entre diálogos e fazer(se)es: uma investigação...

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Entre diálogos e fazer(se)es: uma investigação sobre Narrativas, Identidades Femininas e Educação Não Formal Mônica Lóss dos Santos ADVERTIMENT. La consulta d’aquesta tesi queda condicionada a l’acceptació de les següents condicions d'ús: La difusió d’aquesta tesi per mitjà del servei TDX (www.tdx.cat) i a través del Dipòsit Digital de la UB (diposit.ub.edu) ha estat autoritzada pels titulars dels drets de propietat intel·lectual únicament per a usos privats emmarcats en activitats d’investigació i docència. No s’autoritza la seva reproducció amb finalitats de lucre ni la seva difusió i posada a disposició des d’un lloc aliè al servei TDX ni al Dipòsit Digital de la UB. No s’autoritza la presentació del seu contingut en una finestra o marc aliè a TDX o al Dipòsit Digital de la UB (framing). Aquesta reserva de drets afecta tant al resum de presentació de la tesi com als seus continguts. En la utilització o cita de parts de la tesi és obligat indicar el nom de la persona autora. ADVERTENCIA. La consulta de esta tesis queda condicionada a la aceptación de las siguientes condiciones de uso: La difusión de esta tesis por medio del servicio TDR (www.tdx.cat) y a través del Repositorio Digital de la UB (diposit.ub.edu) ha sido autorizada por los titulares de los derechos de propiedad intelectual únicamente para usos privados enmarcados en actividades de investigación y docencia. No se autoriza su reproducción con finalidades de lucro ni su difusión y puesta a disposición desde un sitio ajeno al servicio TDR o al Repositorio Digital de la UB. No se autoriza la presentación de su contenido en una ventana o marco ajeno a TDR o al Repositorio Digital de la UB (framing). Esta reserva de derechos afecta tanto al resumen de presentación de la tesis como a sus contenidos. En la utilización o cita de partes de la tesis es obligado indicar el nombre de la persona autora. WARNING. On having consulted this thesis you’re accepting the following use conditions: Spreading this thesis by the TDX (www.tdx.cat) service and by the UB Digital Repository (diposit.ub.edu) has been authorized by the titular of the intellectual property rights only for private uses placed in investigation and teaching activities. Reproduction with lucrative aims is not authorized nor its spreading and availability from a site foreign to the TDX service or to the UB Digital Repository. Introducing its content in a window or frame foreign to the TDX service or to the UB Digital Repository is not authorized (framing). Those rights affect to the presentation summary of the thesis as well as to its contents. In the using or citation of parts of the thesis it’s obliged to indicate the name of the author.

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Entre diálogos e fazer(se)es:uma investigação sobre Narrativas, Identidades

Femininas e Educação Não Formal

Mônica Lóss dos Santos

ADVERTIMENT. La consulta d’aquesta tesi queda condicionada a l’acceptació de les següents condicions d'ús: La difusió d’aquesta tesi per mitjà del servei TDX (www.tdx.cat) i a través del Dipòsit Digital de la UB (diposit.ub.edu) ha estat autoritzada pels titulars dels drets de propietat intel·lectual únicament per a usos privats emmarcats en activitats d’investigació i docència. No s’autoritza la seva reproducció amb finalitats de lucre ni la seva difusió i posada a disposició des d’un lloc aliè al servei TDX ni al Dipòsit Digital de la UB. No s’autoritza la presentació del seu contingut en una finestrao marc aliè a TDX o al Dipòsit Digital de la UB (framing). Aquesta reserva de drets afecta tant al resum de presentació de la tesi com als seus continguts. En la utilització o cita de parts de la tesi és obligat indicar el nom de la persona autora.

ADVERTENCIA. La consulta de esta tesis queda condicionada a la aceptación de las siguientes condiciones de uso: La difusión de esta tesis por medio del servicio TDR (www.tdx.cat) y a través del Repositorio Digital de la UB (diposit.ub.edu) ha sido autorizada por los titulares de los derechos de propiedad intelectual únicamente para usos privados enmarcados en actividades de investigación y docencia. No se autoriza su reproducción con finalidades de lucro ni su difusión y puesta a disposición desde un sitio ajeno al servicio TDR o al Repositorio Digital de la UB. No se autoriza la presentación de su contenido en una ventana o marco ajeno a TDR o al Repositorio Digital de la UB (framing). Esta reserva de derechos afecta tanto al resumen de presentación de la tesis como a sus contenidos. En la utilización o cita de partes de la tesis es obligado indicar el nombre de la persona autora.

WARNING. On having consulted this thesis you’re accepting the following use conditions: Spreading this thesis by the TDX (www.tdx.cat) service and by the UB Digital Repository (diposit.ub.edu) has been authorized by the titular of the intellectual property rights only for private uses placed in investigation and teaching activities. Reproduction with lucrativeaims is not authorized nor its spreading and availability from a site foreign to the TDX service or to the UB Digital Repository. Introducing its content in a window or frame foreign to the TDX service or to the UB Digital Repository is not authorized (framing). Those rights affect to the presentation summary of the thesis as well as to its contents. In the using orcitation of parts of the thesis it’s obliged to indicate the name of the author.

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i

ENTRE DIÁLOGOS E FAZER(SE)ES:

UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE NARRATIVAS,

IDENTIDADES FEMININAS E EDUCAÇÃO NÃO FORMAL

Mônica Lóss dos Santos

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iii

ENTRE DIÁLOGOS E FAZER(SE)ES: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE NARRATIVAS,

IDENTIDADES FEMININAS E EDUCAÇÃO NÃO FORMAL

MÔNICA LÓSS DOS SANTOS

Tesis doctoral

Director: Doctor Fernando Herraiz García

UNIVERSIDAD DE BARCELONA FACULTAD DE BELLAS ARTES

DEPARTAMENTO DE DIBUJO PROGRAMA ARTES Y EDUCACIÓN

2013

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iv

Autora:

Mônica Lóss dos Santos

Título:

Entre Diálogos e Fazer(se)es: Uma investigação sobre Narrativas, Identidades

Femininas e Educação Não Formal

Director:

Doctor Fernando Herraiz García

Programa de doctorado:

Artes y Educación

Facultad de Bellas Artes

Universidad de Barcelona

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v

AAgradecimentos

O caminho trilhado ao longo deste trabalho

investigativo possibilitou-me aprender coisas

realmente impressionantes, tanto sobre mim,

como também sobre o mundo, mas entre as

matizes e nuances dos conhecimentos,

saberes e vivências que foram

experimentadas e construídas reside um

aspecto preponderante, que foi descobrir a

importância do “outro”, dos “outros” e “outras” que de alguma forma cruzaram

minha caminhada, que em momentos cruciais me estenderam as mãos e que

me acolheram em seus abraços, que se tornaram partícipes desta história e

que construíram no meu coração uma morada que transcende esta etapa de

minha vida, porque deixaram marcas que nem o tempo nem a distância serão

capazes de apagar.

Como já dizia o poeta "Um sonho que você sonha sozinho é apenas um sonho.

Um sonho que você sonha junto é realidade." E por isso, digo a todos e todas

que acompanharam de perto ou de longe, aos da vida inteira e aos novos

amigos e amigas com quem compartilhei esta a etapa, aos meus companheiros

de doutorado, aos meus professores e professoras que marcaram e inspiraram

minhas escolhas, aos meus “jefes” e “jefas” com quem trabalhei, e mesmo

àquelas pessoas que de alguma forma, mesmo sem saber, estiveram

implicadas para a realização deste projeto de vida chamado doutorado, a todos

sem exceções: Muchas Gracias!

Depois de tantas generalizações, me sinto mais tranquila já que a memória, às

vezes é traiçoeira e o risco de esquecer alguém importante sempre é grande,

mas mesmo assim, não tenho como deixar de nominar algumas pessoas que

mesmo incluídas nos “outros e outras” foram fundamentais.

Ao meu orientador professor Fernando Herraiz García por abraçar e acreditar

neste projeto de tese, pelas orientações, estímulos e contribuições para a

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vi

minha formação e principalmente por compreender minhas dúvidas e angústias

e mesmo a distância ser e estar presente.

Agradeço através da pessoa do professor Fernando Hernández à acolhida no

programa de doutorado, pelos saberes e conhecimentos compartilhados ao

longo dos cursos e por inspirar a todos os seus estudantes a aventurar-se

pelos caminhos da Arte e Educação.

As professoras Aída Sanchez de Sérdio e Carla Padró, por inspirarem e

marcarem de forma tão especial esta caminhada, as minhas colegas do

doutorado Ana, Norma e Majo, pela experiência de investigar

colaborativamente.

À Helga Correa, pela amizade que construímos, pelas conversas, pelas trocas

e por ser minha companheira de fé ao longo desta jornada, à Esther,

Maricarmen e Cris por tanto carinho e receptividade, à Dolores, minha “mamá

española”, por tornar meus fardos mais leves, por me ajudar e apoiar sempre.

Agradeço a minha família, meus pais Léu e Lêda, meus irmãos Marcelo e

Vinicíus por serem minha base, meu lastro, meu porto seguro sempre com os

braços abertos e sempre apoiando minhas decisões. Em especial agradeço à

minha mãe, por me deixar voar, por acreditar em mim e por ter me

proporcionado um apoio fundamental para que esta tese pudesse efetivamente

escrita.

Agradeço de forma muito especial às mulheres do atelier, as participantes, as

colaboradoras e as grandes protagonistas desta investigação, que “abriram a

porta” para eu entrar permitindo que essa história de “todas” nós fosse contada.

Agradeço ao Barry, meu esposo, pela paciência, por entender-me, apoiar-me e

por me amar e ao meu filho Liam que me ensinou um amor que eu não sabia

que fosse possível sentir.

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vii

Ao amor…

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ix

RResumo

Entre diálogos e fazer(se)es: uma investigação sobre Narrativas, Identidades

Femininas e Educação Não Formal

O presente trabalho investigativo foi realizado no Programa de

Doutorado Artes y Educación do Departamento de Dibujo da Universidade de

Barcelona – Espanha sob a orientação pelo Professor Dr. Fernando Herraiz

García, a partir de minha inserção em um atelier de cerâmica localizado em um

Centro Cívico situado em um bairro da cidade de Barcelona, Catalunha -

Espanha. A discussão central nesta investigação situou-se nas observações

sobre os tipos de reflexões e narrativas a respeito de Identidades Femininas

que poderiam emergir em um contexto de Educação Não Formal de fazeres ou

de práticas artísticas com cerâmica, frequentado por um grupo de mulheres de

diferentes idades, de diferentes contextos e de variadas vivências, participantes

deste espaço.

A perspectiva metodológica utilizada foi a Investigação Narrativa

combinada com aspectos da Investigação Etnográfica e norteada pelo

paradigma do Construccionismo Social. Como estratégias para a coleta dos

materiais foram utilizadas a observação participante, as entrevistas

semiestruturadas, Diário de Campo e notas de campo, além de registros

fotográficos e em áudio.

As temáticas desenvolvidas nas análises interpretativas emergiram de

diferentes elementos reflexivos provenientes tanto dos objetivos propostos

como também, das narrativas e relatos, das observações e vivências no

contexto junto ao grupo de mulheres participantes/colaboradoras, que

articuladas aos pressupostos teóricos e costuradas por minhas narrativas

construíram a “grande narrativa” tecida ao longo desta investigação.

O conjunto de diálogos, narrativas e relatos individuais e coletivos

produzidos pelas mulheres do atelier apresentaram um repertório de

problemáticas significativas sobre as experiências vividas em torno as

construções das Identidades Femininas deixando evidente que muitas das

marcas destas construções seguem repercutindo tanto na vida destas

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x

mulheres como também nas gerações posteriores a delas, também,

evidenciando que existem possibilidades de romper, reconstruir e em alguns

casos, transformar posturas para construir novas facetas para as Identidades

Femininas. Mas para que as mudanças de perspectivas se consolidem e as

identidades se constituam como um elemento em constante transformação é

necessário um trabalho constante de reflexão que demanda tempo e

investimento intelectual para que resulte efetivamente em conhecimento.

Neste sentido, estas questões revelaram a importância de espaços de

Educação Não Formal de fazeres ou práticas artísticas, como o atelier de

cerâmica, que oportunizem a reflexão, as trocas de conhecimento, a

construção de relações e, sobretudo, que possibilitem outras maneiras de ver o

mundo e de transformar-se a si – fazer(se)es – tanto em relação às Identidades

Femininas como também em relação ao cotidiano. Assim, tal espaço se revelou

como uma possibilidade para consolidar as narrativas femininas, fonte de

emergência histórica de submissões, como um dispositivo capaz de

transformar as reflexões em ações concretas, que impulsionem mudanças de

perspectivas e para Identidades Femininas mais alinhadas aos tempos atuais.

Desvelou-se também a importância e influência dos grupos familiares,

sociais e culturais na formação tanto das Identidades Femininas relacionadas

ao campo profissional, como no caso da educadora não formal e de como as

experiências de ensinar e aprendem repercutem na prática docente.

Palavras-chave: narrativas, identidades femininas, educação não formal,

ensino, cerâmica.

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xi

RResumen

Entre diálogos y fazer(se)es1: una investigación sobre Narrativas, Identidades

Femeninas y Educación No Formal

Este trabajo investigativo fue desarrollado en el Programa de Doctorado

Artes y Educación del Departamento de Dibujo de la Universidad de Barcelona

– España, con la tutoría del profesor Dr. Fernando Herraiz García, a partir de

mi inserción en un taller de cerámica de un Centro Cívico ubicado en uno de

los barrios de la ciudad de Barcelona. La discusión central ha consistido en la

observación de los tipos de reflexiones y narrativas entorno de las Identidades

Femeninas que podrían surgir en un contexto de Educación No Formal de

haceres o prácticas artísticas con cerámica – un taller de cerámica –

frecuentado por un grupo de mujeres de diferentes edades, contextos y de

vivencias, participantes de este espacio.

La perspectiva metodológica utilizada fue la de la Investigación Narrativa

combinada a algunos aspectos de la Investigación Etnográfica y conducida

bajo el paradigma del Construccionismo Social. Como estrategias para la

colecta de los materiales, fueron utilizadas la observación participante, las

entrevistas semi estructuradas, Diario de Campo y notas de campo, además de

registro fotográfico y en audio.

Las temáticas utilizadas en los análisis interpretativos emergieron de

diferentes elementos reflexivos tanto de los objetivos propuestos como también

de las narrativas y relatos, das observaciones y vivencias en el contexto junto

al grupo de mujeres participantes/colaboradoras, que articuladas a los

presupuestos teóricos y cosidas por mis narrativas han construido la “gran

narrativa” tejida a lo largo de esta investigación.

El conjunto de diálogos, narrativas y relatos individuales y colectivos

producidos por las mujeres del taller presentaron un repertorio de

problemáticas significativas sobre las experiencias vividas en torno de las

construcciones de sus Identidades Femeninas dejando explicito que muchas de 1 El término Fazer(se)es ha mantenido su escrita en portugués, debido al hecho de ser un término que fue originado en este trabajo y que al ser traducido podría perder la connotación y el sentido a él atribuido.

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xii

las marcas de estas construcciones aún repercuten en sus vidas y en las

generaciones posteriores a las suyas, también que siempre hay posibilidades

de romper, reconstruir y en algunos de los casos cambiar las posturas

construyendo nuevas facetas para las Identidades Femeninas evidenciando

que para que cambios de perspectivas se consoliden y la identidad se

constituya como un elemento en constante transformación es necesario un

trabajo permanente de reflexión que demanda tiempo, inversión intelectual para

que resulte en conocimiento.

Estas cuestiones evidenciaran la importancia de los espacios de

Educación No Formal de manualidades o prácticas artísticas, como el taller de

cerámica como una oportunidad de reflejar, intercambiar conocimientos,

construir relaciones y sobretodo, como una manera de ver el mundo sobre otra

perspectiva - fazer(se)es - tanto en relación a las Identidades Femeninas como

también, sobre el cotidiano. Tal espacio se ha presentado como posibilidad

para consolidar las narrativas femeninas, fuente de emergencia histórica de

sumisiones, como un dispositivo capaz de transformar las reflexiones en

acciones concretas que posibiliten cambios de perspectivas para Identidades

Femeninas aliñadas a los tiempos actuales.

Se desvelaran también la importancia y la influencia de los grupos

familiares, sociales y culturales para la formación de las Identidades Femeninas

relacionadas al campo profesional, como el caso de la formación de la

educadora no formal y de cómo las experiencias de enseñar y aprender

repercuten en la práctica de profesor.

Palavras-clave: narrativas, identidades femeninas, educación no formal,

enseñanza, cerámica.

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SSUMÁRIO

Introdução - Prólogo para uma longa história....................................................... 1

Capítulo I - Histórias e narrativas: a tessitura da investigadora.......................... 15

1.1 Construindo-me e reconstruindo-me: urdindo as narrativas de “mim”................. 18

1.1.1 Caminhos que se tramam: a arte e a educação......................................... 23

1.1.2 Trânsitos, andanças e mudanças: desembaraçando as narrativas de um

novo/velho mundo...............................................................................................

29

1.1.3 Resiliências: tecendo novas narrativas...................................................... 32

1.2 Uma trama sobre a qual nunca pensei: encontrando-me com novos

significados.................................................................................................................

35

1.3 O tecido que transforma: um projeto de tese que se transformou em uma

tese.............................................................................................................................

39

Capítulo II - Uma história possível: construindo o caminho investigativo......... 49

2.1 Definindo os rumos para a história: objetivos da investigação............................. 49

2.2 O desafio de embrenhar-me num marco desconhecido: o Construccionismo

Social..........................................................................................................................

55

2.3 A estrada e a Caminhada: metodologia da investigação..................................... 60

2.3.1 Encontrando o suporte para caminhar: a Investigação Narrativa.............. 67

2.3.2 Novos passos: a Investigação Etnográfica................................................. 82

2.3.3 Mais que um cenário: um espaço em construção...................................... 88

2.3.3.1 Um encontro inusitado: o espaço do Centro Cívico........................... 89

2.3.3.2 Onde o barro se faz cerâmica: o espaço do atelier............................ 92

2.3.4 De aluna à investigadora: caminhando com cautela ................................. 101

2.3.5 As protagonistas da história: as participantes/colaboradoras.................... 105

2.3.6 Criando laços, desatando nós: aproximações............................................ 117

2.3.7 Métodos e instrumentos: os aliados na construção da história.................. 125

2.3.7.1 Riscos e rabiscos: notas de campo e Diário de Campo..................... 130

2.3.7.2 As palavras e as imagens: pluralidade e diversidade nas narrativas. 132

2.3.7.3 As vozes da vez: entrevistas.............................................................. 135

2.3.7.4 De dentro da história: observação participante.................................. 151

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xiv

2.3.8 Dando sentido aos fragmentos: tratamento e organização do material..... 153

Capítulo III - Construindo o suporte para o enredo: Identidades Femininas e

Educação Não Formal.................................................................................

159

3.1 Por onde começar a história: identidade.............................................................. 161

3.1.1 Lugares comuns ou nem tanto: o coletivo e o individual o outro e nós...... 172

3.1.2 Adicionando complexidade a história: gênero e Identidades Femininas... 177

3.1.3 Olhares, narrativas e histórias: construindo as Identidades Femininas..... 185

3.1.3.1 As narrativas e fazeres como marcas que desvelam......................... 193

3.1.3.2 Olhares divergentes e contextos diferentes....................................... 197

3.2 Outro fragmento da história: breves apontamentos sobre educação................... 212

3.2.1 No centro da trama: a Educação Não Formal............................................ 218

3.2.1.1 Histórias possíveis: o ensinar e o aprender na Educação Não

Formal.............................................................................................................

230

3.2.1.2 Dirimindo conflitos: mediações da cerâmica no contexto da

Educação Não Formal....................................................................................

233

3.2.1.3 Relações e conexões: a Educação Não Formal e o Ensino da

Arte.................................................................................................................

240

Capítulo IV - Desvendando os mistérios das histórias, dos diálogos e fazeres.......................................................................................................................

245

4.1 Uma história a ser escrita: tematizando o material coletado............................... 246

4.1.1 Identidades Femininas a partir do contexto estudado................................ 248

4.1.2 O atelier como espaço de fazeres ou práticas artísticas............................ 251

4.1.3 A Educação Não Formal no atelier de cerâmica........................................ 253

4.2 Análises e aprofundamentos................................................................................ 254

4.2.1 Identidades Femininas no contexto do atelier............................................ 255

4.2.1.1 Narrativas sobre Identidades Femininas............................................ 256

4.2.1.2 Posturas narrativas reveladoras......................................................... 272

4.2.1.3 Reflexões e rupturas........................................................................... 280

4.2.1.4 Desvelamentos do cotidiano............................................................... 290

4.2.2 O atelier como espaço de fazeres ou práticas artísticas............................ 296

4.2.2.1 Fazeres Narrativos............................................................................. 298

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xv

4.2.2.2 Motivações criadoras.......................................................................... 302

4.2.2.3 Fazer(se)es......................................................................................... 311

4.2.3 Conversar e fazer... momentos de aprender: a Educação Não Formal..... 322

4.2.3.1 Relações de aprender e ensinar no atelier de cerâmica.................... 323

Capítulo V - Histórias que se cruzam: reflexões sobre Identidades Femininas, Educação Não Formal e o Ensino da Arte.............................................................

335

5.1 Em meio às narrativas: o protagonismo de Isa.................................................... 338

5.2 Isa: aproximações e contrapontos do ensinar e do aprender na Educação Não

Formal e no Ensino da Cerâmica...............................................................................

351

5.3 Os caminhos que se cruzam através do fazer cerâmica: o que levo de Isa e o

que deixo de mim.......................................................................................................

359

5.4 Costuras e amarrações: as narrativas, os fazer(se)es e as Identidades

Femininas na Educação Não Formal.........................................................................

366

Em busca de um desfecho: considerações sobre a caminhada investigativa..............................................................................................................

377

Referências Bibliográficas...................................................................................... 401

Anexos....................................................................................................................... 423

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1

Prólogo para uma longa história

Pensar nos caminhos que percorri ao longo da vida, olhar para minha

trajetória é sempre reencontrar-me com lembranças e vivências que fazem parte

de mim, que me ajudam a compreender quem sou no presente e sobre os

caminhos que fui escolhendo. Muitas vezes, as lembranças, as memórias, os

meus guardados, estão escondidos dentro de mim, e por isso, preciso ser

atenciosa com eles, ouvi-los para então me lançar num mergulho rumo ao

desconhecido.

Este desconhecido em que me aventurei a mergulhar foi revelando-se à

medida que fui caminhando, fazendo escolhas, vivendo e saboreando novas

experiências marcadas por dois fatos que considero preponderantes: o primeiro

foi o de deixar meu país de origem, o Brasil para dar início a uma nova etapa da

vida e ir à Barcelona – Espanha para realizar o meu tão desejado doutorado; o

segundo momento importante foi justamente relativo à escolha do tema para a

realização da minha tese, abordar Identidades Femininas e narrativas em um

contexto não formal de educação.

Devido a estas escolhas, deparei-me com muitos pontos cruciais,

momentos de dúvidas e incertezas que foram impregnando-se ao meu olhar e

transformando minhas perspectivas sobre o mundo, contribuindo assim, para uma

tomada de consciência do envolvimento e dedicação que seriam necessários para

escrever uma tese.

Portanto, escrever esta tese foi um processo de desconhecer-me e de

reconhecer-me, costurando minhas experiências passadas, meus desafios

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2

presentes e meus novos conhecimentos, tecendo um novo olhar sobre mim e

sobre o mundo.

Esta investigação desenvolveu-se a partir de minha inserção em um atelier

de cerâmica que passei a frequentar, primeiramente como aluna, mas que com o

tempo, foi despertando minha atenção para as discussões que ocorriam neste

espaço e de como os diálogos e fazeres deste grupo de mulheres poderia resultar

em objeto de estudo para uma investigação. Assim, considerando os diálogos, as

narrativas, os fragmentos das histórias contadas e vividas por mulheres de

diferentes idades, de diferentes contextos e de variadas vivências, participantes

em um atelier de cerâmica, em um Centro Cívico situado em um bairro da cidade

Barcelona, Catalunha, Espanha1 e tendo como perspectiva metodológica a

Investigação Narrativa foi que esta investigação se desenvolveu. A discussão

central nesta investigação situou-se nas observações sobre os tipos de reflexões

e narrativas a respeito de Identidades Femininas que poderiam emergir em um

contexto de Educação Não Formal de fazeres ou de práticas artísticas com

cerâmica.

A maneira mais adequada para denominar as atividades que se realizavam

no atelier foi uma dúvida que me acompanhou durante grande parte da

investigação, isto porque, o que observava naquele espaço era uma dicotomia 1 Houve um consenso entre investigadora e investigadas de que não se revelaria a localização exata do bairro

onde se encontra o Centro Cívico em que esta pesquisa foi realizada, nem os nomes das participantes do

atelier de cerâmica. Esta decisão teve em vista proteger a privacidade das participantes, outorgando maior

liberdade e autonomia para que suas narrativas e relatos fossem divulgados. Esta decisão foi respaldada pelo

Termo de Consentimento Informado (Anexo I). Assim, se adota por convenção que o local de realização

desta investigação será identificado ao longo do texto como “um atelier de cerâmica em um Centro Cívico de

um bairro de Barcelona, Espanha” e as participantes serão identificadas através de pseudônimos escolhidos

por elas mesmas que no decorrer dos capítulos irão sendo utilizados. Esta questão será aprofundada no

Capítulo II - Uma história possível: construindo o caminho investigativo que trata especificamente da

metodologia investigativa, onde abordo as questões éticas nesta investigação.

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3

entre o que eu entendia como fazer cerâmica enquanto prática artística ou, o

fazer cerâmica enquanto uma atividade reprodutora, sem reflexão e relacionada à

atividade artesanal ou manual, também relacionado aos “afazeres” cotidianos.

O termo “fazeres” é utilizado para referir-me ao trabalho realizado pelas

mulheres no atelier. Minha concepção inicial ao aproximar-me do atelier de

cerâmica era vinculada à experiência que tive durante minha formação acadêmica

na universidade a de fazer cerâmica como arte, como prática artística. Conforme

Coli (1995) a concepção de arte esta relacionada com as vivências culturais de

cada grupo social, assim, construímos pré-conceitos fundamentados nas

experiências que tivemos e com isso, passamos a utilizar essa bagagem para

definir o que é arte ou não. Embora esta investigação não vise debater sobre a

natureza da atividade com cerâmica realizada pelas mulheres do atelier, encontrei

dificuldade para situar este fazer, tendo em vista minha bagagem contrastada ao

fazer delas. Assim, adotei ao longo da pesquisa o termo fazeres ou práticas

artísticas, por acreditar que são terminologias que dão margem para diferentes

interpretações que o fazer cerâmica delas possa ter.

Em vista disso, passei a referir-me às atividades realizadas no atelier como

fazeres ou práticas artísticas, por entender que esta nomenclatura engloba toda e

qualquer experiência estética ou não, vivenciada naquele espaço, ao mesmo

tempo, está conectado ao universo cotidiano das mulheres, suas perspectivas e

modos de ver o mundo. Também tem relação com o termo fazer(se)es presente

no título desta investigação.

O jogo de palavras utilizados em “fazer(se)es” foi um termo que surgiu logo

no início deste projeto, ou talvez, antes mesmo deste começar a ser escrito,

quando em um encontro com o professor Fernando Hernández, em meio a muitas

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dúvidas expus que meus interesses para realizar a tese de doutorado situava-se

na questão do fazer manual, melhor dito, do trabalho de cerâmica realizado por

mulheres em um atelier do meu bairro na cidade de Barcelona. Passei a refletir no

sentido prático e também, subjetivo que o “fazer” e os “fazeres” manuais poderiam

constituir-se como um caminho para conhecer suas perspectivas e uma forma de

perceber se no espaço compartilhado, as questões relacionadas às Identidades

Femininas emergiam e se poderiam ser observadas.

Essa expressão, “fazer(se)es”, foi se constituindo ao longo desta

investigação como um termo de duplo sentido, por referir-se ao sentido de

construção subjetiva que acontecia à medida que as relações, os diálogos, as

narrativas e relatos acompanhavam o fazer manual do atelier. Enquanto as mãos

dedicavam-se ao fazer e executavam um trabalho manual ocorriam também as

construções internas, as reelaborações íntimas motivadas e estimuladas pelas

trocas que ocorriam pelas participantes. Assim, entre os diálogos e os fazeres foi

também uma maneira de irmo-nos “fazendo”, de irmo-nos construindo e

desvelando nossas perspectivas e percepções sobre as Identidades Femininas e

sobre o mundo.

O entrelaçamento entre Identidades Femininas, a Educação Não Formal e

as narrativas foi um desafio. Por serem campos que individualmente possuem

uma natureza complexa e que exigem aprofundamento teórico para o seu

entendimento, eram praticamente desconhecidos e não figuravam no meu

repertório até o momento de iniciar esta jornada.

Com o tempo fui percebendo que esta escolha não era nada mais do que o

reflexo das preocupações que eu trazia na minha bagagem, indagações a que eu

não havia dado muita importância até aquele momento, mas que devido às novas

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experiências de viver em um país estrangeiro, de estar inserida em um contexto

com outras oportunidades foram se tornando latentes e adquiriram especial

significação para serem pensadas.

Assim, a consolidação do tema desta tese se constituiu a partir das

narrativas em um atelier de cerâmica frequentado por mulheres como

possibilidade para refletir sobre as Identidades Femininas tendo como foco:

“Entre diálogos e fazer(se)es: Uma investigação sobre Narrativas,

Identidades Femininas e Educação Não Formal”.

O objetivo geral desta pesquisa é investigar como ocorrem os fazeres ou

práticas artísticas, desenvolvidos num espaço de Educação Não Formal (atelier

de cerâmica), frequentado por um grupo de mulheres e se esse espaço

oportuniza as reflexões e narrativas - fazer(se)es - sobre Identidades Femininas.

A partir deste objetivo geral, geraram-se objetivos específicos: dar voz às

mulheres, oportunizando visibilidade às histórias, diálogos e fazeres que surgem

em meio às atividades produzidas no atelier; perceber de que forma este espaço

de convívio coletivo repercute nas concepções sobre Identidades Femininas

destas mulheres, os fazer(se)es; observar como as narrativas (orais e visuais)

construídas individualmente e coletivamente articulam-se com o cotidiano;

verificar que tipo de fazeres ou práticas artísticas ocorrem no atelier de cerâmica;

refletir sobre como se constitui a trama entre Ensino da Arte, Educação Não

Formal e Identidades Femininas.

Consolidar os objetivos investigativos foi uma parte importante no processo

de realização desta pesquisa, eles foram sofrendo alterações, ajustes e

mudanças à medida que o aprofundamento teórico, a coleta de materiais e a

minha relação com as investigadas foi sendo construída e fortalecida. Da mesma

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forma, o aprofundamento teórico foi fundamental para a compreensão da

singularidade das narrativas que iam sendo produzidas e como elas poderiam ser

articuladas com as questões que poderiam emergir sobre Identidades Femininas

em um atelier de cerâmica, um espaço supostamente caracterizado por

possibilitar vivências e práticas artísticas não formalizadas ou institucionalizadas.

Os fazeres, ou seja, os trabalhos realizados no atelier de cerâmica foram

incluídos dentro da modalidade de Educação Não Formal, que foi entendida a

partir de seu conceito mais básico, que é a questão da flexibilidade em sua

estrutura e organização em espaços não institucionalizados, no caso, um atelier

de cerâmica. Como modalidade educativa ela se apresenta através de uma

estrutura mais difusa, menos hierarquizada e burocrática, se comparada à

educação formal. As atividades e práticas que se enquadram nesta modalidade

não precisam seguir necessariamente um sistema sequencial de “progressão” e

sim, privilegia o desenvolvimento e os avanços que cada participante obtém,

respeitando o seu ritmo e seu tempo.

Também é importante frisar que na Educação Não Formal existe uma

dicotomia em relação à definição de seu conceito, ainda mais, se levado em conta

o processo evolutivo que esta modalidade educativa passou a ter desde seu

surgimento (meados dos anos 1960) até os dias de hoje. O conceito de

Educação Não Formal quase sempre estará relacionado ao contexto cultural e

social em que é empregado e seu objetivo pode se diferenciar justamente a partir

de sua característica de maior relevância que é a flexibilidade ao adaptar-se aos

contextos em que se desenvolvem.

Uma das facetas associa as práticas da Educação Não Formal de maneira

desvinculada das atividades escolares e que buscam uma maneira de mudar a

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realidade das pessoas e comunidades. São desenvolvidas por organizações e

movimentos sociais, relacionados à formação sobre os direitos humanos,

cidadania, práticas identitárias, lutas contra desigualdades e exclusões sociais.

Por outro lado, podem ser consideradas também, como práticas destinadas

ao ócio, entretenimento, lazer que se vale de atividades lúdicas e artísticas para o

desenvolvimento pessoal sem necessariamente visarem alguma mudança social,

já que estão vinculadas às práticas cotidianas.

Principais teóricos que fundamentaram os estudos sobre Educação Não

Formal nesta pesquisa foram: Trilha (1996), Garcia (2005, 2006, 2008), Merchén

(2006) Gadotti (2005), Ghon (2008).

Da mesma forma que ocorre com a definição de Educação Não Formal,

definir Identidades Femininas torna-se uma tarefa árdua, já que se apresenta

como um conceito difícil de abarcar, porque sua natureza é mutável e desloca-se

conforme o pensamento de cada época (Hall, 2005).

No âmbito deste estudo, o conceito de Identidades Femininas foi explorado

a partir de uma perspectiva cultural, por acreditar que os discursos produzidos, as

narrativas e relatos constituem-se como elementos significativos para o seu

entendimento estando relacionados com o contexto investigado. O entendimento

deste conceito, por sua vez, é constituído por significados relacionados aos

processos de identificação (Hall, 1997 in Silveira, 2002; Hall, 2005; Woodward,

1997, 2000; Braidotti, 2004; Louro, 2000; Scott, 1995) que concebe a identidade

como algo móvel e instável.

A Investigação Narrativa (Connelly y Clandinin, 2008; Bolívar,1998, 2002;

Larrosa, 1995), por sua vez, caracteriza-se como um enfoque que se diferencia

dos modos tradicionais de analisar e descrever experiências e vivências através

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de relatos. Ela designa uma maneira em que se pode construir e reconstruir a

experiência investigativa mediante um processo reflexivo no qual o investigador,

narrativamente, busca contar a história sobre as vidas relatadas.

A partir das características que a abordagem narrativa possui, tanto como

fenômeno investigado - ao relato oral ou escritos das participantes, seus jeitos de

fazer, suas posturas - mas também, como método - os modos de recordar,

construir e analisar os fenômenos narrativos - busquei construir uma estreita

relação na dinâmica entre “investigadora” e “investigadas”, o que possibilitou uma

interação focalizada no contexto e na realidade em que os relatos e narrativas

foram produzidos.

Portanto, para o desenvolvimento da pesquisa e para buscar atingir os

objetivos, situei-me a partir da perspectiva da Investigação Narrativa, por entendê-

la como uma forma mais flexível de investigar, de experimentar as histórias e as

narrativas de uma maneira mais próxima e articulada com o contexto investigado,

preservando e respeitando as relações construídas entre os “diálogos e os

fazer(se)es”.

A Investigação Narrativa (Connelly e Clandinin, 2008) se situa dentro da

matriz qualitativa e se baseia tanto nas experiências vividas como também na

educação, podendo ser considerada tanto como fenômeno estudado e também

como método. Com a intensificação de minha inserção no campo, passei a

considerar que a pesquisa poderia valer-se de outras possibilidades

metodológicas que combinada à Investigação Narrativa geraria novos matizes e

que proporcionariam maior profundidade aos dados coletados, assim, as

observações participantes (inserção direta do investigador no contexto estudado)

e o Diário de Campo e notas de campo (instrumentos específicos da

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investigadora em forma de anotações e gravações) ganharam um caráter também

etnográfico. As notas de campo foram a cada encontro sendo transformadas em

relatos que auxiliaram na construção de uma memória da pesquisa, também

realizei entrevistas semiestruturadas com algumas das participantes, bem como a

gravação em áudio de uma das sessões e registro fotográfico.

Considero que o processo de realização desta tese, por analogia,

assemelha-se muito ao próprio transcurso da vida, pois assim como muitas vezes

a vida nos surpreende, nos coloca desafios e imprevistos frente aos quais não

podemos nos render e temos que encontrar meios de seguir adiante, exercitando

nossa capacidade de adaptação e superação, o percurso deste trabalho esteve

permeado de grande aprendizado, de muitas dúvidas e incertezas, de algumas

mudanças de direções e foi realizado a partir de muita perseverança. Esta

trajetória foi entendida e vivenciada como uma oportunidade de amadurecimento

pessoal e profissional, de investigar observando as singelezas do entorno e de

como é possível aprender a partir das relações, dos afetos e das vozes dos que

nos rodeiam, sobretudo, um estímulo para refletir como estes aspectos se

articulam com o Ensino de Arte e a Educação na contemporaneidade.

Mas dar conta de tanta pluralidade tornou-se um dos pontos nevrálgicos

nesta investigação, pois ao iniciar a escrita da tese surgiu uma nova pergunta:

Como contar esta história? Como fazer com que o leitor acompanhasse os

percursos e os caminhos que percorri? Como envolvê-lo de tal forma que ele

pudesse compreender por meio de minhas palavras esta experiência que se

constitui de fragmentos de vida e pudesse ver através delas, o exterior e o interior

desta pesquisa sem perder de vista o rigor científico que deve existir em uma

investigação acadêmica?

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Tendo presente dúvidas tão importantes passei a construir diferentes

possibilidades, possíveis estruturas que privilegiassem muito mais o processo de

investigação como produto de uma caminhada, a tese, como um processo que foi

sendo construído de maneira aberta, e que fosse capaz de tramar olhares,

mudanças, as tomadas de decisões em meio aos aspectos teóricos que foram

ajudando a formar o alicerce deste trabalho.

Por tudo isto, esta tese também pode ser considerada uma grande

“narrativa”. Narrativa de um tempo de mudança de vida, de um tempo de

incertezas e desacertos, mas, sobretudo, de um tempo de buscas, de encontros e

de grandes certezas, por isso, permeio todo este texto com impressões e relatos

pessoais, construídos através de meu olhar que pouco a pouco foi sendo

costurado e entrelaçado à vida das outras mulheres no atelier de cerâmica

enquanto construíamos, juntas uma história sobre nós e, entre os diálogos e

fazeres, nós também fomo-nos fazendo – fazer(se)es - e nós fomos escrevendo a

história desta experiência que compartilhamos.

Estabelecendo conexões entre o passado e o presente, foram se cruzando

elementos da própria experiência com matizes de diferentes teóricos. As palavras

de Walkerdine2 (1998, p.155) explicitam este pensamento ao considerar que

“Todos tenemos trayectorias, que implícita o explícitamente estimulan nuestra

investigación”.

2 No texto de Walkerdine (1998) a autora desenvolve uma análise que justifica a relação de subjetividade e o

lugar do popular repercutindo nas ações de significado social. E foi justamente na argumentação por ela

utilizada adicionando profundidade às suas colocações e que se consolidava justamente no fato da autora

utilizar relatos de sua trajetória de vida e da experiência de pertencer à determinada classe social e em um

dado tempo histórico. A partir deste texto passei a considerar que a abordagem dos fragmentos das

experiências e vivências que compõe uma “história de vida” pode servir como um elo, uma espécie ponte que

auxilia na compreensão de nossas escolhas, motivações e subjetividade.

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Esta investigação parte da necessidade de confrontar, de rever e pensar

acerca das Identidades Femininas, e de como elas emergem e se podem ser

percebidas nos espaços do cotidiano em que se desenvolvem práticas

relacionadas à arte e à Educação Não Formal.

Em termos conceituais e para um maior aprofundamento das questões

desenvolvidas nesta investigação optei por considerar os fazeres ou práticas

artísticas realizadas no atelier de cerâmica a partir de uma perspectiva da

Educação Não Formal, por entender tais práticas e a dinâmica que existe em um

atelier como uma possibilidade de construir conhecimento de forma colaborativa e

compartilhada, onde as relações humanas e as práticas sociais podem estar

atreladas ao processo de reflexão sobre as ações cotidianas.

Assim, as ligações estabelecidas entre Educação Não Formal e a

cerâmica, enquanto fazer impregnado de sentido e significado constituíram-se

como uma possibilidade para refletir sobre espaços de fazeres ou de práticas

artísticas que pudessem contribuir com a construção de narrativas observando as

concepções em torno das Identidades Femininas.

O debate e as reflexões sobre como outras mulheres pensam as questões

referentes às Identidades Femininas foi um aspecto que despertou minha

atenção. Este interesse se acentuou, à medida que novas experiências

investigativas e também de cunho pessoal foram sendo permeadas por esta

temática.

Neste sentido, as relações entre o saber pessoal e o teórico tornaram-se

um aspecto de grande relevância ao estarem combinados a abordagens

investigativas que possibilitaram uma aproximação com valores construídos ao

longo dos tempos e que estão subordinados ao contexto social, cultural e histórico

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em que as pessoas vivem. De certa forma conhecer e determinar estes espaços

possibilita o reconhecimento do outro e de como ele se vê dentro de sua própria

história.

O enfoque narrativo proporcionou uma aproximação com a vida das

pessoas, com seus relatos, diálogos e perspectivas criando cumplicidade e laços

que se tornam parte, quase indissociável, da investigação. Isso permitiu um

reconhecimento de minha subjetividade que foi se combinando e ocupando

diferentes espaços, ora como a “aluna” em um atelier de cerâmica, ora como a

“investigadora” que estava ali observando e tomando notas e em outras

simplesmente como mais uma das participantes que frequentava este espaço, a

filha, a irmã a neta e também a mãe, espaços que ao longo de minha vida fui

ocupando, experimentando, aceitando ou negando, uma junção entre a

“investigadora” e as “investigadas” acabou por evidenciar outro tipo de saber em

que todas nós estivemos implicadas.

Assim, a “narrativa” é também o elemento constitutivo desta tese a qual

vou narrando em primeira pessoa (eu) e no Capítulo III, “Construindo um suporte

para o enredo: Identidades Femininas e Educação Não Formal” proponho um

diálogo em que incluo os autores que auxiliaram na construção teórica desta

investigação (nós). Vou permeando com todo o conhecimento que compilei, que

adquiri e que construí e a estruturo, além desta Introdução que denomino de

Prólogo para uma longa história, com os seguintes capítulos:

Capítulo I – Histórias e Narrativas: a tessitura da investigadora, onde

apresento fragmentos da minha trajetória de vida a fim de elucidar o como se

procedeu a tessitura da minha postura investigativa, bem como a relação

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estabelecida com os conceitos adotados. A articulação entre esses aspectos

resultou na demarcação do olhar sobre o problema a ser investigado.

Capítulo II – Uma história possível: construindo o caminho

investigativo, onde apresento as opções teóricas que fundamentam a

metodologia, o delineamento metodológico da pesquisa, bem como o contexto

investigativo. Também faço uma opção pela metodologia da Investigação

Narrativa, com matizes e nuances da etnografia, onde me coloco como partícipe e

onde todas as participantes atuam como protagonistas da história. Além disso,

minhas narrativas vão aparecendo ao longo do texto ora como um elemento com

maior evidência, ora apenas como recurso a costura dos diferentes aspectos da

investigação.

Capítulo III – Construindo o suporte para o enredo: Idendidades

Femininas e Educação Não Formal, em que apresento um panorama geral

sobre os conceitos de identidade e Identidades Femininas, articulados à

necessidade de compreender o contexto investigado. Versa sobre aspectos da

Educação Não Formal, interligadas e aspectos pontuais que auxiliam na

compreensão do fazer cerâmica, do ensino da arte, das práticas artísticas e da

construção de narrativas, buscando assim traçar uma paisagem pitoresca sobre

esta temática na atualidade.

Capítulo IV - Desvendando os mistérios das histórias, dos diálogos e

fazeres, onde apresento a tematização construída a partir do cruzamento dos

objetivos da investigação, com os materiais coletados ao longo de minha inserção

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no campo, resultando no aprofundamento e nas reflexões interpretativas das

temáticas que se evidenciaram ao longo do tratamento dos materiais.

Capítulo V - Histórias que se cruzam: reflexões sobre Identidades

Femininas, Educação Não Formal e o Ensino da Arte, em que por meio da

narrativa de Isa, a professora, busco refletir sobre os aspectos da constituição da

educadora não formal, e de que maneira as Identidades Femininas atua sobre

estas questões podendo ser articulada com o Ensino da Arte.

Finalizo Em busca de um desfecho: considerações sobre a caminhada

investigativa, em que apresento as reflexões finais sobre o trabalho e as

prospecções, especialmente para a Educação Não Formal e para o Ensino da

Arte, mediados pelos fazeres ou práticas artísticas, no caso a cerâmica, e pelas

reflexões sobre as Identidades Femininas. Saliento também a pertinência de

adotar a Investigação Narrativa para melhor aproximação o contexto investigado.

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CAPÍTULO I

Histórias e narrativas: a tessitura da

investigadora

Uma história é sempre um recorte no tempo/espaço, é sempre o olhar de

alguém que partilha, que conta ou narra, que cria ou inventa um evento, um fato,

um sucesso imaginado, visto, experimentado, vivido por ele ou por outro. Criar e

recriar relatos faz parte de nossa natureza e é uma forma com a qual

experimentamos o mundo, é uma maneira de refletir sobre ele a partir das

experiências. Para contar uma história é necessário ter um ponto de partida, um

momento que seja o marco que defina o começo da caminhada. Assim, tento

definir o início daquilo que quero marcar como minha caminhada rumo ao que sou

hoje, como pessoa e como investigadora, que comporão nesta tese uma grande

narrativa.

Esta tessitura3, formada de partes, fragmentos, estilhaços de memórias e

vivências são partes constituintes daquilo que foi se construindo ao longo de uma

caminhada de vida, de escolhas, de tomadas de decisões, de momentos e

experiências que forjaram determinada forma de olhar, tanto para a vida como

também para esta investigação.

3 A definição de tessitura/tecitura adotada neste texto é no sentido de entrelaçamento de fatos, ideias que

entrelaça espaço/tempo e constitui de maneira intrínseca uma trama que me compõe enquanto investigadora.

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Mas situar os demais sobre os caminhos que escolhi percorrer nem sempre

é uma tarefa fácil, por isso acredito que a melhor maneira é começar por contar

tudo que existe entre o “de onde venho” e “para onde quero ir”.

Os fragmentos de memória vão se tornando histórias e com os retalhos da

vida se vai construindo uma rede que entrelaça o vivido, o experimentado

construindo assim uma grande narrativa feita de palavras, mas que na verdade,

contém uma parte daquilo que sou e também, parte daqueles que passam por

minha vida.

Este Capítulo tem por finalidade apresentar o posicionamento tanto pessoal

como teórico que adotei ao escrever esta tese. Para isso optei por abordar

fragmentos de minha história, de diferentes etapas em minha vida com a

finalidade de refletir como eles repercutiram para a constituição de minha postura

investigativa e de que maneira eles se relacionam aos conceitos adotados.

Com isso, Construindo-me e reconstruindo-me: urdindo as narrativas

de “mim”, refere-se à abordagem da minha trajetória de vida onde entrelaço

aspectos de diferentes esferas de minhas experiências e vivências para

evidenciar ao leitor onde me situo e qual é a posição que assumo ao tratar da

temática. No entanto, esta “história de vida” não pode ser considerada sob o

ponto de vista da complexidade que exige um relato autobiográfico4, uma vez que

são explorados fragmentos de experiências vividas e que, de certo ponto de vista,

permeia e conduz as relações e construções que foram realizadas durante esta

investigação. Este item possui ainda três subdivisões a primeira: Caminhos que

se tramam: a arte e a educação, onde reflito sobre minha formação acadêmica e

4 “El relato autobiográfico permite detectar, identificar, nombrar y contextualizar nuestros modelos,

representaciones, etapas y acciones, una tarea que es necesaria para explorar nuestros posicionamientos

éticos, políticos, sociales y culturales en el terreno de la educación”. (Hernández y Rifà, 2011, p.37).

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minhas vivências profissionais e em como estas experiências repercutiram para

as minhas escolhas até chegar ao curso de doutorado em Barcelona; o segundo:

Trânsitos, andanças e mudanças: desembaraçando as narrativas de um

novo/velho mundo, onde abordo as experiências vividas durante os dois primeiros

anos no curso de doutorado, e como o contato com os professores, colegas e

teorias repercutiram em minha formação; e o terceiro: Resiliências: tecendo novas

narrativas, onde reflito sobre os caminhos que percorri até a escolha do tema para

este trabalho investigativo.

Já, Uma trama sobre a qual nunca pensei: encontrando-me com novos

significados, refere-se a história de como o meu olhar se cruzou com conceitos

principais que formam a coluna vertebral desta pesquisa. A abordagem dos

conceitos de Identidades Femininas, de Educação Não Formal e de narrativas é

somente um anúncio daquilo que será discutido com maior profundidade ao longo

do trabalho. O que procurei fazer neste primeiro momento foi estabelecer uma

demarcação destes conceitos como importante para este trabalho de pesquisa,

relacionando-os primeiramente à posição que o meu olhar e minha voz de

pesquisadora foram encontrando ao longo desta caminhada investigava.

Por último, O tecido que transforma: Um projeto de tese que se

transformou em uma tese, apresento uma retomada do processo de construção

desta investigação refletindo sobre as premissas iniciais apontadas no projeto de

tese e de como estas foram se modificando e se consolidando para o

desenvolvimento efetivo da tese. Também, o acompanhamento da Comisión de

Seguimiento para a evolução nas diferentes etapas de desenvolvimento deste

trabalho investigativo, bem como, as influências e mudanças tanto pessoais como

investigativas que fui sofrendo.

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11.1 Construindo-me e reconstruindo-me: urdindo as

narrativas de “mim”

Utilizando as palavras de Plummer “Narrar la propia vida es um proceso

incesante, fundamentado empíricamente, de construcción de uma verdad

cambiante” (apud Measor e Sikes, 2004, p. 272) e neste processo contínuo de

transformação foi que me vi implicada a refletir sobre as questões centrais deste

estudo, relacionados à minha própria trajetória de vida, a de refletir sobre como os

trânsitos foram interferindo na noção de identidade que eu venho construindo e,

ao mesmo tempo, que se entrelaçam à minha caminhada acadêmica e pessoal.

Como fui construindo minhas perspectivas sobre Identidades Femininas e

como os trânsitos me conduziram até este tema?

Penso que poderia responder de inúmeras maneiras a essa pergunta e

imagino que poderia buscar uma resposta suficientemente satisfatória e que

pudesse saciar essa dúvida. Mas a verdade é que eu não conheço uma única

resposta, conheço múltiplas, várias e que indicam caminhos diferentes, percebo

também, que somos a soma de nossas vivências e experiências que nos vão

deixando marcas ao longo da vida e que nos mudam constantemente.

Com isso, posso considerar que este pensamento encontra apoio nas

colocações de Rosi Braidotti (2004, p. 67) ao defender que “ toda identidad se

construye a través de muchas variables tales como la nacionalidad, el género, la

raza, la clase, la edad, etc., conviene subrayar que un sujeto es también algo más

que la suma de estas variables”.

Até há pouco tempo atrás, nunca havia pensado com mais afinco nas

questões relacionadas à identidade, muito menos, sobre o que para mim

representavam as Identidades Femininas. No entanto, desde a mais tenra idade

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já percebia claramente que essa era uma questão determinante e que definia

muitos aspectos da minha vida, já que sendo a única filha mulher de três irmãos

fui aprendendo que as “regras” não eram as mesmas entre os homens e

mulheres, aquilo que valia para eles não valia para mim. E essa foi uma “regra”

que me acompanhou por um longo caminho, determinou escolhas, ditou

comportamentos e “moldou” uma identidade que assim como um vestido feito de

um tecido já muito gasto, eu usei por algum tempo sem questionar.

Neste sentido, acredito que o contexto social e cultural5 em que somos

criados é um fator fundamental que influencia e até certo ponto pode vir a

determinar nossas perspectivas. Eu vivi minha infância, adolescência e início da

vida adulta em uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul, no sul do

Brasil e um aspecto importante das vivências culturais e sociais deste tempo

passou dentro de um CTG – Centro de Tradições Gaúchas, instituição

regulamentada conforme o MTG - Movimento Tradicionalista Gaúcho6 –

5 O sentido de cultura aqui adotado é o apresentado por Clifford Geertz (1995, p.5) de teias de significados

tecidas pelos seres humanos nas quais eles mesmos se mantêm suspensos. 6 O MTG hoje é o órgão catalisador, disciplinador, orientador das atividades dos seus filiados, especialmente

no que diz respeito ao preconizado em sua Carta de Princípios. É a união das diferentes gerações. É a

entidade associativa, que congrega mais de 1400 Entidades Tradicionalistas, legalmente constituídas,

conhecidas por Centro de Tradições Gaúchas ou outras denominações, que as identifiquem com a finalidade

a que se propõe, que são as “entidades afins”. As Entidades Tradicionalistas filiadas ao MTG estão

distribuídas nas 30 Regiões Tradicionalistas, as quais agrupam os municípios do RS. É um movimento

cívico, cultural e associativo. O MTG é uma sociedade civil sem fins lucrativos, dedica-se à preservação,

resgate e desenvolvimento da cultura gaúcha, por entender que o tradicionalismo é um organismo social de

natureza nativista, cívica, cultural, literária, artística e folclórica, conforme descreve simbolicamente o

Brasão de Armas do MTG, com as sete (7) folhas do broto, que nasce do tronco do passado. Sua

administração constitui-se atualmente por Conselheiros Efetivos e por Conselheiros Suplentes, os quais

compõem o Conselho Diretor, pelas trinta Coordenadorias Regionais e por Conselheiros da Junta Fiscal, sem

qualquer remuneração. Todos dedicam- se graciosamente para que o MTG tenha condições de atingir seus

objetivos, que estão pautados no “Congregar os Centros de Tradições Gaúchas e entidades afins, e preservar

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associação que tem por princípio cultivar as tradições do passado. Dentro do

contexto tradicionalista, homens e mulheres têm seus lugares bem marcados e

seus papéis bem definidos: o gaúcho7 é o patrão, o peão, desbravador, a quem

se destina a vida pública; por sua vez, a mulher é a prenda, a flor, que deve ser

cuidada, que se dedica aos afazeres domésticos, cuidar dos filhos e da

manutenção da família, a quem se destina a vida privada.

Dentro de uma visão histórica sobre a formação da mulher gaúcha este

movimento defende que:

A formação da mulher, desde a mais tenra idade, é direcionada para cuidar dos afazeres domésticos, rezar, enquanto aguarda o casamento com o noivo, que era escolhido pelo pai. A liderança singular da mulher, como mola-mestra do lar, não pode ser anulada e tão pouco esquecida pela sociedade gaúcha, pois sua participação ativa sempre deteve a estrutura da família e da sociedade. Não podemos esquecer, que a mulher sempre trabalhou nas estâncias, assegurando a economia do Rio Grande do Sul, enquanto seu pai, esposo e filho saiu para defender as fronteiras e os ideais rio-grandenses. (MTG, 2013)8

o núcleo da formação gaúcha, cuja filosofia decorrente da sua Carta de Princípios do MTG”. (Disponível em

http://www.mtg.org.br Acessado em 10 de janeiro de 2013). 7 Segundo Nunes (1984, p. 211) gaúcho é a denominação do “habitante do Rio Grande do Sul. Habitante do

interior do Rio Grande, dedicado à vida pastoril e perfeito conhecedor das lides campeiras”. Embora esta

definição esteja relacionada a condições geográficas e a seus afazeres, o termo possui inúmeras definições

que conduzem, de certo modo, para as peculiaridades e riquezas que se configuram através de seus hábitos e

costumes, seu modo de falar, seu vestuário, suas histórias e o seu espírito, elaborados através da

miscigenação racial e cultural, constituindo assim, o que há de mais genuíno no ser humano (Santos, 2005,

p.28). 8 Este fragmento de texto foi retirado do site do MTG que dedica um tópico para refletir sobre o papel da

mulher gaúcha na formação social, cultural e histórica do Rio Grande do Sul. Ao longo do texto, a autora

explica que a formação da mulher gaúcha está diretamente associada ao tipo de sociedade em que esta

mulher foi submetida “A sociedade rio-grandense tem tradição machista, pois é originária de uma oligarquia

militarizada, que demarcou fronteiras, através de lutas e de guerras.” Disponível em:

http://www.mtg.org.br/amulher.html (Acessado em 10 de janeiro de 2013).

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Os aspectos culturais e históricos, de certa forma estão imbricados na

constituição das identidades que carregamos ao longo da vida, e que se não

questionadas, seguirão direcionando e conduzindo os conceitos e perspectivas

que cada um constrói para a sua vida e para a vida em sociedade.

Considero que são muitos os fatores que contribuíram na formação das

minhas identidades, um destes fatores tem relação com uma característica

marcante de cidades pequenas como a de onde eu venho que é a preocupação

constante com “o que os outros vão dizer” e com base nesta inquestionável

validação a vida segue regras determinadas e escritas com a finalidade de

padronizar, de emoldurar todos os comportamentos e atitudes e qualquer um que

sai deste padrão tem sua integridade seriamente comprometida.

Assim, as formas de viver e de fazer as coisas foram se impregnando em

minha maneira de ser e de ver o mundo, e por conta delas que construí conceitos,

ou melhor, pré-conceitos que ditavam como “deveriam” serem as atitudes em se

tratando de homens e mulheres. O cenário que fui construindo sobre as

mulheres, sobre o que era cabível ou não em termos de comportamento, foi

pautado nos comentários das mulheres mais velhas tecidos sobre a conduta de

outras mulheres. Notava que muitas vezes havia um tom pejorativo, até mesmo

carregado de rancor ao “julgar e condenar” aquelas que ousavam serem

diferentes, aquelas que ousavam fazer de suas vidas e com seus corpos aquilo

que bem entendessem e privilegiavam os homens em detrimento às mulheres.

Desta forma, embrenhar-me nos meandros das questões que envolviam

Identidades Femininas não foi tarefa fácil, já que investigar significa travar

confrontos e batalhas que extrapolam os limites teóricos porque, sobretudo,

confrontamos e travamos disputas com nossas próprias convicções. É um campo

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onde se travam embates de todas as ordens, que me fizeram questionar valores,

crenças, hábitos e costumes que eu nem suspeitava estarem regidos pela ordem

do feminino versus masculino, mulheres versus homens e que eu trazia em minha

bagagem.

Por outra parte, um aspecto marcante e presente na formação destas

concepções relacionam-se ao contexto educacional ao qual fui submetida,

também por entender que, profissionalmente o papel da professora cabia à

mulher, talvez porque minhas professoras sempre foram mulheres, ou então, por

ser filha de professora e presenciar a jornada dupla que minha mãe realizava, ao

trabalhar fora e ainda dar conta de boa parte das responsabilidades da casa. De

qualquer forma, tudo parecia estar interligado, como se para a mulher o papel de

educar, ou de ser professora, fosse extensivo à sua condição de ser “mulher”.

Lembro-me muito bem das minhas brincadeiras de criança em que com as

possibilidades que eu contava e que povoavam meu imaginário era ser “mamãe”

de minhas bonecas, de cuidá-las, fazer suas comidas, e arrumar a “casinha” para

brincar ou então ser “professora”, onde eu passava horas e horas ensinando

meus alunos imaginários.

Este repertório foi reforçado por muitas situações, por exemplo, por

vivências, por conflitos que presenciei e até vivi, muito de minha bagagem foi

construída com alicerces feitos de desigualdades, que apontavam as diferenças

como algo negativo, que delimitava lados opostos com direitos e deveres

desiguais. Conceitos velados de ordem étnica, social, econômica, de crenças,

permearam minha trajetória e que de certa maneira ao serem problematizados

durante esta investigação possibilitaram um novo olhar para minha própria

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história, para as minhas raízes produzindo assim uma nova narrativa daqui por

diante.

11.1.1 Caminhos que se tramam: a arte e a educação

Quando ingressei na Universidade Federal de Santa Maria, no Bacharelado

em Artes Visuais9, não levava em conta a possibilidade de um dia tornar-me

9 Ingressei na Universidade Federal de Santa Maria, no curso de Artes Visuais: Desenho e Plástica –

Bacharelado no ano de 1999, oriunda de outra universidade na qual havia cursado por 2 anos o curso de

Arquitetura e Urbanismo. Nesta época a proposta curricular do curso de Artes Visuais passava por uma

reforma, ao ingressar no bacharelado era possível optar por três possibilidades de formações distintas, seguir

no bacharelado com ênfase na formação do “artista”, após o 5º semestre poderia optar pela licenciatura,

ingresso que ocorria mediante seleção interna e que habilitava para a docência ou ainda, realizar ambos e

formar-se bacharel e licenciado, opção que escolhi. A estrutura curricular estava formada por três blocos

sendo eles: Núcleo Comum, o Ensino Orientado e Trabalho de Graduação. “O Núcleo Comum, com uma

carga horária de 840h compreende duas grandes disciplinas: Fundamentos do Desenho e Plástica I e II que

englobam os conteúdos de Apreciação da Arte e da Cultura Popular, Desenho de Observação, Interpretação e

Criação, Cor, Espaço, Volume. Nesta etapa o aluno é informado dos diferentes ateliês oferecidos pelo curso e

tem contato com todos os professores e a metodologia dos mesmos, visando, após este período, a escolha de

um orientador. O Núcleo comum propõe uma metodologia não diretiva com um grande estímulo à criação,

produção e participação. O Ensino Orientado, com uma carga horária mínima de 300 h, compreende a etapa

em que o professor orientador, previamente escolhido pelo aluno, o orienta curricular e esteticamente, na

busca dos conhecimentos e conteúdos através do Ateliê Principal e dos Ateliês de Apoio, que completam e

enriquecem sua formação. O aluno deve cursar, ainda, as seguintes disciplinas: História da Arte I, II, III e IV

(cada uma delas com 45h totalizando 180 h), Desenho Geométrico – Desenho e Plástica (60h) e Geometria

Descritiva e Perspectiva (60h). O Trabalho de Graduação, incentiva a independência do aluno, uma vez

que este desenvolve seu trabalho de forma autônoma. Esta etapa compreende duas disciplinas: Trabalho de

Graduação em Desenho e Plástica I ( 300 h) e Trabalho de Graduação em Desenho e Plástica II (300 h),

totalizando 600h.” (PROGRAD - Pró-Reitoria de Graduação). Com a necessidade de adequação de novas

diretrizes curriculares, no início de 2004 é aprovado um novo Projeto Político Pedagógico aprovado pelo

Conselho Nacional de Educação e ao Projeto Político Pedagógico Institucional. Nesta nova proposta o curso

é denominado Artes Visuais – Bacharelado ou Licenciatura, sendo que o ingresso à licenciatura passa a

ocorrer somente mediante vestibular oferecido uma vez ao ano pela instituição. Projeto Político-Pedagógico

do curso de Artes Visuais – Bacharelado em Desenho e Plástica da Universidade Federal de Santa Maria-RS.

Disponível em:

http://w3.ufsm.br/prograd/cursos/ARTES%20VISUAIS%20%20BACHARELADO/CURRICULO/EST

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professora, somente considerava a experiência artística como uma possibilidade

de experimentar o mundo de uma maneira diferente da que eu conhecia até

aquele momento.

O primeiro ano do curso oportunizou o contato com muitas possibilidades

artísticas e mais do que aprender sobre materiais e técnicas descobri que este

era uma caminho que exigiria dedicação, entrega e, ao contrário do que

imaginava, não eram movidas pela “inspiração” nem pelo “dom” e sim, eram

construídas com pesquisa, com disciplina e que com o tempo passariam a fazer

parte da minha bagagem, se tornavam na verdade, conhecimento.

Entre algumas possibilidades escolhi como atelier principal no Ensino

Orientado o atelier de cerâmica10 para aprofundar-me, decisão que parecia estar

conectada com alguns aspectos de minhas experiências anteriores, já que havia

cursado dois anos e meio do curso de Arquitetura e Urbanismo antes de chegar

ali, e naquele momento, parecia a decisão mais óbvia.

Naquela época, o atelier de cerâmica foi o espaço onde comecei a

construir um repertório mais sólido sobre a arte. Espaço onde fui aprendendo

RUTURA%20CURRICULAR/CONSIDERAcoES%20RELEVANTES.pdf (Acessado em 12 de março de

2013). 10 “Minha história com a cerâmica começou quando eu a escolhi como atelier principal no curso de desenho e

plástica, lembro com perfeição, o primeiro dia no atelier, em que a professora nos ensinou as técnicas (como

uma forma de contato e também uma das partes importantes desta prática, se as pessoas não dominam as

técnicas de construção, o repertório fica limitado, fica escasso, e sempre se pode desenvolver técnicas

próprias, que é o que acontece na maioria dos casos – metodologias da poética) e a primeira sensação que

tive foi angústia diante daquele bloco de possibilidades de uma consistência pouco agradável e de uma frieza

assustadora e que me dominava sem esforço. Com o passar dos anos já não havia dominados e nem

dominantes, tudo era feito em comum acordo, era uma relação feita de diálogo e de muita sutileza. Pouco a

pouco tenho tido estas sensações novamente, de me comunicar com a voz que vive naquele pedaço de

matéria que esconde dentro artefatos perdidos na minha memória, na minha infância e na minha

imaginação.” ( Fragmento do Diário de Campo, maio de 2011).

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tanto sobre as especificidades da linguagem cerâmica e suas exigências, como

também, suas limitações e esta busca, embora fosse pessoal, nunca foi solitária,

pois foi quando entendi a importância que o trabalho em grupo desempenhava.

O espaço do atelier era completamente diferente de tudo que eu havia

vivenciado até aquele momento tanto no sentido educacional como também

pessoal. Éramos um grupo de 10 ou 12 alunas que estavam em diferentes níveis

e etapas de construção de conhecimento, de vivências e experiências, mas

naquele espaço trabalhávamos juntas, aparentemente sem hierarquias ou

segregações. A conduta das novatas, que como eu, havia chegado há pouco, era

a de espreitar, não fazer muito barulho e mais, ir ocupando as lacunas que eram o

acesso para compartilhar saberes e experiências comuns, mediadas pelo “fazer

cerâmica”.

Foi nesta época que descobri o quanto o “fazer cerâmica” poderia ser

exigente, rigoroso e extremamente delicado. A cerâmica é uma linguagem que

requer atenção especial, exigindo cuidado e dedicação em cada uma de suas

etapas. Desde a preparação do barro até a queima final do esmalte ela corre

riscos que ameaçam sua existência.

A cerâmica se revelou como um universo de possibilidades, de

descobertas e de conquistas, já que com um pequeno pedaço de barro entre os

dedos era possível criar e contar histórias11, era possível construir mundos

exteriores e interiores, que tinham voz e falavam com tamanha intensidade tanto

para dentro de mim como para fora, alcançando muitas outras pessoas.

Mas paralelo a isso, ainda bem no início do curso, outro aspecto salientou-

se: a participação em projetos de pesquisa e extensão foi onde pude instigar a 11 Adoto adiante, o termo “fazeres narrativos” como metáfora para explicar o contar histórias através da

cerâmica e de outros fazeres.

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curiosidade e aguçar o olhar para compreender as tramas complexas que

envolvem a nossa formação, que, para mim, foram muito além da sala de aula.

Alguns destes projetos12 foram responsáveis por proporcionar as primeiras

experiências sobre investigar contextos respaldados por conceitos de Educação

Não Formal e Informal de Ensino da Arte.

12 Alguns dos projetos que participei: Tecendo redes de significações: as redes de pesca como referencial

na criação de design têxtil. Projeto realizado durante o curso de Pós-Graduação em Design para Estamparia.

Que originou a monografia de conclusão de curso “Do galpão ao salão: o pala gaúcho como referencial na

criação de design têxtil, que visava a criação de padronagens em tecelagem utilizando como referencial o

pala. Inclusão do olhar: possibilidades no ensino de artes através de diferentes imagens. Este projeto

objetivou um exercício do olhar, assim, site de arte tecnológica, imagem digital, imagem impressa da obra de

arte, obra de arte no plano real, foram utilizadas buscando a averiguação sobre a forma como as pessoas às

percebem e as relações e peculiaridades que cada uma delas proporciona na percepção e ampliação do olhar

dos sujeitos e a sua mobilidade dentro destes diferentes espaços. A roupa como contextualizador social:

uma possibilidade para o Ensino Médio. A presente pesquisa, objetivou identificar a influência que roupa

exerce na identidade do sujeito em seu contexto escolar, e de que forma é possível perceber sua evolução e

conotações relacionando a história da arte e da humanidade. A abordagem utilizada na pesquisa foi

qualitativa e etnográfica onde se procurou conhecer dentro de um contexto de grupo: alunos do Ensino

Médio, inseridos num meio social e que participam de uma modalidade de educação regular. Arte no

Morro: desenvolvimento de atividades artísticas para crianças da Vila Nossa Senhora Aparecida. O

projeto buscou o desenvolvimento sócio-cultural e a criatividade individual de cada criança. Neles as

propostas estão voltadas para a preservação da natureza e do meio ambiente e o uso do mesmo para realizar

propostas. A influência do tropeirismo na arquitetura urbana de Soledade e Passo Fundo. A pesquisa

objetivou apresentar um panorama geral sobre o tropeirismo, salientando as questões construtivas, ou seja, as

influências arquitetônicas que as cidades de Soledade e Passo Fundo sofreram, tendo como ponto importante

para a pesquisa a passagem dos tropeiros, assim como as questões sociais, políticas e culturais destas duas

cidades. Pesquisa experimental de cerâmica utilitária. A pesquisa teve como objetivo situar o que há

muito se introduz no mercado, que é a peça artística/utilitária, sem a responsabilidade de cumprir as

necessidades qualitativas de um produto de consumo industrial. Interferências artísticas no espaço

comunitário como laboratório reflexivo sobre as linguagens contemporâneas. Projeto que visava através

de interferências artísticas no espaço comunitário estabelecer ligações da arte com o cotidiano. Mapeamento

e listagem das obras de artes visuais do Centro de Artes e Letras da UFSM. O objetivo do projeto foi

listar as obras de artes localizadas no Centro de Artes e Letras, identificar a autoria e o estado de

conservação, além de realizar o registro fotográfico das mesmas constituindo assim, um inventário do

patrimônio artístico do CAL. Projeto-evento queima de Raku. Projeto que visa conhecer e divulgar os

procedimentos do processo de queima japonesa-Raku. A influência do tropeirismo na arquitetura urbana

de Soledade e Passo Fundo. A pesquisa objetivou apresentar um panorama geral sobre o tropeirismo,

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Dentre os projetos nos quais me envolvi, um em especial se destacou. Foi

o Projeto “Arte no Morro”, desenvolvido em um bairro da cidade de Santa Maria -

Rio Grande do Sul - Brasil, onde propúnhamos atividades artísticas com crianças

socialmente e economicamente fragilizadas. Foi uma experiência importante

porque despertou minha atenção para contextos pouco explorados e

evidenciados em pesquisas acadêmicas, com um vasto potencial de estudos e de

propostas inovadoras.

Concomitantemente às pesquisas plásticas no bacharelado e aos projetos

de investigação e pesquisa, a partir do 5º semestre iniciei o curso de Licenciatura

em Desenho e Plástica, o que proporcionou o aprofundamento teórico e o

despertar para as questões relacionadas à educação e à arte. Neste

entrelaçamento descobri outras possibilidades, bem como novas motivações, que

criaram tênue limiar entre o ser artista e o ser educadora.

