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ENTRE O INCENTIVO PÚBLICO E A INTERDIÇÃO DO PROJETOEDUCACIONAL DO MOVIMENTO EXPERIMENTAL DE CULTURA E ARTE DE
ITUIUTABA/MG (1974-1988)
Karina Klinke*
PPGED/FACED/UFUGT 1- Etnias e movimentos sociais
Financiamento CNPq
Resumo: O pôster atinge um dos objetivos específicos de um projeto maior, como resultadoparcial de pesquisa em andamento, a saber: como o projeto educacional do MovimentoExperimental de Cultura e Arte de Ituiutaba/MG (MECA) se constrói e depois é interditadopelas lutas de poder com a Prefeitura Municipal, enquanto formador de saberes de resistênciaao Regime Militar no período entre 1974, quando se constitui como movimento social, e1988, quando em processo de redemocratização do País é promulgada nova Constituição.Para tanto, fazemos uma “análise política do poder”, no sentido atribuído por Michel Foucault(2006), cujo procedimento é o cotejamento das fontes coletadas até o momento da pesquisa:legislação brasileira e municipal, iconografia, registros escritos por autores locais e artigos dejornais locais. Através deste cotejamento buscamos responder à seguinte pergunta: Como sãodesenvolvidas “correlações de força desequilibradas, heterogêneas, instáveis, tensas”,segundo as proposições de Michel Foucault (2006), entre a Prefeitura Municipal e o MECA?Analisamos como é colocada em funcionamento uma rede sutil de discursos, saberes, prazerese poderes que apresentam diferentes inteligibilidades de poder, em três mandatos: um quepromove e sustenta o projeto educacional do MECA, outro que mascara sua postura e sedesresponsabiliza daquele projeto e um terceiro que o rejeita, exclui e recusa a ponto deinterditar as ações do Movimento. Como resultado conhecemos “a forma pura do poder”definida por Foucault, presente na função do legislador e seu modo de ação jurídico-discursiva. Por meio dessa entendemos que os poderes locais, observados por meio dosdiscursos produzidos sobre eles e da distribuição e recolha de recursos econômicos, ditam asregras em uma lógica de censura. Essa consegue, no período estudado, interditar o projetoeducacional e contribuir para que o MECA renuncie a si mesmo de modo a sair de cena paranão desaparecer, pois em outro tempo, ainda a ser estudado na continuidade da pesquisa,reavivou-se em resistência aos poderes locais na conquista de financiamento público federal.Palavras-chave: projeto educacional; movimento social; MECA; Ituiutaba; Michel Foucault.
* Doutora em Educação pela UFMG, 2003. Pós-doutora em História Moderna e Contemporânea pelo IFCH-UNICAMP, 2009. [email protected]
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Introdução
O grupo MECA – Movimento Experimental de Cultura e Arte – se constituiu no início
dos anos 1970 em Ituiutaba, região do pontal do triângulo mineiro, cuja emancipação político-
administrativa data de 1901. O município comportava, quando da constituição do Movimento,
aproximadamente 64.656 habitantes, sendo 73% residentes em área urbana e 27% em área
rural. Apesar do maior contingente se concentrar no espaço urbano, a comunidade local
cultiva predominantemente, até os dias de hoje, hábitos da vida no campo. Segundo Rogério
Fonseca e Joelma Santos (2009), mesmo os moradores da cidade que migraram do meio rural
mantêm aquele modo de vida, visto que “muitos se dedicam a práticas rurais para garantir seu
sustento” (Idem, p.13). Outros cidadãos, como nos conta Helena Aguiar (2011), são médios e
grandes proprietários de terras que mantêm residência na cidade para garantir os estudos e o
conforto que a infraestrutura e o comércio urbano oferecem. Sendo assim, independente do
capital econômico das famílias, prevalecem aqueles hábitos, o que inclui costumes, valores,
preferências musicais, festejos, alimentação, arte, bebida, enfim, aspectos culturais
valorizados na vida no campo.
