entre o silêncio e o dizível: um estudo discursivo de sentidos de
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ESTUDOS LINGUSTICOS E
LITERRIOS EM INGLS
LAURA FORTES
ENTRE O SILNCIO E O DIZVEL
Um estudo discursivo de sentidos de bilinguismo, educao bilngue
e currculo em escolas bilngues portugus-ingls
Verso corrigida
So Paulo
2016
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LAURA FORTES
ENTRE O SILNCIO E O DIZVEL
Um estudo discursivo de sentidos de bilinguismo, educao bilngue
e currculo em escolas bilngues portugus-ingls
Verso corrigida
De acordo:
Orientadora: Profa. Dra. Marisa Grigoletto
Tese apresentada ao Departamento de Letras
Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas da Universidade de So
Paulo para a obteno do ttulo de doutora em
Letras.
rea de concentrao: Estudos Lingusticos e
Literrios em Ingls
Orientadora: Prof. Dr. Marisa Grigoletto
So Paulo
2016
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Folha de aprovao
FORTES, Laura.
Entre o silncio e o dizvel: um estudo discursivo de sentidos de bilinguismo,
educao bilngue e currculo em escolas bilngues portugus-ingls
Tese apresentada ao Departamento de Letras
Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas da Universidade de So
Paulo para a obteno do ttulo de doutora em
Letras.
Aprovada em: 11 de abril de 2016.
Banca Examinadora
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Instituio______________________ Assinatura: _______________________
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Vera e Leila, pela alegria na vida e pela amizade mais que materna, mais que fraterna, mais que terna eterna.
Ao Mario, che mbohayhu.
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AGRADECIMENTOS
FAPESP, pela bolsa concedida (Processo 2012/21924-3) desde janeiro de
2013, o que foi fundamental para a realizao desta pesquisa.
CAPES, pela bolsa DS concedida entre outubro e dezembro de 2012 (DS-
DLM-FFLCH-USP) e pela bolsa (Processo n 3760/14-6) concedida para a
realizao do doutorado sanduche sob orientao do Prof. Dr. Alastair Pennycook
na University of Technology, Sydney, entre julho e dezembro de 2014.
Profa. Marisa Grigoletto, com quem tenho tido o privilgio de conviver e
aprender h mais de doze anos, pela amizade sincera e pela orientao sempre
precisa nos caminhos da Anlise de Discurso.
famlia querida, que me apoiou durante todo o percurso:
Ao Mario e Uda, pela pacincia e pelo amor incomensurveis;
Vera e ao Carlos, pelas muitas oraes, pelo acolhimento e pelo afeto;
Leila e ao Danilo, pelas palavras de incentivo e pelos momentos de
descontrao.
Ao Prof. Carlos Renato Lopes e Profa. Maria Teresa Celada, que
contriburam imensamente com comentrios e sugestes sobre a pesquisa no
exame de qualificao, apontando novos direcionamentos que foram fundamentais
para a realizao de determinados gestos de leitura do arquivo.
Aos professores e coordenadores de escolas bilngues que participaram desta
pesquisa, dedicando seu tempo e demonstrando o desejo de compartilhar
conhecimentos e contribuir para o campo de estudos sobre bilinguismo e educao
bilngue no Brasil.
Ao Grupo LEDI, do qual tenho participado desde a Iniciao Cientfica, e cujos
membros tm me ensinado tanto: Dolores, Ins, Bruno, Ana Faria, Daniella, Patrcia,
Beatriz, Dbora, Marco Costa, Flavia, Laura. Agradecimentos especiais Dolores e
Ins, que participaram mais de perto do processo da pesquisa e dos devaneios
tericos que irromperam nos cafs com abobrinha...
Ao Prof. Alastair Pennycook, que me orientou durante a realizao do estgio
de doutorado sanduche na University of Technology, Sydney (UTS). Suas
interlocues foram essenciais para pensar possibilidades de prtica de entremeio
com diversas teorizaes, o que fez toda a diferena na pesquisa.
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Profa. Jacqueline Widin, com quem aprendi muito nas aulas de Language
and Power na UTS e que generosamente contribuiu com minha pesquisa com
leituras de meus textos e indicaes de autores.
famlia brasileira australiana, que me acolheu de corao aberto em
Sydney e com quem aprendi os diferentes modos de ser Aussie: Daniela Cristina
Costa, Adriano Alves, Caio e Enzo; Renata e famlia; Clara e famlia; Carol e famlia;
Valentina e famlia; Thalita e famlia; Stefania e famlia; Fernanda e famlia. Marlia
Ftima, amiga querida que possibilitou e mediou esse encontro, que levo na vida.
Aos amigos e colegas que conheci durante o estgio de doutorado sanduche
em Sydney: Misako Tajima, Benjamin Hanckel, Bong Jeong Lee, Amina Singh,
Ayumi Inako, Feifei Liu, Irna Sari, Ivor King, Kathy Shein, Nipa Saha, Shaonee
Rahman, Shashi Sharma, Vronique Conte, Zhen Zhang, Denise Enayati, Oksana
Nemesh, Mlanie Duchet, Owais Haji. Cada um contribuiu de forma singular para a
realizao desta pesquisa, e todos me ensinaram igualmente o quanto bom
conviver com a diferena.
Aos professores Adrin Fanjul, Anna Carmagnani, Jos Horta Nunes, Deusa
Maria de Souza Pinheiro-Passos, Suresh Canagarajah, Elana Shohamy, Maria
Cristina Leandro Ferreira, Maria Jos Coracini, Xon Carlos Lagares, Walkyria
Monte-Mr e Ernesto Bertoldo, cujas interlocues contriburam em diversos
momentos com a pesquisa.
Renata Lcia Moreira, amiga desde a poca da graduao que me
acompanha, incentiva e est sempre na torcida por meus projetos.
Giane Lessa, que me incentivou nesta jornada com carinho, amizade
indicaes de leitura, orientaes e muitas risadas.
Cristina Ramos e Marina Bastos Buteler, grandes amigas que
acompanharam grande parte destas minhas inquietaes e cujas palavras de
incentivo sempre foram restauradoras neste percurso.
Clarice Tumelero, amiga sempre presente, que me apoiou e me
surpreendeu diversas vezes batendo minha porta com uma receita especial.
Aos alunos e amigos/colegas do Colgio Oswald, com quem aprendi os vrios
sentidos do trabalho docente, do compromisso com o outro e com a educao.
Aos funcionrios da Biblioteca Florestan Fernandes da FFLCH-USP,
especialmente ao Carlinhos, pelas palavras de incentivo e pela ajuda na hora certa.
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Dificilmente escapamos aos sentidos tal como eles se apresentam e se representam. E eles no so por isso uma ameaa: so antes um convite vida, experincia, histria, interpretao.
Eni P. Orlandi ORLANDI, E. P. (1992) As formas do silncio: no movimento dos sentidos. 5 ed. Campinas, SP. Editora da Unicamp, 2002, p. 173.
O pensamento no o que se presentifica em uma conduta e lhe d um sentido; , sobretudo, aquilo que permite tomar uma distncia em relao a essa maneira de fazer ou de reagir, e tom-la como objeto de pensamento e interrog-la sobre seu sentido, suas condies e seus fins. O pensamento liberdade em relao quilo que se faz, o movimento pelo qual dele nos separamos, constitumo-lo como objeto e pensamo-lo como problema.
Michel Foucault FOUCAULT, M. Polmica, poltica e problematizaes. In: Foucault, M. tica, sexualidade, poltica, (Ditos e escritos, vol. V). Organizao e seleo de textos de Manoel Barros da Motta; traduo Elisa Monteiro, Ins Autran Dourado Barbosa. 2.ed . Rio de Janeiro, Forese Universitria, 2006, p. 231-2.
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RESUMO
FORTES, L. Entre o silncio e o dizvel: um estudo discursivo de sentidos de bilinguismo, educao bilngue e currculo em escolas bilngues portugus-ingls. 2016. 444 f. Tese (Doutorado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2016.
Esta pesquisa prope uma anlise discursiva de sentidos de bilinguismo, educao bilngue e currculo em escolas bilngues portugus-ingls no sistema educacional brasileiro. Os percursos da anlise se fizeram a partir de uma entrada, teoricamente orientada pela anlise de discurso pecheutiana, num complexo de discursividades heterogneas configuradas sobre o real da expanso dessas escolas, frequentemente justificado por uma demanda crescente pela aquisio da lngua inglesa cada vez mais cedo. Tendo em vista esse complexo de discursividades, o corpus de pesquisa foi configurado a partir da construo de quatro arquivos: a) arquivo do discurso cientfico sobre bilinguismo, constitudo de um levantamento das pesquisas e publicaes acadmicas sobre esse tema; b) arquivo do discurso poltico-educacional, constitudo de documentos legislativos, normativos e curriculares; c) arquivo do discurso institucional, constitudo de textos disponibilizados nos sites das escolas e na mdia jornalstica/publicitria; d) arquivo do discurso profissional, constitudo de entrevistas com professores e coordenadores do Ensino Fundamental de trs escolas bilngues na cidade de So Paulo. Na primeira parte da pesquisa, so analisadas a formao de conceitos, as condies de produo e a circulao de sentidos de bilinguismo e educao bilngue nos trs primeiros arquivos (cientfico, poltico-educacional e institucional). Na segunda parte da pesquisa, focaliza-se a anlise discursiva de sentidos do currculo da escola bilngue portugus-ingls nos dizeres do discurso profissional, considerando possibilidades de seu atravessamento pelas discursividades analisadas na primeira parte. Uma das questes iniciais que mobilizou a investigao foi assim formulada: como se constituem e se organizam os saberes sobre a(s) lngua(s) nessas instituies, considerando que essa modalidade de ensino no contemplada por uma regulamentao especfica? A anlise indicou que os sentidos dessa ausncia funcionam diferentemente, num processo discursivo que hipotetizamos como uma tenso entre o silncio e o dizvel produzida pela (des)regulao do discurso poltico-educacional. Formulou-se a hiptese inicial de que os sentidos sobre o ensino de ingls na modalidade bilngue so produzidos por um pr-construdo, um j-dito, que funciona a partir de uma memria de deslegitimao do ensino da lngua inglesa na educao bsica brasileira. No decorrer da pesquisa, entretanto, essa hiptese foi apenas parcialmente confirmada, pois se constatou a incidncia de outros sentidos nesse processo discursivo, em que ganhou destaque a representao da lngua como mediao, configurando um imaginrio de tenso entre o aprender em ingls e o aprender ingls. A partir da anlise, conclumos que um olhar sobre o currculo como instrumento lingustico poderia constituir um caminho frtil de interpretao desses sentidos, uma tomada de posio que demandou deslocamentos tericos na busca por possibilidades de entremeio. Palavras-chave: Anlise de discurso. Bilinguismo. Silenciamento. Currculo. Escola bilngue portugus-ingls.
