entrevista com john downing

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  • Revista FAMECOS Porto Alegre n 38 abril de 2009 quadrimestral 5

    Entrevista concedida a Patrcia Wittenberg Ca-valli, pesquisadora do Observatrio Mdia Regio-nal- Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Artes - Universidade Federal de Pernambuco.E-mail: [email protected]

    RESUMOPela quarta vez no Brasil, John Downing, pesquisador britnico e professor da Southern Illinois University - EUA esteve em Recife na segunda semana de novembro de 2008, para palestrar no IV Encontro de Mdia Cidad. Sempre crtico em suas colocaes, Downing dedicou vinte oito anos de pesquisa em mdia radical a servio daqueles que querem mudar o curso da histria.

    PALAVRAS-CHAVEmovimentos sociaisracismomdia radical alternativa

    ABSTRACTVisiting Brazil for the fourth time, John Downing - Bri-tish researcher and professor at Southern Illinois Uni-versity - came to Recife on the second week of November, 2008, to deliver a talk on IV Encontro de Mdia Cidad. Always critical on his positions, Downing dedicated 28 years of his carrier researching radical media at the ser-vice of those interested in changing the course of history. KEY WORDSsocial movementesracismalternative radical media

    ENTREVISTA

    H vinte oito anos, o pesquisador britnico John Downing, mais conhecido no Brasil pelo seu livro Mdia Radical Alternativa - Rebeldia nas Comunicaes e Movimentos Sociais dedica-se a estudar e pesquisar mdias no convencionais. H quarenta anos ele tambm frequenta as salas de aula como professor, instigando os seus alunos a ver a mdia como uma forma de democracia. Downing acredita que a dignidade do cidado no s ter o direito a sade e educao, mas tambm a comunicao. Esta entrevista com este pesquisador irreverente foi realizada em duas etapas. Em 2004, nos encontramos em Porto Alegre, agora, o encontro ocorreu em Recife, na mesma semana em que Downing ministrou palestra no IV Encontro de Midia Cidad, evento promovido pelo Observatrio da Mdia Regional da Universidade Federal de Pernambuco. Nesta entrevista, John, como gosta de ser chamado, nos conta o que enxerga nas entrelinhas da mdia e nos fala tambm sobre a preparao de uma Enciclopdia sobre Movimentos Sociais.

    Patrcia Wittenberg- H quatros anos, quando nos encontramos pela primeira vez, o senhor me dizia que a situao da grande mdia era triste. Como a encontra agora?

    John Downing - A situao da grande mdia um problema bem mais triste agora do que era antes por causa da concentrao, que continua dos proprietrios desse tipo de mdia. As grandes companhias globais continuam se fundindo e isso d medo quanto ao fu-turo da democracia, porque sem um sistema de mdia aberta e que inclua todas as vozes de uma sociedade um perigo para a democracia de qualquer pas. Quanto a situao das pequenas mdias, como por exemplo, as mdias dos movimentos sociais, na minha opinio, elas vo por um caminho bem melhor.

    PW - O senhor, em parceria com o socilogo Charles Husband, escreveu cinco livros sobre racismo. Alm desses foi autor, junto com Ali Mohammadi e Annabele Sreberny, de Questionando a Mdia, uma Introduo Crtica que foi um best-seller j na sua primeira edio. Apesar dessa extensa produo, o livro que mais causou repercusso no Brasil foi Mdia Radical - Rebeldia nas Comunicaes e Movimentos Sociais, lanado aqui no pas em 2002. Este livro o transformou aqui no Brasil quase que como o pesquisador das mdias radicais. Isto lhe inquieta um pouco?