Em 1974, quando o Movimento se iniciou, no que tange à cultura e arte, a cidade
contava com dois cinemas, quatro clubes recreativos, alguns poucos restaurantes e bares
noturnos. A maioria das festas religiosas e populares, como as tradicionais congadas, era
realizada nas ruas e em praças públicas, concentradas na região central da cidade. Os clubes
recreativos existentes nos anos 1970 eram: o Ituiutaba Clube com sede urbana e campestre –
atual Ituiutaba Clube Sociedade Recreativa e Esportiva – o Ipê Country Clube (do qual ainda
não temos dados), o Palmeira Clube e a Associação Recreativa dos Nordestinos. O Palmeira
Clube é reconhecido até os dias de hoje como um “clube negro”, devido ao “afluxo de
importante parcela da população negra das cidades da região” (CARMO, 2006, p.75).
O Palmeiras Clube, durante toda sua existência sofreu, várias crises financeiras,
discriminação social e ameaças de ser fechado devido a atritos de ordem política. Por motivos
ainda não esclarecidos para nós, o clube foi interditado em 2014. Estudos que enfocam as
culturas locais evidenciam, todavia, o importante papel do Palmeiras Clube,
predominantemente frequentado por migrantes nordestinos que trabalhavam nas usinas e
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indústrias da região, cujos bailes desde a década de 1980 foram “a evidência de como esta
prática se mantém viva, aglutina e proporciona diversão aos apreciadores da música que
remete a reminiscências de um passado amalgamado por diferentes influências.
(GUIMARÃES JÚNIOR; SOUSA, 2013, p.11)
O fluxo migratório no município desde meados dos anos 1935, intensificado entre os
anos 50 e 60, é outro aspecto que compõe as culturas locais. “Na década de 1970 era comum
o movimento de ônibus fretados que faziam a linha entre Ituiutaba e Currais Novos no Rio
Grande do Norte, atendendo a demanda dos nordestinos” (SOUSA, 2011, p.54). Parte das
manifestações culturais dos imigrantes ficou, pois, concentrada tanto no Palmeiras Clube
quanto na Associação Recreativa dos Nordestinos.
É neste caldo de cultura que se organiza o Movimento Experimental de Cultura e Arte.
A composição do grupo aconteceu a partir de uma semana cultural em 1974, patrocinada pela
Prefeitura Municipal no governo do Prefeito Fued José Dib (MDB), considerado, “devido à
sua pregação, um comunista” (MUNIZ, 2002). O Movimento era composto por um grupo de
amigos (homens e mulheres) que entendia a expressão artística como uma forma de oposição
à herança do Coronelismo local, e como forma de resistência ao regime militar que operava
no Brasil à época.
Os poderes constituídos no campo político
O Coronelismo é um fenômeno constante em toda a história brasileira, cujo nexo é a
tríade “família, latifúndio e poder”. Ele tomou contornos mais nítidos e amplos na Primeira
República (1889-1930):
Na verdade, esta conjugação de forças passou a depender não apenas das posses edas relações intraelite, mas também de uma miríade de relacionamentosestruturados, tanto em laços de parentesco quanto em pactos de aliança ecompromisso, que se irradiavam desde os próceres da elite estadual até o coronelinteriorano e o seu mais humilde eleitor. (FIGUEIREDO; SILVA, 2012, p.1057)
É um tipo de situação amplamente difundida pelo interior do País, na qual os potentados
“coronéis [...], eminências de aldeia, filhos de antigas e importantes famílias que pelo status e
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pela posse de terras se impunham como verdadeiras autoridades”.(FIGUEIREDO; SILVA,
2012, p.1057) Muitos dos moradores de Ituiutaba no período eram das famílias que
dominavam a economia do município: os donos do capital, na perspectiva marxiana, e
herdeiros desse fenômeno, que excluiam o acesso às comunidades mais pobres, formadas
pelos trabalhadores do campo e do comércio no espaço urbano – grande parte também
dominado pelos herdeiros dessas famílias – imigrantes e descendentes de escravos que
buscavam lugar ao sol. Esse fenômeno, apesar de se encontrar presente em todo o território
nacional, tem no interior seu hábitat perfeito:
O subdesenvolvimento industrial e comercial, a concentração fundiária, os baixosníveis de escolaridade, as dificuldades de transporte e comunicação, a distância dasgrandes cidades e da capital faziam dos municípios interioranos verdadeirosprotetorados dos senhores de terras. (FIGUEIREDO; SILVA, 2012, p.1059)
De acordo com Vitor Leal (1983), o desenvolvimento das atividades urbanas pouco
contribuiu para a perda de vitalidade deste fenômeno, uma vez que as cidades que se
encontram mais afastadas dos grandes centros e das capitais apresentam condições essenciais
tanto para sua formação quanto para sua manutenção. No caso de Ituiutaba, acrescenta-se o
fato dela se localizar a 140 quilômetros da segunda principal malha rodoviária de escoamento
de produção e de maior trânsito do Estado.
