entre funções e metafunções

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    ENTRE FUNES E METAFUNES: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE JAKOBSON E HALLIDAY*

    FUNCTIONS AND METAFUNCTIONS: COMPARATIVE STUDY BETWEEN JAKOBSON AND HALLIDAY

    Janete Teresinha ARNT**Nathalia Rodrigues CATTO***

    Resumo: Perspectivas funcionais em estudos da linguagem tm sido amplamente consideradas nos ltimos 40 anos, pelo menos. Nesse sentido, possvel nos referirmos a um grande nmero de pesquisadores que se debruaram sobre a investigao da linguagem sob essa perspectiva. Considerando seu apelo constante no mbito acadmico, o presente trabalho tem como objetivo descrever e comparar duas abordagens funcionais nos estudos lingusticos: a teoria funcionalista da linguagem de Jakobson e a Lingustica Sistmico-Funcional de Halliday a fim de revelar at que ponto uma abordagem difere de ou corrobora a outra.

    Palavras-chave: abordagem funcional; Lingustica Sistmico-Funcional, Jakobson e Halliday

    Abstract: Functional perspectives in language studies have been widely considered in the last 40 years, at least. In this sense, it is possible to refer to a number of scholars who have attempted to investigate language through this perspective. Considering their ubiquitous appeal in the academic scenario, the present study aims at describing and comparing two functional approaches in language studies: Jakobsons functional theory of language and Hallidays systemic-functional linguistics in order to reveal to what extent one approach differs from or conforms to the other.

    Keywords: functional approach; Systemic-Functional Linguistics; Jakobson and Halliday

    * Artigo referente avaliao final da disciplina PPGLET 813 - Seminrio Avanado em Jakobson, do Programa de Ps-Graduao em Letras Estudos Lingusticos, da Universidade Federal de Santa Maria, ministrada pela Prof Dr Amanda Eloina Scherer em julho de 2010. Agradecemos, tambm, as sugestes da Profa. Dra. Cristiane Fuzer.** Mestranda em Estudos Lingusticos pela Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, Brasil. Contatos: [email protected].*** Mestranda em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, Brasil. Contatos: [email protected].

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    Introduo

    Jakobson e Halliday so atualmente considerados tericos do funcionalismo justamente porque cada um, a seu tempo, entendeu que o sistema da lngua no pode ser considerado fora do seu uso. Neste sentido, o objetivo desse trabalho identificar em que medida a teoria funcional mais recente, ou seja, a Lingstica Sistmico-Funcional proposta por Halliday, tem embasamento no modelo de comunicao proposto por Jakobson. Para isso, faremos uma descrio das funes propostas por Jakobson e um levantamento acerca dos autores mencionados por Halliday, os quais teriam formado a sua base terica funcional. A seguir, procuramos estabelecer relaes entre as duas perspectivas tericas, identificando em que aspectos diferem-se ou assemelham-se.

    Jakobson autor de inmeros estudos que abordam uma variedade de temas, tais como fonologia, aquisio da linguagem, folclore e poesia. Essa variedade resultado de suas peregrinaes por diversos pases e, consequentemente, seu contato com estudos de diversas reas do conhecimento: Antropologia, Biologia, Psicologia, Literatura etc.

    Uma de suas grandes contribuies para a Lingustica foi sua compreenso acerca da importncia da significao na linguagem, a partir de estudos dos sons da lngua. Para Jakobson, a significao intrnseca lngua, portanto a tarefa que ele prope aos linguistas incorporar as significaes lingusticas cincia da linguagem (1974, p. 33).

    Incluir a significao nos estudos da linguagem condiz com a concepo de linguagem como sistema semitico com destinao particular (JAKOBSON, 1970, p. 24). Isso pressupe que, para Jakobson, a linguagem tem como objetivo principal a comunicao, influenciada pelo contexto, pois para ele tudo socializado (1974, p. 23).