    JD - No exatamente que isto me inquiete ou me incomode, mas eu gostaria que as pessoas soubessem que eu estudo e publico sobre outros assuntos tambm. Em particular sobre racismo e as mdias da Inglaterra

    Entrevista com John Downing

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    e dos Estados Unidos. E tambm sobre as mdias da antiga Unio Sovitica e pases satlites. E a importncia desta experincia l de compreender como as grandes e tambm as pequenas mdias influenciam as grandes mudanas polticas e econmicas que fizeram o bloco sovitico se desenvolver durante os anos noventa. E a segunda coisa que um estudo desse porte d uma melhor impresso da dinmica do que a mdia fez na maior parte dos pases do mundo. Os estudos de mdia nos Estados Unidos e na Inglaterra tambm so im-portantes e interessantes, mas somente aos dois pases. E esses dois pases, ns sabemos, vm dominando os estudos sobre a mdia por muito tempo e isto atenua um pouco nossa compreenso do papel da mdia na sociedade mais normal, se podemos dizer assim, que tm os Estados Unidos e a Inglaterra. A maior parte dos outros pases no oferece uma histria de estabilidade, de liberalismo democrtico, etc., etc. Eles apresentam um espetculo seguidamente de ditadura, de mudanas violentas, de insegurana econmica, etc. Para mim, a experincia dos pases soviticos, em particular nos ltimos dez anos, uma experincia que ns devemos estudar minuciosamente. Assim, se os pesquisadores brasileiros no sabem desta parte de minha obra, eu me entristeo um pouco. E se s vezes eu no falo sobre as questes de racismo e mdia na antiga Unio Sovitica e pases do Leste Europeu, porque trabalhei sobre a Polnia tambm, porque acredito que a importncia desses sujeitos a serem estudados to evidente que no seja necessrio nenhum comentrio.

    PW - E porque esse interesse sobre a antiga Unio Sovitica sendo ingls e morando nos Estados Unidos?

    JD - Eu sempre me interessei pela comunicao in-ternacional global. Nos ano oitenta, todo mundo falava sobre o imprio americano. Eu em particular queria explicar a dinmica do imprio sovitico porque me pa-recia que havia certas instncias similares entre os dois.

    Por exemplo, eu fiz um estudo sobre a cobertura das mdias soviticas sobre a guerra no Afeganisto duran-te os anos oitenta, e, no mesmo artigo, eu acrescentei a cobertura da mdia americana sobre a guerra em El Salvador, que se passava na mesma poca. Porque me parecia que haviam muitas coisas em comum entre as duas. Mas em grande parte da mdia de esquerda, eles s se interessavam pelo ponto de vista do imprio americano. Eu achava importante este tipo de estudo, mas eu no acreditava que o ponto de vista americano era o nico a ser visto e estudado. Foi por esse motivo que parti aos estudos sobre o imprio sovitico.

    PW - Porque o senhor utiliza tanto o termo mdia?

    JD - Realmente, principalmente no livro Mdia Ra-dical. para insistir que nossa compreenso de mdia deva incluir um pouco mais do que normalmente pen-

    samos sobre ela. Como o rdio, o cinema, a imprensa, a televiso. Claro que importante termos essas mdias, mas h outros tipos de mdia que devemos levar em considerao, como a dana, o teatro de rua, a tatuagem, as canes populares, etc. Todos esses processos eu vejo como mdia. uma viso antropolgica de mdia. Mas eu gostaria de instigar os pesquisadores em comuni-cao, e em particular em mdia, de pensar de forma mais abrangente a questo da mdia. Por isso eu utilizo o termo constantemente para de certa forma provocar este questionamento e lhes fazer pensar mais sobre o que realmente mdia. Utilizando sempre exemplos de mdias, como por exemplo, as que eu citei, como a tatuagem. Uma tatuagem pode significar uma coisa muito importante para a pessoa tatuada. Pode significar um amor que passou e que no voltar mais, ou outro exemplo, nas prises. As tatuagens dos prisioneiros sig-nificam que fazem parte de algum grupo, gangue, e so esses signos que fazem deles estar ou no em perigo l dentro. Na poca do nazismo tambm se utilizavam ta-tuagens para marcar as pessoas. um exemplo terrvel. Est a o significado da mdia. Por que ela comunica. E a tatuagem comunica. Algumas podem ter um significado mais importante, outras nem tanto.

    PW - O que de fato uma mdia radical alternativa?