Reforça-se, assim, o posicionamento autoritário dos descendentes das famílias dos
antigos coronéis, ainda proprietárias da maior parte de terras, imóveis e casas comerciais no
município. São estas famílias que se consideram “donas” da cidade, como costumam dizer as
comunidades populares, devido aos esforços empregados para a manutenção de seu status
quo. A força dessa herança cultural é denunciada na forma arrogante de se portar em eventos
comemorativos, nos posicionamentos políticos imperiosos que assumiam, nos esforços
empreendidos para a manutenção do monopólio no comércio local, no rodízio da ocupação de
cargos políticos, na conservação das tradições nos campos da arte, da cultura e da educação.
A força desta herança do Coronelismo encontrou ecos durante o regime militar e no
desenrolar das políticas de caráter neoliberal desenvolvidas no Brasil pós-ditadura. Aliás, o
processo de redemocratização pelo qual o País entrou com a Constituinte de 1988 também foi
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Carmo Alves. Casou-se com Dona Zaida Ribeiro Franco Alves e teve dois filhos:Alfredo e Madalena. Foi aluno da Escola Estadual João Pinheiro, onde concluiu oPrimário, sendo que sua primeira professora foi Dona Alice Junqueira, concluiu oGinásio no Colégio São José e o Comercial no Instituto “Marden”. É bacharel emDireito pela Faculdade de Direito de Uberaba. Foi prefeito de Ituiutaba de 1º dejaneiro de 1977 a 31 de dezembro de 1982. [...] Romel Anízio Jorge começou suacarreira política em 1970, quando se elegeu vereador, sendo reeleito em 1972 eocupando, inclusive, a presidência do legislativo municipal de Ituiutaba. Em 1978,saiu candidato a deputado estadual e, com menos de 20 dias, se colocou entre osprimeiros suplentes da extinta ARENA, chegando mesmo a exercer o mandato naAssembleia Legislativa de Minas Gerais, por algum tempo. (RANGEL, 2013, s/p)
Três filhos de famílias consideradas idôneas na cidade, sendo os dois primeiros com
formação no Ensino Superior em cursos respeitados na região como de alto capital social
(Arquitetura e Direito) e o terceiro completou apenas o Ensino Fundamental, auto declarado
Produtor Agropecuário em dados de sua candidatura a Deputado Estadual em 2010.7 Segundo
artigo do jornal local, Romel é “Filho da Nadime Derze Jorge e do Anísio Demétrio Jorge,
nasceu em Ituiutaba no dia 1° de maio [de 1929]. É casado com Márcia e pai de dois filhos
Thalita e Romel Filho” (JORNAL DO PONTAL, 2011).
Observamos indícios de que no decorrer do período estudado se efetivaram aspectos da
oposição partidária existente entre os governantes do município, pois segundo Ricardo
Kotscho (1984), durante o movimento Diretas Já (1984-84), que propôs a destituição do
Regime Militar, Fued, então Deputado Federal (1979-1986), votou a favor das eleições diretas
para presidência da República, quando os atos praticados pelos demais prefeitos indicam
parcerias com outros apoiadores do Regime.