    Halliday, considerado um dos maiores lingistas de nossa poca, desenvolveu uma teoria compreensvel e coerente cuja maior preocupao descrever e investigar a linguagem a partir de uma abordagem sistmico-funcional. O trabalho de Halliday tem origem em suas observaes e investigaes sobre o desenvolvimento da linguagem em crianas, o qual est baseado no domnio dos usos e funes da linguagem (LOWE, 2008). Tal abordagem sistmico-funcional compreende uma viso de linguagem como um fenmeno social e culturalmente construdo (JONES, 2010).

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    Para Halliday, o carter social da linguagem est baseado na sua relao indissocivel com a estrutura social. Esta, por sua vez, representa um aspecto particular da experincia humana (HALLIDAY, 1989, p. 4), fundamentada nas trocas estabelecidas a partir de relaes em contextos sociais cuja significao advm das atividades sociais nas quais essas trocas se inserem (idem, p. 5).

    Em relao ao conceito de linguagem adotado em cada uma dessas teorias funcionalistas, Halliday, por um lado, definiu linguagem como um sistema scio-semitico (HALLIDAY, 1989, p. 3) e prope que esta seja estudada a partir de trs perspectivas, denominadas metafunes.

    Jakobson, por outro lado, considera a linguagem como instrumento de comunicao, servindo para transmitir informaes, portanto, no se podem descrever suas partes constituintes sem referir-lhes as funes (1974, p.92). Na prxima Seo, ambas as teorias desses autores sero brevemente descritas e, posteriormente, comparadas a fim de identificar similaridades e/ou diferenas.

    1. Jakobson e as funes de linguagem

    Jakobson prope um sistema de comunicao que organiza e identifica os principais elementos envolvidos em um ato de comunicao e as funes que cada elemento realiza: o remetente funo emotiva, o destinatrio funo conativa, o contexto funo referencial, a mensagem funo potica, o contato funo ftica, e o cdigo funo metalingustica.

    Nossa descrio das funes est baseada nos captulos Lingustica e Potica do livro Lingustica e Comunicao (1974) e El metalenguaje como problema lingstico do livro El marco del lenguaje (1988). No primeiro, a nfase dada funo potica e no segundo, funo metalingustica.

    Jakobson atribui a proposta de trs funes da linguagem a Bhler (JAKOBSON, 1974, p. 125; 1988, p. 83): funo representativa, funo expressiva e funo apelativa, as quais Jakobson denomina referencial, emotiva e conativa, respectivamente. Essas trs funes centram-se nas trs pessoas do singular (eu, tu e ele), ou seja, o mundo (o contedo do qual se fala), o locutor (aquele que fala) e o destinatrio (aquele com quem se fala). Portanto, o enunciado lingustico , essencialmente, o

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    ato de algum (o locutor) significar algo (representao) a outro algum (destinatrio) (FLORES; TEIXEIRA, 2005, p. 23).

    Na prxima seo, descrevemos e exemplificamos cada uma das seis funes propostas por Jakobson considerando os fatores constitutivos que desempenham essas funes.

    1.1. Funo Emotiva

    A funo emotiva aquela centrada no remetente, ou seja, quando a nfase naquele que fala. A linguagem tem funo emotiva quando usada para revelar a opinio do remetente, suas emoes e sua atitude em relao ao que diz. A materializao dessa funo na linguagem advm de interjeies, exclamaes e principalmente da presena da primeira pessoa do singular. Um exemplo em que essa funo predomina est indicado na tira em quadrinho abaixo (Exemplo 1), de Calvin and Hobbes, onde a personagem Calvin enfatiza sua inteno tanto verbal Por favooor? - quanto no-verbalmente sua expresso facial e posio corporal.

    1.2. Funo Referencial

    A funo referencial aquela centrada no contexto, ou no referente, materializada na linguagem pela 3 pessoa. Dessa maneira, o remetente oferece informaes da realidade, exterior a si mesmo. Um exemplo no qual predomina a funo referencial a fofoca, no qual est em destaque de quem ou de que se fala. O Exemplo 2, retirado de um site de fofoca, focaliza a vida do ator Luciano Huck a partir do uso da 3 pessoa, como, por exemplo, na orao Luciano Huck d uma voltinha de helicptero.