Da mesma forma que as minhas inquietudes eram alimentadas, as

oportunidades seguiam surgindo como alimento. Ao finalizar o curso de

bacharelado e licenciatura em Artes Visuais, dei início a minha vida laboral,

trabalhando como professora de Artes no curso de Educação de Jovens e

Adultos- EJA13, uma etapa de grande aprendizado, de dúvidas, questionamentos

salientando as questões construtivas, ou seja, as influências arquitetônicas qual as cidades de Soledade e

Passo Fundo sofreram, tendo como ponto importante para a pesquisa a passagem dos tropeiros, assim como

as questões sociais, políticas e culturais destas duas cidades. 13 Trabalhei como docente na disciplina de Artes no Colégio Santa Mariense Objetivo de Educação de Jovens

e Adultos, OBJETIVO-EJA, Brasil no período de 2004 à 2006. É importante salientar que o objetivo da

Educação de Jovens e Adultos - EJA no Brasil, não é adaptar o ensino de crianças e jovens ao ensino de

adultos e sim criar uma modalidade educativa que contemple as necessidades dos jovens e adultos. “A

Educação de Jovens e Adultos não significa uma adaptação da educação de crianças e adolescentes da escola

dita "regular". Ao contrário, possui uma história própria, quase sempre relacionada à exclusão e à violência,

além das características peculiares dos seus alunos, o que requer, portanto, metodologia própria e professores

adequadamente preparados” (Santos, 2003, p.71). Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB

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e de confrontos, já que a prática e a teoria desafiam-se mutuamente e

continuamente. Mas a verdade é que o dia a dia em sala de aula possibilitou-me

conhecer outras dimensões para o papel do educador: a de que este caminho é

feito de uma contínua e infindável construção. Concomitante às classes na escola

iniciei o curso de pós-graduação em Design de Superfície14 e no mesmo ano de

2005, fui aprovada como aluna do mestrado15 na linha de Arte e Educação. Neste

período minhas preocupações investigativas se relacionavam diretamente com a

realidade que vivenciava, e girava em torno da formação de professores de Artes

Visuais e a Arte em Mídias Digitais.

Em 2007, ao concluir o Mestrado em Educação16, acreditava que o maior

desafio que encontraria pelo meu caminho seria o de assumir um posto como

professora substituta no departamento de Artes Visuais no curso de Licenciatura

da Universidade Federal de Santa Maria. Para aquele momento o ser professora

era um desejo solidificado entre minhas expectativas, que em partes poderia ser

atribuído à herança materna, já que, como filha de professora, conhecia bem o

(Seção V, Art. 37 e 38) “. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou

continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria” (LDB, p.32-33, 2010). Na maioria

dos casos, a EJA no Brasil é a alternativa para jovens e adultos que viveram/vivem em situação de exclusão

social e de violência e que encontram na EJA a possibilidade de encontrar outros caminhos para saírem da

situação de marginalizados. Conforme comenta, Santos (2003, p.71) as características da EJA no Brasil são

mais desafiadoras especialmente no primeiro segmento onde existe um grande número de analfabetos

compostos por pessoas acima de quatorze anos e que não completaram quatro anos de escolaridade. Além

disso, as novas concepções de Educação de Jovens e Adultos, como as da Declaração de Hamburgo (1997),

caracterizam-na como o espaço do aprender a aprender e do aprender ao longo de toda a vida. 14 Pós-Graduação: Especialização em Design para Estamparia. Universidade Federal de Santa Maria, UFSM,

Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. 2005. 15 Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Santa

Maria, UFSM, Rio Grande do Sul, Brasil, 2007. 16 Santos, Mônica Lóss dos. A compreensão crítica da arte em mídias digitais na formação inicial do

professor de Artes Visuais. Santa Maria: Dissertação de Mestrado em Educação do Programa de Pós-

Graduação em Educação/Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, 2007.

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ofício, mas ao mesmo tempo, o espaço ocupado pela artista e pela investigadora

era cativo e estas facetas coexistiam com certa harmonia.

Fui aprovada no concurso público e assumi a vaga como docente no curso

de Licenciatura em Artes Visuais. Sem dúvida, a oportunidade de trabalhar como

docente universitária foi um desafio inquietante, já que de um momento a outro

deixei de andar pelos corredores como aluna para dar passagem à professora.

Mas definitivamente essa não era a maior mudança que a vida me

reservava, já que a inquietude de perseguir novas perspectivas e dar continuidade

a minha formação me espreitava de longe, me acenava como uma possibilidade

sedutora. Mais ainda: se fosse possível cruzar o oceano e junto a esta

possibilidade vivenciar outra cultura, aprender outro idioma, nutrir-me de novas

experiências e vivências e expandir meus olhares para o mundo.

11.1.2 Trânsitos, andanças e mudanças: desembaraçando as

narrativas de um novo/velho mundo

Movida por inúmeras expectativas que, em setembro de 2007 ingressei no

programa de “Doctorado em Artes Visuales y educación: um enfoque

Construccionista”17, da Universidade de Barcelona, Espanha, e a partir desse

momento uma nova etapa para a minha caminhada passou a ser escrita.

Foi uma grande mudança em todos os aspectos de minha vida e que

necessitou um tempo considerável para encontrar seu sentido, seu eixo e sua

17 Nos primeiros dois anos do doutorado, dediquei-me a realização dos cursos, seminários e demais

atividades que faziam parte do curso, ao finalizar o segundo ano apresentei o DEA (Diploma de Estudios

Avanzados) e posterior a esses dois anos houve a reforma acadêmica em que o curso passou por adaptações

em função das exigências do “Plan Boloña” (Para mais informações sobre a Declaración de Boloña – acessar

http://eees.umh.es/contenidos/Documentos/DeclaracionBolonia.pdf) , mudando seu nome para “Doctorado

en Artes y Educación” e com isso, mudando sua dinâmica.

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sintonia. Assim como minha vida havia se modificado, o interesse em seguir

aprofundando as temáticas tratadas em minha dissertação de mestrado sobre

arte e tecnologia e formação de professores foram sendo amenizadas.

Entre os anos de 2007 a 2008, assisti aos seis cursos que o programa de

doutorado indicava. Neste período o contato com os professores, com colegas de

diferentes partes do mundo, textos complexos e repletos de idiossincrasias, foram

me proporcionando diferentes pontos de vista, como se fossem peças de um

quebra cabeças que em algum momento teriam que ser unidas, que tinham

sentido na sua individualidade, mas que, ao mesmo tempo estavam ali com a

finalidade de fazer parte de um todo.

Mas querendo ou não, viver em um país que não era o meu, com as

inúmeras restrições burocráticas por ser estudante, sem bolsa de estudos e sem

possibilidade de consegui-la, sem perspectivas de trabalhar na minha área de

formação levou-me a caminhos complementares para poder seguir estudando,

assim combinava as horas de estudos e de classes com trabalhos em horários

alternativos, executando funções que em nada se aproximavam das minhas

experiências acadêmicas, como ser atendente em lojas durante os finais de

semana, atendente na biblioteca da universidade ou então, entregando panfletos

no metrô de Barcelona, trabalhos que me permitiram vivenciar outra esfera de

viver fora do meu país de origem e que me possibilitaram sentir e experimentar

uma relação com inúmeras questões que antes não faziam parte do meu

cotidiano.

Por outro lado, a dificuldade com a língua se tornou um fator que de certo

ponto era excludente, sentia insegurança ao expressar-me em espanhol e total

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desconhecimento do catalão18. Foi ao sentir na pele como a nacionalidade, o

gênero, a cultura, a língua, são fatores que podem ser determinantes para o

sentimento de não pertencimento, e muitas vezes, até “marginalizadores”.

Não foram tempos fáceis, já que me faziam duvidar se seria capaz de

superá-los. Mas contrariando todas as grandes possibilidades de fracassar no

meio do caminho, em 2009 novos ventos, por fim, sopravam a meu favor, minha

vida começava a organizar-se tanto no sentindo pessoal como também na vida de

estudante. Matriculei-me nos dois seminários indicados pelo programa de

doutorado e que me proporcionaram novo alento e foram fundamentais para que

eu continuasse com meus estudos.

18 El 93,8% de los ciudadanos de Cataluña entiende el catalán, lengua oficial junto con el castellano y el

occitano. A estos casi siete millones de personas que lo entienden deben sumársele los naturales de otros

territorios donde la lengua es de uso habitual, en especial en la Comunidad Valenciana (donde recibe el

nombre de valenciano), en las Islas Baleares y en una parte de Aragón, la Franja de Ponent. En Andorra es la

única lengua oficial y su uso también está extendido en el sur de Francia y en la ciudad de L'Alguer, en la isla

de Cerdeña. Así, se calcula que hay un total de nueve millones de personas que la hablan y 11 millones que la

entienden. Ello la sitúa por delante de otras 14 lenguas oficiales de la Unión Europea y como la novena

lengua con más hablantes. El catalán es la lengua vehicular en la escuela y su uso se está normalizando en

los medios de comunicación, el mundo económico y las producciones culturales. Una encuesta del año 2007

del Instituto de Estadística de Cataluña señala que tres de cada cuatro residentes en Cataluña saben hablar y

escribir en catalán. En cuanto al castellano, prácticamente la totalidad de los ciudadanos lo entienden (98,9%)

y lo hablan (96,4%). El catalán se formó entre los siglos VIII y X como una evolución del latín, al igual que

el castellano, el francés, el italiano y el resto de lenguas románicas. Cada año se editan 10.000 títulos en

catalán; este idioma es el décimo más traducido del mundo y se enseña en 166 universidades. (Disponível em

http://www.gencat.cat/catalunya/cas/coneixer-llengua.htm acessado em 10 de janeiro de 2013).

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11.1.3 Resiliências19: tecendo novas narrativas

Em meio a tantos desassossegos iniciei o segundo ano do doutorado com

grandes expectativas, já que cursaria dois seminários com propostas

extremamente instigantes.

O primeiro seminário, ministrado pelo professor Fernando Hernández,

Investigación Narrativa y Pedagagia Internacional: el lugar de lós trânsitos em la

construcción de posicionalidades identitarias y subjetivas, tratava sobre a

Investigação Narrativa. A aproximação a esta perspectiva investigativa teve um

forte impacto sobre mim e para o significado de investigar que eu possuía até

aquele momento. As leituras e discussões de textos proporcionaram uma base

inicial para começar a refletir sobre o que significaria investigar a partir de uma

perspectiva narrativa, um verdadeiro divisor de águas.

O segundo seminário ministrado pela professora Carla Padró, Les cultures

de les institucions educatives no-formals en educació de les arts visuals: museus i

institucions culturals, tinha como proposta a realização de uma investigação

narrativa colaborativa.

A proposta construída durante o seminário era a de realizarmos uma

investigação narrativa sobre as perspectivas, vivências e inquietudes que outras

mulheres possuíam sobre os museus de arte. Neste seminário, éramos um grupo

pequeno que se reunia semanalmente e logo no início decidimos que

19 Este termo é utilizado como analogia ao conceito de resiliência originado no campo da epistemologia

social e da psicologia. Segundo Aldo Melillo (2005) busca entender como pessoas expostas a situações de

risco social tem a capacidade de superar as dificuldades e de se autoreconstruir. “O conceito de resiliência foi

a descoberta de E. E. Werner ocorrida durante um prolongado estudo de epistemologia social realizado na

Ilha de kawai - (Hawai) que acompanhou por um longo tempo pessoas que viviam em situação de stresse

social, alcoolismo etc. e que apesar de viverem em situação de risco tiveram capacidade de superação de suas

adversidades e sair fortalecidos dela”. (Melillo, p.11, 2005).

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compartilharíamos essa experiência com mulheres próximas a nós, como nossas

mães, tias e amigas.

Outra importante decisão foi que desenvolveríamos uma investigação

colaborativa20 entre nós – o grupo de quatro colegas – e nossas investigadas e

que a apresentaríamos para a obtenção do DEA (Diploma de Estudios

Avanzados).

Os meses que antecederam ao DEA nos exigiram uma carga intensa de

produção intelectual, leituras, discussões e reflexões para conseguirmos transitar

pelos temas que estávamos discutindo: Investigação Narrativa, os museus e as

questões envolvendo gênero e a abordagem feminista.

O dia em que apresentamos nossa investigação foi especialmente

gratificante foi quando concretizamos o esforço e a dedicação empregados

durante os últimos meses, elaborando e levando a cabo nosso projeto. Por fim

havíamos construído e realizado um trabalho repleto de singelezas e

sensibilidades, construído a partir das nossas relações de grupo, do apoio mútuo

e da compreensão.

Ao concluir esta investigação, sabia que era momento de direcionar o olhar

para o desenvolvimento do projeto de tese. Algumas das questões que foram

tangenciadas e tratadas durante esta experiência haviam despertado meu

20 Esta investigação “Correo certificado com acuse de recibo”. Investigación Narrativa: cartas, mujeres y

museos, foi realizada por Ana Abascal Vila, Maria José Juan Colás, Norma Alzate Rincón, Mônica Lóss dos

Santos e sob a orientação de Carla Padró em que realizamos uma investigação colaborativa em que

designamos dois momentos quanto ao grau de colaboração “identificamos dos niveles de colaboración, el

primero lo establecemos por medio de las cartas con el fin de obtener datos, el segundo plano, colaborativa

entre nosotras, en nuestro proceso de aprendizaje en el curso de doctorado y posteriormente en la elaboración

del DEA y su escritura colectiva”.

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interesse e motivavam-me a pensar em seus deslocamentos para o

desenvolvimento da tese.

As experiências que compartilhamos entre mulheres, durante a realização

de nosso projeto colaborativo, tanto entre o grupo de doutorado, como com

nossas colaboradoras proporcionaram um novo entendimento sobre a importância

de realizar uma investigação, também despertaram meu interesse para as

questões de gênero, sobretudo a construção das Identidades Femininas em

espaços de Educação Não Formais.

Estas reflexões ganharam maior relevância à medida que passei a

considerar a minha própria identidade21 como um elemento que foi se

transformando, que era instável e, ao contrário daquilo que um dia eu ousei a

acreditar, não estava acabada. As experiências e vivências condicionavam-na

como um elemento móvel e que continuamente estava se ajustando e se

adaptando às transições e mudanças que surgiam em minha caminhada.

Assim, deparei-me quase por acaso com o Atelier de Cerâmica do Centro

Cívico do meu bairro, em Barcelona. O ato de fazer cerâmica, que se apresentava

como um velho conhecido foi o motivo para a minha chegada ao espaço. Com o

tempo o meu interesse por fazer cerâmica foi diminuindo em detrimento ao ato de

observar e conhecer realmente de que maneira aquele espaço podia possibilitar o

surgimento de reflexões sobre as Identidades Femininas daquelas mulheres.

Meu impulso inicial era poder fazer cerâmica e essa foi a razão para eu

estar ali. Mas com o tempo, a convivência, as conversas, as trocas e o

21 Em primeiro lugar, a identidade não é uma essência; não é um dado ou um fato – nem da natureza, nem da

cultura. A identidade não é fixa, estável, coerente, unificada ou permanente. Também não há uma

homogeneidade da identidade. Desse modo, ela não é definitiva, acabada, idêntica, nem transcendental. De

qualquer forma, é possível asseverar que a identidade é uma produção, um efeito, um processo de construção,

um elemento relacional e uma performance. (Silva, 2000, p. 73)

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compartilhamento de saberes foram os responsáveis pela minha permanência e

para a mudança do meu objetivo de estar ali.

Dessa forma, as questões referentes às Identidades Femininas passaram a

aguçar meu olhar investigativo, o mesmo também acontecendo com o campo da

Educação Não Formal, já que minhas experiências com o ensino e a docência

estiveram predominantemente atreladas às práticas formais de ensino, este era

um conceito relativamente novo e pouco explorado por mim.

Assim, pensar de que forma os espaços de Educação Não Formais de arte

ou de desenvolvimento de práticas artísticas possibilitam a reflexão sobre as

Identidades Femininas tornou-se o foco de interesse para o desenvolvimento do

projeto de tese.

1.2 Uma trama sobre a qual nunca pensei: encontrando-me

com novos significados

Ao aventurar-me pelos meandros dos temas centrais desta investigação,

que trata de abordar as narrativas em torno as Identidades Femininas em um

contexto de Educação Não Formal, não imaginava o cenário complexo e

extremamente movediço com o qual me depararia. Já, logo no desenvolvimento

do projeto, fui sentindo necessidade de construir um caminho sólido, mas ao

mesmo tempo, que possuísse flexibilidade, permitindo-me assim, transitar entre

as matizes e pequenas nuances que a investigação apresentasse.

Para isso, fui aproximando-me dos conceitos gerais para poder aceder até

aos conceitos do eixo investigativo. Considero que o processo de aprender a lidar

e a mover-me por entre os conceitos aqui trabalhados foram sendo desvelados à

medida que fui avançando com a investigação. No momento em que o projeto

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passou a ser escrito os meus conhecimentos sobre a temática eram restritos e

pautados basicamente em um “contexto” idealizado por mim. Posteriormente foi

sendo redimensionado e se ajustando à realidade investigada durante o período

da coleta dos materiais. Enquanto fui vivendo e convivendo no atelier com as

mulheres, fui reconhecendo outros detalhes para o aprofundamento dos temas, e

para isso, foi necessário revisitar os conceitos para assim, construir uma trama

capaz de suportar todas as fases desta experiência.

Assim, a preocupação na constituição do suporte teórico foi não a de

construir um compêndio de informações, e sim, a de abordar pontos que foram se

mostrando importantes para a compreensão do contexto estudado e para a

temática desta investigação. Justamente por isso que este tópico se dedica a

iniciar o diálogo, que mais tarde será aprofundado, entre a teoria, os conceitos

abordados e o contexto.

Dentro da concepção que construí ao longo de minha trajetória, um atelier

de cerâmica se caracterizaria como um espaço de construção de subjetividade,

de práticas artísticas e de formação de conhecimento em arte, mas também de

vivências sociais.

Relacionar a Educação Não Formal e cerâmica foi consequência do fato de

identificar neste espaço características específicas pertencentes a esta

modalidade educativa, como por exemplo, a flexibilidade das estruturas e da

organização do trabalho. Por sua vez, a Educação Não Formal é um campo que

se ajusta a situação em que o aprender e o saber se estabelecem por outras vias,

um caminho que entrelaça o conhecimento, mas que deixa espaço para que as

perspectivas individuais floresçam e articulem-se de maneira maleável à realidade

de cada pessoa.

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A relação que estabeleço entre a Educação Não Formal e a cerâmica,

possui ainda outro vértice, que é a possibilidade de desencadear a discussão

sobre uma série de questões que pertencem ao cotidiano e que muitas vezes

estão à margem dos debates acadêmicos. Questionar que tipo de narrativas e

reflexões sobre Identidades Femininas podem emergir em um contexto de um

atelier de cerâmica frequentado por mulheres, nada mais é que a tentativa de

aproximar-me da perspectiva daquelas mulheres que nunca tiveram suas vozes

ouvidas e que muitas vezes permanecem reclusas em seus cotidianos, atreladas

a um universo criado para elas e não por elas.

Quando cheguei a Barcelona, em 2007, com a ansiedade de quem vai

iniciar um doutorado, trouxe na bagagem a vontade de realizar o almejado curso e

o sonho de desfrutar da riqueza artística e cultural daquilo que povoava o meu

imaginário e que eu conhecia somente através de livros e fotografias. Dentre

tantas obras para ver e conhecer sentia grande curiosidade em visitar o Parque

Güell e de aproximar-me da obra de Gaudí. A visita impactou-me de tal modo por

ter comprovado que de fragmentos, cacos e pedaços é possível construir beleza,

delicadeza e arte.

Depois de um tempo vivendo, trabalhando e estudando em Barcelona

assisti ao filme “Colcha de retalhos22”, que é a história de um grupo de mulheres

maduras, que têm a feitura da colcha de retalhos como mediadora para as suas

relações sociais, emoções e sentimentos, que vão sendo narrados por meio de

histórias, símbolos e desenhos que elas vão bordando coletivamente na colcha de

“memórias”.

22 Título original: How to make an american quilt, Jocelyn Moohouse, EUA, 1995.

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O filme utilizava a colcha como pretexto para as suas memórias e hoje

posso fazer uma analogia com a obra de Gaudí: utilizar fragmentos para produzir

beleza e conhecimento. Também o trabalho em cerâmica realizado pelas

mulheres no atelier do Centro Cívico, não era o foco principal a ser observado, já

que ele funcionava como um agente mediador construindo um mosaico de

narrativas, histórias e relatos que emergiam naturalmente.

Sob esta condição, o trabalho com a cerâmica foi sendo lateralizado, mas

não esquecido, já que foi atuando como um antagonista importante, dando vazão

a outros processos pertinentes nas relações construídas, com isso, dois pontos

importantes passaram a receber atenção: as questões envolvendo o

público/privado e a visibilidade/invisibilidade que as ações realizadas naquele

espaço poderiam revelar.

Passei a dar-me conta de uma relação muito mais profunda entre a vida

privada destas mulheres e o atelier de cerâmica como vida pública, ou espaços

de invisibilidade versus espaços de visibilidade.

Fui percebendo que ir ao atelier, significava uma prática social importante

para cada uma das mulheres, era um espaço de falar sobre suas perspectivas,

compartilhar ideias, trocar opiniões, de ouvir e ser ouvida, e o “fazer cerâmica”

sempre se mostrou como um elemento importante, mas muitas vezes duvidava

que ele fosse o real sentido para cada uma daquelas mulheres estarem ali.

Assim como no filme, “Colcha de retalhos”, as narrativas criadas e

compartilhadas pelas mulheres do atelier, foram na verdade, as responsáveis por

realizar as costuras, criar os laços, juntar os pedaços construindo um mosaico

inconfundível, onde a mulher busca construir outros espaços onde suas vozes

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sejam ouvidas fugindo dos papéis que ao longo de suas vidas foram sendo

determinados.

11.3 O tecido que transforma: um projeto de tese que se

transformou em uma tese

Desde a construção do projeto em 2010 até o momento em que realmente

me debrucei na escritura da tese, foi uma caminhada longa, feita de muita

ponderação e reflexão sobre quais caminhos deveria percorrer. Muitas mudanças

ocorreram e o projeto de tese teve muitas vezes seus rumos alterados e eu, por

consequência, fui me adaptando e transformando meu olhar sobre o que eu

estava me propondo investigar.

Olhando para trás, até tem sua graça, pois lembro perfeitamente da

confecção do projeto, quando as perguntas centrais da investigação buscava

contemplar questões abrangentes e generalistas. As principais questões que

norteavam a pesquisa eram: O que é ser mulher? Como as práticas cotidianas

influenciam em sua identidade e no sentido de ser mulher? Como elas percebem

que o espaço do atelier de cerâmica, um espaço de Educação Não Formal

influencia ou influenciou em sua “Identidade Feminina”? Como elas identificam o

sentido de ser mulher, relacionado ao contexto social e cultural nos quais elas

estão inseridas? Como se estabelecem as relações de ensino-aprendizagem em

um espaço de ensino não formal?

Ao avaliar estas questões que propus inicialmente fui percebendo como

ainda cultivava muitas ideias pré-concebidas (ou pré-vividas) sobre qual seria o

significado de mulher, como se fosse possível utilizar uma única definição e com

ela englobar todas as mulheres e por consequência conhecer “uma identidade”.

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Mas considerando que por algum tempo esta havia sido a perspectiva que me

haviam ensinado, de que existe uma segregação que nos diferencia e nos

enquadra em papéis já determinados (pelos homens e pelas mulheres) e que

provinha de um contexto onde isso era amplamente difundido e praticado, esta

pergunta tinha toda a sua coerência.

Realmente, o processo de investigar pode ser transformador e, neste

sentido, como ponto de apoio importante durante a realização desta pesquisa,

foram às contribuições da Comisión de Seguimiento, que acompanhava o avanço

do trabalho realizado por meio dos relatórios anuais que situavam em qual fase a

investigação estava.

Da etapa do projeto até chegar ao momento de escrever a tese muitos

pontos foram reconsiderados, fazendo parte da escritura da tese e deste modo,

se tornaram parte importante deste processo.

Ao mesmo tempo em que reconstruía o projeto de tese, eu também ia me

reconstruindo, com novos olhares e redimensionamentos conceituais e

metodológicos, constituindo uma tessitura interior e do processo de investigação e

de escrita.

No primeiro relatório em junho de 2011, procurei apresentar uma visão

geral da investigação, assinalando muito mais minhas dúvidas e incertezas do

que os pontos que tinha clareza e isso refletia exatamente o momento em que

encontrava. Por estar no meio da coleta de materiais, realizando novas leituras e

tentando dar conta dos diferentes níveis da investigação, sentia a necessidade de

marcar e definir a rota e os caminhos que eu estava percorrendo, deixando o

texto apresentado o mais explícito e organizado possível. (Ver anexo II e III)

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As considerações realizadas pela Comisión de Seguimiento – 2011

fizeram-me pensar em muitos pontos importantes que possibilitaram dar novos

direcionamentos para a investigação. Um dos pontos indicados tratava da

flexibilidade que a investigação poderia adquirir quanto às diferentes etapas da

pesquisa. Ou seja, a temática poderia ganhar mais complexidade se tratada com

essa flexibilidade.

Neste sentido, acredito que a realização das observações no campo, a

efetivação das entrevistas e sua transcrição, concomitantemente com as leituras e

a escrita do marco teórico e da melhor definição da metodologia, auxiliaram a

problematizar a temática a partir de um posicionamento mais claro. Houve uma

reorganização das partes, descompactando e aprofundando as questões do

referencial teórico que antes estavam estruturados em três grandes blocos: um

sobre Identidades Femininas; outro sobre Educação Não Formal; e um terceiro

que evidenciava a experiência.

Os dois primeiros eixos mantiveram-se e foram sendo consolidados a partir

do processo de coleta dos materiais e do aprofundamento teórico. Por exemplo,

as relações que eu havia estabelecido sobre as Identidades Femininas ganharam

matizes mais específicas dentro da história das mulheres na Espanha, uma vez

que a maioria das investigadas vivenciou as consequências dos processos

políticos e sociais da Espanha do Século XX. Esse é apenas um aspecto, entre

outros, que adquiriu uma maior complexidade e um maior imbricamento com o

contexto estudado.

O terceiro eixo centrava-se na questão da experiência como o foco

principal e abarcava as narrativas (orais e visuais produzidas pelas mulheres).

Houve uma inversão nas posições em que as questões relativas à experiência

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tornaram-se apenas um aspecto a ser explorado dentro das narrativas. Assim, as

narrativas tanto como metodologia, mas também, como fenômeno estudado

adquiriu maior representatividade, dando um novo fôlego ao processo de escrita

da tese.

Outro ponto evidenciado pela Comisión de Seguimiento – 2011, referia-se

à maneira de focalizar os objetivos investigativos. Devido a uma visão pouco

amadurecida sobre o tema, desenvolvi um “pré-conceito” que dava por entendido

que havia uma “Identidade Feminina” definida e pré-determinada e que a

participação das mulheres neste espaço faria com que isso se reforçasse e se

evidenciasse. Essa concepção norteou por algum tempo a investigação tornando-

a engessada em uma “suposta verdade”.

Ter este aspecto questionado possibilitou rever a maneira fechada com a

qual eu estava abordando este conceito e até mesmo, um pouco preconceituosa,

já que esta ideia construía um muro que compartimentava e direcionava a

pesquisa sem nem ao menos considerar outras possibilidades de

problematização. Refletir sobre este posicionamento foi de fundamental

importância para alertar-me para este tipo de concepção que comprime e impede

uma visão crítica e reflexiva na hora de investigar.

A abordagem do conceito de Identidade passou então a ser explorada a

partir de uma perspectiva cultural, por acreditar que os discursos produzidos, as

narrativas e relatos constituem-se como elementos significativos para o seu

entendimento, estando relacionados com o contexto investigado. O entendimento

deste conceito, por sua vez, é constituído por significados relacionados aos

processos de identificação que concebe a identidade como uma areia movediça

que está constantemente se movendo.

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A partir desta perspectiva, ao invés de considerar o atelier como um lugar

de fortalecimento da “Identidade Feminina”, ou onde esta se manifestasse,

passou a ser um lugar onde poderia ocorrer um desprendimento das amarras

impostas pela “dita” identificação com o feminino (amarras estas por mim pré-

concebidas, ou impostas pela sociedade), tornando-se interessante justamente

por proporcionar uma antítese daquilo que a própria “Identidade Feminina”

significaria para o contexto investigado e para as mulheres.

Neste sentido também, um aspecto que modificou minha relação com o

conceito de Identidade, foi o fato de perceber que não havia somente uma

“Identidade Feminina” e sim, Identidades Femininas, que são construídas a partir

das subjetividades e do entrelaçamento de aspectos culturais sociais e históricos.

Com isso, passei a referir-me (ao longo do texto) as “Identidades Femininas” no

plural, buscando contemplar a multiplicidade de sentidos e significados que este

termo abarca.

Sob esta mesma perspectiva, o conceito de Educação Não Formal teve

também suas arestas aparadas ajustando-se de forma mais coerente ao contexto

investigado. Passei a considerar que os fazeres ou práticas artísticas definiriam o

trabalho realizado no atelier de cerâmica, porque em nenhum momento, o objetivo

deste trabalho se concentra em avaliar ou aferir valor para o que elas produziam

em cerâmica, e sim, considerar os fazeres como um aspecto que mediava os

fazer(se)es. Desta forma, eles foram incluídos dentro da modalidade de Educação

Não Formal.

Operacionalmente, para esta investigação, a Educação Não Formal foi

entendida a partir de seu conceito mais básico, que é a questão da flexibilidade

em sua estrutura e organização em espaços não institucionalizados, no caso, um

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atelier de cerâmica em um Centro Cívico na cidade de Barcelona, na sua

estrutura mais difusa, menos hierarquizada e menos burocratizada, sem um

sistema sequencial de “progressão”, respeitando o ritmo e o tempo de cada

participante.

Além disso, o conceito de Educação Não Formal relaciona-se muito ao

contexto cultural e social em que ocorre e uma de suas características é a

flexibilidade ao adaptar-se a esses contextos. Na maioria das vezes, desvincula-

se dos contextos escolares, mas em geral, procura mudar a realidade social,

econômica e cultural das pessoas e das comunidades onde se insere.

No plano metodológico, a Investigação Narrativa é um enfoque que se

diferencia dos modos tradicionais de analisar e descrever experiências e

vivências através de relatos. Ela designa uma maneira em que se pode construir

e reconstruir a experiência investigativa mediante um processo reflexivo no qual o

investigador, narrativamente, busca contar a história sobre as vidas relatadas.

Tendo em vista as características que a abordagem narrativa possui como

fenômeno investigado - ao relato oral ou escritos das participantes - e, também,

como método - os modos de recordar, construir e analisar os fenômenos

narrativos procurei construir uma estreita relação na dinâmica entre

“investigadora” e “investigadas”, o que possibilitou uma interação focalizada no

contexto e na realidade em que os relatos e narrativas foram produzidos.

Outra consideração da Comisión de Seguimiento – 2011 centrou-se na

construção e na organização da investigação exposta no cronograma. Como

explicado anteriormente, na tentativa de apresentar o processo investigativo de

maneira organizada e estruturada, o cronograma dava a ideia de que a

investigação estava separada em blocos rígidos e compartimentados. Na

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realidade, a etapa em que me encontrava era justamente contrária ao do

explicitado no cronograma, pois estava realizando simultaneamente as

observações, registrando-as no Diário de Campo, realizando leituras e o

aprofundamento teórico e, ao mesmo tempo, escrevendo alguns capítulos da

tese, como por exemplo, o capítulo da metodologia.

Frente às diferentes tarefas que eu estava desenvolvendo, sentia a

necessidade de organizar e estruturar os passos da investigação através do

cronograma para que ficasse claro para o leitor, no caso, a Comisión de

Seguimiento - 2011, qual etapa do processo investigativo eu me encontrava e por

isso, este acabou ficando compartimentado e pouco flexível. Acredito que um

cronograma investigativo que auxilie e colabore na estruturação e no progresso

em uma pesquisa, deva ter coerência e também deva estar em diálogo com as

diferentes etapas que vivemos. Por isto, no informe de 2012, o cronograma não

mereceu especial atenção, pois, embora tivesse um planejamento das etapas que

iria realizar, bem como para o término de escrita da tese, existiam outras

questões a serem resolvidas de imediato.

Acredito que as contribuições realizadas pela Comisión de Seguimiento –

2011 foram muito importantes para a continuidade do trabalho, contribuindo para

um redirecionamento, tantos dos objetivos, como também para um melhor

enfoque dos conceitos centrais desta investigação. Mas entre os pontos de maior

relevância e contribuição foi a respeito da postura investigativa que eu estava

adotando, ao problematizar de forma fechada e engessada as questões da

pesquisa relativas às identidades, às narrativas e a educação.

A construção desta tese situou-se em uma etapa delicada em que sua

escrita cobrava espaço, tempo de dedicação, disciplina e exclusividade. No

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entanto, a corrente da vida e os múltiplos papéis que desempenho também

cobravam a sua parte.

Conciliei um momento importante da minha vida pessoal que exigia

atenção especial, uma vez que gestava uma nova vida e, ao mesmo tempo,

dedicava atenção a este projeto (também de vida), que foi a escrita da tese para a

conclusão do doutorado. De certa maneira, outra forma de gestar.

Também devido a mudanças profissionais, fiz o caminho de volta, o retorno

ao meu país de origem, o Brasil, e este fato acabou tornando este momento ainda

mais delicado, no qual tive que dar conta do vivido relativo à investigação e, ao

mesmo tempo, enfrentar todos os novos desafios que não deixaram de influenciar

o processo de escrita.

Neste período, construí o informe 2012 e encaminhei-o a Comisión de

Seguimiento que contribuiu significativamente impulsionando e motivando o

processo de escritura deste trabalho.

Dentre os apontamentos da Comisión de Seguimiento – 2012, que

considero de suma importância, foi a recomendação para observar atentamente

a posição que a narrativa poderia ocupar nesta investigação. Isto resultou na

constituição de dois conceitos incorporados ao analisar as evidências, pois esta

sugestão deu margem para observar as questões narrativas não tão

proeminentes, mas que possuíam igual valor e força. Com isso, surgiram “os

fazeres narrativos” e as “posturas narrativas reveladoras”, dois aspectos que

foram percebidos nas entrelinhas e nas lacunas dos não ditos, das reticências,

dos jeitos de fazer que, muitas vezes, poderiam passar despercebidos, mas que,

na verdade, revelaram tanto ou mais do que as narrativas enunciadas e explícitas.

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Outro ponto relevante sugerido pela Comisión de Seguimiento – 2012 foi

para a necessidade de considerar a posição que as participantes ocupariam na

investigação, observando a natureza de sua colaboração/participação em relação

a mim, enquanto investigadora.

O sentido que o termo participante adquiriu estabeleceu inicialmente

relação com a questão de participar do atelier, e isso também se relacionava com

a minha posição, de participante, tanto do atelier como na investigação. Mas por

outro lado, o sentido de participante se consolidou à medida que se relaciona

diretamente ao termo colaborador. Entendo que os dois termos indicam uma

postura ativa, capaz de interferir nos rumos e caminhos da pesquisa e por isso, as

mulheres foram consideradas tanto participantes como também colaboradoras.

Mas também saliento que as relações estabelecidas e construídas ao longo

da investigação, de certa forma ultrapassam as fronteiras desta pesquisa já que

se conectam com o pessoal ao estabelecer vínculos de afetos e amizades.

Por outro lado, tenho que tecer algumas considerações sobre a minha volta

ao Brasil. Embora tenha retornado ao meu país, suas dimensões continentais e

sua multiplicidade cultural retardaram o “sentir-me em casa”, uma vez que fui para

um espaço diverso do vivido aqui e diverso do vivido em Barcelona, desafiando-

me e dificultando o reinserir-me como cidadã brasileira. Em meio a isto, outro

desafio se apresentou, propiciando-me outro olhar para as questões das

Identidades Femininas, que foi o fato de tornar-me mãe23.

23 Neste sentido, o texto Exemplifying collaborative autoethnographic practice via shared stories of

mothering., de Geist-Martin, P., Gates, L., Wiering, L., Kirby, E., Houston, R., Lilly, A., & Moreno, J.

recomendado pela Comisión de Seguimiento – 2012, aportou considerações significativas auxiliando-me a

refletir sobre a maternidade e os conhecimentos que podem ser explorados a partir das práticas

autoetnográficas colaborativas tais como as apresentadas neste texto por este grupo de mulheres. Neste

sentido, cabe considerar que embora o tema maternidade não tenha sido explorado e nem abordado

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Criar meu bebê e, ao mesmo tempo, escrever a tese foi uma experiência

rica e conflituosa, pois ao mesmo tempo em que refletia, questionava, criticava,

analisava a constituição das Identidades Femininas, experimentava novas

construções na minha própria identidade.

diretamente na tese, é inegável o seu imbricamento com todo o processo de transformação vivenciado ao

longo da escritura da tese e consequentemente com a construção de outra esfera das minhas Identidades

Femininas.

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CAPÍTULO II

Uma história possível: construindo o caminho

investigativo

Os rumos de uma investigação são compostos de inúmeros elementos que

compõe esta grande história. Cada um deles vai se constituindo e adquirindo vida,

expressando ideias com o desafio de transformar elementos hipotéticos, em

caminhos possíveis de serem percorridos. Delimitar objetivos, definir marco

epistemológico, organizar e aplicar instrumentos são ações que, mesmo

impregnadas de narrativas, requerem rigor, disciplina e clareza.

Neste capítulo trato do corpo investigativo, dos percursos e caminhos para

a sua tessitura e da consolidação e execução dessa caminhada.

2.1 Definindo os rumos para a história: objetivos da

investigação

Lembro-me que após a apresentação do DEA em julho de 2009, devido a

grande carga de energia, tempo e produção que a investigação que realizamos

exigiu, precisei afastar-me da escrita e dedicar-me a outros projetos, iniciar novos

ciclos e com isso, o projeto de tese foi ficando em segundo plano. O tempo foi

passando e em meus pensamentos o projeto de tese precisava ser gestado, mas

por onde iniciar? Tinha muitas ideias sobre o que investigar, mas nada que se

concretizasse, nada que realmente despertasse minha atenção e este sentimento

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levava-me ao encontro de outra indagação fundamental: Porque escrever uma

tese?

Foi por esta pergunta que reiniciei meu processo de escrita, uma pergunta

que eu não esperava responder, que eu não esperava ver se transformar em meu

tema de tese. Naquele momento eu necessitava colocar as cartas na mesa,

precisava saber se realmente eu estaria disposta a aceitar aquela empreitada, ou

se aquele era o ponto final, se a viagem a Barcelona para realizar o doutorado

acabava por ali. Era uma pergunta que mais do que ser respondida ela precisava

ser feita.

O texto “Porque escrever uma tese?” tomou-me um bocado de tempo para

ser escrito, lembro-me que passei dias escrevendo-o, refletindo sobre essa

pergunta tão inquietante, que parece simples de ser contemplada, mas que em

suas entrelinhas reserva espaço para um mundo de possibilidades, para um

universo de contradições. Ironicamente, quando finalmente eu encontrei meu

tema de tese e iniciei a toda pressa a elaboração do projeto, não consegui

encaixar o texto em nenhuma parte. Pensei, na época, que havia sido um

desperdício de tempo haver me dedicado tanto para aquele texto que no fim das

contas não encaixava em lugar algum.

Inicialmente, o projeto tinha como premissa a investigação sobre a

construção das Identidades Femininas dentro de um contexto de Educação Não

Formal tendo como principal problema de pesquisa discutir como as atividades

habituais do cotidiano entre elas o educativo, o artístico, ocupacional, etc., e como

as práticas sociais, culturais e educacionais incidiam sobre a construção da

identidade e do sentido de ser mulher para um grupo de mulheres que participam

de um atelier de cerâmica em um centro cívico em Barcelona.

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Desta forma, as perguntas geradas eram:

- O que é ser mulher?

- Como as práticas cotidianas influenciam em sua identidade e no sentido de ser

mulher?

- Como elas percebem que o espaço do atelier de cerâmica, um espaço de

Educação Não Formal influencia ou influenciou em sua “Identidade Feminina”?

- Como elas identificam o sentido de ser mulher, relacionado ao contexto social e

cultural nos quais elas estão inseridas?

Quando iniciei as observações, dei-me conta que a direção e o sentido

deveriam ser outro, que as contribuições desta investigação poderiam ocorrer

através da compreensão de como as Identidades Femininas são construídas no

cotidiano, ou melhor, questionar se realmente este espaço possibilitava essa

suposta construção, ou se, na verdade, serviria mais como um espaço de se

desvencilhar de rótulos e arquétipos.

Foi então que entendi o sentido de haver escrito o texto “Porque escrever

uma tese?” Assim como no texto, meus objetivos e minhas questões

investigativas deveriam motivar mais do que a busca por respostas fechadas e

acabadas elas precisavam ser capazes de fluir livre de amarras e ideias pré-

concebidas.

Para isso, a pergunta que deveria ser feita não era “o que é ser mulher

hoje” bem como, ao invés de questionar apenas o “como” se constroem as

Identidades Femininas o mais coerente seria refletir também no “se” o atelier de

cerâmica contribui/influencia na construção das Identidades Femininas.

Assim, o objeto de pesquisa desta tese de doutorado centrou-se nas

relações construídas em um atelier de cerâmica frequentado por mulheres que

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buscou averiguar mais precisamente: que tipo de reflexões e narrativas sobre as

Identidades Femininas emergem em um contexto de Educação Não Formal de

fazeres ou práticas artísticas?

Para consolidar esta indagação como foco investigativo foi necessário

interligar as experiências vividas, os discursos produzidos, o sentido coletivo e

individual da experiência artística, buscando compreender nas sutilezas das

narrativas se o estar no atelier de cerâmica suscitava reflexão sobre as

Identidades Femininas.

Em decorrência, o objetivo geral desta pesquisa é investigar como ocorrem

os fazeres ou práticas artísticas, desenvolvidos num espaço de Educação Não

Formal (atelier de cerâmica), frequentado por um grupo de mulheres e se esse

espaço oportuniza as reflexões e narrativas - fazer(se)es - sobre Identidades

Femininas.

Neste sentido, trata-se de desvelar discursos, reconhecer maneiras de

representação individual, saberes, acontecimentos e experiência que revelam as

concepções sobre Identidades Femininas que cada participante produz

relacionando-as com suas vidas e o contexto em que vivem.

A possibilidade de conhecer as perspectivas, as histórias e narrativas de

mulheres que pertencem a outro contexto social e cultural, com experiências e

vivências variadas, permite conhecer como as suas identidades foram construídas

e como o espaço de fazeres ou práticas artísticas e educativas oportuniza a

reflexão sobre aspectos referentes ao cotidiano.

Mas este aspecto não pertence somente à esfera pessoal, o interesse em

observar tais fenômenos se relaciona também com o papel do educador. É

possível suscitar a reflexão para aspectos relevantes e subjetivos que permeiam o

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as relações educativas, envolvendo professor-aluno, aluno-aluno, aluno-contexto,

professor-contexto.

A amplitude da questão apontada no objetivo geral desta investigação

requereu a formulação de objetivos que auxiliassem no deslindamento da questão

maior.

Assim, propus como objetivos específicos:

- Dar voz às mulheres, oportunizando visibilidade às histórias, diálogos e fazeres

as quais surgem em meio às atividades produzidas no atelier, onde me utilizo da

narrativa como recurso e fonte de conhecimento, através de seus saberes, seus

relatos e suas histórias. “Dar voz” significa no contexto desta pesquisa um ato que

permite ouvir as vozes das mulheres a respeito de suas experiências,

considerando que toda e qualquer contribuição, independente do contexto que

provenha tem sua importância, o que Certeau (1994) denominou de cultura

ordinária.

- Perceber de que forma este espaço, de convívio coletivo repercute nas

concepções sobre Identidades Femininas destas mulheres, onde propus verificar

qual a importância das relações construídas num coletivo que tem uma duração

de muitos anos e que marcas desse tempo/espaço deixam-se desvelar. Este

espaço na é simplesmente de lugar, é um espaço que como diz Certeau (1994) é

“animado” pelo conjunto dos movimentos que ai se desdobram;

- Observar se as narrativas (orais e visuais) construídas individualmente e

coletivamente articulam-se de forma crítica com o cotidiano com o propósito de

perceber se as participantes possuem uma visão crítica sobre suas identidades,

sobre seu cotidiano de mulheres.

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- Verificar que tipo de fazeres ou práticas artísticas ocorrem no atelier de cerâmica

em que proponho partilhar a experiência de produzir cerâmica, a partir da minha

ótica de formação e respeitando as propostas das participantes, tudo permeado

pelas narrativas e considerando os fazeres narrativos, que se refere aos fazeres

ou práticas artísticas que contam uma história, que anunciam e definem

características das Identidades Femininas não expressas pela palavra, mas que

se manifestam através dos fazeres pode ser o resultado de uma construção mais

íntima que carrega toda uma história, este fazer é uma narrativa. É o como fazem

e o quê fazem.

- Refletir sobre como se constitui a trama entre Ensino da Arte, Educação Não

Formal e Identidades Femininas, onde procuro fazer uma reflexão e um

contraponto sobre o aproveitamento de espaços de Educação Não Formal para o

ensino de artes e, em especial, neste trabalho, discutindo o Ensino da Arte

mediado pela cerâmica e por uma professora, mulher.

Ao propor esses objetivos quero, principalmente, contribuir com os estudos

sobre a vida de mulheres e suas Identidades Femininas, e do quanto os espaços

de Educação Não Formal podem contribuir, tanto no âmbito da construção de

conhecimentos como na vida vivida por mulheres que se sentem “invisíveis”

socialmente. Este estudo está ainda imbricado com o dar-se conta de que as

narrativas constituem elementos ricos de significados e de conhecimentos bem

como de que a arte e, em especial a cerâmica podem vir a ser fomentadoras de

fazeres e de práticas artísticas como fontes agregadoras de sentidos para a vida

das pessoas.

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22.2 O desafio de embrenhar-me num marco desconhecido: o

Construccionismo Social

La tradición positivista y sus exigencias de cuantificación y generalización han determinado durante mucho tiempo los marcos del llamado conocimiento científico, un ámbito en el que la experiencia vivida pocas veces se ha considerado más allá de lo anecdótico. Así, durante buena parte de nuestra formación académica, aprendimos que nuestro objeto de estudio debería ser un elemento continuo, abarcable y estrictamente delimitado, al que convendría aproximarnos por medio de exhaustivos procedimientos de obtención de datos. (Vanesa Giambelluca, 2006).

Ao ingressar no doutorado, uma das tantas dúvidas que me assolou, foi

inserir-me num contexto epistemologicamente demarcado pelo Construccionismo

Social. Até então, meus conhecimentos sobre tal epistemologia não tinham ido

além de contatos superficiais como bolsista em projetos de pesquisa, enquanto

graduanda.

O Construccionismo Social é uma concepção pós-moderna que deriva da

crise das Ciências Sociais sofrida nos anos 70 e 80 e como posicionamento

teórico situa o conhecimento como uma fonte de saber construída socialmente em

que as ideias, os conceitos e as lembranças surgem a partir do intercâmbio social

e que são mediados pela linguagem.

Según Kenneth Gergen (2006), o Construccionismo Social,

(…) no constituye una teoría singular y unificada, sino que cabe considerarlo más bien como un diálogo que se desarrolla entre quienes participan y tienen ideas, valores y puntos de vistas considerablemente variados. La división es tan sustancial a este diálogo que no existe ningún repertorio de afirmaciones que suscite la adhesión de todos. Y aún más, la pretensión de establecer una verdad última, una lógica fundamental, un código de valores, un inventario de prácticas sería contrario a la voluntad que el movimiento tiene de extender y liberar el sentido. (p.47).

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Assim, o Construccionismo Social considera o discurso sobre o mundo não

como uma reflexão ou mapa do mundo e sim, como um dispositivo de intercambio

social em que tudo está determinado pela cultura em que estamos inseridos e que

as particularidades são provenientes das construções e interações sociais.

O desenvolvimento desta investigação se desenvolveu dentro do marco

epistemológico do Construccionismo Social, considerando as narrativas e

histórias que se produziram nas relações de mulheres em fazeres e práticas

artísticas num atelier de cerâmica.

Não restava dúvida de que investigar o trabalho de mulheres que

frequentavam um atelier de cerâmica em um Centro Cívico, situado num Bairro

popular da Cidade de Barcelona, onde acorriam pessoas em busca de diferentes

atividades de lazer, de saber, de fazer e, muito mais, a estrutura e forma como as

atividades se produziam e se construíam dentro do atelier através de Educação

Não Formal, encontrou respaldo e lastro no Construccionismo Social. Esta tese foi

gestada e forjada nas relações, na troca e na integração de sujeitos comuns, mas

com histórias impregnadas de significados.

Ao adotar tal posicionamento, o que me pareceu importante foi buscar

resposta para uma questão que me acompanhava já há algum tempo: como

desenvolver esta proposta dentro deste marco epistemológico?

Ao fazer-me este questionamento, o posicionamento apresentado por

Uriarte (2001), explica que na lógica da trivialidade e do lugar comum, poderia

justificar esta incerteza dizendo que o mundo é uma “construção social” e que, em

decorrência, as pessoas são frutos desta construção porque foram “construídas

socialmente”. Por um lado, esta explicação poderia ser considerada pouco

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profunda, mas por outro, impulsionava um tipo de discussão em que possibilitava

a articulação com alguns pontos chaves dentro de um marco construccionista.

Dentro de uma visão geral, parece-me adequada e pertinente a maneira

que Uriate (2001) define seis pontos que me ajudaram a ver como é possível

engendrar uma visão construccionista nos processos sociais do cotidiano. Como:

o anti-essencialismo (Ibañez, 1994), o relativismo/anti realismo (Rorty, 1979,

Ibañez, 1994), o questionamento de verdades (Gergen, 1999), especificidades

histórica e cultural do conhecimento (Ibañez, 1994), a linguagem como condição

de possibilidade (Shotter, 1987, 1993, Gergen, 1994, 1999; Edwards y Potter,

1992) e como o conhecimento é um produto social (Shotter, 1993, Ibañez, 1994),

sustentam de forma muito eficaz um posicionamento dentro da perspectiva

construccionista, articulando cada um destes pontos com a condição de interação

das pessoas no mundo.

Por exemplo, se parto do princípio que uma construcção é algo que

necessita ser feito, é o produto de um processo e por isso nega qualquer natureza

essencialista, quer dizer que também nega a condição de que existam objetos

que sejam naturais e que nós somos como somos. Aqui existe a ideia de uma

mútua construção, em que o objeto nos constrói enquanto nós os construímos.

De hecho, el construccionismo se presenta como una postura fuertemente des-reificante, des-naturalizante, y des-esencializante, que radicaliza al maximo tanto la naturaleza social de nuestro mundo, como la historicidad de nuestras prácticas y de nuestra existencia. Desde esta perspectiva, el sujeto, el objeto y el conocimiento, se agotan plenamente en su existencia sin remitir a ninguna esencia de la que dicha existencia constituiría una manifestación particular, como tampoco remiten a ninguna estabilidad subyacente de la que constituirían una simple expresión particular. En definitiva, el carácter literalmente construido del sujeto, del objeto y del conocimiento arranca estas entidades fuera de

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un supuesto mundo de objetos naturales que vendrían dados de una vez por todas (Ibáñez, 2001, p. 254-255).

Ao questionar a cerca da realidade e como ela pode ser vista a partir do

Construccionismo Social percebe-se que em um entendimento restrito poderia-se

entender que uma postura “construccionista tiene um carácter estático y

reificante, em el sentido de que las construcciones pueden ser vistas como algo

permanente y produciendo el mismo tipo de efecto que producen las cosas”

(Uriarte, 2001, p.47). Esta seria uma concepção limitante e sobre este aspecto

Ibáñez (1996) clarifica a questão dizendo que:

(…) una construcción social no participa de la metáfora arquitectónica de un edificio que, una vez construido, se mantiene por sí solo. Lo socialmente construido no sólo ha sido construido por determinadas prácticas sociales, sino que esas prácticas lo mantienen de forma dinámica, incesantemente. Si cesan las prácticas, la construcción se esfuma (Ibáñez, 1996, p.67).

Dentro desta perspectiva situo-me porque foi a maneira como vislumbrei

esta investigação, uma vez que as práticas sociais criam estruturas e influenciam

as práticas cotidianas.

Em determinado momento, durante minhas idas ao atelier, enquanto

realizava as observações e posteriormente ao chegar a casa as transformava em

relatos, questionava qual o sentido de realizar este trabalho, já que em relação às

problemáticas que possuem um maior destaque e parecem ter mais relevância no

mundo acadêmico atual, minha observação em um atelier de mulheres parecia

tão desbotada, com tão pouco a contribuir em um cenário efervescente.

Neste sentido, a tese de Ana Isabel Garay Uriarte (2001) foi contributiva

porque a partir dela resgatei os textos trabalhados logo no início do doutorado

Ibáñez (1994, 2001); Gergen (1991, 2006); Burr (1995); proporcionando-me

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assim, recobrar o fôlego, estabelecer um diálogo, agora, mais amadurecido e

relacionado ao contexto investigado, fazendo-me perceber que todo e qualquer

contexto pode contribuir à sua maneira, mesmo que modestamente para a

construção social. Segundo a autora:

Toda práctica social entonces, aunque pequeña o insignificante, trivial o cotidiana, contribuye de manera directa a la construcción de lo social. Las estructuras e instituciones sociales constituidas constriñen, condicionan y enmarcan también dichas acciones e interacciones. Si no fuera así, basta pensar sólo un momento qué pasaría con nuestro mundo y nuestra vida si, por un instante, se paralizaran todas las acciones sociales, completamente. No hay pues mundo ni vida social sin la existencia de las prácticas que los constituyen de donde se muestra el enorme valor de su capacidad constitutiva. (Uriarte, 2001, p.48).

Neste entendimento de mundo, em que se considera todo e qualquer

espaço potencialmente relevante, uma investigação baseada no

Construccionismo Social, que segundo Gergen (2009), ocupa-se de explicar os

processos descritivos, explicativos das pessoas e que, de alguma forma, dão

conta do mundo em que eles estão inseridos e em que vivem, veio ao encontro

desta investigação.

Os processos pelos quais as pessoas descrevem, explicam, ou, de alguma forma, dão conta do mundo em que vivem (incluindo-se a si mesmas). Busca articular formas compartilhadas de entendimento tal como existem atualmente, como existiram em períodos históricos anteriores, e como poderão vir a existir se a atenção criativa se dirigir neste sentido (Gergen 2009, p. 3).

Com isso, busquei vincular modos compartilhados de entendimento, de

vivências sem arestas entre investigadora e investigadas, entrelaçando

fragmentos de minha trajetória de vida, meus olhares, meus saberes, minhas

experiências com todo o universo das mulheres do atelier, construindo uma trama

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que permeia o sentido que encontrei para o Construccionismo Social nesta

pesquisa.

22.3 A estrada e a Caminhada: metodologia da investigação

Nunca pensei com muito afinco que havia outras maneiras de investigar

diferentes da que eu trazia na minha bagagem antes de iniciar o doutorado. Para

mim, investigar era mergulhar no desconhecido, era desvendar um mistério, era

contar uma história, mas nunca achei que o “como” pudesse receber tanta

atenção e até mesmo mudar os preceitos que possuía. Mas durante o processo

investigativo fui revendo meus marcos e pontos de referências que permitiram um

novo posicionamento para a forma de investigar.

Lembro-me que no Seminário sobre Investigação Narrativa, ministrado pelo

professor Fernando Hernández, ele iniciou com uma fala da qual, a partir daquele

momento, eu apropriei-me, porque passou a dar um sentido novo para o meu

entendimento e para minha caminhada como investigadora. O seminário

acontecia com um grupo composto de heterogeneidades e diferenças, pessoas

de diferentes países e nacionalidades. O professor, sabiamente, iniciou sua fala

dizendo-nos que “somos um nome, somos um tempo, somos uma geografia,

somos o que fazemos e somos o que esperamos, sim, a partir da perspectiva da

Investigação Narrativa podemos ser muitas coisas e podemos contar muitas

histórias de nós mesmos”.

Para Connelly y Clandinin (2008)

La razón principal para el uso de la narrativa en la investigación educativa es que los seres humanos somos organismos contadores de historias, organismos que individual y socialmente, vivimos vidas relatadas. El estudio de la narrativa, por lo tanto, es el estudio de la forma en que

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los seres humanos experimentamos el mundo. De esa idea general se deriva la tesis de que la educación es la construcción y la reconstrucción de historias personales y sociales; tanto los profesores como los alumnos son contadores de historias y también personajes en las historias de los demás y en las suyas propias (…) (Por eso) entendemos que la narrativa es tanto el fenómeno que se investiga como el método de la investigación. (p.11 -12)

A perspectiva da Investigação Narrativa a partir deste momento teve uma

forte ressonância em meu modo de pensar e visualizar o que eu entendia como

investigação, que mais se aproximava da visão do positivismo, em que o

investigador deveria manter uma distância do objeto investigado justificando

assim, a preservação de uma maior objetividade a custo de uma

despersonalização.

Antes do encontro com a Investigação Narrativa entendia que deveria

desempenhar o papel de uma investigadora “asséptica” que atuava de forma

dissociada daquilo que eu era e acreditava e daquilo que eu investigava, era

como uma espécie de proteção, em que se tentava preservar de qualquer

contaminação o objeto.

Em um determinado momento encontrei esta citação de Ricoeur (1999)

onde ele explica que:

Nuestra propia existencia no puede ser separada del modo como podemos dar cuenta de nosotros mismos. Es contando nuestras propias historias que nos damos a nosotros mismos una identidad. Nos reconocemos a nosotros mismos en las historias que contamos sobre nosotros mismos. Y es pequeña la diferencia si esas historias son verdaderas o falsas, tanto la ficción como la historia verificable no provee de una identidad. (p.213).

Talvez tenha sido o meu entendimento sobre o que significava desenvolver

uma investigação que, até o momento de chegar àquela primeira aula sobre

Investigação Narrativa, eu não havia percebido o grau de envolvimento que se

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“poderia” ter ao investigar, ou melhor, o que realmente deixaria de contar e que se

perdeu nas entrelinhas entre vivências e experiências não ditas e nunca

contadas.

Quando iniciei o projeto para a tese, já estava convicta sobre a metodologia

que utilizaria, pois me sentia extremamente cômoda em utilizar a Investigação

Narrativa como perspectiva metodológica. No entanto, o texto que iniciei a

escrever ainda no curso do segundo ano de doutorado precisava ser revisado,

ampliado e melhor fundamentado. Ao iniciar este aprofundamento percebi que a

metodologia de uma investigação, suas fronteiras e os limites seriam também

delineados por suas próprias necessidades e pela própria complexidade que o

campo estudado fosse apresentando.

Percebi que ao articular pigmentos e matizes da Investigação Etnográfica à

Investigação Narrativa teria em mãos um repertório mais extenso de estratégias e

que me propiciariam aproximar-me e explorar as narrativas, o campo e inclusive a

escritura de forma mais maleável, menos rígida e compartimentada.

Quando iniciei as leituras sobre Investigação Etnográfica, já vislumbrava

alguns pontos de tangência entre ela e a Investigação Narrativa por entender que

essencialmente todas as investigações etnográficas são narrativas, no entanto

nem toda Investigação Narrativa é etnográfica já que para sê-lo é necessário um

olhar complexo sobre a vivência intensa, sobre a cultura e os fenômenos sociais.

Levando em conta este pensamento encontrei nas palavras de Clifford

Geertz (1995) o que pode exemplificar o significado de fazer etnografia, para este

autor:

Hacer etnografia es como tratar de leer (em el sentido de “interpretar um texto”) um manuscrito extranjero, borroso, plagado de elipsis, de incoherencias, de sospechas

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enmiedas y comentarios tendenciosos y además escrito, no em las grafias convencionales de representación sonora, sino em ejemplos volátiles de conducta modelada. (p. 24).

Ver a cultura como um manuscrito ou como um texto rico de sinais e

signos, que precisa ser lida nas entrelinhas, nas lacunas e espaços que podem

estar cheios ou vazios, uma narrativa que se constrói de matéria e de movimento,

propicia uma ideia bastante complexa do significado de uma investigação

etnográfica.

Um dos pontos importantes na Investigação Etnográfica se centra na

observação e participação do investigador no campo, este tipo de investigação,

requer ações que exigem uma dose certa de equilíbrio, aprendizagem, deixando

que as convicções pessoais e culturais se desconstruam, ou até mesmo se

desorganizem pelo contexto, que no caso, eu não sabia muito bem como

manejar, confirmando o que comenta James Clifford (2001).

La observación participante obliga a sus practicantes a experimentar, en un nivel tanto intelectual como corporal, las vicisitudes de la traducción. Requiere un arduo aprendizaje del lenguaje, y a menudo un desarreglo de las expectativas personales y culturales. (p.41)

Neste caso, o autor afirma que a observação participante exige qualidades

de taquígrafo, que oscila continuamente entre o “dentro” e “fora” dos

acontecimentos. Neste movimento constante encontrei-me tentando dar conta

daquilo que meus sentidos percebiam e ao mesmo tempo, dar sentido para aquilo

que acontecia, preenchendo de significados e os relacionando a contextos mais

amplos. Desta maneira, conforme Clifford (2001), os acontecimentos particulares

adquirem um significado mais profundo ou mais geral e segundo esta visão, se a

observação participante for tomada no sentido hermenêutico ela poderia atuar

como um diálogo entre a experiência e a interpretação.

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Um ponto bastante sensível, diz respeito à questão da experiência do

investigador em uma Investigação Etnográfica, uma vez que, de uma forma geral

essa participação outorga ao investigador um status de testemunha ocular e de

certo modo, como uma fonte de autoridade. “La autoridad experencial se basa em

um “sentimiento” hacia el contexto extraño, uma espécie de sentido común

acumulado y uma sensibilidad hacia el estilo de um pueblo o de um lugar”

(Clifford, 2001, p.54). Esta noção de autoridade me parece um ponto bastante

delicado, uma vez que dentro desta visão, o fato de o investigador argumentar

que “esteve ali” torna a sua interpretação parte indissociável da experiência.

Sobre este aspecto percebo válido o que Clifford (2001) diz que é muito

difícil medir ou avaliar o tipo de experiência, já que é algo que pode ser

comparado a “sentimentos” mistificados, e aconselha dizendo:

Está claro, que uno debería resistir la tentación de traducir toda la experiencia significativa en interpretación. Si bien ambas están recíprocamente relacionadas, no son idénticas. Tiene sentido mantenerlas aparte, aunque más no sea porque muchas veces se recurre a la experiencia para otorgar validez a la autoridad etnográfica (Clifford, 2001, p. 54).

As ideias expostas por Rockwell (1987) (apud Viégas, 2007, p. 105)

traduzem com certa exatidão ao dizer que “Os caminhos percorridos são

construídos no próprio andar da pesquisa, dependendo, dentre outros fatores, da

interação pretendida, do objeto que se constrói e das concepções dos sujeitos e

do próprio pesquisador”.

A partir destas afirmações vemos que uma investigação, sobretudo

etnográfica se desenvolve partindo de todo o contexto implicado, onde tanto

investigador como investigado vão pouco a pouco estabelecendo e construindo

caminhos para que se possam caminhar.

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Outro ponto importante que faz parte do cenário investigado diz respeito à

posição que os relatos dos sujeitos ocuparam e como tratei de alcançar conhecer

suas histórias levando em conta a subjetividade e ao mesmo tempo, o fato de

tratar de pessoas e de suas vidas cotidianas, seus fazeres como marca de

identidade. Entre constatar uma dúvida e encontrar a solução para ela, muitas

vezes se percorre o caminho mais longo e demorado, é como se as dúvidas e

incertezas em uma investigação tivessem lugar cativo e possuíssem a autoridade

de nos manter como reféns, nos libertando somente ao seu bel prazer.

Esta analogia para nada mais serve do que exemplificar que somente

recentemente obtive resposta ao encontrar o texto de Lynda Measor e Patricia

Sikes (2004) que tão bem me explicou que os sujeitos podem muitas vezes,

serem vistos como “objetos”, mas são na verdade, sujeitos que produzem suas

próprias interpretações do mundo.

Os relatos e narrativas são considerados como fragmentos que pertencem

a uma corrente incessante, que pertencem a um tempo-espaço, que são

singulares e por isso precisam ser explorados com requintes de ética e cuidado.

A escolha de construir uma metodologia que se articulasse em diferentes

pontos com outra perspectiva foi um caminho bastante complexo e ao mesmo

tempo simplificador. Se por um lado conhecer estas diferentes perspectivas

requer aprofundamento e familiaridade, por outro, transitar por suas vias podendo

estabelecer conexões, criar encaixes e recortes possibilita montar um cenário

com maior riqueza de detalhes, de nuances e matizes.

E um dos motivadores desta tomada de decisão foi o texto de Measor e

Sikes (2004), que embora tratando de histórias de vida, possibilitou fazer uma

inferência em relação às narrativas, quando explicita que na trama social existe

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uma corrente incessante de pessoas que interatuam e este constante movimento

de ações conjuntas são partes intrínsecas desta trama.

Utilizando as palavras de Plummer, as autoras explicam que “Narrar la

propia vida es um proceso incesante, fundamentado empíricamente, de

construcción de uma verdad cambiante” (apud, Measor e Sikes, 2004, p.272) e

por isso percebo também as particularidades e riquezas que o contexto

investigado oferece por observar que não é em busca de uma verdade absoluta

que estou atrás e, sim, de aproximar-me e de conhecer vidas que poderiam ser

de qualquer outra pessoa, mas que são estas por fazerem parte de um espaço e

tempo específico que é o “aqui e agora”.

Assim, as reflexões metodológicas foram constituídas e construídas de

maneira flexível e articulada, apoiando-se nas contribuições da Investigação

Narrativa que tanto na dimensão operacional como também pessoal pode ser

considerado um divisor de águas e um marco em minha maneira de relacionar-me

com a investigação, de enfocar os dados e de transitar no campo; em segundo

encontraremos matizes também da Investigação Etnográfica sendo que ambas

pertencem ao marco interpretativo narrativo e que contribuíram sumamente na

composição do campo metodológico onde esta investigação se posicionou.

Optei primeiramente, por apresentar um apanhando teórico dos pontos de

maior relevância para a investigação sobre a Investigação Narrativa e sobre a

Etnografia, e posteriormente, no decorrer deste capítulo II, articulo os conceitos

abordados aos outros elementos constitutivos da metodologia, tais como: o

espaço e as formas de aproximação com o mesmo; as participantes e como

ocorreu o processo de negociação e de estabelecimento de vínculos; a ética de

campo adotada que nortearam as ações e o tratamento do material coletado; o

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processo constitutivo dos instrumentos de coleta de dados e a realização da

observação participante das notas e Diário de Campo e das entrevistas.

Esses elementos aparecem costurados, formando uma tessitura que ora

poderá aparecer diluída nos relatos e em outros momentos se fazendo mais

incisiva e explícita.

22.3.1 Encontrando o suporte para caminhar: a

Investigação Narrativa

Não sei se é pelas minhas lembranças ou pela minha visão sobre o mundo,

que ainda conservo a ideia de que de alguma maneira as narrativas se referem às

histórias que ouvia quando era criança. Quem sabe seja justamente este fato que

me deixa tão confortável ante a possibilidade de transitar livremente entre os

muros pouco rígidos, abertos e flexíveis da Investigação Narrativa e por ela

permitir explorar as histórias e relatos com transparência, de uma maneira mais

próxima da vida. Porém ela requer estudo e conhecimento e com isso faz as suas

exigências e reivindica aprofundamento em sua complexidade.

De alguma maneira acredito que ela se conecte com parte de nossa

natureza humana e habite em nossa necessidade de contar histórias, criar e

recriar relatos, onde nós seres humanos, somos contadores de histórias por

natureza, somos “organismos que, individualmente y socialmente, vivimos vidas

relatadas” (Connelly e Clandinin, 2008, p.11). As narrativas são uma das formas

de experimentarmos o mundo.

A Investigação Narrativa “está situada en una matriz de investigación

cualitativa puesto que está basada en la experiência vivida y de la educación”

(Connelly e Clandinin, 2008, p.16), por isso, é correto dizer tanto que se investiga

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sobre a narrativa como também que a investigação é narrativa e assim, pode ser

considerada tanto o que se estuda como também o como se estuda - fenômeno e

método- a sua vez.

Nos anos setenta se produziu o que conhecemos como “giro hermenêutico”

no âmbito das Ciências Sociais. Em que a visão positivista, vigente até o

momento, passou a adotar uma perspectiva interpretativa (Bolívar, 2002) onde o

significado que os sujeitos ou atores explicitam se converteram em foco de

interesse para a investigação.

Na visão apresentada por Bolívar (2002, p.3),

(…) los fenómenos sociales (y, dentro de ellos, la educación) como "textos", cuyo valor y significado, primariamente, vienen dados por la autointerpretación que los sujetos relatan en primera persona, donde la dimensión temporal y biográfica ocupa una posición central.

Esta mudança de orientação segundo Polkinghorne, (1988) e Bolívar,

(2002), é visível em algumas áreas das ciências sociais como a sociologia que

adota uma orientação reflexiva, incidindo especialmente na orientação biográfica,

na antropologia-etnografia que adota de maneira muito mais incisiva o enfoque

narrativo que vê a cultura como um texto (Geertz, 1995) e entendendo sua tarefa

como uma ciência interpretativa que busca significados.

Também, Bolívar afirma que:

La etnografía toma un estatuto narrativo, haciendo de los antropólogos, en cierta manera, narradores de historias, dado que su tarea se concibe como un modo de "leer" la cultura, entendida como texto. Por último, cabe resaltar la orientación interpretativa en psicología (Tappan, 1997), que adopta la metáfora de la "vida como narrativa", entendida con elementos similares a los relatos. (2002, p.3).

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Etimologicamente a palavra narrar provém de “narus” que significa quem

tem a experiência e que conhece, é a qualidade estruturada da experiência que

pode ser vista e entendida na forma de relato, assim designa-se que narrativa é o

modo que utilizamos para compartilhar nossas experiências e conforme a

concepção de Bolívar (2002, p. 4) “Narrativizar la vida en un autorrelato es - como

dicen Bruner o Ricoeur- un medio de inventar el propio yo, de darle una identidad

(narrativa).

Conforme nos comenta Larrosa (2002, p.68). “Narrare” significa de alguma

forma “arrastar para frente”, deriva também de “gnarus” que ao mesmo tempo

quer dizer “o que sabe” e ”o que viu”, da mesma forma a expressão grega “istor”

da qual vem “história” e “historiador”.

Encontrar essa identidade narrativa, perceber e negociar onde posicionar-

me é uma forma de conhecer também a posição do outro, é uma maneira de

entender que as histórias, as vidas e os relatos das experiências e vivências são

fragmentos de uma história que necessitam ser coletados e tratados com cuidado,

com paciência, livres da pressa.

Na concepção de Connelly e Clandinin (2008, p.12) “la gente por

naturaleza, lleva vidas “relatadas” y cuenta las historias de esas vidas, mientras

que los investigadores narrativos buscan describir esas vidas, recoger y contar

historias sobre ellas, y escribir relatos de la experiencia”.

Investigar sob a luz da perspectiva narrativa tornou-se um desafio

complexo e ao mesmo tempo instigante. Por um lado se constitui complexo por

todas as questões conceituais e operacionais que estão implicadas em uma

investigação deste cunho, de outro lado, se torna instigante à medida que toda a

bagagem teórica que fui construindo e relacionando ao campo, foi adquirindo um

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sentido mais próximo e mais presente ao passo que as histórias foram sendo

contadas e passaram a ser vistas como fragmentos de realidades e de vidas.