    JD - O universo da mdia radical alternativa bem maior do que se pode imaginar. A ttulo de ilustrao podemos citar alguns exemplos, que no se restringem aos meios de massa que estamos acostumados: TV, rdio, jornal, cinema. Podemos qualificar como mdia radical: as canes populares, como a msica negra de vrios pases, a dana afro-americana, o grafite praticado por gangues de jovens, a cultura hip-hop, o vesturio - que eu denomino mdia txtil, como os que eram utilizados na Guatemala durante a ditadura militar. As colchas sul- americanas que eram usadas de forma clandestina, broches e buttons. Adesivos de pra-choques de caminhes, rock de garagem, teatro de rua, e a falo sempre no brasileiro Augusto Boal e seu Teatro dos Oprimidos, vdeos populares, TVs comunitrias, rdios comunitrias e de acesso ao povo. E muitos mo-vimentos que hoje se encontram na Internet. Para mim a mdia radical alternativa est onde a base de tudo a comunicao entre pessoas ativas, e essa comunicao possa ou no, ser mediada por aparelhos.

    PW - Quanto ao trabalho dos Movimentos Sociais, pode-se dizer que fazem mdia radical alternativa?

    JD - Para mim, sim. Porque a raiz de radical, que vem do latim, significa que penetra na raiz das ques-tes. Esse significado da palavra radical por vezes no me agrada quando se fala em movimentos sangrentos e coisas do gnero, mas de vez em quando se devem organizar tais enfrentamentos, como barricadas, por

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    exemplo, para serem vistos. Um significado de raiz no existe se um confronto no tem nenhum significado poltico. Se este confronto se faz s porque costumei-ro. Ns devemos pensar se esta ttica apropriada a situao e no somente radical, mas no outro termo de radical. Isso o que quer dizer para mim. Mdias alternativas? Muitas so. s ser alternativo e pronto, ganha o rtulo. Mas ser radical preciso que manifeste ao governo vigente que lhe oprime e no lhe deixa ser livre a ponto de expressar suas idias.

    PW - O direito a comunicao significa tambm di-reito a dignidade do cidado?

    JD - Sim, absolutamente. Porque se ns no temos esse direito sempre no somos o objeto de comunicao medi tica. Ns no temos dignidade. Ns nos torna-mos simplesmente um pagante, um servo, um escravo, um funcionrio. Mas se a cada vez que ns temos a possibilidade mesmo que no seja pessoal, mas social, estrutural de lanar e de poder falar aos outros de uma maneira ou outra com liberdade e sem medo, est a uma verdadeira condio de fazer uma comunicao com dignidade e humanitria.

    PW - Para o senhor o que uma Mdia Cidad e como fazer de fato esta mdia?

    JD - Para mim a definio de Mdia Cidad mais clara e til da minha amiga e colega colombiana Clemn-cia Rodrigues, que professora na Universidade de Oklahoma. Ela fala sobre meios cidados. O que ela diz que a cidadania completa deve incluir a possibili-dade e a prxis de se comunicar na base da sociedade. No uma base de comunicao vertical, mas uma co-municao lateral, horizontal, tambm vertical s que na direo reversa. Que ns possamos expressar nossos sentimentos, nossos olhares, vises e necessidades s autoridades econmicas e polticas. claro que h bem mais que isto nesta definio. No s isso. Um exemplo que Clemncia Rodrigues d sobre mdia cidad, e que eu gosto muito, de um grupo de mulheres de um bairro da cidade de Bogot na Colmbia. um grupo de mulheres simples, humildes, que experimentaram atravs de um pequeno projeto de vdeo a sensao de poder e confiana e do valor que tinham como pessoas, como cidads que antes desconheciam. Isto foi sendo descoberto por elas mesmas ao longo do processo, enquanto faziam o vdeo e se sentiam capazes daquele feito. Como isso acontecia? Elas se viam na prpria tela e viam pessoas falando do mesmo jeito que elas e no como nas novelas da grande mdia. Mas com os seus acentos, seus jarges, com suas referncias e suas iluses tambm. E esta experincia de se ver a elas mesmas lhes deu uma sensao de ter muito poder. E para mim este um grande exemplo do efeito de uma mdia cidad, porque elas no queriam falar para o bairro inteiro, nem

    para Bogot, muito menos para a Colmbia inteira, elas queriam falar s entre elas mesmo. Mas a experincia conferiu-lhes a confiana que no possuam antes do projeto. E, adquirida esta confiana, ganharam fora para acreditar no poder de transformao, e de agir no seu meio, na sua comunidade. E este um efeito da mdia, no foi um efeito nacional, nem do bairro inteiro, nem um efeito sobre Bogot, mas um efeito muito, muito importante. E isso para mim o que se pode falar de um bom exemplo. Do que se pode dizer em profundidade a essncia do que mdia cidad.