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ABSTRACT
FORTES, L. Between the silenced and the sayable: a discursive study of meanings of bilingualism, bilingual education and curriculum in Portuguese-English bilingual schools. 2016. 444 f. Thesis (PhD) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2016.
This research proposes a discursive analysis of meanings of bilingualism, bilingual education and curriculum in Portuguese-English bilingual schools in the Brazilian educational system. Drawing on the materialist discourse analysis framework proposed by Michel Pcheux in the 1970s, it examines a complex of heterogeneous discursivities shaping the real of the fast increasing number of those schools, which is often justified by a growing demand for the acquisition of the English language at an earlier age. In view of that complex of discursivities, research data comprises texts from four archives: a) scientific discourse on bilingualism, consisting of a bibliographic survey of academic research and publications on bilingualism; b) political-educational discourse, consisting of national/state language policies and curriculum guidelines; c) institutional discourse, consisting of texts available on bilingual schools websites and news/advertising media; d) professional discourse, consisting of interviews with teachers and coordinators of three bilingual schools in the city of So Paulo. The first part of the research analyzes the formation of concepts, the conditions of production and circulation of meanings of bilingualism and bilingual education in the first three archives (scientific, political-educational and institutional). The second part of the research focuses on a discursive analysis of meanings of Portuguese-English bilingual schools curricula in professional discourse, considering possibilities of its imbrications with the discourses analyzed in the first part. The main research question was formulated as follows: how is knowledge about language(s) constituted and organized in those school institutions, considering that Portuguese-English bilingual education is not regulated by law? The analysis indicates that the meanings of this lack of regulation function differently in a discursive process interpreted as a tension between the silenced and the sayable which is produced by the (de)regulation of political-educational discourse. The initial hypothesis predicted that meanings of English language teaching in bilingual education provision were produced by the preconstructed (the already said of other discourses) evoked by a social-historical memory of delegitimation of English language teaching in the Brazilian educational system. However, that hypothesis was only partially confirmed, as an incidence of other meanings was found in this discursive process, such as the representation of language as mediation, which has configured an imaginary of tension between learning in English and learning English We concluded that these meanings could be better understood if the curriculum were interpreted as a linguistic tool. Keywords: Discourse analysis. Bilingualism. Silencing. Curriculum. Portuguese-English bilingual school.
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RSUM
FORTES, L. Entre le silence et le dicible: une tude discursive des sens du bilinguisme, lducation bilingue et des programmes dans les coles bilingues anglais-portugais. 2016. 444 f. Thse (Doctorat) - Facult de Philosophie, Lettres et Sciences Humaines de lUniversit de So Paulo, So Paulo, 2016.
Cette recherche propose une analyse discursive des sens du bilinguisme, lducation bilingue et des programmes dans les coles bilingues anglais-portugais dans le systme ducatif brsilien. Les parcours de lanalyse sont effectus partir dune entre, thoriquement guide par lAnalyse du Discours de Pcheux, dans un ensemble de discours htrognes configurs sur le rel fait de l'expansion de ces coles, souvent justifie par une demande croissante de lacquisition de la langue anglaise un ge prcoce. Compte tenu de cet ensemble de discursivits, le corpus de recherche a t cr partir de la construction de quatre archives: a) larchive du discours scientifique sur le bilinguisme, compos dune collection de recherches et de publications acadmiques sur le bilinguisme; b) larchive du discours politique-ducatif, constitu de documents lgislatifs, rglementaires et pdagogiques; c) larchive du discours institutionnel, constitu des textes disponibles sur les sites Internet des coles, de la presse et des bulletins publicitaires; d) larchive du discours professionnel, comprenant des entretiens avec les enseignants et les coordinateurs des niveaux Primaire et Secondaire de trois coles bilingues de la ville de So Paulo. Dans la premire partie de la recherche, sont analyses la formation des concepts, les conditions de production et de circulation des sens du bilinguisme et lducation bilingue dans les trois premiers archives (scientifique, politique-ducatif et institutionnel). La deuxime partie de la recherche se concentre sur l'analyse discursive des sens des programmes des coles bilingues portugais-anglais dans le discours professionnel, compte tenu des possibilits de sa traverse par les discursivits analyss dans la premire partie. Lune des questions initiales qui ont mobilis cette recherche a t formule ainsi: comment se constituent et sorganisent les connaissances sur la(les) langue(s) dans ces institutions, tant donn que ce type d'enseignement nest pas matris par une rglementation spcifique? Lanalyse a indiqu que les raisons de cette absence fonctionnent de faon diffrente, dans un processus discursif qui met lhypothse dune tension entre le silence et le dicible produite par les rglementations (ou les manques de rglementations) du discours politique-ducatif. Lhypothse initiale formule est que le sens de lenseignement danglais en modalit bilingue est produit par un prconstruit, un dj-dit, qui fonctionne partir dune mmoire de dlgitimation de lenseignement de langlais dans le systme ducatif brsilien. Au cours de ltude, cette hypothse a t partiellement confirme, car il a t constat lincidence dautres sens dans ce processus discursif. Mots-cls: Analyse du Discours. Bilinguisme. Silencement. Programme scolaire. cole bilingue portugais-anglais.
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EMOMBYKY
FORTES, L. Kirir ha ayvu apytpe pete arandue a o e uaa hag ua mba pa e i heise, e i te omboe ha mboerrembiasa e i mboehao portuge-ingle-pegua. 2016. 444 r. Tembiapo (Tembikuaajra) - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2016.
Ko tembihai ogueru pete tesai o mba pa e i heise rehegua, eki te omboe ha mboerrembiasa e i mboehao portuge-ingle-pegua ojeipurva Brasil te omboe-pe. Ko tembihai rete ojejapo epurvae ue irundy techau aha u ra guive a) techau aha mbae uaavete ayvu eki rehegua; b) techau aha te omboere ui ayvu; c) techau aha mboehao ayvu; d) techaukaha mbaapohra ayvu (emongeta mboehra ha mboetendota ndive mbohapy eki mboehao tva So Paulo-pegua). Porandu epyr pete ha omongu va o type a tembihai mba ichapa heoi ha oemobosa oi uaa u ra umi e(gura) mbaehao pegua, o ei uaa rupi ndaiporiha mbaeveichagua apopyr ombohap va peichagua te omboe? Ko tesai o ohechau a umi heiseva o ha pyat irir ha ayvu apyt pe ova apopyr ndaipori hagu re engu ra te omboe rembi o ui rehegua. Oemo uri porandu epyrr mba pa heise ingle emboe e ime, mbae ogueruha pete o eepyre, pete o mbapyr mava, heis va maymva avare pe umi ingle emboe o va mbaehao Brasil-gua te ombo pe naiporiha. Ko tembiappe upe porandu oemone michimi. avei o ei uaa o ha ambue eimo upe heis va rapre.