Tenho presente uma importante indagação feita por Larrosa (1995, p.193)

“¿qué podemos hacer cada uno de nosotros sino transformar nuestra inquietud en

una historia?” Acredito que minhas inquietudes investigativas orientadas pela

Investigação Narrativa conduziram-me ao encontro de histórias, de diálogos que

poderiam passar despercebidos no cotidiano, mas que de certo modo,

desvelavam novos percursos, trajetórias e novos pontos de partida e, quem sabe,

de chegada.

Para o percurso investigativo alguns conceitos adquiriram maior relevância,

já que foram sendo percebidos a cada avanço, tornando-se significativos tanto ao

longo do processo como também para posteriormente auxiliar na compreensão,

interpretação e análise dos materiais coletados.

PPolifonia de vozes

Para investigar dentro da perspectiva narrativa senti necessidade de

compreender como os relatos e histórias são produzidas e quais mecanismos

devem ser acionados para transformá-los em narrativas.

Durante o percurso investigativo fui percebendo que os relatos vão sendo

construídos ininterruptamente e que cada um destes relatos vão se ajustando a

uma situação, a um grupo social ou uma circunstância, já que estamos sempre

selecionando informações sobre nós mesmos criando novas narrativas.

A partir destas ideias comecei a encontrar caminhos para buscar responder

as minhas dúvidas, onde passei a entender a relação da investigadora com as

investigadas como um ato democrático, transparente e motivador para ambas as

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partes. Por meio de processos colaborativos passamos a construir um cenário

comum, de trocas de experiências e conhecimentos, de cumplicidade e respeito.

Como contamos nossas experiências, como selecionamos informações

sobre nós mesmos em cada situação que se apresenta como nossas histórias

geram outras histórias; a narrativa situa-se como prática social em que ao contar

ou ouvir histórias vamos construindo identidades e subjetividades, aonde se vai

situando nossas experiências para nós no contexto de mundo.

Assim, nossas vidas passam a ser constituídas por muitas histórias e

dentro deste complexo jogo narrativo damos sentido a quem somos, pois o “quem

sou eu” não está em minha essência, não é algo que eu descubro e sim, é algo

que fabrico, construo, modifico ou até mesmo invento dentro de uma polifonia de

conversações permeadas de narrativas que é a vida.

Constituímos assim, um entrelaçamento em que vamos costurando nossas

histórias com as histórias de outras pessoas e as suas histórias com as quais

passo a me relacionar e passam a fazer parte de minha história também. Neste

sentido, Larrosa (2002) nos explica que as pessoas de forma individual

encontram-se imersas em estruturas narrativas que as antecedem e que

posteriormente se fazem presentes em suas próprias construções, organizando

sua existência cobrando sentido e significado em sua vida.

¿Y, para esa transformación, para ese alivio ¿acaso contamos con otra cosa que con los restos desordenados de las historias recibidas? Y eso que llamamos autoconciencia o identidad personal, eso que, según parece, tiene forma esencialmente narrativa, ¿no será quizá la forma siempre provisional y a punto de derrumbarse que le damos al trabajo infinito de distraer, de consolar o de calmar con historias personales aquello que nos inquieta? (Larrosa, 1995, p.193).

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As histórias que contamos ou ouvimos passam a fazer parte de nossa

história, situando quem somos e quem são os outros, definindo assim, as

identidades (sexo, raça, gênero e assim por diante) onde construímos nossa

subjetividade a partir das formas linguísticas que empregamos. Na verdade,

encontramos aqui dois lados de uma mesma moeda, a produção discursiva onde

nos construímos como sujeitos e também onde muitos “estereótipos” são

erroneamente construídos e passam a fazer parte de nosso repertório de

conceitos.

Em vista disso, o modo com que o conjunto produzido pelos relatos, pelas

histórias e pelas narrativas, se reconstroem e se articulam e esta investigação foi

ficando repleta de múltiplas vozes, resultando numa polifonia de vozes: as vozes

das mulheres que participaram das entrevistas, as vozes das mulheres que

participavam do atelier durante as observações, as conversas e as gravações de

encontros, a voz da professora, a minha própria voz enquanto participante do

atelier e enquanto pesquisadora. Todas essas vozes foram consideradas e

mediadas pela construção da narrativa.

VVínculos e conexões

Um dos pontos de interesse dentro da Investigação Narrativa é a

construção de um vínculo com o outro, este aspecto pode ser contemplado como

um dos quatro giros narrativos assinalados por Pinnegar & Daynes (2007, p.3), o

primeiro seria a mudança na relação entre investigador e investigado, seguidos

pelo uso da palavra ao invés de dados numéricos, o foco se situa em uma

localização específica e não mais em um universo geral e universal e a busca de

outras epistemologias ou vias de conhecimento.

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Dentro desta perspectiva, a mudança na relação entre investigadora e

investigadas revela outra dimensão ao investigar, onde os relatos conectam o

pessoal e o coletivo, o interno e o externo criando assim, uma relação de

cumplicidade e apoio mútuo.

De acordo com Bolívar (2002, p.4),

Unidos a nuestra condición postmoderna, estamos, pues, en una crisis de lós modos paradigmáticos establecidos de conocer, donde se replantea el papel del sujeto investigador y la necesidad de incluir la subjetividad en el proceso de comprensión de la realidad. Narrativas de gente y narrativas del investigador se funden productivamente para comprender la realidad social. Los criterios habituales (validez, generalización, fiabilidad) de legitimación han empezado a tambalearse.

Em uma investigação de cunho narrativo, esse aspecto é denominado

como negociação, que geralmente acontece no momento em que o investigador

faz sua entrada no campo e a realiza junto aos sujeitos. Segundo Connelly e

Clandinin (2008, p.18) (...) “la negociación de la entrada en el campo es vista,

comúnmente, como una cuestión ética que tiene que ver con los principios que

establecen las responsabilidades tanto de los investigadores como de los

practicantes”.

Um aspecto observado ao longo desta pesquisa é que a negociação não

ocorreu de forma súbita e definitiva não se limitando somente ao entrar no campo

para a coleta de materiais, e sim, foi sendo construída e reconstruída em

diferentes momentos da investigação acompanhando as necessidades de

redimensionamentos do contexto.

A negociação foi pensada e proposta para ser aberta, democrática e

transparente, privilegiando todas as partes envolvidas, conforme afirma Brunner

(1988),

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Dar sentido colectivamente no tiene que ser simple hegemonía, hacer tragar con embudo la versión relatada de los más fuertes a los más débiles; incluso si hay cuestiones políticas tensas. De la misma manera que la ficción feminista del tercer mundo y minoritaria han abierto nuestro horizonte, también pueden la historia y el comentario social escritos honestamente, construidos sabiamente y abiertamente debatidos crear un mundo democrático más rico. (p.114).

Esse cuidado com as participantes, a relação ética que começou a ser

delineada desde o princípio da investigação, a meu ver, possibilitou tanto a

investigadora quanto as investigadas estarem conscientes de como seria utilizado

o material produzido, tendo liberdade para revisar, censurar ou adicionar

informações.

(…) al empezar el proceso de la investigación narrativa es particularmente importante que todos los participantes tengan voz dentro de la relación. Eso supone, como señala Elbow (1986), que juega a un “juego de creencia”, es decir, supone que una forma de trabajar en el interior de una relaciona que exige conocimiento conectado, una relaciona en la que el que conoce está personalmente unido a lo conocido. (Connelly y Clandinin, 2008, p.21).

Conforme nos explica Peter Elbow (in Connelly y Clandinin, 2008, p.21),

este “juego de creencia” é a maneira de conhecer o outro e o processo pelo qual

vamos conhecer sua história, é dando-lhe voz.

O processo de “dar voz” às mulheres simples, donas de casa,

frequentadoras do atelier de cerâmica, foi uma forma de considerar o que Certeau

(1994), denomina de “cultura ordinária”, comum, sem pretensões. Neste sentido,

também considerei que o “dar voz” estabelece relações com o que Santos (2003)

denomina “dar a palavra”. Segundo a autora, “(...) a palavra é algo anterior à sua

pronúncia porque é decorrente do pensar. Palavra é o signo construído a partir da

relação significante/significado. Dar a palavra a alguém é permitir-lhe a

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construção de seus significados; é permitir-lhe exercer a condição do pensar.”

(Santos, 2003, p. 53).

Neste sentido, como investigadora preocupei-me em ouvir as participantes,

tendo presente que deveria deixá-las falarem sobre suas experiências, exporem

seus pontos de vista e sentirem-se respaldadas por uma postura ética e de

respeito que fomos construindo mutuamente. Sob esta ótica considerei primordial

que o tempo de cada uma das mulheres envolvidas nesta investigação fosse

respeitado e isso só foi possível porque o entendimento que adquiri do contexto e

de sua dinâmica permitiu-me conhecer e reconhecer o tempo de cada uma delas

Esta postura foi respaldada nos aspectos que Connelly e Clandinin (2008)

salientam sobre a Investigação Narrativa:

En la investigación narrativa es importante que el investigador escuche primero la historia del practicante, y es el practicante quien primero cuenta su historia. Pero esto no quiere decir que el investigador permanezca en silencio durante el proceso de investigación. Quiere decir que al practicante, a quien durante mucho tiempo se le ha silenciado en la relaciona de investigación, se le está dando el tiempo y el espacio para que cuente su historia, y para que su historia también gane la autoridad y la validez que han tenido siempre los relatos de investigación. (p.21).

A relação construída no processo de investigação significou também, que a

história vivida foi compartilhada, onde todas as vozes foram ouvidas e tiveram o

mesmo peso e valor. Por este fio condutor cada uma das mulheres ao seu tempo,

assim como eu, relatamos nossas histórias por meio de nossas próprias vozes.

Isso foi possível, porque as barreiras hierárquicas foram rompidas e

substituídas por uma postura de colaboração e participação, onde cada uma das

envolvidas tiveram seus espaços respeitados em que pudemos construir uma

relação com o outro, criando empatia como meio e não como fim.

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A Investigação Narrativa mostra-se como um processo em que estamos

continuamente tentando dar conta de múltiplos níveis, a simultaneidade do tempo

e a prática social interativa, em que cada um que conta sua história por meio de

palavras, o que segundo Stefinee Pinnegar & Gary Daynes (2007, p.3), consiste

no segundo giro narrativo, que nos explica que os dados numéricos são

substituídos pela palavra para contar histórias. Não quero dizer que os números

não sejam uma forma de contar histórias, mas neste caso, se prima pela palavra.

(…) está viviendo sus historias en un continuo contexto experimental y, al mismo tiempo, está contando sus historias con palabras mientras reflexiona sobre sus vivencias y se lo explica a los demás (...) Una misma persona está ocupada, al mismo tiempo, en vivir, en explicar, en re-explicar y en revivir historias. (Connelly e Clandinin, 2008, p.22).

Os relatos estão inscritos em um espaço e tempo que marca o lugar de

cada sujeito em seu relato. Essa posicionalidade está presente também no ponto

de vista do investigador, que é um narrador falando “desde si”.

Las narraciones, con todos sus protocolos estándar sobre la vida, dejan lugar para (esas) rupturas y violaciones que crean lo que los Formalistas Rusos solían llaman ostronenyie: hacer de nuevo extraño lo que es demasiado familiar. Así que, si bien la <narrativicización> de la realidad se arriesga a hacerla realidad hegemónica, los grandes relatos la reabren para un nuevo cuestionamiento. Por eso los tiranos ponen a los novelistas y poetas en la cárcel lo primero de todo. (Brunner 1988, p.117).

Essa posicionalidade tem relação com as vozes dentro dos discursos e que

nos situa dentro das relações de poder que vão sendo reveladas. Essa

posicionalidade é assinalada por Pinnegar & Daynes (2007, p.3), como o terceiro

item do giro narrativo.

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CContar histórias

O ato de contar histórias está profundamente relacionado à Investigação

Narrativa, segundo Connelly e Clandinin (2008), existem muitos exemplos

importantes do uso de histórias de vida individuais que são utilizadas como fonte

de dados para a Investigação Narrativa e este uso é bastante diverso. As histórias

contadas pelos participantes muitas vezes são descritivas e buscam explicar suas

ações, busca dar sentido para argumentos que nos ajudam entender sua

natureza e que nos ajude a compreender assim, a uma vida específica ou como

vive uma determinada comunidade.

Dentro da gama de possibilidades quanto as formas de coletar materiais

em uma Investigação Narrativa encontra-se algumas possibilidades como: as

cartas, os relatos autobiográficos, biográficos ou ainda outros documentos que

possam indicar e trazer ao investigador a possibilidade de se aproximar e

conhecer o contexto de seus investigados. No caso da investigação que propus,

ao ser realizada um atelier de cerâmica, procurei experimentar diferentes

alternativas que foram compondo um acervo de informações, além da observação

participante, do Diário de Campos e notas de campo utilizei como material

documental as fotografias que fui fazendo ao longo dos encontros, catálogos de

exposições e dos cursos, textos de algumas participantes, gravações em áudio.

Estes recursos constituíram-se como fontes alternativas que auxiliaram na

compreensão de aspectos importantes, que embora, por questões éticas, não

foram utilizados em sua totalidade possibilitaram um reconhecimento mais

profundo do contexto pesquisado auxiliando em um maior aprofundamento.

O processo de contar histórias para o investigador narrativo pode se tornar

complexo, pois à medida que realiza esse processo também é partícipe, em um

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movimento de contínua construção e re-construção, onde tanto investigadora

como investigadas compartilham suas histórias.

Assim, quando pensamos de que maneira podemos contar a história do

outro mantendo sua voz, sua autonomia a Investigação Narrativa nos aponta para

diferentes possibilidades:

Los datos pueden ser cogidos en forma de notas de campo de la experiencia compartida, en anotaciones en diarios, en transcripciones de entrevistas, en observaciones de otras personas, en acciones de contar relatos, escribir cartas, de producir escritos autobiográficos, en documentos (como programaciones de clase y boletines), en materiales escritos como normas o reglamentos, o a través de principios, imágenes, metáforas y filosofías personales. (Connelly e Clandinin, 2008, p.23).

Esses meios de coleta de materiais não são utilizados exclusivamente por

investigadores narrativos, no entanto, na Investigação Narrativa é importante ter

presente que o investigador não necessita dizer nada pelo investigado, pois um

dos pontos chaves é que cada um tenha sua voz respeitada, independentemente

do meio utilizado para registrá-la.

Seguindo a lógica apresentada por Connelly e Clandinin (2008) pode ser

fundamental para a coleta de materiais o que denomino de “fazeres narrativos” e

“posturas narrativas. Se considerarmos que o ato de amassar o barro e dar

sentido para esse material, transformando-o em algo significativo para si, pode

ser o resultado de uma construção mais íntima que carrega toda uma história,

este fazer é uma narrativa. Por outro lado, as “posturas narrativas”,

representadas através do gestual, das reticências, dos silêncios, das atitudes,

podem ser reveladoras das identidades, do quem sou, do que quero e do que não

quero dizer.

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Assim como em qualquer outra modalidade de investigação, as formas de

aceder aos materiais variam de acordo com a situação real que vamos investigar

para isso o importante é estar aberto a diferentes possibilidades e levar em conta

o contexto e o que melhor se adapta a cada situação e para o registro do

processo.

OO espaço da Experiência

Para a Investigação Narrativa a noção de experiência é “considerada como

lugar de formación del sujeto en interación con el objeto, un espacio de contacto

entre uno y su mundo” (Clandinin & Rosiek, 1995, p.39). Essa é uma noção

pragmática, transacional onde a importância consiste no sentido e não em ela em

si.

Contrariamente a la idea de un `sujeto de experiencia totalmente constituido a quien las experiencias le ocurren´, la experiencia es el lugar de la formación del sujeto. Esta noción se halla a menudo ausento de las diluciones sobre las que diferencia y experiencia se utilizan principalmente como términos de sentido común. (Brah, 2004, p.121-122).

Dentro dessa concepção de experiência é importante termos em conta que

as experiências relatadas são sempre interpretação, ou seja, relatamos segundo

nosso ponto de vista e ao mesmo tempo esses relatos necessitam ser

interpretados, mas levando em conta que o investigador deve interpretar, porém,

sem entrar no sentido da experiência do outro, o que chamamos distanciamento

analítico.

Las narraciones y su interpretación circulan por las avenidas del significado, y los significados son intransigentemente múltiples: la norma es la polisemia. Además, los significados narrativos solo dependen de la verdad en el estricto sentido de la verificabilidad de una forma trivial. Lo que se necesita,

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más bien, es verosimilitud o parecer verdadero y eso es una composición de coherencia y utilidad pragmática, ninguna de las cuales se pueden especificar rígidamente. (Brunner, 1999, p.108).

Assim, tratamos com dois níveis de entendimento, um que diz respeito ao

que a pessoa relata e que pode tratar-se de sua própria ficção, ou ainda, o que a

pessoa permite que o investigador saiba sobre ela. Muitas informações podem

estar explícitas no não dito, nos silêncios, e em tudo que acontece no “Fora de

Campo”. “Narratives are the form of representation that describes human

experience as it unfolds through time” (Clandinin & Rosiek, 1995, p. 40).

Deste modo, a experiência é uma reflexão sobre a vivência e quando

relatamos nossas experiências vividas estamos criando ficções. Assim para dar

conta das experiências vividas é necessário construir uma ficção relatada. Dentro

de uma Investigação Narrativa o relato é a forma como acedemos às

experiências, que se convertem não somente na base da investigação como

também, em objeto de estudo à medida que a narrativa se conecta com a história

de cada um e com o social.

Lo que importa es que las vidas no sirven como modelos. Sólo las historias sirven. Y es duro escribir historias en las que vivir. Sólo podemos vivir en las historias que hemos leído u oído. Vivimos nuestras propias vidas a través de textos. Pueden ser textos leídos, cantados, experimentados electrónicamente o pueden venir a nosotros, como los murmullos de nuestra madre, diciéndonos lo que las convenciones exigen. Cualquiera que sea su forma o su medio, esas historias nos han formado a todos nosotros; y son las que debemos usar para fabricar nuevas ficciones, nuevas narrativas. (Heilbrun apud, Connelly e Clandinin, 2008, p.11).

Assim, acredito que investigar partindo da perspectiva narrativa foi uma

forma de conhecer as histórias deste grupo de mulheres de maneira atenta,

observando os muitos detalhes e nuances em suas narrativas.

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Utilizar a Investigação Narrativa como perspectiva metodológica fez com

que eu repensasse e refletisse de forma profunda sobre minhas concepções

investigativas, constituindo-se como um caminho novo, desconhecido, um

verdadeiro desafio em que escolhi me arriscar.

Fui percebendo que como investigadora tenho que estar atenta a trama

complexa que compõe o cenário investigativo, que não se pode ter medo da

transparência, de revelar os bastidores da investigação, que existem e são

muitas, mais interessantes do que supúnhamos.

Entendi também, que uma investigação, por mais planejada e estruturada

que ela seja não ocorrerá de forma linear, já que existiram muitas situações

inesperadas que me levaram a busca de novos caminhos, como por exemplo, a

revisão bibliográfica. Foi um longo caminho até encontrar textos que me

fornecessem o amparo necessário para enfrentar a caminhada ou ainda, em

algumas decisões metodológicas que me custaram adotar e assim, como uma

série de outros percalços que possibilitaram encontrar o rumo e o foco da

investigação. Em geral, os bastidores, os erros e enganos não são uma parte que

comumente estão expostas nas investigações, no entanto, se constitui como um

aspecto muito importante, já que são justamente esses pontos que propiciam

reflexão e impulsionam a procura por alternativas, que ensinam a tirar o melhor

proveito dos “fracassos”.

A Investigação Narrativa apresentou-me muitas novas possibilidades,

caminhos em que mais se assemelhavam a desafios já que investigar

narrativamente implica desenvolver a habilidade de transformar os diálogos tanto

dos outros como os meus em relatos mantendo a responsabilidade interpretativa

que este tipo de investigação exige.

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Acredito que ao longo deste processo minha postura investigativa sofreu

inúmeras mudanças, como por exemplo, a de não perseguir respostas fechadas e

bem adaptadas as minhas questões e sim, entrar no campo investigativo com

uma postura aberta às descobertas, ao permitir-se surpreender com o inesperado.

Também de buscar que o leitor se senta reflexionado (o leitor completa o sentido

do relato), e para isso, a Investigação Narrativa reivindica o domínio da

linguagem, utilizando recursos linguísticos e descrições densas. Neste sentido, o

desafio consiste justamente em não apresentar respostas estruturadas, finais e

definitivas para que o leitor as aceite passivamente e sim, buscar que o leitor faça

suas próprias perguntas, complete e participe do relato e que este o estimule de

maneira reflexiva.

São desafios que acredito que valeram a pena enfrentar, que

proporcionaram descobrir novos horizontes de possibilidades ao mediarem a

identificação e reflexão sobre como os processos investigativos se articulam de

forma mais democrática ao discutirem os bastidores das pesquisas, ao se

preocuparem com a voz do investigado, ao evidenciarem as dificuldades

presentes nas tomadas de decisões metodológicas, visibilizando assim a

valorização dos processos em que se desenvolve a investigação que são tão

interessantes e pertinentes quanto os resultados e conclusões que uma pesquisa

possa visibilizar.

22.3.2 Novos passos: a Investigação Etnográfica

Quando iniciei as leituras sobre Investigação Etnográfica, já vislumbrava

alguns pontos de tangência entre ela e a Investigação Narrativa por entender,

conforme já afirmei que essencialmente todas as Investigações Etnográficas são

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narrativas, no entanto nem toda Investigação Narrativa é etnográfica já que para

sê-lo, é necessário um olhar complexo sobre a vivência intensa sobre a cultura e

sobre os fenômenos sociais.

Levando em conta este pensamento encontrei nas palavras de Clifford

Geertz o que pode exemplificar o significado de fazer etnografia, para este autor,

Hacer etnografia es como tratar de leer (em el sentido de “interpretar um texto”) um manuscrito extranjero, borroso, plagado de elipsis, de incoherencias, de sospechas enmiedas y comentarios tendenciosos y además escrito, no em las grafias convencionales de representación sonora, sino em ejemplos volátiles de conducta modelada. (Geertz, 2003, p. 24).

A ideia de ver a cultura como um manuscrito ou como um texto rico de

sinais e signos, que precisa ser lida nas entrelinhas, nas lacunas e espaços que

podem estar cheios ou vazios, uma narrativa que se constrói de matéria e de

movimento, propicia uma ideia bastante complexa do significado de uma

investigação etnográfica.

Analisando primeiramente o termo a partir do sentido etimológico, a palavra

etnografia significa descrição (grafé) do estilo de vida de um grupo de pessoas

habituadas a viver juntas (ethnos). Assim, o “ethnos” seria a parte analisada pelo

investigador que engloba não somente uma nação, grupo linguístico, uma

comunidade ou região e sim qualquer grupo humano que constitua uma entidade

em que suas relações sejam reguladas pelos costumes, direitos ou obrigações

recíprocas.

Tais direitos, obrigações e costumes puderam ser percebidos nas

observações do grupo de mulheres, por exemplo, quando mantinham um ritual

para suas ações, como o “momento do café” em que todas organizavam a mesa

como se fosse sua casa, cada uma com sua louça determinada, na manutenção

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do hábito de sentarem-se sempre nos mesmos lugares, de usarem sempre o

mesmo lugar da estante, de comentar os mesmos assuntos, de compartilharem

suas alegrias e tristezas, seguindo assim, como um grupo coeso já, há mais de

quatorze anos.

Dentro da concepção da Investigação Etnográfica, uma sociedade, uma

família, uma instituição educativa, uma fábrica, uma empresa, um hospital, uma

prisão, uma associação, um clube social são vistos como unidades sociais que

podem ser estudadas etnograficamente, tal como o grupo de mulheres do atelier

de cerâmica.

Ainda, se pode pontuar em um sentido amplo, que determinados grupos

sociais, mesmo que não estejam associados ou integrados, compartilhem ou se

guiem por formas de vida e situações que os agregue e que por compartilharem

semelhanças podem ser encaixados neste tipo de investigação, porque neste

momento, são pertencentes a um mesmo grupo que compartilha o mesmo tipo de

interesse.

Segundo Miguelez (2007) o enfoque etnográfico se apoia na convicção de

que as tradições, valores, normas que definem um determinado ambiente em que

se vive vão sendo internalizadas pouco a pouco e geram regularidades que

podem explicar a conduta individual e de um grupo de maneira adequada, uma

vez que membros de grupos étnicos, culturais ou de situação, compartilham uma

estrutura lógica ou de razoabilidade que pode não ser explícita, mas que se

manifesta em diferentes aspectos de suas vidas, em sua visão,

El objetivo inmediato de un estudio etnográfico es crear una imagen realista y fiel del grupo estudiado, pero su intención y mira más lejana es contribuir en la comprensión de sectores o grupos poblacionales más amplios que tienen características similares. (Miguelez, 2007, p. 30).

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Levando em conta o caso escolhido para ser investigado, um grupo de

mulheres num atelier de cerâmica, acredito que uma aproximação etnográfica se

fez necessária pelo interesse central em perceber como este grupo de mulheres

constrói suas relações, como se comporta e como atua dentro de um cenário

pequeno, um espaço relativamente homogêneo.

Outro aspecto relevante para considerar um olhar etnográfico para esta

pesquisa foi o longo período de tempo de exposição ao campo investigado (de

maio de 2010 a abril de 2012), sendo não só de coleta de materiais, mas, também

com outras finalidades, já que o convívio no espaço do atelier transcendia para

laços de amizade e convívio social fora dos muros do Centro Cívico.

Este pensamento vai ao encontro da contribuição de Geertz, 1989 (apud

Viégas, 2007) quando diz que:

Praticar etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por diante. Mas não são essas coisas, as técnicas e os procedimentos determinados, que definem o empreendimento. O que o define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma “descrição densa”. (p. 104).

Neste sentido a etnografia se define pelo processo de documentação

daquilo que não está documentado e que para isso exige um trabalho de campo

intenso em que se necessita estar no local, participar, observar, conversar e

narrar suas experiências também de maneira escrita, através dos diários de

campo, notas de campo, entrevistas, etc.

A Investigação Etnográfica teve sua origem na descrição e foi derivando ao

ser considerada a perspectiva subjetiva dos grupos e se constituir na atualidade

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como sendo crítico-interpretativo como nos explica com maiores detalhes López-

Barajas Zayas (1994, p.16)

La investigación etnográfica ha sido en su origen descriptiva, inductivo-descriptiva. Y fue derivando, al considerar la perspectiva subjetiva de los grupos, hacia un modo de hacer fenomenológico (no se olvide que la fenomenología es vuelta hacia el objeto, búsqueda de la objetividad a través de la reducción eidética). La investigación etnográfica, ahora, es principalmente crítico-interpretativa al haber confluido en ella la crítica de la ciencia (en algunos casos) y la aproximación fenomenológica. La confusión así ha crecido de grado al realizar un conglomerado que propone dos paradigmas distintos: la deducción y la intuición fenomenológica.

A Investigação Etnográfica deriva da antropologia social e pretende estudar

a sociedade e a cultura, valores e práticas através de uma descrição densa, que

transpassam a mera coleta de fatos pelo investigador.

Devido a este panorama, é possível identificar numerosas ciências que são

transpassadas pela etnografia como a antropologia cultural, etnometodología,

etnociência, etnologia, biografia, sociologia, etc., e entre os níveis e metodologias

da investigação está a investigação ação, investigação interpretativa,

fenomenológica, estudo de caso, observação participante, entre outras.

Um dos pontos importantes na Investigação Etnográfica se centra na

observação e participação do investigador no campo, talvez dentro deste tipo de

investigação, é uma das ações que exige uma dose certa de equilíbrio,

aprendizagem e algumas vezes é preciso evitar que as convicções pessoais e

culturais interfiram como nos comenta Clifford (2001).

La observación participante obliga a sus practicantes a experimentar, en un nivel tanto intelectual como corporal, las vicisitudes de la traducción. Requiere un arduo aprendizaje del lenguaje, y a menudo un desarreglo de las expectativas personales y culturales. ( p.41).

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Neste caso, o autor nos diz que a observação participante exige qualidades

de taquígrafo, que oscila continuamente entre o “dentro” e “fora” (Clifford, 2001)

dos acontecimentos neste movimento constante me encontro tentando dar conta

do que meus sentidos percebem e ao mesmo tempo tentando dar sentido ao que

passa preenchendo de significados e os relacionando a contextos mais amplos.

Desta maneira, os acontecimentos particulares adquirem um significado mais

profundo ou mais geral. Na visão de Clifford (2001) se a observação participante

for tomada no sentido hermenêutico ela poderá atuar como um diálogo entre a

experiência e a interpretação.

Dentro do que concerne a questão da experiência do investigador em uma

Investigação Etnográfica percebo como um ponto ainda bastante sensível, uma

vez que, de uma forma geral essa participação outorga ao investigador um status

de testemunha ocular e de certo modo como uma fonte de autoridade. “La

autoridad experencial se basa em um “sentimiento” hacia el contexto extraño,

uma espécie de sentido común acumulado y uma sensibilidad hacia el estilo de

um pueblo o de um lugar” (Clifford, 2001, p.54). Esta noção de autoridade me

parece um ponto bastante controverso, uma vez que dentro desta visão, o fato do

investigador argumentar que “esteve ali” torna a sua interpretação parte

indissociável da experiência.

Sobre este aspecto percebo válido o que Clifford (2001) diz que é muito

difícil medir ou avaliar o tipo de experiência, já que é algo que pode ser

comparado a “sentimentos” mistificados, e aconselha dizendo:

(…) está claro, que uno debería resistir la tentación de traducir toda la experiencia significativa en interpretación. Si bien ambas están recíprocamente relacionadas, no son idénticas. Tiene sentido mantenerlas aparte, aunque más no

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sea porque muchas veces se recurre a la experiencia para otorgar validez a la autoridad etnográfica. (p. 54).

A partir destas afirmações vejo que uma investigação que possua caráter

etnográfico, desenvolve-se partindo de todo o contexto implicado, onde tanto

investigadora como investigadas vão pouco a pouco estabelecendo e construindo

caminhos para que se possam caminhar, conforme fizemos ao longo desta

pesquisa.

22.3.3 Mais que um cenário: um espaço em construção

A investigação, para acontecer, necessita de um cenário, um lugar, um

espaço. Cenário é algo pronto e estático, já, conforme Certeau, “lugar é a ordem

(seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas relações de

coexistência” (p. 201, 1994), enquanto espaço é vivo e dinâmico, “animado pelo

conjunto de movimentos que aí se desdobram” (Certeau, 1994, p.202). O Centro

Cívico e o Atelier de Cerâmica constituíram o espaço multidimensional que

oportunizou aproximações, administrações de conflitos e “proximidades

contratuais” (Certeau, 1994, p.202).

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22.3.3.1 Um encontro inusitado: o espaço do Centro Cívico

Logo que cheguei a Barcelona no ano 2007, passei a frequentar o Centro

Cívico que se localizava no bairro onde morava. Na maioria do tempo, utilizava a

biblioteca, para a retirada de livros e filmes. Embora aquele espaço contasse com

uma infraestrutura bastante acolhedora e convidativa, eu não encontrava ocasião

para saber o que mais se passava ali e quais eram as outras atividades

realizadas e mesmo levando para casa alguns panfletos informativos de

atividades artísticas e culturais, a oportunidade de participar não surgia.

Logo depois, mudei de bairro e com isso conheci um novo Centro Cívico,

que timidamente fui explorando mais como forma de integrar-me do que com

qualquer outro objetivo. No entanto, essa aproximação foi despertando minha

curiosidade e fazendo com que meu interesse se transformasse em minha

proposta investigativa para a tese de doutorado.

Segundo Certeau (1994, p. 201-202), o espaço somente se constitui como

tal quando é “praticado”, ou seja, um espaço para se constituir como tal, precisa

produzir sentido. Então, de qual espaço estou falando? Estou falando do espaço

repleto de sentidos que o Centro Cívico adquiriu para mim e para esta

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investigação. Foi através do Centro Cívico que consegui, de certo modo,

encontrar um meio de me sentir respeitada como estrangeira24.

Os Centros Cívicos constituem-se em espaços públicos que estão

localizados nos diferentes bairros da cidade de Barcelona, eles são abertos à

comunidade e oferecem atividades das mais diferentes naturezas tanto artísticas,

culturais, educativas como também de ócio, entretenimento e lazer. Oferecem

cursos, ateliers, exposições, espaços para reuniões e para participação solidária,

entre outros.

Todas essas atividades pareciam se desenvolver através de uma dinâmica

muito diferente da que eu conhecia e havia tido contato no campo da arte e da

educação. Este fator despertava ainda mais minha atenção, sobretudo por

perceber que as pessoas que circulavam por ali não estavam buscando cursos

profissionalizantes, nem meios de subsistência com aquilo que aprendiam25 e sim,

uma busca atrelada ao desenvolvimento pessoal, ao ócio e entretenimento.

O conceito de Centro Cívico apresentado pelo Ajuntamento de Barcelona

nos permite conhecer qual a finalidade destinada a estes espaços:

24 Esta tese não pretende discutir as implicações de ser ou não ser estrangeira. Mas foi pelas portas abertas do

Centro Cívico, como em nenhum outro, que pude iniciar um processo de integração numa sociedade na qual

me sentia a margem. Além de iniciar minhas atividades no atelier de cerâmica, passei a participar de outras

atividades promovidas pelo Centro Cívico, como curso de iniciação à Língua Catalã, Atelier de design têxtil,

Grupo de mulheres latino-americanas, palestras culturais e atividades de lazer. Todo esse movimento

possibilitou-me uma reflexão e um posicionamento crítico em relação aos processos marginalizadores que o

ser estrangeiro (não integrado) acarreta referente tanto a questão da mobilidade como também das

construções identitárias. 25 Enquanto estudante no curso de Artes Visuais participei em projetos que estruturavam as ações no campo

baseadas no aspecto social/econômico, ou seja, as atividades artísticas oferecidas tinham relação direta com

as necessidades de fomentar e melhorar a condição “social/econômica” das pessoas envolvidas. Refletindo

com mais cuidado sobre a finalidade destes projetos que eram desenvolvidos nas comunidades “carentes”

dou-me conta que em alguns casos, eles possuíam um caráter muito mais assistencialista do que um

comprometimento com o desenvolvimento cognitivo através das experiências artísticas.

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Los Centros Cívicos concentramos, en los barrios de la ciudad, energía para la convivencia i la creatividad. Barcelona no es plana. Ni monótona. Formamos parte de una pluralidad de puntos que irradian propuestas, acogen iniciativas, convocan ciudadanos i ciudadanas. Somos públicos: estamos abiertos a todos para una vida en común con más calidad, profundidad i horizontes. Somos Centros Cívicos por el civismo: la ciudad de todos i con todos, responsable, sin exclusiones. Siempre avanzando. Todos tenemos una programación continua muy variada i en sintonía con el barrio, la ciudad i la vida tan diversa de los diferentes ciudadanos i ciudadanas. Te esperamos. Compartirás ideas. Comprenderás que Barcelona se renueva constantemente también desde los Centros Cívicos i desde una red plural de asociaciones, de pequeñas y grandes propuestas de creativos, de la gente que coopera y se mueve. Escuchamos i nos implicamos en todo lo que hacemos: los Centros Cívicos somos ciudadanía activa, todos cerca de casa; para crecer un milímetro cada día; para participar en procesos de diálogo; para compartir energía i audacia para la vida en avance; para aprender con los otros, diferentes; para sentir intensamente la ciudad; para la vida personal y común activa; pera hacer barrio con la gente.26

Conforme sua proposta, os Centros Cívicos procuram adaptar-se a

realidade de cada bairro, levando em consideração a integração dos diferentes

grupos sociais e culturais que de uma maneira flutuante se movem na cidade. E

parece que esta postura se relaciona também a busca de autonomia e de

integração dos cidadãos ao promover espaços dialógicos de troca de experiência

e saberes.

No caso específico do bairro onde este estudo foi realizado, pude ir

percebendo um grande fluxo de imigrantes de diferentes nacionalidades e

também proveniente de outras partes de Espanha que circulavam no Centro

Cívico, em decorrência deste fator, as atividades oferecidas estavam sempre

pensadas em função da demanda e do interesse desta comunidade, (no tempo

26 Disponível em http://www.bcn.es/centrescivics/es/que.html. (Acessado em 03de julho de 2011).

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observado, os cursos eram variados e também destinados a diferentes faixas

etárias) que, a cada trimestre, conforme a aceitação do público, eram mantidos ou

substituídos.

À medida que estes aspectos se apresentavam, questionava-me em que

medida a visão que eu possuía daquele entorno correspondia com o que de fato

acontecia durante os cursos e ateliers?

22.3.3.2 Onde o barro se faz cerâmica: o espaço do atelier

O tempo foi passando e um dia saindo da biblioteca do Centro Cívico,

perguntei pelas atividades que tinham vagas abertas. Como já estávamos em fim

de maio, o funcionário da recepção disse que os cursos somente ofereciam vagas

após o verão e que naquela época o único atelier que aceitava novos integrantes

era o de cerâmica, se eu quisesse saber mais poderia ir um dia durante a aula e

perguntar diretamente para a professora do curso. Agradeci a informação e decidi

que era hora de voltar para casa. Enquanto caminhava, o pensamento de ir ao

atelier de cerâmica me acompanhava: Quem sabe poderia voltar a fazer

cerâmica? Quem sabe?

Alguns dias haviam passado e a ideia de ir a este atelier seguia nos meus

pensamentos, a simples possibilidade de voltar a produzir cerâmica me fazia

voltar no tempo e me animava. Então em uma tarde que poderia haver sido como

qualquer outra, saí de minha casa sabendo exatamente para onde iria, saí

decidida a conhecer o atelier para saber se poderia participar das aulas.

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Com passos resolutos pelo escuro corredor do terceiro andar, dirigi-me ao

atelier de cerâmica e me posicionei cuidadosamente diante da porta que

guardava vozes e alegres conversas. Lembro que pensei: ainda tenho tempo de

voltar atrás! Não entendia o porquê de tanta cerimônia, talvez pela ansiedade de

deparar-me com uma situação inusitadas, já que eu nem imaginava que aquele

encontro se tornaria algo tão significativo para minha caminhada pessoal e

acadêmica ao se converter em meu objeto de investigação, ou então, pela

possibilidade de me reaproximar de um aspecto que eu havia deixado suspenso,

quase abandonado, que era fazer cerâmica. De certo modo, era um encontro

entre a pessoa que eu fui e a que eu era naquele momento, tão diferentes, mas

que estariam ligados de uma maneira ou outra por aquilo que eu havia ido buscar

ali.

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Sem dar mais voltas ao assunto, bati: toc, toc, toc! Os três suaves toques

dissimulavam a minha espera ansiosa por receber alguma resposta. Logo a porta

diante de mim se abriu e eu entrei.

Disse um olá sem jeito, tímido e do outro lado recebi uma recepção

calorosa, cheia de sorrisos e palavras de boas-vindas. Por trás daquela porta

havia um grupo de mulheres com idades variadas, que não pude estimar com

precisão. Todas me saudaram animadamente e logo eu fui me explicando:

- “Conversei com um rapaz na recepção e ele me disse que um grupo de

mulheres tinha aulas de cerâmica neste atelier, e eu vim saber como faço para

participar”.

Pareciam contentes pelo meu interesse e foram logo me explicando um

pouco do funcionamento do atelier. Enquanto elas falavam animadas, seguiam

com seus trabalhos e eu seguia ouvindo atentamente.

O espaço físico não era muito grande, mas era o suficiente para mais ou

menos 10 alunas. Composto de mesas que eram compartilhadas pelas alunas,

estantes para as peças e materiais, o forno para as queimas, uma pia e na parede

ao fundo uma grande janela que deixava a luz entrar, tornando o ambiente

agradável e iluminado.

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Passado algum tempo, uma senhora levantou-se e outra que estava ao seu

lado disse: esta é a professora. E ela apresentou-se dizendo seu nome: - “Yo soy

Isa27, la profesora”! A professora mostrou-se amável e atenciosa explicando o

funcionamento de suas aulas e quais trabalhos cada uma das outras alunas fazia.

Pelo que pude perceber as propostas eram diferentes daquilo que eu estava

acostumada a ver no atelier em que participava na universidade: muitos objetos

utilitários, placas que se tornariam quadros ou relógios, vasos e objetos

decorativos, entre outros.

Passou mais ou menos meia hora desde que eu havia chegado e sentia

que havia visto o suficiente para decidir-me: na próxima semana iniciaria as aulas,

às quartas e sextas-feiras! Logo todas foram guardando seus trabalhos e

27 Pseudônimo escolhido pela participante.

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iniciaram o preparo do café28. O café se constituía quase como um cerimonial que

se repetia em todos os encontros. Ele marcava uma parte significativa do

encontro: no momento em que se encerravam as atividades com a cerâmica,

começava o café. As mesas de trabalho eram limpas e cuidadosamente

ornamentadas com uma toalha onde eram postas as louças e um gostoso café

era degustado por todas.

Gentilmente fui convidada a participar com elas, o que aceitei e como boa

convidada esperava as instruções. Uma delas indicou-me que sentasse e assim o

fiz. Então de uma das portas do armário surgiu uma linda toalha que transformou

a mesa que antes era de trabalho em a mesa que poderia ser a mesa da casa de

28 Este cerimonial me remetia diretamente a uma experiência recente que eu vivera. Durante o seminário de

doutorado Les cultures de les institucions educatives no-formals en educació de les arts visuals: museus i

institucions culturals de preparação para o DEA (Diploma de Estudos Avanzados), em 2009, iniciávamos

cada encontro com um ritual semelhante, em que colocávamos a mesa, as louças, os comes e preparávamos o

chá. Enquanto íamos estabelecendo relações de conhecimento, de amizade, iamos produzindo narrativas e

histórias, e neste sentido, acredito que a decisão de realizarmos uma investigação coletiva como requisito

para a obtenção do DEA foi impulsionada devido a proximidade e os vínculos que estabelecemos no

momento do “té”.

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qualquer uma de minhas anfitriãs, xícaras coloridas e personalizadas foram sendo

distribuídas. Enquanto cada uma delas ia ocupando seus assentos aproveitavam

para saber mais de mim: de onde eu era, se eu vivia pelo bairro, há quanto tempo

estava em Barcelona, se eu era casada, se eu gostava etc., me senti quase em

uma entrevista, mas tendo em vista todas as perguntas que fiz no início me

parecia justo afinal, era eu quem estava chegando a seu espaço. A conversa fluía

animadamente, e entre sorrisos e palavras já me senti parte daquele espaço,

daquele grupo. Claro que eu sabia que para fazer parte ainda levaria tempo, mas

de alguma maneira a Mônica do passado e a do presente haviam se encontrado e

pareciam curiosas.

Quando passou mais algum tempo, cada uma foi acabando o seu café

recolhendo os utensílios de cozinha, lavando as xícaras, organizando e

guardando tudo até todas estarmos do lado de fora. Fui acompanhando-as até a

saída, cada uma foi se despedindo enquanto diziam que me esperariam para o

próximo dia.

No caminho de volta a casa, meu coração dava pulos dentro do peito, e a

minha razão não deixava de fazer perguntas, não entendia muito bem por que

tanta emoção, minha intuição falava tão alto e me dizia: quem sabe neste espaço

encontres algo mais do que estás buscando, quem sabe encontres muito mais do

que procuras.

Escrevi sobre este meu encontro logo após o primeiro contato com o atelier

e com as mulheres. Depois deste dia, frequentei três aulas de cerâmica, e logo

houve o recesso para as férias de verão e foi durante este intervalo, que passei a

escrever o projeto de tese.

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Reencontrar-me com este contexto e refletir sobre ele possuía algo

intrínseco que me estimulou a desenvolver esta investigação. Foi um passo que

me aproximou de questões que há tempos estavam perdidas, talvez

perambulando por qualquer outro lugar, longe de mim e que, sem querer,

encontrei naquele espaço. Naquele primeiro dia, eu não pude estimar o quão

importante toda esta experiência poderia ser, o quanto eu poderia aprender com

aquelas mulheres e nem que dali, daquele encontro fortuito, pudesse nascer uma

tese. Mas aconteceu.

O atelier de cerâmica é um espaço onde um grupo de em média 10

mulheres (este número variou muito, ao longo do tempo em que realizei as

observações, o grupo oscilava entre 7 a 10 participantes, sendo que nem todas

frequentam as classes os dois dias durante a semana) que se reúnem duas vezes

na semana para fazer cerâmica.

Este espaço pertence ao Centro Cívico, no entanto, as aulas que são

ministradas para este grupo são organizadas por uma associação de mulheres do

bairro, de que todas as frequentadoras fazem parte.

Já no primeiro dia que fui visitar o atelier a professora me contou que

praticamente é o mesmo grupo já há quatorze anos29 e que ao longo do tempo

sempre tem algumas alunas novas que vão por um tempo e logo deixam de

participar, mas que a maioria das mulheres que começaram, estão até hoje.

Também em uma das entrevistas, Isa contou como a associação de mulheres

passou a utilizar o atelier do Centro Cívico:

29 Pareceu-me curioso saber que aquele grupo de mulheres levava quatorze (14) anos trabalhando com

cerâmica, se reunindo duas vezes por semana naquele espaço e realizando basicamente o mesmo tipo de

atividade. O que leva estas mulheres a participar de uma mesma atividade por tanto tempo? Era um

questionamento que fiz por um bom tempo.

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Primero estábamos en un local que era del barrio, y ahí iban niños después del

colegio y todo. Y después de que hicieran aquí el centro cívico nos dijeron de una

clase de cerámica y como el horno de ahí era de aquí del centro cívico nos lo

traían aquí, entonces venimos nosotras. (Fragmento da entrevista com Isa, junho

de 2011).

A professora que ministra as classes é a responsável pela compra de

material, por preparar o forno para as queimas e também por orientar as alunas,

mas quem a contrata é a associação de mulheres. As participantes do atelier

pagam uma mensalidade, havendo diferença para quem é membro da associação

e quem não é, no entanto, a manutenção do espaço é realizada pelo Centro

Cívico.

O trabalho desenvolvido no atelier de cerâmica, as dinâmicas de

orientação, o desenvolvimento dos participantes, o tempo necessário para a

realização de um trabalho, assim como o tempo de secagem que o barro

necessita para modificar sua estrutura física até chegar à etapa de cozimento e se

tornar cerâmica, implicam em fatores subjetivos e pessoais tanto para aqueles

que ensinam como também para os que aprendem.

Por outro lado, pude perceber que existem algumas características ao se

tratar do trabalho em um atelier de cerâmica, já que no atelier observado, ocorre

uma prática coletiva, de construção de relações e vínculos, sendo um espaço em

que as trocas de experiências e as descobertas acabam compartilhadas e são

norteadas por estruturas mais flexíveis, onde a questão primordial gira em torno

de variáveis como, por exemplo, o tempo, o tipo de material empregado, já que

existe uma variedade grande de argilas que podem ser utilizadas para a prática

artística e também, pela subjetividade de quem desenvolve um trabalho cerâmico.

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100

No sentido organizacional, este espaço remetia-me ao meu atelier durante

o curso na universidade tanto pela disposição das mesas, como também, pelo

“território30” ocupado por cada uma das participantes. Com o tempo, tal como a

experiência vivida enquanto universitária cada participante ocupava

sistematicamente o mesmo espaço em cada aula e este acabava sendo

reconhecido pelas demais.

Lembro que logo nos primeiros encontros, havia certa tensão quando eu

sentava no “lugar” de alguma das participantes que não estavam, até que um dia,

eu passei a ter o “meu” lugar tanto no atelier como também no grupo.

Cada uma foi tomando seus assentos, seus lugares cativos neste espaço, na

mesa grande sentam Nines, Liza a sua frente e a seu lado Dolores, e em frente a

ela senta-se Marta. Em uma mesa pequena perto do forno senta Meri e quanto a

mim, Isa me indicou outra mesa em que eu estaria sozinha, mas foi só por um

tempo. Ao meu lado senta Inés e na ponta da mesa, Charini. (Fragmento do

Diário de Campo, junho de 2010).

Em geral durante os encontros converso mais com Inés, Nines e Isa, porque são

as mais falantes. Isso tem muita ver com os lugares em que sentamos, Inés está

do meu lado, dividimos a mesa, na outra mesa está Nines na ponta e Isa está

sempre circulando, e assim acabo conversando mais com elas. (Fragmento do

Diário de Campo, maio de 2011).

Um dos pontos que saliento dentro desta investigação e que logo se tornou

um fator de grande relevância é a questão do tipo de modalidade educativa que o

atelier de Cerâmica do Centro Cívico proporciona: sem regras rígidas, sem

controle de frequência, sem um planejamento uniforme, sem propostas e sem

metas, mas onde se aprende algo: fazer cerâmica...

30 Território neste sentido é utilizado somente como sinônimo de espaço.

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Eu, enquanto professora, estudante de artes, investigadora me

questionava: e se houvesse uma proposta, um plano de trabalho? Será que elas

continuariam ali? Aconteceria ali um fazer consistente? Ou aquele conhecimento

era efêmero e suficiente para suprir suas necessidades para produzir cerâmica

naquele momento e para aquela finalidade como produzir um prato, um vaso?...

A cerâmica requer um modo “especial de ensinar e aprender e um dos

fatores que determina este modo “especial” de ensinar é propriamente, o material

utilizado. O barro como matéria prima na confecção da cerâmica não se adapta a

regras muito estritas, sua natureza, sua metamorfose depende do espaço/tempo,

depende também da subjetividade de quem o manipula, ele requer paciência e

persistência. E com essa paciência e persistência fui conhecendo cada uma das

participantes desta investigação.

22.3.4 De aluna à investigadora: caminhando com cautela

Em minha primeira ida ao atelier senti curiosidade, meu interesse havia

sido despertado em saber mais sobre aquele contexto tão familiar e ao mesmo

tempo tão desconhecido, assim a vontade de construir meu projeto de tese se

concretizou ao finalizar minha primeira visita. No entanto, depois daquele primeiro

encontro, fui a dois mais, pois o semestre se encerrava e somente retornaria dali

há alguns meses. Neste tempo, construí o projeto de tese e também, todas as

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minhas hipóteses sobre aquele espaço. Mas mais que hipóteses, formulei e

reformulei dúvidas e incertezas sobre como aconteceria minha investigação.

Lembro-me que antes de iniciar o processo de coleta de materiais,

encontrei-me com meu orientador, professor Fernando Herraiz e um dos temas

que debatemos neste dia foi da possibilidade de o espaço, não fornecer subsídios

para a investigação se realizar, ou seja, que seria importante considerar outras

possibilidades, já que não estava levando em conta alguns fatores, como por

exemplo, o de que as mulheres não se interessassem em participar da

investigação. Ainda, entre as dúvidas que me assolavam estava a questão de

minha entrada no campo.

Devido a minha formação, a cerâmica não era uma desconhecida, ao

contrário, tínhamos uma história juntas, embora nos últimos tempos estivéssemos

um pouco afastadas, com nossa relação um pouco estremecida pelo abandono,

ainda assim, eu a considerava, eu a estimava, ela era parte de mim, ou melhor,

havia sido (mas logo concluí que continuava sendo). Mas eu sabia como

manipulá-la, eu conhecia bem o processo necessário para a sua transformação,

sabia também como percorrer os meandros para a sua existência. Na verdade, o

(re) conhecimento que existia entre nós era profundo e, naquele momento, ele me

pesava31.

31 Minha história com a cerâmica começou quando eu a escolhi como atelier principal no curso de Desenho e

Plástica. Lembro-me com perfeição, do primeiro dia no atelier, em que a professora nos ensinou as técnicas

(como uma forma de contato e também uma das partes importantes desta prática, pois se as pessoas não

dominarem as técnicas de construção, o repertório fica limitado, fica escasso, e, além disso, sempre é

possível desenvolver técnicas próprias, que é o que acontece na maioria dos casos – metodologias da poética,

que constitui na metodologia de cada um fazer o seu trabalho artístico). Em meu primeiro contato com a

cerâmica, a primeira sensação que tive foi angústia diante daquele bloco de possibilidades de uma

consistência pouco agradável, de uma frieza assustadora e que me dominava sem esforço. Com o passar dos

anos já não havia dominantes nem dominados, tudo era feito em comum acordo, era uma relação feita de

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Isa sempre vem me dar atenção, sempre tenta me ajudar a resolver no que tenho

dúvida, na maioria das vezes eu escuto, pergunto e ajo como se eu fosse

principiante, como se eu estivesse começando a fazer cerâmica agora, isso não é

intencional e sim natural, porque me dou conta que é assim mesmo que me sinto.

Mas ao mesmo tempo sei que por trás destas formas, deste gestual contido que

eu conservo, tem uma história e uma relação que vem de longa data com a

cerâmica. Nós conhecemos não de hoje, mas de uma vida inteira. (Fragmento do

Diário de Campo, maio de 2011).

Era porque essa relação se tornava uma dúvida importante para um

começo que estava eminente, para uma história que eu queria iniciar da forma

mais transparente possível e que fosse construída pela confiança e respeito

mútuo.

Enquanto as mãos, com paciência e carinho se submergem na matéria fria e

inexpressiva que repousa sobre a mesa, as cabeças voam para longe, os

pensamentos ganham asas e refletem sobre a vida. Sobre essa que foi vivida,

gastada (segundo algumas, mal), a vida passada, a vida lastimada. Não sei se

ainda possuem espaço para sonhar com a vida futura, ou com uma vida que

chegue e que faça a diferença daqui pra frente. Mas o que sei é que por meio da

cerâmica cada uma constrói seu mundo: ideal, imaginado, desejado? A quem

importa? Já que neste momento o mundo que compartilhamos se constitui neste

espaço, surge de nossas mãos e se reconstrói através das palavras. (Fragmento

do Diário de Campo, abril de 2011).

Como eu me apresentaria para aquelas mulheres? Chegaria do alto do

meu salto alto, contando vantagem de uma relação íntima com a amiga

(cerâmica) delas? E eu, diria assim, à queima roupa: - “Quero fazer uma

diálogo e de muita sutileza. Pouco a pouco tenho tido estas sensações novamente, de me comunicar com a

voz que vive naquele pedaço de matéria que esconde dentro artefatos perdidos na minha memória, na minha

infância e na minha imaginação. (Fragmento do Diário de Campo, maio de 2011).

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investigação com vocês”! Sabia que não poderia ser desta maneira, sabia que

precisava de tempo, de paciência, alguns laços precisavam ser feitos, mas sabia

que precisava iniciar de alguma maneira.

Uma das prerrogativas por eu haver escolhido (ou ser escolhida) como

perspectiva metodológica a Investigação Narrativa, foi acreditar na capacidade

deste tipo de abordagem de criar relações e estabelecer conexões com as

participantes, criar vínculos e conhecer as histórias e as vozes do outro, dar

espaço para que as experiências fossem sendo compartilhadas gerando assim

uma prática social mediada pelo complexo jogo que envolve as narrativas.

A forma de contar nossas experiências, as informações que selecionamos

a nosso respeito é a maneira pela qual queremos que o outro nos conheça, são

elas que fornecem a base inicial na construção das relações. Forma-se então,

um complexo jogo narrativo que auxilia a dar sentido a quem somos, ou “quem

sou eu” dentro daquele grupo social.

Mas enquanto eu divagava perdida em meus pensamentos, ao meu redor minhas

companheiras se mostravam ávidas por falar, por contar, por dividir sua alegria de

estarem reunidas nesta tarde, contavam coisas de suas vidas, contavam piadas,

riam e se divertiam e ao mesmo tempo sempre preocupadas com as minhas

impressões ou o que eu pensaria delas. Eu embora ouvindo tudo que elas diziam,

e interferindo uma vez ou outro com um sorriso, seguia com meu problema em

forma de barro diante de mim. (Fragmento do Diário de Campo, junho de 2011).

Ao iniciar esta caminhada investigativa não tinha certeza se chegaria

aonde eu vislumbrava chegar, a realização de minha tese naquele espaço

dependia de tantos fatores, de tantos elementos externos à minha vontade. Como

alternativa decidi que o melhor seria iniciar desfazendo-me, naquele momento,

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daquela “pesada bagagem” que eu trazia e apresentar-me como alguém que

queria aprender, eu seria a aluna, disposta a reaproximar-me do “fazer cerâmica”,

a aprender e a ouvir, conquistar meu espaço, tornar-me parte do grupo e deixar

que a investigadora, se sentisse conveniente, encontrasse o seu momento para

se apresentar.

Segundo Triviños “Uma das situações mais difíceis que se apresentam ao

pesquisador que quer estudar a realidade social (...) é a de definir com clareza a

sua função” (1987, p. 141) e eu ainda acrescentaria que segundo esta experiência

investigativa, diria que foi a de definir minha posição dentro do grupo, ou melhor

dito, a de aprender a conviver com as diferentes posições que fui ocupando.

22.3.5 As protagonistas da história: as

participantes/colaboradoras

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Minha proposição de passar a fazer parte do grupo, de conviver, partilhar

perspectivas e opiniões aconteceu de forma gradual. À medida que eu me

reaproximava da cerâmica, fui conhecendo cada uma das minhas colegas de

atelier, também sendo reconhecida e conhecida por elas.

Passei a frequentar o atelier de maneira regular duas vezes por semana

em outubro de 2010. Naquele momento o grupo era formado por nove mulheres

de diferentes idades, vivências e experiências, que aparentemente tinham o fazer

cerâmica como ponto comum, mas que a convivência e as relações de confiança

e amizade mostraram existirem outros aspectos que perpassavam as questões do

simples fazer cerâmica em grupo.

Com o passar dos encontros fui conhecendo mais e mais as participantes

do atelier, percebendo como cada uma gostava de trabalhar, as que eram mais

falantes ou mais caladas, conhecendo seus posicionamentos e aproximando-me

dos fragmentos de vida que elas iam contando, como se fossem compondo uma

imensa colcha feita das histórias de suas vidas. Por questões de afinidades e

também de personalidade acabei aproximando-me mais de algumas participantes

do que de outras. Com algumas delas encontrava-me com frequência pelo bairro

em outras atividades do Centro Cívico e com o tempo foi se estabelecendo uma

relação mais próxima que transcendia o espaço do atelier.

Da mesma forma, durante a coleta de materiais nem todas as participantes

que frequentavam as aulas tiveram o mesmo grau de participação em função de

diferentes fatores como: a disponibilidade, a assiduidade às aulas, personalidade

(por serem mais caladas ou extrovertidas). De toda a forma, considero que a

participação nas discussões durante os encontros, das conversas e o convívio

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geraram subsídios para considerá-las como participantes sem estabelecer

distinções pela intensidade de suas contribuições.

Da mesma forma que as relações estabelecidas com cada uma das

participantes reflete na construção desta história: umas com mais profundidade;

outras com mais superficialidade. Tal como as relações que estabelecemos ao

longo de nossa vida. Mas uma coisa é certa: à sua maneira, cada uma contribuiu

para a realização desta investigação.

Algumas histórias eram divertidas, outras, nem tanto. Algumas falavam

somente de banalidades do dia-a-dia, dos programas de televisão32, da vida das

celebridades e outras de problemas sérios e reais que faziam com que aquele

grupo fosse mais que somente um grupo de colegas.

Isso ocasionou uma dúvida importante para o processo investigativo, a de

usar ou não os nomes verdadeiros das participantes. Quando fiz o convite formal,

questionei-as sobre essa possibilidade, nenhuma delas se opôs a utilizar seus

nomes verdadeiros, mas com o passar do tempo e devido à franqueza dos relatos

que estavam sendo produzidos, os detalhes e experiências que foram sendo

contadas fizeram com que eu reconsiderasse o fato de revelar as suas

identidades, expliquei minhas dúvidas a elas e em comum acordo decidimos que

elas adotariam nomes fictícios como forma de preservar a integridade dos relatos

e proteger a sua intimidade.

Adotar pseudônimos foi uma preocupação e um cuidado que senti

necessários porque embora as participantes afirmassem que não havia problema

32 Entre os programas de televisão dos quais falávamos estava o Callejeros Viajeros que é um programa

veiculado na televisão espanhola no canal Cuatro em que uma equipe de repórteres visita diferentes países do

mundo para conhecer a partir das experiências e perspectivas dos seus habitantes, peculiaridades dos lugares

e das cidades.

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em ter seus nomes e imagens revelados, por outra parte percebia nos silêncios e

nas entrelinhas dos diálogos certa preocupação sobre o que eu faria com o

material que estava sendo produzido e de como elas apareceriam, como os

demais iriam vê-las. Deste modo, redigi um Termo de Consentimento Informado

(Anexo I) onde procurei explicar os objetivos da investigação a que instituição a

pesquisa estava vinculada e, o mais importante, que reiterava a total

confidencialidade do material produzido, em que seus nomes não seriam

revelados33 garantindo assim a preservação das identidades.

Mônica: muy bien, otra cosa también que quería preguntar es que no necesito

utilizar los nombres verdaderos de vosotras, por si acaso vosotras estarán más

tranquilas?

Isa: yo tento3 nombres puedes elegir tu!

Marta: bueno no somos famosas ni nada que tengamos que ocultar nuestra

identidad, ¿verdad?

Inés, por mí no pasa nada. Pero también queremos que te quede guapo.

Mônica: Bueno, mi propuesta es que hasta que vosotras no lean las entrevistas

no utilizaré los nombres verdaderos, después que vosotros lean y vean que están

de acuerdo hablamos nuevamente para saber si queréis que yo ponga sus

nombres reales o no. Que os parece? (Fragmento do Diário de Campo, maio de

2011).

Lembro-me que ao levar o termo de consentimento, passei uma cópia para

cada uma e li em voz alta, perguntando se elas estavam de acordo e se havia

alguma dúvida. Ao estarem de acordo pedi que assinassem e colocassem a data.

33 No Termo de Consentimento Informado é mencionado que elas autorizariam a utilização de suas imagens

já que ao longo da coleta de dados também produzi fotografias. Mas devido ao compromisso ético que rege

este estudo e ao comprometimento de não revelar as identidades das participantes, as imagens que por

ventura apareçam seus rostos receberão tratamento adequado para que não possam ser identificadas.

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Enquanto elas assinavam, um comentário de uma das participantes, Nines, me

chamou a atenção: “Bueno, pues entonces esto va em sério”.

Fiquei com este comentário dando voltas em minha cabeça, pensando:

quem sabe ter feito um termo de consentimento seria algo formal e antagônico à

relação que havíamos construído entre nós.

Passados alguns dias, meu pensamento foi serenando, passei a considerar

que a formalidade instituída entre investigadora e investigadas foi uma forma de

garantir e preservar a confiança que elas haviam depositado em mim, de proteger

a privacidade e a integridade dos laços de amizade e respeito que se constituíram

através do convívio no atelier.

O comentário de Nines serviu para que eu refletisse sobre a importância

das partes envolvidas em um processo investigativo: de sentirem-se respaldadas

em uma relação de comprometimento e confiança para que suas histórias e

relatos fossem respeitados.

Por outro lado, o Termo de Consentimento Informado34 é um documento

utilizado, na maioria das vezes, em pesquisas na área da saúde, respaldado e

elaborado conforme às Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas

Envolvendo Seres Humanos, segundo o Conselho Nacional de Saúde (Resolução

CNS 196/96), do Brasil, que obedece às Diretrizes do Internacionais do Council

for International Organizations of Medical Siences (CIOMS), (1993).

Entendo que estas normas e diretrizes, embora relacionadas ao campo das

Ciências Médicas, pode ser também, extensivas às pesquisas desenvolvidas em

Ciências Sociais e Humanas, já que prima pelo tipo de tratamento e cuidado que 34 Carlos Fernando Francisconi e José Roberto Goldim “Termo de Consentimento Informado para Pesquisa -

Auxílio para a sua Estruturação. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/conspesq.htm (Acessado em 17

de janeiro de 2012).

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se deve ter com os colaboradores e participantes em uma investigação,

informando-os, através de linguagem clara, de que se trata a investigação,

objetivos da mesma, a que instituição está vinculada, que destino terá o material

coletado, qual será seu uso, bem como o compromisso com a preservação e

proteção de suas identidades.

Estes foram os critérios que adotei nesta investigação ao elaborar o Termo

de Consentimento Informado em que utilizei como referência o material produzido

por Carlos Fernando Francisconi e José Roberto Goldim “Termo de

Consentimento Informado para Pesquisa - Auxílio para a sua Estruturação”. Este

material, embora direcionando para pesquisas na área da saúde, oferece

subsídios importantes para refletir nos cuidados que se deve ter ao realizarmos

pesquisas envolvendo outros seres humanos.

Acredito que a responsabilidade ética que envolve a pesquisa com

pessoas, independentemente da área em que esta se realize, e meu

posicionamento pessoal, como educadora e pesquisadora primaram pela

transparência, pelo cuidado e, sobretudo, pelo respeito com as participantes que

colaboraram neste longo processo investigativo.

Ao discutir decisões éticas da investigação, outra ação que teve especial

importância foi a de solicitar que as participantes escolhessem o pseudônimo pelo

qual gostariam de serem identificadas35. Os pseudônimos adotados pelas

35 Este aspecto teve especial importância para mim porque durante os anos como aluna na universidade

participei como “sujeito” em uma investigação. Neste caso, nunca fui informada qual era o pseudônimo que

correspondia a mim o que gerou certa frustração já que havia participado por um longo período da coleta de

materiais, fui observada, realizei entrevistas etc., e ao final do processo não tive nem ao menos o retorno da

pesquisadora para informar como eu seria identificada em sua pesquisa. Esta experiência me proporcionou

um aprendizado importante, que de certa forma, influenciou desde então na postura que eu passei adotar

enquanto investigadora sendo consciente da importância das relações éticas e de respeito que devem existir

com aqueles que colaboram e participam em uma investigação.

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participantes foram escolhidos através de critérios pessoais, nomes que lhes

traziam recordações da infância, apelidos utilizados no seio familiar ou nomes que

são especiais para elas. Assim, as participantes da investigação são: Isa, a

professora, Inés, Charini, Nines, Dolores, Liza, Meri, Marta e eu, Mônica.

IIsa, a professora.

Isa tem 61 anos é professora de cerâmica há mais de 40 anos. Ela é viúva,

tem duas filhas e dois netos. A história de Isa com a cerâmica começou como um

hobbie e por circunstâncias da vida tornou-se sua profissão. Através da

associação de mulheres do bairro ela começou a ministrar classes de cerâmica

no Centro Cívico e segue até hoje, quase 15 anos depois e praticamente com as

mesmas alunas.

Isa tem uma relação muito boa com todas as alunas, sua postura como

professora é a de tornar aquele espaço agradável para todas as participantes

sendo sempre muito solicita e empenhada em resolver as dúvidas e os problemas

das alunas auxiliando na execução das peças, na pintura e buscando resolver as

dúvidas de todas as participantes. Também é ela a responsável pela montagem

do forno para as queimas, pela compra de material que se utiliza nas aulas como

a argila, as tintas e os vidrados, e é a responsável pela manutenção do espaço

junto ao Centro Cívico.

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Tenho uma forte lembrança de Isa quando em minha primeira visita ao

atelier, enquanto ela ia explicando a dinâmica do atelier, como eram suas aulas,

etc., aproveitei para perguntar se ela gostava de trabalhar e ensinar no atelier de

cerâmica e ela me respondeu: “Tengo suerte de que la vida me ha dado la

oportunidad de hacer lo que a mí más me gusta”.

IInés

Inés tem 40 anos, é casada e não tem filhos. Devido a um problema de

saúde ela atualmente não trabalha mais na sua profissão e usa seu tempo para

fazer cursos e atividades de lazer.

A cerâmica entrou na sua vida há mais ou menos 5 ou 6 anos, quando em

uma feira livre que acontece uma vez ao ano na “rambla” do bairro ela ficou

sabendo do curso de cerâmica, apesar de nunca ter feito antes, ela disse que

sabia que ela gostaria porque tinha relação com sua antiga profissão.

Durante o período em que frequentei as aulas, Inés sentava ao meu lado, e

sempre foi uma das participantes com quem mais conversava e que com mais

afinidades encontrei. Ela sempre se mostrou muito alegre, falante e divertida,

dinâmica, sempre tinha várias peças começadas ao mesmo tempo. Era bastante

detalhista, pois gastava muito tempo consertando peças que não lhe haviam

agradado.

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No último ano, voltou a estudar para concluir o curso de Bachillerato36

revelando que a mesma está sempre em busca de nova perspectiva de vida. Inés

foi uma das entrevistadas e falarei mais sobre ela adiante.

CCharini

Charini tem 60 anos sua ocupação é dona de casa, é casada e tem dois

filhos. Nunca teve outra ocupação a não ser quando jovem, que ajudava no

negócio de propriedade da família. Ela nasceu em Sevilla, e tem suas raízes

andaluzas como motivo de muito orgulho. Aos 23 anos casou e veio para

Barcelona. Ela conta que foi educada para ser dona de casa, para ter e criar filhos

e cuidar do marido. Sempre gostou muito de todo tipo de artesanato, arte, música

e em sua casa ela tem um pequeno atelier em que desenha e pinta. Faz 11 anos

que ela começou a fazer cerâmica e é a única atividade que ela gosta de ir ao

atelier e trabalhar com mais pessoas. Ela gosta da parte criativa, dificilmente ela

36 El Bachillerato es la última etapa de la Educación Secundaria. No es obligatoria. El requisito de acceso es

el título de Graduado/a en Educación Secundaria o el titulo de la Formación Profesional de grado medio.

La duración del Bachillerato es de dos cursos académicos, normalmente entre los 16 y los 18 años. Se puede

elegir entre cuatro modalidades diferentes: (1) Artes (2) Ciencias de la Naturaleza y Tecnología (3)

Humanidades y Ciencias Sociales .Tras la evaluación positiva en todas las materias los alumnos obtienen el

título de Bachiller, con el cual pueden acceder a: * carreras universitarias de grado superior y medio. En este

caso, tienen que superar una prueba de acceso a la universidad. * Formación Profesional de grado superior.

Disponível em: http://www.educacion.gob.es/exterior/fi/es/estudios/sist_educ.shtml#bachillerato (Acessado

em 26 de junho de 2013).

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utiliza molde ou modelos para suas peças, já que gosta de criar tanto as formas

como também os desenhos e cores que utiliza.

NNines

Nines tem 68 anos, é casada e tem dois filhos e dois netos. Por influência

da mãe que era costureira desde muito cedo ela se interessou por trabalhos

manuais, mas por outro lado, mais do que interesse era uma necessidade saber

costurar, bordar, cozinhar, já que ela desde jovem se preparava para o

casamento, para cuidar da casa dos filhos e marido.

Desde que iniciei minhas idas ao atelier mostrou-se sempre uma pessoa

muito aberta, dinâmica e comunicativa, com um olhar extremamente positivo para

a vida. Ela começou fazer cerâmica há quase 20 anos, antes que Isa começasse

a dar aulas. Era com um grupo vinculado ao Centro Cívico e não havia ligação

com a associação de mulheres, e desde que Isa iniciou como professora ela vem

às suas aulas. Ela também é a responsável por cobrar as mensalidades das

demais participantes, recolher o dinheiro para o café e eventualmente ajudar a

professora quando é necessário ir desligar o forno após uma queima.

Ela começou a fazer cerâmica para experimentar, e ao final ela gostou

tanto que segue frequentando o atelier. Ao longo dos anos ela conta que teve

fases diferentes, de fazer utilitários, pratos, potes, vasos ou objetos decorativos,

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máscaras, folhas, relógios, etc. Por ser uma das entrevistadas falarei mais sobre

Nines, adiante.

DDolores

Dolores é uma das participantes mais caladas, quase não conversa

durante os encontros e sempre está muito concentrada no seu trabalho. Ela tem

68 anos, é casada, e tem 4 filhas e 3 netos. Ao longo de sua vida ela teve

diferentes ocupações, mas a maior parte do tempo trabalhou como arrumadeira

em um hotel. Depois que se aposentou, sentia necessidade de sair e fazer algo

que lhe preenchesse o tempo, assim há 3 anos ficou sabendo do grupo de

mulheres que fazia aulas de cerâmica e resolveu ir participar para se distrair e

passar o tempo.

