota de automóveis. Os carros - velhíssimos,americanos da década de 50 ou russos dos anos 60 e 70 - quebram frequentemente e a persistência emfazê-los funcionar é explicada pelo insuficiente sistema de transporte público nacional. Os guáguas, comosão chamados os ônibus, são velhos, demoram muito a passar e estão sempre lotados. O transportepopular na ilha são as bicicletas, chinesas. A falta de divisas para a importação de petróleo reduziu a 10litros mensais a cota de gasolina dos proprietários de automóveis. Resultado: os únicos congestionamentosque existem são nas filas de ônibus; a ausência de barulho de aceleradores e freadas, o ar puro, criam umapaisagem pitoresca. Na Autopista Nacional e na Carretera Central, as mais importantes rodovias, pode-seandar por vários minutos sem cruzar-se um único automóvel ou caminhão.

Entrar em contato com os turistas é, hoje, o esporte nacional: todos precisam obter dólares paraviver. O sistema de empregos é irreal, trabalha-se em turnos de 24 ou 48 horas, que mascaram umdesemprego imenso. A média salarial gira entre 150 a 200 pesos cubanos por mês que, se fossem conver-tidos no câmbio negro, representariam 5 ou 6 dólares. Com este dinheiro adquire-se a libreta - uma pormês - que dá direito de adquirir nas bodegas - que só abrem aos sábados - os alimentos básicos. As cotasestabelecidas são insuficientes: todos concordam que a comida dá para, no máximo, 15 dias. Roupas esapatos, só nas tiendas, em dólares. O que mais se pede ao turista que transita pelas ruas é sabonete. Nafalta, a solução é tomar banho com detergente... Na madrugada e pela manhã, vê-se inúmeras bóias,dessas de câmara de pneu, adentrando o mar bem em frente ao Malecón, a avenida principal de Havana:são jovens e adultos tentando uns peixes para o almoço.

O Estado tem no turismo a principal fonte para obtenção de divisas. Atrai capital estrangeiro,sobretudo espanhol, para sóciedades em empreendimentos hoteleiros. Restaurantes, bares, aluguel decarros, tudo é estatal e não se admite concorrência privada. Foram liberadas certas atividades privadas,mas nada que “desvie” o grosso dos dólares do turismo. A venda de charutos (os puros) e rum nas ruas, eo uso de carros particulares como táxis são algumas das atividades ilegais presentes em toda a Ilha,escudadas nas propinas pagas para os policiais. A prostituição generaliza-se. Disse-me uma senhora: “sãoas prostitutas mais baratas do mundo, tem bom nível cultural e assistência médica garantida”. No bar doRestaurante Pátio, um grupo de turistas franceses cantava a Internacional, o hino comunista, acompanha-dos de prostitutas...

Outro lado da crise manifesta-se na dilapidação e no desvio de recursos: todos desviam produtosdas empresas onde trabalham para vender no mercado negro, inclusive gasolina, que nos ofereceram por40 cents de dólar, enquanto o preço oficial é de 90 cents. Há uma saturação generalizada que se reflete nascríticas abertas que se fazem ao governo. Ao perguntar, numa tienda, qual era o rum preferido de Fidel, oatendente mostrou uma garrafa do uísque Chivas Regal. Na rua, um jovem que vai começar o serviçomilitar obrigatório de 2 anos diz que o dinheiro de Cuba está nos cofres suíços, na conta de “los doshermanos”. Ele se referia ao “Comandante em Chefe” e ao sucessor, Raúl Castro.

“um grupo de turistasfranceses cantava a

Internacional, o hinocomunista, acompanhados

de prostitutas”

Page 10: entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos principais temas ... sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos”

MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDOAGOSTO

95

1 1Greenpeace

França ressuscita pesadelo nuclear no atol de Mururoa Ruy de Goes

Nelson Bacic Olic

O Meio e o Homem

Cáucaso, entre os mares Negro eCáspio. A crise teve origem em 1991,quando os chechenos, aproveitando-se da desintegração da URSS, procla-maram unilateralmente sua indepen-dência da Rússia. Até o fim de 1994,Moscou fizera “vistas grossas” ao fato.

O objetivo principal dos russosera tomar a capital Grozni, centro daresistência dos chechenos. Mas elescometeram uma série de erros milita-res. A tática para tomar Grozni consis-tia, primeiramente, em bombardear acidade com a aviação e artilharia pe-sada, e depois enviar blindados. Sóque estes não foram apoiados por tro-pas de infantaria. Foram, por isso,imobilizados em pequenas ruas chei-as de escombros, e se tornaram pre-sas fáceis dos chechenos. Grozni sóseria tomada depois de meses de bom-bardeios, que, praticamente, a reduzi-ram a escombros.