eipea Ayvu uaapota. eki. Kirir r. Mboerrembiasa. Mboehao eki portuge-ingle.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: A representao do iceberg duplo da proficincia bilngue (CUMMINS; SWAIN ([1986] 1992a, p. 83) .............................................................. 177
Figura 2: Configurao de arquivos sobre a questo do bilinguismo para a anlise discursiva .................................................................................................... 346
Figura 3: Esquema sinttico dos percursos de leitura do arquivo .......................... 347
Figura 4: Tenses das incidncias do discurso cientfico sobre o arquivo do discurso profissional analisadas no captulo 4 ........................................................ 350
Figura 5: Anlise do atravessamento do discurso profissional pelo discurso institucional analisado no captulo 5 ........................................................................ 351
Figura 6: Anlise das representaes e prticas do/no currculo bilngue nos dizeres do arquivo do discurso profissional (captulo 6) .......................................... 352
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Levantamento da literatura para a configurao de um arquivo do discurso cientfico sobre bilinguismo (em ordem de publicao).......................... 40-41
Tabela 2: Escolas internacionais no Brasil (Moura 2009, p. 57) ............................... 89
Tabela 3: Escolas bilngues no estado de So Paulo (CORREDATO, 2010, p. 57, 8) ......................................................................................................................... 94
Tabela 4: Escolas bilngues no estado de So Paulo (Moura 2009, pp. 60, 1) ........ 96
Tabela 5: Finalidade dos atos normativos (DAVID, 2007, p. 23) ............................ 104
Tabela 6: Levantamento de pesquisas sobre educao bilngue portugus-ingls no Brasil ........................................................................................................ 134
Tabela 7: Processo de realizao de entrevistas para a configurao do arquivo do discurso profissional .............................................................................. 162
Tabela 8: Normas para transcrio baseadas em Pretti (1999).............................. 162
Tabela 9: Cdigos usados para identificao dos sujeitos e das escolas .............. 164
Tabela 10: Categorias de anlise para a leitura do arquivo do discurso profissional .............................................................................................................. 169
Tabela 11: Modelo de Imerso Total Precoce (CORREDATO, 2010, p. 31) ......... 316
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AD Anlise de Discurso
AICL Aprendizagem Integrada de Contedos e de Lngua
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo
FD Formao Discursiva
HIL Histria das Ideias Lingusticas
IBC Instruo Baseada em Contedos
IES Instituio de Ensino Superior
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
L2 Segunda Lngua
LA Lingustica Aplicada
LE Lngua Estrangeira
MEC Ministrio da Educao
OEBi Organizao das Escolas Bilngues de So Paulo
PEB I Professor da Educao Bsica I
PEB II Professor da Educao Bsica II
PLE Portugus Lngua Estrangeira
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SUMRIO
Introduo: o comeo de um gesto de leitura ...................................................... 18
PARTE I BILINGUISMO E EDUCAO BILNGUE: FORMAO DE CONCEITOS,
CONDIES DE PRODUO E CIRCULAO DE SENTIDOS ....................... 34
Captulo 1 O bilinguismo como objeto de conhecimento: a formao dos
conceitos ............................................................................................................ 35
1.1 DISCURSOS DA LINGUSTICA E PRODUO DE SABERES SOBRE
BILINGUISMO ....................................................................................................... 37
1.1.1 Configurao de um arquivo do discurso cientfico sobre bilinguismo ....... 38
1.2 CONCEITUALIZAES SOBRE BILINGUISMO PRODUZIDAS PELA
LINGUSTICA ........................................................................................................ 43
1.2.1 O bilinguismo de prestgio em processos de designao .......................... 54
1.3 A EMERGNCIA DE CONCEITOS DISCORDANTES: PROCESSOS DE
RESSIGNIFICAO DE SENTIDOS DE BILINGUISMO ..................................... 58
1.3.1 Pcheux e Pennycook: das (im)possibilidades de prticas de entremeio .. 69
CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO........................................................... 76
Captulo 2 - Polticas de lnguas e memria: espaos do silncio, espaos do
dizvel .................................................................................................................. 79
2.1 POLTICAS DE LNGUAS ............................................................................... 80
2.1.1 Memria do ensino de lngua estrangeira no Brasil: uma bifurcao de
sentido ................................................................................................................ 82
2.1.2 Circunstncias globalizantes ..................................................................... 87
2.2 O ESPAO DO SILNCIO: (DES)REGULAO DO DISCURSO POLTICO-
EDUCACIONAL .................................................................................................... 91
2.3 O ESPAO DO DIZVEL: INTERNACIONALIZAO, PODER E
SUBJETIVIDADE ................................................................................................ 111
CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO......................................................... 118
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Captulo 3 Discursividades sobre a educao bilngue no Brasil: academia,
mdia e divulgao institucional ..................................................................... 119
3.1 ACADEMIA: PRODUO DE SABERES E (IN)VISIBILIDADE DE DIVISES
............................................................................................................................ 121
3.2 MDIA: METONMIA DE CELEBRAO DA VANTAGEM BILNGUE .......... 138
3.3 DIVULGAO INSTITUCIONAL: CELEBRAO DO INGLS GLOBAL E DA
COMUNICAO ESPONTNEA ....................................................................... 146
CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO......................................................... 157
PARTE II SENTIDOS DO CURRCULO DA ESCOLA BILNGUE PORTUGUS-
INGLS NO DISCURSO PROFISSIONAL ........................................................ 159
Captulo 4 Bilinguismo: o discurso cientfico e a taxonomia do impossvel 172
4.1 O BILINGUISMO ENTRE SENTIDOS ONTOLGICOS E INSTITUCIONAIS
............................................................................................................................ 173
4.2 SENTIDOS DE BILINGUISMO COMO EFEITOS DE UM PROCESSO
PARAFRSTICO ................................................................................................ 188
4.3 SENTIDOS DE ENSINO BILNGUE ENTRE TAUTOLOGIAS E ESPAOS DE
EQUVOCO ......................................................................................................... 200
4.4 O SUJEITO BILNGUE COMO MQUINA LGICA ..................................... 207
CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO......................................................... 215
Captulo 5 Pygmalion: o discurso institucional e a legitimao .................... 217
5.1 VENERANDO A CRIAO: UMA INSTITUIO SEM FALHAS .................. 221
5.2 O SUJEITO-ALUNO: PROJETO E PRODUTO DA INSTITUIO ............... 229
5.2.1 O aluno top .............................................................................................. 230
5.2.2 O monolngue transformado em bilngue ................................................. 240
5.2.3 Cidados pluriculturais para o mundo globalizado................................... 243
5.3 O MODO COMPARATIVO DE DIZER CONSTRUINDO A LEGITIMAO .. 247
5.4 (CONTRA)IDENTIFICAES COM UMA EDUCAO DE ELITE: MAIS UM
LUGAR DE LEGITIMAO? .............................................................................. 267
CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO......................................................... 278
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Captulo 6 Currculo e sujeito: recorte e organizao de saberes ................. 282
6.1 PROCESSOS METONMICOS DE DEFINIO DO CURRCULO BILNGUE
............................................................................................................................ 290
6.1.1 O currculo bilngue integrado: um lugar de completude, equilbrio e
harmonia ........................................................................................................... 291
6.1.2 O currculo bilngue baseado em projetos: instaurao de certos modos de
governamentalidade ......................................................................................... 299
6.1.3 O currculo bilngue socioconstrutivista: diluio e indistino ................. 306
6.2 O CURRCULO COMO ORGANIZAO DE SABERES SOBRE (O ENSINO
D)A LNGUA: REPRESENTAO DE UM LUGAR SEMPRE ATINGVEL ........ 314
6.2.1 (O ensino d)a lngua como mediao: um saber sobre algo pela lngua . 315
6.3 O CURRCULO BILNGUE REGULAMENTADO: ESPAOS DE
(DES)REGULAO ............................................................................................ 327
CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO......................................................... 341
Consideraes finais: a questo da interpretao incontornvel e retornar
sempre ............................................................................................................ 345
Referncias ............................................................................................................ 363
Apndices .............................................................................................................. 389
Anexos ................................................................................................................... 442
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INTRODUO: O COMEO DE UM GESTO DE LEITURA1
A anlise de discurso trata a questo da interpretao restituindo a espessura linguagem, e a opacidade aos sentidos. Ela prope, ento, uma distncia, uma desautomatizao da relao do sujeito com os sentidos. (ORLANDI, [1996] 2007a, p. 99).
Comecemos a reconstruo da histria de um gesto de leitura pelos caminhos
abertos pela interpretao. Esse campo pode ser aquele que nos convoca
incessantemente ao sentido, na iluso das evidncias e das verdades, daquilo que
se apresenta como inquestionvel numa transparncia fabricada da linguagem que
nos captura para nos reconhecermos como sujeitos livres para aceitarmos nossa
submisso (ALTHUSSER, [1969] 2007). Nessa convocao ideologia estamos
colados aos sentidos. Mas esse campo da interpretao, visto como uma escritura,
uma leitura interpretativa (PCHEUX [1982] 2010), pode constituir um gesto de
distanciamento a partir do qual a linguagem recobra sua profundidade, seus
equvocos, deixando escapar pontos de impossvel PCHEUX, [1983] 2002, p. 29)
na opacidade dos sentidos, pontos de deriva possveis PCHEUX, [1983] 2002, p.
53), que deslizam e que podem ser sempre outros nas contingncias das
identificaes do sujeito e no ritual com falhas da ideologia.
A possibilidade de realizao de gestos de leitura interpretativa (PCHEUX
[1982] 2010) o que nos tem mobilizado no campo de estudos e de pesquisas na
anlise do discurso pecheutiana h mais de doze anos. Uma histria em contnua
(re)construo dos afetos tericos (PAVEAU; ORLANDI, 2013). Afetos que nos
inscrevem em momentos de desautomatizao na relao com o sentido
(ORLANDI, [1996] 2007a, p. 99) por meio dos recortes e das organizaes de
saberes propostos por essa escritura num batimento entre descrio e
interpretao (PCHEUX, [1983] 2002, p. 54). Esta pesquisa resulta de muitos
desses batimentos, que se desdobraram em aprendizagens e deslocamentos, a
muito mais que duas mos... e as mos do leitor neste momento tambm fazem
parte desse processo, no qual devero se enrolar e desenrolar os fios dessa malha
interpretativa, como no gesto incansvel de Penlope. Comecemos, ento, puxando
1 Seria do maior interesse reconstruir a histria deste sistema diferencial dos gestos de leitura
subjecente, na construo do arquivo, no acesso aos documentos e a maneira de apreend-los, nas prticas silenciosas da leitura espontnea reconstituveis a partir de seus efeitos na escritura consistiria em marcar e reconhecer as evidncias prticas que organizam essas leituras, mergulhando a leitura literal (enquanto apreenso-do-documento) numa leitura interpretativa que uma escritura. (PCHEUX ([1982] 2010, p. 51, grifos do autor).
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19
o fio de um relato, imaginariamente construdo e organizado como um incio de
constituio do arquivo desta pesquisa, uma vez que o arquivo permite uma leitura
que traz tona dispositivos e configuraes significantes (GUILHAUMOU;
MALDIDIER [1986] 2010, p. 162), isto , o arquivo funciona discursivamente,
produzindo efeitos de sentido.
I. Puxando o fio de um relato: incurses incipientes pelas discursividades em
circulao sobre a educao bilngue
Iniciei minha experincia profissional como professora de lngua inglesa em
um instituto de idiomas em 1998, um ano antes de ingressar no curso de Graduao
em Letras na USP. Atuando no Ensino Fundamental em uma escola regular em So
Paulo e num curso de ps-graduao em uma faculdade entre 2008 e 2012 2 ,
comecei a observar que os sentidos da lngua inglesa filiados ao imaginrio de uma
super-comunicao como parte da ideologia predominante do mercado
globalizado (PAYER, 2005, p. 22) comeavam a circular mais intensamente a partir
de/por um novo lugar: a escola bilngue portugus-ingls. Muitos de meus alunos e
alguns de meus colegas comeavam a questionar a qualidade do ensino de lngua
inglesa na escola regular, contrapondo-o ao ensino da escola bilngue, tido como
mais eficaz, uma vez que, nesse contexto, a criana aprenderia a lngua mais
cedo e, portanto, conseguiria alcanar a proficincia mais fcil e rapidamente.
Instigada por esses sentidos atribudos ao ensino da lngua inglesa sentidos
que pareciam produzir, imaginariamente, um novo lugar de legitimao desse ensino
, realizei algumas pesquisas preliminares sobre o oferecimento da modalidade de
educao bilngue no Brasil. Entretanto, no foi possvel encontrar estatsticas3 que
tenham registrado o surgimento, a oficializao e a expanso desse segmento
educacional. Ao mesmo tempo, observei que uma das discursividades mais
proeminentes sobre as escolas bilngues aparecia nas textualidades colocadas em
2 Ambas as instituies enquadram-se no segmento privado de ensino.
3 Referimo-nos a rgos governamentais responsveis pela organizao e regulamentao do sistema educacional brasileiro, nomeadamente MEC e seus respectivos institutos de pesquisa e de documentao, dentre os quais destacamos o INEP.