Ela gosta de ir experimentando com o barro, gosta de fazer objetos

decorativos como quadros, relógios etc., e às vezes algum objeto utilitário.

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LLiza

Liza tem 58 anos, é casada e tem um filho de 34 anos. Há 42 anos trabalha

na mesma profissão. Sempre gostou de peças em cerâmica e através da

associação de mulheres do bairro ela soube que uma professora começaria a dar

aula de cerâmica e desde então, faz 15 anos que ela frequenta o atelier.

Durante este tempo ela contou que já fez diversas peças, relógios, pratos,

potes, objetos decorativos e que mesmo assim sempre tem algo diferente para

fazer. Nossas relações não se aprofundaram muito porque não nos

encontrávamos com frequência e nem nos mesmos dias no atelier.

Meri

Meri tem 66 anos, é casada e tem 3 filhas. Casou com 18 anos e desde

então dedicou a maior parte de sua vida a cuidar da casa, das filhas e do marido.

Depois que suas filhas cresceram ela um negócio próprio que, em 1999 fechou.

Com mais tempo livre, ela iniciou as aulas de cerâmica, há 13 anos.

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Ela gosta de fazer cerâmica porque considera uma atividade muito criativa,

e o que ela mais gosta é de pintar a cerâmica e em decorrência deste gosto,

começou a pintar quadros também. Meri demonstrava com frequência ser uma

pessoa muito sensível, emotiva e muito atenciosa, sempre preocupada em ajudar

as outras pessoas.

MMarta

O dia em que fiz as entrevistas com as participantes, Marta não estava

presente e por motivos de saúde ela já não retornou às classes de cerâmica antes

que eu concluísse a coleta de dados. Deste modo, irei considerar a participação

de Marta devido ao tempo de convívio e conforme as aportações que ela realizou

ao longo dos encontros.

2.3.6 Criando laços e desatando nós: aproximações

Encontrar-se em um grupo de pessoas desconhecidas pela primeira vez e

tentar ser aceita por ele é o tipo de situação que todos nós, em algum

determinado momento da vida tivemos que enfrentar. Situações deste tipo para

alguns são motivo de temor e insegurança, para outros pode ser estimulante e

motivador.

O início de minha caminhada no atelier de cerâmica foi um misto de todos

estes sentimentos, dois lados da mesma moeda díspares e antagônicos: temor e

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insegurança, ansiedade e curiosidade, primeiro porque estava reencontrando-me

com minha velha amiga, a cerâmica, e ainda, não sabia como seria recebida por

ela, em segundo, porque apesar de estar no atelier primeiramente como aluna,

sabia que em breve eu deveria iniciar a coleta dos materiais para a investigação e

para isso, necessitaria que minhas colegas de atelier aceitassem participar da

investigação.

Após o retorno das férias de verão, em outubro de 2010, comecei a

frequentar o atelier de cerâmica como aluna duas vezes por semana, nas quartas

e sextas-feiras. Durante este período pude refletir sobre o projeto contrastando o

que eu havia conjecturado, com o espaço que eu me propunha investigar, mas

também, foi um tempo importante, por não ter pressão, por a cada aula deixar-me

levar, ao invés de guiar, deixar-me ser guiada e ver até onde iria parar.

A cada encontro sentia-me satisfeita, por uma parte, embora a cerâmica e

eu fôssemos reaproximando-nos a passos lentos. Havia sim reconhecimento,

aconchego e familiaridade, mas mesmo assim, sentia falta de outras coisas e eu

pensava: Que bom que não disse nada a respeito do que eu achava que existia

entre a cerâmica e eu, porque, tudo aquilo que eu achava que seria fácil encontrar

– a artista ceramista – devia estar escondido em algum lugar.

Enquanto isso, fui acostumando-me ao ambiente, fui tocando pouco a pouco a

superfície úmida e fui deixando meus dedos reconhecerem este velho

companheiro. Sentia-me como uma criança, experimentando a sensação do barro

frio em contato com a superfície da pele pela primeira vez, fui saboreando a

sensação despretensiosa de estar ali e enquanto isso as demais mulheres

seguiam com o seus trabalhos, pintando pacientemente a superfície já cozida do

barro, agora cerâmica, na sua condição definitiva. Fui despedaçando suavemente

e pressionando o barro sobre a madeira e o que vinha em minha cabeça eram as

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caixas que no início eu fazia ainda na faculdade, depois comecei a fazer

pequenas esferas e pressioná-las sobre a palma da mão, coisa que eu também

fazia no tempo de atelier, lembrava-me também do primeiro dia de aula, em que

tivemos uma “sessão de técnicas”, e que eu me sentia tão pouco à vontade com o

barro e como me incomodava a sensação de ter as mãos sujas. Lembrar-me

disso tem até sua graça, pois neste momento minha sensação era completamente

oposta àquela do primeiro começo. Neste “novo” começo, ou recomeço, a

sensação é de conforto, é a de reencontrar um desassossego que preenche, que

invade, que situa, mesmo sem nada fazer, mesmo sem nada ser... (Fragmento do

Diário de Campo, junho de 2010).

Por outra parte, sentia que aquele era o lugar que eu deveria estar e que

minha intuição não havia me iludido, aquelas mulheres eram, ao seu modo,

pessoas especiais, com quem eu poderia, no mínimo, aprender uma porção de

coisas.

Segui frequentando as aulas, até o recesso para as festas de fim de ano,

momento em que eu aproveitaria para organizar o cronograma investigativo e ter

tudo preparado para quando voltássemos eu pudesse convidá-las para participar

da investigação.

O mês de janeiro chegou e com ele, muitas incertezas: como fazer este

convite? Conversando com meu orientador, ocorreu-nos duas possibilidades que

poderiam auxiliar neste processo, a primeira poderia ser através de uma carta

convite, uma maneira mais formal, e a segunda, fazer o convite verbalmente.

Passei algum tempo pensando qual seria o melhor momento de fazer o convite

oficial para que elas participassem da minha investigação. Janeiro já estava na

metade, eu já havia conversado com Fernando sobre as possibilidades que eu

tinha e a cada encontro que eu ia, pensava: hoje vou conversar com elas, de hoje

não passa! Mas o momento certo não surgia e minha angustia só aumentava.

Decidi então, a melhor maneira seria fazer uma carta, estava decidida que faria

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assim: uma carta convite que eu leria na hora do café. (Fragmento do Diário de

Campo, janeiro de 2011).

Dentro das possibilidades apresentadas para a coleta de materiais, a

Investigação Narrativa apresenta o escrever cartas como uma alternativa para

estabelecer um diálogo em um ritmo diferente do que se imprime quando as

relações entre a investigadora e investigadas ocorrem pessoalmente. Trocar

cartas em uma coleta de materiais pode ser uma maneira de oferecer

interpretações provisórias, de coisas que poderão ser revistas e refletidas com o

avanço da investigação.

Também pode ser uma maneira de exercitar o diálogo e a construção das

narrativas, ajudando assim a todos os envolvidos compreender seus

posicionamentos e avaliar suas próprias inquietudes e perspectivas.

Mas aconteceu diferente:

Estávamos conversando e alguém perguntou o que eu estava estudando, achei

que era o momento perfeito, e comecei a contar que havia vindo à Barcelona para

fazer o doutorado em Artes e Educação, e fui contando em qual universidade eu

estudava em como havia sido os primeiros anos etc., elas seguiam interessadas e

fazendo-me perguntas, foi então que disse:

“- Me gustaría preguntar una cosa a vosotras, es que tengo que hacer una

investigación para el doctorado, es decir, tengo que hacer mi tesis. Y desde que

he empezado a venir en el taller, me ha dado ganas de investigar sobre algunas

cuestiones que he observado aquí.”

Nesta hora todas elas me olhavam e me ouviam com atenção. Prossegui,

dizendo:

“- Hace un par de meses he hablado con mi tutor y empecé a escribir sobre

nuestros encuentros y eso me ha ayudado a pensar que podría realizar una

investigación sobre nosotras y en como convivimos en el espacio del taller. ¿O

que os parece?”

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Então uma delas me perguntou como eu faria e o que elas teriam que fazer?

Disse-lhes que se elas estivessem de acordo em participar eu começaria fazer

observações dos encontros, tomaria nota do que fosse acontecendo no atelier,

faria fotografias, teria um diário em que contaria o que havia ocorrido nos

encontros, faríamos entrevistas, e que pouco a pouco tudo iria surgindo, que

dependeria da disponibilidade de cada uma e que a participação era livre, se

alguém não quisesse participar não tinha problema. (Fragmento do Diário de

Campo, janeiro de 2011).

A reação que as mulheres tiveram ao receber meu convite para que elas

participassem e colaborassem na investigação superou minhas expectativas,

posso considerar mais, que naquele momento, surgiram questões importantes

que talvez devessem ganhar maior representatividade, como a questão da

visibilidade. Passei a questionar-me que talvez participar de uma investigação

fosse uma oportunidade de serem percebidas, de terem suas vozes ouvidas e

suas perspectivas lançadas para além de seu cotidiano. Talvez porque de alguma

forma, elas vislumbraram nesta possibilidade uma maneira de atribuírem um novo

sentido para aquilo que vinham fazendo há tanto tempo.

Na hora elas ficaram eufóricas, felizes e muito entusiasmadas, falavam juntas,

riam e imediatamente começaram a buscar entre si pontos parecidos (Inés e

Nines), dos lugares comuns em que haviam estado, de situações de suas vidas

que tinham semelhança e se mostraram muito animadas.

Nines quis saber como eu faria as entrevistas, então disse que ainda estava

estruturando meu plano de ação para a coleta dos materiais, mas que

provavelmente faria uma rodada individualmente, e depois quem sabe,

poderíamos fazer uma conversa coletiva, entre todas para comentar o que surgiu

com cada uma e que elas achassem que deveriam compartilhar.

Complementei o assunto explicando que pensava também em gravar algumas

das nossas sessões assim como as entrevistas, que também seriam gravadas.

Comentei que depois que fizéssemos as entrevistas eu faria a transcrição, ou

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seja, escreveria tudo que havia sido dito e antes de utilizar qualquer coisa elas

poderia ler o material produzido e que eu me comprometia com elas que somente

utilizaria aquilo que elas estivessem de acordo. (Fragmento do Diário de Campo,

janeiro de 2011).

A negociação sobre o lugar que as participantes ocupariam na

investigação, foi um aspecto que embora demarcado e estipulado já neste

primeiro momento, foi sendo renovado e até mesmo reestabelecido ao longo de

todo o processo, à medida que as ações e acontecimentos foram se

desenrolando. Neste sentido, Connelly e Clandinin (2008, p.18) apontam que “la

negociación de la entrada en el campo es vista, comúnmente, como una cuestión

ética que tiene que ver con los principios que establecen las responsabilidades

tanto de los investigadores como de los practicantes”.

Na verdade, o convite formalizou o início da investigação, mas também, a

constante e permanente condição de negociação que investigar dentro da

perspectiva narrativa requer.

Outro aspecto que mereceu atenção especial foi a opção por identificar as

mulheres considerando-as como participantes e colaboradoras nesta

investigação. Os dois termos revelam aspectos importantes para o entendimento

da atuação das mulheres ao longo da pesquisa.

O sentido que o termo participante possuia estabelecia relação com a

questão de participar do atelier, e isso também se relacionava com a minha

posição, de participante, tanto do atelier como na investigação. Mas por outro

lado, o sentido de participante se consolidou à medida que passou a se relacionar

diretamente ao termo colaborador. Entendo que os dois termos indicam uma

postura ativa, capaz de interferir nos rumos e caminhos da pesquisa e por isso, as

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mulheres são consideradas tanto participantes como também colaboradoras.

Quanto a isso, Meihy (2005) respalda este pensamento ao considerar que:

(...) como personagem impõe o conceito de “colaborador” como substituto de “informante”, “ator social”, “objeto” ou “sujeito” de pesquisa. Há nesta mudança de consideração, mais do que um detalhamento técnico conceitual, uma tomada de posição filosófica que mexe com a noção de neutralidade e de distanciamento. (p.11).

Pode parecer que participante tenha um grau de importância diferente (ou

menor) do o termo colaboradora, no entanto, nesta investigação considero os dois

termos com o mesmo valor, já que a participação e colaboração com a

investigação ocorreram de forma indissociável em um processo de cumplicidade e

respeito mútuo e o sentido de confiança que foi sendo alicerçados pouco a pouco,

a partir do grau de envolvimento do grupo. Ainda, em outros momentos, o termo

investigadas pode aparecer, e assim como os demais termos, não é

hierarquizado, sendo apenas utilizado como sinônimo.

Pensei depois que esse era um risco bem grande, comprometer-me em deixar

nas mãos delas a eleição sobre o que poderia ser publicado ou não. Acho que

este seja o risco do investigador que se propõe a atuar desde a transparência,

particularmente não vejo outra forma de realizar esta investigação, sem que elas

estejam de acordo com tudo que lhes diz respeito.

Logo depois que expliquei isso, cada uma voltou aos seus trabalhos e, por fim,

pude começar a respirar mais aliviada. Agora era oficial, já tinha meu espaço

investigativo e as participantes para seguir em frente com a investigação. Foi um

dos encontros mais animados, em que percebi que todas se sentiram

verdadeiramente emocionadas com essa possibilidade, mas sem dúvida, eu,

ainda mais! (Fragmento do Diário de Campo, janeiro de 2011).

Depois que o convite foi feito, temia que de alguma maneira as mulheres

ficassem inibidas ou se sentissem vigiadas, mas isso não ocorreu. Os encontros

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transcorreram normalmente e eventualmente alguma delas perguntava:

“¿Entonces, como te va saliendo?” Referindo-se ao que eu estava observando, se

estava “servindo” para algo.

Sempre respondia de forma afirmativa, que sim, estava indo bem, mas ao

mesmo tempo, dizia a elas sobre o longo caminho pela frente, a etapa de

organização do material, de análise e escrita da tese. Talvez para elas, estas

explicações não fizessem muito sentido, mas, sobretudo para mim, eram

importante ter estas questões referidas, pois as incertezas que acompanhavam o

processo investigativo eram constantes. Por isso, penso que minhas respostas

eram dadas quase como evasivas, tentando amenizar as expectativas, e talvez,

alguma frustração, já que eu, naquele momento, também não possuía respostas

para tais inquietações, tanto delas, como minhas também.

Em alguns momentos, sentia a necessidade de contar mais, de certificar-

me que elas estavam seguras do que estava passando, de reavivar os “contratos”

e de também dar a oportunidade de clarificar e sanar qualquer dúvida que por

ventura tivesse surgido:

Sabes que después cuando salí de aquí la semana pasada, me quedé pensando

sobre esto de mi investigación, hoy quería hablar con vosotras sobre algunas

cosas que quizás me olvidé de decir. Bueno, el doctorado que hago es en Artes y

Educación y cuando pensé en hacer la investigación aquí era porque me

interesaba conocer como se construí las relaciones en este espacio, como

nosotras nos conectamos con lo que hacemos aquí con la vida en nuestras casas

con nuestra familia. También quería comentar que todo el material que yo

produzca es confidencial, nadie además de yo y vosotras oirá las cintas. Y las

entrevistas, como yo he dicho el otro día, voy utilizar después que vosotras lean y

estén de acuerdo. No lo sé o que a vosotras les parece?

Isa: La verdad me gusta la idea!

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Inés: Lo bueno es que tú hagas un guión para ir nos preguntando las cosas que tu

quieres saber, creo que es más fácil no? (Fragmento do Diário de Campo, maio

de 2011).

As questões éticas que envolveram as relações entre mim, enquanto

investigadora, e as investigadas, foi um aspecto que demandou especial atenção

ao longo da coleta materiais e posteriormente, na organização do material

coletado e da escritura da tese.

Para aquele momento o que eu observava como uma grande mudança era

o fato de eu iniciar efetivamente a construção de uma memória da investigação,

escrevendo os relatos dos encontros, reconstituindo cenas e diálogos que eu

vivenciava e presenciava no atelier, fazendo as notas de campo para auxiliarem

na construção dos relatos e do Diário de Campo, fazendo fotografias, e sendo

mais uma delas, observando, participando e colaborando para esta construção

que nenhuma de nós sabia com exatidão o que iria gerar.

2.3.7 Métodos e instrumentos: os aliados na construção da

história

Os instrumentos de coleta de materiais utilizados nesta investigação

estiveram diretamente ligados ao tipo de situação com a qual me deparei um

espaço que foi propiciando uma vivência intensa de construção de laços e

vínculos ao qual estive exposta por um longo período.

No início de minha inserção no campo como investigadora tive algumas

dificuldades para realizar a coleta de materiais. Isso ocorreu por diferentes

razões, uma delas era a simultaneidade com que as conversas e diálogos

ocorriam no espaço do atelier, era constante a sensação de não estar alcançando

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o que ocorria ao meu redor, de estar perdendo algo que teria grande importância

para a investigação. Por outra parte, o fato de também ser aluna e estar ali para

fazer cerâmica exigia de mim um grau de envolvimento com o barro que desviava

minha atenção, um duelo constante que parecia ser entre opostos, a

investigadora e a aluna. Sabia que não podia ficar ali sob outra condição, ou seja,

chegar ao atelier e somente observar, pois era justamente o ato de fazer cerâmica

que mediava os diálogos, as histórias e os relatos.

Hoje, dei-me conta de algo bem importante. Não está resultando muito produtivo

em termos de observação nas minhas idas ao atelier. Cheguei a casa e não

conseguia lembrar-me de nada marcante para escrever no diário, não conseguia

lembrar-me de suas falas, nem das coisas que havíamos conversado, pelo fato de

que ao estar trabalhando nas minhas peças me desconecto do que está

passando ao meu redor, tenho sempre em mãos meu diário gráfico, onde

aproveito vez ou outra para anotar aquilo que acho interessante, mas na maioria

das vezes, acabo perdendo o que se diz, lembro que durante os tempos da

universidade no atelier acontecia a mesma coisa, minha concentração era

tamanha que não percebia quem estava na sala, quem entrava e saia, o que as

demais pessoas conversavam, porque é como se aquilo que estou fazendo

consumisse todo a minha atenção, como se a cerâmica falasse comigo e eu com

ela, um diálogo tão intenso que me desconecta das coisas ao meu redor.

(Fragmento do Diário de Campo, abril de 2011).

Ao iniciar minha participação no atelier, muitas situações faziam com que

eu recordasse do tempo de estudante, em muitos momentos, mais que

lembranças estabelecia conexões entre o fazer cerâmica e o seu significado para

mim.

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Nunca havia me dado conta, mas talvez, “entre os diálogos e fazeres” seja algo

tão próximo a mim, tão intrínseco, tão “pegado” que eu nunca me havia dado

conta.

Dei-me conta que isso na verdade se torna um conflito entre a pessoa que está ali

para produzir cerâmica e da pessoa que está ali para ser a observadora

participante, é um conflito entre a investigadora e a pessoa artista que ainda mora

dentro de mim, que eu até achava que havia sumido para sempre. Embora elas

sejam a mesma, elas têm formas diferentes de atuar, elas se comportam

obedecendo as suas naturezas. Mas aqui isso é um problema, já que preciso

estar atenta ao que se passa, preciso observar o que elas fazem e preciso ouvir

suas histórias. Em muitos dias chego a casa e acontece isso, acabo contando a

minha história, ou a história daquilo que eu penso que aconteceu (será que não é

sempre assim?). (Fragmento do Diário de Campo, abril de 2011).

Em determinados momentos sentia como os acontecimentos, situações

que ocorriam estavam fora do alcance de minha mão, e dava-me conta que essa

era a ordem natural, a de que não se possui controle sobre os acontecimentos,

que as tomadas de decisões precisavam ser feitas e que se apoiariam naquilo

que eu julgava mais acertado, neste sentido, a percepção e intuição são aliadas

importantes para cada momento específico.

Quanto a isso, Triviños (1987) faz uma importante colocação ao dizer que:

Num instante tão importante para a investigação, infelizmente não se podem dar orientações precisas sobre modos de atuar e proceder. Cada situação tem suas próprias características. E o investigador deve avaliar as circunstâncias e buscar o melhor caminho (p.142).

Não sei se os demais investigadores passam por isso, ou isso é uma falha na

minha constituição como tal, o que é certo é que a cerâmica exerce um poder tão

grande sobre mim, é uma relação tão forte que domina a minha razão. É quase a

sensação de estar apaixonado (e isso eu já estive muitos vezes) a de que o

mundo pode desmoronar ao teu redor que somente aquele momento importa,

porque é algo tão íntimo, tão grande é um encontro feito de plenitude que me faz

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perguntar: porque eu deixei passar tanto tempo, como eu vivi todo esse tempo

perdida desta sensação? É como se uma parte de mim estivesse dormindo e

agora, de repente despertou. É como se o ato de fazer, de criar e de resolver

aquele detalhe em um diminuto pedaço de barro fosse a coisa mais importante do

mundo, a busca de algo que está escondido e que as mãos ajudam a libertar, ao

mesmo tempo é tão insignificante! Como é possível algo assim possuir uma força

tão aterradora? (Fragmento do Diário de Campo, abril de 2011).

Encontrar o equilíbrio entre as partes levou seu tempo. Pouco a pouco fui

encontrando estratégias e recursos que foram me auxiliando na coleta dos

materiais e, à medida que, eu sentia necessidade ia adotando-os, aprendendo

com eles e com o entorno, e com as participantes.

Hoje me dei conta que preciso urgentemente adotar uma nova postura, encontrar

uma nova estratégia conciliadora que me permita fazer o que tenho que fazer, ou

então no fim minha tese se constituirá de uma linda coleção de joias cerâmicas

que dizem muito para mim, mas que não dizem o bastante para os demais.

(Fragmento do Diário de Campo, abril de 2011).

Como estratégia para melhorar a atividade de observação, tive que afastar-

me um pouco do meu trabalho com a cerâmica e passei a frequentar o atelier

uma vez por semana, somente nas quartas-feiras, também passei a anotar

sistematicamente durante os encontros aquilo que eu achava interessante, tinha a

meu lado, papel e caneta e se algo era dito, mesmo com as mãos sujas de barro,

eu fazia a anotação no momento, mesmo que esquemáticas, depois com as

anotações em punho, ao chegar a casa escrevia o relato do encontro.

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Estes relatos buscavam reconstruir o encontro, como se fosse uma

memória37 que contava o que havia ocorrido, mas onde também existia espaço

para as minhas reflexões, críticas e pensamentos sobre determinados assuntos e

onde algumas cenas, diálogos e histórias eram transcritas. Com o tempo, o meu

Diário de Campo se tornou um espaço onde eu estabelecia relações com as

leituras que eu estava realizando para a tese, mesmo sem mencionar os autores,

era possível reconhecer como o meu olhar ia sofrendo mudanças e influências,

como ele foi amadurecendo e sendo enriquecido pela contribuição dos teóricos.

Outras vezes também procurava captar algumas cenas (como se fosse

somente um recorte dentro do contexto) ou temáticas, por exemplo, quando

falavam sobre diferenças de idades, ou falavam sobre sexo, ou sobre programas

de televisão, enfim, buscava salientar que naquele encontro tais e tais temas

haviam sido discutidos. Parecia uma alternativa válida já que poderiam ser

utilizados posteriormente quase como temas a serem analisadas.

Outra estratégia utilizada, sendo sob meu ponto de vista, a mais eficaz, foi

a da gravação em áudio dos encontros. Realizei duas gravações dos encontros

na íntegra. A primeira gravação eu utilizei como um roteiro para escrever o relato

(tal como nas notas de campo, mas com muito mais detalhes) e o segundo foi

transcrito tal e qual foi gravado.

Os caminhos adotados mostraram que encontrar o equilíbrio não é uma

tarefa exígua, ao contrário, pode ser a tarefa de uma vida inteira, mas ao

37 Benincá (2002, p.123) utiliza o conceito de memória em que “distingue-se do registro feito sobre os

acontecimentos (embora possa também contemplá-la) uma vez que busca uma primeira elaboração teórica da

situação vivenciada”. Tal conceito é aprofundado pelo grupo de Pesquisa da Universidade de Passo Fundo,

Rio Grande do Sul, Brasil, que utiliza a memória como prática educativa, ou seja, o registro acompanhado da

reflexão.

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investigar, é preciso buscar o equilíbrio através de mecanismos que propiciem a

coexistência dos papeis que adotamos.

Segundo Connelly y Clandinin (2008, p. 23):

Los datos pueden ser recogidos en forma de notas de campo de la experiencia compartida, en anotaciones en diarios, en transcripciones de entrevistas, en observaciones de otras personas, en acciones de contar relatos, de escribir cartas, de producir escritos autobiográficos, en documentos (como programaciones de clase y boletines), en materiales escritos como normas o reglamentos, o a través de principios, imágenes, metáforas y filosofías personales.

De um modo geral, os instrumentos de coleta de materiais que podem ser

utilizados em uma Investigação Narrativa são variados e para esta investigação

foram aliados fundamentais que auxiliaram na análise do contexto e para a

compreensão dos relatos produzidos pelas participantes, seus diálogos e

perspectivas. Assim, as notas de campo e Diário de Campo aliados à observação

participante além de proporcionaram a construção da memória investigativa

ajudaram a compreender as relações no contexto estudado, já a realização das

entrevistas semiestruturadas foi uma tentativa de aproximar-me sob outra

perspectiva do contexto das participantes.

2.3.7.1 Riscos e rabiscos: Notas de campo e Diário de

Campo

Dentro do que concerne o registro de dados narrativos, uma das principais

ferramentas são as notas de campo feitas através da observação participante. As

notas de campo se constituem como um registro ativo dos acontecimentos no ato

que eles ocorreram.

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São considerados ativos por que o investigador ao realizar tais registros

também está implicado na situação, faz parte do cenário ao qual ele atua como

observador e participante, não se tratando de um registro passivo e distante e

sim, que são realizados a partir da interpretação do investigador.

No princípio, quando iniciei as observações, demorei um pouco para

conseguir conciliar as tarefas: observar e participar. Tal situação foi resolvida

conforme já relatei. Iniciei esta caminhada investigativa acreditando que somente

as observações seriam suficientes e que minha memória daria conta de todo o

universo observado, conforme relato em meu Diário de Campo.

Sem dúvida, do grupo eu sou a mais calada, não falo porque preciso escutar, mas

para algumas delas é porque tenho vergonha. Não quis dizer que prefiro

concentrar-me no trabalho e que estou na verdade prestando atenção em toda a

conversa e fazendo minhas notas mentais. (Fragmento do Diário de Campo,

fevereiro de 2011).

Na verdade, fui obrigada a retroceder e ser mais atenta e disciplinada,

valendo-me dos recursos e estratégias como gravação e anotações

esquemáticas.

Devido ao fato do espaço do atelier contar com muitas participantes, havia

uma simultaneidade de situações e conversas que somente o fato de observar

sem realizar anotações era impossível, as notas de campo foram importantes

porque me permitiram captar no momento em que ocorriam os diálogos das

participantes, os temas que emergiam.

Outra forma de registro de dados é o que Connelly e Clandinin (2008)

chamam de notas de diário em que tanto os participantes como investigadores

podem realizar o registro. No caso desta investigação, utilizei o Diário de Campo,

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que é a nomenclatura que eu adotei. O Diário de Campo funcionou como a

memória da investigação, e serviu, para me auxiliar na reflexão dos processos de

transformações e mudanças pelos quais a investigação foi passando.

Inicialmente, realizava uma descrição baseada naquilo que eu ia observando,

sem muita profundidade e até mesmo sem muita motivação, com o passar do

tempo e devido às mudanças de postura quanto às estratégias para coletar os

materiais, o diário foi ficando mais rico, mais detalhado e reflexivo, constituindo-se

verdadeiramente como um poderoso aliado para esta investigação.

2.3.7.2 As palavras e as imagens: pluralidade e diversidade

nas narrativas

Assim como a observação, o Diário de Campo e notas de campo me

auxiliaram na constituição da memória escrita da investigação, as imagens, as

fotografias e os desenhos constituíram-se em recursos relevantes na construção

de uma forma alternativa de contar e de registrar os encontros no atelier.

Quando iniciei o processo de registro fotográfico, não dimensionava que

este poderia ser usado como fonte de coleta de materiais, nem tão pouco,

considerava que ele poderia ser considerado como uma narrativa, com potência

de contar e narrar aspectos e acontecimentos sob outro ponto de vista.

Ao considerar que:

[...] narrar significa buscar e estabelecer um encadeamento e uma direção, investir o sujeito de papéis e criar personagens, indicar uma solução. As narrativas, assim, tecem a experiência vivida e podem aparecer no cotidiano, contadas pelos seres humanos, ajudando-os a viver e agrupando-os, distinguindo-os, marcando seus lugares e possibilitando a criação de comunidades. (Leal 2006, p.20)

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Passei a considerar o material visual produzido como uma possível

narrativa, quando em uma tarde com minha câmera em punho fui realizando

fotografias do meu percurso até o atelier. À medida que ia caminhando, ia

registrando em imagens aquele percurso que não possuía nada de novo, e que

eu já havia percorrido inúmeras vezes.

Como fazia corriqueiramente, cheguei a casa e descarreguei as imagens

produzidas naquele dia e deixei armazenadas, junto ao material que estava

coletando. Passado alguns meses, ao retomar as fotografias para organizá-las

deparei-me com os registros produzidos naquele dia e de maneira imediata, me

remeteram ao relato que escrevi após a primeira vez que fui ao atelier. Por meio

daquelas imagens, conseguia contar a mesma história e, ao menos para mim,

fazia muito sentido.

Foi então que me dei conta que as imagens que eu havia estado

produzindo até aquele momento possuíam uma carga de saberes, conhecimentos

e que revelavam aspectos que adicionavam novas informações, construindo

assim, uma história que poderia ser vista de forma independente ou como outro

fragmento que enriqueceria as narrativas orais.

Assim como o material oral coletado durante as observações, as

entrevistas, as gravações em áudio eram consideradas narrativas, os registros

fotográficos, os desenhos e esboços também expressavam saberes, também

continham e revelavam aspectos do espaço, das experiências construídas e

partilhadas no atelier em relação aos fazeres cerâmica. Aspectos que algumas

vezes poderiam não ser percebidos nos dizeres, mas que auxiliavam a

compreender o cotidiano.

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Leal (2006) faz uma analogia interessante ao considerar que “narrar” pode

se apresentar como uma metáfora no sentido de “articular” e o trabalho do

pesquisador pode se constituir, justamente, na capacidade de apreensão dessas

relações. Neste contexto, “As narrativas emergem como resultado da

intermediação das forças sociais, as mais diversas; caracterizam

equacionamentos possíveis dessas forças, em pontos peculiares do fluxo

histórico e social”. (Leal, 2006, p.22).

A composição das narrativas pode ser considerada complexa já que

possuem uma pluralidade e diversidade de materiais simbólicos que associados

ao cotidiano produzem discursos sociais. Neste caso, considerar que o material

imagético produzido no atelier de cerâmica é também construtor de discursos e

por meio dele, saberes são constituídos no cotidiano.

Este pensamento vai ao encontro com a perspectiva de Leal (2006) ao

afirmar que existe um saber nas narrativas ao considerar a ótica de Lyotard que

reconhecia a colaboração constituída a partir dos “saberes narrativos” decorrentes

do cotidiano que de certa maneira passa a ocupar o lugar do conhecimento

científico no mundo pós-moderno.

Conforme o pensamento de Lyotard, o saber científico (em crise) se

diferiria dos saberes narrativos por estes serem legitimantes e possuírem

autoridade de legitimarem a si próprios. Com isso, (...) “[e]les definem assim o que

se tem direito de fazer e dizer na cultura e, como eles são também uma parte

desta, encontram-se assim legitimados” (1993, p.42).

Dentro desta concepção, é interessante considerar o caráter que as

narrativas tanto orais como visuais adquiriram nesta investigação sendo capazes

de produzirem saberes em diferentes direções e especificamente em relação às

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temáticas centrais, nas observações sobre os tipos de reflexões e narrativas a

respeito de Identidades Femininas que poderiam emergir em um contexto de

Educação Não Formal de fazeres ou de práticas artísticas com cerâmica.

Especificamente sobre as narrativas visuais, os registros fotográficos foram

produzidos primeiramente como simples registros, como uma maneira de produzir

a memória visual, trabalhando como um auxiliar que situaria o meu olhar em

relação os relatos, as fotos do inicio eram basicamente das peças produzidas.

Com o passar do tempo e também com minha inserção efetiva como

investigadora, passei a fotografar cenas que me pareciam inusitadas, como a

mesa do café, ou até mesmo o atelier vazio.

Bruno Leal (2006) ao considerar a narrativa enquanto objeto de estudo

propõe um “olhar narrativizante” que ao estar associada ao cotidiano sugere a

“(re)constituição das narrativas, pelo trabalho do pesquisador, através dos falares

sociais e dos seus fragmentos (...)”. Ainda completa que “um olhar narrativizante

constitui-se como um modo de perguntar sobre experiências, saberes, mundos e

forças presentes na mídia, na rua, na vida” (Leal, 2006, p. 26 - 27).

Utilizar os registros fotográficos ou não e de que forma fazê-lo foi um ponto

de dúvida, que somente foi se definindo ao longo da escrita da tese, quando sua

função não foi considerada meramente ilustrativa e sim, capaz de produzir sentido

por si só ou adicionar novos elementos para completar o sentido das narrativas.

22.3.7.3 As vozes da vez: entrevistas

Outra possibilidade para a coleta de materiais utilizada nesta Investigação

Narrativa foram às entrevistas semiestruturadas.

Segundo o que pontuam Connelly e Clandinin, (2008)

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Se realizan entrevistas entre los investigadores y los participantes, se hacen las transcripciones, se preparan encuentros para facilitar las discusiones, y las entrevistas reescritas se convierten en parte del continuo registro de la investigación narrativa. (p.25).

As entrevistas, sob o enfoque da Investigação Narrativa podem também

adquirir um caráter de entrevistas estruturadas ou não estruturadas, ainda

podendo ser de forma individual ou com o grupo participante, tal como fiz com as

minhas entrevistadas.

Percebia que o fato de realizar as entrevistas inquietava as participantes,

assim procurei deixá-las ciente de que o material que seria produzido somente

seria utilizado se elas assim o permitissem, buscando desta forma, estabelecer

um código ético em que eu como investigadora me comprometia com elas.

A realização das entrevistas foi um ponto que gerou certa tensão devido a

minha pouca familiaridade com este método de coleta de materiais e que me

faziam pensar: será que estas perguntas são as corretas? Será que as perguntas

conseguirão dar conta e alcançarão responder o que preciso saber?

Tendo como prerrogativa que:

(...) entrevista semiestruturada, em geral, é aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa. (Tiviños, 1987, p. 146).

Definitivamente, ao iniciar este processo investigativo, procurei realizar um

rigoroso planejamento das etapas que deveriam ser seguidas, sobretudo, para a

realização das entrevistas. Pesquisei e procurei amparar-me nos recursos

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teóricos buscando aprender, consultando as experiências de outros acadêmicos e

autores e mesmo assim houve imprevistos e surpresas que reforçavam a ideia de

que ao imergir em um processo investigativo precisamos estar preparados

enfrentarmos o nosso despreparo frente a situações inusitadas.

Digo isto, porque ao definir que utilizaria a entrevista semiestruturada,

pensava que seria simples, que seria uma conversa informal, mais ou menos

como ocorriam os encontros no atelier.

Sempre achei que era importante que elas tivessem suas vozes nesta

investigação, de preservar essa essência, e não somente uma história que fosse

a minha interpretação daquilo que aconteceu, mesmo sendo somente um

fragmento daquilo que eu consegui apreender. (Fragmento do Diário de Campo,

abril de 2011).

Mas não foi assim que ocorreu. Primeiramente, porque definir o roteiro

(Anexo IV) que eu utilizaria para me guiar nas entrevistas foi se tornando um

problema complexo a ser resolvido à medida que eu refletia no tipo de dados que

eu queria obter a partir dele.

A finalidade para realizar as entrevistas semiestruturadas era a de

aproximar-me das perspectivas e posicionamentos das participantes, pretendia

que elas fornecessem subsídios para analisar e refletir sobre como fragmentos de

suas histórias se conectavam com o tipo de posicionamento que elas adotavam

no atelier referente, primeiramente, às Identidades Femininas, também, uma

forma de dar voz a suas inquietudes, de ouvir o que este grupo tão peculiar, que

por tanto tempo se mantinha ligado a esta estrutura (a um curso de cerâmica) e

ao fazer cerâmica.

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Acreditava que considerando a metodologia empregada ao tipo de

proposta desta investigação, a entrevista poderia indicar e auxiliar na obtenção de

respostas a estas questões já que como pontua Almeida (1992) através da

entrevista é possível:

Resgatar no individual o que é cultural, uma vez que o indivíduo, na sua singularidade, pode ser considerado representativo de sua cultura. Pois ainda que as existências sejam particulares, os modelos culturais são interiorizados, razão pela qual podemos obter, na individualidade, explicações para os comportamentos sociais cujos mecanismos desejamos analisar. (1992, p. 46).

No entanto, antes mesmo de realizar a primeira entrevista, dei-me conta

da importância de um roteiro de perguntas coerentes e que fizesse emergir as

informações sobre o tema de interesse para esta investigação, que propiciasse

conhecer as concepções e perspectivas das mulheres em torno das Identidades

Feminina. Assim além das questões buscarem discutir como elas se viam como

mulheres visavam conhecer como se deu a constituição de suas Identidades

Femininas e como se articulavam com as vivências e experiências no atelier de

cerâmica. Como se tratava de uma entrevista semiestruturada, poderia haver

espaço para novos questionamentos se fossem necessários, mas após a primeira

entrevista, o roteiro já apresentava algumas lacunas e precisou ser ajustado e

passar por reformulações.

RRoteiro para as entrevistas

A que te dedicaste al largo de tu vida?

* Como fue tu vida como mujer?

*Fuiste ama de casa en algún momento de tu vida?

*Te gustaba?

*Qué crees que podía ser diferente? Como te sentías?

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Cuando y porque empezaste hacer cerámica?

*¿Hiciste otros trabajos manuales antes de empezar con la cerámica?

*¿Crees que hay alguna relación de los labores de ama de casa con el hecho de

hacer cerámica en un taller?

*¿Crees que sería diferente hacer cerámica sola a casa?

*¿Percibiste algún cambio en tu vida después que empezaste hacer cerámica?

- ¿El espacio del taller te ayuda a sentirte mejor? (¿Como tú te sientes cuando

estás en el taller haciendo cerámica con las compañeras?) ¿Por qué?

*¿Lo que es que más te gusta en este espacio del taller? (por las compañeras,

por hacer cerámica, por el encuentro) (¿Te sientes libre para hablar, criar e

expresarte?)

*¿Como es la experiencia de estar en un espacio solo de mujeres? Como te

sientes?

* ¿Crees que tu vida cambió al participar en este grupo? ¿Por qué?

¿Qué tipo de trabajo te gusta hacer en cerámica?

*¿Como tienes las ideas para tus proyectos? (¿Te gusta mirar modelos, ver lo que

hacen las compañeras o criar libremente?)

*¿Relacionas de alguna manera las piezas que haces en cerámica con tu vida

personal? *¿Puedes contarme algún ejemplo? ¿Qué relaciones estableces?

Após definido o roteiro das entrevistas, iniciei a negociação com as

participantes. Sempre que comparecia aos encontros eu as estimulava e

questionava para ver se alguma voluntária se oferecia para ser a primeira

entrevistada. Esse processo iniciou em abril de 2011 e a negociação foi lenta,

pois não conseguíamos definir e organizar os dias e horários para realizarmos as

entrevistas. Também, quando eu mencionava sobre as entrevistas, algumas

vezes surgia a dúvida por parte delas de como seria.

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Nines me perguntou se eu já sabia o que iria perguntar nas entrevistas, eu disse

que tinha preparado um “guión” que nos ajudaria a manter mais ou menos o foco

em alguns temas, mas que se outras questões fossem surgindo, poderíamos falar

também, já que a entrevista era para mais uma conversa informal, algo livre sem

muitas regras rígidas (Fragmento do Diário de Campo, abril de 2011).

Acredito que havia ambiguidade nesta negociação, em parte elas sentiam

interesse e receio, curiosidade e cautela, talvez pela expectativa que o fato de

realizar a investigação pudesse “transformar” algo, ou talvez, fosse justamente

este o problema a possibilidade de “transformação” poderia causar receio. Por

outra parte, sentia que o fato de eu estar interessada em suas vidas em suas

perspectivas e naquilo que elas faziam no atelier deveria resultar para elas

estimulante ou até mesmo reconfortante.

Depois de algumas investidas de minha parte, Inés se prontificou em

realizar a entrevista na outra semana (fim de maio) e neste mesmo dia marquei as

entrevistas com Nines e Isa, ambas para o mês de junho.

Depois que agendei com estas três participantes senti-me um pouco mais

aliviada. Eram três mulheres com perfis bastante diferentes entre si: Inés era a

mais jovem e uma das participantes que levava menos tempo trabalhando com

cerâmica, Nines uma das participantes mais antigas no atelier e com mais idade,

e Isa era a professora.

Minha proposta era realizar as três entrevistas antes do recesso de verão e

utilizar o mesmo para transcrevê-las e quando voltássemos das férias em outubro

pudesse fazer a devolução para elas e realizar as entrevistas com as demais

participantes.

No entanto, as três entrevistas aconteceram uma diferente da outra, e isso

acarretou em uma personalização no roteiro de perguntas. A entrevista de Inés,

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por ser a primeira, deixou-me apreensiva e talvez por isso, foi a mais formal entre

as outras duas. Também, devido a alguns problemas na ordem das perguntas, o

roteiro ficou repetitivo ocasionando confusão para a entrevistada. A entrevista foi

realizada em pouco tempo, em 30 minutos. A segunda de Nines foi mais tranquila,

já havia realizado os ajustes no roteiro o que me deixou mais segura, também me

sentia mais relaxada o que tornou a entrevista menos formal. E a terceira

entrevista, a de Isa, foi a mais longa e emocionante, em que conversamos por

quase duas horas de uma maneira informal e tranquila.

Mas é importante salientar que em nenhuma das entrevistas foi estipulado

ou determinado o tempo de duração ou o local em que deveríamos realizar as

entrevistas, sendo que estes dois fatores foram determinados pela situação que

vivenciamos. A entrevista de Inés foi realizada em sua casa, e a de Nines e Isa no

atelier depois da aula de cerâmica.

Busquei seguir um protocolo que servia como introdução para o início das

entrevistas em que eu lia o termo de consentimento, perguntava se elas haviam

entendido e se estava de acordo, com isso, tentava reforçar o compromisso ético

entre nós.

EEntrevista Inés

A entrevista com Inés foi a primeira a ser realizada. Combinamos de nos

encontrar no Centro Cívico, já que nenhuma de nós duas queríamos definir o

lugar da entrevista. Assim, decidimos que o Centro Cívico seria o ponto de

encontro e depois decidiríamos para onde ir.

Cheguei um pouco antes das 11h da manhã, por que não queria deixá-la

esperando. Cinco minutos passaram e ali estava ela, animada e com sua habitual

receptividade. Cumprimentamo-nos e logo ela me perguntou onde eu gostaria de

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ir: se queria ir a um barzinho, para tomarmos um café, ou também poderíamos ir a

sua casa, que estava ao lado do Centro Cívico.

Optei por ir a sua casa porque percebi que ela passara na “panaderia” e

trazia um pacote de “pastas” e “galletas”, provavelmente para nosso café. Aceitei

o convite e subimos para a sua casa. Ao chegarmos ela me mostrou o seu

apartamento e colocou em um prato as “pastas” e “galletas” que havia comprado,

dizendo-me que os comprara variados por não saber o que mais me agradava.

Penso que isso demonstrava o seu interesse e a sua expectativa deste nosso

encontro. Logo ofereceu-me algo para beber e indicou a mesa para que

sentássemos para começar a entrevista.

Essa foi a primeira entrevista que realizei e acho que por isso me senti tão

nervosa, iniciei as perguntas e logo me dava conta de como logo abaixo elas se

repetiam. Inés também estava nervosa, se notava pela sua forma de falar e de se

expressar, no atelier nossa relação sempre foi de muita proximidade, ela sempre

muito descontraída e animada e já antes mesmo de iniciar sentia-a tensa.

Antes de começar a gravar, mostrei para ela o termo de consentimento, o li

em voz alta e perguntei se ela tinha entendido tudo, ela ficou surpresa e seu

comentário foi: “Pues va en sério de verdad...”38

Após a realização da entrevista, fiz um relato detalhado em meu Diário de

Campo sobre o transcurso desta primeira experiência o qual intitulei de “Fora de

38 Em diferentes momentos, essa dúvida é levantada por alguma das participantes, e por trás dela o que me

ocorre é que elas devem pensar: Será que essa investigação é séria? Talvez isso se deva ao fato da minha

proximidade com elas no atelier e a maneira como eu conduzi todo o processo de observações. Talvez tenha

ficado uma dúvida no ar: se eu realmente estou investigando e se por trás de mim existe uma instituição que

esta aparando/regulando meus atos, e se também existe um orientador que me acompanha e um código de

compromisso e ético meu para com elas (Fragmento do Diário de Campo, maio de 2011).

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Campo”, fazendo referência ao que diz Clifford, (2001), sobre o movimento

oscilante que o observador faz ao estar constantemente “dentro” e “fora” dos

acontecimentos em que procura captar o que ocorre através de seus sentidos,

mas também que vai tecendo redes de significações com contextos ora mais

amplos ora mais intimistas, mais profundos ou gerais constituindo-se assim em

um diálogo entre a experiência e a interpretação.

A entrevista com Inés gerou uma série de questionamentos importantes,

que apontavam para um redimensionamento das questões, e que também me

alertavam para alguns detalhes ao realizar uma entrevista. Parte destas reflexões

transcrevo a seguir:

Embora hoje me sinta extremamente otimista frente aos rumos que este processo

investigativo vem tomando, tenho que admitir que o desenrolar da entrevista não

foi o esperado. Não considero que a entrevista com Inés tenha sido totalmente

satisfatória e somente fui dando-me conta disso, à medida que ela foi

acontecendo.

Fora o nervosismo, sem dúvida o roteiro em que me baseei para realizar a

entrevista apresenta alguns problemas que somente fui perceber quando estava

ali diante da entrevistada. Acho que minha inaptidão para ser entrevistadora ficou

clara, evidente e talvez por conta dela, tanto eu como a entrevistada estávamos

nervosas e um pouco incômodas. Hoje ainda penso em começar a rever as

perguntas, na verdade me dei conta que a ordem que as fiz está mal, que a

maneira que as abordei ficou confusa e por isso em muitas delas a entrevistada

ficava sem saber o que responder, que raiva de mim! Mas acho que é assim

mesmo, é errando que aprendemos e é quando melhoramos, assim espero. De

todas as formas, decidi que irei transcrever primeiro para depois realizar as

outras, se não consigo entrevistar a todas agora, paciência. Também outra

constatação é que levando em conta todo o material que tenho e que fui

coletando ao longo deste tempo durante os encontros, tenho dúvidas até que

ponto as entrevistas acrescentarão para a investigação. Mas de todas as formas é

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uma tentativa, uma experiência. (Fragmento do relato no Diário de Campo –

Entrevista Inés, maio de 2011).

Após a entrevista com Inés procurei revisar o roteiro de perguntas (o roteiro

apresentado já é o revisado), mudei a posição de algumas perguntas e suprimi

outras, também, iniciei a transcrição de sua entrevista e, para a minha surpresa,

ao contrário da impressão que tive, de que havia sido uma experiência pouco

proveitosa, ao transcrevê-la fui construindo uma nova opinião, fui refletindo sobre

aspectos que poderiam posteriormente, auxiliar no entendimento de sua postura e

de suas perspectivas quando fosse realizar a análise dos materiais.

EEntrevista Nines

A entrevista com Nines aconteceu um dia logo depois da aula de cerâmica.

Esperamos que todas as demais fossem embora, nos colocamos frente a frente

sentadas nas mesas de trabalho e ali começamos a conversar. Antes de iniciar a

gravação, comentei com ela que embora tivesse um roteiro de perguntas, era

para ela ficar tranquila já que era mais uma conversa que uma entrevista.

Entonces te explico un poquito como he estructurado nuestra entrevista, más bien

nuestra conversación, he marcado algunos puntos de que vamos hablar y te

explico eso, para que tú te sientas muy tranquila para hablar naturalmente, ¿vale?

Estos puntos son solamente una estructura, a cualquier momento que quieras

añadir algo o comentar lo que sea, puedes. (Fragmento do relato no Diário de

Campo - Entrevista Nines, junho de 2011).

Ainda salientei que após ter a entrevista transcrita, passaria para ela ler

tudo que havíamos conversado, senti que este aspecto era importante ser

relembrado para que ela se sentisse segura de que nosso pacto de

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confidencialidade seria mantido e somente aquilo que ela autorizasse seria

utilizado.

Como he dicho a Inés te lo digo a ti también, que después que tenga la entrevista

trascrita te la pasaré para que tengas una idea de todo lo que hablamos y también

sí estás de acuerdo con todo. (Fragmento do relato no Diário de Campo -

Entrevista Nines, junho de 2011).

Durante os encontros do atelier, Nines sempre foi a mais falante e na

entrevista não foi diferente. Ao contrário da primeira entrevista, com Inés, esta

fluiu mais naturalmente sendo muito mais uma conversa (embora um pouco mais

formal que as conversas do atelier devido ao protocolo adotado) do que uma

entrevista propriamente dita.

Nines, por ser muito falante, respondia as perguntas e logo puxava outros

assuntos que davam margem para ampliar e aprofundar alguns temas, tornando

suas respostas mais consistentes e ricas.

Desde o princípio, Nines demonstrou grande interesse em participar da

investigação, em diferentes situações ela demonstrava que a entrevista tinha um

peso importante para ela, já que exporia suas histórias e a sua vida, colocando-a

em evidência. Suas atitudes davam a entender que ela estava orgulhosa por

poder estar contribuindo com algo que ela julgava ter importância, (e que

realmente é importante) mais ainda por tratar de coisas do seu cotidiano.

A entrevista de Nines durou aproximadamente 50 minutos, após

encerrarmos a gravação, permanecemos conversando um pouco mais. Logo,

fechamos a sala e nos dirigimos à saída do Centro Cívico quando nos

despedimos.

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Da mesma forma que ocorreu com Inés, também procurei fazer um relato

do transcurso da entrevista com Nines.

EEntrevista Isa

Marquei a entrevista com Isa no último dia em que nos encontraríamos

antes das férias de verão. Todo o grupo se encontrou para almoçar em um

restaurante próximo ao atelier para que depois fôssemos todas buscar nossas

peças que haviam sido queimadas na aula anterior.

Após o almoço chegamos ao atelier e para nossa surpresa o forno havia

quebrado e as peças não haviam sido queimadas. Com muita frustração as

demais mulheres foram indo sem perspectiva de quando teriam suas peças

queimadas, ficando somente Isa e eu para realizar a entrevista.

Sentamo-nos comodamente em uma das pontas da mesa e antes mesmo

de iniciarmos ela disse: “¿Ves? La cerámica es sorpresa, el barro sin la água, el

aire y el fuego ella no existe”, referindo-se ao fato de o forno ter quebrado. Rimos

um pouco da situação, já que todas nós estávamos ansiosas para ver as peças

queimadas. Em seguida, fui abrindo a pasta em que tinha o roteiro de perguntas e

o termo de consentimento e organizando o material para iniciar a entrevista.

Da mesma maneira que fiz com as outras duas participantes, procedi com

Isa, primeiro li o termo de consentimento para então iniciar a gravação.

A entrevista de Isa durou quase duas horas. Ela foi respondendo as

perguntas de forma aberta, sem preocupações ou receios e isso tornou a

conversa muito descontraída e prazerosa. Houve momentos de emoção, quando

ela contava passagens de sua vida, outras passagens divertidas e engraçadas

que nos fizeram rir das situações que ela ia lembrando.

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Ao final da entrevista, nos despedimos e combinamos que na volta das

aulas, em outubro, eu faria a devolução da entrevista transcrita para que ela

pudesse ler e fazer suas considerações.

Ao chegar a casa naquele mesmo dia, realizei as anotações no Diário de

Campo sobre como havia sido a entrevista com Isa e um dos momentos

marcantes foi quando ela, para explicar sua entrega à cerâmica, contou-me uma

história que lhe era significativa:

Mira te voy explicar un cuento de cerámica del japonés de la dinastía Ching, que

dice que había un rey que quería una vasija de color rojo sangre y todos

ceramistas que iban hacían vasijas pero el rojo sangre no salía, salía granate,

salía rojo gris, y un día un ceramista dijo, voy a probar a ver que lo que pasa, yo

me voy a morir pero yo me voy con la vasija y me meto dentro el horno, entonces

cuando sale el horno, el ceramista había muerto pero la vasija estaba rojo, rojo

sangre! Hasta ahí llega la cerámica. Y la cerámica, cuando te engancha, te

engancha! (Fragmento da entrevista de Isa, junho de 2011).

TTranscrição, devolução e encaminhamentos

O início do verão em junho de 2011 coincidia com um momento importante

para os rumos de minha investigação. Com as três entrevistas gravadas em

mãos, iniciei o laborioso processo de transcrição de cada uma delas. Embora o

clima caloroso e alegre fosse um convite para ir explorar a cidade, sabia que o

trabalho que tinha pela frente era árduo e que não poderia ser procrastinado, já

que precisava ter as entrevistas transcritas para o retorno das aulas de cerâmica

em outubro. Mesmo sabendo que havia alguns meses pela frente até o meu novo

reencontro com as minhas três entrevistadas, sabia também que não podia

desperdiçar o tempo para esta atividade.

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Transcrever as entrevistas, ouvir uma, duas, três ou mais vezes uma

mesma fala, tentar compreender todo aquele mundo de informações e transportá-

las a outro suporte - fazer da palavra falada, palavra escrita - foi uma tarefa que

consumiu muito tempo, em partes isso se deveu ao fato das entrevistas haverem

sido realizadas em castelhano, embora vivendo na Catalunha há quase quatro

anos e o idioma já não ser uma barreira para comunicar-me, mas algumas

expressões utilizadas por elas eu não chegava a compreender totalmente e, neste

sentido, dava-me conta da importante etapa que viria a seguir, a da devolução

das entrevistas para que elas intervissem, como forma de auxílio e de revisão.

Quando as aulas retornaram em meados de outubro tinha as três

entrevistas transcritas e preparadas para serem devolvidas as minhas

colaboradoras.

Assim, no primeiro encontro que tive com elas, sentei com cada uma

individualmente e passei a cópia da entrevista, pedi que elas lessem, fizessem

suas considerações e me devolvessem. Também havia assinalado partes,

palavras e fragmentos que não haviam ficado claros para mim ou que eu tinha

dúvidas, para que elas pudessem explicá-los melhor.

O processo entre a entrega das entrevistas para as participantes e a

devolução para mim foi um pouco longo. Quase dois meses de espera para

receber as três entrevistas com as devidas anotações e correções. Esta espera

foi desgastante e levou-me a reconsiderar o número de entrevistas individuais.

Acarretou também no atraso do trabalho e no sentido de aguardo para tomada de

novas decisões, uma vez que não poderia prossegui-lo sem ter essa devolutiva.

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Por outro lado percebi como esta etapa havia sido importante já que, à sua

maneira, cada uma delas fez os ajustes que julgaram pertinentes, completando

dados e auxiliando assim, em uma melhor compreensão das informações.

Ao ter em mãos as entrevistas com as devidas considerações, aproveitei

para perguntar a cada uma delas, de maneira informal durante a aula de

cerâmica, alguns pontos que eu tinha dúvidas e com isso, não foi necessário

realizar um novo encontro com esta finalidade.

Ao concluir esta etapa, percebi que o material produzido através das

entrevistas fornecia um panorama interessante sobre este grupo de mulheres, por

terem perfis diferentes, resultava em uma amostra que eu acreditava contribuir

para o entendimento das perspectivas e posicionamentos.

Por outro lado, o processo de realização das entrevistas com estas três

participantes me havia deixado com algumas dúvidas, suas contribuições haviam

sido importantes, mas naquele momento, acreditava que o foco de atenção

deveria manter-se nas discussões coletivas durante os encontros no atelier e

aprofundando aspectos pessoais de maneira mais sucinta e direta do que através

das entrevistas que era um processo muito longo e que nem sempre poderia

resultar em uma experiência consistente.

Assim, decidi realizar com as demais participantes uma conversa informal

em que eu me baseava por um pequeno roteiro de perguntas e que ao invés de

realizar a gravação eu ia anotando suas falas e respostas, tornando o processo

muito mais dinâmico e com mais objetividade.

Estas perguntas consistiam em aspectos pessoais e gerais também, já que

me interessava acessar as mesmas informações obtidas nas entrevistas com as

três primeiras participantes, porém de uma maneira menos formalizada, minhas

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perguntas eram: se era casada, se tinha filhos, a que havia se dedicado ao longo

de sua vida, quando e porque havia começado a fazer cerâmica, o que mais

gostava de fazer em cerâmica, como ela avaliava que havia sido sua vida.

Depois que realizei este processo com Charini, Lisa, Dolores e Meri, (o dia

que realizei esta atividade, Marta, estava afastada das aulas por estar com

problemas de saúde e depois deste dia, já não voltei a encontrar-me com ela)

escrevi o roteiro de perguntas e respostas da mesma maneira que realizei com as

demais, entreguei a cada uma suas respectivas entrevistas para que elas lessem

e fizessem suas colocações. Isso ocorreu durante a aula de cerâmica mesmo e

ao fim do encontro já havia tido a devolução de todas.

Quando tomei este caminho, não fiz uma projeção do que poderia acarretar

para os rumos investigativos, ao iniciar a organização dos materiais coletados

para realizar as análises, fiquei receosa que ao utilizar métodos diferentes de

entrevistas para o mesmo grupo de participantes poderia ocasionar em algum tipo

de inconsistência de dados, refletindo em mais ou menos profundidade para

compreender o universo das participantes. No entanto, pude constatar que as

categorias de análise e as reflexões com maior consonância eram provenientes

das observações durante os encontros e que o fato de haver feito de maneira

diferente as entrevistas não havia comprometido a coleta de dados.

Neste sentido é importante considerar que a entrevista de Isa possibilitou

um novo enfoque para a investigação, porque nela coletei informações sobre o

ensino de cerâmica e sobre a formação da educadora não formal, abrindo-me

essa perspectiva que até então não havia considerado. Este aspecto foi tão

relevante que dedico um capítulo especial para analisar esta questão.

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22.3.7.4 De dentro da história: observação participante

A observação participante como possibilidade metodológica foi, neste

processo de investigação, um fator de constante aprendizado, pois permitiu com

que eu refletisse sob outro ângulo os papéis discente e docente que venho

ocupando ao longo de minha vida, que emaranhado ao olhar investigativo,

ocasionou uma multiplicidade de “yoes” (Connelly e Clandinin, 2008).

Utilizando a observação participante como meio para a coleta de materiais,

esses “yoes” foram se manifestando em diferentes momentos da investigação.

Iniciei este percurso assumindo o papel da aluna e pouco a pouco os outros

papéis foram interagindo, abrindo caminho e compartilhando esta experiência

adicionando ainda mais complexidade a trama que se construía. Ao assumir

também o papel de investigadora e participante do atelier percebia como essa

multiplicidade de papéis iam requerendo que eu aprendesse a definir e distinguir

suas vozes, a saber diferenciá-las para que pudesse definir a voz dominante na

escritura da tese, de acordo com cada momento e situação, respeitando ainda a

voz dos demais participantes.

Uma coisa que tenho observado é que é muito difícil o papel de observador

participante, em primeiro porque meu modo de trabalho sempre foi o de estar

concentrada, de mergulhar no que eu estou fazendo e abstrair as conversas dos

demais, mas ao mesmo tempo, a dinâmica do atelier me motiva a participar, a

contar coisas da minha vida e de ouvir com atenção o que elas me contam

(Fragmento do Diário de Campo, maio de 2011).

Neste sentido, quanto às dificuldades encontradas pelo pesquisador ao

estudar o contexto social, Triviños (1987) reforça que é justamente a definição de

sua posição um dos maiores desafios.

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Para auxiliar nestes posicionamentos, os diários e notas de campo foram

de muita importância, pois ali, conforme as diferentes situações relatadas iam

falando o meu lado mulher, o meu lado professora, o meu lado artista e assim por

diante. Também nesta tese, fui definindo a “voz dominante”, conforme a própria

narrativa assim o requeria.

Além disso, a observação e a participação no contexto investigado foi um

exercício de experimentação, de descoberta e de reflexão, tanto em torno das

Identidades Femininas como também no sentido das experiências pedagógicas

norteadas pela Educação Não Formal como prerrogativa. Assim, foi uma

construção que foi se encaminhando como um processo que se ampliava à

medida que se desenvolvia.

A observação participante em algumas ocasiões fazia com que eu

questionasse sobre a amplitude do seu alcance, mostrando-me que ela tem

limites importantes e mesmo que os investigadores e investigadores tenham um

contato profundo com o contexto investigado, não somos capazes de abarcar

todos os aspectos e reconhecer estes limites implica em um olhar amadurecido

para o ato de investigar. Em um fragmento de meu Diário de Campo explicito

essa preocupação.

“Dei-me conta agora ao ouvir a gravação que eu não consigo observar tudo, que

existem muitas cenas que ocorrem paralelamente, enquanto converso com

alguém, estou perdendo outra conversa ou outra cena. Então a observação é feita

sobre aquilo que vejo e escuto, dá pena de perder outras conversas. Dou-me

conta que a observação participante é limitada, ao mesmo tempo que me

possibilita um tipo de aprofundamento no campo, impede outros e de tantos que

são, eu nem chegarei a perceber”. (Fragmento do Diário de Campo, maio de

2011).

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No início, a observação encontrou percalços, mas conforme ia se

desenvolvendo, fui ousando, experimentando, tentando manter-me aberta a

inovações e experiências diferentes, de modo que as cenas captadas

preservassem suas características, mas, também, que eu me mantivesse fiel às

prerrogativas que definem uma observação participante.

Assim como a escritura do projeto e da própria tese foram se

redimensionando, também o meu processo como observadora participante foi se

transformando e se aprimorando a ponto de considerar-me uma observadora

mais capaz, mais segura e mais consciente dos papeis que tinha que

desempenhar.

22.3.8 Dando sentido aos fragmentos: tratamento e

organização do material

O compromisso ético para com a investigação requer que se considere

com critério e respeito todo o material coletado. Efetivamente, fui aprendendo a

investigar com alguns erros, correções e acertos. Neste processo fui construindo

novas formas de coleta e produzindo novos materiais, mas isto não significa que

tenha descartado os anteriores. Por exemplo, como já relatei, a redefinição dos

roteiros de entrevista não descartou a entrevista anterior, até por quê:

A flexibilidade para conduzir o processo da pesquisa deve ser requisito essencial da mentalidade do investigador. Isto não significa ausência de informação ampla sobre o assunto que estuda: pelo contrário, este conhecimento aprofundado do fenômeno, precisamente, lhe permitirá ampla visão do tópico e movimentação intelectual adequada das circunstancias que se apresentam. (Triviños, 1987, p.140).

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Dentre os materiais não planejados inicialmente, o registro fotográfico se

destaca por possibilitar um olhar diferenciado para construção das narrativas. O

material visual coletado foi ganhando representatividade para a investigação à

medida que passaram a ser vistos a partir de seu potencial narrativo e sua

capacidade de relatar sob outra perspectiva as histórias. No entanto, as

fotografias utilizadas ao longo do texto buscaram, sobretudo, estabelecer um

diálogo com as narrativas orais, ora contribuindo no aprofundamento das

narrativas, ora construindo narrativas independentes, já que possuem autonomia

para contar sua própria história e que produzem significados específicos e

importantes.

Já as notas de campos são registros informais e que se confundiram com o

fazer cerâmico no atelier, produzidos, muitas vezes, com as mãos sujas de barro,

transformando esboços para os projetos cerâmicos em espaços de papel

passíveis de anotações e escritas.

O Diário de Campo, por seu lado, constituíram, além de espaços para

anotações, também espaços para registro de reflexões e que, no decorrer desta

tese foram compondo fragmentos para esta grande narrativa.

As entrevistas compõem um material produzido a partir das incertezas, pois

não sabia em que resultariam, tanto que a técnica e os recursos utilizados foram

sendo ajustados, adequando-se à necessidade de exequibilidade da investigação,

resultando num material que deu amplitude para alguns aspectos e restrições a

outros. Isto prova que a observação participante não é algo rígido e com controle

absoluto, ao contrário é algo vivo e dinâmico, que a cada novo contato desvela

novos matizes e isto constitui a sua riqueza e complexidade.

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As gravações em áudio realizadas nos momentos em que ocorria o

encontro do grupo foram realizadas em duas oportunidades e evidenciaram dois

aspectos: de um lado pude ter acesso de modo “completo”39 às falas, aos

diálogos e às histórias que geraram um material muito significativo sobre o

contexto e sobre a dinâmica do grupo; por outro, mesmo com o aval das

participantes para a realização das gravações, sentia-me invadindo um espaço

muito pessoal e de muita intimidade.

“Hoy he pensado en gravar nuestro encuentro. ¿Qué os parece?” Fui

perguntando de uma a uma se estavam de acordo e todas concordaram. Depois

que todas concordaram segui dizendo: - “Pido el permiso de vosotras para grabar

en audio y les cuento o que voy hacer con esto, nadie va oír la grabación que no

sea yo o vosotras, sí queréis. Cuando llegar a mi casa voy oír y voy apuntar las

cosas que hemos hablado, es como la memoria de nuestro encuentro y que me

va ayudar después para escribir la historia que voy contar en mi tesis, la historia

de nosotras en el taller”. (Fragmento do Diário de Campo, maio 2011).

Caso este material fosse utilizado na íntegra, daria a impressão de estar

“olhando pelo buraco da fechadura”, o que causou um dilema: o da transparência

investigativa versus o da violação da integridade, de uma intimidade que talvez

não fosse de seu gosto mostrar.

Considero que gravar as sessões em áudio seja uma forma excelente de registro,

mas vejo que nem todas se sentem à vontade, não é algo que chega a tirar a

naturalidade, mas senti que para elas era um motivo para preocuparem-se, que

as fazia estar alerta. De certa forma é como se eu estivesse invadindo um espaço

que é delas, que é privado, que é como a cozinha de suas casas, onde quando

39 Preocupação já explicitada anteriormente.

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elas recebem as amigas contam coisas de suas vidas. (Fragmento do Diário de

Campo, maio 2011).

Por isso utilizei este material com parcimônia, resguardando os princípios

éticos que ajustei como investigadora. Alguns comentários das participantes

durante a gravação foram importantes, tais como:

“¿Nena esta grabando?, ¿No salirá a público verdad?”, e todas as vezes que ela

me perguntava eu tinha que dizer que não, que ninguém além de mim (ou elas)

ouviria.(Fragmento do Diário de Campo, maio de 2011).

Eles serviram como reguladores para alertar-me sobre o que eu deveria

resguardar ou não, respeitando o pacto estabelecido.

O idioma foi outro ponto que mereceu atenção, uma vez que todo o

material resultante dos encontros e entrevistas foi produzido e transcrito

respeitando a língua original, o castelhano. Embora quase todas as participantes

sejam nascidas na Catalunha, foram poucas as situações em que elas utilizavam

o Catalão para comunicar-se entre si, fator este que despertou minha atenção

quando duas participantes se comunicavam neste idioma.

Hoje me chamou a atenção que Marta e Isa falavam catalão entre elas, fazem 7

meses desde que comecei as observações e foram muito poucas vezes que

percebi isso. Comentei com Inés que me parecia curioso que ninguém falava

catalão durante as classes. Inés me disse que quase nunca fala, se alguém fala

pode até responder em catalão, mas logo muda para o castelhano, ela disse que

é algo de sua casa e que acha que tem a ver com isso, “es como se te

acostumbra hablar em família” (Fragmento do Diário de Campo, abril de 2011).

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A questão do idioma é um aspecto delicado que neste grupo não parece

ser um fator determinante de inclusão ou exclusão, simplesmente é consenso de

adotar aquilo que seja acessível a todas.

A questão do idioma no atelier nunca foi um problema, é como se todas adotem

sempre o que é comum ao grupo. Falamos na maioria do tempo em castelhano e

são momentos muito pontuais que elas falam em catalão, perguntei para Inés se

sempre se falou em castelhano durante os encontros e ela disse que sim.

(Fragmento do Diário de Campo, abril de 2011).

Também as minhas notas de campo, enquanto produzidas no contexto

investigativo, na maioria das vezes eram feitas na língua que utilizávamos, o

castelhano, mas ao chegar a casa e transformá-las em relatos do Diário de

Campo eu utilizava a minha língua materna, o português, embora mantivesse

algumas expressões castelhanas, por não encontrar uma tradução adequada. Por

outro lado, o projeto de tese foi escrito em português e ao iniciar o processo de

escritura da tese ela aconteceu de forma natural no mesmo idioma, uma vez que

eu utilizava os dois idiomas de forma confortável. Este é um aspecto importante

porque utilizava as duas línguas na sua plenitude, especialmente na fala.

Isto me levou a tomar algumas decisões. Inicialmente, pensava em

escrever a tese com alguns capítulos em português e outros em castelhano.

Porém, o espaço geográfico interferiu, pois com minha volta para o Brasil o

contexto na minha língua materna se sobrepôs e decidi escrever a tese em

português, mas respeitando o material cuja produção original havia sido feita em

castelhano, como as falas, as entrevistas e gravações de áudio com as

participantes.

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Todo o material foi analisado e desta análise emergiram temas, textos,

capítulos e aprofundamentos que constituem o corpo desta tese. Assim, as notas

de campo, o Diário de campo, as entrevistas, as gravações em áudio, as

fotografias, foram analisadas e aprofundadas no Capítulo IV - Desvendando os

mistérios das histórias, dos diálogos e fazeres: análises e aprofundamentos

e recebendo especial atenção, a entrevista de Isa que, além de subsidiar o

capítulo IV, suscitou novos encaminhamentos que possibilitaram análise e

reflexões específicas sobre as relações do ensinar e aprender num espaço de

Educação Não Formal, registradas no Capítulo V – Histórias que se cruzam:

reflexões sobre Identidades Femininas a Educação Não Formal e o Ensino

da Arte.

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CAPÍTULO III

Construindo o suporte para o enredo: Identidades

Femininas e Educação Não Formal

A complexidade de um estudo teórico desvenda-se à medida que se

aprofunda uma linha de conhecimento e, para isso, faz-se necessário construir

um mapa que estruture as linhas de pensamento e que de suporte ao caminho

teórico a ser seguido. É como dar uma base para o enredo de uma história.

Nesta investigação, a definição do marco teórico foi um processo que

ocorreu ao longo de todo o caminho investigativo, primeiramente servindo como

base inicial no contato com a temática e fornecendo ideias preliminares sobre a

vastidão que havia pela frente ao aventurar-me tratar temas como as Identidades

Femininas e a Educação Não Formal. Após o primeiro contato e a tomada de

consciência, foi momento de começar a fazer escolhas e decidir por quais

perspectivas eu abordaria estes assuntos e foi a partir daí que este marco teórico

passou a ganhar corpo.

Partindo de ideias preliminares a escritura foi sendo ampliada e à medida

que eu avançava no campo para a coleta dos materiais ia percebendo novas

perspectivas e nuances dentro desta temática que precisavam ser contempladas.

