entrevista com idésio coelho · anual da federação, realizada em brasília (df), em novembro do...

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Por Maristela Girotto Entrevista com Idésio Coelho 45 | ABRACICON SABER O presidente do Instituto dos Au- ditores Independentes do Brasil (Ibracon), Idésio Coelho, passou a representar a Contabilidade brasileira em um dos mais importantes organis- mos mundiais da profissão, a Internatio- nal Federation of Accountants (Ifac). Em 2016, o contador e auditor independente tornou-se membro do Board da Ifac, as- sumindo mandato que vai até 2019. O anúncio oficial da nomeação de Idésio ao Board da Ifac ocorreu durante a Assembleia Anual da Federação, realizada em Brasília (DF), em novembro do ano passado. Essa foi a primeira vez que a Ifac reuniu seus membros, oriundos de 130 nações, em um país da América Latina. Conheça, na entrevista a seguir, um pouco do que pensa o presidente do Ibracon sobre o trabalho na Ifac a qualidade da Contabilidade brasileira e, entre outros assuntos, o Novo Relatório do Auditor: 1. O sr. foi nomeado membro do Board da International Federation of Accountants (Ifac) no dia 16 de novembro de 2016. O que representa, para a sua carreira e, inclusive, para a sua vida pessoal, ser membro de uma entidade de âmbito mundial como a Ifac? Idésio Coelho – A minha nomeação como membro do Board da International Federation of Accountants (Ifac), uma entidade com a missão principal de servir o interesse público e promover o fortalecimento da profissão contábil, foi recebida com muita honra. Sou muito grato à profissão contábil, ao Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) e ao Conselho Federal de Contabilidade (CFC) pela minha indicação conjunta à Ifac, à firma na qual trabalho e ao Brasil, País onde moro. Quero, de alguma forma, devolver um pouco daquilo que muito recebi dessas partes. A disposição da Ifac em servir ao interesse público me motivou e deve motivar muitos outros profissionais a trabalharem apoiando as organizações contábeis e a sociedade. 2. O sr. concorda que a Contabilidade praticada hoje no Brasil está totalmente alinhada com o que há de mais robusto no mundo? Ainda é possível melhorar, em especial, em alguma área da Contabilidade? Quais seriam? Idésio Coelho – Em relação às normas de contabilidade aplicadas ao setor privado e às normas de auditoria independente, estamos totalmente alinhados com as normas internacionais. Ainda falta a convergência para as normas internacionais de contabilidade aplicadas ao setor público, que está em andamento e tem previsão para finalização em 2024. Vale ressaltar que a manutenção desse alinhamento com as normas internacionais é um processo dinâmico que exige um trabalho contínuo de participação nas discussões, revisões e elaboração das novas normas e, posteriormente, na tradução e adoção no ambiente brasileiro. Neste ponto, não posso deixar de destacar o papel relevante exercido pelo CFC, pelo Ibracon e pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). 3. E quanto à qualidade da auditoria independente praticada no Brasil? Nesse aspecto, o que representa a 45| CONVERSA AFINADA

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Por Maristela Girotto

Entrevista com Idésio Coelho

45|

ABR

ACI

CON S

ABE

R

O presidente do Instituto dos Au-

ditores Independentes do Brasil

(Ibracon), Idésio Coelho, passou

a representar a Contabilidade brasileira

em um dos mais importantes organis-

mos mundiais da profissão, a Internatio-

nal Federation of Accountants (Ifac). Em

2016, o contador e auditor independente

tornou-se membro do Board da Ifac, as-

sumindo mandato que vai até 2019.

O anúncio oficial da nomeação de Idésio ao

Board da Ifac ocorreu durante a Assembleia

Anual da Federação, realizada em Brasília

(DF), em novembro do ano passado. Essa

foi a primeira vez que a Ifac reuniu seus

membros, oriundos de 130 nações, em um

país da América Latina.

Conheça, na entrevista a seguir, um pouco

do que pensa o presidente do Ibracon

sobre o trabalho na Ifac a qualidade da

Contabilidade brasileira e, entre outros

assuntos, o Novo Relatório do Auditor:

1. O sr. foi nomeado membro do

Board da International Federation

of Accountants (Ifac) no dia 16

de novembro de 2016. O que

representa, para a sua carreira e,

inclusive, para a sua vida pessoal,

ser membro de uma entidade de

âmbito mundial como a Ifac?

Idésio Coelho – A minha nomeação

como membro do Board da International

Federation of Accountants (Ifac), uma

entidade com a missão principal de

servir o interesse público e promover o

fortalecimento da profissão contábil, foi

recebida com muita honra.

Sou muito grato à profissão contábil, ao

Instituto dos Auditores Independentes

do Brasil (Ibracon) e ao Conselho Federal

de Contabilidade (CFC) pela minha

indicação conjunta à Ifac, à firma na qual

trabalho e ao Brasil, País onde moro.

Quero, de alguma forma, devolver um

pouco daquilo que muito recebi dessas

partes. A disposição da Ifac em servir

ao interesse público me motivou e deve

motivar muitos outros profissionais a

trabalharem apoiando as organizações

contábeis e a sociedade.