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20
circulao pela mdia jornalstica, que, desde a dcada de 2000 4 , vinha dando
destaque ao aumento do nmero desses estabelecimentos de ensino no mercado
e enfatizava as vantagens da educao bilngue. O discurso da mdia parecia
instaurar, assim, um dos espaos do dizvel 5 (ORLANDI, [1990] 2008a; [1992]
2002a) sobre a educao bilngue no Brasil, dando-lhe visibilidade a partir de
determinados sentidos. Na matria Cresce procura por escolas bilngues no pas
(AGNCIA ESTADO, 2010), por exemplo, o fenmeno educacional do
bilinguismo aparece assim enunciado
O nmero de escolas bilngues no Brasil saltou de 145 em 2007 para 180 em 2009, registrando um aumento de 24% no perodo. Neste ano, outros sete colgios esto abrindo as portas s em So Paulo.O surgimento de novas instituies revela um nicho educacional disputado, que se tornou sonho de consumo de famlias de classe mdia e alta.
A intensificao da circulao de informaes sobre as escolas bilngues na
mdia constitui um movimento de regulao de sentidos no apenas sobre essa
modalidade de ensino, mas tambm sobre as lnguas em questo o portugus e o
ingls, no caso e sobre os processos de aquisio de lnguas evocados pelo
significante bilinguismo. Assim, certos sentidos (e no outros) so colocados em
circulao pela mdia sentidos de exaltao de uma vantagem bilngue 6 , que
produzem uma representao do bilinguismo e da educao bilngue como saberes
legitimados sobre (a relao entre o sujeito e) a lngua, com marcas de
discursividades do mercado (nicho educacional disputado, sonho de consumo).
As manchetes a seguir ilustram a circulao de sentidos dessa vantagem bilngue
Aprendizado precoce: Quanto mais cedo, mais fcil Folha de So Paulo (26/08/2003)
7
Por um crebro bilngue Revista Educao (14/07/2011)
8
Fluncia em um segundo idioma e acesso ao estudo no exterior atraem brasileiros para escolas bilngues - O Globo (24/01/2008)
9
Bebs tm aula de ingls antes mesmo de falar - Folha de So Paulo (12/06/2011)
10
4 Vide no Anexo A os dados sobre a frequncia de publicaes sobre educao bilngue no Jornal
O Estado de So Paulo. Esses dados so apenas ilustrativos, apontando um aumento na ocorrncia desse sintagma num jornal de grande circulao no estado. 5 Orlandi ([1990] 2008a, p. 60) define o dizvel como aquilo que determinado scio-historicamente como tal. Como o prprio ttulo desta tese indica, mobilizaremos esse conceito em diversos momentos de nossas anlises discursivas. 6 Desenvolveremos esta anlise na seo 3.2 do captulo 3.
7 Cf. referncia completa em Almeida (2003).
8 Cf. referncia completa em Corra (2011).
9 Cf. referncia completa em Matuck (2010).
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21
Crianas bilngues tm mais facilidade na alfabetizao O Estado de So Paulo (09/02/2012)
11
Falar duas lnguas desde cedo positivo O Estado de So Paulo (23/09/2013)
12
Em um estudo discursivo sobre o ensino de ingls para crianas no Brasil,
Garcia (2011) 13 identificou o enunciado quanto mais cedo, melhor como
predominante na produo de sentidos sobre o ensino da lngua inglesa nesse
contexto educacional. Tal enunciado perpassa esses dizeres, construindo a
necessidade da aprendizagem precoce de ingls. Desse modo, nas textualidades da
mdia, a escola bilngue portugus-ingls predominantemente significada como um
lugar em que a demanda por esse tipo de aprendizagem seria contemplada
plenamente, retroalimentando os sentidos da vantagem bilngue, principalmente a
partir da comparao com a modalidade de ensino de ingls em escolas regulares
no-bilngues.
II. (Des)arquivando: adentrar o campo de documentos pertinentes e
disponveis sobre uma questo14
Essas incurses ainda incipientes pelas discursividades em circulao sobre
a educao bilngue produziram o desejo de buscar pesquisas sobre as escolas
particulares bilngues portugus-ingls no Brasil e, mais especificamente, na cidade
de So Paulo. Foram escassos os trabalhos encontrados, nenhum deles filiado
teoricamente anlise de discurso (AD). Tais estudos tm em comum o objetivo de
investigar diversos aspectos do funcionamento das escolas bilngues brasileiras em
mbito nacional e/ou estadual, pautando-se metodologicamente em abordagens
etnogrficas tanto na rea de Educao quanto na rea de Lingustica Aplicada. o
caso de Corredato (2010), Cortez (2007), David (2007), Fvaro (2009), Gazotti
10
Cf. referncia completa em Gois e Rewald (2011). 11
Cf. referncia completa em Milena (2012). 12
Cf. referncia completa em Mattos (2013). 13
Tomei conhecimento desse estudo durante o II Seminrio de Pesquisas sobre Identidade e Discurso, realizado na Unicamp em 06 e 07 de dezembro de 2010, quando tive a oportunidade de compartilhar minhas inquietaes iniciais sobre as discursividades da educao bilngue com a amiga e pesquisadora Bianca R. V. Garcia, cuja pesquisa de mestrado (2011) sobre o ensino de ingls para crianas estava em andamento, sob orientao da Profa. Dra. Deusa Maria de Souza-Pinheiro-Passos na Universidade de So Paulo. Foi ela quem levantou a questo do currculo bilngue como uma rea ainda a ser investigada discursivamente. 14
Definio de arquivo formulada por Pcheux ([1982] 2010, p. 51).
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22
(2011); Meaney (2009); Mello (2002), Miascovsky (2008) e Moura (2009).
Entendemos que esses estudos sejam de suma importncia para o processo de
mapeamento da estruturao do ensino bilngue portugus-ingls no Brasil, trazendo
discusses pertinentes quanto s implicaes pedaggicas, cognitivas,
psicolingusticas e sociolingusticas envolvidas no processo de formao proposto
nesse contexto.
A pesquisa de Moura (2009), por exemplo, traz um levantamento de escolas
internacionais no Brasil (34 escolas) e de escolas bilngues portugus-ingls no
Estado de So Paulo (61 escolas)15. A pesquisadora destacou a importncia de se
considerar a diferenciao entre as escolas internacionais, tradicionalmente
organizadas por comunidades de imigrantes e cujo currculo est essencialmente
focado na lngua do pas ao qual se vinculam (o portugus, no caso, ensinado
como L2/LE), e as escolas autodenominadas bilngues, cu a presena recente e
crescente no panorama educacional brasileiro interpretada como um fenmeno
relacionado ao aumento do interesse pelo ingls como lngua internacional,
globalizao, s exigncias do mercado de trabalho e busca de diferenciao e
capital cultural [...]. (MOURA, 2009, p. 29). Em outro momento, Moura (2010)
abordou a questo da falta de polticas pblicas e de uma legislao oficial que
contemplem programas de educao bilngue voltados para o ensino de lnguas
de prestgio no Brasil, enfatizando, novamente, o crescimento desse segmento
educacional.
A pesquisa de David (2007) tambm destacou o aumento do nmero de
escolas de educao bilngue a partir dos anos 1990, predominantemente na cidade
de So Paulo, onde algumas escolas particulares de educao infantil passaram a
oferecer propostas curriculares que contemplavam o ensino da lngua inglesa com
base no modelo de programa de imerso canadense. Embora tenha apontado a
expanso desse segmento educacional no Brasil, a pesquisadora no aprofundou a
anlise de suas possveis causas socioeconmicas, restringindo seu estudo
15
Segundo a pesquisadora, o critrio para o levantamento dessas escolas foi sua autodenominao como bilngue, no tendo sido seu ob etivo analisar se o currculo dessas escolas seguia uma configurao que caracterizasse efetivamente um ensino bilngue. possvel encontrar uma listagem atualizada dessas escolas no blog Educao Bilngue no Brasil, sob sua responsabilidade: . Veremos no captulo 2 (seo 2.2) que, como no h estatsticas precisas referentes a esse segmento educacional, cada pesquisador que deseja dedicar-se ao estudo dessa modalidade de ensino no pas usa seus prprios critrios para fazer o levantamento do nmero de escolas. Assim, temos contagens diferentes, dependendo dos objetivos de cada pesquisa.
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23
investigao das teorias de ensino-aprendizagem que constituam a base do Projeto
Poltico-Pedaggico de uma escola bilngue de So Paulo.
Corredato (2010) tambm se dedicou ao estudo dessa modalidade de ensino,
concentrando-se especialmente na anlise do Programa de Imerso Total Precoce
em uma escola bilngue em So Paulo. A pesquisadora analisou, dentre outros
temas, as motivaes que levam famlias brasileiras a matricularem seus filhos em
escolas bilngues. Segundo seus dados, duas razes foram apontadas como
predominantes para ustificar essa escolha a) a crena de que falar bem uma
segunda lngua ho e fundamental em nossa sociedade; e b) a crena de ser esta
uma oportunidade de melhor preparar os filhos para o mercado de trabalho
(CORREDATO, 2010, p. 67, 68). Essas motivaes no so problematizadas na
pesquisa, sendo interpretadas como originrias de uma demanda natural de nossa
sociedade globalizada em que falar uma segunda lngua (i.e., a lngua inglesa)
torna-se uma vantagem, uma vez que pode levar ascenso econmica e social.
Consideramos de crucial importncia a contribuio dessas pesquisas para a
configurao de nossa investigao, uma vez que constituem fontes interessantes
de apreenso das condies de produo do funcionamento discursivo que foi se
delineando como nosso objeto de anlise. Desse modo, ao olharmos
discursivamente para os dados levantados e estudados nessas pesquisas, podemos
dizer que o processo de implementao das escolas particulares bilngues
portugus-ingls no Brasil parece estar afetado predominantemente por um
imaginrio social da lngua inglesa como um bem de consumo necessrio, estando
relacionado ascenso econmica e a um status sociocultural privilegiado um
imaginrio que constitui os sentidos evocados no texto miditico, como vimos no
exemplo acima (AGNCIA ESTADO, 2010). Esse imaginrio constitui, assim, uma
memria na e, ao mesmo tempo, da lngua (PAYER, 2006, p. 39, 40), perpassada
pela histria e por seu funcionamento geopoltico, colocando em jogo a relao do
sujeito com a lngua.