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    Exemplo 2 Pgina de site1 de fofoca sobre a vida do ator Luciano Huck na qual predomina a funo referencial.

    1.3. Funo Conativa

    A funo conativa orientada para o destinatrio. Em mensagens em que essa funo predominante, o locutor tenta influenciar o receptor, portanto, comum o uso do imperativo e vocativo. Diferentemente das frases declarativas, essas no esto sujeitas prova de verdade. O predomnio dessa funo comum em mensagens que procuram persuadir o receptor a alguma atitude, por exemplo, em discursos polticos, sermes, colunas de aconselhamento, horscopos e anncio publicitrio, como no Exemplo 3. Neste anncio publicitrio, identificamos o uso do imperativo na orao em destaque Deixe de lado aquele sorrisinho amarelo. O predomnio dessa funo caracterstico desse gnero por sua orientao em persuadir o leitor a adquirir o produto/servio anunciado.

    1 Fonte: http://contigo.abril.com.br/famosos/luciano-huck/apresentador

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    Exemplo 3 Funo conativa no anncio publicitrio2

    A partir dessas trs funes, Jakobson identifica outros fatores constitutivos da mensagem e suas respectivas funes na linguagem: ftica, metalingstica e potica.

    1.4. Funo Ftica

    A funo ftica aquela cujo fator constitutivo o contato. Mensagens em que essa funo predominante tm por objetivo prolongar ou interromper a comunicao, testar a eficincia do canal ou chamar a ateno do interlocutor. Essas mensagens so constitudas de formas ritualizadas, comuns a cada cultura, como as saudaes, a linguagem das falas telefnicas, interjeies, comentrios sobre o clima, etc. O Exemplo 4, retirado do romance A hora da estrela de Clarice Lispector, ilustra o predomnio dessa funo em um dilogo entre duas personagens no qual possvel identificar marcas caractersticas da funo ftica. Neste exemplo, a expresso Pois (em negrito) usada com o objetivo de manter o contato, no entanto, a outra personagem no entende o objetivo do uso

    2 Fonte: http://www.portugues.com.br/redacao/generostextuais/o-anuncio-publicitario---uma-analise-linguistica-.htm

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    dessa expresso no dilogo. Outra ocorrncia o uso de est bem? (em negrito) para confirmar a participao do interlocutor no dilogo.

    Enfim o que fosse acontecer, aconteceria. E por enquanto nada acontecia, os dois no sabiam inventar acontecimentos. Sentavam-se no que de graa: banco de praa pblica. E ali acomodados, nada os distinguia do resto do nada. Para a grande glria de Deus.

    Ele: Pois .Ela: Pois o qu?Ele: Eu s disse pois !Ela: Mas pois o qu?Ele: Melhor mudar de conversa porque voc no me entende.Ela: Entender o qu?Ele: Santa Virgem, Macaba, vamos mudar de assunto e j! (...)Ela: Acho que no sei dizer.Ele: No sabe o qu?Ela: Hein?Ele: Olhe, at estou suspirando de agonia. Vamos no falar em

    nada, est bem?Ela: Sim, est bem, como voc quiser.

    Exemplo 4 Funo ftica no dilogo entre dois interlocutores

    1.5. Funo Metalingstica

    A funo metalingustica foi concebida a partir da diferenciao entre linguagem-objeto, a qual est voltada para questes alheias linguagem como tal, ou seja, que fala de objetos, e metalinguagem, em que utilizamos a linguagem para falar do cdigo verbal mesmo (JAKOBSON, 1988, p. 84; 1974, p. 46). Esse tipo de mensagem focaliza o cdigo, e utilizado para tornar a mensagem mais acessvel ao receptor e verificar se os interlocutores esto utilizando o mesmo cdigo. A mensagem desempenha essa funo quando explicamos algo a algum utilizando sinnimos, glosa (expresses como ou seja, isto , por exemplo, sinais grficos (ex. parnteses)) (LOVATO, 2010). Essa funo predominante em dicionrios, palavras cruzadas e em notcias de popularizao da cincia, como no Exemplo 5 (notcia de popularizao da cincia publicada na Revista Online Cincia Hoje, retirada do trabalho de Lovato, 2010, p. 11).

