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Entrevista 5_ C. N.
Data: 27 de novembro de 2018
Local: residência da entrevistada (Belas)
E – Posso-me sentar ao pé de si?
C – Sim, sim, pode. Sente-se.
E – Muito bem. Eu já lhe expliquei para que é que queríamos isto, e o que é que estamos
a fazer com as entrevistas, porque queríamos pôr a ação das mulheres guineenses, da
cultura guineense, em palco. E queríamos receber testemunhos de várias pessoas para
com elas construir uma história, uma narrativa. Começava por lhe perguntar, se posso
começar, - Posso? – começava então por lhe perguntar, Cadi, como é que foi a sua vinda
para cá. Adaptou-se bem?
C – Sim, sim. Desde que cheguei aqui. Eu estou aqui porque o meu marido é que me
trouxe. Por isso, eu nunca passei dificuldade aqui.
E – Mas o que é que sentiu ao chegar cá, com uma cultura um bocadinho diferente?
C – É, a cultura é diferente.
E – O que é que sentiu, qual foi a sensação?
C – Fiquei muito contente.
E – É bom?
C – É, é bom. Para mim, porque quando eu cheguei aqui a coisa é diferente, tem muitas
coisas aqui que não tem na Guiné. Pois, assim, como é que eu posso dizer? Aqui tem
tudo, a Guiné é país subdesenvolvido, agora aqui não.
E – Do que é que sentiu mais a diferença?
C – De tudo.
E – De tudo? A comida?
C – Sim. A comida, eu sempre tenho de fazer a comida da Guiné, prefiro a comida da
Guiné (riso). Mas aqui há luz, água, essas coisas, tudo é diferente.
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E – É mais fácil, cá?
C - É, é mais fácil.
E – E é mais feliz cá ou lá?
C – Feliz, feliz, sim. Aqui, porque tenho a minha casa, tenho os meus filhos, tenho o meu
trabalho. Pois, estou a trabalhar para ajudar a minha família lá atrás. É isso.
E – Ajuda a sua família, lá?
C – É. Eu ajudo. Eu ajudo a minha família.
E – Qual é a família que tem lá?
C – Tenho a minha mãe, tenho tudo lá. A minha mãe, o meu pai, os meus irmãos. Tem
tudo.
E – Tudo.
C – Tudo.
E – E os vizinhos. Eu sei que a noção de família é mais alargada, não é? Os vizinhos
também são considerados como família.
C - Como família, sim.
E – E onde é que morava, antes?
C – Eu? Na Guiné? Eu moro em Farim.
E – E aqui? A sua família é muito mais pequena, não é?
C – Sim.
E – É o marido…
C - Sim, é o meu marido, os filhos. Bem, eu tenho família aqui, mas são família primos,
e assim. Conhecidos, e assim. Mas eu tenho família da Guiné. Muitos, muitos.
E - Queria que me descrevesse, se possível, como é que é a separação do papel dos
homens e das mulheres, na Guiné.
C – O papel dos homens e das mulheres…
E – Sim. Quem é que põe a comida na mesa, como é que é a divisão do trabalho…
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C – Na Guiné, as mulheres trabalham. Homens também, alguns homens trabalham. Como
agora a vida é difícil, alguns homens não têm emprego, não é? As mulheres têm que
trabalhar para sustentar a família e… há muitas mulheres que põem a comida na mesa.
Na Guiné, a mulher levanta cedo, faz tudo, vai trabalhar, vai vender, essas coisas, vai
vender no mercado para os filhos não passarem fome. O homem também faz só que…
pronto, a maioria dos homens não têm emprego.
E – Mas também não vão, por iniciativa deles, vender no mercado?
C – Homens? (riso) Isso já (riso)… Na Guiné, eu não sei como é que eu posso dizer… os
homens também trabalham, sim. Muitos homens trabalham, mas só que … não sei.
E – A sua mãe trabalha, na Guiné?
C – Ela trabalha, só que ela também tem um coiso … como é que eu posso dizer? Ela tem
“blaia”? Como é que eu posso dizer? Ela faz arroz. Ela planta arroz.
E - Ela planta arroz?
C – Sim. Eu não queria que ela fizesse isso, mas ela não aceita, não é? Ela está lá a fazer
arroz no mês de chuva, julho, julho, eles começam isso. Plantar arroz, depois fazer
polenta, isso tudo. O meu pai também trabalha. Só que o meu pai é alfaiate. Faz roupas.
É esse o trabalho dele.
E – E os seus irmãos?
C – Os meus irmãos ainda não porque … Eu tenho um irmão homem que trabalha
também. Ele é carpinteiro. Faz cama, faz tudo. Os outros estão a estudar. Está tudo
estudando lá. É um trabalho assim. As minhas irmãs, como ainda não têm marido,
estudam. E como não têm trabalho agora, elas estão a vender coisinhas delas.
E – E estudam?
C – Estudam sim.
E – E estudam no secundário, na universidade…?
C – Na altura, na universidade não, mas já tinham o 12º ano.
E – Que idade têm os seus irmãos?