Esse exemplo comprova queexércitos regulares, normalmente, nãoestão preparados para combater emáreas urbanas. Diferentemente do queocorre em campo aberto, os exérci-tos, nas cidades, têm que usar as viasde circulação existentes; quando cons-truções e prédios precisam ser desim-pedidos, as tropas são obrigadas a sedividir. Os civis representam um obs-táculo e um perigo a mais, especial-mente se armados. Mas, as áreas ur-banas não podem ser ignoradas. Sãocentros políticos e econômicos vitais,ainda mais com o avanço da urbani-zação, no último século. Possuem inú-meros alvos estratégicos, como fábri-cas, estradas, pontes etc.

Nos combates urbanos, muitasvezes a luta se verifica rua a rua, casaa casa. Os defensores têm uma sériede vantagens, advindas do melhorconhecimento do espaço. Podem for-

tificar certos edifícios, bloquearruas, colocar atiradores em lugaresestratégicos e até retirar as placasde localização, causando enormeconfusão para os invasores. Os ata-cantes, quase sempre, têm que to-mar prédio por prédio, sofrendograndes baixas.

Muitos exércitos passarampor este tipo de envolvimento,como os americanos no Vietnã, osbritânicos na Irlanda do Norte, osisraelenses no Líbano. Paradoxal-mente, os russos que tiveram enor-mes sacrifícios em tomar Grozni,foram protagonistas, em 1942/43,de uma encarniçada batalha contraos nazistas, na antiga cidade deStalingrado, hoje Volgogrado. Paramuitos historiadores, ao derrotar osalemães em Stalingrado, os russosmudaram os destinos da SegundaGuerra.

Neste ano, em que se cumpreo 50º aniversário da bomba deHiroxima (em 6 de agosto), o gover-no francês anunciou a intenção derealizar novos testes nucleares, rom-pendo uma moratória acordada pelaspotências nucleares em 1992. Seriam8 explosões nucleares nos atóis deMoruroa e Fangataufa, colônias fran-cesas no Pacífico Sul. A decisão, anun-ciada em maio pelo recém-eleito pre-sidente Jacques Chirac, provocou pro-testos em todo o mundo. Por um lado,a iniciativa francesa ocorre no momen-to em que se buscam novos compro-missos rumo ao desmantelamento dosarsenais nucleares globais; por outro,aponta-se o risco de contaminação nu-clear do oceano, causada pelos peri-gosos elementos radioativos produzi-dos pela bomba nuclear.

Mais de 170 testes atômicos jáforam realizados nos dois atóis (entre1960 e 1991, a França detonou 204bombas em testes). O núcleo dos atóistransformou-se num imenso depósitode lixo atômico -totalmente sem con-trole e com poder radioativo muitasvezes superior ao do acidente deChernobyl. A estrutura dos atóis é de

Ruy de Goes coordena a CampanhaAntinuclear do Greenpeace naAmérica Latina

basalto, com ocorrência de fissuras, oque indica a possibilidade de vazamen-to do material radioativo, constatou amissão científica Tazieff, de 1982. Se-gundo outra missão, a Atkinson, a con-tinuação dos testes aumenta a possi-bilidade de vazamento do material ra-dioativo. Em 1987, o cinegrafistaJacques Cousteau encontrou enormes

Em claro indício de que teme a açãodo Greenpeace, o governo francêsdeclarou, no final de julho, que nãodivulgaria a data exata para a realiza-ção dos testes nucleares. Há uma boarazão para a cautela. Numa situaçãosemelhante à atual, em 10 de julho de1985, agentes secretos franceses afun-daram outro navio do Greenpeace,

também chamado Rainbow Warrior,que estava aportado em Auckland,Nova Zelândia, causando um escân-dalo internacional. Paris aprendeu alição, mas pela metade.

Em dezembro de 1994, tro-pas russas invadiram a Chechênia,república autônoma que pertence àFederação Russa. Com pouco maisde 1 milhão de habitantes, localiza-se na porção setentrional do

A terríveldestruição daguerra nas cidades

Em claro indício de que teme a ação do Greenpeace, o governo francês declarou, no final de julho, que não divulga-ria a data exata para a realização dos testes nucleares. Há uma boa razão para a cautela. Numa situação semelhan-te à atual, em 10 de julho de 1985, agentes secretos franceses afundaram outro navio do Greenpeace, tambémchamado Rainbow Warrior, que estava aportado em Auckland, Nova Zelândia, causando um escândalo internaci-onal. Paris aprendeu a lição, mas pela metade.

Se você está interessado emparticipar do Greenpeace,ou simplesmente quer maisinformações, anote:São Paulo -R. dos Pinheiros, 240 cj. 32CEP 05422-000fone (011) 881-4940Rio - R. México, 21 cjs.1301-2 CEP 20031-144fones (021) 240-4476 e262-7318.