Também há indícios desta oposição entre os prefeitos se analisarmos o discurso
existente na página eletrônica da Fundação Cultural de Ituiutaba. Observamos não só
oposições políticas entre os mesmos como uma tendência no diferente teor de informações
sobre eles, o que caracteriza posicionamentos políticos presentes no próprio texto que os
descreve, destacando-se maior oposição entre Fued e Romel. Sobre o mandato do primeiro
prefeito (1973-76), lê-se:
Em 1975, o prefeito Fued contratou empréstimo junto ao FDU – Fundo deDesenvolvimento Urbano (BDMG/Banco do Brasil), na ordem de
7 Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/politica/politicos-brasil/2010/deputado-estadual/01051946-romel-anizio.jhtm> Acesso em: 20 out. 2014
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12.260.000,000,00 (dinheiro da época), para canalização de 1.050 metros lineares decanalização do Ribeirão São José, com prazo de pagamento de 10 anos. Registra-seque essa obra da primeira administração do Sr. Fued Dib, a canalização do CórregoSão José caiu, um trecho de aproximadamente 600 metros [...] se transformando nachamada Obra do Século, nome dado àquela avenida, que segundo os vereadores deoposição seria recuperada durante um século. (RANGEL, 2013, s/p)
Segundo a continuidade do texto, a obra teve de ser recuperada e concluída nos
governos posteriores, entre 1989 e 2004, com gasto estimado em “cerca de 10 milhões de
reais, sem considerar que, além do prejuízo financeiro, teve também, o prejuízo ao
desenvolvimento de Ituiutaba, e econômico e urbanístico daquele setor, por mais de 30 anos”.
(RANGEL, 2013, s/p) Outras obras do prefeito foram apenas referendadas, com comentários
genéricos, dando-se ênfase à iniciativa de empresas e outros políticos em suas ações: realizou
a primeira Exposição de Pecuária, em setembro de 1974; “a Nestlé, por Ituiutaba estar
localizada em ponto estratégico, implantou aqui uma fábrica de leite em pó”; em 1975, “por
sugestão dos vereadores, Luziano Justino Dias e Arthur Junqueira Almeida” ocorreu expansão
urbana e a aquisição pela Prefeitura de uma área rural de um milhão de metros quadrados para
implantação do Parque de Exposições JK (RANGEL, 2013, s/p). Sobre o período em que o
mesmo ocupou cargo político em instância federal, o texto afirma:
O prefeito Fued Dib, nos anos de 1978 e 1982, candidatou-se ao cargo de deputadofederal, e como a cidade e a região do Pontal do Triângulo, careciam de umarepresentação no Congresso Nacional, alcançou nos dois pleitos uma excelentevotação, se elegendo deputado federal por dois mandatos. Durante os oito anos quepermaneceu na Câmara dos Deputados, não conseguiu carrear benefícios paraItuiutaba e nem para região. Em 1986, candidatou-se mais uma vez a deputadofederal, por não ter realizado um bom trabalho em defesa da região do Pontal, nãoconseguiu se eleger, deixando Ituiutaba e toda região sem representação. (RANGEL,2013, s/p)
Observamos que sobre o segundo mandato do prefeito Fued (2005-2008) não há
nenhuma referência, sendo referendada apenas sua atuação como Conselheiro do Tribunal de
Contas de Minas Gerais desde 1986 até sua aposentadoria (sem data), enunciada como um
“gesto de companheirismo desses peemedebistas [a executiva do PMDB de Ituiutaba,
constituída por: Teofeu Patrocínio de Morais, Valdir Castanheira, Acácio Cintra e Hairton
Dias], Fued Dib, foi indicado pelo governador Newton Cardoso, a pedido desses
companheiros”. (RANGEL, 2013, s/p)
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A descrição dos feitos do prefeito Acácio, por sua vez, apresenta outro aspecto. O texto
não traz indícios de um candidato vinculado ideologicamente ao Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), descrito apenas como “Se elegendo pela sigla do PMDB,
com uma votação histórica”. (RANGEL, s/d, s/p) O texto segue com o seguinte teor: “Em sua
administração implantou vários projetos importantes que estão hoje registrados nos anais da
administração municipal e no coração do povo desta cidade que ele tanto amou”, sendo
listados a partir daí, 16 benefícios, geralmente complementados pelas expressões:
“preocupado com a educação”, “para resposta plena da demanda”, “não se esquecendo da
saúde do povo tijucano” e “atendendo pedido da Câmara Municipal”. Ao anunciar que o
prefeito construiu e inaugurou a Av. José Vieira de Mendonça “em convênio com o Governo
do Estado de Minas, gestão do governador Aureliano Chaves de Mendonça” [que iniciou sua
carreira política como deputado estadual pela UDN (1958-1966) e participou do golpe que
depôs o presidente João Goulart em 1964, pela ARENA], o texto indica a simpatia do
prefeito, para não dizer parceria, com o então governo do Estado.