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C – Os meus irmãos? Há um que tem 28, a outra tem 25, o rapaz tem 23 e a outra, mais
pequena, tem 18.
E – Dezoito.
C – Sim, tenho quatro irmãos.
E – No caso da sua família, mais ninguém veio para cá estudar?
C – Ninguém. Mas eu queria. Queria trazer o meu irmão. Estou pensando em estudar, eu
queria trazer o meu irmão também em estudar cá. Só que está um pouquinho difícil. Não
sei como é que eu vou fazer isso. É isso que eu estou a pedir informação, como é que eu
posso fazer isso. Estou a esperar até ao final do ano para começar a fazer isso. Trazer o
meu irmão para vir estudar.
E – Para vir estudar.
C – Sim.
E - O mais novo?
C – O mais novo. Quero trazer dois. O mais novo e a outra.
E – Estudou, a Cadi?
C – Eu? Estudei, estudei sim.
E – Estudou até ao 12º.
C – Sim, sim.
Eu – Tem uma família bastante diferente. Porque muitas raparigas estudam só algum
tempo e…
C – Outros tempos. Naquele tempo, já passou agora. A gente já não está naquele tempo,
que as raparigas não podem estudar, agora já não, a gente não está naquele tempo.
E – Na cidade, já não?
C – Sim, não tem isso. Só quem não quer estudar. Mas quem estuda, tudo bem.
E – E diga-me uma coisa, relativamente à diferença que sentiu quando chegou, no papel
do homem e da mulher…sentiu, cá em Portugal que havia uma grande distinção?
C – No papel do homem e da mulher? Como quem põe o comer na mesa e essas coisas?
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E – Sim. Em Portugal, relativamente à Guiné. Sentiu alguma diferença na divisão do
trabalho?
C – Não, por acaso não. Eu também estou só aqui. O meu marido também não vive cá,
vive lá fora. Eu fico em casa e faço tudo.
E – O seu marido vive aonde?
C – Vive na Suíça.
E – Vive na Suíça? Então está cá sozinha.
C – É. Mas ele também vem sempre. De dois em dois meses, ele está cá.
E – Está cá… Eu ia fazer ainda alguma perguntas relativamente ao que aprecia mais na
cultura guineense. De que é que gosta mais…
C – De que é que eu gosto mais. Na Cultura guineense? Bem, eu gosto de tudo (risos)!
Pois. Eu gosto de tudo! (risos)
E – Disse-nos que queria voltar para lá.
C – Sim. Um dia. Mas não é agora. Quando estabilizar lá, quando tiver casa, tiver tudo,
tudo, lá, eu vou voltar um dia. Estou a fazer casa lá, mas quando estiver pronta. Mas não
é agora. Eu vou lá visitar a família e assim. Vou lá visitar a família. Mas viver lá, ainda
não. Voltar de vez, não.
E – Quer fazer casa, lá?
C – Eu estou a fazer.
E – Está a fazer casa lá.
C– Estou a fazer mesmo. A minha mãe já tem a casa dela. Eu já fiz a casa da minha mãe.
O meu marido também já fez a casa dele, a nossa casa, está quase a acabar. Se acaba, a
gente vai lá passar férias, e volta. Como o miúdo está a estudar, não é, a gente não pode
ir lá, porque a Guiné não tem escolas, não tem … tem escola, mas agora as aulas ainda
não começaram lá.
E – Ainda não?
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C – Não, não. Tem estado em greve, a escola está muito assim. É por isso. Mas eu vou lá
com o meu filho passar férias, e a gente volta. É. A última vez que eu fui lá, eu fui lá dois
meses.
E – Foi há quanto tempo?
C – Quando eu fiz cinco anos [em Portugal] eu não fui para lá. Foi quando nasceu a minha
filha que eu fui, levei a minha filha para a minha mãe conhecer.
E – Sim. Tinha saudades?
C - Muito, muito! Tinha saudades dela.
E – O que é que lhe deu, assim, mais prazer rever?
C – A minha mãe, a minha família. Depois, coisas que a gente faz lá (risos). Tenho
saudades, tenho saudades de tudo, as minhas irmãs, os meus irmãos, amigas, a minha
infância lá, colegas de escola, tenho saudades de tudo.
E – Das suas mães?
C – (risos) A minha mãe é só uma. Só uma.
E – O que é que gostou mesmo mais? Quando voltou para a Guiné, o que é que lhe encheu
mais o coração de alegria? Consegue escolher uma coisa que tenha gostado mais?
C – Foi ver a minha família. Pois, quando eu fui lá, quando eu vi a minha família, chorei.
Porque quando vim aqui, fez cinco anos que eu não vi a minha família. Quando eu cheguei
lá, eu vi a minha família, chorei. É isso.
E – As saudades eram fortes.
C – É. Muito, muito. Muito.
E – A sua mãe, disse-me que ela cultivava arroz. Ela vai vender?
C – Não, ela não vende.
E – Como é que se chamam as pessoas que vendem? O nome dessa profissão. Tem um
nome, em crioulo.