Ao centrar-se no foco de ateno sobre a memria na lngua, est se considerando a relao entre ambas a partir do ngulo da memria histrica, sob a forma da memria discursiva presente na lngua. [...] Por outro lado, se tomamos o ngulo inverso, a partir da lngua, focalizando-a de conformidade com o que ela significa por sua relao com a histria, ento se est considerando a memria da lngua, isto , a memria histrica (discursiva) parte constitutiva da lngua em que essa histria se d. Nesse sentido a lngua que significa por sua relao com a histria, no sentido de que o fato de um dado sujeito/cidado falar uma lngua X seja
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24
o italiano no Brasil, em 1880, em 1939 ou em 1990 implica diferentes modos de fazer essa lngua significar por sua histria.
Assim, a memria da/na lngua pode ser compreendida como parte de um
complexo processo discursivo, uma vez que a memria mantm uma relao
constitutiva com o real histrico como remisso necessria ao outro exterior
(PCHEUX, [1983] 1999, p. 56), o que exige do analista de discurso um olhar para
as especificidades desse exterior que delineia seus limites16. Tendo isso em vista e
considerando o objeto discursivo que estamos delineando nesta pesquisa,
observamos que a memria da/na lngua inglesa como lngua necessria encontra-
se perpassada por representaes do ensino de lngua inglesa no Brasil constitudas
por um processo histrico que instaurou uma bifurcao de sentidos entre uma
lngua de mercado e uma lngua de escola (RODRIGUES, 2010; SOUZA,
2005)17, produzindo sentidos de valorizao do ensino de ingls nas escolas de
idiomas e de desvalorizao do ensino de ingls na escola regular.
No podemos deixar de considerar que esse processo discursivo tem
produzido efeitos para/nos sujeitos-professores e sujeitos-aprendizes brasileiros de
lnguas estrangeiras. Algumas pesquisas recentes focando especialmente a lngua
inglesa dedicaram-se ao estudo discursivo desse tema, dentre as quais destacamos:
a) Baghin-Spinelli (2002), que identificou o discurso da falta e o discurso da
excelncia como predominantes nas representaes imaginrias dos sujeitos-
professores em formao em cursos de Letras (ingls/portugus); b) Erlacher
(2009), que analisou o imaginrio de desvalorizao do ensino de lngua inglesa em
escolas pblicas, buscando compreender suas relaes com a constituio
identitria de sujeitos na posio de professores dessas instituies; c) e Silva
(2010), que estudou a memria que constitui o ensino pblico no Brasil a fim de
compreender suas relaes com o processo discursivo em funcionamento nas
representaes de ensino de lngua inglesa materializadas nos dizeres de sujeitos-
alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Mdio.
Embora tenham constitudo corpora distintos em suas anlises, esses estudos
privilegiaram, direta ou indiretamente, um olhar sobre um mesmo objeto: o espao
16 Segundo Pcheux ([1983] 1999, p. 56), uma memria no poderia ser concebida como uma esfera plena, cujas bordas seriam transcendentais histricos e cujo contedo seria um sentido homogneo, acumulado ao modo de um reservatrio: necessariamente um espao mvel de divises, de disjunes, de deslocamentos e de retomadas, de conflitos de regularizao... Um espao de desdobramentos, r plicas, polmicas e contradiscursos. 17
Na seo 2.1.1 (captulo 2), analisaremos esse processo discursivo em detalhes.
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25
de memria do ensino de lngua inglesa constituindo prticas e subjetividades nas
quais se inscrevem brasileiros, tanto na posio de professores quanto na posio
de aprendizes. E nesse espao de memria ou, nas palavras de Foucault,
enunciados [...] em relao aos quais se estabelecem laos de filiao, gnese,
transformao, continuidade e descontinuidade histrica (FOUCAULT, [1969] 2008,
p. 64) que vm se inscrever as discursividades sobre o ensino bilngue, tornando
(im)possveis determinados sentidos e posies para os sujeitos.
III. Percursos de hipteses: Quando lhe mostramos a lua, o imbecil olha o
dedo. Com efeito, por que no?18
Tendo em vista essas consideraes e o esboo de anlise discursiva inicial a
partir dos pesquisadores citados, passamos a refletir sobre a complexidade dos
processos de produo de saberes sobre o ingls como lngua estrangeira (LE),
sobre o ensino e a aprendizagem na escola bilngue e sobre os sujeitos envolvidos
nessas prticas pedaggicas no contexto educacional brasileiro na
contemporaneidade. A partir dessas reflexes iniciais, algumas perguntas foram
sendo formuladas e reformuladas no decorrer da pesquisa, direcionando nosso olhar
para movimentos de sentidos especficos nesse funcionamento discursivo.
a) Como se constituem e se organizam os saberes sobre a(s) lngua(s)
nas instituies bilngues, considerando que essa modalidade de
ensino no contemplada por uma regulamentao especfica?
b) Como se formalizam, se estabilizam e se legitimam determinadas
prticas pedaggicas nesse espao institucional especfico?
c) No que concerne especificidade das condies histricas e polticas
subjacentes aos diferentes segmentos educacionais no Brasil, que
sentidos heterogneos de bilinguismo e de educao bilngue so
produzidos? Como esses sentidos se relacionam a sentidos mais
estabilizados sobre o ensino/aprendizagem de ingls no Brasil,
18
Pcheux ([1983] 1999, p. 54, 55), falando sobre a questo da interpretao em anlise de discurso, cita o prov rbio chins e faz a provocao (Por que no?) para argumentar que o foco dessa teoria seria dirigir seu olhar sobre os gestos de designao antes que sobre os designata, sobre os procedimentos de montagem e as construes antes que sobre as significaes.
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26
considerando certas polticas lingusticas historicamente
implementadas?
d) Como os espaos do silncio da (des)regulao do discurso poltico-
educacional afetam os espaos do dizvel sobre essa modalidade de
ensino?
e) Levando em considerao o conceito de gramatizao (AUROUX,
1992), em que medida o currculo uma vez que instaura
normalizaes em torno do saber sobre a (da) lngua e seu ensino
poderia constituir um instrumento lingustico?
Essas perguntas direcionaram nosso olhar para um instrumento de
formalizao, recorte e organizao de saberes na instituio escolar, o currculo,
cuja anlise poderia encaminhar uma investigao na busca da compreenso de um
espao discursivo que comeava a se delinear. Entretanto, ao pesquisar
documentos curriculares oficiais que regem o ensino de LE na educao bsica, no
localizamos nenhum registro de determinaes regulamentadoras acerca do
funcionamento de escolas bilngues portugus-ingls 19 , o que, posteriormente,
viemos a designar como um silenciamento de sentidos de oficialidade sobre a
educao bilngue no discurso poltico-educacional20 . Diante da ausncia dessa
regulamentao, passamos a questionar como, ento, essas instituies estavam
estruturadas e autorizadas diante dos rgos pblicos de educao, tanto no nvel
municipal, quanto no estadual e no federal.
Segundo Corredato (2010), as escolas bilngues tm seu funcionamento
garantido a partir do Art. 104 da LDB de 1961 (BRASIL, 1961), que autorizou a
organizao de escolas experimentais, e do Art. 64 da LDB de 1971 (BRASIL,
1971), que validou o trabalho nessas instituies. Com a LDB de 1996 (BRASIL,
1996), esses artigos so excludos e autoriza-se o funcionamento de todos os
estabelecimentos de ensino com pro etos pedaggicos prprios, desde que
garantam os requisitos curriculares mnimos estabelecidos. Segundo Corredato
(2010, p. 49):
19
Conversas informais com professores que trabalham em instituies bilngues tambm apontaram a ausncia dessa regulamentao, ficando a cargo de cada escola a organizao e a documentao curricular, segundo critrios prprios. 20
Dedicamo-nos anlise desse silenciamento no captulo 2 e em diversos momentos de anlise do discurso profissional na Parte II desta tese.
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Desde que observadas as caractersticas mnimas necessrias para seu registro como escola nacional (base curricular nacional e nmero de horas e dias letivos mnimos especificados pela lei, por exemplo), qualquer escola que complemente sua proposta pedaggica com um currculo bilngue tem seu funcionamento garantido, sem a necessidade de prvia autorizao.
Embora funcionem como um espao de legitimao para o estabelecimento
de escolas bilngues, nenhum desses documentos faz referncia particular sua
implementao e estruturao. Tendo em vista essas consideraes, julgamos
necessria e relevante uma anlise desse espao de contingncias 21 que se
configura em torno do currculo (e de discursos sobre o currculo) da escola bilngue,
buscando investigar a complexidade de seu funcionamento.
Nessa reflexo, chegamos formulao da seguinte hiptese, que foi o ponto
de partida para esta pesquisa: os sentidos sobre o ensino de ingls na modalidade
bilngue so produzidos por um pr-construdo (PCHEUX [1975] 1988a), um j-
dito, que funciona a partir de uma memria de deslegitimao do ensino da lngua
inglesa no sistema educacional brasileiro. , portanto, a partir desse pr-construdo
que o ensino de ingls nas escolas bilngues legitimado, regulando e estabilizando,
assim, determinadas concepes de lngua e determinadas prticas pedaggicas.
Desse modo, o currculo de ingls em funcionamento nessas escolas constitui um
lugar de produo de sentidos sobre a lngua, sobre o ensino e, consequentemente,
sobre os sujeitos.
No decorrer da pesquisa, essa hiptese foi parcialmente confirmada, pois
pudemos constatar a incidncia de outros sentidos nesse processo discursivo. Alm
dessa hiptese inicial, outras hipteses foram se delineando, como veremos nas
anlises. Nas consideraes finais da tese, sintetizamos e discutimos as implicaes
dessas hipteses, buscando aprofundar as discusses sobre os movimentos de
sentido em torno do currculo de lngua inglesa em instituies escolares bilngues
portugus-ingls, num jogo entre o silncio e o dizvel.
Pensando nesses trs pontos sobre os quais as discursividades sobre o
currculo incidem lngua, ensino, sujeito , nosso interesse no currculo em
funcionamento nessas instituies bilngues justifica-se pelo fato de que sua
configurao parece estar filiada a processos discursivos de silenciamento
21 Ao abordar o conceito de contingncia na formao de professores de ingls, Costa analisa propostas curriculares no Ensino Superior (Licenciatura e Letras) e enfatiza a incorporao da incerteza, da dvida, da contingncia nas propostas curriculares, para que professores e futuros docentes possam ensinar, movimentando-se com mais autonomia em terrenos de incertezas. (COSTA, 2008, p. 76).