2. O sr. concorda que a Contabilidade

praticada hoje no Brasil está

totalmente alinhada com o que há

de mais robusto no mundo? Ainda

é possível melhorar, em especial,

em alguma área da Contabilidade?

Quais seriam?

Idésio Coelho – Em relação às

normas de contabilidade aplicadas ao

setor privado e às normas de auditoria

independente, estamos totalmente

alinhados com as normas internacionais.

Ainda falta a convergência para as

normas internacionais de contabilidade

aplicadas ao setor público, que está

em andamento e tem previsão para

finalização em 2024. Vale ressaltar que

a manutenção desse alinhamento com

as normas internacionais é um processo

dinâmico que exige um trabalho contínuo

de participação nas discussões, revisões

e elaboração das novas normas e,

posteriormente, na tradução e adoção

no ambiente brasileiro. Neste ponto,

não posso deixar de destacar o papel

relevante exercido pelo CFC, pelo Ibracon

e pelo Comitê de Pronunciamentos

Contábeis (CPC).

3. E quanto à qualidade da auditoria

independente praticada no Brasil?

Nesse aspecto, o que representa a

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CONV

ERSA

AFI

NADA

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CONV

ERSA

AFI

NADA

4. Especialistas da área contábil já

apontaram que existe, no Brasil,

um desconhecimento por parte

de tribunais, juízes, promotores

e advogados sobre o objetivo de

uma auditoria de demonstrações

contábeis, uma vez que esses

profi ssionais compartilhariam da

opinião de que auditoria é sinônimo

de busca por fraude. O sr. acredita

que ainda existe esse entendimento

equivocado? E, em caso positivo,

isso tem contaminado as relações

entre auditores e usuários das

demonstrações auditadas?

Idésio Coelho – Melhoramos muito

com um esforço conjunto do Ibracon e

do CFC, mas ainda há muito a fazer. É

natural pelo desconhecimento que existe

acerca do trabalho realizado pelo auditor

independente que exista um gap entre

aquilo que realmente realizamos e aquilo

que os diversos agentes acreditam que

estamos realizando. Não acredito em

uma contaminação, pois de uma maneira

geral existe muita confi ança no trabalho

do auditor independente por parte dos

usuários da informação contábil. Cabe a

entrada em vigor do Novo Relatório

do Auditor?

Idésio Coelho – Quanto à qualidade,

temos um excelente padrão aqui no Brasil

equivalente ao dos países desenvolvidos.

O que nos preocupa é que o Brasil ainda

é um país pouco auditado e a sociedade

ainda não percebeu o benefício que

a auditoria pode trazer para um

desenvolvimento econômico sustentável.

A adoção do Novo Relatório do Auditor,

assim como qualquer evolução que temos

nas normas de auditoria independente,

sempre busca a melhoria da qualidade

da informação e o interesse público.

O Novo Relatório do Auditor, uma iniciativa

da Ifac, traz mudanças signifi cativas no

formato e conteúdo do documento, em

resposta à crescente demanda global

de investidores, acionistas, gestores

de empresas, mercado e usuários das

informações fi nanceiras em geral, por um

relatório de auditoria mais informativo

e que contemple também informações

relativas ao processo da auditoria. Apesar

de não prever mudanças com relação

ao escopo do trabalho de auditoria, o

Novo Relatório do Auditor requer uma

comunicação mais constante e efi ciente

entre os auditores, a administração e os

órgãos de governança corporativa das

entidades ao longo do trabalho. Nesse

sentido, o Novo Relatório do Auditor

compartilha visões antes restritas às

discussões com a administração e a

governança da entidade auditada,

tornando-se ainda mais relevante aos

demais usuários.

Haverá maior transparência em relação

ao processo de auditoria e realização

dos trabalhos, assim como um

aprimoramento da comunicação entre

o auditor, administração e os órgãos de

governança corporativa das companhias,

o que resultará em comunicação mais

constante e efi ciente.

nós, profi ssionais e entidades, trabalhar

sempre de forma consistente para

esclarecer nosso papel e responsabilidade

aos nossos públicos de interesse.

5. Qual é a sua opinião sobre o nível

de conhecimento dos profi ssionais da

área de auditoria independente que

estão hoje no mercado de trabalho

brasileiro? Como é possível melhorar?

Idésio Coelho – Como respondi

anteriormente, temos um padrão elevado

de qualidade da auditoria independente

no Brasil. Para a manutenção desse

padrão, é essencial que tenhamos bons

profi ssionais atuando e sendo formados.

Nesse ponto as fi rmas de auditoria no

Brasil investem milhões de reais no

processo de formação e atualização

desses profi ssionais. Destaco aqui

algumas das importantes ações do CFC

no sentido de buscar essa melhoria

contínua com a implantação do Exame

de Sufi ciência, o Exame de Qualifi cação

Técnica para os profi ssionais participarem

do Cadastro Nacional de Auditores

Independentes (CNAI), o Programa de

Educação Profi ssional Continuada, entre

outras. Pelos resultados apresentados

no Exame de Sufi ciência entendo que

ainda podemos melhorar muito no ensino

superior desses profi ssionais.