C – Crioulo? Nome de pessoas que vendem?
E – Sim. Na feira.
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C – Na feira? A minha mãe não vende na feira.
E – Sim, eu sei.
C – Tem pessoas que vendem. Agora não sei. Tem pessoas que vendem na feira, arroz,
milho, mandioca, mancara, amendoim, essas coisas, quiabo, muitas coisas lá! Pessoas
também que vendem na – como é que eu posso dizer? – comidas, essas coisas, peixes,
mulheres que vão arranjar o peixe noutro lado para vir vender lá, essas coisas, roupa,
pano, as mulheres fazem isso tudo.
E – Também há pessoas que vão vender, por exemplo, à porta do cinema?
C – Ah, não, isso não tem lá, não. Porta do cinema pode ser um salão de filme. As pessoas
vão lá vender as coisinhas delas, ali.
E – Exato
C – Também não é muitas coisas, é amendoim, milho, essas coisas assim.
E – Como é que a sua mãe reagiu à sua partida para cá?
C – Olhe, bom (risos). Eu não sei explicar isso porque … ela ficou assim um bocadinho
meio triste, mas não tem jeito mesmo. Agora, eu sou a primeira filha, não é? Eu casei o
meu marido e ele quer que vim aqui. Ela não pode fazer nada, não é? Pois, foi isso.
E – A Cadi quis vir, não é?
C – Eu quero. Eu quero vir. A minha mãe também está feliz lá. Eu estou a trabalhar, estou
a ajudar ela, estou a ajudar a minha família…
E – Qual é o seu trabalho, aqui?
C – Eu estou a trabalhar na limpeza.
E – E diga-me uma coisa, quando veio para cá… disseram-me que os casamentos na
Guiné são frequentemente casamentos muito bonitos, tradicionais. Ia-lhe perguntar, casou
lá e veio…
C – Eu casei lá, só que eu não fiz essa cerimónia.
E – Sim.
C – Sim. Mas quando eu volto, eu vou fazer isso.
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E – Um casamento tradicional.
C – Sim, eu faço. Só que eu faço, eu faço casamento, sim, foi simples, só com essas coisas
da tradição, cola, essas coisas, só que você não põe pano branco. Fazem essas coisas de
pano branco, chamam todo o mundo, famílias e amigos, para dançar, cozinhar, fazer
grande festa. Mas eu não fiz isso, o meu marido está cá, nós casámos só pelo…nós
casámos só pelo casamento oficial. Eu só fiz isso, depois eu vim. É isso. Mas da próxima
vez que eu for para a Guiné, eu vou fazer isso.
E – Vai fazer um casamento tradicional…
C – Sim.
E – É a grande festa…
C – É a grande festa. Famílias e amigos trazem tanta coisa! Tanta, tanta coisa. É pano,
como esse aqui, é tijelas, tem muita, muita… pratos, copos, muita coisa! (Risos) A minha
mãe faz para todo o mundo lá, quem tem casamento, a minha mãe leva, quem tem
casamento, a minha mãe leva, agora vai chegar também a vez dela, não é?
E – É a única filha casada?
C – É. A única.
E – Os seus irmãos não estão.
C – Não, não. Tem que está na idade, mas como lá, agora, arranjar um marido é difícil,
não é?
E – Por que é que é difícil?
C – Hi, marido diz que não tem trabalho. Lá, muitos homens, não têm trabalho. Não vai
casar sem trabalho. Há homens que vivem ainda com os pais, mas como na Guiné também
é assim mesmo, sempre viver com os pais… o filho não tem casa, fica com os pais. Então,
é isso, os pais vivem lá para sustentar o filho deles. Agora, o filho que não trabalha, não
vai-se poder casar, não é? É difícil. É por isso. Há muito rapaz que quer casar, só que não
tem trabalho. Estudam, acabam de estudar, e não tem trabalho.
E – Isso acontece na Guiné e está a acontecer em Portugal, que é os filhos ficarem até
muito tarde em casa dos pais.
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C – Sim. Lá agora tem filhos que não saem. Ficam juntos com os pais. Não sai nunca
mais. Eles estão com os pais, na Guiné.
E – Mas este fenómeno da falta de trabalho não é… não é novo, não é? Na Guiné, o
trabalho ou emprego era difícil, não é?
C – É difícil.
E – Mas sempre foi, não é?
C – Sim, sempre foi. Sempre foi. Lá não tem trabalho mesmo. O pessoal também não
recebe tanto dinheiro assim. Não é fácil arranjar trabalho lá. Por isso, estes jovens, quer
casar, não pode. Porque não pode ter mulher e filho e não ter nada para oferecer a eles. É
complicado.
E – E para as mulheres, também é difícil arranjar trabalho?
C – Para as mulheres também é difícil. As mulheres, também é difícil. Mas só que as
mulheres também … as mulheres têm força. Arranjam trabalho de qualquer jeito. Vai
buscar a roupa, como em Senegal, Gâmbia, e vêm vender essas coisas assim.
E – Então, está-me a dizer que há uma diferença de iniciativa por parte das mulheres
relativamente aos homens.