Foi necessário escrever, reelaborar e redimensionar minhas posições e escolhas

teóricas, pois era através delas que eu poderia atender as modificações que a

investigação foi sofrendo em diferentes etapas de seu desenvolvimento.

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Com isso, este capítulo é onde procuro estabelecer um diálogo com as

teorias estudadas ao longo do período de formação para escrever esta tese,

demarcando assim, minhas opções e meus posicionamentos. Busquei evidenciar

uma preocupação que tive ao longo de todo o processo investigativo: o de

construir um aporte teórico flexível, constituído de possibilidades, que fosse capaz

de estimular a reflexão ao estar comprometido com muito mais que perseguir

verdades absolutas e fechadas em suas próprias convicções e certezas, mas que,

sobretudo, fosse o reflexo da construção do meu olhar em um determinado

espaço/tempo e a maneira como optei relacionar-me com temas tão amplos, de

tamanha complexidade e alcance como as questões que envolvem o estudo das

Identidades Femininas e da Educação Não Formal, desveladas por narrativas e

estimuladas por práticas artísticas.

Assim, é importante frisar que não procurei realizar um apanhado teórico,

nem construir um compêndio de informações sobre Identidades Femininas e

Educação Não Formal, e sim, propor uma aproximação destes conceitos,

abordando alguns de seus aspectos que considerei relevantes e que me

auxiliassem a tratar a temática estudada.

Esta investigação centra sua atenção na preocupação em entender como

ocorrem os fazeres ou práticas artísticas, desenvolvidos num espaço de

Educação Não Formal (atelier de cerâmica), frequentado por um grupo de

mulheres e se esse espaço de fazeres ou práticas artísticas oportuniza a reflexão

e as narrativas sobre as Identidades Femininas.

Deste modo, este capítulo é dedicado a refletir aspectos sobre as

Identidades Femininas e a Educação Não Formal e como estes dois eixos se

articulam com a proposta investigativa. Ele foi dividido em dois momentos: o

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primeiro dedicado às questões de Identidade, visando articulá-lo ao foco de

interesse nesta investigação, que são as Identidades Femininas. O segundo

momento, dedica-se a pensar as relações da Educação Não Formal e suas

implicações no âmbito desta pesquisa.

33.1 Por onde começa a história: identidades

Os deslocamentos, os trânsitos e as mudanças vividas, ocasionaram uma

nova direção para o meu olhar, e assim, para cada momento vivido as respostas

para as perguntas que instigaram e desafiaram este trabalho investigativo foram

se modificando, fazendo com que o conceito de identidade necessitasse ser

repensado, refletido e aprofundado constantemente.

Historicamente as discussões sobre o conceito de identidade estão

presentes entre os questionamentos clássicos do desenvolvimento do

pensamento humano, discutidos e debatidos por diferentes campos de saberes e

conhecimentos como a filosofia, a psicologia, a antropologia, a sociologia,

constitui-se por uma polissemia de sentidos, direções e significados que

adicionam uma dose extra de complexidade ao tratar e buscar definição para um

tema que é complexo em sua natureza.

De acordo com o pensamento de Bauman, o espaço para a discussão da

identidade nunca será pacífico “La identidad, digámoslo claramente, es un

‘concepto calurosamente contestado’. Donde quiera que usted oiga dicha palabra,

puede estar seguro de que hay una batalla en marcha. El hogar natural de la

identidad es un campo de batalla” (2010, p.163).

Esta complexidade além de estar relacionada ao contexto teórico e

histórico que parece haver ganhado mais vigor a partir da Segunda Guerra por

filósofos, sociólogos, antropólogos além do campo das Ciências Sociais, também

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se relaciona e se articula com as inquietudes contidas dentro da esfera pessoal e

profissional que podem ser considerados questionamentos básicos dentro e fora

do âmbito acadêmico, pelo simples fato de nos perguntarmos em algum

determinado momento de nossas vidas “quem eu sou, ou quem somos?” Isso

significa que busquei respostas que ainda não conhecia, ou então que poderiam

ser diferentes das que havia formulado até o momento.

Mesmo que existam posicionamentos contraditórios sobre como responder

a tais indagações, o que parece ser comum entre os diferentes campos é a de

que a identidade se constitui como um sistema de representação e de estratégias

simbólicas que norteiam condutas e que se constrói nas trocas e nos processos

sociais.

Algumas correntes atribuem a ânsia por compreendermos o significado da

identidade devido ao advento da modernidade, tendo suas origens situadas no

individualismo ocidental. Neste sentido, Baumeister (apud Giddens, 2000, p. 98)

comenta que na época pré-moderna faltava essa insistência, que agora é normal,

da individualidade.

La idea de que toda persona tiene un carácter único y posibilidades especiales, susceptibles o no de cumplirse, es ajena a la cultura premoderna. En Europa medieval el linaje, el género, el rango social y otros atributos decisivos para la identidad estaban relativamente fijados. (Giddens, 2000, p.98).

Ao longo das diferentes etapas da vida se produziam mudanças, no

entanto, estas mudanças eram dirigidas por processos institucionalizados e o

papel do indivíduo era passivo. Giddens ainda relaciona a posição de Baumeister

com a análise de Durkhein (apud Giddens, 2000, p.99) a de que:

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En cierto sentido el “individuo” no existe en las culturas tradicionales, donde no se elogiaba la individualidad. Sólo con la aparición de las sociedades modernas y, más en concreto, con la diferenciación de la división del trabajo, el individuo concreto se convirtió en foco de atención.

Muito embora Giddens (2000) considere que estas posições tenham uma

efetiva parte de verdade, sua posição é a de que tanto o ‘indivíduo’ ou o ‘eu’ não

são uma característica sumamente derivada da modernidade, já que considera

que a “individualidade” dentro de limites variáveis foi considerada em todas as

culturas, em um sentido ou outro, um cultivo de possibilidades individuais.

A par disso, existem outros posicionamentos. Dentro de uma abordagem

sociológica (Morin 2004), aponta que o sentido de identidade teria uma lógica

biológica e que corresponderia à lógica própria do ser. Morin (2004, p.55)

denomina esta lógica como ‘Trinidad individuo-sociedad-espécie’. “Los individuos

son producto del proceso reproductor de la espécie humana, pero este proceso

debe, a su vez, ser producido por individuos”. Em um ciclo formado por esta

tríade, a sociedade seria o produto criado pela interação entre os indivíduos, esta

por sua vez “retroactua” pela sua cultura sobre os indivíduos, Assim, espécie,

sociedade e indivíduos se “entreproduzen” onde cada um destes termos gera e

regenera o outro.

La sociedad vive para el individuo, el cual vive para la sociedad, la sociedad y el individuo viven para la especie, que vive para el individuo y la sociedad. Cada uno de estos términos es a la vez medio y fin: es la cultura y la sociedad las que permiten la realización de los individuos y son las interacciones entre individuos las que permiten la perpetuación de la cultura y la autoorganización de la sociedad. (Morin, 2004, p.55).

A relação entre indivíduo, sociedade e espécie é dialógica e ao mesmo

tempo sua complementaridade pode resultar antagônica, já que a sociedade

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reprime e inibe o indivíduo e o indivíduo deseja liberar-se do cabresto social. Já

no que concerne à espécie, o que está em jogo são as escolhas entre o ser

reprodutivo e o ser que deseja satisfazer os impulsos sexuais.

Por outro lado, no campo das ciências sociais uma posição que parece ser

quase unânime é a de que a identidade é uma construção social, Bauman (2010)

nos diz que “Uno se conciencia de que la ‘pertenencia’ o la ‘identidad’ no están

talladas en la roca, de que no están protegidas con garantía de por vida, de que

son eminentemente negociables y revocables.” (p.32).

Esta noção possibilita considerar duas posturas distintas: a primeira,

essencialista (Dubar, 2002), que está relacionada à crença de que existe uma

essência que é original e imutável; em contraposição, aparece uma segunda

categoria denominada nominalista que defende a ideia de que o que existe são

modos de identificação que estão relacionados ao curso da história coletiva, da

vida pessoal e do contexto.

Conhecer estes modelos propicia visualizar a corrente nominalista,

entendendo que tanto o aspecto contextual como também aquele que é intrínseco

a nossa natureza estão presentes nesta construção e por isso as identidades vão

se ajustando e se reformulando, à medida que nossas experiências e vivências

dialogam com o mundo ao nosso redor.

Por um lado, o que acontece na atualidade é que a identidade é um

conceito que já não conhece mais fronteiras, melhor dito, as fronteiras que antes

eram geográficas e que fomentavam esferas das identidades, como o caso da

identidade nacional (Bauman, 2009), étnica ou racial, hoje devido ao advento da

globalização se desdobra e se articula a partir de múltiplos reconhecimentos que

extrapolam estas barreiras. Bauman (2010) desenvolve uma crítica dura quanto

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às identidades nacionais, ao afirmar que na verdade a identidade nacional não

passa de uma ficção.

La identidad nacida como ficción requirió de mucha coerción y convencimiento para fortalecerse y cuajar en una realidad (más concretamente: en la única realidad imaginable), y estos dos factores sobrevolaron la historia del nacimiento y de la maduración del Estado moderno. (p.50)

Por outro lado, pensar sobre ser um sujeito40 intercultural (Canclini, 2004)

teria muito mais sentido do que pensar em um sujeito fixado em uma cultura, uma

classe ou uma nação.

Las identidades de los sujetos se forman ahora en procesos interétnicos e internacionales, entre flujos producidos por las tecnologías y las corporaciones multinacionales; intercambios financieros globalizados, repertorios de imágenes e información creados para ser distribuidos a todo o planeta por las industrias culturales. Hoy imaginamos lo que significa ser sujeto no solo desde la cultura en que nacimos, sino, desde una variedad de repertorios simbólicos y modelos de comportamiento. (Canclini, 2004, p. 161).

Esta nova concepção de sujeito em trânsito e susceptível às mudanças

provoca instabilidade tanto nas relações com outras pessoas, como também com

a própria sociedade.

Ainda segundo a posição de Canclini (2004)

Vivir en tránsito, en elecciones cambiantes e inseguras, con remodelaciones constantes de las personas y sus

40 Conforme a ótica apresentada por Morin (2004, p.78) “Ser sujeto supone un individuo, pero la noción de

individuo sólo adquiere sentido si comporta la noción de sujeto. La definición primera de sujeto debe ser en

primer lugar bio-lógica. Es una lógica de autoafirmación del individuo viviente, por ocupación del centro del

propio mundo, lo que corresponde literalmente a la noción de egocentrismo. Ser sujeto es situarse en el

centro del mundo, tanto para conocer como para actuar”. Morin nos explica ainda que embora o sujeito seja

egocêntrico essa condição não nos conduz ao egoísmo, porque a condição de sujeito comporta o princípio de

exclusão e inclusão que nos permite incluirmos a comunidade. É um “nós” que inclui as relações pessoais,

com a família, de crença, de orientação política e isso inclui o “nós” no centro do mundo.

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relaciones sociales, parece conducir a una desconstrucción más radical que las practicadas por las teorías de la sospecha sobre subjetividad y conciencia (p.161)

Alguns autores compreendem a identidade sob uma perspectiva cultural,

linha de pensamento em que esta investigação se apoia. Esse grupo de autores,

com destaque para Stuart Hall (2005) e Bauman (2010), comenta sobre uma

“crise de identidade” que é parte de um processo de mudança que está

deslocando o que os indivíduos conheceram em outras épocas como sendo um

mundo socialmente estável e que hoje desestabiliza por não encontrarmos

referentes seguros e imutáveis e este seria o motivo para a crise.

Este processo pode ser entendido em três momentos pontuais pelos quais

o sujeito foi submetido ao longo da história. A primeira, parte do entendimento de

sujeito visto como pessoa humana, que está completamente centrado e unificado,

que é dotado de capacidades de razão, consciência e razão, um indivíduo que

possui um “centro” um núcleo interior que vinha à tona no seu nascimento e com

o seu desenvolvimento esse núcleo também se desenvolvia, no entanto, na

essência o indivíduo permanecia o mesmo. Esse modelo, Hall (2005) denomina

de “sujeito do iluminismo”. Segundo essa visão o “eu” de cada pessoa era relativo

à sua identidade que defende uma visão individualista tanto do sujeito como de

sua identidade, e sumariamente este sujeito era descrito como masculino. Esta

concepção está ligada ao que antes apontamos como uma condição essencialista

apresentada por Dubar (2002).

Dentro da segunda concepção de identidade está o sujeito sociológico,

noção que refletia o complexo panorama do mundo moderno e a tomada de

consciência de que o núcleo interior do sujeito não era constituído de autonomia e

sim, formado a partir das relações com outras pessoas que realizavam a

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mediação entre o sujeito, os sentidos, símbolos e valores e a cultura do mundo

em que esta pessoa habitava.

De acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica da questão, a identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esse mundo oferece (Hall, 2005, p. 11).

A concepção sociológica, também já referida anteriormente com base em

Morin (2004), reflete a dualidade na compreensão e definição da identidade ao

levar em conta o espaço interior/exterior, do mundo pessoal/público. Stuart Hall

(2005), explica que ao projetarmos “nós próprios” nestas identidades culturais,

vamos internalizando os significados e os valores associados a elas e que

passam a fazer parte de nós, alinhando subjetividades com o lugar objetivo que

ocupamos no mundo social e cultural.

A identidade realiza uma espécie de costura, ao acoplar o sujeito à

estrutura que proporciona estabilidade tanto aos sujeitos quanto aos mundos

culturais que eles habitam, o que os torna mais unificados e previsíveis.

Conforme comenta Stuart Hall, acredita-se que hoje as identidades

modernas estão sofrendo um colapso, uma vez que existem tipos diferentes de

mudanças estruturais que transformaram as sociedades modernas no final do

século XX.

Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça, nacionalidade, que no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados (Hall, 2005, p. 9).

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Hall explica ainda, que esta perda do “sentido de si” provoca um

deslocamento ou descentração do sujeito considerado com um duplo

deslocamento que descentra os indivíduos tanto do seu lugar no mundo social e

cultural como de si mesmo e esse processo provoca uma “crise de identidade”.

No entanto, segundo a visão apresentada por Hall (2005), são justamente

essas questões que estão sofrendo mudanças uma vez que este sujeito que viveu

tendo uma identidade unificada e estável está se tornando um sujeito

fragmentado, que não possui uma única identidade estática e fixa e sim, um

sujeito composto de múltiplas identidades, que podem chocar entre si ou não

estarem resolvidas.

Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais “lá fora” e que asseguravam nossa conformidade subjetiva como as “necessidades” objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais, O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático (Hall, 2005, p. 12).

Dentro deste cenário de ruptura entre o que se conhecia como estável e

fixo e o fragmentário e múltiplo, acaba por produzir o sujeito pós-moderno que

conceitualmente não possui uma identidade permanente, estática e essencial.

Assim, a identidade torna-se a “celebração do móvel” uma vez que passa a

ser transformada e formada ininterruptamente em relação às formas pelas quais

vamos sendo representados e indagados pelos sistemas culturais que estão ao

nosso redor.

Essa questão como bem lembra Hall (2005), são definidas e construídas

historicamente e não biologicamente, quando o sujeito assume identidades

distintas em distintos momentos e essas identidades nem sempre estão unidas ao

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redor de um “eu” coerente, por que dentro de nós as identidades podem ser

contraditórias, exercendo forças em diferentes sentidos e direções a tal ponto que

nossa identificação sofra constantemente deslocamentos.

Assim, termos uma identidade unificada desde que nascemos até a nossa

morte é apenas porque construímos uma história na qual nos sentíamos

confortáveis e cômodos e a isso Hall (2005), chama de “narrativa do eu”, uma vez

que essa identidade tão perfeita é apenas uma farsa, uma fantasia em que

decidimos acreditar.

Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos no identificar – ao menos temporariamente (Hall, 2005, p.13).

Já dentro da visão defendida por Bauman (1998, 2000, 2001, 2002, 2010),

seria a globalização a grande responsável pelas mudanças radicais e irreversíveis

que afeta os mais diferentes âmbitos da sociedade como as estruturas estatais,

condições laborais, a subjetividade coletiva, a produção cultural, a vida cotidiana,

as relações entre o ser e o outro e consequentemente, o entendimento pelo

conceito de identidade.

Dentro de sua perspectiva o conceito de modernidade seria facilmente

substituído pelo sentido que a globalização adquiriu para a vida promovendo

assim uma modernidade líquida, fluída que está em constante metamorfose e

mutação. As identidades para acompanharem este mundo em transformação não

podem mais serem enquadradas ou consideradas a partir de modelos pré-

estabelecidos e, sim, consideradas a partir de um processo continuo de

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redefinição que compreende a redefinição de cada um de nós e da invenção e

reinvenção da própria história.

Bauman (2010) afirma que a principal força deste processo é a ‘liquefação’

que acelera os marcos e as instituições sociais.

Ahora estamos pasando de la fase sólida de la modernidad a la ‘fluida’. Y los fluidos se llaman así porque no pueden conservar su forma por mucho tiempo y, a menos de que se les vierta en un contenedor ceñido, siguen cambiando bajo la influencia de incluso la menor de las fuerzas. (p.111-112).

Neste sentido, passamos a considerar a fragilidade e a volatilidade das

identidades que não são cunhadas a partir de estruturas rígidas, não há receita e

nem controle preciso, porque são geradas a partir da imprevisibilidade do meio.

Bauman (2010, p. 114) alerta: “La estrategia adecuada para tratar con una

jugadora tan evasiva y errática es pagarle con la misma moneda”.

Partindo do ponto de vista de que a identidade já não pode ser considerada

fixa, coerente e estável e que junto ao seu entendimento se fomenta um espaço

de dúvidas e incertezas, torna-se relevante questioná-la e trazê-la para o cenário

de debates e discussões no âmbito acadêmico.

Muitas inquietações estão presentes ao tratar-se da constituição da

identidade em nosso tempo e da mesma forma, surgem outras problemáticas que

se articulam com questões como o gênero, raça, classe etc. Estas inquietações

se fazem latentes à medida que refletimos com maior cuidado sobre a

constituição das Identidades Femininas ao longo da história. Na maneira pouco

privilegiada que a história das mulheres41 ocupou até pouco tempo em relação à

própria história da humanidade.

41 Ao longo do texto, procuro referir-me ao termo plural de “as mulheres” ou “ de mulheres”, porque entendo

que desta forma, se reconhece a diversidade que está entrelaçada ao coletivo feminino. “Referir-se a “la

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Entendo que tanto o papel dos homens como também o das mulheres são

conceitos historicamente construídos. Conforme Domingo (2001), até o começo

do século XX as informações sobre as mulheres eram provenientes de espaços

privados, por meio de cartas e diários íntimos e que refletiam em muitos casos, o

completo estado de silêncio e submissão aos quais muitas delas estavam

submetidas. Suas vidas estiveram por muito tempo, atreladas à condição de filhas

ou esposas “de” e a finalidade de sua existência estava diretamente associada à

capacidade reprodutiva, aos labores e fazeres da casa e ao cuidado da sua

família.

Estas considerações são importantes para esta investigação porque nos

fornecem uma ideia da grande complexidade que é tratar sobre identidade um

terreno que está se movendo e que reflete o momento em que vivemos de

incertezas e inseguranças quanto à configuração do mundo, das identidades

coletivas e pessoais que vão se constituindo, se desintegrando e se

reorganizando a olhos vistos. Assim não procuro uma forma de definir ou de

delimitar o significado fechado e restrito da identidade e sim o que proponho é

aceder ao palco destas batalhas e desta maneira chegar a entender como todo

este movimento atua e influencia sobre o fenômeno estudado.

Assim, para dar continuidade a esta ideia busquei traçar algumas

considerações de outro elemento importante quando tratamos de identidade, que

é o lugar do eu e do outro nesta paisagem.

mujer” como genérico es una forma de identificar a todas con lo definido para ellas, “lo mujer”, negando su

individualidad, una fórmula que sirve para mantener el estereotipo construido. La historia de la educación de

las mujeres sólo puede ser comprensible en plural, porque ni todas tienen la misma historia, ni reciben la

misma educación. El uso del singular no sólo impide reconocer esa pluralidad, sino que, por otra parte,

favorece el pensar en el colectivo de mujeres como un colectivo de “idénticas” que viene definido por

varones”. (Domingo, 2001, p.27).

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33.1.1 Lugares comuns, ou nem tanto: o coletivo e o

individual, o outro e nós

Buscando estabelecer em linhas gerais duas noções elementares para a

problemática da identidade podemos abordá-las a partir de duas perspectivas

distintas: uma, que define a identidade como algo fixo, estável e permanente; e

outra, que a percebe como algo móvel e em trânsito.

Se nos apoiamos na primeira perspectiva seria possível definirmos a

identidade de uma maneira fechada que excluiria a multiplicidade de sentidos e

significados que esta poderia ter no mundo e que seriam determinados por

coletivos que definiriam a identidade através da nacionalidade, gênero, religião,

classe social e mais um sem fim de coletivos que poderíamos encontrar.

Pelo outro caminho encontraremos a identidade como algo provisório,

móvel e que pode se transformar em algo diferente daquilo que conhecíamos. E

parece que, justamente neste ponto, encontramos o que se considera como

“problema de identidade” e essa incerteza e insegurança se torna problemática à

medida que, tanto a nossa identidade pessoal como a coletiva podem

transformar-se em algo diferente daquilo conhecemos.

Neste imbricamento de sentidos, temos que buscar formas de coordenar o

entendimento de como surgem estas questões, do coletivo e do pessoal, onde o

‘eu’ e o ‘outro’ procuram construir um diálogo efetivo para as formas de

identidades.

Segundo a posição apresentada por Dubar (2002, p. 12) as formas de

identificação podem ser consideradas de dois tipos, as identificações atribuídas

pelos outros, “identidades para los otros”, e as identificações reivindicadas por

cada um, “identidades para sí”. Cada um pode identificar-se de maneira diferente

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do que os outros fazem e estes dois processos fundamentam a noção de formas

identitárias.

Los dos tipos de categorización muy bien pueden coincidir, como por ejemplo, cuando un ser humano interioriza su pertenencia heredada y definida por los otros como la única posible, es decir, pensable. Puede también divergir completamente, como, por ejemplo, cuando alguien se define a sí mismo con palabras diferentes a las categorías oficiales utilizadas por los otros. (Dubar, 2002, p. 12)

Estas formas identitárias podem ser consideradas dentro de duas

perspectivas: a primeira a que Dubar (2002) chama de comunitária, cuja forma

seria atribuída à existência de agrupações denominadas “comunidades”

consideradas como sistemas de lugares, com nomes pré-determinados aos

indivíduos e que se reproduzem de geração em geração. Segundo esta

perspectiva cada indivíduo tem um pertencimento considerado como fator

principal, tanto como membro desta comunidade como também como indivíduo

singular e dentro dela são consideradas características essenciais e vitais para a

existência individual. Assim, a cultura, a nação, a etnia ou corporações são

consideradas fontes essenciais de identidades. “Estas formas de identificar a los

individuos a partir del grupo de pertenencia persiste en sociedades modernas y

pueden ser asumidas por las personas mismas: pueden ser ‘para sí’ tanto como

‘para los otros’” (Dubar, 2002, p.13).

Como segunda perspectiva, Dubar apresenta as formas societárias, como

sendo mais recentes e emergentes. Sob esta ótica os coletivos são considerados

múltiplos, variáveis e efêmeros, em que os indivíduos se posicionam por períodos

limitados proporcionando assim, recursos de identificação provisórios.

Desde esta perspectiva, cada uno posee múltiples pertenecías que pueden cambiar en el curso de una vida,

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en particular a las que se refieren a la primacía del sujeto individual sobre las pertenencias colectivas y la primacía de las identificaciones ‘para sí’ respecto a las identificaciones ‘para los otros’ (Dubar, 2002, p. 13-14).

Desta forma, a ideia de uma identidade pessoal é a que condiciona a

identificação societária nos diferentes grupos como a família, profissão, religião,

política, etc. e são consideradas como o resultado das escolhas pessoais e não

como definições herdadas ou previamente estabelecidas.

Pensar através da perspectiva de formas identitárias que Dubar (2002)

apresenta, é uma maneira de identificar os indivíduos que se relacionam com

configurações históricas que coexistem na vida social. Pensando assim, ainda

existe um nó entre as formas societárias e comunitárias onde se estabelece a

tentativa de nominar as combinações das transações e das relações. Dubar as

define através de quatro eixos: cultural, narrativo, reflexivo e estatutário que

estariam ligados a uma maneira histórica de entendermos estas relações quando

existe a dominação de um grupo que impõe um modo legítimo de identificação a

todos os demais.

Desta maneira, a ‘cultural’ é a que aparece em comunidades tradicionais e

que implica na dominação de sexo, a dos homens contra as mulheres, a forma

‘estatutária’ relacionada à dominação burocrática, a forma ‘reflexiva’ relacionada à

dominação simbólica, e a dominação de forma ‘narrativa’ que está atrelada a

dominação de classe. A complexa relação entre as formas de dominação são

também relacionadas à alteridade e que por sua vez, são correlatas às formas de

identificação.

A ligação entre as formas identitárias e as relações sociais são profundas,

a tal ponto, que podem ser consideradas inseparáveis. Da mesma forma,

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acontece com a questão da alteridade (Dubar, 2002, p. 68) já que não existe

identidade sem alteridade e sem as relações entre os dois.

Nas relações sociais o outro é uma das questões centrais quando tratamos

de identidade, porque a partir das relações e das construções é que vamos

estabelecendo uma noção de quem sou eu. Na mais tenra idade, quando já

somos capazes de formularmos o que significa o “eu”, já estamos instintivamente

nos dando conta que existe outro e o que podemos aprender destes “outros” com

quem vivemos.

El otro es a la vez el semejante y el desemejante; semejante por los rasgos humanos o culturales comunes, desemejante por las singularidades individuales o las diferencias étnicas. El otro lleva efectivamente en sí lo ajeno y la similitud. (Morin, 2004, p. 81).

Esta construção do outro pode até ser considerada banal, no entanto é

uma esfera importante porque nos dá a dimensão do mundo ao qual fazemos

parte, do cotidiano e da vida em sociedade.

Morin (2004) nos explica que a tomada desta consciência, a de que

existem ‘outros como nosotros’ pode até ser considerada natural, mas é o que

antecede esforços conscientes para aprendermos a partir da experiência pessoal

ou da instrução, porque uma atitude natural necessita um conhecimento anterior,

algo que tomamos como premissa e aceitamos como fato e que não precisamos

de provas ou comprovações para aceitá-lo.

A acepção de Giddens (2000) sobre esta questão também confirma a

importância que esta descoberta tem para o desenvolvimento da identidade e

para a noção de indivíduo ao dizer que: “El inviduo no es um ser que encuentre a

los otros em um momento súbito; ‘el descobrimineto de los otros’ es de

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importância clave, em sentido emocional-cognitivo, en el desarrollo inicial de

conciencia del yo em cuanto tal” (p.70).

Este outro, ou o ‘descobrimento do outro’ passa a ter mais relevância

quando estes outros são diferente daquilo que tínhamos naturalizado, quando

entramos em contato com culturas que possuem outras perspectivas a revelia da

que trazemos em nossa bagagem.

Este encontro é algo que produz um impacto tanto no ambiente de

encontro como também em cada um dos indivíduos que participam ativamente

neste cenário, porque ao imergir no mundo de descobrimento se vai percebendo

que não existe controle sobre o que vamos descobrir, não há uma maneira de

traçar estratégias nem de fixar qual serão as dimensões que poderemos aceder.

Bauman nos diz que “‘identificarse com…’ significa entregar rehenes a um

destino desconocido sobre el que no se puede ejercer influencia, ni mucho menos

controlar” (2010, p. 70). Quando reflito sobre isso, tenho mais presente o trabalho

de campo desenvolvido para esta investigação, a minha imersão em um atelier de

cerâmica com mulheres, quando meu ‘descobrimento sobre os outros’ foi se

construindo pouco a pouco, em uma escala crescente e descontrolada, em que as

informações e as experiências compartilhadas eram aleatórias e que se

colocadas separadamente ou isoladas talvez não gerassem sentidos.

Este encontro com as ‘outras’ proporcionou-me conhecer suas histórias e

vivências, produzindo assim uma nova narrativa tanto para a noção de ‘quem eu

sou’ como também em relação a quem são elas. Neste sentido Bauman (2010)

nos coloca a seguinte questão: “preguntar ‘quién eres tú’ solo cobra sentido

cuando uno puede ser alguién diferente al que se es” (p. 47).

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Ao perguntarmos quem é o outro, estamos buscando conhecer o que não

está visível aos olhos porque implica em conhecer uma narrativa que pode se

fazer visível, tanto sua como nossa também.

A decisão de que a investigação estaria implicada em conhecer como as

Identidades Femininas são influenciadas pelo fazer da cerâmica em um atelier,

inicialmente não me possibilitou dimensionar o caminho que eu deveria percorrer

para chegar a tal entendimento. Por isso optei por um caminho mais longo,

abordando primeiramente a questão da identidade como um todo, constituindo

assim um corpo espesso e que constituísse em uma base sólida, mas não com a

pretensão de esgotar o assunto e sim, com o intuito de seguir tomando vias

secundárias, até chegar ao foco principal. Por isso na sequência, irei tratar sobre

gênero buscando estreitar o caminho até chegar à questão das Identidades

Femininas.

33.1.2 Adicionando complexidade a história: gênero e

Identidades Femininas

O panorama apresentado até o momento gira em torno das construções de

identidade em que se acredita que é a identidade parte de um processo que se

mostra a sua medida, entre a confrontação de um ideal de eu individual e um

ideal social. Através de processos de construção de sentido, valores e princípios,

bem como a cultura em que o indivíduo está imerso, influenciam em sua

constituição, por isso a identidade é uma construção social. Estas construções

são derivadas de embates que extrapolam uma definição pessoal, porque transita

em um cenário que incluem e/ou excluem os predicativos institucionais pré-

determinados.

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Quando estabelecemos relação entre identidade e gênero, buscamos

compreender a raiz das questões que envolvem a formação das Identidades

Femininas.

Entendo o conceito de gênero como um conceito que engloba as

identidades que derivam não somente do contexto biológico, mas também que

nos explicam o ponto de partida para as construções sociais, históricas e

simbólicas, entre os homens e mulheres tomando como base a diferença sexual.

Conforme comenta Garcia (1998), as investigações em torno das questões

de gênero podem ser consideradas relativamente recentes, pois o conceito de

gênero surgiu durante os anos sessenta no âmbito da psicologia dentro da

corrente médica.

Louro (2000, p.9) afirma que:

Na verdade, desde os anos sessenta, o debate sobre as identidades e as práticas sexuais e de gênero vem se tornando cada vez mais acalorado, especialmente provocado pelo movimento feminista, pelos movimentos de gays e de lésbicas e sustentado, também, por todos aqueles e aquelas que se sentem ameaçados por essas manifestações. Novas identidades sociais tornaram-se visíveis, provocando, em seu processo de afirmação e diferenciação, novas divisões sociais e o nascimento do que passou a ser conhecido como "política de identidades".

Foi observado que existia algo fora do sexo biológico que determinava a

identidade e o comportamento a partir dos estudos de Robert Stoller (1968) se

iniciou um debate em torno das questões de sexo e gênero, que delimitariam

diferenças entre o sexo biológico e o gênero social, marcando assim uma tensão

na análise das diferenças de sexo.

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Assim surge a necessidade de pensar o sexo, o gênero e a diferença

sexual, e é o feminismo enquanto movimento intelectual que trata de plasmar esta

evolução filosófica e política ao definir o conceito:

«Género», o gender, es la palabra que expresa el concepto: es una proposición filosófica. Se decide simbolizar en el concepto de «género» la necesidad de inteligir la diferencia entre los sexos. Así pues, la insistencia en el concepto de «género» es un acontecimiento filosófico reciente. (Fraisse, 2001, p. 1).

Joan Scott (1995) nos diz que as feministas ao proporem o conceito de

gênero defendiam a ideia que estudos sobre a mulher poderiam transformar os

paradigmas na essência de cada disciplina, que acrescentaria não somente novos

temas, mas também levantaria uma reavaliação crítica das premissas e critérios

do que já existia enquanto pesquisa neste campo.

“Aprendemos”, escreviam três historiadoras feministas, “que inscrever as mulheres na história implica necessariamente na redefinição e no alargamento das noções tradicionais do que é historicamente importante, para incluir tanto a experiência pessoal e subjetiva, quanto às atividades públicas e políticas. Não é exagerado dizer que, por mais hesitante que sejam os passos iniciais, esta metodologia implica não apenas em uma nova história das mulheres, mas em uma nova história”. (Scott, 1995, p. 2).

Entre as feministas americanas, que podem ser consideradas como as

pioneiras para o uso do termo “gênero”, se defendia a qualidade

fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo, a palavra indicava

uma rejeição ao determinismo biológico implícito nos termos como “sexo” ou

“diferença sexual”.

Segundo Joan Scott (1995, p. 72)

O “gênero” sublinhava também o aspecto relacional das definições normativas de feminilidade. As que estavam mais

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preocupadas com o fato de que a produção dos estudos femininos centrava-se sobre as mulheres de forma muito estreita e isolada, utilizaram o termo “gênero” para introduzir uma noção relacional no nosso vocabulário analítico. Segundo esta opinião, as mulheres e os homens eram definidos em termos recíprocos e nenhuma compreensão de qualquer um poderia existir através de estudo inteiramente separado.

Conforme esta visão, tanto os estudos sobre homens como mulheres eram

definidos em termos recíprocos e não poderiam ser estudados de forma

independente um do outro. Conforme o pensamento de Nathalie Davis (1975) in

Scott, (1995), deveria haver um interesse pela história de ambos, homens e

mulheres, desenvolvendo o interesse pela amplitude dos papéis sexuais e seu

simbolismo em diferentes época e sociedades.

No livro Problemas de Gênero, Judith Butler (Trizoli, 2008, p. 1496) nos

coloca que Gênero é uma classificação que identifica o corpo sexuado e

produzido pela sociedade. Segundo sua visão

O gênero pode ser compreendido como um significado assumido por um corpo (já) diferenciado sexualmente; contudo, mesmo assim esse significado só existe em relação a outro significado oposto... Como fenômeno inconstante e contextual, o gênero não denota um se substantivo, mas um ponto relativo de convergência entre conjuntos específicos de relações, cultural e historicamente convergentes. (p.28-29).

Atenho-me a ideia apontada por Guizzo (2008) de que gênero se objeta ao

pensamento de uma essência natural, universalmente aceita de concepção

masculina ou feminina que considera os processos de construção histórica,

linguística e social e culturalmente determinadas.

Assim, com base nestas aportações, poderia se escrever uma nova história

em que as mulheres teriam suas experiências evidenciadas, mas dependendo da

maneira em que o gênero fosse abordado enquanto categoria de análise.

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Partindo deste posicionamento a definição de gênero se estabelece como

uma construção cultural e social e que se diferencia da categoria de sexo que

teria relação com o biológico. No entanto, Butler (2006, p. 71) nos oferece outro

ponto de vista, a de que o sexo não seria uma categoria nem biológica nem social

e sim uma categoria linguística que existe na divisão entre o social e o biológico.

Assim, a definição que passa a ser considerada é a de que:

El género ha sido definido como una construcción cultural que rige las relaciones sociales entre los sexos y los códigos normativos y valores-filosóficos, políticos , religiosos-, a partir de los cuales se establecen los criterios que permiten hablar de lo masculino y lo femenino, y unas relaciones de poder asimétricas, subordinadas, aunque susceptibles de ser modificadas en el transcurso del tiempo. (Ramos, 1995, p. 88).

Ao estabelecer uma normativa para as identidades de gênero se

constituem também, pressões e opressões que determinam e ditam padrões

comportamentais e de conduta que impelem e rejeitam as diferenças entre os

sujeitos sociais. Um sistema binário, que normatiza o sexo através do

masculino/feminino, excluindo as demais possibilidades existentes.

Judith Butler afirma que:

Asumir que el género implica única y exclusivamente la matriz de lo ‘masculino’ y lo ‘femenino’ es precisamente no comprender que la producción de la coherencia binaria es contingente, que tiene un coste, y aquellas permutaciones del género que no cuadran con el binario forman parte del género tanto como su ejemplo más normativo. (2006, p.70).

Assim, o gênero é o mecanismo que possibilita a produção e a

naturalização das noções de masculino e feminino, mas ao mesmo tempo poderia

ser um mecanismo utilizado para desconstruir e desnaturalizar esta questão, se

entende que na forma de abordagens problematizadoras desta questão já se está

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sugerindo que o gênero em si, apresenta possibilidades de ser considerado mais

amplo do que o cabe no sistema binário já naturalizado. “La fusión del género con

lo masculino/femenino, hombre/mujer, macho/hembra, performa así la misma

naturalización que se espera que prevenga la noción de género”. (Butler, 2006,

p.70).

Morin (2004) afirma que embora a espécie humana seja uma, existe o

sentido duplo que é ao mesmo tempo, separada pelo masculino e feminino, esta

separação não é somente dada pelas diferenças biológicas e sim pela cultura.

Las culturas establecen, fijan, mantienen y amplían una diferenciación entre hombres y mujeres en sus roles sociales, los especializan en sus tareas cotidianas, sobredeterminam las diferencias psicológicas. Instituyen un poder masculino que salvo, aisladas excepciones, se ha ejercido continuamente en la historia de las civilizaciones. (Morin, 2004, p.88).

Embora estas diferenças passassem a ser atenuadas recentemente no

mundo ocidental, a emancipação feminina não acontece somente na obtenção

dos direitos cívicos, mas também na aquisição de autonomia de espaço e tempo,

com o acesso à possibilidade de libertação da finalidade procriadora que o casar-

se implica.

Claro que ao definirmos ou englobarmos o feminino como uma classe, se

institui que todas as mulheres são iguais, excluindo fatores tão importantes ou

definidores como as questões de raça, classe, cultura, etc., desde este ponto de

vista existiria somente uma lógica: a feminina.

Conforme Scott nos comenta, as analogias sobre classe e raça eram

explícitas:

(...), com efeito, as (os) pesquisadoras (es) de estudos sobre a mulher que tinham uma visão política mais global,

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recorriam regularmente a essas três categorias para escrever uma nova história. “O interesse pelas categorias de classe, de raça e de gênero assinalava inicialmente o compromisso do (a) pesquisador (a) com uma historia que incluía a fala dos (as) oprimidos (as) e com uma análise do sentido e da natureza de sua opressão; assinalava também que esses (as) pesquisadores (as) levavam cientificamente em relação o fato de que as desigualdades de poder estão organizadas segundo no mínimo, estes três eixos. (Scott, 1995, p.2)

O imbricamento destes três segmentos, raça, classe e gênero nos ajudam

a pensar sobre a abrangência e a complexidade ao tratar destas categorias e vejo

de certa relevância abordá-las, uma vez que podem aparecer dentro do contexto

investigativo e aproveito para incluir outro conceito à discussão, que seria o

conceito de etnia que, de certa maneira, está implicado ao conceito de raça por

serem ambos conceitos construídos e que influencia assim como os demais em

uma concepção renovada do que cada um deles significa em essência e,

sobretudo em relação ao mundo atual.

Segundo nos comenta Guizzo (2008, p.20-21), existem muitas discussões

em torno dos conceitos de raça e etnia e ainda há muitas controvérsias sobre qual

dos termos seria mais adequado havendo autores que prefiram um, em

detrimento ao outro e vice-versa. No entanto a palavra etnia somente teve maior

representatividade a partir da Segunda Guerra Mundial.

(...) essa palavra começou a ser utilizada como forma de realçar que determinados povos, mais do que se constituírem/unirem em função de semelhanças biológicas pré-determinadas, constituem-se/unem-se em razão de fenômenos históricos, sociais, culturais, morais e intelectuais (Stolke, 1991 apud Guizzo, 2008, p.21).

Conforme Guizzo (2008), as ideias referentes ao conceito de etnia tinham

relação mais com os costumes e tradições partilhadas dentro de um grupo

específico e a utilização do conceito de etnia ao invés de raça não modificou a

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compreensão de cada um deles, segundo Meyer (2001) apud Guizzo (2008,

p.21), “(...) o deslocamento das diferenças que a raça situava na biologia para o

terreno da cultura acabou sustentando um ‘novo racismo’, onde as discriminações

operam tomando como bases supostas incompatibilidades culturais (...)”.

Os conceitos de raça e etnia são entendidos como marcadores sociais que

são pertinentes aos processos de construção tanto de diferenças como também

de identidades culturais. Conforme nos comenta Guizzo (2008, p.21) seguindo o

pensamento da mesma autora, raça e etnia:

(...) são concepções que estão relacionadas com a produção de sentido e critérios de pertencimento que se constituem como importantes suportes de processos pelos quais se constroem fronteiras entre aqueles/as que pertencem e aqueles/as que não pertencem a determinados grupos/populações. Essas fronteiras não apenas relacionam, aproximam, separam e/ou diferenciam grupos entre si, mas o que é mais importante de ser frisado, é que elas agem de forma a posicionar socialmente os grupos representados, numa operação em que características de diversas ordens são transformadas em privilégios, vantagens, desigualdades e desvantagens sociais.

Assim, podemos definir que as construções do gênero, como a concepção

de raça e etnia são definidas por meio da cultura social de cada época, pois o

desenvolvimento do ser humano se dá em relação ao espaço e tempo que ela

ocupa e também relacionado com suas experiências ao longo de sua vida.

As discussões sobre as questões de gênero, sexo e diferenças sexuais

parecem estar longe de ter um fim, já que existe um longo caminho tanto em

termos teóricos como também políticos, religiosos, culturais, etc., tanto no que se

refere a sua nomenclatura para abordar esta problemática como também em

termos conceituais. O que é sabido que dentro da teoria feminista, e inclusive qual

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seria a melhor nomenclatura para abordar esta problemática na

contemporaneidade.

33.1.3 Olhares, narrativas e histórias: construindo as

Identidades Femininas

O caminho que escolhi tomar ao abordar sobre Identidades Femininas, ou

melhor, o caminho que foi se descortinando sobre o meu percurso foi ganhando

sentido à medida que me aproximei do conceito de identidade através da

perspectiva cultural. Essa abordagem possibilitou-me compreender que os

discursos produzidos, as narrativas e relatos constituem-se como elementos

significativos para o seu entendimento, estando relacionados com o contexto

investigado. O entendimento deste conceito, por sua vez, é constituído por

significados relacionados aos processos de identificação que concebe a

identidade como algo móvel e instável.

Por este caminho também, encontrei entendimento para as minhas

próprias construções identitárias, refletindo sobre minhas perspectivas e

concepções e mais ainda, percebendo que estas construções não se mantinham

imóveis e estagnadas diante da mobilidade e dos trânsitos sofridos e sim, que

passavam a se modificar, serem construídos e reconstruídos ao longo de todo o

percurso, e possivelmente, no decorrer de toda a vida ao serem confrontados por

outras formas de olhar, por outras realidades que fossem diferentes daquelas já

conhecidas, em que eu vivi e que já havia naturalizado, ou até mesmo,

banalizado.

Desde muito pequena eu dava-me conta e questionava sobre a forma

diferente com que eu e meus irmãos (homens), éramos tratados, já que para mim,

única menina da casa, as regras eram outras, as brincadeiras eram diferentes,

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bem como o que era válido para uma menina não valia para os meus irmãos. Não

sabia eu que, desde que nasci minha identidade já estava pré-determinada, ou

seja, devia seguir o que valeu para minha avó e para minha mãe e questionar

estas regras era inaceitável. Ser mulher era isso, seguir normas, comportar-se de

determinada maneira e fazer aquilo que “todos” esperavam. Não digo com isso

que meus irmãos não estivessem submetidos a regras também, a única diferença

é que o que eles podiam o que era válido para eles, não era para mim em

diferentes âmbitos e aspectos da vida.

Neste sentido, encontramos as considerações que Louro (2000) estabelece

em relação à sexualidade. A autora diz que determinada perspectiva considera a

sexualidade como algo inato, ou seja, “dado” pela natureza e inerentes à condição

humana. Conforme esta concepção, que está baseada no aspecto corporal e

físico, se consideraria que todos vivem de forma igual às relações com os seus

corpos. Se essa ideia fosse aceita, ficaria sem sentido argumentar sobre outras

dimensões que envolvem este conceito, como a dimensão social, política ou até

mesmo a sua capacidade de construção.

No entanto, observando desde outra perspectiva, que desconsidera o

aspecto “natural” da sexualidade, passa-se a entender que não se trata somente

de corpos e sim, que ela envolve uma série de outros processos que estão

profundamente ligados à cultura e a sua pluralidade de sentido que ela pode

adquirir combinada a outros aspectos e contextos.

Passo a refletir sobre minhas experiências enquanto criança, quando na

mais tenra idade, dentro de minha casa, ou mesmo nas brincadeiras, já ia

percebendo que existiam papéis para os meninos e para as meninas, os do sexo

masculino e outros para os do sexo feminino, e assim retomamos a lógica dualista

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de separação entre os sexos e como ela nos faz atuar e vivenciar as experiências

ao longo da vida de forma completamente diferente.

Quando se cresce em um meio que “naturaliza” comportamentos validando

a segregação, as diferenças e a exclusão entendo que é difícil questionar, é difícil

ir contra uma corrente incessante e poderosa que já está impregnada no senso

comum, nas famílias, na escola, na igreja... e que faz parte do cotidiano, da vida

social, cultural e política do coletivo dominante. Também em muitos casos, não se

questiona, porque simplesmente não se imagina que possam existir outras

possibilidades, ou então, por ver exemplos daqueles que ousam contrariar a

ordem “natural” das coisas, da vida, serem colocados em evidência,

marginalizados e discriminados.

Quanto a isso, Louro (2000) considera que não há nada de “natural”,

sobretudo quando se trata da concepção de corpo. Ela considera que são através

de processos culturais que definimos o que é ou não é natural; estes possuem tal

poder de produzir e transformar a natureza e a biologia, que por consequência, se

tornam processos históricos.

Os corpos ganham sentido socialmente. A inscrição dos gêneros — feminino ou masculino — nos corpos é feita, sempre, no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura. As possibilidades da sexualidade — das formas de expressar os desejos e prazeres — também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade. (Louro, 2000, p.10)

Estas regras são regidas por uma herança e traços culturais e sociais que

foram acumulados e que de certa maneira, fazem parte do repertório de conceitos

que conhecemos e que herdamos de nossos pais os quais, por sua vez,

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herdaram dos pais deles, e assim por diante, algo naturalizado como único

caminho que se deve percorrer e que não apresenta espaço para

questionamentos, muito menos para transgressões.

Louro (2000) vale-se da definição empregada por Foucault para a

sexualidade ao considerá-la como um "dispositivo histórico" (1988). Neste

sentido, o sexo seria uma invenção social e que se constitui, historicamente

através de múltiplos discursos que regulam, normatizam, definem saberes e

produzem “verdades”.

Sua definição de dispositivo sugere a direção e a abrangência de nosso olhar: um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas (...) o dito e o não-dito são elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos (Foucault, 1993, p.244).

Durante muito tempo, as diferenças sexuais entre homens e mulheres

foram baseadas em suas diferenças biológicas e foram utilizadas como

justificativa para a dominação masculina que definiu o papel da mulher de um

modo generalizante e excludente, “destinando-a ao ambiente privado – local

considerado adequado para a realização plena de sua essência feminina e

cumprimento de suas habilidades naturais” (Silva e Amazonas, 2009, p. 195).

Seguindo a lógica difundida pelos discursos de gênero durante o Século

XIX e XX, se sustentava em um pensamento biossocial (Nash, 2006), uma

diferença natural que prevalecia o masculino como sexo dominante. “Según esta

jerarquía de género, el hombre era considerado como ser superior y como norma,

en tanto que la mujer era evocada como ser dependiente y subalterno, definido en

función del hombre” (p. 42).

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Este discurso produzia uma identidade cultural da mulher associado à sua

natureza, relacionando–se majoritariamente em torno de sua fisiologia e desta

forma, à maternidade e à sua capacidade de gerar vida e de ter filhos.

Segundo Louro (2000) é no âmbito cultural e da história que se definem as

identidades sociais e neste sentido, não somente as identidades sexuais e de

gênero, mas também as identidades de raça, nacionalidade, classe, etc.

A autora nos explica que:

Essas múltiplas e distintas identidades constituem os sujeitos, na medida em que esses são interpelados a partir de diferentes situações, instituições ou agrupamentos sociais. Reconhecer-se numa identidade supõe, pois, responder afirmativamente a uma interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de referência. (Louro, 2000, p.11).

Ao nos reconhecermos e nos enquadrarmos em um grupo que possua os

mesmos referenciais que possuímos, estamos nos acoplando e assumindo,

mesmo que momentaneamente, aquela identidade. “Nada há de simples ou de

estável nisso tudo, pois essas múltiplas identidades podem cobrar, ao mesmo

tempo, lealdades distintas, divergentes ou até contraditórias. Somos sujeitos de

muitas identidades” (Louro, 2000, p.11).

Da mesma forma, à medida que vamos assumindo essas múltiplas

identidades, vamos também descartando, abandonando, substituindo, já que

somos sujeitos de identidades transitórias e contingentes. Assim, as identidades

sexuais e de gênero – como as demais identidades sociais - são vistas como algo

fragmentado, instável, histórico e plural.

Ao falarmos sobre identidades, se considera consequentemente, processos

de reconhecimento, que produzem tanto o reconhecimento do “outro”, como

também, marca as diferenças.

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Com isso,

O reconhecimento do "outro", daquele ou daquela que não partilha dos atributos que possuímos, é feito a partir do lugar social que ocupamos. De modo mais amplo, as sociedades realizam esses processos e, então, constroem os contornos demarcadores das fronteiras entre aqueles que representam a norma (que estão em consonância com seus padrões culturais e aqueles que ficam fora dela, às suas margens. (Louro, 2000, p. 13)

Por longo tempo estes discursos consolidaram papéis definidores das

identidades tanto as masculinas como femininas, que designavam ao homem, o

pai e marido a autoridade sobre os demais membros da família que ocupavam um

papel de dependência e sem nenhuma autonomia.

Historicamente, a norma remetia a um padrão definidor que instituía

dominantes e dominados:

Em nossa sociedade, a norma que se estabelece, historicamente, remete ao homem branco, heterossexual, de classe média urbana e cristão e essa passa a ser a referência que não precisa mais ser nomeada. Serão os "outros" sujeitos sociais que se tornarão "marcados", que se definirão e serão denominados a partir dessa referência. Desta forma, a mulher é representada como "o segundo sexo" e gays e lésbicas são descritos como desviantes da norma heterossexual. (Louro, 2000, p.13)

A condição masculina de agente econômico no mundo do trabalho e

também como sujeito político no entorno público, fornecia suporte para que a

autoridade masculina se consolidasse tanto economicamente como moralmente,

colocando-o como sujeito de “primeira classe” em relação às mulheres que

sujeitos de “segunda classe”.

Segundo coloca Nash (2006) os componentes da autoridade masculina

estavam baseados na razão e na definição cidadã na esfera pública, já a

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representação da feminilidade baseava-se na dependência, no modelo de mãe e

esposa, devota e silenciosa, dedicada à família e reclusa ao espaço doméstico.

Assim a lógica do discurso de gênero definia uma ordem social de

superioridade masculina, um sistema de gênero criado pela sociedade e que ao

mesmo tempo era legitimado por ela.

Com isso se gerava a hierarquização do papel da mulher em relação ao

homem, conduzindo-a ao lado menos privilegiado. Os espaços que a mulher

podia ocupar estavam sempre relacionados com a vida privada, à família, ao

cuidado da casa e dos demais membros da família, a reprodução (afazeres

domésticos), à intuição e a atividades que não exigiam esforço intelectual,

enquanto ao homem se destinavam a outra face destas relações, como o púbico,

a produção, a razão, o intelecto, e assim por diante.

Entre los atributos femeninos, el instinto maternal era considerado como una de sus características más definitorias. Se aludía a él como principio explicativo de las características de la feminidad: la ternura, la dedicación y la entrega a los otros. Las mujeres eran definidas en los términos naturales de las emociones maternales. Frente a la razón, agresividad, interés propio e individualismo, evocados como epicentro de la masculinidad, el instinto maternal coronaba a todos los atributos femeninos. (Nash, 2006, p.43)

Ao definir os sujeitos por meio de rótulos, homens e mulheres passaram a

ter suas identidades fixadas, engessadas em normas e padrões que

determinaram e que estabeleceram os seus papéis na sociedade.

Tomaz Tadeu da Silva (1998) apud Louro (2000, p.13) afirma que:

Os diferentes grupos sociais utilizam a representação para forjar a sua identidade e as identidades dos outros grupos sociais. Ela não é, entretanto, um campo equilibrado de jogo. Através da representação se travam batalhas decisivas de criação e imposição de significados

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particulares: esse é um campo atravessado por relações de poder. (...) o poder define a forma como se processa a representação; a representação, por sua vez, tem efeitos específicos, ligados, sobretudo, à produção de identidades culturais e sociais, reforçando, assim, as relações de poder.

Assim, entende-se que no sentido da consolidação das Identidades

Femininas, todos os processos que produzem (e produziram ao longo da história)

representações especialmente sobre a condição da mulher, foram produtoras

também de efeitos sociais que determinaram ao longo dos tempos a direção e o

sentido da vida dos grupos subordinados.

Possuindo grande visibilidade e força, essas representações deixaram de

ser reconhecidas como representações e passaram a construir a realidade.

Estabelecendo relações concretas com as construções de identidades, os grupos

que socialmente ocupam posições centrais, os dominantes, (e aqui vale para as

questões de gênero, sexualidade, raça, classe, religião...) são os que podem

representar a si próprios, assim como, os outros.

Eles falam por si e também falam pelos "outros" (e sobre os outros); apresentam como padrão sua própria estética, sua ética ou sua ciência e arrogam-se o direito de representar (pela negação ou pela subordinação) as manifestações dos demais grupos. Por tudo isso, podemos afirmar que as identidades sociais e culturais são políticas. (Louro, 2000. p.13)

Ao longo da história as formas de se representar e representar aos demais,

os significados atribuídos às experiências e às práticas sociais, tem como traço

comum as relações de poder estabelecidas e determinadas pelos grupos

dominantes.

Dentro deste estudo, ao propor investigar sobre as reflexões e narrativas

sobre as Identidades Femininas, vejo como primordial investigar a experiência de

mulheres em torno destas discussões, uma vez que levo em consideração que

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cada cultura e sociedade passam a definir comportamentos e os modos de vida

conforme suas crenças, suas perspectivas e seus entendimentos e que não

podem ser vistos como um dado isolado e sim, levando em conta os aspectos

relacionais com todo o contexto em que estão inseridas em um espaço e tempo

determinado pela cultura e pela sociedade.

Além disso, ao longo deste estudo venho constatando que existe certa

hegemonia em relação ao conceito de Identidades Femininas, constatando que se

construiu um padrão que independe de aspectos peculiares da cultura e da

sociedade, permanecendo fortemente arraigados em diferentes partes do mundo

como, por exemplo, Espanha e Brasil. Isto é resultado de um processo histórico

de longos séculos de dominação e de colonização, onde os dominados sofreram

influências da cultura dos dominantes.

33.1.3.1 As narrativas e os fazeres como marcas que

desvelam

Para Walter Benjamin (1987), o narrador tanto pode ser aquele que vem de

longe e tem muito para contar, porque viajou e conheceu muitos lugares, como

aquele que viveu honestamente de seu trabalho, ficou em casa e conhece

histórias e tradições de sua terra.

Neste sentido, entende-se que são as experiências que cada um possui

independentemente de sua proveniência, todas elas podem vir a se transformar

em narrativas atravessadas pelas marcas das vidas vividas e que passam a ser

narradas como fragmentos de uma grande história.

Segundo Benjamin (1987), as narrativas não tem a pretensão de se

tornarem informação, elas não pretendem transmitir fatos ou acontecimentos de

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forma pura, contadas exatamente como ocorreram. Os relatos na verdade são

gerados a partir das marcas deixadas pelas nossas experiências e “adere-se a

marca de quem conta como a tigela de barro contém as marcas das mãos do

oleiro” (Garcia, 1998, p. 14).

Garcia (1998) traz a discussão sobre um importante aspecto em relação

aos registros da memória e na maneira de registrar as experiências vividas por

cada sexo. Ela destaca que quanto ao registro da história, as mulheres foram

discriminadas ao terem suas experiências, ações, palavras, etc. desvalorizadas e

quase esquecidas.

Ainda dentro do panorama histórico tradicional, Domingo (2001) considera

que foram poucas as mulheres mencionadas ao longo da história que tiveram

alguma notoriedade, entre elas algumas heroínas ou rainhas como “Isabel la

Católica, Agustina de Aragon, Isabel II, Maria Cristina”, num contexto geral

podemos citar ainda, Joana D´arco, Cleópatra, Elisabeth I entre alguns outros

poucos exemplos. As mulheres que tiveram espaço na vida pública e política,

terreno profícuo masculino, o tiveram justamente por ocupar o lugar masculino, e

não por serem mulheres em sua condição feminina.

Em geral falam delas como entidade coletiva, despersonalizada e abstrata. Dessa maneira, deixam imensa interrogação dessas personagens obscuras. Tornar visível, acumular dados, instituir dados na memória (arquivos de mulheres, diários...) têm sido uma preocupação presente. Na falta de testemunhos escritos, buscou-se fazer surgir o testemunho oral, sobretudo tentando montar essa história por meio das narrativas de vida e da pesquisa biográfica. (Garcia, 1998, p. 16).

As narrativas são recursos que adquiriram grande interesse pelos estudos

recentes por se relacionarem às mulheres e suas experiências, à medida que se

percebeu que os registros históricos eram determinados e definidos a partir da

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ótica hegemônica masculina. A mulher não tinha espaço como agente produtor de

sentido e significado e suas experiências, conhecimentos e perspectivas não

mereciam serem levadas em conta.

Em diferentes âmbitos, se vê a necessidade de resgate do hábito de narrar,

mediados pelos fazeres. Esses fazeres se configuram como mecanismos de

resgate que auxiliam pensar nas Identidades Femininas desde outro ponto de

vista mas, também, podem se configurar como narrativas. Logo narrativas podem

se configurar tanto através da oralidade, como através dos fazeres e do gestual. A

isto eu denomino, neste trabalho investigativo, de fazeres narrativos e posturas

narrativas42.

Os fazeres já não se traduzem mais em aspectos que reforçam uma

atividade condicionante do “papel” da mulher, mas, sim, são aspectos que

possibilitam reafirmar as Identidades Femininas como opção e como um resgate

da história das mulheres, porém agora sendo escritas com autonomia.

De acordo com Shirai (2012), nos últimos tempos, os fazeres manuais,

como o tricô, o crochê, os bordados ou qualquer outro trabalho manual, que nas

gerações passadas eram considerados como práticas obrigatórias de qualquer

mulher estão sofrendo um processo de reinvenção e consolidando-se como

manifestação artística, política ou até mesmo de uma nova forma de pensar

(narrativas). Estes fazeres que antes era uma maneira de condicionar as

42 Fazeres narrativos e posturas narrativas são termos oriundos da minha observação durante a coleta de

dados. Fazeres narrativos refere-se aos fazeres ou práticas artísticas que contam uma história, que anunciam e

definem características das Identidades Femininas não expressas somente pela palavra, mas que se

manifestam através dos fazeres pode ser o resultado de uma construção mais íntima que carrega toda uma

história, este fazer é uma narrativa. É o como fazem e o quê fazem.

Posturas narrativas são expressas pelo gestual das mulheres que evidencia as amarras construídas ao longo de

suas vidas e que resultaram nas identidades que carregam.

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mulheres, podem ser considerados, hoje, como uma forma de reconstruir

aspectos das Identidades Femininas.

Como exemplo, Shirai (2012) cita movimentos como “yarn bombing”

representando por Olek, artista polonesa radicada nos EUA, que utiliza o tricô

como matéria para realizar arte pública, ao envolver peças do mobiliário urbano

com as peças tecidas por ela. Suas obras estão espalhadas pela cidade de New

York e inclusive sua casa, virou uma instalação permanente. Ocupações e

trabalhos manuais como o tricô, crochê, bordado etc., foram repudiados e

negados pelo movimento feminista na segunda metade do Século XX, que viam

nestas atividades uma forma de dominação e aprisionamento das mulheres. Os

trabalhos manuais estavam associados muito mais como obrigação e como parte

do papel que cabia às mulheres.

A retomada destas atividades pelas mulheres atualmente, pode ser vista

como um ato de resistência, de exercitar o feminino desvencilhado de qualquer

sentido negativo que represente a submissão da mulher (Shirai, 2012).

Conforme Garcia (1998), ainda há muita necessidade de avançar, tanto

em relação à memória e às vivências, como, também a de exercitar a escrita da

história, e o que eu denomino de “fazeres narrativos”, tendo as próprias mulheres

como sujeitos.

Ao narrar, a mulher com uma identidade construída dentro da visão

homogeneizada pela ótica masculina, busca um “espaço intermediário entre o

âmbito privado e o público”. Nos espaços descontínuos em que ocorrem as

narrativas, as mulheres podem expressar-se de acordo com sua própria ótica,

passando assim a serem “agentes e não só observadoras da história” (Garcia,

1998, p.15), embora nem sempre as narrativas conseguem romper os limites

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desses espaços, uma vez que a cultura homogeneizada exerce um controle que

se mantém presente mesmo com sua negação.

33.1.3.2 Olhares divergentes e contextos diferentes

A modernização do pensamento sobre o discurso de gênero, que modifica

a posição do papel da mulher ocorreu depois da Primeira Guerra Mundial, que fez

com que esse postulado fosse revogado não sustentando mais uma noção de

desigualdade natural e aberta entre os sexos.

Conforme Domingo (2001), em função da necessidade de mão de obra, a

mulher foi lançada no mercado de trabalho, não porque adquiriu esse direito e

sim, por que a sociedade não podia parar. As fábricas não podiam deixar de

produzir enquanto os homens lutavam por seus países. Assim a mulher, que

antes estava destinada ao âmbito privado da vida social, passa a transitar pela

esfera pública, mas ainda muito longe de alcançar qualquer direito de igualdade

ou autonomia, simplesmente acumulando mais uma tarefa, a de além de ser

esposa, dona de casa, mãe, agora ela também era profissional.

Embora as novas estratégias discursivas favorecessem um posicionamento

mais igualitário, ainda persistia a definição da “Identidade Feminina” pela função

materna e reprodutora que defendia a noção de complementaridade dos sexos

como valor cultural. Admitia-se um novo perfil para as mulheres, que podiam

aceder à vida profissional como trabalhadoras e estimuladas a terem uma

formação educativa e profissional para serem absorvidas pelas novas demandas

do mercado de trabalho.

Sem generalizações, a atividade feminina na vida pública era permitida

preferencialmente para as mulheres solteiras enquanto a vida doméstica

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continuava como espaço exclusivo de atividade para as mulheres casadas e para

as mães de família.

De este modo esta nueva significación, moderna, del discurso de la domesticidad ha consolidado de nuevo prácticas sociales que restringen el papel político y social de las mujeres, vaciándolas de la noción de individualidad. Por la falta de reconocimiento de un proyecto de vida propio, más allá de la maternidad y del cuidado de los otros, se complica de nuevo el reconocimiento de las mujeres como ciudadanas de pleno derecho (Nash, 2006, p. 44).

Quanto a isso, Pilar Domingo (2001) traz importantes reflexões em torno a

educação feminina em Espanha do Século XIX-XX, tratando com profundidade

como foi o processo de educação ao longo do tempo. A autora afirma que:

No es posible historiar a las mujeres sin tener en cuenta cómo se genera, se transmite, se reproduce, se transforma y cambia el sentido de “ser mujer”, al tiempo que cambia también el de “ser varón”. La educación, como transmisora de los modelos culturales, es una clave fundamental para la comprensión de los cambios en la vida de varones y mujeres. Su acción reproductora de cultura hegemónica y, por otro lado, potenciadora de autonomía y libertad le otorga un papel relevante para la comprensión histórica. (Domingo, 2001, p. 13).

A história e as definições do mundo se mantinham atreladas à visão

hegemônica do modo como os homens a viam, não deixando espaço para

interrogações. Até pouco tempo, os historiadores pareciam ignorar que a divisão

das sociedades estudadas não se limitava à cultura, classe, etnia, religião e idade

e que entre estes fatores existia o sexo, como um elemento comum entre todas

as demais diferenças.

Positivistas e historicistas excluían a las mujeres porque consideran que no aportan nada al proceso histórico por ellos concebido. Tan poco la historiografía marxista, en la medida en que se centra en la división en clases sociales,

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se ocupa de las mujeres como variable diferenciable que atraviesa a todas las clases. (Domingo, 2001, p. 15)

A história das mulheres emerge junto aos esforços do movimento feminista

nos anos de 1960 por conhecer e investigar as origens e as causas da posição de

subordinação que as mulheres ocupavam na sociedade y saber por que essa

situação perpetuava-se ao longo dos tempos.

Verificou-se que sem a existência da memória e do reconhecimento das

ações e das mulheres do passado, seria muito difícil construir uma história sólida

e com representatividade. Devido a isso, os estudos centraram-se na busca e no

armazenamento de informações com o intuito da descoberta mas sem se

preocupar em formular problemas ou perguntas atendessem a esta demanda.

Estas pesquisas e investigações possuíam um forte caráter militante

proveniente do Movimento Feminista43 e apresentavam o resgate das heroínas

esquecidas de outros tempos, de mulheres notáveis e excepcionais que

reclamavam os papéis que a elas haviam sido negados até aquele momento na

história. Ao mesmo tempo, emergia o interesse nas diferentes áreas do

conhecimento que passaram a desenvolver estudos sobre os excluídos, as

43 O feminismo pode ser vislumbrado como um movimento social e intelectual fazendo-se presente em

diferentes estâncias da sociedade como as políticas, científicas, educativas, etc., em que propõe novas formas

as práticas sociais (Bravo, 2003). Segundo Pilar Bravo, o feminismo como movimento social após de mais de

dois séculos de existência parte de uma evolução intelectual e social que repercute no desenvolvimento e na

reelaboração de um pensamento crítico sobre a cultura androcentrica, ou seja, a visão e a construção do

mundo sob o enfoque masculino. Do ponto de vista científico, o paradigma ou, enfoque feminista é uma

consequência do desenvolvimento da Teoria feminista e dos Estudos Sociais da Ciência, “El primero plantea

la relación entre construcción social de género y la construcción científica del conocimiento. El segundo

cambia el pensamiento acerca de la relación entre ciencia y sociedad. La conjunción de ambas corrientes

permite estudiar y analizar el papel crítico y mediador que tiene la ideología de género entre la ciencia y las

formas sociales” (Bravo, 2003, p.2).

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famílias e os papéis sexuais, as representações e práticas cotidianas e

consequentemente, as mulheres passaram também a ser o foco de interesse.

Sabe-se que com o passar do tempo, os estudos sobre as mulheres foram

revelando novos posicionamentos, muitas barreiras foram rompidas, os silêncios

e as quietudes em que as mulheres viviam foram sendo resgatados e as histórias

orais e autobiográficas (Perrot,1989; Scott, 1995), as vozes, os relatos e a

valorização da produção feminina foi ganhando espaço e ao longo dos tempos, a

história antes restrita, feita por e para os homens foi incorporando os olhares

femininos buscando uma forma mais igualitária. Conforme comenta Pilar Domingo

(2001, p.15):

No se trataba ya de descubrir a las mujeres excepcionales, singulares, sino a ese conjunto anónimo más alejado del espacio político tradicional, las mujeres cuya cotidianidad se ha venido desarrollando en lo privado y doméstico. Así, a ese primer período contributivo, de recuperación de mujeres singulares, sigue un período relectura de las fuentes tradicionales interrogando a los discursos normativos, a las exhortaciones morales y religiosas, a la literatura y otras formas de representación. (Domingo, 2001, p.15).

De um modo geral, o que se colocava em evidência era a opressão,

subordinação e constante discriminação em que viviam as mulheres,

apresentando as mulheres como vítimas passivas e indefesas, sem futuro e nem

representatividade para impulsionar mudanças no curso da história.

No decorrer da história houve muitas rupturas e muito se avançou para a

conquista de autonomia e emancipação das mulheres. Pode-se dizer que

atualmente vivemos em uma sociedade mais “igualitária”, onde tanto homens e

mulheres aparentemente convivem melhor com as diferenças.

No entanto olhando para o caminho percorrido na construção das

Identidades Femininas no limiar do século XX é possível formular algumas

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perguntas: Como as mulheres percebem o caminho que por elas foi percorrido?

Ou melhor, será que percebem as mudanças? Será que em suas vidas as

mudanças existiram? E como será que elas refletem sobre as suas identidades

no seu cotidiano? Como os silêncios e as quietudes de outrora repercutem nos

dias de hoje?

Estas perguntas ganham maior complexidade quando as focalizamos

desde o contexto da arte e educação e que são relevantes, sobretudo, por

promover o debate destas questões em âmbitos e contextos antes destinados

exclusivamente aos homens. Até pouco tempo atrás, as mulheres estavam à

margem da história, e pouco a pouco foram conquistando espaços, e adquirindo

voz e vez por meio de suas próprias experiências deixando de ser as

coadjuvantes para ocuparem papéis de protagonistas.

No entanto, essas considerações não podem ser aplicadas universalmente,

já que variam de acordo com fatores culturais, sociais, religiosos, econômicos,

étnicos.

Nos últimos tempos muitos estudos sobre as diferentes etapas da vida das

mulheres articuladas às questões de gênero, sexualidade, raça, etnia e geração

vêm ganhando visibilidade, em muitos polos acadêmicos como é o caso da

Universidade do Rio Grande do Sul, no Brasil (Felipe, 2000; Klein, 2003; Santos,

2004; Guizzo, 2005, Guerra, 2005, Argüello, 2005; Kaecher, 2005; Sefton, 2006;

Bello, 2006) onde vem se estudando estas questões tanto relacionadas à infância

e adolescência nas escolas básicas (Infantil, Ensino Fundamental e Ensino

Médio)44 ou fora delas. Também muitos estudos estão sendo realizados sobre a

44 A atual estrutura e funcionamento da educação brasileira decorre da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases

da Educação (Lei n.º 9.394/96), que, por sua vez, vincula-se às diretrizes gerais da Constituição Federal de

1988, bem como às respectivas Emendas Constitucionais em vigor. A educação básica «tem por finalidade

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qualidade de vida e o envelhecimento (Souza, 2010) e têm cada vez mais

representatividade em investigações, tanto governamentais como também na

sociedade. Isto é percebido com muito mais incidência no âmbito das ciências

médicas, sociologia e psicologia.

Como exemplo, pode-se citar estudos realizados com mulheres brasileiras

(Gomes, 2008), vítimas de violência de gênero, em que a camada social a qual

cada mulher pertencia influenciava em como esta mulher lidava com a violência.

No contexto desta realidade (Silva e Amazonas, 2009, p.195), as mulheres se

comportavam de forma diferente de acordo com a classe social da qual faziam

parte, considerando as facetas de seu comportamento desde o exercício da

maternidade até as questões laborais. Conforme comenta Gomes (2008), as

mulheres pobres, que embora tivessem trabalhos árduos e físicos, usufruíam de

maior liberdade pessoal do que mulheres de classes mais elevadas.

desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e

fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores» (art. 22). Ela pode ser oferecida no

ensino regular e nas modalidades de educação de jovens e adultos, educação especial e educação profissional,

sendo que esta última pode ser também uma modalidade da educação superior. «A educação infantil,

primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos

de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da

comunidade» (art. 29). A educação infantil é oferecida em creches, para crianças de zero a três anos de

idade, e pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos. O ensino fundamental, cujo objetivo maior é a

formação básica do cidadão, tem duração de oito anos e é obrigatório e gratuito na escola pública a partir dos

sete anos de idade, com matrícula facultativa aos seis anos de idade. A oferta do ensino fundamental deve ser

gratuita também aos que a ele não tiveram acesso na idade própria. O ensino médio, etapa final da educação

básica, objetiva a consolidação e aprofundamento dos objetivos adquiridos no ensino fundamental. Tem a

duração mínima de três anos, com ingresso a partir dos quinze anos de idade. Embora atualmente a matrícula

neste nível de ensino não seja obrigatória, a Constituição Federal de 1988 determina a progressiva extensão

da obrigatoriedade e gratuidade da sua oferta. Estrutura Geral do Sistema Educacional. Disponível em:

http://www.oei.es/quipu/brasil/estructura.pdf (Acessado em 02 de abril de 2012).