Sobre o opositor partidário, Romel Anísio Jorge, apesar de não encontramos uma
descrição com tantos feitos quantos do prefeito anterior, a narrativa é composta por muitos
elogios, que se inicia em 1978, quando “saiu candidato a deputado estadual e, com menos de
20 dias, se colocou entre os primeiros suplentes da extinta ARENA, chegando mesmo a
exercer o mandato na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, por algum tempo” (RANGEL,
2013, s/p). Depois desse informe é dada continuidade sobre o “grande marco na trajetória de
Romel”, sua eleição a prefeito: “Naquela oportunidade [1982] ele conquistou a maioria
absoluta dos votos, numa disputa contra outros cinco candidatos que concorreram ao cargo”.
Ainda segundo o texto disponível na Fundação Cultural, a eleição consolidou sua “liderança
em Ituiutaba, com habilidade política, Romel conquistou na Prefeitura, a simpatia de
tradicionais adversários políticos e atraiu para seu grupo alguns vereadores da oposição e
passou a ser uma unanimidade no município e na região”. (RANGEL, 2013, s/p) Um
parágrafo do texto diz: “Uma pesquisa realizada pelo Instituto Holmes mostrou que ele tinha,
naquela oportunidade, 70% das intenções de voto do eleitorado tijucano na disputa de uma
vaga à Câmara Federal”, informando ao leitor que ele era o candidato ideal na mesma época
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em que Fued assumia a Câmara para representar a região, segundo o mesmo descritor, o que
conquistou como um “gesto de companheirismo dos peemedebistas”.
Observa-se nas narrativas uma evidente oposição na construção da imagem desses
governantes. Estas disputas políticas, as parcerias construídas, abandonadas e reestabelecidas,
arranjos e rearranjos elaborados junto à administração local, fazem parte das lutas,
reivindicações e da própria (re)construção do Movimento Experimental de Cultura e Arte.
Conhecer esse processo é nossa meta para o presente pôster, a partir do qual buscamos
responder: como o Movimento, por meio das atividades artístico-culturais, propôs um projeto
educacional para a população e foi, nos governos subsequentes, interditado?
O Projeto Educacional do MECA
Iniciado, como já foi dito, a partir de uma Semana Cultural em 1974, patrocinada pela
Prefeitura Municipal no governo do Prefeito Fued José Dib (MDB), o Movimento buscava
delinear em Ituiutaba um espaço para a arte, não somente cênica, mas vislumbrava a criação
de um espaço cultural educacional que não existia. Nesse intento, conquistou um terreno
amplo na região central da cidade como doação da Prefeitura no governo de Fued, que
comungava do ideário contra o regime militar dos membros do Movimento. Durante o
governo de Acácio Alves Cintra Sobrinho (1977-1982) conseguiram, ainda, apoio financeiro
para a construção do Teatro Vianinha, com o propósito de torna-lo esse espaço cultural.
Conquistaram ainda um subsídio daquela prefeitura para manutenção do Teatro, mas o
perderam, sem explicação, nos dois últimos anos daquele mandato.
Assim, com espaço físico precário – sem forração, se cadeiras fixas, sem iluminação
adequada a um teatro, sem portas e sem pintura –, o MECA assumiu no município o papel de
educação pela arte e passou a promover, além de uma escola de artes cênicas, lançamentos de
livros, apresentação de shows musicais e de dança, projeção de filmes, aulas de dança, entre
outros. Baseados na experiência do dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho (Vianinnha) – com
histórica militância junto ao Partido Comunista Brasileiro –, o Movimento desenvolvia a arte
com perfil político, no sentido de fortalecer o sentido crítico e autocrítico, na mesma
perspectiva dos Teatro de Arena de São Paulo.