O A T O L D A D I S C Ó R D I A

O C E A N O P A C Í F I C O

Atol de Mururoa

América do Sul

Austrália

Nova Zelândia

Page 11: entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos principais temas ... sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos”

MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDOAGOSTO

95

Texto & Cultura

Encarte do Boletim Mundo Geografia e Política Internacional. Não pode ser vendido separadamente.

Roy

Lich

tenst

ein

ANO 3 • Nº 4 • AGOSTO 1995Tiragem da 1a edição: 35.000 exemplares

M U N D OCinema Paradiso

100 anosde sonhos

28 de dezembro de 1895: os irmãos Louis e Auguste Lumière,inventores do “cinématographe”, fazem a primeira exibição pública decinema, no Grand Café, em Paris. Naquele dia, foram projetados filmescurtos, em preto e branco, de cenas captadas com a câmara parada e sem som.Um destes filmes -um trem chegando à estação- assustou os espectadores, queacharam que poderiam ser atropelados pela locomotiva. Inaugurava-se, assim,há cem anos, a era do cinema.

Em sua origem, o cinema era um instrumento a serviço da ciência,prestando-se ao estudo dos movimentos. Os filmes eram breves e nãocontavam histórias. A invenção do ‘‘cinématographe’’ foi resultado dotrabalho de muitos cientistas que, desde o século 17, idealizavam aparelhosque os ajudariam a estudar o movimento dos planetas e dos animais. Ummágico teatral parisiense, Georges Méliès, foi o primeiro a usar o cinemacomo espetáculo, sem preocupações científicas, lançando, em 1902, o filme‘‘Viagem à Lua’’. Em 1915, o cineasta americano D. W. Griffith, com‘‘Nascimento de uma Nação’’, de três horas de duração, dá aos filmes umaestrutura narrativa complexa, trabalhando a seleção de imagens e suaorganização numa seqüência temporal na montagem. Griffith inventou oestúdio cinematográfico e o sistema de ‘‘estrelas’’ que consagrariamHollywood como a maior produtora e exportadora mundial de filmes, contao professor Nicolau Sevecenko, em artigo exclusivo para T&C.

Hollywood criou e exportou os seus ícones e sonhos -de RodolfoValentino a Harrison Ford, de Mary Pickford e Theda Bara a MarylinMonroe e Sharon Stone. Clássicos como ‘‘Cidadão Kane’’ (Orson Welles),‘‘Casablanca’’ (Michael Curtiz), ‘‘Apocalypse Now’’ (Francis Coppola),‘‘Manhattan’’ (Woody Allen) e ‘‘Blade Runner’’ (Ridley Scott) são a vitrine deuma produção imensa, que inclui, apenas para citar alguns filmes, épicos (‘‘Eo Vento Levou’’, ‘‘Ben Hur’’), musicais (com Fred Astaire, Ginger Rogers,Gene Kelly), comédias (com Jerry Lewis, Buster Keaton, Charles Chaplin),fantasia (Walt Disney), suspense (Alfred Hitchcock) e as superproduçõesatuais (‘‘Guerra nas Estrelas’’ de George Lucas, ‘‘ET’’ e ‘‘Indiana Jones’’ deSteven Spielberg, e o filme mais caro de todos os tempos, “Waterworld”, deKevin Costner, de US$ 200 milhões, lançado em julho).

O monopólio de Hollywood jamais foi sequer arranhado pelaslinguagens e estilos produzidos na Europa (do expressionismo alemão dosanos 20 ao lirismo contemporâneo do italiano Federico Fellini). Aocontrário, acabou incorporando alguns de seus melhores produtores. NoBrasil, grandes estúdios chegaram, no máximo, a fazer paródias dos filmes deHollywood (as ‘‘chanchadas’’, no caso da Companhia Atlântida) ou tentaramfazer filmes “sérios’’ e “politizados”, mas sem sucesso comercial (caso dosestúdios Vera Cruz). O ator, diretor e produtor Mazzaropi, que de ‘‘tonto’’ e‘‘caipira’’ só tinha a cara, obteve um sucesso significativo, com uma série decomédias leves, produzidas nos anos 50-60, sobre a vida e as atribulações do‘‘jeca’’.