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E acredito que aqui se constitua outra grande problemática ao tratarmos de

Identidades Femininas, já que não podemos dizer que as mulheres de todos os

países são iguais como se existisse uma essência além de naturalizada,

universal.

Como consequência, um grande abismo existencial surge no meio das relações de gênero. As fronteiras entre ser-mulher e ser-homem tornam-se cada vez mais claras e intransponíveis, indicando a impossibilidade de permuta dos papéis entre aqueles e aquelas pertencentes a cada um dos pólos, posto ser sustentada pela ideia de naturezas ou essências opostas. (Silva e Amazonas, 2009, p.196).

Segundo Silva e Amazonas (2009) isto ainda acontece porque quando

falamos sobre identidade masculina e feminina temos em mente a diferença dos

papéis que são designados a cada um, o que esperamos de cada um deles

delineando assim o desempenho de tarefas e funções que estão em oposição: o

que se espera de um, não se espera do outro. Uma ordem dicotômica que se

impõem pelo sentido de complementaridade e pela ordem que sustenta os papéis

sociais.

Também, é pertinente considerar que as construções de homem e mulher

são algo contínuo e se desenvolve ao longo de toda a vida, como mencionado

anteriormente. Já no momento do nascimento, quando definimos as categorias de

menino ou menina estamos atuando em consequência do âmbito cultural em que

estamos inseridos. Por meio de um sistema de repetição de condutas e

comportamentos, de atos performáticos é que os gêneros se constituem e por

isso, ser homem ou ser mulher é uma performance cultural.

Porém, pode-se considerar que o entendimento sobre as Identidades

Femininas vem se modificando. Os limites entre o privado e o público foram

sendo diminuídos a fim de buscar um princípio de igualdade que permite a

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presença das mulheres em ambos os espaços. Hoje, os parâmetros para as

Identidades Femininas são compreendidos a partir de duas vias, a da

maternidade facultativa e do trabalho. Claro que estas questões estão

relacionadas com a realidade cultural e social de cada país.

Nash (2006) conta-nos que no contexto de países do norte mediterrâneo,

como em Espanha, que apresenta baixos índices de fecundidade e uma

crescente situação de precariedade laboral, as mulheres jovens se veem

obrigadas a postergar ou até mesmo abdicar da maternidade, devido a grande

dificuldade de conciliar a vida familiar com a vida profissional.

Tentando estabelecer uma relação mais próxima com o contexto em que

esta investigação foi desenvolvida, o contexto Espanhol, Goméz-Ferrer (2004)

nos apresenta algumas importantes observações. A autora conta que o processo

de modernização afetou de forma diferente a homens e mulheres durante o

Século XIX, o que dificultou alcançar a igualdade e a cidadania para as mulheres.

Como señalara Pardo Bazán en 1890, el camino recorrido por unas y por otros en la misma unidad de tiempo no tuvo un carácter paralelo o convergente, sino más bien divergente en muchos aspectos, y tendió a subrayar la oposición o la diferencia, sobre todo en el terreno político y cultural. (Goméz-Ferrer, 2004, p.11).

Conforme dados fornecidos pelo Instituto de Estatística de España - INE,

em 2005, o país já apresentava um número significativo de pessoas idosas, ou

seja, acima dos 65 anos, uma porcentagem de 17% dentro os 44 milhões de

habitantes do país.

Fazendo uma busca mais detalhada referente às questões de demografia

na Espanha, de acordo com Abellán (apud Souza, 2010, p.170) para cada 106

meninos nascem 100 meninas, um equilíbrio que se acaba a partir da faixa dos 40

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anos de idade. Isso resulta atualmente em quatro milhões de mulheres com 65

anos ou mais para três milhões de homens nesta mesma faixa etária.

Segundo estas fontes, atualmente, na Espanha, 57% da população acima

de 65 anos são de mulheres, devido ao fato de as mulheres terem uma

expectativa de vida maior em relação aos homens. Isto se deve (Pérez Días, 2003

b apud, Souza, 2010, p. 171) porque embora o número de nascimentos de

homens seja maior que de mulheres, os homens em geral vivem menos. Outro

ponto importante é que nas primeiras décadas do Século XX em função das duas

guerras mundiais, a Espanha também com a guerra Civil Espanhola na década de

30 (1936 a 1939) e certamente, o número de baixas masculinas deve ter sido

considerável e importante.

Por outro lado, durante o Século XIX, a vida cotidiana da mulher

espanhola, não estava em desvantagem somente sob o ponto de vista de

aspectos legais, mas também em relação a sua própria vida cotidiana. As

mulheres solteiras no âmbito familiar eram reconhecidas pela sociedade como se

fossem crianças que não possuíam discernimento para escolher e por não

conhecerem certos aspectos da vida não se podia tratar de determinados temas

em sua presença. E, em sua maioria, as mulheres tampouco se sentiam

discriminadas ou inferiorizadas por este tipo de tratamento, simplesmente o

acatavam como se fosse parte natural da vida em sociedade.

Ahora bien, por lo general, y hasta bien entrada la segunda mitad del siglo XX, esta limitación no era percibida por ellas como un trato discriminatorio ya que lo interiorizaban como una manifestación social de respeto a una cualidad inherente a la feminidad: el pudor. (Goméz-Ferrer, 2004, p. 13).

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As normas e condutas impostas pelo pai ou marido, estavam

completamente respaldadas pelo Código Civil, sendo que a hierarquia e a

autoridade estavam contempladas em uma série de artigos de tal código e que se

referiam diretamente à submissão feminina.

Señalaban la necesidad de que la mujer siguiera al marido al lugar que fijara su residencia, a la obligación de que adoptara su nacionalidad, y daban cuenta asimismo, de una serie de limitaciones que recaían sobre las mujeres a la hora de administrar los bienes conyugales y los suyos propios. En teoría este conjunto de limitaciones encontraba su justificación en la ley natural; y de hecho, parece que estaban dirigidas no tanto a beneficiar a los varones como a proteger a las mujeres, cuya capacidad de autonomía y buen sentido se ponía en entredicho. (Goméz-Ferrer, 2004, p. 13).

Devido à permissividade do Código Penal45, a discriminação entre os sexos

era considerada normal penalizando de forma diferente as infrações cometidas

por um homem ou uma mulher. Enquanto isso, a sociedade acatava estas normas

como se a submissão, a resignação, a paciência e a conformidade fossem parte

sólida do caráter feminino e que, por sua vez, tal conduta era vista como algo

socialmente admirável nas mulheres.

A modernidade era algo que em muitos aspectos se desejava e ao mesmo

tempo se temia já que as mudanças provocavam a nostalgia de um tempo que

havia se perdido entre o desenvolvimento industrial e as tensões sociais. Em meio

45 El estudio de los distintos Códigos legales aparecidos en el siglo XIX y vigentes hasta bien entrado el siglo

XX, pone de manifiesto la discriminación política, social comercial y penal que gravita sobre las mujeres. La

ley les priva de un conjunto de derechos, determina que queden excluidas de la ciudadanía y, en

consecuencia, incapacitadas para formar parte de manera pasiva o activa en la vida política. El Diccionariode

la Administración Española de Martínez Alcubilla deja bien clara la desigualdad entre hombres y mujeres, y

subraya, apelando al libro de las Partidas de Alfonso X, la idea común de la debilidad e inferioridad de

aquéllas respecto a los varones. Y esta diferente condición, señala, es el fundamento de la discriminación que

experimentan las mujeres en el ámbito político, administrativo y jurídico. (Goméz-Ferrer, 2004, p.13)

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a este cenário de incertezas os questionamentos começaram a prosperar também

para o mundo das mulheres. Mesmo que com tímidas mudanças, a modernidade

começou a projetar-se no âmbito feminino em que as mulheres foram assumindo

espaços mais visíveis no terreno da educação, do trabalho e da política.

Segundo comenta Goméz-Ferrer (2004) durante as três primeiras décadas

do século XX, surgiu uma série de leis que tinha a finalidade de regular o trabalho

feminino quanto a sua duração e condições trabalhistas, bem como quanto ao

acesso a profissões que antes as mulheres não podiam exercer. E durante a

ditadura franquista46, aconteceu uma importante mudança na situação jurídica das

mulheres.

Durante el régimen primorriverista se promoverá una legislación laboral protectora de la mujer, especialmente atenta a la reglamentación del trabajo a domicilio, al seguro de maternidad, a la participación en comités paritarios y a favorecer la igualdad de salarios para ambos sexos. También la discriminación política femenina empezará a socavarse en esta tercera década del siglo XX; anteriormente ni políticos ni intelectuales estarán dispuestos a librar una batalla por integrar a las mujeres en el ejercicio de la soberanía. (p. 15).

No entanto, esse avanço em termos jurídicos não significou a consolidação

do seu papel na esfera pública, segundo Domingo (2001), após o término da

Guerra Civil, quando as mulheres haviam assumido os postos de trabalho

deixados pelos homens, elas foram impelidas a retornar a seu espaço doméstico

46 La Dictadura significó para la mujer no sólo el reconocimiento de sus derechos políticos sino la posibilidad

de actuar directamente en este campo desde los escaños de la Asamblea o desde su puesto de concejal. Cierto

que poco o nada les era permitido hacer, no tanto por los recelos que despertaba su actuación como por estar

sumergidas en un régimen paternalista. (Goméz-Ferrer, 2004, p.13).

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e a sua condição de submissão e opressão. Toda essa condição foi respaldada

pelo nacional-catolicismo47, mesmo que de forma velada.

El fin de una guerra fue un paso atrás para las mujeres que durante el período bélico habían tenido que ocupar los trabajos que habían abandonado los hombres que se iban al frente, mujeres que se convirtieron en única fuente de recursos, que ocuparon el espacio público y demostraron su utilidad social y que, finalizada ésta, fueron de nuevo llamadas a retirarse al espacio doméstico y se olvidó su valor con la vuelta de los héroes. (Domingo, 2001, p.111).

A submissão foi uma característica marcante da relação fascismo/mulher,

uma condição que reforçou e desenvolveu o estereótipo da mulher vítima48 como

peça fundamental na política de dominação social e econômica do regime

franquista em que a Igreja foi a encarregada de regulamentar e manter esse

modelo perpetuado durante toda a ditadura.

Esse período, segundo Domingo (2001), reverteu num processo de

cristalização e até fortalecimento da submissão e opressão feminina: a legislação

franquista impôs o sentido tradicional da família, reconhecendo-a como base

fundamental e natural para o desenvolvimento da sociedade, relegando às 47 “El régimen implantado por el General Franco, tras su victoria en la Guerra Civil, presentó características

que lo diferenciaron de otros fascismos como el alemán o italiano. La unión del ideario supuestamente

fascista de Falange con el tradicionalismo católico dio lugar a un peculiar nacional-catolicismo. El

franquismo recogerá el nacional-sindicalismo falangista, su totalitarismo estatal y su concepción de

democracia orgánica en la que la participación política se producía a través de familia, municipio y

sindicato”. (Domingo, 2001, p.112). 48 O estereótipo da “mulher vítima” apontado por Domingo (2001) é um importante elemento para entender

os aspectos que norteavam a condição do “ser mulher” e do “feminino” construídos no período da ditadura e

que foram consolidados ao longo dos tempos. A autora diz que: “Los estereotipos sobre las mujeres y “lo

femenino” perviven e muchos historiadores e historiadoras que, ajenos a la construcción social de lo

femenino y masculino, participan inconscientemente de concepciones biologicistas, confundiendo el “ser

mujer” con lo que de ellas se dice. Interiorizando el estereotipo de pasividad, debilidad, abnegación, etc., se

victimiza a las mujeres, se las exalta en funciones tradicionales, se les considera agentes de socialización

conservadora y se niega participación activa en los cambios sociales”. (Domingo, 2001, p.30).

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mulheres a posição exclusiva de mães e esposas, além disso, devido à queda

demográfica durante a Guerra as mulheres eram imprescindíveis ao

repovoamento demográfico.

Sem nos aprofundarmos mais nos eventos históricos que se

desenvolveram nas três primeiras décadas do Século XX em Espanha, sabe-se

que estes produziram uma crise no sistema político e social desta sociedade. A

modernização afetou os diferentes seguimentos da vida espanhola e as mulheres

para poderem tomar parte neste processo necessitavam questionar os modelos

femininos vigentes, para isso era preciso uma mudança na percepção do que se

considerava específico das Identidades Femininas.

Dentro destes padrões considerava-se que existiam comportamentos

aceitáveis para os homens e inaceitáveis para as mulheres, ou vice versa, como

por exemplo: homem não chora, gosta de futebol, homem pode sair e voltar a

qualquer hora etc., enquanto a mulher é sensível, gosta de cozinhar, deve ter

hora para voltar para casa e por ai poderia fazer uma grande lista de

considerações deste tipo.

O questionamento do essencialismo feminino foi o propulsor de mudanças

e a partir dele os fundamentos que prevaleciam sobre a “Identidade Feminina”

começaram a se desfazer, apontando para Identidades Femininas diferente da

que se conhecia até então.

No Brasil, a história da opressão das mulheres não é diferente da ocorrida

na Espanha e na Europa, pois herdamos aqui, o universo cultural imposto pelos

colonizadores.

Além de dependente, submissa, calcada pelo universo masculino como a

que não tem voz e nem vez, a mulher brasileira sofre outras formas de opressão.

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Assim, conforme Azerêdo (2007), a mulher objeto veiculada na mídia, belas,

turbinadas, objetos de desejo, foi forjada e alimentada por preconceitos presentes

na literatura, nos programas de televisão, nas novelas de TV, nos filmes, na

música, nas manifestações culturais como o carnaval. Este é o agravante, muitas

vezes, padrões sociais e culturais como este exemplificado, são mantidos por

mecanismos disfarçados que atuam como fortalecedores deste pensamento.

Existe ainda um aspecto interessante e que permite problematizar sobre os

espaços de convívio coletivo e sua repercussão nas concepções sobre

Identidades Femininas deste grupo específico de mulheres. Mulheres de idades

variadas, vivências diversas e que de certa maneira, representam um grupo social

importante de ser levado em conta e que por meio de suas narrativas podem

auxiliar-nos a pensar caminhos e novas diretrizes em relação ao ensino da arte e

sobre a questão das Identidades Femininas.

Segundo Certeau (1999), existe um espaço de “invisibilidade social” que

muitas das mulheres que conhecemos ou que somos vivem, por isso é corriqueiro

a busca por espaços repletos de atos que preenchem uma parte daquilo que nos

constitui. Tais espaços denunciam uma ordem cultural dentro da sociedade em

que vivemos, eles podem não ser materializados por espaços físicos e sim por

meio de ações repressivas e muitas vezes silenciosas que coíbem o

desenvolvimento do ser em sua plenitude.

A questão da invisibilidade social ou de espaços que facilitem esta

incidência é um dos pontos que foi despertando atenção na concepção

apresentada por Certeau (1999). Estes espaços são aqueles destinados à mulher

em seu dia a dia, à dona de casa que cuida do lar, da família e que com seus atos

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211

cotidianos e repletos de significados, produz na verdade uma ausência de

qualquer tipo de reconhecimento cultural.

Aprender a mirar estas maneras de hacer, fugitivas y modestas, que a menudo son el único lugar de inventividade posible del sujeto: invenciones precarias sin nada que las consolide, sin lengua que las articule, sin reconocimiento que las eleve; chapuzas sometidas a la pesadez de las limitaciones económicas, inscritas en la red de las determinaciones concretas (Certeau, 1999, p.158).

Levando em conta esta perspectiva, passei a considerar duas

possibilidades, uma é de pensar que o atelier de cerâmica poderia se constituir

como uma espécie de extensão destes espaços privados e que por meio do

trabalho com a cerâmica estes fazeres invisíveis passariam a ter visibilidade, um

espaço de fazer(se)es, por que é ao sair do domínio privado de suas casas e dos

fazeres invisíveis, que ele adquire um outro sentido e passa a ser reconhecido,

como se o tempo empregado pudesse adquirir um sentido produtivo, visível e que

pode ser reconhecido pelos demais, com isso se constrói uma outra esfera, uma

outra faceta da vida e por consequência da identidade também. Ou então, que o

espaço do atelier se manteria na esfera privada, como uma extensão de suas

casas e que ali ocorre a reprodução daquilo que é vivenciado por elas nos seus

espaços sociais de suas cozinhas, salas, fornecendo a manutenção de suas

concepções e perspectivas.

Embora esta investigação não tenha como objetivo realizar um estudo

sociológico nem utilizar-se do fator etário para determinar as ações investigativas,

como panorama geral, é interessante aproximarmo-nos destas informações que

indicam novas configurações sobre a concepção do ciclo de vida, tanto em termos

físicos, como também psicológicos. Os atores sociais vão ocupando e ganhando

novos espaços no mundo e assim como ocorre uma evolução na compreensão de

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seus papéis, é importante também que o mundo esteja preparado para se adaptar

e acompanhar as novas necessidades que vão surgindo e impulsionando a uma

evolução em diferentes esferas da vida e do mundo.

O fio condutor que procurei seguir nesta investigação ao abordar

Identidades Femininas, narrativas e espaços de Educação Não Formal deve ser

entendido como uma oportunidade para refletir sobre as ações cotidianas, sobre

os saberes que podem ser gerados a partir de contextos sociais pouco

evidenciados ou privilegiados e que podem vir a contribuir positivamente em

contextos análogos de ensino de arte e educação.

33.2 Outro fragmento da história: breves apontamentos

sobre educação

Quando pensamos em educação e ao mesmo tempo identificamos

diferentes tipologias ou modalidades para ela, estamos levando em conta que a

educação é um processo pelo qual todos nós, em determinado contexto ou

momentos passamos, e que estão ora mais explícitos, ora implícitos em nosso

cotidiano.

Em um sentido mais amplo a educação é considerada como um processo

que inscreve o ser humano em uma esfera de interação, que nasce

primeiramente nas nossas casas, no contato com as pessoas que estão ao nosso

entorno, com quem convivemos e com quem aprendemos as primeiras noções de

mundo e posteriormente ao nos inserirmos no contexto de educação formalizada

por meio de instituições de ensino.

Esta interação de convivência mistura a vida com o ato de aprender e com

uma maneira de educar. Muitos dos valores de conduta e crenças que levamos

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conosco ao longo da vida são aprendidos e ensinados no cotidiano, vendo um

programa de televisão, lendo os jornais e revistas, vendo a maneira que o outro

atua, assim vamos formando um repertório de conhecimento sobre o mundo.

Mas também, a educação existe em diferentes contextos e sociedades,

seja em pequenas sociedades que vivem isoladas do restante do mundo, ou seja,

nas mais desenvolvidas. O ato de aprender é pertinente em todas.

Brandão (2007) reafirma esta ideia ao dizer que:

Em mundos diversos a educação existe diferente: em pequenas sociedades tribais de povos caçadores, agricultores ou pastores nômades; em sociedades camponesas, em países desenvolvidos e industrializados; em mundos sociais sem classes, de classes, com este ou aquele tipo de conflito entre as suas classes; em tipos de sociedades e culturas sem Estado, com um Estado em formação ou com ele consolidado entre e sobre as pessoas. (p.9)

Seguindo a perspectiva de Brandão (2007), a educação pode existir de

forma não regulamentada, de maneira livre, e entre todos, pode ainda ser uma

maneira que os grupos adotam para tornar comum o saber, as ideias, crenças,

trabalho e a vida. Ela ainda pode existir decorrente de um sistema

institucionalizado ou centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o

saber como uma estratégia de manobrar e reforçar as desigualdades, na divisão

dos bens e do trabalho, dos direitos e dos símbolos. “A educação é, como outras,

uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre

tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade” (Brandão 2007, p. 10).

O mesmo acontece quando a educação passa a estar a cargo não

somente do universo que nos rodeia e a escola passa a se ocupar do que

devemos aprender e de que conhecimentos são importantes para a nossa

formação.

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Neste sentido, Brandão (2007, p. 16) explica que a partir do momento que

um povo alcança um estágio de maior complexidade, tanto de sua sociedade

quando de sua cultura, as questões da divisão social e do trabalho e, portanto, do

poder, a educação passa a ser pensada como uma forma de problema e os

processos de construção de conhecimento passam a ser institucionalizados.

É a partir de então que a questão da educação emerge a consciência e o trabalho de educar acrescenta à sociedade, passo a passo, os espaços, sistemas, tempos, regras de prática, tipos de profissionais e categorias de educandos envolvidos nos exercícios de maneiras cada vez menos corriqueiras e menos comunitárias do ato, afinal tão simples, de ensinar-e-aprender. (Brandão, 2007, p.16).

A necessidade de pensar em categorias de especialidades sociais que se

ocupem das questões relativas ao saber e ao aprender, pode ser datada junto ao

surgimento da Paideia grega, em que a preocupação era o desenvolvimento de

um homem livre e capaz de participar da vida da polis, e essa era a ideia que se

destinava a educação.

De um modo geral e por um longo período, a educação foi confundida ou

associada à escola. Garcia (2008, p.1) nos diz que muitas vezes a educação e a

escola eram compreendidas como sinônimos, sendo considerada algo

indissociável49. Garcia (2008) ainda comenta que atualmente essa compreensão

vem se modificando e que hoje, ao nos referirmos à educação é comum

relacioná-la ao contexto educacional ao qual pertence, como por exemplo:

educação para a saúde, para o trânsito, ambiental, etc.

49 Minha mãe conta que, quando criança, seu pai sempre dizia, ao portar-se mal em alguma situação social,

como por exemplo, não pegar adequadamente o garfo ao comer, “você vai ver quando for à escola, que você

vai ter educação... ou então, é isso que você está aprendendo na escola?” dando a entender que a escola iria

cuidar de tudo o que se referisse ao seu processo de inserção social.

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Ao questionar o panorama educacional versus o escolar, segundo Trilla

(1998), percebe-se que existem muitos pontos de tensão e ao criticar a instituição

escolar pode-se pender para o lado de discursos que defendem a

desescolarização (Illich, Reimer, P. Goodman e J. Holt ), ou ainda, o de autores

que se encaixam no paradigma da reprodução (Althusser, Bourdieu y Passeron,

Baudelot y Establet, etc.,), o precedente da Pedagogia Institucional (Lobrot,

Lapassade, Loureau, etc.,), ou mais tarde, o derivado da análise foucaultiana da

microfísica do poder.

Segundo conta Trilla (1998) o conjunto destes discursos críticos

desestabilizava a confiança da instituição que havia se convertido ao longo do

tempo como a solução para todos os males, tanto educacionais como também

sociais. “Se pasaba de una conciencia pedagógica que hacía de la escuela algo

indiscutido y, en ciertos casos, casi la mítica clave de la regeneración social, a

una conciencia, cuanto menos, cauta y ambivalente frente a ella”. (Trilla, 1998,

p.16).

Outro ponto significativo que impulsionou a reflexão sobre a escola foi o

aparecimento de uma literatura pedagógica, que apresentava outras perspectivas

por onde observar a instituição escolar.

La escuela – o, mejor dicho, determinados tipos de escuelas: la escuela “tradicional”, la autoritaria, la clasista, etc. – había sido ya reiteradamente cuestionada, pero hacia finales de los años sesenta y durante la década de los setenta vieron la luz una serie de análisis, reflexiones y propuestas cuyos planteamientos críticos, por un lado, penetraban mucho más en la raíz de la institución escolar, y por otro lado, eran más genéricos respecto a ella: no hacía una crítica puntual a determinadas escuelas sino una crítica bastante global a la institución. (Trilla, 1998, p.16).

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Mesmo que o panorama em que a escola se situa tenha sofrido certa

desestabilização a instituição escolar segue ainda hoje ocupando um lugar

privilegiado no âmbito educacional, mas, no entanto, uma das mudanças

importantes neste cenário é que já não existe monopólio educativo por parte dela.

A própria legislação de países como o Brasil, por exemplo, prevê outras

modalidades educativas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira

regulamenta, em seu Art. 1º, que “a educação abrange os processos formativos

que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas

instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da

sociedade civil e nas manifestações culturais” (LDB, Brasil, 1988).

Trilla (1998, p. 16-17) aponta algumas questões sobre a divisão de

responsabilidades educativas dizendo que:

1- A escola é somente uma instituição histórica que nem sempre existiu e

nada pode garantir sua perenidade. Em algumas sociedades exerceu

um papel funcional, mas deixando claro que o que é realmente

essencial em qualquer sociedade é a educação. A escola é somente

uma das possibilidades adotadas pela educação e nunca de forma

exclusiva.

2- Nas sociedades escolarizadas, a escola faz parte de um momento do

processo educativo global dos indivíduos e das coletividades.

Juntamente com a escola, existem outros e variados mecanismos

educativos. A compreensão deste processo significa entender a

interação dinâmica entre os mais diferentes fatores que atuam sobre os

indivíduos.

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3- Os fatores e intervenções educativas não escolares e o estudo destes

processos podem contribuir para uma melhora significativa nos níveis

de conhecimento.

4- O marco institucional e metodológico não é sempre o mais apropriado

para atender todas as necessidades educativas, já que a estrutura

escolar possui limites que devem ser respeitados. Mais, conforme o

objetivo educacional a escola pode resultar inapropriada.

5- Em função do ponto anterior, existe a necessidade de criar

paralelamente à escola outros meios e outros espaços educativos.

6- Ao considerar novos meios e espaços não quer dizer que sejam oposto

ou alternativos e sim funcionalmente complementares. E são estes

recursos que em grande parte significa não formal.

Em cada um dos pontos indicados por Trilla (1998), é possível perceber

que a escola enquanto instituição histórica aportou um sentido à educação que

vem sendo superado pelas novas necessidades da sociedade e do mundo atual.

No livro de Brandão (2007), o autor se debruça sobre questões que são

das mais pertinentes ao tratarmos de educação sob o ponto de vista histórico e

institucional.

A educação de um modo geral, assim como também a educação em Artes

Visuais vem dando especial atenção para as diferentes alternativas de ensino e

aprendizagem, priorizando muito mais a construção de uma diferente bagagem

cognitiva que está cada vez mais atrelada aos espaços de ócio e entretenimento

como Centros culturais, associações, Organizações não governamentais - ONGS

etc, que estão ocupando, e de certo modo, suprindo uma carência que antes a

escola e as instituições de ensino se encarregavam de realizar.

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Por isto, a aproximação que proponho nos remete ao contexto da

Educação Não Formal, pois é o âmbito que identifico com mais aspectos

relevantes para o contexto em que foi realizada esta investigação. Deste modo,

proponho para o tópico seguinte aclarar alguns conceitos base que propiciem

suporte teórico nesta empreitada.

33.2.1 No centro da trama: a Educação Não Formal

Dentro das perspectivas educativas, podemos dizer que a escola sempre

teve lugar privilegiado, e em muitos casos, sendo um sinônimo do que significa

educar. No entanto, num panorama muito heterogêneo que se tem hoje, o sentido

de educação ganhou um espaço e um papel muito mais amplo e significativo na

sociedade, hoje não é somente a escola que educa e sim, esse papel passou a

ser disputado com espaços concorrentes muito mais sedutores e sagazes.

Este novo mundo exige também novas posturas e por consequência disso,

a educação (antes propriedade exclusiva do sistema escolar) vem sendo

ampliada de forma a ultrapassar os muros da escola para estar também em

espaços onde a educação pudesse acontecer de uma maneira informal, ou ainda

não formal.

Mas com isso, não quero dizer que a escola não tenha um importante

papel na sociedade, reconheço sua importância, e acredito em ótimos exemplos

de escolas que vêm reavaliando suas posturas e seus sistemas educativos, mas

ao mesmo tempo, percebo que as deficiências e dificuldades que foram

apontadas no final dos anos sessenta, ainda não foram completamente

superadas e percebo que ainda existe um longo caminho para resolver os

problemas existentes no sistema escolar.

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Para Moacir Gadotti (2005), que ao posicionar-se sobre a educação

formal/não formal toma como base as experiências do Instituto Paulo Freire50

(São Paulo/ Brasil) diz que o importante nas questões relativas à educação formal

e não formal é que não se trata de oposições uma a outra, uma vez que cada

uma delas possibilita caminhos diferentes para à educação. Coloca ainda que em

muitos casos, quando ao se estabelecer um quadro comparativo, a Educação

Não Formal aparece como deficiente em relação à escolar, pois a escola ainda é

vista como único paradigma aceitável e válido, embora a Lei de Diretrizes e Bases

- LDB51 valide as duas formas de educação.

Este autor salienta que o conceito de educação que é sustentado pela

legislação de praticamente todos os países e especialmente pela Convenção de

direitos da infância das Nações Unidas (artigos 28, 2952) ultrapassa os limites do

50 O Instituto Paulo Freire (IPF) é uma associação civil, sem fins lucrativos, criada em 1991 e fundada

oficialmente em 1 de setembro de 1992. Atualmente, considerando-se Cátedras, Institutos Paulo Freire pelo

mundo e o Conselho Internacional de Assessores, o IPF se constitui numa rede internacional que integra

pessoas e instituições distribuídas em mais de 90 países em todos os continentes, com o objetivo principal de

dar continuidade e reinventar o legado de Paulo Freire. O IPF desenvolve projetos de assessoria, consultoria,

pesquisas, formação (presencial e a distância) inicial e educação continuada, orientados pelas dimensões

socioambiental e intertranscultural, constituindo três áreas de atuação: Educação de Adultos, Educação

Cidadã e Educação Popular. As ações fundamentam-se nos princípios da horizontalidade e do trabalho

coletivo, utilizando metodologia essencialmente dialógica, inclusiva, respeitosa da diversidade, das

diferenças e das semelhanças entre as culturas e os povos, fundada no incentivo à auto organização e à

autodeterminação. Disponível em: http://www.paulofreire.org/institucional acessado em 02 de abril de 2012. 51 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. É a lei

que estabelece as diretrizes da educação nacional no Brasil. 52 Artigo 28 - 1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e, a fim de que ela possa

exercer progressivamente e em igualdade de condições esse direito, deverão especialmente: a) tornar o ensino

primário obrigatório e disponível gratuitamente para todos; b) estimular o desenvolvimento do ensino

secundário em suas diferentes formas, inclusive o ensino geral e profissionalizante, tornando-o disponível e

acessível a todas as crianças, e adotar medidas apropriadas tais como a implantação do ensino gratuito e a

concessão de assistência financeira em caso de necessidade; c) tornar o ensino superior acessível a todos com

base na capacidade e por todos os meios adequados; d) tornar a informação e a orientação educacionais e

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ensino escolar formal e engloba as experiências de vida, e os processos de

aprendizagens não formais, que tem como objetivo desenvolver a autonomia.

Para Gadotti (2005),

A Educação Não Formal é mais difusa, menos hierárquica e menos burocrática. Os programas de Educação Não Formal não precisam necessariamente seguir um sistema seqüencial e hierárquico de “progressão”. Podem ter duração variável, e podem, ou não, conceder certificados de aprendizagem. (p.2).

A Educação Não Formal propõe outro modo de estabelecer relações entre

o ensino e a aprendizagem que em muito está vinculada com as práticas dos

saberes e fazeres no cotidiano, vistas com outra importância. As relações entre

profissionais disponíveis e accessíveis a todas as crianças; e) adotar medidas para estimular a frequência

regular às escolas e a redução do índice de evasão escolar. 2. Os Estados Partes adotarão todas as medidas

necessárias para assegurar que a disciplina escolar seja ministrada de maneira compatível com a dignidade

humana da criança e em conformidade com a presente Convenção.3. Os Estados Partes promoverão e

estimularão a cooperação internacional em questões relativas à educação, especialmente visando a contribuir

para a eliminação da ignorância e do analfabetismo no mundo e facilitar o acesso aos conhecimentos

científicos e técnicos e aos métodos modernos de ensino. A esse respeito, será dada atenção especial às

necessidades dos países em desenvolvimento. Artigo 29 - Os Estados Partes reconhecem que a educação da

criança deverá estar orientada no sentido de: a) desenvolver a personalidade, as aptidões e a capacidade

mental e física da criança em todo o seu potencial; b) imbuir na criança o respeito aos direitos humanos e às

liberdades fundamentais, bem como aos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas; c) imbuir na

criança o respeito aos seus pais, à sua própria identidade cultural, ao seu idioma e seus valores, aos valores

nacionais do país em que reside, aos do eventual país de origem, e aos das civilizações diferentes da sua; d)

preparar a criança para assumir uma vida responsável numa sociedade livre, com espírito de compreensão,

paz, tolerância, igualdade de sexos e amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e

pessoas de origem indígena; e) imbuir na criança o respeito ao meio ambiente. 2. Nada do disposto no

presente Artigo ou no Artigo 28 será interpretado de modo a restringir a liberdade dos indivíduos ou das

entidades de criar e dirigir instituições de ensino, desde que sejam respeitados os princípios enunciados no

parágrafo 1 do presente Artigo e que a educação ministrada em tais instituições esteja acorde com os padrões

mínimos estabelecidos pelo Estado.

Disponível em: http://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/convencao_direitos_crianca2004.pdf Acessado

em 02 de abril de 2012.

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educador e educando também são estabelecidas de forma diferente, o que

proporciona um espaço educativo mais aberto e relacionado às necessidades

sociais e culturais dos grupos ou comunidades.

Conforme Garcia (2005) a Educação Não Formal se deu através do

aparecimento de diferentes práticas que eram mediadas por relações

educacionais, mas que não eram consideradas como uma forma de educação,

por estarem à margem de uma série de requisitos que definem a educação, mas

que ao mesmo tempo estavam proporcionando novos modos de vivenciar os

processos de ensino-aprendizagem.

Essa especificidade de educação é compreendida como uma esfera de atuação dentro da área educacional mais ampla e correspondem as ações educacionais que não ocorrem nos moldes formais do universo educacional, mas têm planejamento e objetivos e tem uma relação educacional posta, há pessoas dispostas em se relacionar através de um processo mediado pela educação. (Garcia, 2005, p. 2)

No entanto é importante salientar que não pretendo travar aqui um embate

entre a educação formal e a não formal, ou omitir o papel da escolarização nas

sociedades. O que busco é apresentar um panorama alternativo em espaços que

não possuem a rigidez e a estrutura imposta pelo sistema escolar, como é o caso

dos espaços culturais, de ócio e de lazer, em espaços que possibilitam vivenciar o

ócio como uma forma de investimento pessoal. Estes espaços sempre me

despertaram a atenção, especialmente por oferecer como possibilidade uma

maior aproximação com o entorno cultural e social das pessoas e por tentarem

atender às necessidades das comunidades, como é o caso do espaço em que

esta investigação foi realizada.

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Espaços de ócio, lazer, cultura, educação e formação vêm ganhando cada

vez mais visibilidade no cenário social em diferentes realidades econômicas,

sociais e culturais, isso se deve em grande parte pelo crescente interesse das

instituições tanto governamentais como ONGs, terceiro setor (Gohn, 2008, p.65)

que estão percebendo a eficácia das ações que envolvem o desenvolvimento

humano fora de espaços em que a educação, o saber e o conhecimento estão

institucionalizados como, por exemplo, a escola.

Muitos destes espaços também oferecem possibilidades de aprimoramento

profissional em diferentes campos, embora possuam diretrizes e normas

concretas e que possam ser enquadrados no sistema institucional se organizam e

se constituem sempre em relação aos interesses das comunidades e dos grupos

sociais.

O termo Educação Não Formal Menchén (2006), Trilla (1998), se

popularizou ao final dos anos mil novecentos e sessenta53, um período em que se

propôs avaliar outros meios educativos como alternativas diferentes que a

escolar, embora realidades educativas que se referem a este tipo de educação já

viessem sendo praticadas anteriormente.

Portanto, iniciou-se a ouvir falar sobre Educação Não Formal no final dos

anos sessenta e conforme nos comenta Trilla (1998), seu surgimento estava

relacionado ao campo pedagógico paralelamente a uma série de críticas relativas

ao sistema formal de ensino, o que ficou conhecido como “crise do sistema

escolar”, (Coombs 1968, Merchén 2006, Trilla 1998). Esta crise estabelecia

53 Conforme Gohn (2008, p. 91) até os anos 80 a Educação Não Formal no Brasil era vista como um campo

de menor importância tanto pelas políticas públicas como também pelos educadores que tinham suas

atenções voltadas para a educação formal. “Em alguns momentos, algumas luzes foram lançadas sobre a

Educação Não Formal, mas ela era vista como uma extensão da educação formal, desenvolvida em espaços

exteriores às unidades escolares.”

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relação não somente com a educação de uma forma geral, mas especialmente

com o sistema que conduzia e direcionava as estruturas formais de educação.

Um dos problemas geradores desta crise se atribuía aos sistemas

educativos que se mantinham da mesma maneira, sem apresentar mudanças ou

evoluções consideráveis desde seu surgimento até aquele momento. Mesmo que

as instituições crescessem em termos de quantidade e qualidade se percebia a

enorme lacuna que existia entre estas instituições e a sociedade. Trilla (1998, p.

15) reitera esta ideia ao dizer que não bastava somente a expansão do aparato

escolar como único recurso para atender as expectativas sociais de formação e

aprendizagem naquele momento.

Ainda segundo Trilla (1998), mesmo que anteriormente os termos “não

formal” ou “informal”54 fossem utilizados, em 1967 com a Intenational Conference

os Crisis in Education que aconteceu em Williamsburg, Virginia (EE.UU.), essa

proposta passou a ficar mais sólida. A organização e formulação do documento

base para este congresso foram elaborados pelo Instituto Internacional de

Planejamento de Educação da Unesco, que tinha como dirigente P.H.Coombs,

que tendo como base este documento formulou a sua obra que se tornou muito

conhecida The World Educational Crisis. Nesta obra, Coombs enfatizava a

necessidade de pensar e desenvolver meios alternativos de educação que

fossem diferentes dos que já eram conhecidos e convencionalmente adotados

pela sociedade, como o sistema escolar.

54 No Brasil, segundo Ghon (2008) a terminologia educação informal e Educação Não Formal ganha força a

partir da década de 1980 (período em que ocorre a abertura política após a ditadura militar). A partir dos

anos 1990, mudanças sociais, econômicas e do mundo do trabalho (e eu diria políticas, como o

fortalecimento da democracia), passam a valorizar processos de aprendizagem em grupos.

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224

A terminologia “informal” e “não formal” relacionava-se às possibilidades de

sistemas e processos educativos não escolares ou situados à margem dos

sistemas regrados de educação. A visão apresentada por Coombs não definia um

conceito propriamente dito de Educação Não Formal e Informal, pois se referia a

elas como “aquellas actividades que se organizan intencionalmente con el

propósito expreso de lograr determinados objetivos educativos y de aprendizaje”

(Trilla, 1998, p.18).

A partir destas primeiras referências sobre a Educação Não Formal surgiu

a distinção entre a Educação Formal e Informal e posteriormente a isso em 1974,

Coombs define Educação Não Formal como “toda actividad organizada,

sistemática, educativa, realizada fuera del sistema oficial, para facilitar

determinadas clases de aprendizaje con campos particulares de población, tanto

adultos como niños” (Coombs y Ahmed, 1974 apud, Merchén 2006).

Assim, o surgimento da Educação Não Formal como campo conceitual

sugere pontos de tensão entre a Educação Formal e supõe uma oposição, no

entanto segundo o pensamento de Gadotti (2005) a Educação Não Formal

deveria ser definida por sua especificidade e não como uma forma de oposição à

educação formal.

Mas em decorrência deste enfrentamento passou-se a formular um novo

posicionamento da educação, por um lado o fortalecimento de um novo

entendimento sobre a educação formal e por outro a dar maior visibilidade a

outras práticas educativas que se realizassem fora do contexto escolar.

Segundo Garcia (2008) Trilla desenvolve importantes argumentos que

reiteram o que foi dito anteriormente como, por exemplo:

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O autor elenca alguns tópicos como marcantes para deflagrar a crise mundial da educação, e que de certa forma, publicizaram características da crise: “o discurso tecnocrático reformista da crise da educación; as críticas radicais á instituição escolar; a formulación de novos conceitos e o paradigma de novos conceitos” (p. 202 – 207). Cada uma dessas características promoveu, por um lado, o fortalecimento de uma nova maneira de compreender o papel da educação formal e por outro, para dar visibilidade a outros fazeres educacionais, fora do contexto da escola tradicional. (Garcia 2008, p.1).

Ainda conforme a autora, estes argumentos foram acolhidos por diferentes

órgãos e autores (Coombs, UNESCO) e a publicação de uma série de propostas

e estudos de alternativas educacionais que por sua vez, criticavam o modelo

tradicional escolar ganhou cada vez mais aceitação e passou a ser aceito que a

Educação Não Formal poderia ser uma alternativa onde o meio também poderia

ser visto como educativo, nas palavras de Garcia (2008) “a compreensão e

aceitação de que o meio também educa” (p.2).

Percebe-se que dentro do panorama apresentado a Educação Não Formal

passou a ser vista como uma possibilidade mais democrática de educação em

estando mais relacionada com as vivências e com as práticas sociais não

institucionalizadas.

No Brasil, os movimentos de Educação Não Formal ocorreram em

diversas dimensões, inclusive, como diz Ghon (2008, p. 63), “na possibilidade de

construção de uma nova prática política”. Logo a Educação Não Formal se deu e

se desenvolveu respaldada em diferentes práticas sociais, culturais, manuais, em

que as relações educacionais nem sempre eram valorizadas, mas eram

perceptíveis e, na prática, se revelaram como modos eficientes de vivenciar o

processo ensino aprendizagem.

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Dentro deste quadro, a Educação Não Formal ganhou força e autonomia

para estruturar-se de acordo com a necessidade tanto das comunidades e grupos

sociais como também relacionadas ao mundo do trabalho e com o

desenvolvimento profissional, em que cada vez se exige mais rapidez e

qualificação e uma das alternativas passou a ser a educação que oferecesse

qualificação específica dentro das áreas profissionais. Com isso não quero dizer

que a Educação Não Formal esteja a cargo da educação profissionalizante, ou

que signifique o mesmo, sabendo que esta segunda seria ainda outro nicho,

somente reitero que as vias para chegar ao conhecimento não estão

burocratizadas e engessadas.

Outra questão importante é que juntamente com o surgimento da

Educação Não Formal houve a necessidade de repensar em que diretrizes estão

estruturadas outras formas de educação, como a formal e a informal. Quanto a

isso Merchén (2006) comenta que os termos Educação Formal, Educação Não

Formal e Educação Informal vêm sendo discutidos com bastante intensidade nas

últimas décadas dentro do âmbito acadêmico. Segundo a autora,

(…) por considerarse que no permiten una aclaración suficiente de los procesos educativos que se dan en nuestra sociedad, y sobre todo, por no ser términos excluyentes entre sí. Sin embargo, el término Educación no Formal, ha tenido un fuerte apoyo e identificación por parte de aquellos que la practican”. (p.11),

Em decorrência destas questões, faz-se necessário clarificar a abrangência

e as características de cada um destes termos.

Assim, Merchén (2006) nos situa quanto à educação informal ao dizer que:

Esta inseparablemente unida a cualquier situación de aprendizaje vivida por una persona hasta que acaba su vida, que no haya sido planificada específicamente para

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enseñar. Nunca se deja de aprender, las experiencias vividas ayudan a desarrollar nuevas estrategias que permiten enfrentarse a las siguientes situaciones, así como no cometer los mismos errores. Es decir, se produce aprendizaje aunque nadie haya previsto que lo hubiera. (p.12).

Educação informal, portanto, faz parte da vida e da característica básica do

humano: o de eterno aprendiz. Neste tipo de educação podemos englobar as

situações que fazem parte do cotidiano, em que os “educadores” são os pais,

irmãos, companheiros de trabalho, os meios de comunicação, dentre outros, com

os quais estamos aprendendo e que não foram preparados e pensados como

uma situação de aprendizagem, mas mesmo assim se constituem em

experiências educativas. Esta não pode ser considerada uma regra, mas, de um

modo geral essas situações não intencionadas, organizadas e planificadas podem

gerar um tipo de conhecimento e de vivência com a qual aprendemos.

Já a Educação Formal e a Não Formal segundo a visão de Gadotti (2005)

se diferem da seguinte maneira:

A educação formal tem objetivos claros e específicos e é representada principalmente pelas escolas e universidades. Ela depende de uma diretriz educacional centralizada como o currículo, com estruturas hierárquicas e burocráticas, determinadas em nível nacional, com órgãos fiscalizadores dos ministérios da educação. A educação não-formal é mais difusa, menos hierárquica e menos burocrática. Os programas de educação não-formal não precisam necessariamente seguir um sistema seqüencial e hierárquico de “progressão”. Podem ter duração variável, e podem, ou não, conceder certificados de aprendizagem. (p.2).

Então, neste sentido, Merchén (2006) também realiza uma importante

diferenciação ao dizer que na Educação Não Formal o processo educativo é

voluntário e intencionado, planejado e, ao mesmo tempo, permanente e flexível,

caracterizando-se pela diversidade de métodos, âmbitos e conteúdos que são

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aplicados. Em contrapartida, a Educação Formal55 está limitada pelo sistema

educativo, podendo ter deste modo, mais vantagens ou desvantagens em relação

aos outros dois processos de educação.

Merchén (2006) nos apresenta um panorama amplo das áreas em que a

Educação Não Formal vem sendo desenvolvida, como a Educação Ambiental que

pretende despertar nos cidadãos a consciência dos problemas ambientais do

presente e do futuro, a Animação Sociocultural que é pertinente aos processos

sócio-educativos que buscam a melhora da vida e das condições sociais da

comunidade ou dos grupos sociais e parte de sua cultura e recursos, a Educação

Social que visa o desenvolvimento das capacidades sociais dos grupos ou

indivíduos, a Pedagogia do Ócio que pretende desenvolver práticas educativas

entendidas como espaço e tempo de ócio, mas com caráter educativo, Educação

Ocupacional que são práticas laborais com o objetivo de inserção social, e ainda

uma série de outras possibilidades como a Educação para a Saúde, Educação

para o Consumo, Educar em Valores, Educação para o Desenvolvimento,

Educação para a Paz, Educação Intercultural, etc... Podemos ver algumas das

áreas sintetizadas no quadro abaixo apresentado por Merchén, (2006).

55 Por ejemplo, en nuestra opinión el sistema educativo tiene como principal ventaja su prestigio social y su

capacidad inmediata de, con sus títulos, recocer el derecho a ejercer laborablemente la mayoría de las

profesiones. Sin embargo, es mucho mas inflexible, no garantiza que el alumnado tenga todas las

competencias necesarias para ese ejercicio profesional, ni tiene un contacto y comunicación ágil con el

mercado laboral. (Merchén, 2006, p.2).

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Principios de las áreas de la educación no formal

AREAS EDUCACIÓN NO FORMAL PRINCIPIOS Educacion ambiental Respeto al medio ambiente Educación social Igualdad de oportunidades

Compensación desigualdades Integración Social

Formación ocupacional Inserción laboral, Integración Social Animacion sociocultural Participación social

Desarrollo comunitário Pedagogia del ocio Creatividad

Diversión en un ámbito social Ocio sano y educativo

Educación para la salud Salud Igualdad de oportunidades

Formación en valores Igualdad, Respeto a la diversidad, Cooperación, Paz, Empatía, etc.

Fonte: Merchén, (2006, p.19).

Por fim, é importante salientar que, no Brasil, esta modalidade educativa é

bastante recente e muitas vezes, a conotação que a Educação Não Formal

adquire é a de estar relacionada a uma faixa da comunidade que não tem acesso

a outro tipo de educação, relacionando assim a Educação Não Formal como

sendo a educação de cunho social que visa sanar as questões e os problemas

sociais e em geral é destinada a população pobre do país. Enquanto que, na

Espanha, conforme comenta Garcia (2005), a concepção para esta modalidade

educativa é desvinculada da educação social à medida que, não é determinada

pela condição de classe social da população que participa das ações educativas

fora da escola.

Acredito que seja válida a abordagem destas perspectivas uma vez que a

proposta investigativa que desenvolvi foi pensada para um espaço de um atelier

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de cerâmica onde ocorrem práticas educativas não formais que podem ser assim

designadas por se enquadrarem dentro das características desta modalidade

educativa, por serem realizadas em um espaço desvinculado do setor formal de

educação, permitindo o acesso a qualquer pessoa da comunidade, sem

restrições, que não envolve hierarquias nem burocracias, não obedece nenhuma

norma ou regimento interno e o desenvolvimento das atividades no espaço vão

acontecendo conforme a vontade e os objetivos de cada participante.

33.2.1.1 Histórias possíveis: o ensinar e o aprender na

Educação Não Formal

A Educação Não Formal como já vimos, possui características próprias que

se diferenciam de outras modalidades de ensino. Segundo Gohn (2008), ela foi

pensada inicialmente como uma educação que, teoricamente ocorreria fora da

escola, e logo, poderia ser denominada de educação não escolar. No entanto, o

que diferencia a Educação Não Formal da educação escolar é algo mais profundo

e diz respeito à sua organização e ao próprio processo de aprendizagem.

Em primeiro, os espaços da Educação Não Formal são múltiplos, podendo

inclusive acontecer no espaço da própria escola, quando de suas relações com a

comunidade escolar. Por exemplo, uma escola pode planejar e executar os

encontros com os pais onde serão tratados temas que lhes deem maior

conhecimento sobre a aprendizagem de seus filhos. Além disso, esses múltiplos

espaços podem ser organizados e desenvolvidos nos movimentos sociais, nas

igrejas, nos sindicatos, nas instâncias de partidos políticos, nos espaços culturais

como é o caso do Centro Cívico onde esta investigação foi desenvolvida.

Conforme Ghon (2008), categorias como espaço, tempo e conhecimentos

a serem desenvolvidos, adquirem outra dimensão, porque são flexíveis e

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estruturados de forma a atender às necessidades de quem os procura, pois o

estabelecimento dos conteúdos se flexibiliza de acordo com os interesses do

grupo. “Assim o espaço também è algo criado e recriado segundo os modos de

ação previstos nos objetivos maiores que dão sentido ao fato de determinado

grupo social estar se reunindo” (Ghon, 2008, p. 101). Por outro lado, a

operacionalização dos conteúdos também têm diferentes dimensões.

Genericamente, Trilla (1998) também aponta que a Educação Não Formal

se orienta por metodologias próprias de ensinar e de aprender, com educandos e

educadores característicos, com conteúdos funcionais e adequados ao grupo a

que se destina, com espaço e tempo flexíveis, com gestão e financiamento de

deferentes fontes.

Ao discutir o que é e como se organiza a Educação Não Formal, não

podemos ignorar o legado de Paulo Freire que, embora não tenha tratado

especificamente do assunto, foi um dos grandes difusores da metodologia própria

para a educação de adultos, população predominante na Educação Não Formal.

Freire (1987, p. 112), propõe uma educação respaldada no que denominou

“círculos de cultura” ou “círculos de investigação”, em que os próprios educandos

levantavam as temáticas a serem estudadas, mediados pelos educadores. Logo,

os conhecimentos a serem veiculados nesse trabalho emergiriam dos próprios

alunos, somando-se aos conhecimentos e propostas dos educadores. Seria, por

excelência, um espaço de consolidação da cidadania.

Conforme afirma Ghon (2008), “... no Brasil, a construção da cidadania

ocorre de forma inversa àquela que se dá nos países do chamado Primeiro

Mundo. Aqui não basta a promulgação de leis porque elas são insuficientes” (p.

89). Quando se quer algum avanço, existe uma trajetória de lutas e reivindicações

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que, muitas vezes se consolidam através de leis. Neste sentido, os espaços de

Educação Não Formal são pontos fundamentais na qualificação e na organização

dos grupos que reivindicam.

No entanto, ainda segundo Ghon, a maior importância da Educação Não

Formal liga-se ao fato de produzir novos conhecimentos, o que é inerente ao

processo de criatividade humana (ou seja, “aprender por toda a vida”). Neste

sentido, aponta para “o lugar da Educação Não Formal na ‘Escola da Liberdade e

da Criatividade’” (2008, p. 107).

Estabelecendo relações da Educação Não Formal com contextos gerais,

direcionamos nosso olhar para refletir brevemente sobre o panorama encontrado

na União Européia (UE), onde, segundo Cinquina (2010), são considerados dois

aspectos: um de debates e estudos conceituais e outro relativo a projetos de

financiamento de ações de Educação Não Formal.

Em relação às questões conceituais merece destaque preocupação com a

aprendizagem e as questões relativas à certificação, reconhecimento e validação

dos estudos, além de uma abordagem voltada para “la aprendizage a lo largo de

la vida”, cujo trabalho extrapola a idade de escolarização.

Em relação aos projetos vale salientar dois programas que tem grande

importância o Youth in action e o Livelong Learning, ambos programas ocorrem

através de convocatórias e que financiam projetos que cumpram certos requisitos

e estejam de acordo com suas propostas. O primeiro programa está vinculado a

promoção da Educação Não Formal e a mobilidade juvenil, o segundo a uma

concepção de aprender ao longo da vida.

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33.2.1.2 Dirimindo o conflito: mediações da cerâmica no

contexto da Educação Não Formal

Pautar-me em uma concepção fechada e acabada de Educação Não

Formal, não é e nunca foi o intuito durante este percurso investigativo, por isso,

busquei definir pontos de apoio e de tangência entre ela e as demais definições. E

foi partindo deste posicionamento que a noção de Educação Não Formal foi

percebida no contexto do atelier de cerâmica em que se realizou esta pesquisa.

Relacionar as práticas que envolvem a produção de cerâmica na

contemporaneidade com um campo tão rico e abrangente quanto à Educação

Não Formal é uma tarefa no mínimo desafiadora.

No contexto das Artes Visuais, a cerâmica pode ser considerada uma

linguagem artística que tem como princípio básico para a sua existência a

utilização de elementos básicos existentes na natureza como a água, o ar, o fogo

e a terra.

Existem também, muitas outras maneiras de denominar a cerâmica,

através dela podemos conhecer hábitos e costumes de povos antigos e

primitivos56, ela pode ser considerada ainda, uma parte importante da própria

história da humanidade, ou então, como as manifestações culturais de grupos

sociais sendo denominado como Arte Popular57, artesanal ou utilitária e ainda,

56 Ao longo da história da humanidade é possível encontrar vestígios da produção cerâmica como um

elemento relacionado à cultura dos povos que a produziram, com marcas e recursos próprios de cada povo

em cada época distinta. Fazendo referência aos povos e etnias que produziram cerâmica de forma

significativa em sua cultura tanto como legado histórico como também na contemporaneidade com isso, é

possível citar alguns exemplos: indígenas, africanos, portugueses, ingleses, chineses, japoneses, povos pré-

colombianos, romanos, gregos, egípcios, entre outros. 57 Conforme as considerações de Mascêne (2010, p. 12-13) “Arte Popular é o conjunto de atividades

poéticas, musicais, plásticas e expressivas que configuram o modo de ser e de viver do povo de um lugar.

Artesanato (...) define-se como artesanato toda atividade produtiva que resulte em objetos e artefatos

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estar presente no cotidiano através de utensílios domésticos, na decoração, ou

até mesmo em equipamentos eletroeletrônicos.

Estas atividades, em muitos casos, podem estar associadas ao

desenvolvimento econômico e social das comunidades, como no caso do Brasil58,

onde é identificado por diferentes órgãos e programas entre eles o SEBRAE59, a

necessidade de reverter os fazeres populares, artesanais e manuais como fonte

de renda para as famílias e comunidades fragilizadas socialmente.

Conforme o Termo de Referência de Atuação do SEBRAE no artesanato,

de março de 2010, podemos observar algumas diferenciações quanto o que é

considerado artesanato, arte popular e trabalhos manuais.

acabados, feitos manualmente ou com a utilização de meios tradicionais ou rudimentares, com habilidade,

destreza, qualidade e criatividade. Os trabalhos manuais exigem destreza e habilidade, porém utilizam

moldes e padrões predefinidos, resultando em produtos de estética pouco elaborada. Não são resultantes de

processo criativo efetivo. É muitas vezes, uma ocupação secundária que utiliza o tempo disponível das

tarefas domésticas ou um passatempo”. Ainda neste sentido pode-se entender que a cerâmica artesanal,

corriqueiramente é designada pelos próprios produtores como: utilitários, como potes, talhas, moringas,

bilhas, panelas e recipientes; e figueiras como imagens de santos e animais com sentido religioso. Em

Espanha algumas comunidades são reconhecidas produtoras de cerâmicas artesanais como Castilla y León,

Astúrias, Granada, Canárias. 58 De acordo com a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC 2006), realizada pelo IBGE em

parceria com o Ministério da Cultura, 64,3% dos municípios brasileiros possuem algum tipo de produção

artesanal, liderando o percentual das manifestações culturais identificadas na pesquisa. Essa produção tem

grande importância na geração de ocupação e renda no Brasil, onde milhões de artesãos são responsáveis por

um movimento financeiro que comprova a capacidade econômica desse setor. (Mascêne, 2010, p. 8). 59 Entre as cadeias produtivas vocacionadas do Brasil, o artesanato tem elevado potencial de ocupação e

geração de renda em todos os Estados, posicionando-se como um dos eixos estratégicos de valorização e

desenvolvimento territorial. É nesse sentido que a missão do SEBRAE de promover a competitividade e o

desenvolvimento sustentável das micro e pequenas empresas, junto ao seu atual Direcionamento Estratégico,

definem a amplitude da sua atuação no setor artesanal.

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ARTE POPULAR ARTESANATO TRABALHOS MANUAIS

Produção de peças únicas

Produção de pequenas séries com regularidade

Produção assistemática

Arquétipo Produtos semelhantes, porém diferenciados entre si

Reprodução ou cópia

Compromisso consigo mesmo

Compromisso com o mercado

Ocupação secundária

Fruto da criação individual

Fruto da necessidade Fruto da destreza

Fonte: (Mascêne, 2010, p. 13)

Historicamente60 a cerâmica pode ser considerada como uma manifestação

primitiva, que nos remete aos primórdios da história da humanidade, sendo

também um legado cultural e social que testemunha sobre os modos de vida,

costumes, hábitos e crenças de povos por todo o mundo. A cerâmica é

empregada em diversos segmentos seja como produtos e bens de consumo, seja

ela com caráter utilitário ou artístico, em qualquer dos casos o que é comum a 60 “A cerâmica é ao mesmo tempo a mais simples e a mais difícil de todas as artes. A mais simples, por ser a

mais elementar; a mais difícil, por ser a mais abstrata. Historicamente, encontra-se entre as artes mais

primitivas. Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados à mão em barro cru, tal qual era extraído

da terra, e secos ao sol e ao vento. Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento, antes de possuir escrita,

literatura ou mesmo uma religião, o homem possuía já esta arte, e os vasos que então produzia ainda são

capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas. Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a

tornar seus vasos rijos e duradouros, quando inventou a roda e como oleiro pôde acrescentar ritmo e

movimento ascensional ao seu conceito de forma, estavam presentes todos os elementos essenciais da mais

abstrata de todas as formas de arte. Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens até que, no século a.C.,

se tornou a arte representativa da raça mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu. Um vaso grego é o

verdadeiro protótipo da harmonia clássica. Depois, para o Oriente, outra grande civilização fez da cerâmica a

sua arte mais típica e mais estimada, e levou-a a requintes mais delicados que os próprios Gregos. Um vaso

grego é harmonia, mas um vaso chinês, uma vez liberto das influências impostas por outras culturas e outras

técnicas, alcança harmonia dinâmica: já não é só uma relação numérica, mas um movimento vivo. Não é um

cristal, é uma flor. Os tipos perfeitos de cerâmica, representados nas artes da Grécia e da China, têm os seus

equivalentes aproximados noutras regiões: no Peru e no México, na Inglaterra e na Espanha medievais, na

Itália do Renascimento, na Alemanha do século XVIII – de fato, esta forma de arte é tão fundamental, está

tão intimamente ligada às necessidades mais elementares da civilização, que o gênio nacional de um povo

tem sempre de achar maneira de nela se exprimir”. (Read, 1968. p. 27 – 28).

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este material são os processos norteados pela natureza do material: o barro61, a

água, o ar, o fogo.

(...) o interessante, quando vamos em busca de sua história, é observar que, apesar desse tempo todo, há muitas semelhanças entre os processos empregados pelos primeiros artesãos de que se tem notícia e os ceramistas

61Existe uma grande variedade de argilas que podem ser utilizadas para a cerâmica, cada uma delas possui

especificidades próprias e se diferenciam entre si devido a sua composição. Cito alguns exemplos tais como:

Argila natural: É uma argila que foi extraída e limpa, e que pode ser utilizada em seu estado natural, sem a

necessidade de adicionar outras substâncias. Argila refratária: Argila que adquire este nome em função de sua

qualidade de resistência ao calor. Suas características físicas variam, umas são muito plásticas finas, outras

não. Apresentam geralmente alguma proporção de ferro e se encontram associadas com os depósitos de

carvão. São utilizadas nas massas cerâmicas dando maior plasticidade e resistência em altas temperaturas,

bastante utilizadas na produção de placas refratárias que atuam como isolantes e revestimentos para fornos.

Caulim ou argila da china: Argila primária, utilizada na fabricação de massas para porcelanas. É de coloração

branca e funde a 1800°C - pouco plástica, deve ser moldada em moldes ou formas pois com a mão é

impossível. Argilas de bola (Ball-Clay): São argilas secundárias muito plásticas, de cor azulada ou negra,

apresenta alto grau de contração tanto na secagem quanto na queima. Sua grande plasticidade impede que

seja trabalhada sozinha, fica pegajosa com a água. É adicionada em massas cerâmicas para proporcionar

maior plasticidade e tenacidade à massa. Vitrifica aos 1300°C. Argilas para grês: Argila de grão fino,

plástica, sedimentária e refratária - que suporta altas temperaturas. Vitrificam entre 1250 - 1300°C. Nelas o

feldspato atua como material fundente. Após a queima sua coloração é variável, vai do vermelho escuro ao

rosado e até mesmo acinzentado do claro ao escuro. Argilas vermelhas: São plásticas com alto teor de ferro

resistem a temperaturas de até 1100°C porém fundem em uma temperatura maior e podem ser utilizadas com

vidrados para grês. Sua coloração é avermelhada escuro quando úmida chegando quase ao marrom, quando

biscoitada a coloração se intensifica para o escuro de acordo com seu limite de temperatura de queima.

Bentonite: Argila vulcânica muito plástica, contém mais sílica do que alumínio, se origina das cinzas

vulcânicas. Apresenta uma aparência e tato gorduroso, pode aumentar entre 10 e 15 vezes seu volume ao

entrar em contato com a água. Adicionada a argilas para aumentar sua plasticidade. Funde por volta de

1200°C. Argilas expandidas: A argila expandida é produzida em grandes fornos rotativos, utilizando argilas

especiais que se expandem a altas temperaturas (1100oC), transformando-as em um produto leve, de elevada

resistência mecânica, ao fogo e aos principais ambientes ácidos e alcalinos, como os outros materiais

cerâmicos. Suas principais características são: leveza, resistência, inércia química, estabilidade dimensional,

incombustibilidade, além de excelentes propriedades de isolamento térmico e acústico. Desde o início das

pesquisas, a argila expandida apresentou excelentes qualidades, equivalentes aos melhores agregados citados

na literatura internacional, sendo aplicada em obras de vulto e projeção como na pavimentação da ponte Rio -

Niterói, na reconstrução do elevado Paulo de Frontin, dentre outras. Disponível em:

http://www.portorossi.art.br/as_argilas.htm, (Acessado em 14 de março de 2012).

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contemporâneos, que exercitam a atividade em seus ateliês, apesar dos incríveis recursos tecnológicos que hoje se encontram à disposição dos ceramistas em países mais adiantados, como fornos, tornos, argilas, pigmentos, etc. (Costa e Penido, 1999, p.9)

Dentro do contexto das Artes Visuais, o processo de fazer e criar cerâmica

podem estar norteados por elementos como o conhecimento, subjetividade e

inconstância, que de certa maneira nos permite refletir sobre questões que

norteiam a arte, a vida e a educação. Enquanto linguagem a cerâmica como

manifestação da arte contemporânea busca referenciais que dotam a prática

poética (conceitual, estética ou visual) e a intencionalidade crítico/reflexiva

associada ao fazer.

A cerâmica se constitui como um elemento expressivo que pode adotar

diferentes conotações, interpretações e significados que se definirão de forma

inerente a sua produção, já que contemporaneamente uma imagem ou trabalho

de artes visuais pode abarcar múltiplas referências ao ser deslocado do contexto

cultural onde foi produzido pode ter seu significado modificado ou hibridizado com

outras imagens e materiais.

A imagem é uma elaboração complexa, prenhe de significados e interpretações, que depende de uma rede de informações, convenções e interações sociais que não operam de modo linear. Os significados não são fixos e não existe uma lógica especial que permita interpretação determinante de seus sentidos. O sentido enredado em camadas de sensações, acepções, torna-se, por isso mesmo, multirreferencial. (Hernández, 2005, p. 143)

Embora composto de múltiplas referências de significados e sentidos que

extrapolam as intencionalidades criadoras, o ato de fazer cerâmica está

permeado de relações e singelezas que dizem respeito à materialização do

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mundo, da transformação das matérias e por consequência, do próprio ser

humano.

Especificamente, sob a ótica dos processos estéticos que envolvem esta

prática, fazer cerâmica, sendo considerada arte, ou como qualquer outra

manifestação, em qualquer caso, este fazer não deixa de estar norteado por

aspectos que vão além da técnica e poética, em muitos casos, mesmo quando

são reproduções, é necessário a mediação de fatores como o conhecimento, a

subjetividade e inconstância que o próprio barro possui.

De um modo geral, o fazer cerâmica, independente de sua natureza ou

intencionalidade, possui um vínculo forte com as identidades pessoais e coletivas

de seus produtores, quando é capaz de abarcar aspectos da atualidade, ou seja,

estabelecer relações com a arte contemporânea, intensifica ainda mais estas

conexões para o próprio ceramista e ao seu contexto social.

O processo de fazer cerâmica possui uma poética que não está no barro,

mas que surge do seu contato com mãos, com os corpos ao dar vazão às ideias,

pensamentos e sentimentos. Está presente na multiplicidade de formas e

movimentos que ele pode adquirir, na vigília e no cuidado que sua fragilidade

exige, nas infinitas cores que a mescla dos óxidos e a inconstância do fogo pode

produzir. O ato de fazer cerâmica constrói uma relação de intimidade, cuidado e

atenção que se inicia desde o preparo do barro para a criação de uma peça até o

momento em que está vai para o forno e o fogo se incumbe de mudar sua

natureza.

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239

A cerâmica, não é definida nem se articula especialmente com questões de

gênero62, não é um trabalho onde exista restrições ou que seja definido como

uma atividade feminina ou masculina. No entanto, no âmbito desta investigação, o

atelier de cerâmica era um espaço feminino tanto por ser frequentado somente

por mulheres, mas também, porque de certa maneira, estas mulheres acabaram

fazendo deste espaço e do trabalho com a cerâmica uma espécie de extensão de

suas casas estabelecendo assim, uma relação de familiaridade e intimidada.

A cerâmica neste trabalho investigativo serviu como mediadora e um modo

de construir narrativas, enquanto as mulheres se ocupavam de modelar o barro,

de encontrar formas em meio à textura da argila, iam também construindo relatos

e narrativas sobre a vida, dividindo pensamentos e sentimentos, lembrando

episódios e passagens ou simplesmente compartilhando as impressões sobre o

cotidiano.

Num espaço de fazeres (fazeres narrativos), como o fazer cerâmica, cada

um vai moldando de acordo com seus sentimentos, seus conhecimentos, sua

62 Em algumas comunidades indígenas na Amazônia, por exemplo, fazer cerâmica era parte de rituais

conferidos aos heróis em que as mulheres não podiam participar nem ver. No entanto, em muitas outras

sociedades tradicionais a organização do trabalho se dá através da divisão dos sexos, o homem se dedica a

caça, a pesca, a plantar e colher e a todas as atividades que exigem esforço físico, enquanto à mulher se

dedica ao cuidado dos filhos, a limpeza e preparação dos alimentos e a confecção de utensílios domésticos, a

fiar e tecer. Existem também, exemplos de famílias de artesãos que o ofício de fazer cerâmica é passado pelo

pai como um legado ou uma herança, em outros casos, são as mulheres as responsáveis por ensinar aos

jovens o ofício, e neste exemplo, a cerâmica está relacionada ao fazer manual sendo considerado próprio do

universo feminino. No Brasil, no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas Gerais, existe uma comunidade de

mulheres ceramistas, conforme as pesquisas realizadas por Lalada Dalglish, professora de cerâmica do

Instituto de Artes da Unesp, que me 2006 publicou o livro Noivas da Seca (Editora Unesp), “O Vale do

Jequitinhonha é uma das regiões mais pobres do Brasil. Devido à seca, milhares de homens deixaram suas

famílias para trabalhar em outras cidades. As esposas passaram a se sustentar por meio do artesanato, usando

o barro como matéria-prima. Segundo um dizer popular, “da terra seca onde não nasce nem um pau de flor,

começaram a brotar bonecas de barro”. Iniciava-se assim um conhecimento que atravessa gerações,

transmitido de mãe para filha”. (Kas, 2007).

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240

história. Neste caso, o ato de fazer, o tempo empregado, acaba por impregnar-se

de sentidos e significados.

Além disso, o ato de “fazer cerâmica” é também um ato de conhecer e de

aprender, pois segundo Garcia (2008), a Educação Não Formal comporta um jeito

diferenciado de organizar e de acontecer nas relações do processo ensino-

aprendizagem, do educando/educador, enfim, de todo o processo de

conhecimento e uma das características mais marcantes se constitui no

aproveitamento das ações “da prática, dos saberes e dos fazeres cotidianos”.

Fazer cerâmica num atelier pode ser considerado como um processo de

Educação Não Formal, porque essa atividade está repleta de saberes cotidianos

e de aprendizagens, materializadas nas trocas de informações que resultam na

ampliação do universo de conhecimentos dos envolvidos.

33.2.1.3 Relações e conexões: a Educação Não Formal e o

Ensino da Arte

O Ensino da Arte é um mecanismo que possui uma grande importância

social, sendo responsável por mediar e facilitar o diálogo entre a arte e o público

seja através de processos formais, informais ou não formais de ensino.

Estabelecendo uma relação entre arte e Educação Não Formal atentamos

para o que Ghon (2008), aponta ao afirmar que a Educação Não Formal constitui

o espaço da “criatividade e da liberdade”.

Também Trilla (1998), defende a Educação Não Formal como um setor que

deve incluir “(...) diversos aspectos o modalidades de la formación artística e

estética” (p. 120). Assim variadas modalidades artísticas e culturais podem ser

propostas como um marco educacional, utilizando o tempo livre das pessoas e

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241

em espaços diferenciados tais como, canto coral, música, cursos de desenho, de

teatro, de artesanato popular. Considero que o atelier de cerâmica se adapta

muito bem esta situação.

Trilla (1998) considera que o panorama da Educação Não Formal se

estabelece como um elemento importante e alternativo para o desenvolvimento

da sensibilidade artística, do senso estético e da criatividade, especialmente por

não estar condicionado a avaliações e a outros aspectos controladores do ensino

formal, podendo assim, ampliar a visão dos sujeitos para o campo das artes e das

práticas artísticas.