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    Os pesquisadores observaram que a superinfeco bacteriana estava relacionada com a morte de granulcitos (clulas do sistema imunolgico que combatem bactrias).

    Exemplo 5 Funo metalingstica na notcia de popularizao da cincia

    Nesse exemplo, a linguagem tem funo metalingstica ao ser usada para tornar a mensagem mais acessvel ao leitor, ao explicar o significado de granulcitos em uma linguagem adequada para um pblico no-especializado. Uma vez que se trata de um excerto de uma notcia de popularizao da cincia, esse uso se justifica, pois, textos desse gnero tm a funo de tornar popular um conhecimento restrito ao contexto cientfico.

    1.6. Funo Potica

    Na funo potica, o fator que tem papel central a mensagem. Neste sentido, a linguagem tem funo potica se o foco est na forma como a mensagem est organizada, isto , nas escolhas feitas para estruturar a linguagem. O termo potica, o qual denomina essa funo, j indica um exemplo no qual encontramos maior recorrncia desta funo: a poesia. H uma preocupao do poeta em fazer escolhas conscientes as quais contribuam para a qualidade do poema tanto em termos estticos quanto para efeitos de sentido, como, por exemplo, no poema de Ceclia Meirelles preciso no esquecer nada (Exemplo 4), onde, apesar de no haver rima, h aliterao da consoante s e a escolha das palavras empresta ritmo e musicalidade ao poema.

    preciso no esquecer nada

    preciso no esquecer nada: nem a torneira aberta nem o fogo aceso, nem o sorriso para os infelizes nem a orao de cada instante. preciso no esquecer de ver a nova borboleta nem o cu de sempre.

    O que preciso esquecer o nosso rosto, o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso. O que preciso esquecer o dia carregado de atos, a idia de recompensa e de glria.

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    O que preciso ser como se j no fssemos, vigiados pelos prprios olhos severos conosco, pois o resto no nos pertence.

    2. Outras perspectivas funcionais

    Alm de Jakobson, outros autores compartilham da tese de que a linguagem desempenha diferentes funes. Algumas dessas propostas foram descritas por Halliday (1989). A compilao de Halliday baseia-se nos trabalhos dos seguintes autores: Malinowski (1923), Bhler (1934), Morris (1967) e Britton (1970). Considerando as datas das publicaes, alguns trabalhos foram realizados quase simultaneamente. Cada um desses autores prope funes da linguagem a partir de sua rea de estudos: Malinowski da Antropologia, Bhler da Psicologia, Britton da Educao, e Morris da rea de comportamento animal.

    Malinowski, cujos estudos foram realizados em uma aldeia para observar as prticas daquela cultura, props as funes pragmtica e mgica. Como antropologista, ele estava interessado em usos prticos ou pragmticos da linguagem, os quais foram posteriormente subdivididos em ativos e narrativos, e em usos ritualizados ou mgicos da linguagem, associados a atividades religiosas e cerimoniais da cultura (HALLIDAY, 1989, p. 15).

    Bhler, partindo da perspectiva do indivduo, props as funes expressiva, apelativa e representativa, como j descrito na Seo 2. De acordo com Halliday, Bhler teria herdado o seu quadro conceitual de Plato no que concerne a distino entre primeira, segunda e terceira pessoa.

    J Britton, preocupado com o desenvolvimento da habilidade de escrita de crianas na escola, props as funes potica, expressiva e transacional. De acordo com esse autor, o primeiro contexto em que a escrita se desenvolveria seria no contexto expressivo, depois no transacional, em que h nfase no papel do participante, e, por fim, na linguagem potica, em que o papel do escritor mais de espectador.

    Morris classificou as funes de acordo com o que se fala: a fala informativa refere-se troca cooperativa de informaes; a fala emotiva3 semelhante funo expressiva de Bhler e Britton; a fala exploratria, quando a fala tem funo esttica; e a fala social4, quando

    3 No original, mood talking.4 No original, grooming talking.

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    se fala apenas por educao (por exemplo, em um elevador, quando se fala sobre o tempo).