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28
(ORLANDI, [1992] 2002a; [1990] 2008a) no discurso poltico-educacional
engendrados, por um lado, pela ideologia dominante contempornea [de] um
apagamento, um enfraquecimento do Estado que funciona pela falta e, por outro
lado, pela dominncia da sociedade de mercado (ORLANDI, 2007b, p. 60). A
teorizao discursiva sobre o silncio assim formulada por Orlandi ([1992] 2002a,
p. 31, 70).
Chegamos ento a uma hiptese que extremamente incmoda para os que trabalham com a linguagem: o silncio fundante. Quer dizer, o silncio a matria significante por excelncia, um continuum significante. O real da significao o silncio. E como o nosso objeto de reflexo o discurso, chegamos a uma outra afirmao que sucede a essa: o silncio o real do discurso. [...] Evidentemente, no do silncio em sua materialidade fsica de que falamos aqui mas do silncio como sentido, como histria (silncio humano), como matria significante. O silncio de que falamos instala o limiar do sentido. (ORLANDI, [1992] 2002a, p. 31, 70, grifo da autora)
A hiptese de Orlandi se desdobra, assim, para uma reflexo sobre a
incompletude constitutiva da linguagem e do su eito, afirmando que todo o processo
de significao traz uma relao necessria ao silncio (ORLANDI, [1992] 2002a, p.
54), o qual significa em um espao de significao selvagem em que emergem a
contradio, a ruptura, o equvoco, sem a domesticao produzida pelo dizer
(ORLANDI, [1992] 2002a, p. 56). Ao lado da natureza constitutiva do silncio
fundante, Orlandi coloca a natureza contingente da poltica do silncio, ou
silenciamento como o sentido sempre produzido de um lugar, a partir de uma
posio do su eito, ao dizer ele est, necessariamente, no dizendo outros
sentidos. (ORLANDI, [1992] 2002a, p. 54, 55). Assim, o que no dito, o que
silenciado, constitui, por isso mesmo, significao, [produzindo] um recorte entre o
que se diz e o que no se diz (ORLANDI, [1992] 2002a, p. 75).
Temos considerado essas definies tericas para compreender como
funciona esse recorte no caso especfico do objeto discursivo delineado em nossa
pesquisa. Assim, a noo de silenciamento tem nos auxiliado a identificar
significaes produzidas nesse espao de no-dizer instaurado pela poltica do
silncio que parece se instaurar nos processos discursivos relacionados ao
currculo da escola bilngue.
Entendemos que esse processo de silenciamento apresenta-se como uma
problemtica importante no que concerne s questes de ensino e aprendizagem de
ingls/LE no Brasil atual, constituindo um objeto de estudo bastante profcuo para o
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desenvolvimento de uma anlise discursiva que aprofunde uma discusso sobre as
implicaes histricas, sociais e ideolgicas desse complexo espao de produo de
saber e poder (FOUCAULT, 1982) imbricado no funcionamento das instituies
escolares bilngues portugus-ingls. Desse modo, buscamos analisar os sentidos
do discurso sobre o currculo das/nas escolares bilngues na cidade de So Paulo a
partir de uma perspectiva discursiva segundo a qual as lnguas so concebidas em
sua relao com o poltico e com o histrico (PCHEUX, [1983] 1999; PCHEUX,
[1983] 2002), ORLANDI, 2001a; ORLANDI, 2007c).
Trazendo para discusso o caso especfico de nossa pesquisa o discurso
sobre o currculo da escola bilngue portugus-ingls , foi tambm importante
considerar a anlise de ORLANDI (2007b) sobre o conceito de multilinguismo
embora sentidos em torno desse termo produzam a evidncia de pluralidade e
diversidade, a imposio da lngua inglesa como hegemnica institui um controle
sobre esses sentidos, naturalizando uma relao de equivalncia entre a lngua
inglesa e a prpria noo de multilinguismo como se o conhecimento da lngua
inglesa fosse suficiente para abarcar o conhecimento de diversas lnguas e culturas.
H, nesse processo discursivo, um apagamento dessa posio de hegemonia
histrica e politicamente construda ocupada pela lngua inglesa, silenciando,
assim, uma questo poltica, segundo Orlandi (2007b)22.
Anlises iniciais23 indicaram que esse processo discursivo parecia perpassar
a produo de sentidos em torno da lngua inglesa nos processos de significao da
educao bilngue, mobilizando um espao de memria sobre a lngua e, ao mesmo
tempo, instaurando novos sentidos. Tais anlises iniciais levaram-nos a considerar
a educao bilngue um acontecimento discursivo (PCHEUX, [1983] 2002),
movimento de interpretao terica que nos mobilizou em anlises posteriores24,
mas que decidimos abandonar.
22
Este ser o foco de nossa anlise discursiva, especialmente no captulo 2 (seo 2.2). 23
Referimo-nos a duas anlises: 1) Anlise apresentada como trabalho final da disciplina Questes de identidade e o(s) discurso(s) sobre ensinar/aprender lnguas, ministrada pela Profa. Dra. Anna Maria Grammatico Carmagnani em 2011 (FFLCH-USP). O trabalho foi apresentado no III SIDIS, na Unicamp (cf.: FORTES, 2012a). 2) Anlise apresentada como trabalho final da disciplina Discurso, gramatizao e relaes internacionais, ministrada pela Profa. Dra. Mara Teresa Celada e pelo Prof. Dr. Jos Horta Nunes em 2011 (FFLCH-USP). O trabalho foi apresentado no III Congresso Internacional da ABRAPUI, na Universidade Federal de Santa Catarina (cf.: Fortes, 2012b). 24
A interpretao da educao bilngue como um acontecimento discursivo ganhou corpo a partir de alguns desenvolvimentos tericos nascidos de reflexes decorrentes das aulas ministradas pelo Prof. Adrin Pablo Fanjul na disciplina Proximidade lingustica, gneros discursivos e cenas da enunciao (2012/FFLCH-USP). No trabalho final que apresentamos naquela ocasio, estruturamos nosso
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30
Pcheux aborda o acontecimento em sua opacidade no ponto de encontro de
uma atualidade e uma memria (PCHEUX, [1983] 2002, p. 17), pois comporta a
equivocidade do acontecimento e, ao mesmo tempo, insere-se em uma rede de
enunciados que o antecedem e lhe do contorno, (re)organizando seus (efeitos de)
sentidos. O processo de inscrio do acontecimento no espao de memria implica,
assim, uma tenso contraditria (PCHEUX, [1983] 1999, p. 50), pois pode
escapar a essa inscrio ou pode ser absorvido completamente nela. No segundo
caso, o acontecimento entra no sistema de regularizao da memria, que o
absorve na cadeia de enunciados, tornando-o, assim, possvel, transparente,
evidente.
Considerando essa conceitualizao, estvamos interpretando a expanso da
escola bilngue como um acontecimento que havia irrompido na memria
discursiva, produzindo efeitos, tanto de desestabilizao/reconfigurao quanto de
absoro de dizeres j estabilizados. Essa interpretao mostrou-se inconsistente,
pois o conceito de acontecimento discursivo em Pcheux ([1983] 2002; [1983] 1999)
implica uma ruptura produzida por um acontecimento localizvel historicamente. No
caso da anlise discursiva empreendida por Pcheux ([1983] 2002) sobre as
eleies presidenciais de 1981 na Frana, o foco est nesse acontecimento, cuja
discursivizao pelo enunciado On a gagn instaura uma ruptura no processo de
produo de sentidos no campo poltico francs a irrupo de metforas esportivas
para designar o acontecimento poltico, o que j vinha trazendo desdobramentos
para o discurso poltico em sua insero na mdia desde os anos 1970. Similarmente
anlise de Pcheux ([1983] 2002), poderamos citar a anlise de Indursky (2003)
sobre o enunciado Lula l como instaurador de um acontecimento e tamb m a
anlise de Guilhaumou e Maldidier ([1986] 2010) sobre o acontecimento das
Jornadas de Outubro de 1789.
principal argumento na interpretao do surgimento da escola bilngue como um acontecimento que irrompe na memria discursiva (no caso, na memria da lngua inglesa e de seu ensino no Brasil), produzindo efeitos, tanto de desestabilizao/reconfigurao quanto de absoro de dizeres j estabilizados. Tivemos a oportunidade de compartilhar as anlises decorrentes desse desenvolvimento terico em dois eventos acadmicos: no VI SEAD (UFRGS, Porto Alegre, 2013) e no X CBLA (UFRJ, Rio de Janeiro, 2013), resultando em dois trabalhos publicados nos anais desses eventos (FORTES, 2013a; 2013b). Nessas oportunidades de compartilhamento das anlises em andamento, mais de uma vez fui questionada a respeito do conceito de acontecimento discursivo, mais especificamente a respeito do modo como eu vinha mobilizando tal conceito para interpretar a emergncia de sentidos de educao bilngue.
-
31
Tal problematizao nos levou a perguntar: como detectar a irrupo do
acontecimento supostamente produzido pela expanso das escolas bilngues se
essa expanso no constitui algo localizvel historicamente? Alis, poderamos dizer
que as escolas bilngues constituem um acontecimento ou so discursivizadas
como tal? O surgimento das escolas bilngues no parece produzir uma ruptura no
sentido que Pcheux formulou de uma desregulao que vem perturbar a rede dos
implcitos ([1983] 1999, p. 53). Se o acontecimento implica uma ruptura, como
delinear essa ruptura em relao s discursividades sobre o currculo bilngue? Foi
nesse ponto que comeamos a desconstruir nossa hiptese inicial. Pareceu-nos ser
possvel compreender os movimentos de sentidos de bilinguismo e de currculo
bilngue a partir de outro olhar: a anlise das diversas discursividades em circulao
que demandam certas interpretaes e remetem a determinadas regies do
interdiscurso em que certos sentidos de bilinguismo e de currculo bilngue so
disponibilizados enquanto outros so silenciados ou, ainda, deslocados. Nessa
interpretao, o foco desloca-se da noo de acontecimento da educao bilngue
para o funcionamento de um complexo de discursividades heterogneas que
vm circunscrever o real incontornvel do aparecimento e da difuso das escolas
bilngues portugus-ingls no cenrio educacional brasileiro. Esse gesto de leitura
configurou-se como um dispositivo de anlise que permitiu avanar em algumas
reflexes sobre o funcionamento de (im)possibilidades de dizer sobre esse processo
discursivo em determinadas condies de produo25.