Quanto à estes posicionamentos, cabe salientar que o Ensino da Arte, ao

ser desenvolvido em espaços que propiciem liberdade tanto em termos

burocráticos como práticos podem auxiliar na proposição de experiências que

contribuam para uma formação mais ampla, que se articula com todos os campos

do conhecimento.

A partir de uma visão contemporânea sobre o Ensino da Arte, uma das

preocupações entre os educadores é a de “(...) influir positivamente no

desenvolvimento cultural dos estudantes por meio do conhecimento de arte que

inclui a potencialização da recepção crítica e a produção”. (Barbosa, 2005, p. 98).

Segundo Barbosa (2005) esta concepção enfatiza que a arte na educação

deveria estar engajada com o desenvolvimento da sensibilidade “como conjunto

de funções orgânicas que buscam a inteligibilidade, o prazer, a sensualidade é o

que responde às condições da pós-modernidade” (p.99), onde as artes visuais

seriam a linguagem capaz de aguçar os sentidos através das imagens.

A arte como linguagem aguçadora de sentidos transmite significados que não podem ser transmitidos por meio de nenhum outro tipo de linguagem, tal como a discursiva ou a

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científica. Dentre as artes, as visuais, tendo a imagem como matéria-prima, tornam possível a visualização de quem somos, de onde estamos e de como sentimos. (Barbosa, 2005, p.99).

Ainda segundo Barbosa (2005), a arte na educação pode ser vista como

meio de expressão pessoal e também como cultura. Sendo assim, um importante

instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento individual.

A partir de uma ótica pós-modernista, os aspectos que envolvem a arte e,

sobretudo, o Ensino da Arte, se modificaram. Hoje os processos criativos

possuem uma maior complexidade, já que o próprio conceito de criatividade

também foi ampliado e “desenvolver a sensibilidade” já não se constitui como o

objetivo máximo dos educadores em arte.

Por meio da arte podemos desenvolver algumas capacidades como a

percepção e a imaginação, desenvolver a capacidade de observar o mundo de

maneira crítica, analisando a realidade e o cotidiano e, ainda, desenvolver a

capacidade de criar de maneira a mudar a realidade que foi analisada.

Desconstruir para reconstruir, selecionar, reelaborar, partir do conhecido e modificá-lo de acordo com o contexto e a necessidade são processos criadores desenvolvidos pelo fazer e ver arte, e decodificadores fundamentais para a sobrevivência do mundo cotidiano. (Barbosa, 2005, p. 100).

Talvez por estes motivos, associar o Ensino da Arte a espaços não formais

de educação seja um aspecto extremamente positivo, capaz de propiciar além de

experiências cognitivas o despertar para uma série de situações em que a arte

pode funcionar como mediadora.

Neste sentido, o ensino da arte em locais onde as estruturas são mais

flexíveis, sem comprometimento com os aspectos formais da educação (escolar)

pode ser desafiador, possibilitando outra visão de arte a quem teve um ensino

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muito limitador e reprodutor ou mesmo, pouco contato com as artes em suas

diferentes modalidades, especialmente voltado para adultos. Esta inserção numa

visão alinhada com novas necessidades presentes no mundo pós-moderno é

urgente e contributiva ao desenvolvimento social e cultural dos grupos sociais.

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245

Capítulo IV

Desvendando os mistérios das histórias, dos

diálogos e dos fazeres

Durante este percurso investigativo houve muitos momentos que fizeram

com que eu pensasse: e agora o que virá? Este questionamento fazia sentido à

medida que me sentia submergida em uma grande rede, em uma teia que

indicava inúmeras possibilidades e que me fazia pensar na experiência

investigativa como um grande mistério, composto de uma trama ardilosa e sagaz

que ia acontecendo diante dos meus olhos, enquanto as mãos, mergulhadas no

barro, moldavam e mediavam histórias, enquanto os diálogos relatavam pedaços

da vida.

Mas muito mais que ter um mistério a ser desvendado, via-me mergulhada

em um grande desafio, o de por meio desses fragmentos, recortes, cenas,

pedaços, ser capaz de construir uma nova trama, um novo olhar, uma nova

história, constituindo assim uma grande narrativa. Para isso, foi necessário,

dedicar atenção ao material produzido durante este percurso. Enfim, foi

necessário lançar um olhar aguçado que me permitisse promover um cruzamento

em que o olhar investigativo, a teoria e as experiências fossem capazes de dar

sentido a todo o vivido e experimentado.

Assim, este capítulo destina-se à tematização do material coletado e à

análise interpretativa desses dados.

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246

44.1 Uma história a ser escrita: tematizando o material

coletado

O processo de tematização dos materiais coletados foi uma etapa que

esteve ligada a dois momentos desta investigação. Em primeiro, originários das

relações estabelecidas com os objetivos investigativos, evidenciando aspectos

que impulsionaram as ações no campo. Em segundo, percebendo os temas que

emergiram e se entrelaçaram ao próprio contexto, a partir dos aspectos que foram

sendo evidenciados durante a minha inserção no campo e na coleta dos

materiais.

A discussão central nesta investigação situou-se nas observações sobre os

tipos de reflexões e narrativas a respeito de Identidades Femininas que poderiam

emergir em um contexto de Educação Não Formal de fazeres ou de práticas

artísticas com cerâmica. E este é o nó que me proponho a desatar neste capítulo.

Tendo em vista a complexidade do tema abordado e as inúmeras

possibilidades e caminhos que poderiam ser percorridos, optei por partir das

áreas temáticas que já se pré-anunciavam com muita relevância neste estudo,

constituindo assim três grandes nichos que se constituíram como o fio condutor

para realizar os aprofundamentos e análises. As temáticas centrais emergentes

foram: As Identidades Femininas; Os fazeres ou práticas artísticas; A

Educação Não Formal. No entanto, cada uma possui desdobramentos a que

denominei de subtemas.

O esquema a seguir procura elucidar as relações estabelecidas entre o

objetivo geral, o contexto e os objetivos específicos, que resultaram nas temáticas

de análise.

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247

CConstituição dos temas para a análise

Cada um desses temas foi aprofundado levando em conta o material

produzido e coletado ao longo de minha inserção no campo, proporcionando

desdobramentos que auxiliaram contemplar de maneira mais especifica aspectos

relevantes e particularidades observadas no material coletado. Assim, conforme

indicado no esquema acima, Identidades Femininas divide-se em quatro

subtemas de análise: Narrativas sobre as Identidades Femininas, Posturas

Narrativas Reveladoras, Reflexões e Rupturas e Desvelamentos do Cotidiano. O

CAPÍTULO V Histórias que se

cruzam: reflexões sobre Identidades

Femininas a Educação Não Formal e o Ensino

da Arte.

CONTEXTO

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tema Espaço de fazeres ou práticas artísticas aborda três subtemas: Fazeres

Narrativos, Motivações Criadoras e Fazer(se)es. E o terceiro tema é a Educação

Não Formal que foi subdividido em dois momentos, por um lado originando o

subtema: Relações do ensinar e aprender na Educação Não Formal e, por outro

lado, possibilitando a constituição do Capítulo V - Histórias que se cruzam:

reflexões sobre Identidades Femininas, a Educação Não Formal e o Ensino

da Arte.

A seguir apresento os temas e suas subdivisões relacionando-as aos

objetivos investigativos e posteriormente procedo a análise interpretativa de cada

um dos temas e subtemas.

44.1.1 Identidades Femininas a partir do contexto estudado

A questão das Identidades Femininas é central neste trabalho investigativo

e num espaço onde mulheres agem, interagem e reagem são muitos os pontos

evidenciados pelos diferentes materiais de coleta de dados, enriquecidos pelas

minhas percepções decorrentes da inclusão no contexto investigado.

Identidades Femininas é um tema que está indicado no objetivo geral desta

investigação ao questionar “se o espaço do atelier de cerâmica possibilita

reflexões e narrativas sobre as Identidades Femininas” e também com o objetivo

específico de “perceber de que forma este espaço de convívio coletivo repercute

nas concepções sobre Identidades Femininas”.

Sendo a questão das identidades tão “móvel”, como afirma Hall (2005), em

vista das mobilidades sociais presentes na pós-modernidade, parece-me presente

que a “Identidade Feminina” está ainda muito cristalizada num sentido de

separação de papéis entre o feminino e o masculino e em partes ainda se

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249

desconsidera a existência das “Identidades Femininas” sob a ótica da

multiplicidade de realidades, contextos, culturas, geografias, subjetividades, entre

outros aspectos que estão em jogo quando tratamos deste tema.

A partir do tema Identidades Femininas, evidenciaram-se aspectos

específicos abordados através dos subtemas, já enunciados: Em Narrativas

sobre Identidades Femininas procurei perceber como e quando as identidades

das mulheres do atelier são expressas em seus diálogos e narrativas, buscando

entender suas peculiaridades e como elas narram essas identidades. Relaciona-

se também com objetivo específico que é o de “dar voz às mulheres,

oportunizando visibilidade às histórias, diálogos e fazeres” que surgiam em meio

às atividades produzidas no atelier e, ainda, com outro objetivo específico, que é

o de “observar como as narrativas (orais e visuais) construídas individualmente e

coletivamente se articulam com o seu cotidiano”, expressas em narrativas e

relatos que dizem de suas concepções, de como elas foram criadas, como os pais

as tratavam, como elas viam o matrimonio, como eram e como são seus

casamentos, enfim, como elas relatam suas vidas.

As Posturas narrativas reveladoras refere-se aos aspectos que foram

percebidos sutilmente e muitas vezes de forma explícita ou velada, como o

gestual, os silêncios, as negações, as evasivas expressas, ou não63, durante as

reflexões e narrativas, já que podem também se constituir de aspectos percebidos

no decorrer das observações. Diz respeito às perspectivas que se mantêm

arraigadas, às posições pré-determinadas sobre as Identidades Femininas e que

63 Conforme afirma Giard (1994), em História de uma pesquisa, ao fazer a apresentação da obra de Michel de

Certeau “A Invenção do Cotidiano” (1994), “Para conhecer, em seus detalhes ocultos os gestos de cada dia,

pensamos em recolher com mulheres idosas e em situações diversas (...) Pensava-se em ganhar a confiança

no diálogo para que aflorassem aos lábios lembranças, receios, reticências, todo um não-dito de gestos de

mão, decisões e sentimentos que presidem em silêncio ao cumprimento das tarefas do cotidiano” (p. 26).

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muitas vezes, não puderam ser expressas porque as mulheres tiveram poucas

oportunidades de terem voz e, conforme Garcia (1998), suas ações e palavras

foram ignoradas ao longo da história. Neste sentido, o controle sobre suas ações,

e muito mais sobre suas falas, estimulou ao silêncio. Este subtema, além de

atender ao objetivo geral atende, também, o objetivo de “perceber de que forma

este espaço de convívio coletivo repercute nas concepções sobre Identidades

Femininas destas mulheres”.

As Reflexões e rupturas evidenciam de que maneira as narrativas

refletem suas posições, observando o que elas contam nestas narrativas, como

elas deixam transparecer suas ideias e como idealizam aquilo que elas gostariam

que fossem suas vidas, como tentam refazê-las e como constroem seus sonhos

de uma identidade diferente em relatos do tipo: “...se fosse hoje...” Este subtema

está apoiado no objetivo de “observar como as narrativas (orais e visuais)

construídas individualmente e coletivamente articulam-se com o cotidiano”. Busca

observar as críticas e questionamentos que são revelados em suas narrativas

estimuladas pelas novas ideias em relação às Identidades Femininas a partir dos

movimentos ocorridos especialmente na segunda metade do século XX (Domingo

2001, Bravo, 2003). As rupturas acontecem em decorrência de acompanharem

uma nova ordem nas concepções a respeito de gênero e identidade e a partir

disso, refletem sobre as possibilidades de transformar ou mesmo de tentar romper

com suas amarras e perspectivas que foram operando mudanças em suas formas

de pensar, mesmo que hipoteticamente.

Desvelamentos do cotidiano é um subtema que emergiu a partir da

proposta dos objetivos específicos no sentido de ouvir as vozes destas mulheres

a respeito de seus cotidianos. Também, observando mais atentamente a questão

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da natureza das relações que são estabelecidas no atelier entre elas, como elas

atuam no atelier e as narrativas sobre o seu dia a dia, muitas vezes, evidenciaram

aspectos pertinentes e importantes que possibilitaram refletir sobre o seu mundo,

suas práticas aparentemente insignificantes, suas estratégias do viver (Certeau,

1994) e de como conseguem racionalizar suas elaborações, suas pequenas

intimidades que, muitas vezes não são perceptíveis, mas que estão presentes na

construção de suas Identidades Femininas. Com o termo cotidiano, não pretendo

travar um embate epistemológico e sim, adotá-lo no sentido do que diz Certeau

(1994), de que o cotidiano é abordado enquanto movimentos, rupturas e

continuidades que são assumidas pela existência social. “Trata-se de abrir o

cotidiano ao histórico, ao político, ao social” (Tedesco, 1999, p.28). Enfim, é

considerar o cotidiano como parte importante da vida das pessoas e da mesma

forma, como um aspecto de grande relevância para este estudo.

44.1.2 O atelier como espaço de fazeres ou práticas artísticas

Espaço de fazeres ou práticas artísticas é o tema que procura focar o

atelier enquanto “espaço” (Certeau, 1994) onde se produz um fazer que é

inerente ao fazer artístico, ao fazer relações e ao fazer-se a si. Para isto

respaldei-me nas teorias que fundamentam a Investigação Narrativa (Connelly y

Clandinin, 1995; Bolívar,1998, 2002; Larrosa, 1995) e na “teoria do “relato”

inseparável de uma teoria das práticas que é central em Certeau” (Giard, 1994).

Este tema relaciona-se novamente com o objetivo geral da pesquisa que é

“investigar como ocorrem os fazeres ou práticas artísticas, desenvolvidos num

espaço de Educação Não Formal (atelier de cerâmica)” e, ainda, com o objetivo

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específico de “verificar que tipo de fazeres ou práticas artísticas ocorrem no atelier

de cerâmica”.

Sob esta ótica, os subtemas que emergiram foram: Fazeres narrativos,

onde procurei refletir sobre até que ponto as Identidades Femininas se revelam

através dos fazeres ou práticas artísticas e se estes fazeres podem, de alguma

forma, contar histórias e quais seriam elas. Este subtema é oriundo também, dos

objetivos específicos de “observar como as narrativas (orais e visuais) construídas

individualmente e coletivamente se articulam com o cotidiano” e de “verificar que

tipo de fazeres ou práticas artísticas ocorrem no atelier de cerâmica”.

Este último se relaciona também com questões específicas que dão origem

a outro subtema, Motivações Criadoras presentes no ato de fazer cerâmica e

que foi apresentado pelas mulheres ao longo da coleta dos materiais. Este

subtema busca refletir sobre a narrativa que a produção cerâmica das mulheres

apresenta, observando o quê elas produzem, para conhecer as motivações e

seus processos do fazer cerâmica que envolve a criação ou reprodução de suas

peças.

Motivações criadoras está relacionado tanto com o objetivo geral da

investigação como também com os objetivos específicos de “observar como as

narrativas (orais e visuais), construídas individualmente e coletivamente,

articulam-se com o cotidiano” e o de “verificar que tipo de fazeres ou práticas

artísticas ocorrem no atelier de cerâmica”.

Fazer(se)es é um termo que está presente no título desta tese, e ao longo

da investigação foi adquirindo representatividade por articular-se com questões

intrínsecas desta pesquisa como os aspectos subjetivos que os “fazeres”

possuem como possibilidade para conhecer as perspectivas das mulheres e

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também, como o espaço e as relações poderiam evidenciar as questões

relacionadas às Identidades Femininas. Referendando Shirai (2012), os fazeres

hoje estão sofrendo um processo de “reinvenção” e podem ser entendidos como

recursos para manifestar posições, inconformismos e novos jeitos de pensar. No

caso desta investigação, a resistência e o inconformismo estão ligados

especialmente às reflexões sobre as Identidades Femininas, onde os fazeres

resultam em fazer(se)es.

Como subtema, os fazer(se)es busca abordar as construções subjetivas

que puderam ser observadas à medida que as relações, os diálogos, as

narrativas e relatos acompanhavam o fazer manual do atelier. Enquanto as mãos

dedicavam-se ao fazer e executavam um trabalho com a cerâmica, ocorriam

também as construções internas, as reelaborações íntimas motivadas e

estimuladas pelas trocas entre as participantes. Assim, entre os diálogos e os

fazeres foi também uma maneira de irmo-nos “fazendo”, de irmo-nos construindo

e desvelando nossas perspectivas e percepções sobre as Identidades Femininas

e sobre o mundo.

44.1.3 A Educação Não Formal no atelier de cerâmica

O atelier de cerâmica, onde circulavam histórias e fazeres também dava

lugar aos saberes e, deste espaço, emergem aprendizagens e conhecimentos,

como diz Trilla (1998, p. 28), apartados das formas canônicas e convencionais da

escola.

O tema Educação Não Formal está vinculada tanto com o objetivo geral

da pesquisa como também com o objetivo específico que é o de “apontar as

possibilidades de relações de Educação Não Formal com o Ensino de Arte na

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254

contemporaneidade”. As questões envolvendo Educação Não Formal foram

analisadas levando em conta as incursões de todas as participantes no contexto

do atelier e em como as características desta modalidade educativa foram sendo

evidenciadas neste espaço, também, ao serem relacionadas com o Ensino da

Arte na atualidade. Procurei observar se o atelier propicia adequação aos

objetivos e características da Educação Não Formal considerando os critérios

metodológicos (que rompe com a definição de espaço e tempo da escola) e

estruturais (não hierarquizado e não graduado, dentre outros) apontados por Trilla

(1998) e deste, deste modo, geraram o subtema Relações do ensinar e

aprender na Educação Não Formal.

No entanto, as questões e problemáticas envolvendo a Educação Não

Formal e o Ensino de Arte foram sendo ampliados ao longo da investigação,

foram ganhando maior representatividade e este fato me conduziu a uma

importante tomada de decisão, tendo em vista o aprofundamento destas

discussões que deram origem ao Capítulo V - Histórias que se cruzam:

reflexões sobre Identidades Femininas a Educação Não Formal e o Ensino

da Arte que busca discutir como a trama entre estes elementos é formada

observando de forma mais específica, a postura da educadora não formal

personificada na figura de Isa, a professora e como a construção de sua

identidade, suas experiências e vivências repercutem na sua prática docente.

44.2 Análises e aprofundamentos

Na continuidade deste trabalho, passarei a aprofundar os temas e

subtemas expostos através das análises interpretativas do material coletado.

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255

44.2.1 Identidades Femininas no contexto do atelier

Durante as etapas que antecederam a escrita desta tese, e antes mesmo

de iniciar as análises dos materiais produzidos ao longo de minha inserção no

campo, uma das dúvidas presentes e que despertavam muita preocupação, era

se realmente as narrativas sobre Identidades Femininas emergiriam e teriam

consistência suficiente para gerar discussões e ser o tema norteador desta

investigação, oferecendo subsídios para uma profunda contribuição nesta linha de

pesquisa.

Seguindo a mesma lógica empregada na definição do conceito de

identidade, as Identidades Femininas (Louro, 2000) são forjadas de maneiras

múltiplas e distintas em função de uma série de fatores que atravessam o sujeito,

da mesma forma que, as diferentes situações, instituições e agrupamentos sociais

exercem sua força. Assim, “Reconhecer-se numa identidade supõe, pois,

responder afirmativamente a uma interpelação e estabelecer um sentido de

pertencimento a um grupo social de referência” (Louro, 2000, p.11)

Mesmo tendo em vista este posicionamento, a dúvida persistia, haja vista a

linha tênue que divide as banalidades de questões que pudessem gerar

conhecimento e novas reflexões sobre as Identidades Femininas. Porém tenho

presente que uma linha de pesquisa qualitativa, apoiada no Construccionismo

Social, deve levar em conta outra lógica de investigar, diferente das lógicas

fundamentadas em linhas tradicionais de investigação, o que atualmente vem

ganhando cada vez mais representatividade, tanto no cenário acadêmico, como

fora dele, onde se procura estudar sobre os jeitos de ser, de viver, de fazer de

pessoas comuns, que fazem parte do cotidiano. Além disso, considerar as vozes

de mulheres que historicamente, haviam sido relegadas “a não terem voz e nem

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vez”, porque a voz masculina era a que valia, foi um desafio e ao mesmo tempo

um encontro com as minhas posições enquanto mulher.

Ao iniciar a análise do material coletado fui reforçando minhas convicções

de que ali existia uma riqueza e uma multiplicidade de posições que validavam os

objetivos propostos, fornecendo um vasto subsídio ao que passo a escrever, pois

são muitos os momentos em que as participantes trouxeram à tona sua

constituição histórica e sua vida vivida como mulheres.

44.2.1.1 Narrativas sobre Identidades Femininas

As narrativas sobre Identidades Femininas constituíram-se como uma

marca importante desta experiência investigativa justamente por possibilitar a

reflexão sobre as experiências vividas como recurso para conhecer o outro lado

da linha histórica até pouco tempo vigente. A que excluía as perspectivas vindas

das experiências oriundas do cotidiano das mulheres, dos espaços privados e

quase invisíveis.

A visibilidade das narrativas de mulheres aparece como uma preocupação

recente, segundo Garcia (1998), quando se constata que as fontes escritas eram

bastante exíguas, o testemunho oral foi ganhando mais representatividade se

constituindo como meio de construir a história das mulheres através de suas

narrativas de vida e da pesquisa biográfica.

(...) a história oral tem sido percebida como uma abordagem cuja articulação com a história das mulheres é bastante estreita, uma vez que os arquivos reservaram pouco espaço às mulheres, justamente porque sempre privilegiaram a cena pública – a política, a guerra, a economia – onde elas pouco aparecem. Essa ausência se amplia pela carência de pistas, de fontes, de registros primários com os quais se nutrem o historiador. (Garcia, 1998, p. 16).

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Refletindo sobre o que afirma Michelle Perrot (1989) “No teatro da

memória, as mulheres são sombras tênues”, considero o atelier de cerâmica não

como simplesmente um lugar (Certeau, 1994) onde se faz cerâmica, mas, ao

contrário, constitui-se um rico palco onde se expõe o que a memória histórica e

registrada negou. As mulheres do atelier não são sombras fantasmagóricas e

fluidas, pois ali têm voz e vez, não apenas para representar, mas, sim, para atuar,

para ser e para fazer(se)es.

Tendo em vista as narrativas que emergiram durante as conversas

observadas e gravadas no atelier e os aspectos rememorados pelas participantes

a opção por adotar o termo “Identidades Femininas” no plural, que além de estar

fundamentado na teoria, foi se revelando como um aspecto imprescindível

também na prática, já que naquele pequeno grupo de mulheres eram perceptíveis

as múltiplas identidades provenientes de particularidades como os diferentes

contextos de procedência, as diferentes experiências vividas e a que foram

submetidas.

Em uma das conversas registradas no diário de campo algumas das

mulheres relataram quais eram suas perspectivas quanto às suas experiências

educativas. Nines contou que,

(...) sua vida foi dedicada a cuidar da casa, que estudou em escola de freiras e

que foi educada para ser dona de casa. Que na escola elas eram muito

castigadas pelas freiras e que qualquer coisa era motivo para estarem castigadas

e terem que ficar horas passando roupas ou bordando (...). (Fragmento do Diário

de Campo)

Charini, outra participante, também confirma esta mesma perspectiva

quanto à educação:

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“Muchos días ellas nos decían que estábamos castigadas e nos tocaba quedar

después da hora, en el invierno perdía el autobús y tenía que ir a casa

caminando. Era tremendo lo que nos hacían, por todo estábamos castigadas. Era

tremendo!”. (Charini)

Estes fragmentos evidenciam algumas questões relevantes para entender

a visão de educação para as mulheres dessa geração e qual teria que ser a

finalidade da mesma. A educação respaldada pela orientação religiosa estava

direcionada para um tipo de vida específico, ou seja, de tornarem-se donas de

casa, esposas e mães, tendo forte impacto na constituição das Identidades

Femininas que as mantiveram engessadas em postulados mantidos ao longo dos

tempos e que privilegiavam a manutenção da sociedade em que homens

preservavam o posto de agentes públicos, enquanto às mulheres cabia a esfera

privada, dos silêncios e abnegações.

Nas considerações de Domingo estas questões são explicitadas ao afirmar

que:

(...) los conocimientos que se consideraban necesarios a las futuras madres, conocimientos prácticos y útiles a la familia. Entre ellos cumplirían un papel fundamental las “labores propias del sexo”. Estos conocimientos prácticos se acompañaron de mensajes morales dirigidos a la asunción de su papel. Como elementos esenciales dirigidos a la interiorización del papel subordinado de las mujeres hay que destacar la importancia que se dio al silencio y la limitación as deseo de saber. (2001, p.51).

Este modelo educativo perdurou por boa parte do século XX advindo do

século anterior em que os labores próprios do sexo estavam no centro do

currículo “Los contenido se centran en los trabajos domésticos acompañados de

constantes conceptos y normas morales. Sólo aparecen esporádicas

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informaciones muy elementares de botánica, zoología, higiene, etc.” (Domingo,

2001, p.52).

A relação do “ser castigada” com os “labores próprios do sexo” é um

aspecto que também se evidencia com o tipo de vida que as mulheres se

preparavam para ter, em que para ser uma boa esposa, mãe e dona de casa era

necessário dominá-los, mas ao mesmo tempo, a educação que elas recebiam

funcionava como uma forma de punição por seus “delitos”,

La asociación originaria de las “labores propias del sexo” con la “aguja”, distrae y oculta, en definitiva, lo que es sin duda el contenido fundamental de estos aprendizajes: el servicio, la contribución abnegada y gratuita de las mujeres a la felicidad de los otros, que pervivirá, a través de estas enseñanzas, cuando ya los textos dejen de explicar el mensaje. La denominación de “labores” a estos trabajos servía para que no se olvidara que se trata de un servicio que había que asumir como propio.” (Domingo, 2001, p.53).

Assumir o trabalho de casa como sua responsabilidade tinha uma

importante função, já que possibilitava manter as estruturas tais como eram já que

“se admitía que la ocupación de las manos era la fórmula de evitar que se

dedicasen a pensar” (Domingo, 2001, p. 53) deixando claro que para mulher

pensar não era necessário, pois ao homem cabia este papel.

Desde a mais tenra idade, já se delegava às filhas as tarefas da casa tanto

como meio de auxiliar a mãe nos trabalhos, como também de definir o seu papel.

Essa questão respalda o que contou Nines:

(…) “Con trece años, catorce yo me dedicaba a comprar, a fregar a guisar, mi

madre cocía en casa y ella se ponía en la maquina nada más levantarse y todo el

día, y todo el trabajo era para mí. Y luego además cuando terminaba las labores

de la casa tenía que ayudar a cocer hasta la una o a las dos de la mañana sin

poder salir a jugar ni hacer nada” (…). (Nines)

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Nines ainda conta que sua mãe necessitava ajudar na economia da casa e

por isso, elas costuravam para fora, então a ela, como filha mais velha, enquanto

a mãe se ocupava da costura, restava assumir as tarefas domésticas, cuidar da

irmã menor e depois tinha que ajudar na costura.

A relação existente entre as mulheres e o ato da costura, por exemplo,

aparece ao longo de toda a história. Domingo (2001) conta que na Idade Média já

havia mulheres que queriam se desvencilhar de tarefas como o tecer e o fiar.

Segundo a autora, este simbolismo feminino é consequência de que estas

atividades eram as únicas designadas às mulheres que possuíam um caráter

mais produtivo e durável frente às tarefas reprodutivas, efêmeras e que

necessitavam constante manutenção. Foram justamente estas tarefas que

permitiram alguma projeção às mulheres, já que diferentemente dos trabalhos e

afazeres domésticos, esta resultava em um produto que advinha do seu trabalho.

A separação entre o público e privado se acentuou a partir do final do

Século XIX (Garcia, 1998; Perrot, 1989) o que contribuiu para que no Século XX a

segregação sexual fosse ainda crescente, em que o “culto à domesticidade” se

consolidasse valorizando a função feminina no espaço doméstico.

Assim, mesmo que as mulheres exercessem uma atividade com finalidade

econômica, elas se mantinham no reduto doméstico e esta atividade era uma

extensão de suas responsabilidades com a vida familiar.

Em relação à educação, pode-se perceber as diferenças e a pouca

escolarização das mulheres:

(…) “Entonces te educaban para ser ama de casa y claro, no estudié ni nada,

nada más que cumplir los catorce años ya salir del colegio con las cuatro

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reglas…sumar, multiplicar, restar y dividir, los quebrados, empezábamos a hacer

los quebrados, algo de raíz cuadrada, pero ya lo dejé y dedicada a la casa” (…).

(Nines).

Conforme afirma Garcia, quando iam à escola, as noções básicas do “ler

escrever, saber as quatro operações mais a doutrina cristã” eram destinados a

meninos e meninas, mas logo se diversificavam: os meninos aprendiam “noções

de geometria” e as meninas, “bordado e costura” (1998, p. 46).

Pela ótica social, a mulher era considerada frágil e por isso precisava ser

protegida e controlada, com isso, expor as mulheres a atividades fora do âmbito

doméstico poderia representar um risco. Também, entra aqui uma importante

questão, a de que não havia espaço para questionamentos, já que se aceitava

que aquela era a ordem natural da vida, mesmo que houvesse mulheres que

levassem outro tipo de vida, desvencilhadas do âmbito doméstico, eram

consideradas as exceções em uma situação transitória ou vulgar.

Mesmo o trabalho das jovens das camadas populares nas fábricas, no comércio ou nos escritórios era aceito como uma espécie de fatalidade. Ainda que indispensável para a sobrevivência, o trabalho poderia ameaçá-las como mulheres, daí o exercício de tal forma que não viesse afastá-las da vida familiar, dos deveres domésticos e da maternidade (Garcia, 1998, p.69).

Este aspecto é bastante significativo colocado em relação ao que conta

Charini:

(...) Charini disse que o pai queria que ela fosse aprender datilografia porque

queria que ela fosse secretária, mas a mãe insistiu que ela fosse aprender com as

freiras a bordar, então todas as tardes depois da escola ela ficava com as freiras

para que elas ensinassem a bordar (...). (Fragmento do Diário de Campo).

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No relato de Charini é possível observar como as estruturas eram

mantidas e preservadas pela figura materna. Enquanto o pai queria que ela se

preparasse para o mercado de trabalho, ao aprender datilografia, a mãe insistia

que ela aprendesse a bordar. As estruturas em que as mulheres estavam

inseridas não davam margem para que houvesse a possibilidade de mudança e a

figura materna se encarregava de que as filhas mulheres fossem preparadas para

assumir a mesma vida que elas haviam vivido, já que também à mulher cabia a

função de educar e certificar-se que a sua filha seria capaz de reproduzir o

mesmo comportamento em sua família.

Nines conta que:

(...) elas eram orientadas a tomar banho com roupa, já que tudo que era

relacionado ao corpo era feio e que mesmo depois de adulta ela tinha vergonha

de sair com os braços de fora, por exemplo. (...). (Fragmento do Diário de Campo)

As ideias relacionadas ao corpo eram difundidas sob uma ótica do proibido,

imoral, como algo feio e que não devia ser explorado nem como forma de

autoconhecimento, muito menos devia ser exposto e sim, que devia ser reprimido

e escondido. Este aspecto se constitui como uma marca do tipo de educação

regida pela religião católica. No relato de Nines é possível perceber o alcance que

este tipo de educação possuía, já que ela conta que mesmo depois de adulta

tinha vergonha de sair com os braços de fora, com a sensação que estava

fazendo algo errado. Outro fato narrado por ela durante um dos encontros é que

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quando ela ficou grávida, sentiu muita vergonha já que todas as pessoas

saberiam que ela tinha mantido relações sexuais.64

Louro (2000) traz algumas contribuições para refletir sobre este aspecto,

ao dizer que:

"Viver" plenamente a sexualidade era, em princípio, uma prerrogativa da vida adulta, a ser partilhada com um parceiro do sexo oposto. Mas, até chegar esse momento, o que se fazia? Experimentava-se, de algum modo, a sexualidade? Supunha-se uma "preparação" para vivê-la mais tarde? Em que instâncias se "aprendia" sobre sexo? O que se sabia? Que sentimentos se associavam a tudo isso? (p. 7).

Estas colocações são pertinentes se colocadas em relação ao relato de

Nines, que afirma que a educação conduzia para um total despreparo para

vivenciar tal etapa da vida que, muitas vezes, resultava numa total inibição

enquanto pessoa.

“Sí, me encanta lo trato con las personas, lo que pasa que era tan tímida, tan

introvertida no sentido de que todo me daba vergüenza, yo no me atrevía, las

veces…” (Nines)

Louro (2000), ainda salienta outro aspecto importante, que é a

dependência destas questões com inúmeros outros fatores tais como: geração,

raça, nacionalidade, religião, etnia, entre outros que seria a guisa responsável por

entender como tal problemática ocorria de formas diferentes.

64 Nines teve um texto seu publicado em um periódico realizado pela Associação de Mulheres a qual faz

parte, em que refletia sobre a construção de sua sexualidade, das repressões sofridas e de como ao longo do

tempo, foi mudando o seu posicionamento. Os temas tratados por Nines em seu texto são extremamente

pertinentes para esta investigação, mas por razões éticas, já mencionadas anteriormente, a fonte desta

publicação não será divulgada a fim de preservar a identidade de Nines.

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Mas, sobretudo, mais que cuidado, essa postura revela o temor e o medo

de que as filhas, ao serem expostas ao contato com homens, pudessem ter suas

virtudes perdidas, medo de serem “mal faladas”, medo de uma gravidez, medo de

que as filhas não fossem respeitáveis, medo que se desviassem do caminho que

as conduziria ao matrimônio e que as tornaria, esposas e mães de família.

Em outro fragmento do relato de Nines essa preocupação fica perceptível:

(…) “Y el tener novio, tan poco podías elegir mucho, porque tan poco podrías

tener amigos, o sea, tener amistades, como eras joven tu padre te veía hablando

con un chico…que viene mi padre, que viene mi padre…como sí tu estuviera

haciendo algo malo…mírate que juventud… ¿no?”(…). (Nines).

A partir deste relato, é possível refletirmos sobre um importante

componente observado nas narrativas das mulheres, que é a construção dos

discursos que consolidaram e conduziram um fator primordial das Identidades

Femininas dentro das práticas sociais em relação ao matrimônio.

Como já dito, no contexto histórico e social em que estavam inseridas

algumas das participantes desta investigação, as mulheres eram criadas para

serem donas de casa, esposas e mães e neste sentido o casamento se constituía

como um dos elementos de maior relevância e que marcava a consolidação deste

“ideal” de vida.

Segundo Garcia (1998, p. 49) o matrimônio era a “porta de realização

feminina, como objetivo de vida de todas as jovens solteiras”. Este ideal

vislumbrado pelas mulheres transparece no fragmento do relato de Nines:

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(…) “Estábamos destinadas a encontrar un marido, casarte y criar los hijos, era

nuestra misión en la vida. Y yo pensaba que era así, porque estaba educada a la

antigua”. (…). (Nines).

Ainda, dentro dos padrões sociais a etapa do namoro também se constituía

como uma fase da vida das mulheres marcada por muita repressão e guiada por

uma série de regras que deviam ser cumpridas, conforme Garcia (1998) o namoro

não devia durar muito, caso contrário, levantava suspeitas sobre as verdadeiras

intenções do rapaz e tão pouco não era favorável à reputação da moça que podia

ficar “mal falada” e ser alvo de fofocas.

(…) “Y luego, claro, cuando te echas novio, piensas, bueno lo lógico es tratarte un

poco para ver se es el hombre de tu vida o no, pues que pasa, como te vas dejar

el novio luego te criticaban, sí dejabas un novio y tenías otro, la que había tenido

dos o tres novios, bueno, iban de boca en boca, era horrible, era vivir dentro de lo

que dirán, de lo que dirán…” (…). (Nines).

Este aspecto é respaldado no que diz Garcia:

Ficava mal à reputação da moça, por exemplo, usar roupas muito ousadas, sensuais, sair com rapazes diferentes. Os mais conservadores ainda preferiam que elas só andassem com rapazes na companhia de outras pessoas – amigas, irmãs, parentes, os chamados “segura-velas” (1998, p. 50).

Com base nas narrativas sobre as Identidades Femininas de Charini e

Nines é possível refletir sobre a forma como as representações e as imagens de

gênero foram atribuindo significados aos processos e às pessoas no

desenvolvimento das práticas sociais.

Nash (2006) oferece importantes considerações a este respeito ao apoiar-

se no que diz Hall (2005) sobre o grande impacto que o sistema de

representações para a configuração da sociedade exerceu. Segundo esta visão,

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as representações estão relacionadas com o cultural e com a significação que

estas dão à cultura, já que transmitem valores coletivos que são compartilhados e

que são responsáveis por construir as imagens, as regras, os padrões do grupo

social. A autora ainda acrescenta que a visão defendida por Hall (2005) contribui

de maneira significativa nos vínculos que ele estabelece entre as estratégias

discursivas e as práticas sociais.

En este sentido, las estrategias discursivas de la alteridad de género, que reiteran visiones negativas, pueden favorecer no sólo la negación o la anulación y erosión cultural de las mujeres, sino también justificar prácticas discriminatorias. (Nash, 2006, p. 41).

Estabelecendo relações com o âmbito em que se desenvolveu esta

investigação, entende-se que no contexto cultural em que algumas das

participantes estavam inseridas, a consolidação da imagem das mulheres estava

baseada nos discursos engessados e estagnados, herança do século XIX, que

entre outras questões, assegurava que as mulheres continuariam a manter e

reproduzir o padrão vigente até aquele momento: uma sociedade criada por e

para homens e que tinha na mulher a figura responsável por sua manutenção.

Isto se respalda na postura da mãe de Charini, quando a impediu de aprender

datilografia e optou por fazê-la aprender a bordar.

Esta questão também fica evidente no relato de Nines, que entre as

mulheres é uma das participantes que deixou transparecer em suas narrativas

este tipo de construção identitária com maior contundência.

(…) “No vivíamos la vida que queríamos nosotras, no quiero decir toda la

juventud, porque había jóvenes que eran muy independientes que tenían su

carácter y se oponían a su familia. Yo no, yo estaba criada muy…en un ambiente

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machista y además que pensaba que era normal, a ni me planteaba, pues todo

me parecía bien” (…). (Nines).

Assim, como Nines e Charini, muitas outras mulheres também não

questionavam o fato da vida ser para elas como era. A abnegação e aceitação

das “normas e regras” impostas pelo contexto cultural e social em que viviam era

também uma prerrogativa de virtude, pois como bem comenta Nines, ela era

obediente, não questionava porque isso parecia ser o normal, o natural. Também

através de suas palavras é possível compreender que se tratava de um momento

específico, em que a história, a cultura e os processos sociais aparecem como

representativas “das narrativas sobre as Identidades Femininas”, mas que não

podem ser consideradas como definidoras das experiências e vivências de

“todas” as mulheres, já que isso seria impossível de abarcar.

Mas, também, foi percebido que o desenvolvimento de discursos,

sobretudo em relação à alteridade de etnia e gênero (Nash, 2006), corresponde à

lógica semelhante do século XIX, momento significativo da expansão colonial

europeia e em que o sistema de gênero se consolidava na Europa.

Estos discursos sobre el otro, que modelan la alteridad en términos de raza o género, se basaban en la representación cultural de la diferencia humana a partir del establecimiento de una diferencia absoluta de base biológica, transformándola en característica natural y social. La representación del “hombre blanco europeo” como sinónimo de la norma, así como de sujeto universal, en el pensamiento político y social occidental fue construida, en gran medida, como marco de referencia definitorio en relación a los “otros”. (Nash, 2006, p. 42).

Considero que os discursos e as representações responsáveis por

consolidar o “homem branco europeu” como sinônimo da “norma” se propagou

por quase todos os continentes, já que é possível perceber que em muitos outros

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países, especialmente no Brasil, as narrativas sobre as Identidades Femininas se

assemelham e até mesmo se reproduzem com grande proximidade ao que

ocorria na Europa. Acredito que isso se deveu às correntes e fluxos migratórios

que ocorreram, principalmente, durante grande parte dos Séculos XIX e XX, da

Europa para outros países, em que os colonizadores levaram em sua bagagem

estas representações, deixando-as como legado na formação cultural desses

povos.

Embora considerando este aspecto como algo relevante, é importante

também, ter em conta que as experiências que constituem a esfera das

Identidades Femininas devem ser vislumbradas sob o ponto de vista da

singularidade e da experiência individual, que embora norteada por inúmeros

fatores como o seio familiar, situação econômica, cultura, religião, entre outros,

possui duas facetas, uma, a de mulheres que compartilharam o mesmo tipo de

experiência, frente a outras que as vivenciaram de forma mais branda. Este

pensamento reforça a posição adotada nesta investigação, que é a de abordar as

“Identidades Femininas”, em função da multiplicidade de realidades que podem

ser contempladas e que abarca tal conceito.

Da mesma forma, é importante considerar que as construções identitárias,

foram “(...) algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes,

e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento.” (Hall,

2005, p.38) e que ainda estão sendo construídas sobre bases móveis, que vão se

ajustando, transformando e adequando ao movimento e à evolução dos

discursos.

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Já que a identidade não pode ser vista como algo acabado, Hall (2005)

considera que o mais coerente seria falar de identificação, já que deve ser vista

como um processo em andamento.

Neste sentido, Nines deixa transparecer em seu relato algo que auxilia a

pensar nesta direção:

(…) “y luego, claro cuando ido me dando cuenta de lo que es la vida, pues he

dicho no, no, esto se no está bien para mí no está bien para los demás y se está

bien para los demás está bien para mí, o sea, no he sido tan poco egoísta, lo que

es para mí… no, no, compartir, compartir todo.” (Nines).

Nines, ao dar-se conta da estrutura e dos discursos responsáveis por

condicionar as suas experiências, passa a considerar que eles podem ser

mudados e assim como eles, sua identidade passa a se transformar também.

Com isso, nos certificamos de que existe um processo de constante

transformação das identidades e que “o sujeito se torna socialmente no momento

em que consegue observar-se a si mesmo como um objeto, ou seja, quando

adquire um pensamento reflexivo sobre si mesmo, compreensão esta que só é

possível através da comunicação.” (Corrêa, 2012, p.89).

Mas a observação do contexto investigado revelou também outros

aspectos quanto às narrativas sobre Identidades Femininas derivados de

experiências diferentes das apresentadas até o momento.

Este é o caso de Isa que traz em seus relatos uma visão mais leve, menos

sofrida a respeito de suas experiências e de como elas repercutiram na

constituição de suas Identidades Femininas.

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“Soy muy independiente, me gusta hacer muchas cosas, he tenido la suerte de

que cuando no estaba casada, que estaba soltera con mis padres y cuando me

casé con mi marido hasta que me quedé viuda, siempre he podido hacer lo que

he querido, no he tenido muchas trabas.” (Isa).

É também Isa quem afirma em seu relato:

“A mis padres, yo les decía: papá, que quiero hacer eso pues bien, y eso que

éramos cuatro hermanos y yo la mayor y eran otros tiempos, pero ellos siempre

han sido personas muy abiertas.” (Isa).

Tal postura confirma a importância do grupo social, familiar na construção

das Identidades Femininas. Revela a subjetividade das identidades que mesmo

construídas no mesmo espaço/tempo podem ser múltiplas.

Neste sentido, o relato de Isa auxilia a refletir sobre a posição dos pais em

relação à educação dos filhos, no sentido de ser mais igualitária, menos

repressora, construída com relações de confiança mútua, onde um ponto

importante para essa postura é a não subserviência às questões religiosas.

“Mi padre era comunista y un día en el cole han dicho que aquellos, los rojos eran

del diablo, yo llegue a casa llorando este día, por esto que habían dicho en el

cole, pasaban cosas que, madre mía. E como la iglesia defendía todo lo que

hacía el (Franco), nosotros la creíamos.” (Isa).

Conforme registro no Diário de Campo:

Isa começou a contar que sua mãe não era “muito da igreja”, mas que às vezes

ela queria ir e, quando ela queria ir, ela e a sua irmã levavam-na para a missa e

esperavam fora, um dia o padre veio perguntar o porquê delas nunca entrarem,

ela disse que já tinha assistido muitas missas na vida.

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Las mujeres, en el pensamiento católico, siempre estuvieron destinadas a los deberes impuestos por Dios a su naturaleza. La igualdad cristiana, metafísica igualdad en Dios, implicaba una marcada diferenciación de tareas en función del sexo e cualquier ocupación que la alejara de sus sagrados deberes familiares se consideraba nociva. (Domingo, 2001, p. 98)

Em quase todos os encontros falamos sobre religião, não falamos

especificamente no que cada uma crê e sim das diferentes religiões e de como

em geral a igreja católica é opressiva. (Fragmento do Diário de Campo)

Também Inés, a mais jovem das entrevistadas, apresenta uma postura

mais descontraída e mais atualizada sobre a construção das Identidades

Femininas, até porque exercia uma profissão mais comum entre os homens.

“Creo que cada vez se está abriendo más todo. En la profesión que yo tenía

éramos pocas pero, bueno, cada vez si he ido viendo más mujeres. Y la verdad

es que no entiendo por qué antes sólo era de hombres, bueno, hay parte de

esfuerzo físico pero podemos hacerlo.” (Inés).

A profissão que exercia revela uma nova identidade ou as Identidades

Femininas de uma nova mulher pertencente ao momento histórico presente, onde

a questão das identidades já mostra sinais de novas perspectivas, novos olhares,

mais abertura, mais igualdade e mais respeito pelas escolhas que não estão mais

norteadas apenas pelo gênero.

Conforme Dubar (2002), os grupos sociais, familiar, social, religioso,

político, étnico, cultural, são corporações consideradas fundamentais na

construção das identidades. No caso de Isa e Inés, percebe-se que suas

Identidades Femininas foram sendo construídas sofrendo influências de grupos

mais abertos, mais alinhados com a liberdade de escolha. Suas histórias foram

construídas de outra forma, Isa por ter uma família mais aberta e não

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subserviente aos preceitos religiosos, enquanto que Inés, mais jovem, por ser

pertencente à outra geração, onde os direitos das mulheres já estavam mais

consolidados.

44.2.1.2 Posturas narrativas reveladoras

As posturas narrativas reveladoras foram se constituindo ao longo da

coleta de materiais através de elementos significativos que auxiliaram a alcançar

o universo das participantes desta investigação sob uma ótica diferente da que

inicialmente eu havia imaginado.

Observando a sutileza dos gestos, algumas posturas narrativas foram

contando histórias paralelas que, por muito tempo, estiveram silenciadas no

espaço existente entre o fazer da mão e os dizeres da palavra, entre o

pensamento e o desejo, entre o que se diz por convicção e o que não se diz, mas

intimamente é sentido porque foi cunhado através das experiências de uma voz

que herdou como maior legado a sabedoria de calar e consentir. Que aprendeu

outras formas de expressar, que se situa no indizível e que estão presas nas

ações corriqueiras do cotidiano.

Certeau (1994) considera que é possível identificar uma ligação no que ele

denomina de “artes do dizer” e “artes do fazer” observadas no imbricamento

social em que:

(...) as mesmas práticas se produziriam ora num campo verbal ora num campo gestual; elas jogariam de um ao outro, igualmente táticas e sutis cá e lá; fariam uma troca entre si – do trabalho no serão, da culinária às lendas e às conversas de comadres, das astúcias da história vivida às da história narrada. (Certeau, 1994, p. 153).

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Foram muitos momentos em que estas posturas se revelaram, de forma

despretensiosa e que a olhos desatentos poderiam passar até despercebidas,

mas que eram manifestadas através de ações, de pequenos comentários e

posicionamentos que descortinavam ideias que se confrontavam em partes com

os relatos e em outras com a própria postura que as mulheres tentavam reafirmar,

entre estas cenas, ações e situações. Considero que a mais repetida e por sua

vez, que se tornou mais emblemática foi o “momento do café”.

O momento do café ocorria como um ritual que dava por encerrado o

encontro daquele dia. Era o momento em que o atelier, as mesas sujas de barro,

os trabalhos realizados naquele dia, davam lugar e abrigavam uma cena cotidiana

que poderia acontecer na cozinha da casa de qualquer uma das mulheres ali

presentes.

Antes de acabar o encontro fazemos religiosamente a hora do café, momento em

que sentamos ao redor da mesa e nos minutos finais do encontro. Todas falam de

forma descontraída, onde sempre estão o café e as bolachinhas em uma mesa

improvisada com toalha, xícaras coloridas e os habituais olhares de carinho.

(Fragmento do Diário de Campo)

O preparar a mesa com uma toalha limpa e cuidadosamente estendida, as

xícaras coloridas, de antemão designadas e que denunciavam a longa

convivência, as bolachinhas, bolos e pães que alguém havia preparado e o

cheirinho do café que se espalhava pela sala e que convidava a memória a revirar

lembranças de outros tempos revelavam os detalhes caprichados da dona de

casa, ou, talvez, um mundo que deveria ser reproduzido e mantido?

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Tomamos o café, lavamos e organizamos o espaço e logo depois fomos saindo

juntas até a porta do Centro Cívico, onde nos despedimos e cada uma seguiu

para um lado distinto. (Fragmento do Diário de Campo)

Já na minha primeira visita ao atelier, “o momento do café” me foi

apresentado e, talvez, foi naquele momento que me tornei cativa daquele

ambiente que cheirava a aconchego, familiaridade.

O espaço do atelier é privado, percebo que em alguns momentos é como se fosse

a cozinha de suas casas, onde enquanto elas fazem as tarefas domésticas

contam coisas de suas vidas para uma amiga. Uma coisa que eu observei

também é que todas levam avental de cozinha. (Fragmento do Diário de Campo)

Historicamente, a estreita relação das mulheres com a cozinha (Garcia,

1998), foi sendo consolidada como forma de reforçar os limites e determinar os

âmbitos em que as Identidades Femininas foram se consolidando. Este aspecto

também é reforçado em obras literárias de autoria feminina (Almeida 2004), que

apontam que a característica marcante dos textos estudados é o estabelecimento

de uma relação espelhada entre mulheres. A autora explica que:

Dois procedimentos que se repetem como característicos destas narrativas se apresentam, historicamente, identificados com o trabalho feminino. Tecendo e cozinhando as protagonistas, narradoras e ensaístas vão contando em seus textos as histórias de outras mulheres que se misturam em meio ao odor das comidas e temperos ou das linhas e cores escolhidas para o tecido bordado. (Almeida, 2004, p. 1)

Neste sentido, a relação que a autora estabelece entre o tecer e o cozinhar

pode ser estendido também ao próprio processo de fazer cerâmica, que, de certo

ponto de vista, se aproxima ainda mais do ato de cozinhar.

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Ao longo dos tempos, algumas atividades como o tecer, o cozinhar, o

cuidar da limpeza e higiene da casa e da família foram sendo demarcadas como

“trabalho feminino”, o que dentro do processo histórico em que os papéis das

mulheres e dos homens foram sendo construídos, este “trabalho” era incumbência

das mulheres, já que a elas “pertencia” o espaço privado de suas casas e

sobretudo, seu reduto absoluto se concentrava especialmente na cozinha.

Muito se avançou em direção a uma reformulação deste pensamento

através do movimento feminista a partir da década de 1960 (Bravo, 2010), hoje o

“lugar da mulher” não se limita à cozinha, à sala, ao quarto ou qualquer outro

espaço privado das casas, pois definitivamente estes limites transbordaram e

avançam para a consolidação de novos tempos, onde o público e o privado

podem ser ocupados por sujeitos que buscam igualdade de ser e estar no mundo.

Mas ainda assim, tais considerações fazem emergir algumas questões

acerca do contexto investigado: será que a reprodução do ambiente das cozinhas

foi se tornando para elas, as mulheres do atelier, muito mais como uma forma de

abrigo do que prisão? Ou, como diz Certeau (1994), será que pode ser

considerada uma maneira de reverter a sua “invisibilidade social”?

Nem sempre a mesa do café se constituía como uma hora muito alegre,

havia dias em que as mulheres estavam mais caladas e introspectivas, em que

era possível perceber que a nostalgia daquele encontro e o pesar da despedida,

mesclavam-se aos sabores que compunham a mesa. Dar-me conta que

diferentes posturas eram adotadas em uma cena que se repetia “sempre” – o

momento do café – adicionou profundidade para algo que parecia no começo

corriqueiro e quase banal: a de que o espaço do atelier, além de dar suporte para

os diálogos, relatos e narrativas, também era um espaço onde os silêncios, as

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quietudes e a introspecção encontravam um porto onde ancorar, mais que isso,

de maneira compartilhada, os sentimentos se refletiam entre as mulheres através

de um tipo de cumplicidade que somente a convivência é capaz de cultivar. Neste

sentido precisei “…aprender a mirar estas maneras de hacer, fugitivas e

modestas, que a menudo son el único lugar de inventividade posible del sujeto...”

(Certeau, 1999, p. 158).

No fim do encontro sempre guardamos nossas coisas e colocamos a mesa para o

café, nesta hora é a hora da despedida, a hora que falamos amenidades e que,

por incrível que pareça, neste dia, especialmente, foi a hora me que estávamos

mais caladas. Talvez por um lado pelo cansaço, ou por outro a pena de voltar

para a realidade. (Fragmento do Diário de Campo)

O que teria acontecido neste dia para que a tagarelice característica de

todos os momentos dos cafés não se repetisse? Esta questão se situa entre os

mistérios não revelados e repletos de suposições. Será que neste dia, pode ter

ocorrido a constatação de que “enquanto fazemos narramos; chegando a hora de

voltar à realidade, calamos?”

Aliados ao “momento do café”, outro aspecto que emergia e dava margem

para refletir sobre as construções das Identidades Femininas era a que se

apresentava também no “momento da faxina”. A limpeza bem cuidada, a

organização delicada, revelava o quanto estavam arraigados os processos

formadores das Identidades Femininas que, mesmo em um espaço onde elas

poderiam se desprender do trabalho “doméstico”, faziam questão de preservar e

reproduzir as atividades que, de forma automática, elas realizavam em suas

casas.

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Antes de acabar o ano, ou seja, antes de entrarmos de férias do atelier, nos

reunimos para limpar e organizar, jogar fora umas coisas e fazer faxina. Todas as

mulheres foram convocadas para esta faxina, as que não puderam ir, foram

“quase” criticadas. Pois para aquelas que estavam presentes, a faxina era algo

indispensável, que devia ser feita com esmero, deixando o atelier o mais limpo,

organizado e “bonito”, para a nossa volta, dentro de três meses ou mais...

(Fragmento do Diário de Campo)

Neste sentido fui percebendo que podia encontrar amparo nas

investigações de Certeau (1994, 1999), em que ele e sua equipe deixavam fluir os

diálogos livres para que os não ditos e os negados aflorassem, pois o atelier, no

“momento do café” e no “momento da faxina” se assemelhavam à “cozinha”

referida por Certeau e era justamente neste ínterim que as questões emergiam.

As posturas que se revelavam no “momento do café” e no “momento da faxina”,

muitas vezes eram complementadas com falas que, paradoxalmente, ao afirmar,

negavam ou ao negar, afirmavam:

“Entonces yo cogía, hacia la comida…, me lo organizaba bien, con mis dos hijas,

me iba a la cerámica y ganaba dinero al mismo tiempo que aprendía, y así

empecé hacer cerámica.” (Isa).

Transparece certa conformidade com a dupla jornada de dona de casa,

mãe e trabalhadora que ganha seu dinheiro e se sustenta. O trabalho feminino

muitas vezes, é uma tentativa de libertação que aprisiona, uma vez que a mulher

não substitui o trabalho de dentro da casa pelo de fora da casa e, sim o acumula.

Por outro lado, reafirmar sua importância e reivindicar o seu espaço como

dona da casa, única capaz de realizar bem as tarefas, constitui uma forma de se

“dar valor” e de se fazer indispensável, de negar a sua “invisibilidade social”.

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Mesmo que muitas afirmem que são “exploradas” não abrem mão dos seus

afazeres característicos e historicamente definidos como trabalho feminino. É o

paradoxo de se afirmar o que não quer, mas de conservá-lo porque é o único que

tem.

Monica: si al final el trabajo de la casa, nadie lo ve como un trabajo, no es

verdad?

Nines: Sí que se ve. ¿y sabes cuándo se lo ve? Cuando hace un hombre.

Mônica: o cuando tú no lo haces.

Nines: cuando tu no lo haces se ve toda la porquería. (Fragmento do Diário de

Campo).

E é novamente Nines quem nos aponta um dos maiores contrapontos entre

as identidades masculinas e femininas, resultado de construções seculares

repressivas e silenciosas:

“Mi acuerdo un día que venimos de viaje y las ventanas estaban muy sucias, de

meses sin limpiar, y me pegue una paliza limpiando, cuando llego mi marido he

dicho mira me pegue una paliza, y él: ni me he dado cuenta. Pues entonces no lo

voy hacer más”. (Nines).

É novamente Certeau (1994) que me respalda e, neste diálogo fica

evidente o quanto o trabalho enfadonho e corriqueiro da dona de casa é “invisível”

a qual, com seus fazeres cotidiano produz na verdade, uma ausência de

reconhecimento cultural.

Nines relata que por sugestão de sua filha, seu marido passou a fazer

algumas tarefas domésticas para ajudá-la, pois estava sobrecarregada com os

cuidados com a mãe idosa.

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“Papá, podía fregar tu los platos Sí porque atender a mi madre, estar por ella,

estaba ay media hora y yo controlando para que hiciera sus necesidad y después

tener que ir a fregar los platos, sí mi hija se lo dijo: - Papá, podías fregar… pues

bueno. Pues sí”. (Nines)

Seu relato é revelador haja vista que, apesar de seu marido ajudá-la,

considera que não executa a tarefa a contento e, tão logo possa, quer retomar o

lugar, “o seu lugar”, para que as coisas funcionem como é devido.

“Y ahora cuando va mi madre se lo digo, - Frego yo, e el no, no!

Lo que pasa es que no lo hace como hago yo. Yo no digo nada, no digo nada,

pero el trapo sigue poniendo mal.

Otro día se lo decía, no lo pases este trapo por encima de la mesa que está sucio.

Ahora he conseguido ver el amarillo (el color de trapo), ya no tengo que lavarlo

yo. Pero le ha costado dos años o tres. Lo hacía de cualquier manera, a su

manera, no limpiaba a fondo y no salía la suciedad”. (Nines).

Na verdade é uma tentativa de manter a estrutura que historicamente

sempre lhe coube e que consolidou em si o papel de manter a limpeza melhor

que o homem. Embora Nines perceba, em alguns posicionamentos, que essa

estrutura é injusta, ao mesmo tempo ela o nega. É o caso de não gostar de estar

sozinha em público, revelando que a antiga amarra de “mulher direita não sai

desacompanhada”, está muito presente em seus dias... Apesar da superação e

da reconstrução das identidades esse pode ser um aspecto sutil e velado de

emergiram as amarras ainda presentes em sua identidade.

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(…) “Otra cosa, sentarme yo en un bar o en un café, sentarme yo sola o en el

hospital del mar, cuando tenía mi madre, bajarme al bar y comerme un bocadillo

con…me siento mal, parece que…sin embargo si voy con alguien ya soy la más

feliz del mundo, o sea que necesito la compañía de las personas. Eso que dicen

de vivir sola, sí es muy bonito vivir sola pero yo necesitaría tener mis amistades,

salir, entrar…luego vivir sola, no me importa estar en mi casa, pero yo necesito

eso de la comunicación, la convivencia y eso que s difícil las veces, poco a poco

vas aprendiendo un poquito a llevar, sabes”(…). (Nines).

Alguns paradoxos, que em muitas narrativas vêm à tona, confirmam o que

aponta Hall, de que, “dentro de nós há identidades contraditórias” e de que “a

identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia”

(2005, p. 13). A isto denomina “narrativas do eu”.

Essas narrativas podem ser facilmente confundidas como uma maneira de

negar a vida que se leva, encobrindo as frustrações e desencantos por uma vida

idealizada que se concretizou. Mas por outro lado, essas “narrativas do eu” que

podem parecer fantasiosas e inventivas são na verdade, estratégias que auxiliam

a enfrentar a vida, encontrar satisfação e harmonia para seguir em frente.

44.2.1.3 Reflexões e rupturas

Uma dúvida que me assolava ao tratar com as mulheres do atelier era se

elas tinham consciência sobre a larga distância que as separava das suas

construções identitárias, forjadas num tempo em que ser mulher significava ter

uma vida muito diferente, relegada ao ostracismo público, engessada por

preceitos históricos que orientaram a vida social de quase “todas” e o momento

presente, em que as Identidades Femininas veem tendo cada vez mais

oportunidades de serem construídas sob outra ótica.

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No entanto, tanto os momentos no atelier, como o olhar sobre o material

coletado permitiram tratar como tema as narrativas que evidenciaram dois pontos

importantes: a questão da reflexão sobre as construções de Identidades

Femininas e, por outro lado, analisei a possibilidade dessas reflexões se

constituírem como uma forma de romper com o estabelecido desde sempre e

alinhar-se a um novo posicionamento frente às suas vidas.

Essas rupturas observadas se manifestavam, muitas vezes, de maneira

sutil ou, em outras, por meio de narrativas que revelavam os desejos, as

projeções de uma vida idealizada e não realizada, sobretudo, em relação ao

significado que o matrimônio adquiriu em suas vidas ao longo dos anos e como

esta experiência repercutiu em suas reflexões.

Na verdade, elas foram criadas e educadas para dedicarem-se ao

matrimônio, esta projeção espelhava-se nas histórias românticas, nos contos de

fada em que a princesa se libertava das amarras impostas pela família, o príncipe

encantado a salvava e eles viviam “felizes para sempre”. Ao fim constatavam que

a realidade nem ao menos se aproximava desta idealização, e que a vida que as

esperava não distava muito da vida vivida por suas mães, por suas avós, uma

vida de obrigações, de abnegações e de novas amarras, antes impostas pelo pai,

agora, pelo marido.

Suas narrativas comprovam o quanto têm percepção da distância entre o

idealizado e o vivido.

“Si fuera joven con mi experiencia saldría con un chico que me gustara cuando

me cansara iba con otro, cuando me cansara me iba con otro, y así… Y vamos,

de obligaciones de decir que me caso para toda la vida con un hombre, no!!! ¡De

lavar calzoncillos no!” (Charini)

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(…) “porque no hay cosa peor que hipotecar toda tú vida, que era lo que

hacíamos entonces…hipotecar…” (…). (Nines)

(…) “Yo lo que quería era encontrar una buena persona y ser feliz y ya

estaba…no tenía otras ambiciones, porque pensaba que era, mira como las

novelas rosa, que encontraba el amor de su vida y ha se acaba la novela…”

(Nines).

As reflexões realizadas pelas mulheres do atelier sobre o matrimônio

demonstravam o quanto estavam conscientes das diferenças das Identidades

Femininas ao longo do tempo e, se fosse hoje, elas não aceitariam casar para

levar a vida que levaram.

“Es que yo lo pienso, llevo pensando hace años…se fuera ahora…porque le

noviazgo fue precioso, lo noviazgo fue…como un conto de hadas…que ves que

están por ti…pero luego a la hora de casarte lo cambia todo, ya no es lo mismo,

ya se da por hecho…mira, ya le he conquistado pues ahora ya no hace falta…es

muy triste…” (Nines).

Conforme comenta Garcia (1998) mesmo para a geração de mulheres em

que o casamento era visto como “a porta de entrada da realização feminina”, o

que se constituía como o objetivo de “todas” as mulheres solteiras, mesmo assim,

havia algumas mulheres que deixavam transparecer que este não era o ideal de

vida vislumbrado.

Suas reflexões levam-nas a perceber o tipo de relação afetiva que seria

ideal para a mulher, para que elas pudessem vivenciar o casamento de uma

forma mais leal, mais igualitária e porque não, mais feliz.

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“No queremos un hombre que sea como nuestro dueño y que tu este como su

empleada.”(Isa)

“Sí para servir, ¡servir! Si, se necesita un compañeros, para compartir y no para

servir!” (Charini)

“Sabes lo que siempre digo que tendría que ser el matrimonio? Contrato de 5

años, digo de verdad! Porque estarían más dispuestos y se cuidaría más de la

pareja.” (Nines)

Também, refletem sobre a importância da independência econômica e de

como ela se constitui como uma amarra que faz com que as mulheres se sintam

prisioneiras em uma relação em que elas se sentem desvalorizadas e

dependentes.

“Se yo estuviera bien situada y no tuviera que necesitar sueldo de nadie, no.

Ganara para abastecerme a mí, que pudiera decir, me voy a liar con un hombre

mi liare si yo tengo ganas, para estar un rato con él. No te digo que no. ¿Pero

toda la vida con un hombre?” (Charini).

Ao mesmo tempo em que apontam o que seria o ideal para elas, de como

seria suas vidas se pudessem mudar o curso, o dar-se conta constitui-se como

uma maneira de romper com o instituído e com o vivido, desta forma, elas

refletem e apoiam as relações atuais considerando-as mais equilibradas.

“Se los dos trabajan los dos se ponen a limpiar a la casa, y como tiene que ser.

Esto de tu te sienta el sofá y yo curraré ya no, ni hablar”. (Dolores)

“Pero antes esto igualmente no cabia”. (Charini)

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Num diálogo ocorrido entre as mulheres do atelier, pode-se perceber que

sabem exatamente sobre os avanços conquistados na liberação feminina.

Aprovam esses avanços e criticam as posturas masculinas.

“Somos diferentes, los hombres cuentan a favor de ellos, tienen fuerza con la

boca, pelo menos antes ahora ya los jóvenes mejor que no”. (Marta)

“Si antes fanfarroneaban (los hombres) mucho de haber estado con una chica de

haber tenido relaciones y al mejor no, era mentira. Hoy en día ya no es tan

necesario porque hay relaciones, puede ser cierto”. (Nines)

Têm clareza que os movimentos ocorridos ao longo do século XX, em

defesa dos direitos e da igualdade entre homens e mulheres resultou em novas

construções para as Identidades Femininas. Segundo Nash, em “1995, con la

Declaración de la Cumbre de las Naciones Unidas sobre la Mujer en Beijing, que

estableció el nuevo principio transcendental que elevó a la categoría dos

derechos humanos los derechos de las mujeres” (2006, p. 49), as mulheres

avançaram e consolidaram suas conquistas.

(…) “sí porque también la cabeza de las mujeres ha cambiado mucho, porque hoy

podemos tener relaciones sin más. Sí y por suerte de las mujeres, porque ellos

podían hacer y deshacer y nosotras nada y pasándolo mal”. (Nines).

“Sí pero a las mujeres ahora las dejaran sueltas. Bueno sí volviera a ser joven con

la edad que tengo y con las cosas que lo sé…puuuffff”. (Isa)

“Con la experiencia ya no haríamos mucha cosa, con la experiencia que tenemos

ya”. (Charini).

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Ao projetarem, mesmo de forma hipotética, uma nova postura para suas

vidas, têm consciência sobre o quanto suas identidades foram calcadas em

valores estritamente masculinos e o quanto isso lhes custou em termos de viver

uma vida plena e livre das amarras que as cercearam, mesmo junto a seus

companheiros.

Narram, levantam hipóteses e fantasiam sobre outras possibilidades para

as suas vidas onde podem brincar de faz-de-conta. Um sair de si e ter a

oportunidade de refletir olhando de fora e para trás a sua própria vida. Refletem e

analisam sobre como é a vida hoje e como era. Ao menos internamente, têm a

possibilidade de romper com as amarras e estruturas que as envolveram por tanto

tempo.

Comparam-se aos homens, descobrem e valorizam suas próprias

qualidades e refletem sobre o quanto foram impossibilitadas de viver numa vida

plena e saudável ao lado deles. Na verdade, as críticas às identidades masculinas

revela que também eles (os homens) tiveram suas identidades masculinas

construídas de forma cerceada e com amarras, abdicando de muitos aspectos da

vida que os tornaria mais felizes, em detrimento ao atendimento ao que a

sociedade exigia.

“Es que los hombres son muy pesados!” (Marta)

“yo creo que nosotras las mujeres, tenemos mucho más que compartir que los

hombres, ellos no entienden de que tanto hablamos, ellos son más sencillos”

(Isa).

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“Con los años se está cada vez más lejos do marido e cada vez más cerca de las

amigas, por eso es bueno tener muchas amigas cuando se es mayor” (Meri).

Ao propor-me a discutir sobre Identidades Femininas, vou me dando conta

que necessito também fazer uma reflexão sobre as construções das identidades

masculinas, pois tal como a mulher, que teve sua identidade construída

socialmente com base numa construção identitária desfavorecida, oprimida,

subjugada, o homem, por sua vez, assumiu nessa construção o papel privilegiado

(ou nem tanto), de opressor, superior, chefe da família, provedor.

Modificar essas estruturas não é algo simples e como bem lembra Scott

(1993, p. 83), se a definição de “homem” foi construída na subordinação da

“mulher”, qualquer mudança referente à construção do feminino irá requerer e,

consequentemente produzir uma mudança no entendimento da construção do

masculino. Possivelmente muitos deles também sofreram com essas amarras,

não sendo considerado o seu querer íntimo e sim o querer social.

Analisando a entrevista com Nines dou-me conta de que ela traz reflexões

sobre as Identidades Femininas e rupturas, sublimação, mudança de

comportamento, mesmo que alguns, hipotéticos, que revelam o quanto as

mulheres do século XXI tiveram que superar os limites impostos pelas suas

Identidades Femininas e algumas até encobri-los para conseguir ter uma vida

mais livre de preconceitos e repressões, uma vez que, a repressão real e externa,

sofrida ao longo de sua infância, adolescência e juventude, muitas vezes,

transformou-se numa repressão interna, pessoal, desencadeando, no mínimo,

frustrações.

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Por outro lado, as reflexões e constatações das mulheres do atelier sobre o

quanto foram oprimidas em sua sexualidade, está presente nas narrativas de

quase todas:

Que elas tinham que tomar banho com roupa, já que tudo que era relacionado

com o corpo era feio e que mesmo depois de adultas elas tinham vergonha de

sair com os braços de fora, por exemplo. (Fragmentos do Diário de Campo)

Neste dia cheguei um pouco mais tarde, todas já estavam trabalhando nas suas

coisas, hoje era o dia que havia marcado a entrevista com Nines e ela me trouxe

um jornal em que ela participava como colunista. Li o texto rapidamente ali e

achei bem interessante, falava da repressão sexual. Nines comentou que

começou a escrever e que, hoje lendo seus escritos se surpreende que tenha sido

ela quem escreveu. (Fragmento do Diário de Campo)

Nines relata em seu texto todas as amargas repressões sofridas em

relação a sua sexualidade. Apesar disso, ela afirma que não reproduziu a sua

criação ao criar seus filhos e consegue chegar ao século XXI com uma posição

clara e definida sobre as Identidades Femininas.

(…) “yo a mis hijos los he dejado que sean libres, que ellos se equivoquen y que

hagan y que…no estar protegiéndoles toda la vida, es mejor enseñarles y bueno,

estar ahí…tan poco es dirigirles, no es dirigirles la vida, no…es simplemente

saber que estoy ahí pero que ellos tienen que decidir, equivocarse y acertar…”

(Nines).

Estabeleci relação das narrativas de Nines em relação a sua repressão

sexual com alguns aspectos do seu trabalho em cerâmica, pois essa mudança de

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pensamento reflete-se no que pude observar no seu fazer cerâmica como

apresento abaixo:

Neste dia ocorreram algumas coisas interessantes, cheguei e a primeira coisa

que Nines me mostrou foi a escultura que ela estava fazendo, um torço feminino.