    Halliday (1989) conclui que todos esses autores reconheceram que a linguagem usada para falar sobre coisas (informativa, narrativa, representativa), para falar sobre o eu e o tu, expressando a si mesmo e influenciando outros (emotiva, expressiva, conativa e ativa), e tambm usada com funo esttica e imaginativa (p. 16).

    No trabalho de Halliday encontramos referncia s funes propostas por Jakobson de maneira sucinta ao mesmo tempo em que Halliday apresenta as funes de Bhler, as quais foram expandidas por Jakobson. Ao falar de Bhler, Halliday (1989) aponta que

    O seu esquema foi adotado pela Escola de Praga e posteriormente estendido por Roman Jakobson (1960) o qual adicionou mais trs funes: a funo potica, orientada para a mensagem; a funo ftica, orientada para o canal; e a funo metalingustica orientada para o cdigo (p. 16)5.

    No quadro comparativo proposto por Halliday (1989, p. 17), so relacionadas `as funes propostas pelos autores acima (Tabela 1). Apesar da referncia ao trabalho de Jakobson, as funes propostas por esse autor no se encontram neste quadro comparativo.

    Tabela 1 Teorias Funcionais da linguagem, em que funo igual a uso

    (Adaptado de Halliday, 1989, p. 17).

    Pragmtica

    Mgica Malinowski (1923)Narrativa Ativa

    Representativa Conativa Expressiva Bhler (1934)

    TransacionalExpressiva Potica Britton (1970)Informativa Conativa

    Fala informativa Fala social Fala emotiva Fala exploratria Morris (1967)

    5 Traduo das autoras. No original: His scheme was adopted by the Prague School and later extended by Roman Jakobson (1960) who added three more functions: the poetic function, oriented towards the message; the transactional function, oriented towards the channel; and the metalinguistic function, oriented towards the code.

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    Usos informativos

    (orientados para o contedo)

    Usos interativos (orientao para o efeito) Usos imaginativos

    Controlar o outro Ajuda mtua Expressar-se Ritual Potica

    Neste sentido, podemos afirmar que Halliday (1989) reconhece o trabalho de Jakobson em expandir as funes propostas por Bhler. Porm, a discusso de Halliday (1989) oferece pouco destaque aos estudos de Jakobson pelo fato de desconsider-lo do quadro comparativo e pela falta de descrio no que diz respeito s contribuies dessas funes para o desenvolvimento da proposta terico-metodolgica hallidayana.

    3. Entre funes e metafunes

    Apesar de no se afiliar explicitamente a Jakobson, possvel perceber influncias dos estudos de Jakobson na teoria hallidayana. Para Halliday, a linguagem realiza trs metafunes: ideacional, interpessoal e textual.

    A partir da perspectiva ideacional, a linguagem constri a experincia humana (HALLIDAY, 2004, p. 29), por exemplo, ao identificar a situao do texto em relao ao assunto abordado. J na metafuno interpessoal, a linguagem estabelece relaes entre os participantes da interao, por exemplo, ao analisar o texto a partir dessa perspectiva, podemos reconhecer relaes de poder. O significado textual, por sua vez, organiza a mensagem em termos de Tema e Rema, e, a partir destas categorias, podemos identificar, por exemplo, o que estaria proeminente em um texto considerando o que est em foco.

    Para Halliday, as trs metafunes so constitutivas de toda e qualquer mensagem e, portanto, ocorrem simultaneamente. Dessa maneira, cada mensagem ao mesmo tempo sobre algo, dirigida a algum e organizada com alguma finalidade (HALLIDAY, 2004, p. 30).

    Apesar das expectativas de que Halliday teria se baseado em Jakobson para desenvolver sua teoria das metafunes, o levantamento que realizamos nos trabalhos de Halliday mostrou que no h influncia explcita da teoria da comunicao. Porm, nossa anlise comparativa entre os trabalhos desses dois autores demonstrou que h aspectos em comum, delineados a seguir.