C – Sim.
E – As mulheres têm mais iniciativa?
C – Sim.
E – Arranjam maneira de trazer dinheiro para casa…
C – Para casa, sim.
E – E os homens esperam emprego fixo.
C – Sim.
E – Não é o caso do seu irmão, não é?
C – Não.
E – Mas, no geral, ou seja, se o homem não arranja o emprego, vai ter mais dificuldade
em inventar uma maneira de trazer dinheiro…
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C – Dinheiro, sim.
E – Porque é que acha que as mulheres são mais determinadas, são mais inventivas?
C – (risos) Pois. Isso já não sei. As mulheres sempre têm força, têm tudo. As mulheres
batalham muito, como na Guiné. As mulheres batalham muito. Para sustentar a família,
os filhos. Algumas mulheres que perdem o marido cedo, ficam com os filhos lá, essas
coisas. Não sei dizer.
E – O que é que admira mais na mulher guineense?
C – O que é que eu admiro mais? É a força. Porque a mulher guineense tem força. A
mulher guineense batalha muito, a mulher guineense busca dinheiro de qualquer jeito. Na
Guiné é assim – como é que eu posso dizer? – a mulher guineense é uma mulher
batalhadora, é humilde, é mulher que ajudam os filhos, sei lá… não sei explicar mesmo.
A mulher guineense é espetacular! A mulher guineense tem força mesmo! (risos) É isso.
E - Tem alguma história, que nos possa contar, de uma mulher que tenha atravessado
problemas e tenha superado…
C – Acontece muito, mas eu não lembro das coisas, não sei. Há muitas mulheres que
superam muitas coisas lá, que ultrapassam muitas, muitas coisas, muitas dificuldades,
mas hoje, superou tudo. Batalhou muito, mas hoje tem casas delas, tem filhos, tem tudo.
Mas só… eu não lembro, mas tem muitas mulheres, mas sei que há muitas mulheres que
superam muitas coisas lá.
E – Gostava de me dar uma história como exemplo?
(Entra alguém em casa, que cumprimenta. Cumprimentamos.)
E – É o seu filho?
C – Não, não é o meu filho, é o primo de meu marido. O meu tem 16 anos. A outra tem
quatro e meio. Está na escola…É isso. Só que eu não lembro, não lembro essas coisas,
mas só que …
E – Uma tia, uma prima…?
C – Não. Eu não lembro, mas eu sei que há muita gente que superou muitas coisas lá.
Alguns que passam mal, depois, depois dá a volta para cima. Pois, mas não sei explicar
mesmo, não lembro assim.
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E – Casou com 21 anos, não foi? A sua mãe casou com que idade?
C – Não sei, com dezoito. É isso.
E – Dezoito?
C – A minha mãe casou com dezoito anos (risos).
E – E a sua avó materna?
C – Ah, não conheço a minha avó. Morreu cedo.
E – E a avó paterna também.
C – Sim. Morreu cedo. Não conheço os meus avós, não.
E – Hum-hum. A relação entre as pessoas de diferentes etnias, na Guiné, é boa?
C – Boa. Quer dizer, tem boas coisas. Não tem problema com isso. Está tudo bem, está
tudo em família.
Eu – Vou-lhe dizer uma coisa. É a primeira pessoa que eu conheço, que vem para Portugal
em virtude do casamento. A maior parte das pessoas que eu conheço vêm para estudar ou
vêm por razões de saúde.
C – Hum-hum. Ah, pois.
E – É engraçado, não é?
C – É engraçado. (risos)
E – Portanto, é uma situação completamente diferente e o interesse também está nisso.
Para nós percebermos… vem de uma situação diferente de outras pessoas. Mas agora
vou-lhe fazer uma pergunta relativamente à Associação Filhos e Amigos de Farim. É
sócia da Associação, não é?
C – Sim.
E – Como é que tem sido o trabalho lá? Tem colaborado?
C – Tenho colaborado, sim. Mas como agora não tenho tempo, mesmo por causa do meu
trabalho. Eu trabalho sábado, domingo. A reunião é a um domingo, mesmo. Mas é bom,
quando aparece uma coisa, eles mandam mensagem, ligam para mim, a gente tem uma
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atividade para fazer ali. Mas só que eu, agora, não dá. Sim, para participar nessas coisas
assim…
E – Quais são as atividades?
C – As atividades, há muitas atividades que a gente faz lá. Pronto, o dia de aniversário, a
festa da associação, não é? Atividades, fazem muitas atividades, aquelas feiras para
vender produtos guineenses, da Guiné Bissau, lá, comida, essas coisas. É aqui em
Massamá, não é. Só que eu não posso ir a essas coisas aqui, não tenho tempo. Por causa
do meu trabalho, é muito difícil, para participar nessas coisas. Mas em geral é bom. É
bom a gente se divertir, agora, não tenho tempo. Mas aparece uma coisa, e eu vou lá, aqui
na sede, em Monte Abraão.
E – Sim, sim. no sítio onde estivemos lá na festa.