IV. O (estado de) corpus: conjunto sem fronteira no qual o interdiscurso,
exterior, irrompe no intradiscurso26
Pensando nesse complexo de discursividades, configuramos o corpus de
pesquisa a partir da construo de quatro arquivos27 que permitissem a leitura dos
processos de significao aos quais nos dedicamos nesta pesquisa:
25
Segundo Orlandi (2002b, p. 30), as condies de produo incluem, num sentido estrito, o contexto imediato da enunciao e, num sentido amplo, o contexto scio-histrico e ideolgico. 26
Mazire ([2005] 2007, p. 61) assim define o estado de corpus em anlise de discurso. 27
Pcheux designa o arquivo como um campo de documentos pertinentes e disponveis sobre uma questo ([1982] 2010, p. 51). Como afirmam Guilhaumou e Maldidier ([1986] 2010, p. 162) O arquivo no um simples documento no qual se encontram referncias; ele permite uma leitura que traz tona dispositivos e configuraes significantes, isto , ele produz efeitos de sentido, funciona
-
32
a) arquivo do discurso cientfico sobre bilinguismo, constitudo de um
levantamento das pesquisas e publicaes acadmicas sobre
bilinguismo;
b) arquivo do discurso poltico-educacional, constitudo de documentos
legislativos, normativos e curriculares produzidos por rgos
governamentais responsveis pela organizao e regulamentao do
sistema educacional brasileiro (MEC, Secretaria de Educao do
Estado de So Paulo, Conselho Municipal de Educao da Prefeitura
de So Paulo e Diretorias Regionais de Ensino);
c) arquivo do discurso institucional, constitudo de textos disponibilizados
nos sites das escolas e na mdia jornalstica/publicitria;
d) arquivo do discurso profissional, constitudo de entrevistas com
professores e coordenadores do Ensino Fundamental de trs escolas
bilngues na cidade de So Paulo.
Buscamos, desse modo, [reconhecer] os corpora como inseridos em uma
rede interdiscursiva de formulaes (SARGENTINI, 2008, p. 106), priorizando,
assim, uma possibilidade de vislumbrar a heterogeneidade das formaes
discursivas a serem delineadas e, consequentemente, a complexidade dos dizeres
que ora se complementam, ora se contradizem, mas nunca se completam entre os
limites entre o dizvel e o no-dizvel que se mostram ao sujeito no processo de
interpelao-identificao (PCHEUX ([1975] 1988a).
Os gestos de leitura que lanamos sobre esses arquivos foram constituindo
percursos de anlise discursiva que recortamos e tecemos na malha da textualidade
da tese28, dividida em duas partes:
a) Na Parte I, tratamos da formao de conceitos de bilinguismo no
arquivo do discurso cientfico (captulo1); das condies de produo
dos discursos sobre a educao bilngue portugus-ingls no Brasil,
em relao com o arquivo do discurso poltico-educacional (captulo 2);
e da circulao de sentidos envolvendo os arquivos do discurso
cientfico e do discurso institucional (captulo 3).
discursivamente. No decorrer da tese, falaremos mais sobre os processos de construo dos arquivos para nossos fins de anlise. 28
Um diagrama da construo da textualidade da tese pela organizao dos percursos de leitura encontra-se no Apndice A.
-
33
b) Na Parte II, analisamos os sentidos do currculo da escola bilngue
portugus-ingls produzidos no arquivo do discurso profissional. No
captulo 4, analisamos os efeitos de sentido sobre o bilinguismo e a
educao bilngue nesses dizeres; no captulo 5, dedicamo-nos ao
estudo da produo de sentidos de legitimao da instituio bilngue;
e, no captulo 6, analisamos a construo discursiva dessa
estruturao curricular, interpretando o currculo como um instrumento
lingustico.
Tendo apresentado os principais pontos que nos moveram no decorrer do
processo de constituio deste dispositivo de anlise discursiva, prossigamos,
ento, em direo aos percursos desse gesto de leitura, que j comeam a se abrir
para outros espaos de interpretao.
-
34
PARTE I BILINGUISMO E EDUCAO BILNGUE: FORMAO DE CONCEITOS,
CONDIES DE PRODUO E CIRCULAO DE SENTIDOS
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35
CAPTULO 1 O BILINGUISMO COMO OBJETO DE CONHECIMENTO: A FORMAO
DOS CONCEITOS
Uma cincia no nasce da definio de um objeto, nem do encontro com um objeto, nem de imposio de um mtodo. Nasce da constituio de um corpo de conceitos, com as suas regras de produo. Por esta mesma razo o devir de uma cincia a formulao dos conceitos e das teorias desta cincia. No s cincias diferentes tero formas diferentes de devir, mas no seio da unidade nominal de uma mesma cincia, conceitos, ou teorias podem ter devires diferentes, tipos de constituio ou de formao que no se podem reduzir num nico modelo. (PCHEUX; FICHANT [1969] 1989, p.113).
No livro A ferramenta imperfeita ([1977] 1992), Paul Henry desconstri a
noo de pressuposio na lingustica a partir do trabalho de Frege ([1892] 2009),
que "formula uma nova questo ao mostrar que a gramtica, e no apenas o lxico
atravs das questes de referncia, tal que a lngua permite criar um mundo de
fices, dar aparncia que os objetos existem, quando eles no existem." (HENRY
[1977] 1992, p. 13). Analogamente, Henry destaca que o tratamento dado lngua
por Saussure em seu Curso de Lingustica Geral traz tona essa ambiguidade, uma
vez que, para ele, a lngua , ao mesmo tempo, uma unidade (um sistema) e uma
instituio social, o que coloca para a lingustica a problemtica da subjetividade:
"Saussure reintroduz a subjetividade na lngua na medida em que trata de
significaes, principalmente a respeito da analogia." (HENRY, [1977] 1992, p. 15).
A questo da materialidade da lngua est instaurada justamente nessa
contradio contradio como categoria elaborada por Marx, ou seja, como
desenvolvimento do prprio processo de produo do conhecimento e no
simplesmente como seu produto pontualmente visvel implicada em sua
construo discursiva como objeto da "cincia" e o prprio processo discursivo,
portanto histrico, que est em jogo quando se quer compreender a lngua enquanto
"objeto de conhecimento" em seu contraste com sua constituio como "objeto real"
ao entrar na rede de sentidos produzida pela cincia, ou seja, uma "configurao
epistmica" (HENRY ([1977] 1992, p. 17).
A materialidade da lngua implica, desse modo, "a relao entre objeto de
conhecimento e objeto real na lingustica" (HENRY ([1977] 1992, p. 17), deixando
entrever as contradies da construo de uma unidade a partir de uma diversidade.
E essa construo s se torna possvel por meio da interpelao ideolgica, por
meio da qual a relao objeto real/objeto de conhecimento apagada e o trabalho
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36
do linguista sobre a linguagem o exerccio pleno da fico da metalinguagem ,
ento, legitimado exatamente pela ao do sujeito "falante" e sua "intuio
lingustica", que "invocada para, em um primeiro momento, constituir a lngua
como um todo emprico (aquilo que est ou no est na lngua)" (HENRY ([1977]
1992, p. 19). Num segundo momento, no nvel terico, essa intuio constitui o que
Chomsky (1965) chamou de "competncia lingustica", um fundamento inato do
su eito falante. Desse modo, o conceito de "intuio lingustica" constitui um objeto
de conhecimento que apropriado e apresentado como objeto real:
O apelo aos fatos pelo vis da intuio lingustica na realidade um apelo a evidncias e representaes ideolgicas: a evidncia do sentido, evidncia da individualidade do sujeito enquanto unidade de uma interioridade singular e de sua universalidade. (HENRY ([1977] 1992, p. 20).
A questo da produo do conhecimento e, portanto, da lingustica,
concebida como um processo histrico necessariamente ideolgico que se
realiza na "prtica cientfica" que constitui e constituda pelos sujeitos em suas
relaes sociais. Assim, "o que deve ser levado em conta o par cincias-ideologias
no processo de produo de conhecimento e no apenas um dos dois termos."
(HENRY ([1977] 1992, p. 25). Diante da impossibilidade de uma "teoria do sentido"
ou de uma "teoria do sujeito", Henry prope a desconstruo da noo de
pressuposio na lingustica a fim de colocar em discusso o que ele chama de
configurao epistmica da lingustica, possibilitando dar visibilidade
materialidade lingustica em sua relao com a forma-sujeito e com a questo do
sentido, deslocando alguns dos paradigmas instaurados pela "ideologia da
transparncia da linguagem na prtica da lingustica" (HENRY ([1977] 1992, p. 29).
Um caminho possvel para esse deslocamento, segundo Henry, estaria no
materialismo histrico (teorizao sobre ideologia) e na psicanlise (teorizao sobre
o inconsciente). Ambos os aportes tericos promovem uma ruptura com a evidncia
da transparncia da linguagem o materialismo rompe com essa evidncia ao
considerar o sentido como efeito das representaes ideolgicas; a psicanlise, por
sua vez, rompe com tal evidncia ao descentralizar e cindir o sujeito, tratando-o
como efeito da linguagem.
Baseamo-nos nessa reflexo de Henry para discutir a noo de bilinguismo a
partir de uma perspectiva discursiva, cujo dispositivo nos possibilitar entrever como
esse conceito construdo no discurso da cincia, especialmente na lingustica e na
sociolingustica. O funcionamento desse conceito est ancorado em uma memria,
-
37
em uma histria de processos de enunciao que tornam seus sentidos naturais e
evidentes. Assim, neste captulo, procuraremos elaborar um dispositivo de anlise
que possibilite um olhar sobre determinadas regies do interdiscurso que constituem
esse espao de dizeres e saberes, tendo em vista refletir sobre as formaes
discursivas predominantes nesse processo de formao do objeto de
conhecimento bilinguismo, que constitui, ao mesmo tempo, um processo de
formao de conceitos29 sobre bilinguismo.