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Este projeto de dramaturgia nacional, segundo Maria Silvia Betti (1997, p.13), trata-se
de “um exercício de coerência político-ideológica”, motivado por um lado, por um “caráter
ético: dramaturgia atenta às condições históricas do país e disposta a interferir nelas” e por
outro lado “a preocupação em desenvolver uma visão crítica do teatro, corrigindo-lhe a
trajetória de modo a torna-lo agente dentro do contexto histórico”. Para ela, o resultado é uma
atuação que “se realiza através das discussões desencadeadas pelos seminários de
dramaturgia”. Com esta perspectiva, os atores do MECA, até então amadores, deslocam-se
para conhecer a fundamentação do Teatro de Arena e trouxeram para Ituiutaba outros grupos
que atuavam com a mesma perspectiva. Passaram a desenvolver na Escolinha de Teatro do
Vianinha um laboratório que estimulou vários conterrâneos a seguir carreira artística, como
também promoveram espetáculos participativos com a comunidade local e, portanto,
educativos.8
Antes do Teatro Vianinha, o único espaço físico com finalidades especificamente
artísticas existente era o Conservatório Estadual de Música, instituído em 25 de novembro de
1965 por meio da lei n.3595, cujas atividades se iniciaram em 1966. Além das aulas de
instrumentos musicais, a matriz curricular desenvolvida em nível fundamental e médio abarca
obrigatoriamente a formação musical, canto e algumas modalidades de artes manuais, visuais
e cênicas. Aliás, os membros do Movimento Experimental eram alunos do Conservatório.
Outra conquista dos governos peemedebistas foi Parque de Exposições Juscelino
Kubitschek, com área de 210 mil metros quadrados definida durante a segunda metade da
década de 1970 e fundada em 1980. Constituiu-se como um espaço de exposições
agropecuárias e abrigam até os dias de hoje, além das exposições, leilões e vários shows
musicais que concentram, além do estilo sertanejo, outras bandas da moda pop.
Durante o governo de Romel Anísio Jorge (1983-88) além do descaso para com o antigo
subsídio mantido na primeira metade do mandato anterior para conclusão da obra e
manutenção do Teatro Vianinha, foi criada a Fundação Cultural de Ituiutaba, com caráter de
autarquia, com personalidade jurídica de direito público, sem fins lucrativos, através da Lei
8 Na continuidade do projeto (com financiamento até dezembro de 2016) serão entrevistadostodos os fundadores e os ex-alunos que se tornaram atores de formação e atuação tanto emItuiutaba como fora dela.
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Municipal de n. 2.298 de 22 de agosto de 1985. Essa passou a ser Regida por Estatuto de
acordo com Decreto de n. 2603 de 09/09/85, com o principal objetivo de formular a política
cultural do Município, sem nenhum vínculo com os membros do MECA.
O Movimento, com sede no Teatro Vianinha nas condições precárias já descritas,
permaneceu, todavia, como único espaço da cidade com a proposta integradora de variedade
artística e cultural e único teatro da região. Contudo, pela falta de apoio político e econômico
local, passou a se manter com recursos angariados pela arte que promovia e pelo investimento
particular de seus fundadores, até a escassez de suas atividades por falta de financiamento
público.
Considerações finais:
Fazer uma “análise política do poder”, no sentido atribuído por Michel Foucault (2006,
p.82), significa entender como é colocada em funcionamento “uma rede sutil de discursos,
saberes, prazeres e poderes”. Entendemos que nas relações entre o MECA e os prefeitos do
período foi atribuído o sentido da “relação negativa”: o corte de subsídios durante o segundo
governo do período e a criação de uma outra instância para elaboração da política cultural do
município produziram rejeição, exclusão e recusa da participação do Movimento nesse
processo. Foram estabelecidas, assim, relações desiguais entre os atores sociais envolvidos (os
políticos no poder e o movimento social), de modo que a “dinâmica das pulsões” (Idem, p.93)
dos grupos sociais dominantes se moveram em direção à conservação dos costumes, enquanto
o Movimento se esgarçava diante da falta de condições econômicas e pressões internas que se
constituem nessa dinâmica. Ou seja, a “lógica da censura” interditou o Movimento como uma
“instância da regra” (Idem, p.94) que, segundo Foucault (Ibidem), “joga com a alternativa
entre duas inexistências”: renunciar a si mesma, não aparecer se não quiser desaparecer.