    Jakobson, em 1960, j destacava o fato de todos os fatores

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    constitutivos das funes estarem inalienavelmente envolvidos na comunicao verbal (1974, p. 123). Portanto, apesar de afirmar que h uma ordem hierrquica entre as funes, isto , uma funo ser predominante sobre as outras, Jakobson reconhece a coocorrncia delas ao afirmar que, normalmente, na mensagem, encontramos um feixe de funes (p. 19).

    Jakobson props seis funes da linguagem, enquanto Halliday props trs. Apesar dessa diferena numrica, possvel, at certo ponto, relacion-las, percebendo pontos em que as funes de Jakobson so atualizadas nas metafunes de Halliday (Tabela 2).

    Tabela 2 Possvel correspondncia entre as funes de Jakobson e as metafunes de Halliday

    Funes Jakobson Metafunes Halliday

    POTICAIDEACIONAL

    REFERENCIALMETALINGUSTICA

    INTERPESSOALEMOTIVACONATIVA

    FTICAPOTICA

    TEXTUALMETALINGUSTICA

    Em primeiro lugar, destaca-se a funo referencial, a qual corresponderia metafuno ideacional. Nessas duas funes, a linguagem est orientada para o contedo, ou seja, para o que se fala.

    As funes emotiva, conativa e ftica esto orientadas para o efeito. Na funo emotiva, o locutor visa uma expresso direta da sua atitude em relao quilo de que est falando (JAKOBSON, 1974, p. 123-124). Na funo conativa, o locutor procura influenciar e persuadir o destinatrio. Na funo ftica, a linguagem utilizada para prolongar ou interromper a comunicao, testar a eficincia do canal ou chamar a ateno do interlocutor. Essas trs funes esto relacionadas metafuno interpessoal, pois em todas elas a linguagem estabelece relaes entre os interlocutores.

    As funes potica e metalingustica correspondem, de certa forma, a mais de uma metafuno. Para Jakobson, a linguagem desempenha predominantemente funo potica quando focaliza a forma

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    como a mensagem est organizada, no eixo da combinao, e quando focaliza as escolhas lexicais, no eixo da seleo. Neste sentido, a funo potica comparvel s metafunes textual e ideacional. A primeira por se tratar da organizao do fluxo discursivo, criando coeso e continuidade (HALLIDAY, 2004, p. 30). A segunda, porque trata da rede de escolhas lexicais disponveis aos interlocutores para produzir a mensagem e representar a realidade.

    Da mesma forma, a funo metalingustica pode ser relacionada metafuno textual no nvel da semntica, e, no nvel do contexto (relao), metafuno interpessoal. No primeiro caso, a mensagem fornece sentenas equacionais (JAKOBSON, 1974, p. 127), portanto, a mensagem oferece explicao acerca do cdigo, o que tambm um dos aspectos da metafuno textual. Essa metafuno est relacionada construo do texto no sentido de organiz-lo, conferindo-lhe coerncia (HALLIDAY, 2004, p. 30). A glosa, por exemplo, um operador metadiscursivo (LOVATO, 2010, p. 2) cuja funo adicionar informaes por meio de parfrase, explicao e elaborao do que foi dito para garantir que o leitor consiga recuperar o sentido pretendido pelo leitor (LOVATO, 2010, p. 5) e se realiza por meio de conectores. No segundo caso, fornecer explicaes a partir de glosas estabelece uma relao de poder entre os interlocutores, pois h o pressuposto de que o destinatrio possui menos conhecimento sobre o assunto, uma vez que preciso oferecer explicaes e exemplos do que est sendo dito.

    A partir dessa descrio, percebe-se que tanto Jakobson quanto Halliday concebem que a linguagem sempre usada para alguma finalidade, portanto, no haveria porque estudar o cdigo em si. Apesar das especificidades de cada modelo terico, podemos dizer que ambos utilizam uma abordagem funcional, a qual entende que o sentido no est fora da lngua e, portanto, no se pode analisar a linguagem dissociando sistema e uso.