A agitação dos anos 60, de certa forma sintetizada pela contracultura,levou ao surgimento do ‘‘cinema novo’’ em vários países, incluindo o Brasil. O“cinema novo” pretendia ser alternativa a Hollywood. Despojado, sem verbas,tratava de temas políticos e sociais. Na Alemanha, por exemplo, um“cinemanovista” foi Rainier Fassbinder, cujo filme ‘‘As Lágrimas Amargas dePetra Von Kant’’ é um retrato da decadência moral burguesa. No Brasil,destacaram-se Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro deAndrade e Ruy Guerra (v. T&C nº 2). Outra vertente de vanguarda foi ocinema ‘‘underground’’ (subterrâneo), marginal. O artista pop Andy Warhol,por exemplo, filmou durante 8 horas a fio o prédio Empire State (em NovaYork), com câmara fixa e sem som, apenas capturando interferências do acaso.A versão brasileira, batizada de “udigrudi”, criou filmes “sujos”, “feios”.Representam esta vertente Júlio Bressane (‘‘Matou a Família e Foi aoCinema’’, 1969) e Rogério Sganzerla (‘‘O Bandido da Luz Vermelha’’, 1968).

Mas, depois de tudo, não importa se o filme é de Hollywood,‘‘underground’’, vanguarda ou comercial: ir ao cinema é um mágico ritual quese repete há 100 anos. Já se encontra de tal maneira presente em nossocotidiano, que não nos damos mais conta desse jogo de sedução. Noescurinho do cinema, o estalar do projetor demarca (ou abole?) a fronteiraentre o mundo real e o fictício. O ronco da máquina anuncia que a fábrica desonhos está a todo vapor. E convida a um vôo nas asas do grande pássaro daimaginação.

Page 12: entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos principais temas ... sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos”

MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDOAGOSTO

95

Texto no Vestibular • Texto no Vestibular • Texto no Vestibular •Texto no Vestibular • Texto no Vestibular • Texto no Vestibular •Texto no Vestibular • Texto no Vestibular • Texto no Vestibular •Texto no Vestibular • Texto no Vestibular • Texto no Vestibular •

e.4 Wellington Borges Costa e Paulo César de Carvalho

Livros:• O que é Cinema, Jean-Claude Bernardet, Brasiliense, SP, 1985

• Orfeu Extático na Metrópole, Nicolau Sevcenko, Cia. das Letras, SP, 1992Filmes disponíveis em vídeo:

Dada a grande quantidade de obras, recomenda-se uma seleção de títulos por diretoresnotáveis na história do cinema (p. ex.: Orson Welles, Glauber Rocha etc.). Outra forma

de seleção é temática (p. ex.: filmes sobre a Guerra do Vietnã, sobre drogas, juventudeetc.). O Guia Completo de Filmes para TV e Vídeo, da Nova Cultural, SP, é um

instrumento útil na seleção dos filmes.

SERVIÇO:

Resposta 1 - O presente romance, primeiro de Oswald, faz parte do volume Os Condenados.Dialoga com os movimentos europeus cubista e futurista (v. Mundo nº1), incorporando avelocidade e fragmentação dos tempos modernos. Afinado com as idéias modernistas da re-vista Klaxon, o autor “sabe que o cinematógrafo existe”. Faz valer essa consciência em suaprodução literária, como se percebe no fragmento.A simultaneidade das ações, a quebra da ordem artificial dos fatos, confere à narrativa literáriaa agilidade que se encontra na narrativa do cinema: o escritor apresenta os nadadores saindodo rio e, ao mesmo tempo, o quarto onde o velho Lucas está deitado -um fato não é posteriorao outro, não há progressão cronológica. Nota-se que houve um “corte” -representado, inclu-sive, graficamente, por um maior espaço entre os parágrafos- estabelecendo a passagem deum plano a outro. Isso graças à utilização de recursos típicos da iluminação: um cenário decrepúsculo envolve os nadadores; o dia vai cedendo vez gradativamente à noite; a luz do solvai diminuindo até ficar do tamanho da primeira estrela. A câmara, então, aproveitando obreu, penetra no quarto do velho Lucas e faz realçar seus cabelos brancos -desfiado algodão-na escuridão. Uma nota final: apesar de a escuridão ser um dado concreto em ambos planos,no segundo ganha uma conotação subjetiva, mística - de sky para heaven, o céu crepusculardos nadadores se converte no céu divino do Senhor Jesus da capa roxa, no quarto do avô daprostituta Alma.

Resposta 2 - A peça de Nelson, a começar pelas nuances temáticas, promove uma revoluçãona dramaturgia tupiniquim. Nosso teatro, até então com vocação para a comédia de costumes-herança do autor romântico Martins Pena (O noviço) -conheceu a “tragédia de costumes”.O público se chocou duplamente: temas como o adultério eram discutidos abertamente numarealização cênica absolutamente inusitada.O jornalista e escritor Ruy Castro, no livro O anjo pornográfico (biografia do autor) nosauxilia a resolver o problema: “Afinal, o que havia de tão assombroso em Vestido de noiva(...)? A simultaneidade dos planos. A ação se passa na realidade, na memória e na alucinaçãoda heroína ‘‘(...) -Você não vê que isso não pode ser feito no palco? - disse a Nelson mais deum profissional de teatro (...) a passagem de um plano para outro teria de ser controlada porum jogo de iluminação de que não havia o mais remoto antecedente num palco brasileiro’’.Tudo isso era possível no cinema, principalmente depois que Orson Welles fizera CidadãoKane” (v. Mundo nº 3). A solução para a montagem foi dada por um polonês recém-chegadoao Brasil, Ziembinski, que promoveu os cortes e as mudanças de plano com uma iluminaçãodelirante sobre o cenário de Thomaz Santa Rosa. Foram 140 mudanças de cena, 132 efeitosde luz e 20 refletores.