6. Qual é a sua opinião sobre a

importância da Academia de Ciências

Contábeis para o fortalecimento

dessa ciência no Brasil?

Idésio Coelho – Para mim não existe a

prática sem o conhecimento e vice-versa.

Vejo na Academia Brasileira de Ciências

Contábeis a oportunidade de buscarmos

a interação entre o conhecimento e

a prática por meio das pessoas que

dela participa. Tenho certeza que isso

contribui muito para o desenvolvimento

da nossa profi ssão.

Vejo na Academia Brasileira

de Ciências Contábeis a

oportunidade de buscarmos a

interação entre o conhecimento

e a prática por meio das pessoas que dela participa.

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A convergência do Brasil às Nor-

mas Internacionais de Contabi-

lidade Aplicadas ao Setor Público

International Public Sector Accouting

Standards (IPSAS), que está em curso,

é absolutamente sinérgica aos anseios

crescentes da sociedade quanto à lisura

e transparência. Com esse avanço, nosso

País alinha-se a 25 nações que já adota-

ram o novo modelo. Dentre as quais se

incluem a Nova Zelândia, França, Portu-

gal, Espanha, Chile e Peru.

Nosso processo de transição iniciou-se em

2015 e, conforme a Portaria 548/2015,

da Secretaria do Tesouro Nacional,

estende-se até 2024 o cronograma para

a implantação de todos os procedimentos

relacionados à migração para o regime

Novas normas contábeis do setor público e os direitos da cidadania

de competência. Será uma revolução na

forma como é feita a contabilidade do

setor público.

As mudanças são bastante expressivas

e positivas. Hoje, União, estados e

municípios não têm registrado todos

os seus ativos e passivos. Rodovias,

parques, terrenos, bens de infraestrutura

e dívidas podem não estar registrados

no balanço patrimonial. As novas

normas estabelecerão mais solidez e

transparência à contabilidade pública,

conferindo mais transparência sobre o

patrimônio público, que, a rigor, pertence

à população. A contabilidade será uma

ferramenta de apoio ao cumprimento

da Lei de Responsabilidade Fiscal e

evidenciação de accountability das

autoridades governamentais.

A adoção do regime de competência per-

mitirá aos organismos

públicos e seus stake-

holders (cidadãos,

i n - vestidores, e adminis-

tradores, dentre outros)

terem visibilidade clara da

real situação econômica e

fi- nanceira, podendo, assim,

tomar decisões melhores.

Trata-se de procedimento que

poderia ter contribuído para mitigar nu-

merosos problemas ocorridos no País.

As Normas Internacionais de

Contabilidade Aplicadas ao

Setor Público possibilitarão,

ainda, a comparabilidade da saúde

fi nanceira entre os entes da Federação e

também com órgãos públicos de outros

países. Propiciarão, principalmente, a

transparência sobre a gestão fi nanceira

da coisa pública. Transcendendo à

prestação de contas de governos,

elevarão a contabilidade pública à devida

dimensão do Estado, em sua função

precípua e constitucional de servir à

sociedade.

Dada a relevância do tema, o Brasil

tem um membro e um assessor técnico

no órgão que edita, revisa e publica as

Normas Internacionais de Contabilidade

Aplicadas ao Setor Público, o IPSAS Board,

vinculado à Federação Internacional dos

Contadores (Ifac). É importante essa

participação de nosso País, que, signatário

do órgão, contribui para a evolução das

normas e disseminação do conceito de

mais compliance a elas agregado.

Vai chegando ao fi m a falta de visibilidade.

O novo regime de competência permitirá

que as demonstrações contábeis do

setor público refl itam de modo mais

consistente a execução orçamentária,

o patrimônio e o impacto econômico

das decisões políticas. Os brasileiros

passarão a ter mais consciência sobre

a gestão dos órgãos públicos e a saúde

fi scal do Estado. Sem dúvida, trata-se de

uma prática que responde aos preceitos

da democracia e aos direitos inerentes à

cidadania!

Idésio Coelho é o presidente do Instituto dos Auditores Indepen-dentes do Brasil (Ibracon).

autoridades governamentais.

A adoção do regime de competência per-

mitirá aos organismos

públicos e seus

holders

i n - vestidores, e adminis-

tradores, dentre outros)

terem visibilidade clara da

real situação econômica e

fi- nanceira, podendo, assim,

tomar decisões melhores.

Trata-se de procedimento que

poderia ter contribuído para mitigar nu-

merosos problemas ocorridos no País.

As Normas Internacionais de

Contabilidade Aplicadas ao

Setor Público possibilitarão,

ainda, a comparabilidade da saúde

fi nanceira entre os entes da Federação e

também com órgãos públicos de outros

países. Propiciarão, principalmente, a

transparência sobre a gestão fi nanceira

da coisa pública. Transcendendo à

As Normas Internacionais de

Contabilidade Aplicadas ao

Setor Público possibilitarão,

ainda, a comparabilidade da saúde

fi nanceira entre os entes da Federação e

também com órgãos públicos de outros

países. Propiciarão, principalmente, a

transparência sobre a gestão fi nanceira

da coisa pública. Transcendendo à