    A abordagem sistmico-funcional de Halliday apresenta ampliaes tericas e metodolgicas se comparada abordagem de Jakobson. Para Halliday, o conceito de funo vai alm da noo de propsito ou forma de uso da linguagem (2004, p. 31). O conceito de funo/funcionalidade o elo organizador do sistema da lngua. nesse ponto que Halliday discorda da viso de Jakobson e de outros funcionalistas, pois Halliday (2004) acredita que tal perspectiva de uso da linguagem demonstra pouca significao na anlise gramatical da lngua (p. 31).

    Em relao noo de contexto, os trabalhos de Jakobson

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    j indicam uma preocupao em conceber o uso da lngua conforme condies contextuais. Jakobson considera que um dos aspectos mais importantes, mas tambm mais difceis da questo do sentido [...] [] a influncia do contexto (1974, p. 83). Contudo, contexto para Jakobson (1985) est relacionado, principalmente, aos interlocutores a quem nos dirigimos quando falamos ou ao conjunto de sujeitos falantes (p. 82). Por outro lado, Halliday (1989) classifica contexto em trs variveis: campo o que, relao quem, e modo como (p. 12). Neste sentido, ambos reconhecem a influncia do contexto na linguagem, porm, a abrangncia do conceito de contexto em cada teoria apresenta variaes.

    Outro aspecto em comum entre esses autores a viso de que linguagem e sociedade esto intimamente relacionadas. Conforme afirma Jakobson, a propriedade privada, no domnio da linguagem, no existe: tudo socializado (1974, p. 23). Para analisar a linguagem, Jakobson aponta a necessidade de considerar o quadro scio-cultural da lngua e as tarefas histricas implicadas por esse quadro (1985, p.151). Segundo ele, esses dois planos de anlise seriam correlativos e mostram que a lngua integrante de todo um conjunto de sistemas sgnicos (idem: ibidem). Analogamente ao entendimento de Jakobson de que a linguagem social, Halliday define linguagem como um sistema scio-semitico (HALLIDAY, 1989, p. 3), um construto cuja significao constituda socialmente.

    Consideraes finais

    O presente trabalho teve por objetivo refletir em que medida a teoria funcional mais recente, ou seja, a Lingustica Sistmico-Funcional proposta por Halliday, tem embasamento no modelo de comunicao proposto por Jakobson.

    Foram identificadas algumas relaes entre as funes da linguagem de Jakobson e as metafunes de Halliday, porm essas perspectivas no so correlativas. Conclumos que, apesar de haver pontos tangenciais entre esses modelos tericos, no possvel afirmar que exista equivalncia conceitual.

    Embora existam diferenas e avanos na teoria hallidayana em termos de funes, inegvel a contribuio de Jakobson para os estudos funcionais. As consideraes de Jakobson a respeito da relao entre linguagem e sociedade, seu reconhecimento sobre a importncia

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    do contexto e sua perspectiva de que a linguagem funcional constituem sua maior contribuio para os estudos lingusticos.

    Referncias

    FLORES, Valdir Nascimento; TEIXEIRA, Marlene. O lingista da comunicao: Roman Jakobson. In: Introduo Lingstica da Enunciao. So Paulo: Contexto, 2005. p. 21-28.HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood. Part A. In: _____; HASAN, Ruqaya. Language, context, and text: aspects of language in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press, 1989.HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood; MATTHIESSEN, Christian. An introduction to functional grammar. London: Hoder Education, 2004.JAKOBSON, Roman. A lingstica em suas relaes com outras cincias. In: _____. Lingustica, potica, cinema. So Paulo: Perspectiva, 1970, p. 11-64. _____. Lingustica e comunicao. So Paulo: Cultrix, 1974._____. El metalenguaje como problema lingustico. In: _____. El marco del lenguaje. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1988. p. 81-91._____; POMORSKA, Krystyna. Dilogos. So Paulo: Cultrix, 1985.JONES, Alan. Michael Halliday: an appreciation. Language Matters, v. 28, 2010.LOWE, Mark. Michael Halliday at 80: A Tribute. Language Matters, v. 24, 2008.

    Recebido em 15/10/2010Aceito em 01/11/2010

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