Seção Papo CabeçaMeu mundo você é quem faz / música, letra

e dança / tudo em você é fullgás / tudo você é

quem lança / lança mais e mais(Marina Lima - Antonio Cícero)

(Apaga-se o plano da alucinação. Luz no plano da realidade. Sala de operação)

Primeiro médico - Pulso?Segundo médico -Cento e sessenta.Primeiro médico - Rugina.Segundo médico - Como está isso!Primeiro médico - Tenta-se uma osteossíntese.Terceiro médico - Olha aqui.Primeiro médico - Fios de bronze.

Os vestibulares têm recomendado a leitura de Nelson Rodrigues, pai do moderno teatro brasi-leiro. O fragmento acima pertence à peça Vestido de noiva, cuja primeira montagem comemo-rou 50 anos em 1994, um marco pelas inovações temáticas e estéticas. Apesar dos elogios aotexto, os críticos apontavam um obstáculo operacional: a dificuldade de transportá-lo do papelpara o palco. Isso resulta de um artifício cinematográfico utilizado pelo autor na estruturação danarrativa. Em que medida o cinema está presente no trecho?‘‘A vida não é filme / você não entendeu’’

(Paralamas do Sucesso)

No filme ‘‘Muito Além do Jardim’’ (1979), ocinema critica a TV: o diretor Hal Ashbyironiza o poder que tem a mídia eletrônicade condicionar a vida (v. T&C nº 3).Utilizando seus conhecimentos, e levandoem consideração o verso acima, discutadiferenças e semelhanças entre a inserção docinema e da TV na cultura.

Já vimos que a estrutura narrativa só aparece no cinema americano dosanos 10, com o aproveitamento da linguagem literária. Pouco depois aliteratura, em relação de simbiose, aprende com a “sétima arte” a ser maissintética, econômica, dinâmica. Administrando melhor a noção de corte emontagem, a literatura se afina com a velocidade do século 20. É o queveremos a seguir, focalizando dois autores-símbolo da vanguarda na culturabrasileira (Oswald de Andrade e Nelson Rodrigues).

Cinema, Literatura, Teatro

Questão 1

O sol tombante acendera os seus fogos dentro d’água. Nadadores saíam com corpos perfeitos, de animais,da toalha negra do rio. Recolhiam-se barcos esguios. No céu houve um desperdício de colorido longínquopor trás da Floresta. Depois uma última rubescência morreu e a primeira estrela, muito alta, luziu.E tudo engrandeceu, tristezas e águas, na noite que chegava.

No escuro inutilmente místico, entre êxtases, braços abertos, iluminações, resplendores e mágoas depatriarcas, o Senhor Jesus da capa roxa, amarrado pelos pulsos, tinha a coroa de espinhos burlescamentede banda, como na noite de Caifás, em Jerusalém.Em sua frente, o velho Lucas, sob o desfiado algodão dos cabelos, encolhido e magro no leito guinchante,escutava passar nas horas imensas uma procissão de enterro sem música.E, no outro quarto, Alma (...)

O fragmento acima foi extraído do ro-mance Alma (1922), de Oswald deAndrade. Monteiro Lobato, apontando amodernidade do texto, identifica sua es-trutura cinematográfica -“série de quadrosà Griffith” (v. pág. 2). Mário de Andradediz que os capítulos, simultâneos, contamcom “a beneficiação do cinematógrafo”.Explique a influência da estética cinema-tográfica no trecho.

Questão 2

(Apaga-se o plano da alucinação. Luz noplano da memória. Pai e mãe)Mãe - Cruz! Até pensei ter visto um vulto - ando tão nervosa. Também esses corredores! A alma demadame Clessi pode andar por aí...e...Pai - Perca essa mania de alma! A mulher está morta, enterrada!Mãe - Pois é...

(Apaga-se o plano da memória. Luz no plano da alucinação.)

Madame Clessi - Mas o que foi?Alaíde - Nada. Coisa sem importância que eu me lembrei. (forte) Quero ser como a senhora. Usarespartilho. (doce) Acho espartilho elegante!Clessi - Mas seu marido, seu pai, sua mãe e... Lúcia?Homem (para Alaíde) - Assassina!