Dividimos a anlise desse processo de formao de conceitos em trs
momentos: discursos da lingustica e produo de saberes sobre bilinguismo;
conceitualizaes sobre bilinguismo produzidas pela lingustica e suas filiaes
ideolgicas; e a emergncia de conceitos discordantes como processos de
ressignificao de sentidos de bilinguismo.
1.1 DISCURSOS DA LINGUSTICA E PRODUO DE SABERES SOBRE
BILINGUISMO
A fim de compreender o processo de formao dos conceitos em sua anlise
arqueolgica, Foucault prioriza o estudo da organizao do campo de enunciados
em que aparecem e circulam (FOUCAULT [1969] 2008, p. 62), considerando,
assim, a exterioridade constitutiva dos processos discursivos. Segundo ele, essa
organizao do campo enunciativo pode ser pensada a partir de trs formas: a)
formas de sucesso, em que os enunciados se organizam em sries e entram em
diversos tipos de correlao; b) formas de coexistncia dos enunciados, que
esquematizam um campo de presena, um campo de concomitncia e um domnio
de memria; c) procedimentos de interveno que podem ser impostos sobre os
enunciados, tais como tcnicas de reescrita e mtodos de transcrio.
Foucault afirma que, embora essa organizao seja constituda de elementos
bastante heterogneos, deve-se considerar a relao que se estabelece entre esses
elementos delimitando seu pertencimento a uma formao discursiva especfica. As
suas regras de formao se constituem, assim, [...] no na "mentalidade" ou na
conscincia dos indivduos, mas no prprio discurso; elas se impem, por
29
Para desenvolver esta anlise, apoiamo-nos no estudo arqueolgico de Foucault ([1969] 2008) sobre o processo discursivo de formao de conceitos.
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38
conseguinte, segundo um tipo de anonimato uniforme, a todos os indivduos que
tentam falar nesse campo discursivo (FOUCAULT [1969] 2008, p. 69).
Dentre essas formas de organizao dos enunciados, destacaremos, em
nossa anlise, as formas de coexistncia dos enunciados em seu processo de
delineao de um campo de presena, definido por Foucault como
[...] todos os enunciados j formulados em alguma outra parte e que so retomados em um discurso a ttulo de verdade admitida, de descrio exata, de raciocnio fundado ou de pressuposto necessrio, e tambm os que so criticados, discutidos e julgados, assim como os que so rejeitados ou excludos.(FOUCAULT [1969] 2008, p. 63).
Assim, em nossa anlise, procuraremos delimitar o campo de presena
produzido por discursos sobre bilinguismo, uma vez que colocam em circulao os
conceitos instaurados discursivamente (FOUCAULT, [1969] 2006) pela lingustica,
rea do conhecimento reconhecida como cincia e, portanto, legitimadora de tais
conceitos. Essa verdade admitida (FOUCAULT, [1969] 2008) funciona no discurso
como um efeito de evidncia de sentidos que delineiam, por exemplo, os limites
entre as lnguas, a iluso de sua unidade e de sua completude, cuja desconstruo
parece impossvel.
Desse modo, interpretamos a formulao e a organizao dos conceitos
apresentados e discutidos em pesquisas sobre bilinguismo e educao bilngue a
partir de sua insero em processos de significao, considerando que h uma
histria na constituio dos sentidos (ORLANDI, 2001a, p. 7), uma histria que no
cessa de significar nos processos discursivos pela/na memria que os constitui.
essa histria que se traduz em historicidade quando entra na ordem do
discurso constituindo o interdiscurso, a memria discursiva que tentaremos
delinear a partir da anlise dos conceitos de bilinguismo gerados, transformados em
saberes e colocados em circulao por discursos da lingustica discursos filiados
ao campo da cincia e que, como dissemos anteriormente, constituem um lugar de
legitimao de saberes e prticas sobre as lnguas (e seu ensino) em nossa
sociedade.
1.1.1 Configurao de um arquivo do discurso cientfico sobre bilinguismo
A anlise desse processo discursivo convocou-nos a configurar um arquivo do
discurso cientfico a partir do qual pudesse ser possvel realizar uma leitura sobre a
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39
regulao de enunciados definidores e/ou conceitualizadores de bilinguismo. Para
tanto, foi feito um levantamento de alguns autores que se dedicaram ao seu estudo
e produziram livros, artigos, dissertaes de mestrado e teses de doutorado sobre o
tema.
Sistematizamos, na Tabela 1 a seguir, as informaes referentes s obras
selecionadas a partir desse levantamento, constituindo uma amostragem da
literatura sobre bilinguismo.
importante ressaltar que o levantamento da literatura sobre bilinguismo
direcionou nosso olhar para suas diferentes condies de produo, ou seja, tornou
visveis as filiaes tericas ancoradas a diferentes formaes ideolgicas
predominantes no processo de produo do objeto de conhecimento30 bilinguismo,
permitindo duas observaes iniciais:
1. Os estudos publicados no Canad, Espanha, EUA, Frana e Inglaterra,
geralmente focalizam o bilinguismo a partir de duas temticas
principais: a) o processo de aquisio das lnguas, filiando-se
psicolingustica (principalmente o construtivismo em suas duas grandes
vertentes: cognitivismo e interacionismo); b) o contexto sociolingustico
e cultural de imigrao, filiando-se sociolingustica (lnguas em
contato);
2. Os estudos publicados no Brasil geralmente focalizam o bilinguismo a
partir de duas temticas principais: a) a educao indgena; b) a
educao de surdos. Em menor nmero, aparecem estudos voltados
para duas outras temticas: a) o contexto sociolingustico e cultural da
imigrao; b) o contexto de educao bilngue portugus/ingls no
ensino regular.
30
Discorreremos sobre esse ponto adiante, em que, a partir da noo de ob eto de conhecimento em contraste com a noo de ob eto real (HENRY, [1977] 1992), analisaremos a construo do conceito de bilinguismo na/pela lingustica.
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40
Autores Ttulo Tipo de produo Ano/local da 1a publicao
Leonard Bloomfield Language Livro 1933/Inglaterra
Franois Grosjean Life with two languages: an introduction to bilingualism Livro 1982/USA
Hugo Beatens
Beardsmore
Bilingualism: basic principles Livro 1982/Inglaterra
Josiane F. Hamers e
Michel H. A. Blanc
Bilinguality and bilingualism Livro 1983/Frana
1989/Inglaterra
Jim Cummins e Merrill
Swain
Bilingualism in education: aspects of theory, research and practice Livro 1986/Inglatera
Suzanne Romaine Bilingualism Livro 1989/Inglaterra
Charlotte Hoffmann An introduction to bilingualism Livro 1991/EUA
Colin Baker Foundations of bilingual education and bilingualism Livro 1993/EUA
Marta Kerr Carriker
(Re)construo de identidades em narrativas em primeira pessoa:
casos de bilngues
Dissertao 1998/Brasil
Li Wei The bilingualism reader Livro 2000/Inglaterra/EUA/Canada
Ellen Bialystok Bilingualism in development: language, literacy and cognition Livro 2001/EUA
Helosa A. B. Mello O portugus uma alavanca para que eles possam desenvolver o
ingls eventos de ensino-aprendizagem em uma sala de aula de ESL
de uma escola bilngue
Tese 2002/Brasil
Tej K. Bhatia e
William C. Ritchie (ed.)
The handbook of bilingualism Livro 2004/Inglaterra
Monica Heller Bilingualism: a social approach Livro 2007/EUA
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41
Ana Paula B. R. Cortez A lngua inglesa como objeto e instrumento mediador de ensino-
aprendizagem em educao bilngue
Dissertao 2007/Brasil
Ana Maria F. David As concepes de ensino-aprendizagem do projeto poltico-pedaggico
de uma escola de educao bilngue
Dissertao 2007/Brasil
Azucena Palacios
(coord.)
El espaol en Amrica: contactos lingsticos en Hispanoamrica Livro 2008/Espanha
Elizabete V. Flory Influncias do bilinguismo precoce sobre o desenvolvimento infantil:
uma leitura a partir da teoria de equilibrao de Jean Piaget
Tese 2008/Brasil
Helena W. Miascovsky A produo criativa na atividade sesso reflexiva em contextos de
educao bilngue
Dissertao 2008/Brasil
Ofelia Garca Bilingual Education in the 21st century: a global perspective Livro 2009/Inglaterra
Fernanda M. Fvaro
A educao infantil bilngue (portugus/ingls) na cidade de So Paulo
e a formao dos profissionais da rea: um estudo de caso
Dissertao 2009/Brasil
Selma Moura
Com quantas lnguas se faz um pas? Concepes e prticas de ensino
em uma sala de aula na educao bilngue
Dissertao 2009/Brasil
Mnica Maria de
Gouveia Coelho
Casais Intertnicos Filhos Bilngues? Representaes como Indcios
de Polticas de (no) Transmisso da Lngua Minoritria da Famlia
Dissertao 2009/Brasil
Vanessa D. Corredato O Ensino Bilngue em So Paulo: prticas de imerso em um contexto
monolngue
Monografia 2010/Brasil
Elzira Y. Uyeno e Juliana
S. Cavallari (orgs.)
Bilinguismos: subjetivao e identificaes nas/pelas lnguas maternas
e estrangeiras
Livro 2011/Brasil
Bianca R. V. Garcia Quanto mais cedo melhor (?): uma anlise discursiva do ensino de
ingls para crianas
Dissertao 2011/Brasil
Tefilo Laime Ajacopa Trilingismo en regiones andinas de Bolivia Tese 2011/Frana
Antonieta H. Megale Eu sou, eu era, no sou mais relatos de su eitos fal(t)antes em suas
vidas entre lnguas
Dissertao 2012/Brasil
Tabela 1: Levantamento da literatura para a configurao de um arquivo do discurso cientfico sobre bilinguismo (em ordem de publicao)
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42
Vale lembrar que, das 484 dissertaes e teses sobre bilinguismo 31 que
constam do acervo dos Bancos de Teses da CAPES, contabilizamos apenas 25 que
se dedicam especificamente ao estudo do bilinguismo portugus-ingls enfocando
diferentes contextos e linhas tericas (vide Apndice B). A partir desse
levantamento, constatamos que a maior parte da literatura acadmica sobre
bilinguismo produzida no Brasil trata de contextos de educao indgena e de
educao de surdos; em menor nmero esto as obras que se dedicam ao estudo
das