Ela explicou-me que para chegar naquela forma dos quadris da figura ela teve

que se observar no espelho. (Fragmentos do Diário de Campo)

“¡Es un cuerpo perfecto! Es guapa, ¿verdad? Se todas pudiéramos ser así… que

fácil ¿Verdad?” (Nines)

Assim como Nines, mulheres que construíram suas identidades na

repressão de sua sexualidade por parte da família e da igreja, cheia de pudores e

vergonhas, chegar à maturidade com suas Identidades Femininas reconstruídas

de forma a servir de modelo para um corpo nu é uma grande transformação e

uma ruptura significativa, que demonstra que é possível a mudança de conceitos

e posicionamentos e reafirma o que Hall (2005) defende a respeito da “mobilidade

das identidades” e da capacidade de estarmos sempre nos construindo, uma vez

que somos sujeitos com identidades em constante deslocamento.

O posicionamento de Marta aponta também o prolongamento da idade

ativa das mulheres do Século XXI. Ou seja, mulheres que por mais que tenham

vivido muitos anos, ainda se sentem jovens e que apresentam um olhar positivo

sobre a idade:

“Mira, que han dicho anciana para mi, tengo 70 años y soy mayor, pero anciano

es quien tiene 100 años como la madre de Nines” (Marta).

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Conforme dados sobre a questão de demografia na Espanha (Souza,

2010), existem quatro milhões de mulheres com 65 anos ou mais. Essa alta

expectativa de vida das mulheres, é reflexo da mudança de estilo de vida que

passaram a ter, por isso, uma mulher de 70 anos pode-se considerar ainda jovem.

Outra reflexão importante acontece em relação à religião que foi um fator

que tanto as reprimiu.

Em quase todos os encontros falamos sobre religião, não falamos

especificamente no que cada uma crê e sim das diferentes religiões e de como

em geral a igreja católica é opressiva (Fragmentos do Diário de Campo).

Para mulheres criadas dentro dos preceitos da igreja católica, refazer seus

conceitos e fazer uma crítica à sua religião é também uma espécie de ruptura que

as leva a refletir sobre suas Identidades Femininas. Em alguns casos, existe uma

analogia entre os castigos das freiras e o seu trabalho doméstico como “castigo”.

“Muchos días ellas nos decían que estábamos castigadas e nos tocaba quedar

después da hora, en el invierno perdía el autobús y tenía que ir a casa

caminando. Era tremendo lo que nos hacían, por todo estábamos castigadas, era

tremendo”. (Charini)

Suas falas apresentam novas ideias sobre as relações entre homem e

mulher e especialmente sobre o casamento, superando os preceitos religiosos de

que mulher servia apenas para procriar, cuidar da casa, da familia e manter as

tradições. Conforme Domingo (2001), para os católicos qualquer atividade da

mulher que pudesse desestabilizar a ordem familiar cristã, apresentava risco para

a manutenção das relações de gênero tradicionais. Neste sentido, as falas das

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mulheres, mesmo que hipotéticas, seria uma total subversão do ponto de vista

religioso.

Percebo que as reflexões e rupturas conseguidas pelas mulheres do atelier

foram muito além do que eu imaginara inicialmente, pois as questões levantadas,

refletidas e discutidas apresentaram um repertório de problemáticas significativas

que despertaram o meu olhar para a situação de toda uma geração de mulheres

representadas pelas mulheres do atelier e que de certa maneira segue

repercutindo nas gerações posteriores a delas.

44.2.1.4 Desvelamentos do cotidiano

O cotidiano no sentido de dia a dia constitui o fator mais massacrante das

donas de casa. No entanto, o cotidiano aqui abordado vai muito além de sua mera

interpretação dicionarizada “de todos os dias, diário”.

São nos pequenos detalhes que vamos contando e mostrando um pouco de cada

uma de nós. Vamos reconhecendo-nos, criando laços com os quais nos

identificamos ou não, percebo que entre semelhanças e diferenças encontramos

muito mais do que cada uma veio buscar neste espaço, são entre pedaços e

fragmentos da vida do outro que vamos reconhecendo a nós mesmos, como uma

forma de validar o que somos e pensamos através da retina do outro. (Fragmento

do Diário de Campo)

Em Desvelamentos do cotidiano, procurei brechas que me permitissem ver

além do visível e, neste sentido as narrativas enquanto “conexão” com a nossa

natureza humana (Connelly e Clandinin, 1995), foram fundamentais para que

esse cotidiano, que representa estratégias de fazer, de falar, de registrar ou até

mesmo de silenciar, conforme nos diz Certeau (1999), viessem à tona. Não

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proponho abordar o cotidiano enquanto conceito e, sim, enquanto palco de uma

gama de assuntos, problemáticas, discussões que, devido a sua abrangência não

se enquadram em nenhum tema específico porque são pertencentes a esta

corrente fluida da vida, que compõe o dia a dia.

Esse cotidiano a que me refiro, repleto de saberes e de mistérios são,

muitas vezes, submersos, dolorosos, profundos porque ao relatarem seus

pequenos contratempos do dia a dia, parecem tão banais e que nem sempre

revelam a agudeza de sua essência.

Nines contou sobre sua mãe que quase foi atropelada porque a cadeira de rodas

não freou... Isa contou sobre a sua sogra e sua mãe... (Fragmento do Diário de

Campo).

Nines comentou que ontem foi o aniversário de sua mãe, 101 anos, sempre fala

de sua mãe com tanto carinho, do quanto sua mãe sofreu durante a sua vida.

(Fragmento do Diário de Campo)

Nines comentou que sua filha não quis o prato que ela iria lhe presentear, “mi hija

no quiere el plato, me há dicho que no lo quiere... lo que tengo ahí... que no le

gusta” e logo mudou de assunto...(Nines)

Quando Nines comentou que sua filha não queria o prato, pareceu-me que

havia uma ponta de mágoa, haja vista a rejeição ao seu trabalho. Mas não me

encorajei a abordar o assunto. Por isso, penso que o cotidiano é sempre repleto

de segredos e de mistérios. As situações do cotidiano, muitas vezes, precisam

passar assim, despercebidas, pois às vezes é melhor calar.

Neste espaço de relações ricas e múltiplas o cotidiano me desafiava e me

inquietava, aguçando o meu interesse em compreender como situações tão

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corriqueiras poderiam fazer parte desta trama tão complexa que envolve as

Identidades Femininas.

Em muitos momentos eu me pergunto por que me chama tanta atenção este

espaço, e logo penso, pelo simples fato das relações que existem ali, de verificar

como se dão essas relações que parecem despretensiosas e familiares.

Pergunto-me por que não?

Será que estas mulheres não têm nada para nos ensinar? Eu penso que sim e

por isso, estimula-me tanto compartilhar este espaço com elas. (Fragmento do

Diário de Campo).

Analisando o material coletado percebo o quanto é importante este espaço

de convivências e relações para as mulheres do atelier, porque é onde elas

trocam suas intimidades, contam suas histórias, revelam e se desvelam e se

permitem ser quem são: rir de suas tristezas, tornar interessantes suas vidas.

Falamos dos filmes e livros que assistimos ou estamos lendo, das viagens que

iremos fazer ou que gostaríamos de fazer, da receita do bolo que alguém trouxe

para a hora do café… (Fragmento do Diário de Campo).

Percebo nestas conversas uma maneira muito singela de encontrar a

poética para a vida e fazer com que este espaço preencha de significados os

seus cotidianos. Estas narrativas, se não fossem compartilhadas, seriam banais e

perderiam o sentido de ser e do porque existirem.

Parece-me um aspecto bem interessante pelo qual posso pensar como são

tratadas as construções das identidades do grupo e também, de cada uma delas.

São as construções coletivas em que este fazer repetido significa um

reconhecimento ou uma espécie de sentimento de “pertencer” ao grupo.

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Particularmente, considerando-me como participante desta pesquisa e

utilizando-me de minhas próprias narrativas e do quanto isto implicou em minhas

Identidades Femininas (no caso, a mulher, a estrangeira...), era esse sentimento

que me faltava: o de pertencimento65. Nunca me senti que “pertencia” a nenhum

dos lugares em que circulei até chegar ao atelier de cerâmica.

Também senti dificuldades em pertencer ao novo mundo acadêmico no

qual estava me inserindo. Nunca me senti pertencer aos lugares em que trabalhei

por que eram sempre temporários, que nunca chegaram a se transformar em

“espaços”, pois, como diz Certeau, “o espaço é um lugar praticado” (1994, p.

202). Nunca me senti pertencer aos lugares onde não via meu espaço. Logo meu

cotidiano foi permeado de conflitos, desgastes e, tal como as mulheres do atelier,

precisei refletir, repensar e refazer-me frente aos percalços encontrados.

Acho que, no fundo, essa sensação de não pertencer é a sensação de ser

sempre o estranho, o estrangeiro, o que é menor, o que não tem sua vida anterior

reconhecida, o que não é interessante, o que não consegue ser reconhecido na

sociedade, o que não é bem-vindo, embora saibamos que o processo de

redefinição ou de eliminação das fronteiras geográficas que, segundo Bauman

(2009), hoje se desdobram e se articulam a partir de outras óticas, o sentimento

de pertença ainda é um limitador na construção das Identidades Femininas.

Todas essas reflexões podem parecer exagero, banais, pois fazem parte

do cotidiano, mas no fundo, mesmo que os discursos e as retóricas digam que

65 Max Weber, a partir do sentido de pertencimento, desenvolve uma compreensão da diversidade cultural. A

diversidade cultural é reconhecida na medida em que se confronta uma "solidariedade étnica" com elementos

estrangeiros, estabelecendo uma oposição, ou até mesmo, um desprezo pelo que é diferente, decorrendo desse

o embate entre o "nós" e os "outros", o sentido de unidade grupal. Dicionário de Direitos Humanos.

Disponível em: http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tiki-index.php?page=Pertencimento (Acessado em 13 de

março de 2013.)

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não, mesmo que as literaturas e os autores utilizem palavras amenas e bonitas,

no fundo, na visão de muitos de nós, os estrangeiros, são sempre os colonizados

os que precisam se moldar e se adequar as normas e aos padrões dos

colonizadores.

Talvez seja essa uma das razões que me interessa tanto olhar para a vida

cotidiana (Certeau, 1994) e perceber que ela e a as pessoas comuns (como as

mulheres do atelier de cerâmica) são importantes, que têm muito a ensinar...

Ensinaram a mim que sim, que eu podia pertencer a algum “espaço” neste

mundo.

Mesmo assim, vez por outra, em nossas falas no dia a dia do atelier, vinha

à tona o meu imenso sentimento de não “pertença”:

Um tema que surgiu neste encontro foi a questão de ser racista: Nines disse que

participaria de um encontro com mulheres de associações de outros países, e

disse que ela não era racista e que gostava de participar destas atividades.

(Fragmentos do Diário de Campo).

Marta disse que ela não gostava dos estrangeiros. Ficou um clima estranho

(porque acho que elas não se dão conta que eu sou estrangeira). (Fragmento do

Diário de Campo).

Não dei um “piu”... quando elas falavam sobre ser estrangeiro, e que não

gostavam deles, sempre me sentia acuada. Acho que elas não falavam por mim,

sei que elas não queriam me atacar, mas me sinto um pouco atacada e

marginalizada. Acho que esse é o eterno dilema... (Lá vem de novo o pertencer).

(Fragmento do Diário de Campo).

Tenho consciência que abordar o tema “ser estrangeira”, necessita de certa

profundidade, dado à complexidade e multiplicidade de problemáticas que estão

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aí imbricadas. No entanto ao referir-me a essas situações, não tenho a intenção

de adentrar-me em um tema que para ser tratado com a devida propriedade

necessitaria muito mais que algumas linhas. O que parece ser importante

salientar é que ao referir-me sobre “ser estrangeira” apenas expresso um

sentimento que me acompanhou e que foi parte importante em minha construção

identitária, em minha formação acadêmica e que vieram à tona ao refletir e

considerar toda esta experiência investigativa e de vida que escrever esta tese

me proporcionou.

Tenho presente que as mulheres do atelier, mesmo sem conhecer minhas

posições, procuravam agir com sutileza sempre que o tema era abordado:

Quando Marta afirmou não gostar de estrangeiros, Isa, a professora,

interferiu:

“Pero si voy a un país extranjero me gustaría que me tratasen bien, pero que la

gente tiene que adaptarse, tiene que saber portarse y seguir a las reglas. No

pueden intentar llegar aquí y querer cambiar y que las cosas sean a su manera”

(Isa)

Seguidamente, Nines comenta sobre seu cunhado que viveu no Brasil, sobre a

feijoada... Eu acho que ela faz isso para me agradar, como uma forma de

valorização da cultura do país de onde venho. (Fragmento do Diário de Campo).

Enfim, esse cotidiano, invisível, subliminar, sutil, foi capaz de mexer com

meu eu, a ponto de arrancar “narrativas de mim” que me inserem no mundo vivido

com as mulheres do atelier e a ponto de incluir-me no, “como nós construímos

nossa identidade no atelier” proposto inicialmente. Hoje eu diria: como o atelier de

cerâmica foi importante para refletir e me auxiliar a entender a complexidade que

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envolve as construções das Identidades Femininas, incluindo aspectos de minha

própria identidade.

44.2.2 O atelier como espaço de fazeres ou práticas

artísticas

Um atelier de cerâmica é o espaço, como o próprio nome já diz, onde se

efetivam trabalhos em cerâmica, utilizando o barro como matéria prima. A

cerâmica é uma prática e uma arte milenares.

A cerâmica é o tipo de fazer que exige muito de quem a ele se dedica.

Exige paciência para esperar o tempo do barro e logo que o tempo atue sobre ele,

que o transforme. Depois, esse mesmo barro necessita passar por um processo

de queima que, definitivamente modifica sua natureza. É ao mesmo tempo um

fazer que se conecta com a existência de cada um, que é simples e complexo ao

mesmo tempo, que tem uma fragilidade pela constituição de sua matéria que o

fogo transforme em fortaleza.

Da mesma forma, pode-se considerar que o processo de fazer cerâmica

possui uma poética que não está presente na matéria, no barro, e sim que é

despertada pelo contato com mãos e ao dar vazão às ideias, pensamentos e

sentimentos. Conforme Read (1968), a cerâmica possui como característica a

ambiguidade por ser ao mesmo tempo a mais simples e a mais difícil das artes,

segundo o autor, é:

A mais simples, por ser a mais elementar; a mais difícil, por ser a mais abstrata. Historicamente, encontra-se entre as artes mais primitivas. Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados à mão em barro cru, tal qual era extraído da terra, e secos ao sol e ao vento. Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento, antes de possuir escrita, literatura ou mesmo uma religião, o homem possuía já esta

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arte, e os vasos que então produzia ainda são capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas. (Read, 1968. p. 27-28).

Para que a cerâmica alcance a multiplicidade de formas e movimentos que

sua matéria é capaz de produzir, ela necessita de vigília e cuidado, devido a sua

fragilidade durante todo o processo de seu fazer, e neste sentido, o ato de fazer

cerâmica é capaz de construir uma relação de certa intimidade que se inicia já no

preparo do barro para a criação de uma peça até o momento em que esta vai

para o forno e o fogo se incumbe de mudar sua natureza.

Levando em conta estes aspectos, as grandes questões que se me

apresentaram ao tematizar este estudo foi se, ao fazer cerâmica, emergiam

narrativas que expressavam as Identidades Femininas das mulheres do atelier, o

que me levou a considerar a cerâmica como uma “possibilidade narrativa”.

Também, questionava-me sobre qual seria o lugar que esses fazeres ocupavam

na vida dessas mulheres.

Refletindo nesta direção fui observando o que elas produziam, como

produziam e o porquê produziam. Essa preocupação não tinha como finalidade,

definir a natureza deste fazer. Ser ou não ser arte era menos importante, pois o

foco deste trabalho não eram questões avaliativas sobre arte, nem a crítica sobre

o trabalho que faziam. O importante eram as suas motivações criadoras e se, o

trabalho que elas realizavam em cerâmica auxiliava na compreensão de questões

mais profundas relacionadas às reflexões de suas identidades e aos processos de

autoconstrução.

Analisando o atelier de cerâmica enquanto espaço de fazeres ou práticas

artísticas acredito que ele adquiriu um protagonismo especial, tanto que nunca o

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considerei somente como um cenário ou um palco onde as histórias, narrativas e

relatos aconteciam, ele foi um participe, um personagem desta investigação.

O importante neste espaço foi a possibilidade de perceber se o atelier de

cerâmica propiciava os fazeres narrativos, estimulava as motivações criadoras e

se permitia as mulheres a fazerem-se a si mesmas, ou seja, se os fazeres eram

uma forma de “fazer(se)es”.

44.2.2.1 Fazeres Narrativos

Ao definir como fazeres narrativos, a ação de fazer cerâmica, bem como

suas produções, considero as possibilidades narrativas que se expressam através

dos fazeres e não apenas pelas palavras como diz Certeau (1994) e, por isso

minha inserção no atelier procurou “conhecer os detalhes ocultos” e os “gestos

de cada dia” (Giard, 1994, p. 26) do grupo ao qual me inseri.

Levando em conta o que afirma Bolívar:

La tarea del investigador, en este tipo de análisis, es configurar los elementos de los datos en una historia que unifica y da significado a los datos, con el fin de expresar de modo auténtico la vida individual, sin manipular la voz de los participantes. El análisis requiere que el investigador desarrolle una trama o argumento que le permita unir temporal o temáticamente los elementos, dando una respuesta comprensiva de por qué sucedió algo. Los datos pueden proceder de muy diversas fuentes, pero el asunto es que sean integrados e interpretados en una intriga narrativa. El objetivo último es, en este caso, a diferencia del modo paradigmático, revelar el carácter único de un caso individual y proporcionar una comprensión de su particular complejidad o idiosincrasia. (2002, p. 10-11).

Com fazeres narrativos procurei evidenciar até que ponto as Identidades

Femininas revelavam-se nas suas práticas de amassar e moldar o barro e se

estes fazeres contavam uma histórias e quais histórias seriam.

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Enquanto as mãos trabalhavam, o barro se constitui em um ouvinte

silencioso para os pensamentos, os propósitos e os desejos. Em algumas

circunstâncias, eles até são externados, são narrados, mas não com o objetivo de

encontrarem respostas e sim, como uma forma de desabafo.

Talvez este aspecto se evidencie em narrativas como a de Nines, que

enquanto estava entretida em seu fazer, comenta quase que, como para si

mesma:

“mi hija no quiere el plato, me ha dicho que no quiere, el lo que tengo ahí, que no

le gusta”.... (Nines)

Nines referia-se a um prato de cerâmica que ela havia feito para presentear

a sua filha, a qual o havia recusado. Ao fazer este prato para presentear a filha,

possivelmente projetou um universo de amor e de dedicação que dialoga com a

sua recusa. Este objeto passa a narrar uma história, contando um episódio que,

de alguma, forma, interferiu em seu fazer e em seu querer.

Esse prato, tanto para Nines, como para todas nós que estávamos

ouvindo, passou a ter um significado e a contar a história do presente de Nines e

da recusa de sua filha.

Neste sentido, também a fala de Inés nos dá um pouco da dimensão dessa

recusa:

“Además, cuando tú regalas es porque consideras que está bien. Relativamente

bien. Y cuando tú has creado algo que está bien, también te cuesta un poco a

despegarte.

A veces la gente dice: ¿Por qué no me das esto? Entonces dices: Bueno, es que

las cosas no se hacen como churros, ¿No?” (Inés).

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Com isso, a ideia de que existe fazeres narrativos se consolida, pois é a

partir desta relação, estabelecida entre o fazer e o querer, entre o impulso que

motiva e o executar, entre o porquê, o para que e o para quem, percorre-se um

caminho preenchido por significados do vivido durante esta trajetória.

...e Nines logo mudou de assunto, voltando falar de sua escultura e de como ela a

deixaria oca. (Fragmento do diário de campo).

Muitas vezes os fazeres narrativos ficam encerrados em si mesmos, porém

podemos supô-los, imaginá-los. A medida dos fazeres narrativos está encerrado

na valorização que o “eu” e o “outro” damos ao trabalho, tal como aponta Inés:

“Creo que el arte es como un desahogo, es crear. Quizás no tenga un valor

artístico, a lo mejor para ti sí, pero es el valor de algo que haces tú. Y cuando

hago un regalo de algo que yo he hecho, para mí, entrego algo más que un

simple regalo que compres. Das algo y según la persona que lo recibe también

siente que es algo hecho por ti, ¿No? Es distinto”. (Inés)

O apego ao que se executa ao transformar o barro em cerâmica,

transborda de significados de autoestima, de sentir-se senhora de si, encerra algo

relacionado ao poder, ao optar, ao querer...

“Es como si pones un poquito de alma. ¡Digamos!” (Inés)

Outra situação que se confirmou como um fazer narrativo foi o fato de

Nines estar produzindo um torso feminino e em ter se espelhado em si mesma

para fazê-lo. Nisso talvez se encerre um ato de liberdade contido e transformado

pelo barro. Liberdade que contém a narrativa de ruptura com todo o processo de

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repressão à sua sexualidade e a sua inibição forjada no tipo de educação que

tivera.

Este dia ocorreram algumas coisas interessantes, cheguei e a primeira coisa que

Nines me mostrou foi a escultura que ela estava fazendo, um torço feminino, que

me explicou que para chegar naquela forma das cadeiras da figura ela teve que

se observar no espelho. (Fragmento do Diário de Campo)

“Es un cuerpo perfecto, es guapa verdad? Se todas pudiéramos ser así, que fácil

verdad?” (Nines)

E com isso seguiu explicando quais mudanças a figura sofreu, em como ela

conseguiu chegar naquela forma. (Fragmento do Diário de Campo)

Também no caso de Inés, sua necessidade de criação narra a sua atual

impossibilidade para executar seu antigo trabalho, constituindo-se em fazeres

narrativos cada peça, cada objeto que produz.

“A veces me quedo mucho tiempo haciendo cosas que al mejor no tienen ningún

resultado, los tiro o las deshago, pero sí, es sacar algo que no sea lo que hace

todo el mundo, no… Aunque hay alguna cosa que al mejor está muy vista, pues

mira, voy hacerlo para ver cómo me sale a mí.” (Inés)

Assim como os casos de Nines e Inés, cada objeto produzido no atelier,

com certeza, se constituía em uma história, uma narrativa, às vezes percebidas,

às vezes socializadas, mas muitas vezes guardadas para cada uma. Sendo

assim, os fazeres narrativos pode ser comunicados ou calados, mas cada um

encerra uma história.

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44.2.2.2 Motivações criadoras

Quando comecei a frequentar o atelier de cerâmica a curiosidade que tive e

que me instigou a seguir, foi sobre o que motivava aquelas mulheres que, por

tanto tempo (aproximadamente quatorze anos), permaneciam juntas e realizando

fazeres ou práticas artísticas em cerâmica. Este constituiu mais um dos mistérios

que queria desvendar nesta investigação.

Ao analisar a questão lembro as pesquisas de Certeau (1999) que

considera que existe um espaço de “invisibilidade social” que, por analogia,

atribuo às mulheres do atelier, como procurando sair desse espaço social restrito

e tão pouco valorizado que é o de ser “dona de casa”. Questionar quais suas

motivações levou-me a definir como um ponto a ser analisado e aprofundado, “as

motivações criadoras no atelier de cerâmica”.

O espaço do atelier talvez tenha sido o motivador para estarem ali a criar, a

produzir e a sentirem-se visíveis socialmente.

Motivações Criadoras foi, então, uma das “minhas” motivações para refletir

sobre as narrativas que decorriam a partir dos trabalhos em cerâmica realizados

pelas mulheres do atelier, procurando assim, aproximar-me de seus processos do

fazer cerâmica que envolvia a criação ou reprodução de suas peças.

Assim, procurei entender o que as levava durante esse longo período de

tempo a fazer cerâmica, quais suas motivações, como o seu processo desvelava

suas narrativas e este foi um aspecto que ganhou representatividade ao longo da

investigação, devido à íntima relação que existe entre o fazer e o dizer.

As motivações criadoras estão relacionadas com a questão dos próprios

fazeres narrativos, sendo que o que os divide é uma linha tênue, quase

inexistente, entre o propor-se e o seu resultado. O fazer criativo possui inúmeros

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desdobramentos e sofre influências de diversas direções, já que a todo o

momento estamos em contato com fontes de informações que podem servir de

impulso tanto para criar algo novo, ou como, para reproduzir o que já existe, o que

já foi feito por alguém. De qualquer forma, em qualquer uma das situações, o que

está em jogo são as marcas de nossa subjetividade que ficam presentes nos

fazeres ou práticas artísticas.

Conforme a visão de Vygotsky (1999) a atividade criadora é “toda a

realização humana criadora de algo novo, que trate de reflexo de algum objeto do

mundo exterior, que de determinadas construções do cérebro ou do sentimento,

que vivem e se manifestam somente no próprio humano”. (Amadori, 2008, p.

151).

Assim, conforme Amadori (2008) considera-se que, independente do

momento histórico e das circunstâncias, a criatividade e os processos de criação

são estados e comportamentos naturais do ser humano em que todo o fazer,

produz conhecimento.

A cerâmica é o tipo de fazer que exige muito de quem a ele se dedica, exige

paciência para esperar o tempo do barro, e logo que o tempo atue sobre ele, que

o transforma, partindo de elementos essenciais que é inerente a todos nós. É ao

mesmo tempo um fazer que se conecta com a existência de cada um, que é

simples e complexo, que tem uma fragilidade pela constituição de sua matéria

que o fogo transforme em fortaleza. (Fragmento do Diário de Campo).

Em diferentes situações, as questões sobre a relação estabelecida do fazer

cerâmica das mulheres do atelier e dos processos criativos vinham à tona e

mostravam-se como uma problemática relevante.

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Quanto a isso, Nines contou como surgiu a ideia da peça que ela estava

fazendo:

“Estaba mirando una revista, vi algo que me gusto y salió esto”. (Nines)

Nesta fala de Nines, fica evidente a sua motivação na hora de realizar a

peça, ou seja, buscar referências de outras imagens para produzir seu trabalho o

que se constitui como uma forma processual de criação, em que é necessário

conhecer e reconhecer o que já foi feito, para que haja uma reelaboração com

elementos subjetivos.

Reforçando este pensamento, Amadori considera que:

O homem e a mulher, utilizando seu saber, tornam-se capazes de examinar seu trabalho e fazer novas opções. A racionalidade consciente nunca se desliga das atividades criadoras, sendo fundamental fator de elaboração. Retirá-lo do processo de criação seria retirar uma das dimensões humanas: a vontade. (2008, p. 150).

Ao observar as motivações criadoras das mulheres do atelier, este aspecto

não se constituía com a finalidade de julgar ou avaliar quem é mais ou menos

criativa, até porque o processo de criação é algo muito subjetivo e intrínseco a

cada pessoa e que resulta dos estímulos, vivências e do universo vivido e,

sobretudo, da forma como foram encaminhadas em sua educação: se para criar

ou para reproduzir. Este aspecto revela a importância dos professores ao fazerem

a mediação de forma a estimular a criatividade e a produção.

É possível refletir sobre este aspecto a partir da situação descrita abaixo:

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Charini trouxe um desenho que ela fez para um novo projeto que será uma

fruteira. Marta ao ver o desenho de Charini disse: “con el barro me pongo, pero

con el dibujo...puffff”

Charini, quase tentando justificar-se frente à frustração de Marta comenta: “para

que yo dibuje tiene que ser una cosa que me gusta mucho, ahora estoy buscando

un barco de vela, pero que sea una vela bonita”.

O que me parece importante salientar quando se faz referência aos

processos de criação, são as características peculiares, as marcas, e os modos

que cada uma encontra de expressar suas ideias em seu fazer, como cada uma

vai percebendo e utilizando suas referências de maneira diferente.

Neste sentido, Amadori comenta que: “As formas de percepção não se

estabelecem ao acaso e somos nós o foco de referência, pois ligamos os

fenômenos entre si e a nós mesmos” (2008, p. 150).

Charini que fazia tempo que não vinha ao atelier me perguntou: “Y eso que son,

unos aretes?”

Mônica: ¿Esto? ¡Son anillos! (E coloco um no meu dedo para mostrar para ela).

C: ¿Anillos? Hahaha...yo pensaba que era una tapa de algo”

M: No, ¡Son anillos! (Fragmento do Diário de Campo).

Isa se deu por satisfeita e me deixou trabalhando, e as demais estavam todas

metidas em seus trabalhos sem se importar muito comigo, mas logo que comecei

a dar forma ao meu “vestido”, elas foram se aproximando e me perguntando o

que eu estava fazendo? Com paciência fui explicando que era um vestido...,

percebo que para elas resulta estranha essa minha vontade de fazer cerâmica

sem uma finalidade específica, elas fazem potes, vasos, quadros, relógios, e eu

estou ali para fazer vestidos que a princípio não servirão para “nada”, mas ao

mesmo tempo tem um significado especial para mim. (Fragmento do Diário de

Campo).

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As referências que vamos construindo nos dão maior ou menor

desenvoltura para tratar os diferentes processos criativos e ai reside o grande

mistério de criar, já que a lógica do fazer de cada um encerra um universo de

significados construídos e alimentados ao longo da vida.

Outro aspecto observado é que existe certa preocupação de definir qual é

o seu papel enquanto “fazedoras” de cerâmica.

“Mucha gente me lo dice, “eres una artista”, pero a mí lo que me gusta es

toquetear el barro. Artistas hacen las cosas así, en un momento, yo no, yo llevo

tiempo, necesito esfuerzo, los artistas hacen todo rápido, yo no”! (Nines)

Na narrativa de Nines é possível observar que ela considera que sua

produção pode ocupar um lugar diferente entre os fazeres e práticas artísticas,

que não necessariamente, o artístico, por não se adequar ao que ela considera a

postura de um artista.

Neste sentido, o fazer cerâmica pode ser entendido como um fazer

democratizado por atender a uma multiplicidade de sentidos e finalidades

(Mascêne, 2010) que pode ser adquirida por quem o faz. Desvincular-se da ideia

de “ser um artista” é, de certa forma, ter liberdade para fazer, experimentar e

realizar trabalhos que estejam mais comprometidos com suas motivações

particulares, com os seus interesses e com o seu prazer ao fazer cerâmica.

Seguindo este pensamento, Inés também relata qual é sua relação e sua

motivação ao fazer cerâmica:

Es algo manual pero a la vez no es algo forzado que fuerces las manos y luego es

muy libre, vas haciendo lo que tú quieres, te vas expresando no lo sé, he

encontrado muy… y ahí sigo. (Inés)

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Y que yo siga después de cinco o seis años cuando yo, yo soy, a ver cursos que

duran unos meses, pero ya está. Después otras cosas, yo no soy de estar

haciendo lo mismo mucho tiempo, enseguida ya. Y que yo sigo. Es algo que a mí

me gusta, todo lo que está relacionado con la naturaleza. (Inés)

Neste sentido, entende-se que o fazer cerâmica está norteado por

aspectos que além de impulsionados pela vontade é um fazer que se respalda

também na intuição, que pode ser considerado como um importante modo

cognitivo, e que pode servir como suporte para a criação.

A intuição conforme o posicionamento de Amadori (2008) permite lidar com

novas e inesperadas situações, possibilita visualizar e internalizar

instantaneamente a ocorrência de fenômenos, também a julgar e compreender

algo a seu respeito.

A intuição é suporte para os processos de criação e está diretamente interligada com a percepção. Juntas elas reformulam dados circunstanciais do mundo externo e interno, tornando-os dados significativos. Os comportamentos criativos do homem se baseiam na integração do consciente, do visível e do cultural. (Amadori, 2008, p. 150).

“A veces me quedo mucho tiempo haciendo cosas que al mejor no tienen ningún

resultado, los tiro o las deshago, pero es para sacar algo que no sea lo que hace

todo el mundo, ¿no?” (Inés)

Mônica: “¿He visto que has hecho las pruebas de colores y todo, te gusta mucho

investigar verdad?”

Inés: “Sí, en general sí, pero hay cosas que no, que intentas que te salga como

quieres. Pero me gusta, es crear algo que salga de mí. ¿No? Este dibujo cuando

lo saqué (del jarrón), fue un poco difícil de pintar pero bien”.

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Também, as motivações do fazer podem estar muito mais próximas da

possibilidade de experimentar sem buscar resultados concretos, como uma forma

de criar estratégias para a sua construção de conhecimento, que talvez ela

aplique em outros campos de sua vida e que, neste sentido, o fazer cerâmica

estimula e impulsiona na busca de soluções inovadoras e diferentes das já vistas.

Conforme Armadori (2008, p.151) “A relação entre a criatividade e a

educação tem por base que seres criativos são mais capazes de solucionar

problemas”. Inés, mesmo quando se propõe fazer algo que outras pessoas já

fizeram, ela tenta realizá-lo de forma diferente.

“Aunque hay alguna cosa que al mejor está muy vista, pues mira, voy hacerlo

para ver cómo me sale a mí” (Inés).

Pode-se considerar que procurar por soluções diferentes, autênticas e

inusitadas seja uma das características mais marcantes que desvelam os

posicionamentos de Inés em relação às suas motivações e à sua forma de

construir conhecimento: a busca constante de estratégias próprias que lhe

auxiliam a estimular sua criatividade seja através da experimentação, ou nos

erros e acertos que tornam a sua maior motivação para o seu fazer cerâmica.

Da mesma forma que estas características são observadas em Inés, Nines

também relata que prefere dedicar-se a trabalhos em cerâmica que estimulem

sua criatividade, não encontrando motivações ao repetir muitas vezes a mesma

forma.

Nines estava comentando que tinha feito vários imãs de geladeira iguais “casitas

de setas” para dar de presente, mas que para ela era muito chato, que ela não

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gostava nada e repetir muitas vezes a mesma coisa. (Fragmentos do Diário de

Campo).

A questão de reproduzir/criar foi um dos aspectos observados que

despertou de forma especial meu interesse. Desde que havia começado a

frequentar o atelier via que algumas peças se multiplicavam com rapidez, entre

elas estavam quase sempre figuras bidimensionais de mulheres africanas, “las

negras” como eram chamadas pelas mulheres e os lagartos de Gaudí.

Isa abriu uma pasta onde procurava uns moldes em papel para que uma das

mulheres riscasse sobre o barro as “famosas negras”.

Pregunté a Isa: “¿Por qué todas hacen esto?” Referindo-me aos riscos das

negras.

Isa: “¿Las negritas? ¡Porque les gusta! ¡Es una epidemia”!

Nines tratou de explicar: “sabes que cuando una hace algo y que la otra le gusta y

entonces, pues voy hacer también”. Ela começou a lembrar que teve a época das

máscaras e a contar de quantas havia feito... (Fragmento do Diário de Campo)

O que as leva a fazer determinada peça ou trabalho, a motivação para

realizá-lo, o que as motiva a fazer cerâmica pode ser justamente estes estímulos

compartilhados. Este processo aparente, de reproduzir ou “copiar” algo feito por

outras mulheres pode trazer em seu bojo a marca pessoal e funcionar como uma

mola propulsora, que estimula seus processos de fazer cerâmica.

Por outro lado, a própria dinâmica do atelier oportuniza o trabalho livre e

que ao mesmo tempo os interesses, as propostas e os fazeres são

individualizados, também, podem ser compartilhados, servindo como uma forma

de motivação mútua.

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A dinâmica do atelier é a de cada um se dedicar ao seu trabalho, mas sempre tem

o interesse uma pelo trabalho da outra. Acho que é uma maneira de reconhecer

umas às outras, uma forma de entender um pouco melhor este outro universo que

compartilha esse espaço por algumas horas uma vez na semana. (Fragmento do

Diário de Campo).

Fazer cerâmica possui entre os seus atrativos esse mistério do não saber,

do inesperado, da surpresa por não saber exatamente qual será o seu resultado

devido a todo um processo que começa - um pedaço de barro entre as mãos que

são movidas por uma ideia, uma vontade, um desejo de torná-lo algo diferente

daquilo que ele é – mas não há previsão segura de como será seu fim, pois neste

espaço, entre o começo e o fim, existem inúmeras variáveis que podem

interromper o curso desta história.

É como se o ato de fazer, de criar e de resolver aquele detalhe em um diminuto

pedaço de barro fosse a coisa mais importante do mundo, a busca de algo que

está escondido e que as mãos ajudam a libertar, ao mesmo tempo é tão

insignificante! Como é possível algo assim possuir uma força tão aterradora?

(Fragmento do Diário de Campo).

Por outro lado, a motivação intrínseca na Educação Não Formal, segundo

Trilla (1998) por ser uma atividade que se procura voluntariamente pressupõe “um

mayor nível de moticación de lós sujetos”, porque a participação ocorre a partir de

“intereses y necesidades personal y conscientemente asumidas”. ( p.33).

Assim, transitar pelas motivações que levava as mulheres do atelier a fazer

cerâmica é como caminhar por um terreno movediço, justamente por que assim

como na cerâmica e na Educação Não Formal, a subjetividade de cada uma é

algo íntimo que nem sempre se desvela. Apesar disso, posso afirmar que o fazer

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cerâmica funciona como um dos elementos aglutinadores que mantém este grupo

unido, produtivo e capaz de refletir sobre o mundo em que vivem.

Nesta tarde, todas estavam empolgadíssimas, falando muito e rindo todo o tempo,

Lisa se aproximou de mim e disse: “estamos como los niños en navidad, pues hoy

se abre el horno”, haviam feito uma queima e quando cheguei elas estavam

esvaziando o forno, tirando e admirando suas peças. (Fragmento do Diário de

Campo).

Quem faz cerâmica, encontra-se constantemente desafiado, é o tipo de

fazer que, mesmo complexo e repleto de “acasos”, é capaz de proporcionar em

meio a seu processo, experiências que motivam mesmo nos pequenos detalhes

como abrir o forno e ver qual o resultado dos seus trabalhos.

44.2.2.3 Fazer(se)es

Esta reflexão dedicada especificamente ao fazer(se)es, presente em

diferentes momentos desta tese, desde o seu título, apresento-a de forma muito

mais reflexiva do que analítica, haja vista que há um certo ineditismo desta

expressão. Portanto, minhas próprias reflexões enquanto artista, mulher,

professora e minha história de afastamento e reencontro com o fazer cerâmico

foram relevantes. Abordo também o significado do fazer(se)es numa ótica voltada

ao atelier de cerâmica e em como esse espaço consolida o fazer(se)es das

mulheres enquanto grupo. Além disso, tomo como referência básica as

entrevistas de Nines e também de Isa e de Inés, que representam a dinâmica da

transformação dos fazeres em fazer(se)es. Neste sentido, a metodologia da

Investigação Narrativa, aliada à Etnografia incluiu-me como observadora

participante, integrada ao processo dos fazeres e do fazer(se)es, (fazer-me).

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Considerando a perspectiva levantada por Certeau (1994), concebo o

atelier de cerâmica para as mulheres que o frequentavam a partir de algumas

possibilidades tais como: que o atelier poderia ser uma espécie de extensão dos

espaços privados, de suas casas, onde seu trabalho não era reconhecido, nem

valorizado; que o trabalho com a cerâmica, fora de suas casas, poderia contribuir

para a superação da “invisibilidade social” que permeava seu cotidiano de dona

de casa. Neste sentido, a frequência ao atelier que perdurava quase o tempo de

uma vida (algumas desde que ele fora criado, há aproximadamente quatorze

anos) constituiria um espaço de “fazer(se)es” porque ao sair de seu espaço

privado de suas casas, e de seus fazeres “invisíveis” e sem reconhecimento

cultural, seu “trabalho” com a cerâmica adquiriria outro sentido, passando a ser

reconhecido socialmente. Com isso se construiria outra esfera, um outro lado da

vida, e por consequência uma reconstrução de suas próprias Identidades

Femininas. Enquanto fazem, também se refazem, logo, o atelier seria um espaço

de fazer(se)es que lhes iria ampliando o sentido da vida.

O fazer manual estimula o pensamento e assim podem visualizar novas

perspectivas para suas vidas. Conforme aponta Shirai (2012), os fazeres manuais

realizados pelas mulheres podem ser considerados como um ato de resistência e

político também, como uma forma de resgate do direito de ser quem são. Os

fazeres já não podem mais ser considerados simplesmente como uma tarefa

destinada a preparar as mulheres para assumirem um papel menor, como

anteriormente era visto, que era o de ser dona de casa, submissa ao homem.

Neste sentido, o atelier de cerâmica se consolida como um espaço de

resistência e de reflexão sobre as Identidades Femininas, por possibilitar que este

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grupo de mulheres construa novas narrativas e exercite formas de pensar sobre

suas vidas e sobre suas Identidades Femininas.

Mesmo conservando detalhes que o configuraria como extensão de suas

casas, o atelier de cerâmica constitui, ao mesmo tempo, um espaço em que elas

extrapolam os limites da esfera privada, relacionando-se com diferentes contextos

através da convivência e da crítica aos valores com que foram educadas,

ocorrendo, assim um fazer-se a si, um fazer(se)es.

Fazer(se)es, enquanto subtema pode ser percebido ao longo das análises

das demais temáticas até aqui abordadas e, na verdade, permeia todos os

momentos desta investigação, já que considero que todas as construções

mediadas pelas narrativas e pelos fazeres ou práticas artísticas são o resultado,

com maior ou menor intensidade, de uma maneira de fazer(se)es.

A minha própria construção neste processo investigativo é permeada por

momentos em que o fazer(se)es - (fazer-me) -, pode ser identificado, em que a

minha retomada ao fazer cerâmica como aluna e o meu posicionamento como

investigadora sofreram um processo de construção que entre embates e conflitos

foi cunhando seus espaços.

Desde que iniciei as observações tenho me dedicado muito tempo a dar voltas e

pensar no fazer e desenvolver como projeto de trabalho cerâmico, tenho ido aos

encontros e estou sempre fazendo alguma coisa, mas até então ainda não me

encontrei. (Fragmento do Diário de Campo)

Já fiz o trivial, pratos e potes, já fiz o que eu costumava fazer antes (pecinhas

cerâmicas) e até agora não me encontrei. Vejo como esse encontro com essas

mulheres, é uma forma de reencontro comigo mesma. (Fragmento do Diário de

Campo)

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Mas na verdade é um reconhecimento, pelo fato de ter que conhecer o meu eu

novamente, talvez, a cerâmica me ajude com isso. (Fragmento do Diário de

Campo)

As dificuldades sentidas por mim ao inserir-me no atelier se situaram

primeiramente no fato conflituoso do fazer cerâmica, ou melhor, do não saber o

que fazer, de não saber por onde retomar uma atividade da qual eu havia me

afastado há alguns anos e que estava em um canto esquecido e pouco

exercitado. Retomar este fazer era na verdade um começar, já que a falsa ilusão

da “retomada”, de seguir do ponto de onde havia parado há anos atrás era

evidentemente impossível.

Para estar neste espaço, tenho que trabalhar, ou seja, desenvolver algum

trabalho plástico, não posso simplesmente ir e somente olhar ou conversar, não,

tenho que estar ali por uma finalidade que é fazer cerâmica. (Fragmento do Diário

de Campo).

Não sei se os demais investigadores passam por isso, ou isso é uma falha na

minha constituição como tal, o que é certo é que a cerâmica exerce um poder tão

grande sobre mim, é uma relação tão forte que domina a minha razão. É quase a

sensação de estar apaixonado (e isso eu já estive muitos vezes) a de que o

mundo pode desmoronar ao teu redor que somente aquele momento importa,

porque é algo tão íntimo, tão grande é um encontro feito de plenitude que me faz

perguntar: porque eu deixei passar tanto tempo, como eu vivi todo esse tempo

perdida desta sensação? É como se uma parte de mim estivesse dormindo e

agora, de repente, despertasse! (Fragmento do Diário de Campo).

Os questionamentos e incertezas de algum modo serviam para que eu

pensasse também questões que me tocavam profundamente, tanto no âmbito de

minha história pessoal como também, na minha posição como acadêmica e

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profissional, a que possuía antes e a daquele momento, a passada e a presente.

Também, nas questões sobre as Identidades Femininas, sobre a minha

identidade, sobre afazeres e os fazeres condicionadores do papel das mulheres,

sobre os fazeres ou práticas artísticas que ao menos naquele espaço tinham o

poder de libertar, sobre o fazer arte e sobre a importância que o fazer cerâmica

possuía para mim, sobre tantas e tantas possibilidades que via diante de meu

caminho que às vezes, parecia incerto, e que, no passo seguinte se consolidava

em certeza.

Juntamente a tantas questões, havia ainda, a construção de meu papel

como investigadora, que também ia sofrendo um processo, que teve que

aprender a dividir espaço com o fazer cerâmica, já que as observações

necessitavam de atenção, e por outro lado, o fazer cerâmica também.

Neste sentido, é importante retomar o que diz Clifford (2001, p.41)

La observación participante obliga a sus practicantes a experimentar, en un nivel tanto intelectual como corporal, las vicisitudes de la traducción. Requiere un arduo aprendizaje del lenguaje, y a menudo un desarreglo de las expectativas personales y culturales.

Esta investigação ao situar-se dentro da perspectiva narrativa teve a

possibilidade de articular-se à etnografia que auxiliou entre outros aspectos a

situar o meu papel enquanto observadora participante. Neste sentido, a

Investigação Etnográfica centra-se na observação e participação do investigador

no campo, sendo esta uma das ações que exige equilíbrio, aprendizagem e,

sobretudo, uma dose certa de imparcialidade para que as convicções pessoais e

culturais não interfiram no contexto observado.

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Dei-me conta que isso na verdade torna-se um conflito entre a pessoa que está ali

para produzir cerâmica e a pessoa que está ali para ser a observadora

participante, é um conflito entre a investigadora e a pessoa artista que ainda mora

dentro de mim, que eu até achava que havia sumido para sempre. Embora elas

sejam a mesma, elas têm formas diferentes de atuar, elas se comportam

obedecendo as suas naturezas. Mas aqui isso é um problema, já que preciso

estar atenta ao que se passa, preciso observar o que elas fazem e preciso ouvir

suas histórias. (Fragmento do Diário de Campo).

Neste sentido percebia como minha construção enquanto investigadora ia

afetando o meu olhar, ia influenciando minha forma de observar e relatar o que se

passava no cotidiano do atelier, levando-me à seguinte questão: este olhar que

vai sendo alimentado, que vai refletindo e questionando com o auxilio de outros

posicionamentos, o estar “dentro” e “fora” (Clifford, 2001) é contributivo para o

olhar do investigador é uma forma de fazer-me?

Tenho percebido que cada vez que escrevo me deixo influenciar pelas leituras

que estou fazendo, estive olhando, tem alguns que identifico claramente quando

estava lendo Joan Scott, outros que estava mais centrada nas questões da

metodologia, quando estava escrevendo sobre a Investigação Narrativa e este é

totalmente influenciado pelas leituras de Certeau. (Fragmento do Diário de

Campo).

Neste sentido, pensando na questão levantada, acredito que o meu olhar

para o atelier e para as narrativas das mulheres apoiado pela teoria e por novas

perspectivas possibilitou-me um olhar mais reflexivo e crítico, que transitava por

um amplo cenário capaz de aplicar na prática o que estava sendo lido. O ato de

fazer cerâmica, de estar imersa nesses fazeres foram, ao mesmo tempo,

estímulo, recurso e caminho para o fazer-me enquanto investigadora. À medida

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que tinha que manter o equilíbrio entre o fazer cerâmica e o (re)fazer-me como

artista, como profissional e como mulher, refletindo sobre minhas Identidades

Femininas e construindo-me como investigadora, tudo isso foi possibilitando em

mim o fazer(se)es.

Este dia, enquanto caminhava até em casa, vim pensando na tarde que tive, no

meu reencontro com uma parte de mim quase esquecida. Também do que se

partilha em um espaço como este em que estou me inserindo, muito mais que

implicar-me a fazer cerâmica, acredito que nos implicamos (e digo no plural, pois

acredito que estamos todas envolvidas) com o fato de conviver, de aprender, de

ouvir e pouco a pouco o ir “fazendo-se”. Fazer cerâmica exige paciência, cuidado

e atenção e assim como esse fazer, parece-me estar construída a relação destas

mulheres entre si e quem sabe, de alguma maneira, já comigo. (Fragmento do

Diário de Campo)

Da mesma forma, o fazer(se)es – fazer-me - foi um processo que, mesmo

sendo construído de maneira individual, não foi percorrido de maneira solitária,

pois em inúmeras vezes senti-me acompanhada e amparada, tanto pelas leituras

como pelas trocas com as mulheres do atelier.

Parece-me um aspecto bem interessante pelo qual posso pensar a construção da

identidade do grupo e de cada uma delas. São as construções coletivas em que

este fazer repetido significa um reconhecimento ou uma espécie de sentimento de

“pertencer” ao grupo. (Fragmento do Diário de Campo).

Embora a questão do fazer(se)es seja muito complexo e muito difícil de ser

observada e mensurada, algumas falas e narrativas apontam indícios de sua

ocorrência no grupo, tal como quando Isa comenta a respeito do espaço do atelier

e nas relações construídas no grupo:

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“Sí tener un espacio donde la gente te escuche, que tú puedas hablar sin que te

juzguen…” (Isa)

“Y después tu habrás visto que aquí somos varias, y todas venimos con un

problema, lo explicamos, una amistad, y no le sale mal explicarlo, aun que

convivan en el mismo barrio, porque hay una confianza, yo creo también que hay

un poco, es como una caja, porque estamos aquí, nos encontramos a gusto, nos

encontramos bien, hablamos, decimos, una si tiene un problema lo dice, las otras

escuchas…ay yo pienso eso, ay yo pienso el otro, pero después cuando se van,

yo nunca he visto chafarderia”… (Isa)

O atelier de cerâmica constitui um espaço de salvaguarda, onde as

mulheres vão se fazendo, porque ali suas vozes são ouvidas, encontram

espaços para compartilhar suas alegrias e tristezas, encontram apoio e

compreensão, onde se escutam mutuamente, aprendem, trocam e crescem

enquanto pessoas. É um espaço que alia o fazer cerâmica enquanto atividade

manual e intelectual, aliados à reflexão sobre suas vidas e sobre o mundo,

resultando no fazer(se)es.

É interessante a relação que se estabelece entre a cerâmica ser uma atividade

de grupo, de certo modo relaciono como se fosse uma pequena tribo que cuida

mutuamente de seus membros. Para fazer cerâmica é necessário o domínio

técnico e isso se conquista ao olhar, conviver com a técnica e com os demais.

Também a cerâmica em si requer cuidado, requer paciência. É o tempo atuando

sobre ela e ao mesmo tempo sobre as pessoas, é uma experiência de fazer e de

fazer(se)es que se compartilha e se vive de maneira conjunta. (Fragmento do

Diário de Campo)

Tendo em vista as narrativas de Nines, que ocorriam de forma reflexiva

sobre sua vida, por ser também comunicativa e falante, ela contribuiu com um

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aspecto muito importante que foi a forma como construiu suas Identidades

Femininas e como conseguiu dar outro sentido às suas experiências e

transformar sua perspectiva de vida. Quando perguntada se a frequência ao

atelier de cerâmica havia mudado sua vida, Nines é enfática ao afirmar:

“Cambió totalmente, cuando empecé cerámica yo no hacía nada, nada más que

la gimnasia, hacía la gimnasia y empecé a tener compañeras, con grupo

acostúmbrame a estar en grupo, y con la cerámica, otro taller, el trato con las

personas que ves, que cada uno somos distintos que puedes chocar con unas

personas, con otras al mejor no, porque eso se transmite no, eso se trasmite,

aprendes, cuanto más personas tratas yo creo que más se aprende”. (Nines).

Nines se deu conta de que o contato com outras pessoas e em especial

com o grupo da cerâmica foi significativo para aprender e aprimorar as relações,

por isso o atelier de cerâmica, além de espaço de Educação Não Formal, foi

também um espaço de fazer(se)es, aliando os fazeres ou práticas artísticas á

possibilidade de crítica consciente e profunda sobre seus posicionamentos a

respeito de suas Identidades Femininas

Também na citação seguinte, Nines utiliza o termo “tu misma te vás

modelando...” que é uma expressão característica da cerâmica e isto confirma a

dimensão deste fazer em relação à reflexão, análise e redimensionamento das

suas ações e do seu pensar. Aqui se pode considerar o atelier, como um espaço

de ruptura e de construção de uma mulher que não vê mais sentido e nem se

conforma com a vida entre quatro paredes.

“…entonces tu misma te vas modelando un poquito, porque no vas a modelar a

los otros…te vas modelando para poder llevar todos, para poder llevarlo bien, y

claro que empecé en la cerámica, a salir de casa, porque mientras mis hijos eran

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pequeños yo tenía muchas obligaciones, pero empezaran a salir a trabajar y ¿yo

o que hacía en casa todo el día? ¡Limpiando y haciendo punto, como te he dicho,

eso era horrible!” (Nines)

Ao dar-se conta do ambiente pouco significativo em que vivia, Nines

passou a experimentar formas de romper com sua estrutura engessada e

empobrecida culturalmente, enquanto era apenas dona de casa e que “(...) era

horrible!”. Passou então a aproveitar as oportunidades de conviver e de

aproximar-se de grupos que foram tornando-a mais integrada, mais reflexiva e

mais crítica.

(…) “y digo, es la gimnasia, es la cerámica, empecé a apuntarme para todo, al

teatro, bueno todo, y gracias a eso llevo todo mucho mejor porque me doy

cuenta”. (Nines)

É visível, nos posicionamentos e nas falas de Nines, que os fazeres ou

práticas artísticas desenvolvidos no atelier, levaram-na a descobrir outros

espaços significativos contribuíram para um fazer(se)es que a tornou uma pessoa

mais integrada ao seu tempo, mais posicionada, mais atuante, enfim uma mulher

diferente.

Também Isa contribui em suas falas com a perspectiva dos fazer(se)es, ao

reconhecer que os momentos dos fazeres cerâmicos são enriquecedores,

possibilitando satisfação pessoal e enriquecimento cultural.

(…) “que no se piensen que la mujer viene aquí pasar el rato y porque se aburre,

no es eso, porque la que se aburre esta vendo la tele, o hablando con la vecina,

chafadeando lo que hace la vecina de arriba o de abajo, pero aquí se viene hacer

cosas que te gustan, estar con compañía, a pasarlo bien, yo creo que eso es lo

mejor que podemos aportar.” (Isa)

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(…) “yo lo que veo que aquí en esta clase, en otras clases que doy no tanto, pero

aquí en cerámica hay mucho…yo tengo la del policromado en los lunes, que ahí,

también hay una relación pero no es igual la relación aquí, ahí es para hacer,

pintar y eso pero es para hahaha, hihihi, reírte y nada más, no es una relación

como aquí, yo como la clase de cerámica, en pocas clases las he visto…” (Isa)

Isa reconhece que o trabalho no atelier de cerâmica é diferente de qualquer

outro de que tenha participado tanto como aluna e como professora e conjectura:

“… no lo sé si es por el ambiente, no sé porque pero de mucho años…o la

manera del trabajo, que es creatividad, pues con un trozo de barro tú haces lo que

tú quieres…” (Isa)

Por fim, também Inés encontrou nos fazeres cerâmicos ou práticas

artísticas um espaço de fazer(se)es, pois trocar uma profissão que lidava com o

pesado, com a força, em razão de seus problemas de saúde, por um fazer

delicado e quase abstrato pode desafiá-la a um novo fazer(se)es.

“… es un proceso y una vez a la semana, empiezas una cosa, una pieza,

necesitas la semana siguiente para un poco terminarla y la siguiente, un poco

perfeccionar, luego alisar, dejar secar, muy lento.” (Inés)

Ocorre uma adequação a um novo fazer, a cerâmica, e,

consequentemente, vai adequando também seu jeito de ser, exercitando a

paciência, perseverando e isso acaba transformando um pouco a si, em um

fazer(se)es.

Tratar dos fazer(se)es nesta investigação como um dos temas a ser

analisado, aportou um grau de complexidade a uma atividade que, de início, meu

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olhar cheio de vícios, um olhar acostumado a outra perspectiva para os fazeres

cerâmicos, achava que não encontraria a riqueza e multiplicidade que o

aprofundamento foi capaz de mostrar. Enfim, considero que com as mulheres do

atelier, compartilhei e construí vínculos, afetos, saberes e, sobretudo, o meu

próprio maior e melhor fazer(se)es.

44.2.3 Conversar e fazer... momentos de aprender: a

Educação Não Formal

A educação estruturada e hierarquizada, inserida num sistema de ensino

dedicado especialmente à aprendizagem dos conhecimentos organizados e

estruturados é a educação formal que se desenvolve em geral na escola. A

educação como processo ininterrupto de aprendizagem desde o nascimento até o

fim da vida pode ser classificada como educação informal. Já a educação que

ocorre em diferentes instituições e organizações sociais que não têm por objetivo

estabelecer uma ordem hierárquica e sequente de seus períodos ou intervalos de

tempo, é a Educação Não Formal.

O atelier de cerâmica, onde me inseri e onde desenvolvi esta investigação,

situa-se dentro de uma perspectiva não formal de educação. O espaço do atelier

de cerâmica, onde as mulheres se encontram, conversam, fazem objetos

cerâmicos, enfim, narram suas vidas e desvelam narrativas sobre suas

Identidades Femininas, configura-se também, como um espaço de aprender e de

ensinar, ou de Educação Não Formal, porque, nesta modalidade de educação,

uma das “características é a importância e relevância das ações da prática e dos

saberes e fazeres cotidianos” (Garcia, 2008).

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44.2.3.1 Relações de aprender e ensinar no atelier de

cerâmica

As relações estabelecidas dentro dos espaços de Educação Não Formal,

conforme Ghon (2008), nem sempre foram valorizados, mas são perceptíveis e

importantes nas relações de ensinar e de aprender. Eles ocorrem, em geral, fora

da escola.

Neste sentido, o atelier de cerâmica constitui um espaço pertencente ao

que Ghon (2008) denomina de “Terceira via, terceiro setor e ONGs: espaço de um

novo associativismo”, uma vez que pertence a uma Associação de Mulheres,

instalado num Centro Cívico de um Bairro de Barcelona, onde se faz e se aprende

a fazer cerâmica, mas também onde ocorrem outras aprendizagens, nas trocas

de saberes, na pesquisa, na mostra de seus objetos construídos, na orientação e

aprendizagem do uso de diferentes materiais.

Embora as relações estabelecidas no atelier aparentem não terem sido

pensadas como situações de aprendizagem, podendo confundir-se com a

educação informal, as características das relações e o vínculo estabelecido com a

Instituição mantenedora, a Associação de Mulheres, mesmo que, através do

pagamento das mensalidades, os processos relacionais que ocorrem ali, só

acontecem porque existe uma predisposição para a aprendizagem de umas com

as outras e uma predisposição de ensinar, exercida com afinco, pela professora

Isa.

“...y a mí no me gustaba, yo cuando hago clases es para pasarlo bien, que salga

todo bien, no?” (Isa)

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Observei que Isa tem seus propósitos bem definidos ao ensinar, embora

deixando transparecer uma liberdade de opção.

A dinâmica do atelier é a de cada um se dedicar ao seu trabalho, mas sempre

tem o interesse uma pelo trabalho da outra. Acho que é uma maneira de

reconhecer umas as outras, uma forma de entender um pouco melhor este outro

universo (as outras) que compartilha esse espaço por algumas horas uma vez na

semana. (Fragmento do Diário de Campo)

A entrevista com Inés demonstra o quanto se pode aprender em relação

aos diferentes materiais utilizados na cerâmica, desde os tipos de barro, até os

processos de pintura e queima.

Mônica: ¿He visto que has hecho las pruebas de colores y todo, te gusta mucho

investigar verdad? (Pensei para mim: igual eu fazia na faculdade) (Entrevista com

Inés)

“A veces me quedo mucho tiempo haciendo cosas que al mejor no tienen ningún

resultado, los tiro o las deshago, pero sí, es sacar algo que no sea lo que hace

todo el mundo, no… Aunque hay alguna cosa que al mejor está muy vista, pues

mira, voy hacerlo para ver cómo me sale a mí.”(Inés)

Parece extremamente importante a postura que Inés demonstra frente ao

fazer cerâmica, em que busca a experimentação como forma de constituir um

repertório de conhecimentos que prioriza mais o processo que propriamente o

produto que resulta dele. Esta postura investigativa e crítica apresentada por Inés

pode ser um ponto importante que os fazeres e práticas artísticas pode despertar

naqueles que o fazem, pois ao exercitar os seus processos cognitivos, a que

Vygotsky (1999) denomina “Funções psicológicas superiores”. Há um estímulo

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para buscar novas formas de construir o conhecimento e também, para a busca

de soluções para problemas corriqueiros, do cotidiano.

Ao construir novos conhecimentos, Inés vai reconstruindo sua vida, face às

limitações que enfrenta pela impossibilidade de seguir com sua profissão e vai

estabelecendo novos parâmetros de reconstrução de suas Identidades

Femininas.

Inés relata que ao realizar seus projetos, procura encontrar soluções

diferentes, que ela não viu ninguém mais utilizar, é um recurso para estimular a

sua criatividade, pois o fazer diferente implica em exercitar o pensamento, em

produzir conhecimento e esta é uma postura que revela a constante necessidade

de aprender, de conhecer. Ela revela, neste caso, processos de aprendizagens

significativas e que podem exercer influências e ser estimulo para outras áreas

em sua vida. Então, o aprender, neste contexto, pode ter um caráter muito mais

profundo e significativo do que o simples “ir fazer cerâmica”, como uma atividade

de ócio e lazer.

Neste sentido, o ambiente também é importante e contribui para que as

situações de aprendizagem ocorram, consolidando o espaço como um aglutinador

de diferentes posicionamentos e metodologias (mesmo que não intencionais) de

ensinar e de aprender.

O espaço do atelier possui características adequadas à Educação Não

Formal, porque rompe com a estrutura formal da escola (Trilla, 1998), propiciando

as trocas e relações livres. Esta organização possibilita um espaço democrático

de convivência e de respeito às posições do outro, uma vez que a maioria desses

espaços é ocupada por adultos que já têm suas opiniões e uma formação de vida

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mais consolidada. Portanto, as relações ocorrem em outra instância que não a

das crianças e adolescentes.

Mônica: ¿Y lo que más te gusta en este espacio? Ya que llevas tiempo…el

espacio en sí solo tiene significado por las personas, por lo que vienen hacer… ¿y

lo que te gusta en este espacio? (Entrevista com Nines).

Nines: “A mí me gusta todo, como te he dicho, soy muy comunicativa, tratar con

las personas y por las veces ha habido alguna persona, algún carácter que choca

un poquito, pero bueno, intentas tratarla de una forma…no enfrentarte a ella.”

(Nines)

É também o espaço, organizado de forma a estimular as conversas e as

trocas que possibilitam o estímulo às relações de ensinar e de aprender.

Aprendíamos, tanto umas com as outras, como com o apoio e interferência da

professora.

Desde que comecei a fazer as minhas joias cerâmicas, elas não deixam de

perguntar o que estou fazendo, para quê serve, como eu as pintarei, se eu as vou

usar. Tenho dificuldade de falar, na maioria das vezes utilizo respostas tontas,

porque na verdade percebo como estes objetos têm ganhado mais valor e

cuidado à medida que tenho me dedicado para eles. (Fragmento do Diário de

Campo)

Dou-me conta que este “não dizer” sobre o que eu estava fazendo decorria,

na verdade, de um “não saber”, pois à medida que fazia também estava

desenvolvendo um processo de criação e de aprendizagem. Mas o que fica

perceptível, é que este olhar curioso delas para o que eu fazia também me

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estimulava a procurar respostas, a pensar em soluções que impulsionavam a

busca por novas possibilidades.

Ao dar-me conta de que não sabia responder às questões feitas por

minhas companheiras, de certa forma colocava-me em outro patamar em relação

à minha identidade tanto quanto alguém que já possuía uma experiência anterior

com aquele mundo, de fazer cerâmica como ceramista, artista, mas também,

alguém que possuía a experiência de ensinar, ser professora, foi uma

reconstrução que perpassou também as minhas Identidades Femininas.

Neste sentido, outra situação que também possibilitou questionar as

relações de ensinar e aprender que ocorriam no atelier foi a de estranheza que

causei com minhas propostas cerâmicas:

Charini fazia tempo que não vinha ao atelier me perguntou: “Y eso que son, unos

aretes?”

Mônica: Esto? Son anillos. (e coloco um no meu dedo para mostrar para ela).

C: ¿Anillos? Hahaha...yo pensaba que era una tapa de algo”

M: No, son anillos!!!! E segui fazendo enquanto meu pensamento ria da situação...

Esta estranheza, quase um choque provocado em Charini, revela o quanto

os fazeres ou práticas artísticas podem estar massificados, e o quanto

encasulados podem estar nossas próprias possibilidades de criar e aprender.

Para Charini era quase impensável que pudesse ser feito um anel de cerâmica.

Acredito que este contato com o diferente, com o inusitado, pode possibilitar

reflexões tanto sobre o seu fazer quanto para outras situações da vida.

Outra participante do atelier ao ouvir o diálogo entre mim e Charini,

interferiu rapidamente:

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Marta: “Pero nena, esto no te pondrás ¿verdad?”

O comentário de Marta era beirando ao escândalo, já imaginando a

possibilidade de eu sair pela rua usando aquela peça tão grande, tão chamativa e

fora dos padrões dos anéis convencionais. Eu a tranquilizei dizendo:

“Acho que não, os penso mais como um objeto decorativo...”. (Mônica).

E neste instante, Charini volta a interferir dizendo:

“Creo que podrías ponerlos en cajas de joyas, ¿sabes? O de vidrio o de

terciopelo....” (Charini)

Esta fala revela a importância de situações desestabilizadoras, que levem a

novas formas de pensar, que possibilitem as construções de novos

conhecimentos e a reconstruções de posicionamentos já instaurados e

cristalizados, mostrando que é possível construir novos olhares sobre as coisas e

sobre o mundo. Neste sentido, o contato com a arte pode propiciar estas

situações.

Isto confirma o que aponta Ghon (2008) ao relacionar a Educação Não

Formal com a liberdade e a criatividade o que, de certa forma, neste caso, foi um

contributo da minha inserção no atelier de cerâmica e das relações estabelecidas

com o grupo, tendo podido inclusive, enquanto participante, ter, sem nenhuma

pretensão, influído positivamente e recebido influências, no nosso

desenvolvimento cultural (Barbosa, 2005) e sobre fazeres ou práticas artísticas.

Além disso, no espaço do atelier aprendíamos também sobre o mundo,

sobre a vida, sobre atualidades. Fazíamos críticas aos filmes que assistíamos,

aos programas de televisão, à conjuntura social e, principalmente, à situação das

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mulheres de ontem e de hoje, estabelecendo novos parâmetros para nossas

Identidades Femininas.

As conversas sempre são as mais variadas possíveis, desde programas que

assistimos (Sempre comentamos, semana após semana sobre “Callejeros

Viajeros”). Dos filmes e livros que assistimos e lemos, das viagens que fizemos,

que iremos fazer ou que gostaríamos de fazer, da receita do bolo que alguém

trouxe para a hora do café. (Fragmentos do Diário de Campo)

Nessas conversas a respeito das ações que, se não fossem

compartilhadas, comentadas, discutidas, seriam banais e perderiam o sentido de

ser e do porque existirem podem constituir estratégias importantes para o

aprender e o ensinar, já que mobiliza a reflexão para a vida cotidiana, para o que

aprendemos informalmente e que através de uma espaço de aprendizagem não

formal se organiza e se consolida.

As teorias de aprendizagem66 sempre dão como ponto importante a

curiosidade como elemento motivador e instigador no processo de aprender e

neste sentido, esta era uma das ações que ocorriam continuamente no atelier.

66 Teorias da aprendizagem referem-se aos diversos processos que se encarregam de explicar como ocorre a

aprendizagem nos indivíduos tanto pelo âmbito educacional como também no campo psicológico. São

muitas as concepções (Ostermann e Cavalcanti, 2010) sobre os processos de ensino-aprendizagem, entre as

principais correntes estão: Teorias Behavioristas, Teorias de transição entre o Behaviorismo clássico e o

Cognitivismo, Teorias Cognitivas, Teorias Humanistas, Teorias sócio-culturais, entre outras. No campo do

ensino-aprendizagem em arte destaco autores como: Vygotsky (1999) que apresenta uma nova maneira de

entender a relação entre sujeito e objeto no processo de construção do conhecimento. Para Vygotsky, o

sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque constitui conhecimentos a partir de relações intra e

interpessoais. É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que se vão internalizando conhecimentos,

papéis e funções sociais, o que permite a constituição de conhecimentos e da própria consciência. Trata-se de

um processo que caminha do plano social — relações interpessoais — para o plano individual, interno —

relações intra-pessoais. Gardner (1997) propõe através de seus estudos o conceito de inteligências múltiplas,

acreditando que todos nós somos dotados de um espectro de diferentes capacidades que são: inter e

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A própria aprendizagem sobre cerâmica ocorria também em decorrência

das trocas e da ação da professora.

Marta comentou que havia pintado as negras também, e que seus lagartos

também tinham ficado prontos. Aproveitei que o assunto veio à tona e perguntei

por que todas faziam a mesma coisa, por exemplo, as negras, os lagartos de

Gaudí.

Pregunté a Isa: “¿Por qué todas hacen esto?” Referindo-me aos riscos das

negras.

Isa: “¿Las negritas? ¡Porque les gusta! ¡Es una epidemia”! Tratou de explicar

(Fragmento do Diário de Campo)

Mesmo que fosse uma cópia, utilizando moldes, cada uma das “negras”

possuía características peculiares, que de certo modo, levava a marca dos

fazeres de cada uma das mulheres do atelier. Apesar disso considero que do

ponto de vista das relações do ensinar e aprender esta situação poderia ser

enriquecida, com uma proposição mais desafiadora, de buscar referências

intrapessoal, corporal-cinestésica,lógico-matemática, linguística, espacial e musical. O desenvolvimento está

ligado a uma abordagem simbólica-cultural, que se dá a partir de símbolos, produções simbólicas e sistemas

simbólicos. Existem duas prerrogativas fundamentais: a de que existem pessoas que carregam em seus genes

muito mais informações do que outras, e que por isso conseguem desempenhos acima da média nas áreas em

que se dedicam (os chamados “gênios”) A outra, é que o estímulo, por parte do ambiente e das pessoas, é um

dos fatores determinantes para que estes indivíduos desenvolvam suas habilidades. Em Piaget (1975) as

respostas às questões sobre a natureza da aprendizagem de Piaget são dadas à luz de sua epistemologia

genética, na qual o conhecimento se constrói pouco a pouco, à medida em que as estruturas mentais e

cognitivas se organizam, de acordo com os estágios de desenvolvimento da inteligência. A inteligência é

antes de tudo adaptação. Esta característica se refere ao equilíbrio entre o organismo e o meio ambiente, que

resulta de uma interação entre assimilação e acomodação. O desenvolvimento perceptivo do indivíduo

inicia-se no período intra-uterino e vai até aos 15 ou 16 anos. A construção da inteligência dá-se portanto, em

etapas sucessivas, com complexidades crescentes, encadeadas umas às outras. A isto Piaget chamou de

"construtivismo seqüencial".

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(visuais, históricas, geográficas) como uma forma de ampliar o conhecimento e de

fomentar outros processos de criação e de fazeres ou práticas artísticas, já que o

tema que era interesse de todas, que era uma “epidémia” o mesmo ocorrendo

com as peças que elas reproduziam de Gaudí, uma vez que “o Ensino da Arte ao

ser desenvolvido em espaços que propiciam liberdade, tanto em termos

burocráticos como práticos”, podem contribuir com o desenvolvimento amplo e em

todas as áreas.

Por outro lado, