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ENTRE O PATRIMÔNIO E A ARTE CONTEMPORÂNEA: UM ESTUDO SOBRE O MAC/JATAÍ Aline da Costa Luz – UFG/Jataí [email protected] A construção da narrativa do Museu de Arte Contemporânea de Jataí se consolida juntamente com as narrativas das instituições artísticas em âmbito nacional. A definição da tipologia da instituição, como o MAC Jataí que se define como contemporâneo, se baseia no processo que cria a maioria dos museus de arte brasileiros. O acervo é muitas vezes uma seleção com base no gosto e em relações afetivas que valorizam o quantitativo e a raridade. No entanto, ao analisarmos a criação do Museu de Arte Contemporânea de Jataí, percebemos que a consolidação de seu acervo, em seus primórdios, não segue a sua tipologia. Antes de analisarmos o acervo relativo aos anos de 2005 a 2009, objetivo norteador da pesquisa, realizamos um levantamento das fichas catalográficas do acervo dos anos de 1995 e 1996, anos que seguem à criação do MAC Jataí. A partir da análise dessas fichas, percebemos que o acervo começa a se constituir com obras que não se encaixam dentro dos conceitos de contemporâneo. Nota-se que o acervo se constitui basicamente de pinturas e desenhos que reproduzem figuras sem trazer qualquer tipo de reflexão. Estão presas a uma tradição de arte como representação.

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Page 1: ENTRE O PATRIMÔNIO E A ARTE CONTEMPORÂNEA: UM … (4).pdf · Tomando por base o trabalho de Anne Cauquelin, a ruptura da arte dita ... (a valorização da produção resistente

ENTRE O PATRIMÔNIO E A ARTE CONTEMPORÂNEA: UM ESTUDO SOBRE O MAC/JATAÍ

Aline da Costa Luz – UFG/Jataí [email protected]

A construção da narrativa do Museu de Arte Contemporânea de Jataí se

consolida juntamente com as narrativas das instituições artísticas em âmbito nacional.

A definição da tipologia da instituição, como o MAC Jataí que se define como

contemporâneo, se baseia no processo que cria a maioria dos museus de arte

brasileiros. O acervo é muitas vezes uma seleção com base no gosto e em relações

afetivas que valorizam o quantitativo e a raridade.

No entanto, ao analisarmos a criação do Museu de Arte Contemporânea de

Jataí, percebemos que a consolidação de seu acervo, em seus primórdios, não segue

a sua tipologia.

Antes de analisarmos o acervo relativo aos anos de 2005 a 2009, objetivo

norteador da pesquisa, realizamos um levantamento das fichas catalográficas do

acervo dos anos de 1995 e 1996, anos que seguem à criação do MAC Jataí.

A partir da análise dessas fichas, percebemos que o acervo começa a se

constituir com obras que não se encaixam dentro dos conceitos de contemporâneo.

Nota-se que o acervo se constitui basicamente de pinturas e desenhos que

reproduzem figuras sem trazer qualquer tipo de reflexão. Estão presas a uma tradição

de arte como representação.

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A aquisição dessas obras se deu por meio de doações, que ocorriam após as

exposições ou percentagem de vendas. As exposições reuniam basicamente artistas

da cidade e de proximidades.

Fato interessante de se ressaltar é que, até 2001, as obras não eram

catalogadas. Isso ocorria por falta de qualificação e escassez de funcionários e de

recursos financeiros. É neste mesmo ano que ocorre o primeiro Salão Nacional de

Arte.

Percebe-se, a partir dos salões, que se inicia a aquisição de obras de

tendência contemporânea.

Na história da arte existe um deslocamento da tradição da arte como

representação para a arte como apresentação, presentificação, que se dá com os

artistas modernos e se intensifica na arte contemporânea. O artista passa a se

circunscrever em uma singularidade e sua obra é fruto de uma cadeia de “sensações”,

nas relações entre a subjetividade e o mundo.

Suely Rolnik (2002), afirma que os artistas modernos saem do posicionamento

que o artista tradicional assume de genialidade e de testemunha privilegiada das

formas puras, reproduzindo, portanto, imagens perfeitas. Abdica-se da tradição da

arte como representação. A obra/processo artístico vai se dar ao decifrar-se

sensações transformando as em signos. Os contemporâneos intensificam esse

deslocamento.

“A arte contemporânea leva essa virada da arte moderna mais longe. Se o artista moderno não representava o mundo a partir de uma forma que lhe é transcendente, mas, no lugar disso, decifra e atualiza os devires do mundo a partir de suas sensações e o faz na própria imanência da matéria, já o artista contemporâneo vai além não só dos materiais tradicionalmente elaborados pe la arte, mas também de seus procedimentos (escultura, pintura, desenho,

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gravura, etc.): ele toma a liberdade de explorar os materiais mais variados que compõem o mundo, e de inventar o métod o apropriado para cada tipo de exploração ” (ROLNIK, 2002, p. 271, grifos meus).

Michael Archer, em seu trabalho de análise das mudanças da arte a partir dos

anos 1960, com o advento da Pop Art, afirma que o principal eixo de discussão da arte

contemporânea centrou-se na maneira de encontrar os meios de abordar as

preocupações que são apropriadas ao caráter da vida contemporânea. (ARCHER,

2001, p. 237).

É esse mesmo deslocamento que percebemos no acervo do Museu de Arte

Contemporânea de Jataí a partir da introdução do Salão Nacional de Artes. Partindo

da ideia de que o Salão é o responsável pela adequação da instituição à sua tipologia,

nos focamos no estudo das obras incorporadas ao acervo entre os anos de 2005 e

2008. As obras adquiridas no ano de 2009 ainda não foram catalogadas pela

instituição.

A partir da análise das fichas dos anos selecionados percebemos a entrada de

obras advindas de diversas regiões do país. Em cada salão, a obra premiada passa a

pertencer ao MAC Jataí (formato do prêmio-aquisição). Outra forma de aquisição das

obras é a doação por parte dos artistas participantes do Salão.

No calendário anual do MAC Jataí a primeira exposição consiste na exposição

do próprio acervo, organizada por um eixo temático. Os meses de maio à agosto são

destinados ao Salão, e de setembro à dezembro exposições itinerantes, com um mês

de duração. As exposições itinerantes também proporcionam obras ao acervo por

meio de doações.

Observando de forma quantitativa a partir das fichas catalográficas dos anos de

2005 a 2007 e o catálogo do Salão de 2008, passaram a fazer parte do acervo oitenta

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e cinco obras advindas do Salão. Em 2005, 32 obras passam a compor o acervo das

quais 15 participaram do Salão. Em 2006 das 29 obras adquiridas, 26 entraram pelo

Salão e em 2007, das 35 obras, 32 eram do Salão.

As obras advindas no ano de 2008 foram catalogadas, no entanto, não foram

fotografadas. Obtivemos acesso ao catálogo do Salão de 2008 no qual conhecemos

as imagens das obras adquiridas através do evento. 20 obras passaram a compor o

acervo das quais 12 participaram do salão.

Percebe-se nessas obras a utilização de materiais que fazem parte do

cotidiano do artista, bem como a promoção de discussões/reflexões através do

trabalho. Sobre o assunto, Suely Rolnik acrescenta sobre a desterritorialização que

ocorre no cenário tradicional da arte. Espaço, objetos e personagens (não só o artista,

mas expectadores, curadores, críticos, arte-educadores) transformam o modo de

apresentação da obra. O espaço da obra deixa de ser um lugar separado da vida

coletiva, trabalhando com todo o espaço da existência humana que é colocada em

obra. Os objetos não serão simplesmente expostos e consumidos pelo expectador,

eles ganharão sentido à medida que o expectador se expõe àquilo que a obra provoca

e cria “um sentido necessariamente singular” (Idem, p. 272)

No entanto, percebemos que o Museu de Arte Contemporânea de Jataí, apesar

de receber obras de tendência contemporânea de artistas advindos de estados como

Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná, não permite uma dinamização

do espaço expositivo. A instituição funciona em uma casa tombada pelo Patrimônio

Histórico Municipal, que não permite intervenções mais profundas que a arte

contemporânea, dependendo do processo, exige.

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Tomando por base o trabalho de Anne Cauquelin, a ruptura da arte dita

contemporânea para com a arte moderna se constata através do seguinte fato:

passou-se do consumo, marcado pelos marchands, para a comunicação. As práticas

artísticas absorveram bastante essa modificação e o mundo da arte sofre os efeitos

das novas comunicações e esses efeitos são de diversos tipos. (2005, p. 56)

Dentro dessa “sociedade da comunicação”, os críticos de arte, figuras

importantes no contexto da arte moderna, não mais assegura a articulação entre a

obra e o público sozinho, mas se vê seguida por uma profusão de profissionais da

publicidade e tem dificuldade de manter um status particular. (Idem, p. 71).

“Assim pode-se afirmar que, dentro de um sistema de comunicação onde triunfa a rede, sobrevêm efeitos ‘paradoxais’: o profissionalismo, evidenciado por todas as análises críticas, corresponde bem a uma especialização; a produção de arte volta aos grandes marchands e grandes colecionadores – especialistas em informação e em apresentação -, mas, ao mesmo tempo, nessa esfera de profissionalismo, os papéis não são individuais: um conservador de um museu que exibe arte contemporânea pode também escrever, pode garantir o papel de curador de exposição, pode ainda ser o gestor – trocar ou comprar obras e fazer subir as cotações como qualquer bom especulador, de forma a se posicionar no mercado internacional. O crítico, por sua vez, pode muito bem não escrever, mas servir de introdutor de obras escolhidas por ele a galerias ou colecionadores de sua rede. Pode também ser curador de exposição ou desempenhar o papel de expert em um museu de arte contemporânea.” (CAUQUELIN, 2005, p. 72)

Salvas as devidas proporções, observamos processo parecido no MAC Jataí,

no qual a direção acaba se responsabilizando pela organização das exposições,

confundindo esse trabalho muitas vezes com o trabalho curatorial. É também de

responsabilidade da diretora da instituição, a construção do catálogo dos salões

realizados que são lançados todos os anos.

Partindo das estruturas vigentes no Museu de Arte Contemporânea de Jataí,

torna-se necessária a discussão sobre a arte contemporânea e as instituições

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museais. Pensando nos termos da abordagem de Ricardo Fabbrini para o tratamento

da arte contemporânea/arte pós-vanguardista observa-se

“O recurso à série visa a apreender as logicas plurais, frequentemente inclusivas, da arte pós-vanguardista, que pode ser pensada em função das operações efetuadas sobre os conjuntos dos termos culturais escolhidos. Seriando, não tomaremos a arte do presente por uma heterogeneidade, por uma diferença aleatória cuja efetividade seria impossível aferir. Partiremos, ao contrário, do princípio de que é preciso aguçar a sensibilidade para as diferenças e reforçar a capacidade de suportar a pletora das particularidades, para, ordenando-as em séries, configurar uma paisagem em grande parte ainda desconhecida. Séries que, pela condensação de indícios comuns, ou de efetuações artísticas análogas, compõem um quadro de sintomas da arte posterior às vanguardas.

Procurando evitar a totalização realista (as generalizações teóricas) e a fissão proliferante do nominalismo (a valorização da produção resistente à teoria), optamos pela seriação de algumas obras em função de suas homologias artísticas (que possibilitam a montagem de afinidades) e, quando possível, das origens nacionais dessas. A enumeração das séries referentes tanto ao objeto material (a pintura e a escultura) como ao campo mais vasto dos objetos estéticos (o objet trouvé, o ready-made, a assemblage, a performance, o happening, a instalação etc.) – os dois modos de existência da arte segundo Gérard Genette – não pretende fundar uma classificação pois apenas mostra que nem a práxis artística pós-vanguardista é arbitrária nem a reflexão teórica é impotente para ordená-la ou mesmo explicá-la. Em outros termos, é possível interpretar a arte atual, não pela marcação de um estilo, ou pela extensão do espírito de ruptura das vanguardas, mas pela apreensão das nuanças de invocação que mesclam signos ou neles efetuam diferenças.

Nosso objetivo, portanto, é detectar algumas efetuações, no diagnóstico de Andreas Huyssen, ‘desta verdadeira explosão do discurso da memória’ (um ‘grande sintoma cultural das sociedades ocidentais’) que presenciamos há 15 ou 20 anos. Expor, em suma, como vêm operando nas artes plásticas o olhar retrospectivo e o ato de lembrar, ou seja, examinar as implicações no campo da figuração desta tentativa (e para alguns a impossibilidade) de articular o passado em memória.” (FABBRINI, 2002, p. 25-26)

Percebe-se, portanto, a necessidade que a arte possui de espaços

dinamizados para dar conta da pluralidade dos modos de existência da arte. No

entanto, a lógica no MAC Jataí é uma lógica patrimonial, visto que se localiza em uma

casa tombada pelo patrimônio histórico municipal, doada por uma família da cidade,

onde não se permite intervenções nas estruturas vigentes.

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A obra e os artistas contemporâneos são, dentro da rede de comunicação,

elementos constitutivos e também produtos da rede. “São as noções-princípios de

comunicação que darão conta de seu estatuto contemporâneo” (CAUQUELIN, 2005,

p. 73)

De acordo com Michael Archer, não é possível, na arte recente, distinguir

algum material que desfrute de privilégio de ser reconhecido imediatamente como

material da arte visto que a “arte recente tem utilizado não apenas tinta, metal e pedra,

mas também ar, luz, som, palavras, pessoas, comida e muitas outras coisas.”

(ARCHER, 2001, p.IX)

A lógica patrimonial é anti-contemporânea visto que, tenta apenas

patrimonializar o presente. E a arte contemporânea, em grande parte atenta a

processos e a aspectos imateriais e incorporais (Cauquelin) bem como a extensa

problemática e tema da memória e da cultura (em suas dinâmicas, ires e vires no

tempo e no espaço), não utiliza de materiais para serem patrimonializados.

A construção do acervo se objetiva a preservar a memória coletiva, ação que

tem se tornado papel do Estado e das instituições de cultura preservar a memória

coletiva. Conforme discutido no artigo “Arquivo, Arte, História” publicado no Boletim do

Museu Histórico Francisco Honório Campos, ocorre gradativamente um aumento das

políticas em favor do desenvolvimento da cultura. Isso se dá com a expansão da

indústria cultural, que leva, aos poucos, a abertura dos museus ao público que se

consolida e se faz onipotente e onipresente.

“O museu aparelha-se para competir com os demais atrativos da Sociedade do Espetáculo. As obras de arte, devidamente fetichizadas como obras-primas, tornam-se o sustentáculo desse sistema que se pauta pela distração” (FREIRE, 2006, p. 2)

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Percebe-se então conflitos entre a instituição e as práticas relativas à sua

tipologia. Se observarmos que a aquisição de obras que se configuram como

contemporâneas, como objetos estéticos, ocorrem, sobretudo através do Salão

Nacional de Arte, podemos afirmar que em sua maioria, a forma adotada pela

instituição na aquisição da arte contemporânea depende de um júri e suas escolhas.

Assim, os discursos dos atores sociais – conhecedores de arte – é que acabam por

afirmar e selecionar aquilo que deve ou não adentrar o campo da arte contemporânea

do MAC JATAÍ. Sente-se a ausência de instâncias internas capacitadas e tornadas

públicas para a escolha e seleção de obras ou para a instalação de uma nova política

de aquisição.

A instituição como tal, não desenvolve um aparato necessário para a discussão

da arte contemporânea. As oficinas realizadas, sobretudo com crianças, procuram

abordar as técnicas exibidas nas exposições e pouco inovam na discussão de novos

materiais para a arte.

Não discutindo o conceito, as inovações, a pluralidade e nuanças de invocação

no universo artístico, a construção da tipologia da instituição depende do júri dos

salões. É o conceito desse júri que vai determinar o que é contemporâneo e digno de

estar no salão, e consequentemente, no acervo.

Preocupa-se então com a construção de um acervo, o que condiz com a lógica

patrimonial. Essa lógica é altamente centralizadora do equipamento cultural. Cria uma

valorização ampla para o traçado dos equipamentos históricos que tem a pretensão de

um turismo cultural.

A ideia de contemporaneidade da arte não chega, apenas porque se tem um

acervo. A casa é histórica, de arquitetura no estilo colonial-vernacular, não se pode

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dinamizar o espaço. É tradição de um museu do XIX, no qual nem mesmo as ações

culturais para a comunidade, como as oficinas e cursos, não se preocupam em

articular-se com a tipologia da instituição de museu de arte contemporânea.

A flexibilidade que a arte contemporânea exige torna-se impossível em um

espaço que não possibilita intervenções. Ocorre que as obras e processos

contemporâneos são expostos de maneira tradicional.

Questiona-se então se a contemporaneidade denominada pela tipologia

escolhida pela instituição é revelada pela simples aquisição de um acervo de arte

contemporânea a partir da criação do Salão Nacional de Arte. A lógica de

funcionamento de um museu de artes pode ser a mesma lógica de um museu

histórico?

O princípio de museu prevalece sobre a arte.

O campo contemporâneo é um campo de dispersão, uma abertura das

significações do passado. Lida com a descentralização.

As narrativas patrimonialistas tentam centralizar. A arte tende a descentralizar

absorvendo elementos das tradições. São diferentes desenhos de utopia. Há

diferentes modos de relação da arte contemporânea com a tradição. Séries que

produzem modos de apropriação da tradição evitando classificações estilísticas e

valorizando a pluralidade dos artistas. A arte contemporânea não poderia. Não haveria

um caminho da história, mas histórias plurais, simultâneas e entrecruzadas com

embaralhamento de estilos e signos. São múltiplas narrativas em lógicas plurais.

(HENRY PIERRE JEUDY)

Se observarmos narrativas, elas não se fundam exclusivamente na concepção

linearizada do tempo e, portanto, as histórias contadas não são histórias que sempre

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seguem uma cadeia narrativa seqüencial, linear, regidas por uma cronologia, por uma

calendarização ou por um regime de causalidade lógica que se expande e domina o

reino da narratividade. Assim, afiguram-se aí duas marcantes presenças, a do corpo

que narra e suas lógicas carnais-espaciais (de ocupação de lugares no espaço

narrativo) e a da imagem como um presente espessado e como, paradoxalmente,

temporalidade anacrônica (Didi-Huberman) ou de produção de heterocronias

(Dosse).(NORONHA, CARDOSO, LUZ, 2009, p.3)

O trabalho se torna importante pelo fato de tentar contribuir para um

questionamento da organização de uma instituição cultural da cidade e sua tipologia

como arte contemporânea.

Percebemos ao longo do trabalho de campo que a instituição enfrenta sérias

dificuldades estruturais quanto a catalogação do acervo, a intervenção nos espaços

expositivos, a discussão dos trânsitos na arte e a recepção de obras que exijam mais

recursos da instituição.

Isso se dá principalmente pela falta de funcionários qualificados para o trabalho

com a arte e de estruturas materiais. Torna-se complicada a execução de

performances, a transmissão de obras de vídeo-arte, a intervenção nas estruturas,

devido a falta de materiais e a constituição espacial da “casa histórica”.

O Museu de Arte Contemporânea traz obras contemporâneas, mas expostas

de maneira tradicional. O próprio Salão, que defendemos que é o instrumento que

aproxima o museu à sua tipologia de contemporâneo, acaba por deixar penetrar

apenas obras que não transformem profundamente o espaço.

Referências:

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