    A nica reserva que eu tenho quanto a mdia cidad que com a quantidade de imigrao e refugiados que ns temos atualmente, principalmente em determinados pases, que no so cidados legalizados desses pases em que vivem, que eles no sejam excludos. E que a expresso mdia cidad no sirva s para os cidados oficiais, legalizados. Mas com esta ressalva o termo mdia cidad uma expresso muito til.

    PW - a quarta vez que o senhor vem ao Brasil. Nesta visita conheceu dois projetos em Recife. O Coque Vive, que um projeto em um bairro com cerca de 50 mil ha-bitantes com uma das rendas per capita mais baixa do pas, e o projeto Oi Kabum, que profissionaliza jovens na rea de vdeo, web design e fotografia. O que o senhor achou desses projetos?

    JD - Para mim o projeto Oi Kabun magnfico. impressionante ver o profissionalismo com que esses jovens aprendem. E ver o senso de humor que eles tm para aprender coisas novas e que eles tm dinheiro para pr em prtica tudo ou quase tudo a que se propem.

    E o projeto na vila do Coque tem muito menos financiamento, mas, na minha opinio, ele tem duas vantagens. Uma das vantagens que eles construram tudo eles mesmos, sozinhos, sem dinheiro de fora, sem qualquer financiamento. At o prdio onde esto! O pro-jeto inteiro sobre autogesto e autoconstruo, talvez isso faa com que eles tenham mais ou menos sucesso. Isso eu no posso dizer. Mas o projeto O Coque Vive tem razes muito, muito profundas na favela onde eles se encontram. A segunda caracterstica deste projeto que, na tentativa de manter viva certa espiritualidade poltica e ecumnica, eles se dirijam no somente ca-pacitao dos jovens ao trabalho, mas de tentar alcanar a personalidade humana como um todo. E, para mim, a importncia de reconhecer a pessoa humana como ser inteiro um avano colossal e realmente muito impressionante.

    PW - Em seu livro Mdia Radical, o senhor cita o teatro de Augusto Boal com muito conhecimento. Em sua palestra na IV Conferncia de Mdia Cidad falou com muita emoo a respeito de Paulo Freire. Qual a sua relao com esse pedagogo brasileiro?

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    JD - Quando eu penso em Paulo Freire, eu penso em trs coisas em particular. Uma delas sua con-fiana absoluta na capacidade das pessoas comuns, ou seja, do povo, de se expressarem, de agir de forma singular nas suas vidas. A segunda sua fuso entre o processo de comunicao e o processo de educao que to freqentemente as divises das Universidades impem algumas vezes certo muro de Berlim ou um muro da Califrnia, no Arizona, entre a educao e a comunicao. H departamentos, escolas diferentes, talvez competio entre os dois por dinheiro de proje-tos e com isso freqentemente ns temos uma grande dificuldade. s vezes, quase nenhum contato existe entre pesquisadores e professores destes lugares, o que causa um grande malefcio que Paulo Freire j discutia em sua poca. E em terceiro, a determinao que Paulo Freire tinha. Ele agia sem jamais se deixar levar pelo medo disso ou daquilo, nem do Estado ou da represso. Parecia que nada segurava Paulo Freire em seus ideais. Ele sempre continuou no mesmo caminho. Por isso ele um exemplo para todos ns. Pessoalmente eu s o encontrei uma nica vez, mas, quando o vi, ele irradiava um calor humano, um amor que era realmente intenso.

    PW - Qual a diferena atualmente entre Indstria Criativa e Indstria Cultural?

    JD - O termo Indstria Cultural se deriva dos Frankfurtianos Horkheimer e Adorno, que todos j conhecem muito bem. J o termo Indstria Criativa como fosse um avano conceitual. Para mim este termo simplesmente um termo de convenincia das polticas governamentais, porque um termo que justifica os gastos com as zonas criadas nas cidades nas quais as atividades culturais e criativas florescem e que se espera promover o turismo e o crescimento econmico.

    PW - O senhor acredita que o desejo dos jovens que trabalham hoje por uma mdia, seja ela radical, alterna-tiva ou independente, de um dia poder estar do outro lado, quero dizer, da grande mdia?

    JD - Isto possvel. Temos exemplo disso na Frana com o Jornal Liberation, que foi criado nos anos sessenta como um jornal radical e atualmente um jornal to bem estabelecido na grande mdia parisiense e francesa quanto qualquer um de seus concorrentes. Outra rdio na Colmbia teve a mesma trajetria. muito mais freqente do que imaginamos que pequenas mdias alternativas sirvam como um meio de capacitao para pessoas que depois acabam na grande mdia. Para mim isso no chega a ser uma tragdia, nem uma traio. Eu espero que muito dentre eles levem a experincia que tiveram nesses meios alternativos e que possam, com essa experincia, fazer um jornalismo melhor.

    Ns vivemos num mundo complexo. Atualmente, para mim h efetivamente uma espcie de justia

    quando algum simples, pobre, que vivia numa comu-nidade esquecida e trabalhava numa mdia alternativa aceita numa grande mdia. um tipo de abertura, no uma revoluo, mas um tipo de justia. Algum de um mundo antes no aceito que agora entra num outro mundo antes inacessvel a ele por seus prprios mritos. justia, no traio. Olhando por outra di-menso, que realmente a maioria dos militantes de mdia alternativa normalmente tem um perfil de serem solteiros, relativamente jovens, e tm tempo suficiente para se dedicar ao trabalho. Quando isso muda, quando se casam, tem filhos, por exemplo, eles no podem mais impor esta austeridade poltica sobre os outros, sobre a esposa ou o marido, e a as coisas comeam a mudar. Ento eles comeam a procurar outros tipos de emprego e acabam caindo nas grandes mdias. normal. No se pode julgar. uma simples questo que as condies de vida mudam. E h tambm um problema subjacente que de tempos em tempos a mdia alternativa organizada quase que somente por gente jovem. Eu no desconfio em hiptese alguma do talento e da energia desses jo-vens. Pelo contrrio, eu aprecio muito que eles estejam l militando por uma nova mdia. Mas para que essa mdia fale a todos preciso contrabalanar essas pessoas engajadas, que ela no seja feita somente por gente jo-vem, mas de todas as idades, idosos, mulheres, homens, etc. Essa uma das fraquezas da mdia alternativa. No um erro terrvel, mas que deve ser corrigido.

    PW - Quais so os planos de pesquisa do senhor para os prximos anos?

    JD - No momento, estou editando uma Enciclopdia de Movimentos Sociais. Este projeto, que est na primei-ra fase de edio, prev incluir mltiplas experincias atravs do planeta. Ns j fizemos alguns estudos de mdia radical em vrios pases da Europa, incluindo a Rssia, e os Estados Unidos. H a uma limitao de financiamento, de tempo, e tambm questo de ln-guas. Mas esta Enciclopdia de Movimentos Sociais vai contar com pesquisadores do mundo inteiro. A idia que ela receba contribuies de lugares inimaginveis, no s de lugares e centros de pesquisa j conhecidos. Essas contribuies devem vir da China, da Indonsia, das regies arbicas, que tem muito a contribuir com os exemplos dos movimentos dos povos berberes e de outras partes do mundo mais distantes. Eu espero apresentar ao pblico leitor experincias realmente di-ferentes a que eles estejam acostumados. Experincias ricas no sentido de trocas de valores e significados. Ns teremos com esta Enciclopdia um arquivo, um tesouro de experincias sobre movimentos sociais em diferentes partes do mundo, o que vai facilitar muito o trabalho para os pesquisadores da rea, porque alm de em nico volume voc poder conhecer realidades de diversos e diferentes lugares, poder tambm fazer comparaes e tirar suas prprias concluses. Por enquanto, ns,

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    pesquisadores que trabalhamos com esse objeto, no temos nada parecido com o que ser a Enciclopdia de Movimentos Sociais. Eu espero que este livro seja muito til aos militantes e pesquisadores de vrias partes do mundo.

    PW - O senhor utiliza muito tambm o termo mdia dos movimentos sociais. Esse um novo conceito de mdia para o senhor?