Page 13: entrevista exclusiva / Luiz Felipe Lampreia1995\mundo0495.pdf · uma síntese atualizada dos principais temas ... sinal de desenvolvimento da economia dos denominados “tigres asiáticos”

AGOSTO95

AGOSTO95

MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO

e.2 e.3

vertente integralmente nova de descobertas, ténicas e práti-cas revolucionárias, como o close-up, a exploração dos efei-tos emocionais permitidas pela edição, ritmo, luz, juventu-de, expressão facial, maquiagem, movimentos, roupas, esti-lo, assim como o uso dessa força misteriosa e arrebatadoraque é o apelo sexual.

Como podemos ver, a maioria dessa inovações im-plicou um mergulho profundo do reino da comunicaçãonão-verbal. Nesse sentido, as experiências colocadas em prá-tica pelos técnicos e artistas de Hollywood eram compará-veis apenas às pratica-das pelos fotógrafossurrealistas, emboramenos radicais, maissistemáticas e sensí-veis ao gosto do pú-blico. Os paraleloscom a escolaexpressionista alemãeram tão óbvios quemuitos participantesdaquela escola acabaram trabalhando em Hollywood nosanos 30. Foi essa ampla gama de experiências, motivada pelosinteresses imperativos dos estúdios de atingir grandes audi-ências tão rápida e profundamente quanto possível, que le-vou os chefes de Hollywood a entender que filmes eramfeitos para os olhos e para o subconsciente, não para expli-cações verbais ou racionais.

Os filmes tinham que dar prazer, mas para isso elesdeveriam, antes de mais nada, mobilizar e galvanizar as ener-gias mais obscuras das profundezas do ser humano. É poressa razão que os filmes estão muito mais próximos às mito-logias no seu sentido místico do que de narrativas ou histó-

De como Hollywood engoliu o cinemaNicolau Sevcenko

Da equipe de colaboradores

as time goes by

Primeiras décadas:política e censuraKino: organização criada nos anos 30 em Londres, criticava a ide-ologia ‘‘capitalista’’ que dominava o sistema cinematográfico. Pro-jetava filmes independentes em bairros operários.Liga Internacional do Cinema Independente: fundada na Suiçaem 1929, veiculava filmes de vanguarda. Lutava contra a censura.Clube Cinematográfico de Londres: nasceu especialmente paraexibir o ‘‘Encouraçado Potemkin’’, de Sergei Eisenstein, um clássi-co cinematográfico da Revolução Russa, à época proibido em di-versos países europeus.Internacional do Cinema Revolucionário: proposta pelo húnga-ro Bela Balazs, tinha por objetivo reunir cineastas, técnicos e es-pectadores para fazer frente ao ‘‘cinema capitalista’’, criando umaalternativa ‘‘socialista’’.Comitês de censura de Hollywood: criados, em várias versões, apartir de 1909 e integrados pelos próprios produtores de filmesinteressados em evitar a censura estatal. Em 1921, depois de vári-os escândalos com artistas envolvendo sexo e drogas, Hollywoodcriou a Comissão Hays, que assumiu um código puritano, pormeio de que realizavam a censura prévia dos filmes. Will Hays eradiretor de uma das produtoras. Isso não impediu que, nos anos50, cineastas e atores como Charles Chaplin e Zero Mostel fossemarruinados e até levados ao suicídio pela histérica campanhaanticomunista do senador Joseph McCarthy

rias enquadradas numa lógica verbal ou racional. Provavel-mente para enfatizar esses elementos de regressão e apelo aoprimitivo de cada indivíduo, muitos críticos e teóricos docinema gostavam de se referir a Hollywood como “Meca”,“novo Bizâncio”, “Babilônia ressuscitada”.

Outra característica marcante de Hollywood era suatotal fidelidade a temas míticos. Essa característica pode serjá detectada nos épicos de Griffith, como “Gênese do Ho-mem”, de 1912, mas sobretudo em “Nascimento de umaNação”, de 1915. Esse tipo de filme estabeleceu a tendên-

cia, em Hollywood, de reescrever a his-tória a partir de uma perspectiva ame-ricana. Não tinha nada a ver com pes-quisas históricas -desnecessário dizê-lo-, mas consistia apenas de recomposi-ção formal de um material mítico ofe-recido à digestão fácil de grandes audi-ências nacionais e estrangeiras.

Basicamente, o filme era con-cebido como um conflito moralmaniqueísta, opondo velhos impérios

orientais ou clássicos, com seus costumes pagãos decaden-tes, aos valores superiores da democracia branca e cristãamericana. Esse jogo de oposição era composto sob a formade parábolas visuais expressas, silenciosamente, pelos papéise aparências de artistas jovens, que você poderia qualificaràs vezes como anjos e deusas, outras vezes como estrelas.