C – Ah, pois!
E – Fomos lá à festa. À festa não faltamos (risos)!
C – É verdade! A festa é assim, tem muita gente. Mas eu não … no ano passado, a gente
estava lá, na festa e assim, mas ... acho que este ano não fui, porque não tem tempo. Mas
é bom!
E – Como é que conheceu os outros membros da Associação?
C – Eu conheci há muito tempo, já desde a Guiné.
E – Ah, já conhecia lá?
C – Sim. Conheci outros aqui, mas só que a maioria conheci na Guiné. Como a Anabela,
conhece a Anabela?
E – Ainda não.
C – Eu conheço a Anabela desde criança. A Anabela, eu conheço desde criança assim.
E – Cadi, tem o número de telefone dela, é que eu ainda não consegui falar com ela.
C – Ela foi para a Guiné.
E – Pois foi.
C – Ela foi passar férias, lá. Ela está na Guiné.
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E – Exato,
C – Eu conheci, a maioria conheci na Guiné, mas outros foi quando eu vim aqui. Alguns
nomes conheço, pois como vivi com os meus pais… então, é assim. Eu conheci outros
aqui.
E – Muitas pessoas, quando se referem à Guiné, referem-se a uma coisa que está longe e
de há muito tempo e, às vezes chegaram há cinco, seis anos, … e dizem que já foi há muto
tempo. Tem essa sensação, de distância temporal?
C – Com a Guiné? Não.
E – Não?
C – Não.
E – Se pudesse voltava lá, com mais assiduidade?
G - Eu podia voltar. Há dois anos, eu fui.
Eu – Gostaria?
C – Gostaria, sim. Gostaria de ir lá, visitar a minha família.
E – Se quiser dar um conselho a alguém que venha da Guiné para Portugal, qual era o
conselho que dava?
C – Conselho? A alguém que vem da Guiné para cá?
E – Sim.
C – O que é que eu posso dizer para aquela pessoa? Como a minha prima que veio da
Guiné…? Eu só disse para ela – a minha prima veio da Guiné com um filho doente, não
é? – é, porque ela está a passar estas coisas assim, é só dizer que é força. Aqui é assim,
um tempo, quando chega aqui, passa dificuldades, mas depois supera isso. Eu digo
sempre, para ficar cá, para ter força, vamos fazer isso direito, vai passar, essas coisas…
E – A sua prima veio com um filho?
C – Sim
E – Que idade tem o menino?
C – O menino tem seis anos.
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E – E o menino está a ser assistido cá?
C – Sim, está a ser, sim.
E – Ela veio por causa do filho?
C – Sim, veio sim. Porque o filho não fala, não é? Tem problemas já há muito tempo, mas
só que agora veio da Junta, da Guiné para cá. Ela está a passar muitas coisas. Eu mesmo
tento ajudar ela, eu fui com ela na Segurança Social de Sintra, essas coisas. Ajudar ela
um pouco, mas só que ela não tem os documentos, não tem nada. Agora a Segurança
Social também cortou tudo, não estão a ajudar ela nada. Ela estava aqui, a trabalhar aqui
na minha casa a cuidar da minha sogra. Como eu tenho aqui a minha sogra e trabalho, o
meu marido arranjou-me uma senhora para cuidar dela aqui.
E – Sim.
C – Ela estava aqui a cuidar da minha sogra, a gente paga a ela mesma um bocadinho de
dinheiro para as despesas dela. Mas pronto, ela disse que vai começar aulas, ela não vai
poder, com o filho, para cuidar do filho, … ela vai começar aulas, só que ela não
conseguiu aquelas aulas.
E – Não conseguiu escola?
C – Não, a Segurança Social não ajudou a ela. Ela queria começar escola, mas assim…
E – O filho tem 3 anos?
C – Não, tem 6.
E – Mas já tem idade para entrar na escola.
C– Sim, tem idade, só que a gente está assim à procura mesmo. Só que até agora, ela
parou de trabalhar, ela disse essa coisa do filho, mas agora o filho não conseguiu escola,
não conseguiu nada. Ela está assim. É isso que eu disse para ela, é só força, ter força e
que vai passar. É preciso coragem. Aquilo que eu posso fazer, eu faço para ela. Eu ajudo
ela, essas coisas.
E – Ela tem autorização de residência, não tem?
C – Tem. Tem sim. Só que ela morava na casa do tio, irmão do pai. Só que o tio dela
maltratava ela lá. Ela queria ficar aqui na minha casa só que eu também não tenho grande
espaço aqui. Tenho a minha sogra, tenho o primo do meu marido aqui, a filha do meu
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marido também estava cá… agora foi para casa da mãe. Foi por isso que eu não trouxe
ela cá, mas ela trabalha cá e tudo, ajuda a cuidar da minha sogra. O meu marido paga a
ela cada mês quatrocentos e cinquenta euros, para ela cuidar da minha sogra. Pronto! Eu
estou a dizer a ela: “Força, coragem, um dia vai dar certo!”
E – Mas se ela tem autorização de residência, o filho tem que ter escola, se já está com
seis anos.
C – É isso que a Segurança Social está a pedir para ela. De residência… porque ela está
aqui na minha morada
E – Sim, mas tem o papel oficial?
C– Sim. O papel, aquele do…
E – Passado pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras.
C– Sim, eu sei, eu sei. É preciso ter uma responsabilidade, não é? Eu também não sou
responsável dela neste caso aqui, porque até não sabia que ela vem cá, até porque o tio, a
tia dela é que faz essas coisas. Só que tem que pedir esse documento para a tia. Mas
pronto, como ela já não fala com a tia, não fala com o tio, eu não posso ir lá buscar essas
coisas. A Segurança Social ajudou ela duas, três vezes. Desde então, está a pedir esse
documento e ela não tem. Já cortou tudo. E agora não sei.
E – E há muitas pessoas que têm assim dramas, não é? De documentos e papéis…
C – Sim, sim. Há muita gente que não tem esse papel.
E – Quanto tempo, em média, demora a resolver a questão dos pepéis?
C – Dos documentos?
E – Exato.
C – Eu não sei, porque eu não passei essas coisas, não sei. Porque eu cheguei aqui e já
tenho os meus documentos porque o meu marido deu-me documentos. Eu cheguei aqui,
no mês que eu cheguei aqui, já aquele mês, o meu marido fez marcação. Tinha residência
a começar de cinco anos. Antes disso, antes dos cinco anos já tinha formulário, porque aí
já tinha casamento com meu marido, já tinha três anos. Eu nunca passei por essas coisas,
não é? Mas há muita gente que tem esse drama do documento, há muita gente que não
tem documentos.
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E – Posso voltar a um dos meus temas favoritos?
C – Pode.
E – Casamento.
C – Pode.
E – Então, eu queria saber se faz sentido para si – há pouco tempo uma moça guineense
disse-nos: “eu não quero casar”
C – Ela não quer casar? Ela nunca casou?
E – Não.
C – Para mim não faz sentido. É uma opinião dela. Ela não quer casar, tudo bem, mas
pronto! (risos) Não é? Ela não quer casar, é opinião dela.
E – Mas não é comum, pois não?
C – Não.
E – Normalmente, as pessoas apreciam o casamento?
C– Sim. Sim.
Eu – Mas também já verifiquei que é frequente as pessoas separarem-se. Quando estão
casadas num casamento tradicional, às vezes, há separações, e as pessoas, cada uma segue
o seu rumo e depois tem novo casamento.
C – Novo, sim. Como na Guiné. As pessoas separam. O marido… a mulher está na casa
do marido, volta para casa dos pais. O marido fica lá. Se tem alguma coisa, fica lá tudo
com o marido. Mulher não leva nada.
E – Mulher não leva nada.
C – Não. Na Guiné é assim. Mulher não leva nada. Agora, as coisas estão a mudar, agora,
mas se mulher tem alguma coisa. Mas mulher casa com o marido, ela vive na casa do
marido, o casamento acaba, a mulher sai, volta para casa dos pais, deixa tudo o que está
lá na casa. Quando o casamento acaba, leva os filhos junto, a mulher leva os filhos. O
marido se quer, ajuda, se não quer, tudo bem. A mulher fica lá com os filhos, a sustentar
filhos, se o pai não ajuda ela a sustentar filhos.
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E – E acha isso justo?
C – Não. Eu não acho. Eu não acho isso justo, não é?
E – O que é que mudaria, se pudesse mudar, na condição da mulher? Vamos imaginar
que temos uma varinha mágica e poderíamos dizer: “eu gostava de mudar isto”, na
condição da mulher guineense.
C - Mudar no casamento?
E – Se calhar, não. Se há injustiças, como essa que acabou de me dizer, mas podem ser
outras, o que é que acha que é mais urgente mudar?
C – Não faço ideia. Não sei explicar. (riso)
E – por exemplo, agora, as mulheres já têm acesso à educação, não é?
C – Sim.
E – Já não são obrigadas a casar.
C – Não.
E – Já casam por escolha, não é?
C – Sim. Agora sim. Agora, ninguém é obrigado a casar.
E – Mas no divórcio ou na separação, a mulher fica prejudicada porque só fica com os
filhos.
C – Fica só com os filhos. No divórcio é assim. Depois… lá é assim. Não tem mesmo
divórcio. O casamento acabou, acaba lá!
E – Como é que é? Diga lá.
C – Então, o casamento acaba, acaba. Como é que eu vou…
E – Quem é que decide que o casamento acaba?
C – Às vezes, o marido. Às vezes, o marido pede para a mulher sair de casa. Às vezes, a
mulher também pede. Mas é mais o homem que pede para a mulher sair de casa. Sim,
porque ele já não quer, porque já arranjou outra mulher, essas coisas. Há os homens que
arranjam outra mulher. Quando tem outra mulher lá em casa, então, tem que mandar a
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outra embora. E diz “não quero, porque eu arranjei nova mulher” e não sei quê… essas
coisas. Aquela mulher tem que sofrer muito, tem que sair de casa. É isso.
E – E muitas das pessoas que vendem são mulheres que estão nessa difícil situação de ter
de sustentar os filhos sem auxílio do marido.
C – Sim. Sim. Também é verdade. As mulheres que vendem lá, muitas são mulheres que
não têm marido. A mulher sustenta a família. Há umas mulheres também que têm marido,
mas o marido não trabalha, ele fica sentado lá, não trabalha. Ela supera o marido, a mulher
tem que fazer tudo, tem que trabalhar para sustentar filhos.
E – Houve uma pessoa que me disse que muitas mulheres pretendem que os filhos e as
filhas estudem para que não tenham vidas como…
C – Sim, vidas como elas, não é? É. Isso é verdade.
E – Conhece alguma situação que me queira contar?
C– Conhecer. Pois eu posso dizer, é como a situação da minha mãe. A minha mãe tem
escola, mas não estudou muito. Tem o quarto ano de tempo de tuga, não é? Aquele tempo
que ela dizia “tempo de tuga” (risos). Tempo de tuga, é. Ela sempre fez a nós para estudar.
Sim. Como ela não tem escola, assim, para nós estudarmos muito, para nós estudarmos
para um dia nós sermos como alguém na vida, não é? Eu estudei. Eu tenho o 12º ano. Só
que não tenho a formação. Eu cheguei aqui. Onde é que eu vou trabalhar? Eu estou a
trabalhar em limpeza. Pois. Eu trabalho em limpeza. Mas, para mim, eu estou feliz, estou
a ganhar o meu dinheirinho. Não é muito, mas pronto. Também estudei pouquinho. A
minha mãe sempre diz assim, como ela não tem escola, ela queria dar aos meus irmãos,
para estudar, que é para ser alguém na vida, amanhã. “Quem não estuda não é ninguém”,
ela sempre disse isso para nós.
E – E o seu pai, também tinha essa perspetiva?
C – É, tinha, tinha.
E – Quer-me contar alguma coisa do seu pai?
C – O meu pai é um grande homem.
E – É?
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C – Sim. Ele, graças a Deus, a gente nunca passou fome, nunca precisámos de nada. É
sempre assim, com o trabalho dele, é para fazer a gente feliz lá. A gente, não tem tudo lá,
mas fome nunca passámos. É. Meu pai também é assim. É grande homem.
E – Viveu sempre em Farim?
C – É. Sempre em Farim.
E – A sua mãe também.
C – É, vive sempre lá.
E – Os seus irmãos também vivem em Farim?
C – Sim, sim. Vivem todos lá. Vão para Bissau se tem alguma coisa para fazer lá, não é?
Mas depois voltam.
E – Tem uma filha de três anos que já nasceu cá.
C – Sim.
E – O que é que deseja para ela?
C – (Risos)
E – Vamos lá, desejos de mãe…
C – Desejo tudo bom para ela. Tudo o que eu não tenho, para ela estudar … porque ela é
assim, está aqui a foto dela! (Risos) Essa aqui foi na creche. Eu queria tudo de bom para
ela, tudo de bom. Ela é a minha princesa. (risos). Pois, é isso, quero tudo de bom para os
meus filhos. Para eles, o que eu não tenho. Para eles, que estudem, para arranjar um
trabalho bom, que não sejam como eu, na limpeza. Na limpeza, não. Não quero trabalho
de limpeza para os meus filhos, não.
E – Ela é muito bonita, tem um sorriso deslumbrante.
C – (riso) Ela queria ficar aqui, ela não queria ir para a creche, hoje. Mas só que ela é
chata. Se ela fica aqui a gente não pode fazer a entrevista. Eu disse “olha, não vais ficar
aqui, tu vais para a escola”. “não, eu quero ficar em casa, eu quero dormir na cama da
mamã! Eu não vou hoje!”. Eu disse, “não, tu não vais ficar aqui”. Ela foi.
E – Na sua cultura, na Guiné, é costume os filhos terem grande respeito para com os pais,
não é? E serem aconselhados pelos pais…
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C – Lá nós ouvimos os pais. Tudo o que o pai diz, o filho ouve. O filho nunca vai dizer
ao pai, “tu és mentiroso”, como aqui. Os filhos nunca dizem isso. O pai fala contigo e tu
ficas calado, parece que não estão lá. Ninguém responde aos pais. Ninguém. Nenhum
filho responde aos pais. Não sei, agora, como todo o mundo está moderno mesmo,
algumas coisas que é diferente, agora. Mas, nesse caso, os filhos com os pais, sempre têm
respeito.
E – Com os pais, e com os restantes membros da família.
C – Sim, sim. Com os restantes membros da família. Não é só com os pais. É com os mais
velhos. Não é só com os pais, é mais velhos, tios, família, os conhecidos, assim, a gente
respeita muito. A gente não pode sair na rua, vê uma tia e chama ela assim de … se eu vi
a mãe da minha amiga, não vou chamar o nome dela, não. Vou chamar o nome da filha,
“mãe de… “, Mãe da minha amiga. Vou dizer “mãe de Carolina” ou “mãe disso”. A gente
nunca chama a mãe da nossa amiga o nome dela, não. É assim.
E – Seria falta de respeito?
C– Não, não é falta de respeito, não. Mas só que para nós é assim. Sempre temos que ter
respeito pelo mais velho. Não é falta de respeito, não. Só que a gente cresceu, ouviu isso
e continua lá, até agora.
E – Vamos imaginar que eu passava pela mãe de uma amiga minha e lhe chamava o nome
próprio…
C – Pode chamar o nome próprio. Mas só que nós não chamamos.
E – E aos tios, como chamam?
C – Aos tios também é assim.
E - Aos tios, chamam de “tio”?
C – Sim. Chamam de tio.
E – E aos avós?
C – Avô. Não chamamos de avô. “Dona”, é assim. Ou então chamamos de “nha”. É avó-
mãe
E – “Nha”?
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C – É avó-mãe. Como a mãe.
E – Mãe é “nha”
C – Mãe é “nha”. Papai é assim, a gente fala “papai”, a gente fala “papá”.
E – Mas mãe é “nha”.
C – Mãe é “nha”, Pai é “papá”. E eu, aos meus tios, sempre falo “tio.”
E – Na família nuclear, pai, mãe, filhos, quem é que sentiu que, na sua família, tomava as
decisões?
C – É o pai.
E – E a mãe?
C – Se o pai disse, então, a mãe também vai dizer. Na família sempre quem manda na
família é o homem.
E – Então, o que me diz é que o filho sempre acata o que a mãe e o pai dizem, mas que a
mulher também acata o que o marido diz. É isso?
C – Hum-hum. É isso.
E – Vai querer isso para a sua filha?
C - (risos) Pelo menos o que eu aprendi, sim. O que o marido diz, a mulher obedece. Mas
agora, é um bocadinho assim, a gente não está naquele tempo dos nossos avós, essas
coisas, em que o homem diz uma coisa e é isso. Mas agora não. Agora, as coisas mudaram
lá.
E – Mudaram lá e mudaram cá.
C – Sim. As coisas mudaram. O homem não pode dizer “é isso” e é isso. Não. Se o homem
dizer, a mulher vai dizer alguma coisa também. Se a mulher não está de acordo com isso,
ela vai dizer que não. Sim, não fica assim, “não”, “não”! (risos)
E – Temos aqui uma certa rebeldia (risos). Muito bem. Eu acho que já perguntei tudo o
que queria perguntar. Quer dizer-me alguma coisa alegre? Que a encante?
C– Que eu canto?
E – Canta?
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C – Eu dançava! Eu gostava! Mas só que agora não danço. Eu gostava de dançar, na
Guiné. Mas só que, desde que cheguei aqui, nunca dancei.
E – Mas olhe que, lá na festa, nós tínhamos dança!
C – Sim. Aquela festa que houve lá, mas que eu não fui! Aquela festa da coisa da tina?
Sim, eu danço.
E – Como é que se chama?
C – Tina. Tina. Aquela coisa que é para bater assim. É tina.
E – Com água?
C – Com água, sim. É tina. Eu danço, eu sei dançar. Mas já há muito tempo que eu não
danço.
E – Nem sozinha, cá em casa?
C – Às vezes, com a minha filha. Às vezes, sim. Ela é divertida. Quando ela está cá, ela
gosta de dançar, e essas coisas. Eu danço.
E – Então, o que gosta mais é de dançar.
C – Eu gosto. Eu gosto também de cantar!
E – Ah, também canta?
C – É. Eu gosto de cantar. No meu trabalho, eu fico sempre cantando.
E – Cante-me um pouco.
C– Ah, eu não…
E – Só um bocadinho. Provavelmente, embalou a sua filha.
C – A minha filha…
E – Embalar, embalar. Para ela adormecer.
C– Ah!
E – Pode ser?
C – Pode. Deixa-me pensar o que eu canto para ela. Eu digo assim para ela:
Bebé, oh, ie, ie, a
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Qué que o bebé no chora
Chora muito onade
A galinha cai na cova
Bebé oh, ie, ie a
Ela dorme. Às vezes, ela para cantar isso. Ela diz “mãe, canta bebé oh ie, ie”
E – É uma canção que existe lá?
C – Sim, sim. Eu ouvi os meus pais fazerem isso. Há muita gente que faz isso “bebé, io,
ie, ie, Qué que o bebé no chora, chora muito onade”, com um bebé. Isso é quando o bebé
quer chorar, não é? Eles fazem assim e ela dorme. É isso.
E – Acho que vou utilizar essa canção. Pode ser?
C – Pode.
E – Vamos terminar. Muito obrigada, Cadi. Gostei imenso. Depois, tem de ir ver o
espetáculo.
C – Sim, eu vou.
E – Vamos pôr umas mulheres lindíssimas em palco.
C – ‘Tá bom.
E – Ainda lhe vou pedir a letra. Se tiver mais dois minutos para me escrever essa letra,
pode ser?
C – Pode.
E – Obrigada.