    JD - Sim, eu o estou utilizando porque na verdade acho que todos os termos usados so deficitrios em algum ponto. Atualmente estou preferindo usar este termo porque ele rene a realidade da mdia com a realidade social e estrutural. como se eles no estives-sem distantes e autnomos do contexto e eu vejo este contexto como sendo uma pea chave para o funciona-mento desta mdia.

    PW - O senhor professor tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos h mais de quarenta anos. Tm mgoas com a academia de alguma forma?

    JD - Sim, claro A academia est cheia de pessoas excelentes, de bons colegas, bons amigos, e principal-mente excelentes profissionais, mas estruturalmente minhas mgoas so com as determinaes das pessoas, das autoridades na academia que utilizam isso para servir o poder. Dos que fazem das Universidades um lugar de neoliberalismo, da destruio do pensamento independente. Outra coisa que me incomoda a diviso de classes em grande parte dos campi universitrios que eu conheo. Existe como se fosse uma escada: os empregados, os estudantes e os professores e, na minha experincia, as secretrias, as pessoas que abrem a porta, que fazem a faxina, que trabalham na cozinha, e etc., so vistos pelos outros, especialmente os professores, mas tambm pelos alunos, que sero profissionais um dia, como de semi-humanos. H a um elemento muito forte de sexismo, porque normalmente as secretrias de departamentos so mulheres. No estou generalizando. Temos mulheres como professoras nas salas de aula que agem da mesma forma quanto aos que falei antes. No um caso de sexismo, mas de discriminao. E eu acho que no podemos ter esse tipo de problema logo na academia, um lugar formador de cidados. Para mim estes so alguns srios problemas da academia e que ao longo destes quarenta anos tem me incomodado bastante. Outra coisa que eu acho que deveria mudar na academia a diviso de conhecimentos. Ns no deveramos ficar restritos ao Departamento de zoologia, lingstica ou qumica. H um abismo enorme entre as cincias, de se falarem mais umas com as outras, de se trocarem mais experincias, as Cincias Humanas com as Cincias Exatas parece que uma deve estar bem longe da outra. E eu, particularmente, acho que devamos nos conhecer melhor. Acho que a pesquisa de uma forma

    mais abrangente sairia ganhando com isso. Mas se criou esse muro. As minhas mgoas com a academia se concentram a.

    PW - H cerca de vinte anos o cinema indiano co-meava a crescer de forma alternativa e industrial se autodenominando Bollywood. Como o senhor v atu-almente os fenmenos Nollywood e Hallyu?

    JD - Nollywood hoje uma indstria de vdeo-filme situada na regio de Lagos na Nigria, e um termo que segue outras indstrias similares como Gana, Qunia, Tnzania ou Uganda, etc. Nollywood significa tambm o fato dos vdeos-filme da Nigria, em particular, no circularem apenas no continente africano, mas tambm em cidades dos Estados Unidos e de outros pases como a Inglaterra onde h uma forte presena nigeriana. um fenmeno global atualmente bastante interessante porque estes vdeos-filme so muito populares, baratos e que comeou de uma verdadeira indstria indgena africana do cinema. uma mistura entre cinema e vdeo porque eles no so apresentados em salas de cinema, mas todo mundo v em casa, em bares, em cidades dis-tantes das capitais. E seu financiamento somente de nigerianos que fazem esses filmes. No existe dinheiro do estrangeiro, de banco nigeriano, do governo nigeria-no atravs de auxlio a cultura. Isso no existe. Tudo o que feito feito de forma autnoma. Eu creio que essa indstria tenha seu sucesso justamente por no sofrer intervenes. o exemplo de uma indstria local que hoje est global, que a influncia de seu trabalho e sua distribuio ganhou um espao enorme no mercado. E Hallyu como podemos chamar a onda coreana, que podemos descrever como um movimento de televiso, de canes e tambm de cinema coreano que so muito populares no s na Coria, mas no Japo e na China. E aqui temos uma coisa muito interessante entre os trs pases. A Coria o menor destes trs pases, mas sua indstria cultural pode ser vista atualmente at em festivais de cinema mundial. Mais uma vez podemos falar de uma indstria local que se torna global que assim como Nollywood. Esto fora da rota dos pases da Indstria Cultural, mas se estabeleceram e fazem sucesso. O que isso quer dizer? No precisa estar em Hollywood para se fazer filmes e sucesso FAMECOS