O Mal era corporificado pela figura oriental da ju-dia-americana Theda Bara, sempre vestida de preto, semi-nua, dominando com vícios e sexo os déspostas das antigascivilizações orientais. O anjo virtuoso, no extremo oposto,era simbolizado pela frágil anglo-saxônica Lilian Gish, res-gatada e trazida de volta para casa cheia de glória por cava-leiros da Ku-Klux-Klan depois de ter sido seqüestrada porhomens negros ameaçadores, cheios de lascívia e de mãosimpuras. Esse dualismo moral simplista foi reforçado, em1927, pelo Código, elaborado por autoridades religiosas eadotado por Hollywood como uma autêntica forma de cen-sura, a qual, ironicamente, conferia à indústria cinemato-gráfica uma unidade e coerência ainda maior de símbolos evalores.

Eu afirmei, um pouco antes, que se tivesse que ha-ver uma divisão da história do Brasil em função dosurgimento de Hollywood, então o começo da nova era se-ria o ano de 1920. Há uma boa razão para isso. Os anos deguerra (1914-18) levaram o caos à indústria cinematográfi-ca, exceto nos Estados Unidos. A indústria européia estavaarruinada, e a América Latina não poderia mais importarfilmes europeus ou importar celulose barata para a produ-ção de seus próprios filmes. Como resultado, houve umboom da produção e exportação americana de filmes.

O único problema aconteceria em 1918, quando aepidemia de gripe espanhola matou mais gente em todo omundo do que a própria guerra. Como decorrência do medoda epidemia, os cinemas e outros centros de lazer foramfechados por mais de um ano. Foi um ano terrível, comepidemia, guerras, revoluções, fome e morte. Quando, fi-nalmente, os cinemas reabriram suas portas, no final de

O principal personagem do comovente filme ‘‘CinemaParadiso’’ (1989), do diretor italiano Giuseppe Tornatore, é o

próprio cinema: sua capacidade de criar uma atmosfera‘‘mágica’’ que envolve as pessoas e desperta emoções profundas.

Com base em sua própria experiência, faça um texto quediscuta a importância do cinema em sua vida.

MR. VESTIBA

equacionou o seu próprio dualismo através do modelohollywoodiano. Uma das conseqüências disso, por exem-plo, foi que, enquanto os personagens cômicos das “chan-chadas” eram, em geral, representantes de grupos étnicos,pobres, analfabetos e rudes, a heroína, moldada em confor-midade ao protótipo da “estrela”, era branca, elegante, comares de princesa e pura, pronta para casar-se com outro ho-mem branco e limpo. No limite, a paradória encontrava odogma anglo-saxônico estabelecido pelo Código.

O cinema europeuURSS: nos anos 20, os soviéticos queriam um cinema que, ao contrário de fantasiar a realidade, como Hollywood, construísse uma

realidade essencialmente cinematográfica. Por exemplo, em ‘‘Outubro’’ (1927), sobre a Revolução de 1917, Sergei Eisenstein apresenta naspoltronas da sala do gabinete de governo não os ministros, mas seus sobretudos, metaforizando o exercício de funções burocráticas pelos homensde Estado. É o cinema que cria a sua própria leitura e intepretação do ‘‘real’’. Nos anos 30, o Realismo Socialista transformou o cinema soviéticoem mera peça de propaganda.

Alemanha: influenciado pela literatura e artes plásticas do começo do século, o expressionismo adotava o ponto de vista subjetivo,procurando explorar a realidade interior vivida pelos personagens. Com esse fim, trabalhava narrativas fantásticas, deformando as imagens darealidade externa e imediata, como ruas, casas, objetos, e abusava de sombras e penumbras. O ‘‘Gabinete do Doutor Caligari’’ (1919), de FritzLang, é o grande marco deste cinema. Nas décadas recentes, os mais conhecidos diretores alemães foram Werner Herzog, Rainier WernerFassbinder e Wim Wenders.

França: nos anos 30, consagra a estética surrealista. Trabalhava com imagens provenientes do mundo inconsciente, dos sonhos. Umespanhol, Luis Buñuel, que filmava na França, foi o seu maior representante. Usava recursos ‘‘chocantes’’, como celebrar velório em restaurante,para causar estranheza. Seu filme mais conhecido, ‘‘O Cão Andaluz’’ (1928), foi realizado com a parceria do pintor Salvador Dalí. Nos anos 50/60, a Nouvelle Vague (‘‘nova onda’’) tematizou os dramas existenciais dos seus personagens, considerados mais importantes do que qualquer fatopolítico. Filmes difíceis pela temática subjetiva e narrativa alinear, foram banidos do circuito comercial. Ilustram este movimento ‘‘Acossado’’(1959) e ‘‘Os Incompreendidos’’ (1959), respectivamente de Jean-Luc Godard e François Truffaut. Walter Hugo Khouri desenvolveu esta linhano Brasil, em filmes como ‘‘Noite Vazia’’ (1964).