A supressão das atuações do grupo MECA pode significar, nesta perspectiva, resultado
de ameaças das instâncias do poder político local. Os mecanismos de censura, segundo
Foucault (2006, p.95), funcionam em uma “unidade de dispositivo”, o que significa que, tanto
“em suas decisões globais como em suas intervenções capilares” as instâncias de poder agem
de “maneira uniforme e maciça”; “funciona de acordo com as engrenagens simples e
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infinitamente reproduzidas da lei, da interdição e da censura”. Então, se é válida a afirmativa
de Foucault que “de qualquer modo se esquematiza o poder sob uma forma jurídica e se
definem seus efeitos como obediência” e que o “sujeitado” é “aquele que obedece”, na
continuidade da pesquisa questionaremos o “sujeitamento” do MECA diante das formas de
resistência que ele produziu com sua arte, visto que o Movimento se reestruturou nos anos
2000 com financiamento público em âmbito nacional: foi Ponto de Cultura entre 2010 e 2011,
estabeleceu parceria com a Universidade Federal de Uberlândia para manutenção das aulas na
Escola de Teatro Vianinha por três anos consecutivos, com perspectiva de novas
possibilidades.
Buscaremos na continuidade da pesquisa conhecer mais sobre esse “ciclo da interdição”
por meio do cotejamento de fontes orais e outras escritas que estão sendo coletadas, na busca
de compreender quais foram as instâncias do poder público local, como operaram na
interdição do projeto educacional até o século XXI e como a atuação do Movimento se
constitui em formas de resistência com a educação politizada por meio da arte.
Com fundamentação teórico-metodológica na História Cultural, temos intuito de
entender o funcionamento da sociedade local para além das hierarquias sociais e dos
determinismos de herança. Queremos conceber a trama do Movimento Experimental de
Cultura e Arte na sociedade local, considerando as relações, as tensões, as práticas e as
estruturas produzidas por representações contraditórias e em confronto. Consideramos, por
isso, que os atores sociais, por meio das representações produzidas em seus discursos –
entendidos aqui como as memórias narradas, as imagens e as escritas produzidas –, deram
sentido à arte e à produção cultural em diferentes tempos. (CHARTIER, 1988)
Nessa perspectiva, pretendemos privilegiar a análise das relações criadas entre os atores
das diversas cenas políticas construídas, seus embates e consensos, bem como as práticas por
meio das quais eles se apropriaram distintamente dos materiais culturais que circularam na
sociedade tijucana: financiamentos públicos, bens públicos e privados, produções artísticas e
movimentos sociais. Isso porque nos interessa entender, na continuidade do projeto, os
sentidos produzidos ao longo do processo de construção e manutenção do espaço do Teatro
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Vianinha, considerando-se os capitais econômicos, sociais, culturais, linguísticos e simbólicos
(propostos por Pierre Bourdieu) dos atores sociais envolvidos.
Nossa meta – apreender “o caráter estritamente relacional das correlações de poder”
(FOUCAULT, 2006, p.106) – deverá ser alcançada mediante a interpretação de como o
MECA representa o papel de adversário, de alvo, de apoio e de saliência no campo estratégico
das relações de poder. Relações essas que, segundo Foucault, são únicas: “possíveis,
necessárias, improváveis, espontâneas, selvagens, solitárias, planejadas, arrastadas, violentas,
irreconciliáveis, prontas ao compromisso, interessadas ou fadas ao sacrifício”. (Ibidem)
Referências:
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memória autobiográfica. 2011. 27 f. Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia.
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(Artistas Brasileiros, 6)
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