Itália: no final da Segunda Guerra, surge o Neo-Realismo. Sem melodramas, seus heróis são operários, camponeses e gente da classemédia pobre. O cenário dos grandes estúdios é substituído pelo das ruas. Representam esta estética ‘‘Cidade Aberta’’ (1945), de Roberto Rosselini,e ‘‘Ladrão de Bicicleta’’ (1948), de Vittorio de Sica. Esta estética e temática foram traduzidas no Brasil pelo movimento do Cinema Novo (v. T&Cnº 2). Nas três últimas décadas, o cinema italiano foi marcado pelo lirismo de Federico Fellini (‘‘Amarcord’’, ‘‘E la Nave Và’’, ‘‘Julieta dosEspíritos’’ etc.)

“Podemos, facilmente, falar numahistória dividida em dois períodos, AH

e DH, antes e depois de Hollywood,pelo menos naquilo que se refere à

cultura brasileira”

“O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte,venceu o Festival Internacional de Cinema de Cannes, em 1962

Charles Chaplin (ao alto, representando o célebrevagabundo) e Glauber Rocha (principal expoente do

Cinema Novo brasileiro) marcaram uma história repletade momentos geniais, como o filme “Apocalypse Now”, de

Francis Coppola (cena acima)

“Casablanca”, de Michael Curtiz (1942)

1919, eles se tornaram uma febre: o grande lance era asloucuras da América. O número de cinemas multiplicounum espaço muito curto de tempo, as audiências chegarama níveis jamais alcançados por qualquer outra forma de en-tretenimento. Seria mais apropriado chamar os anos 20 comoa Idade do Cinema do que a Idade do Jazz.

A partir daquele momento, pelo menos no que serefere ao Brasil, entretenimento era sinônimo de cinema,cinema era América, cinema americano era Hollywood eHollywood era suas estrelas. Assim, flores estrangeiras co-meçaram a brotar do solo cultural brasileiro. Nos seus pró-prios estúdios, os produtores brasileiros fizeram o máximopara adotar os parâmetros e critérios técnicos de Hollywood,sem atingir bons resultados artísticos ou comerciais, porrazões óbvias. Quando atingiram o seu melhor resultado,nos anos 40-50, produziram as “chanchadas”, comédias le-ves e picantes que não passavam de paródias de sucessos deHollywood.

A coisa mais engraçada a respeito das “chanchadas”foi que elas eram a confissão de que jamais conseguiriamcompetir com a produção de Hollywood, lançando mão,por essa razão, do escracho. De maneira consciente, as “chan-chadas” usavam cenários obsoletos, roupas velhas, persona-gens satíricos, além de clichês licenciosos. O público, que játinha visto o original de Hollywood, em geral apreciava aparódia.

Assim, se Hollywood estabeleceu uma relação dra-mática e conflituosa com o resto do mundo, ao reescrever ahistória de um ponto-de-vista americano, o Brasil

Podemos, facilmente, falar numa história divididaem dois períodos, AH e DH, antes e depois de Hollywood,pelo menos naquilo que se refere à cultura brasileira. Antesde 1920, a maioria dos brasileiros buscava nos seus pais,parentes, amigos, vizinhos e nos membros de seu grupo so-cial os parâmetros para o seu comportamento, suas crenças,suas esperanças, seu modo de se vestir e seu vocabulário.Depois de 1920, a maioria deles, pelo menos os que viviamnos grandes centros urbanos, buscava os mesmos parâmetrosnas telas de cinema.

É óbvio que isso não significa que acabou aí a cultu-ra tradicional, popular e local brasileira, mesmo porque mu-danças culturais não acontecem mediante saltos repentinos,mas sim através de processos de contaminação e fusão. Masisso significa que a dinâmica das mudanças culturais foi ace-lerada pelo eletrizante poder de sonho da tela prateada.

Há uma razão para que eu fale especificamente deHollywood, e não do cinema em geral, como forma cultu-ral. Hollywood, ou o “novo Bizâncio” -expressão comum, àépoca, para designar suas pretensões colossais e imperiais-,desenvolveu uma série de técnicas para viabilizar tanto ouso de seus poderes como máquina de sonhos quanto o seusucesso como empreendimento comercial, atingindo umasupremacia internacional incontrastável.

Foi Hollywood que inventou o método mais eficaze lucrativo de produzir filmes, o sistema de estúdios, comouma maneira de levar a cabo os seus projetos e suprir pró-prias suas necessidades. D. W. Griffith criou a alma do estú-dio, a “estrela” (“star”), de onde veio a noção de “sistema deestrelas”. Essas duas concepções fundamentais abriram uma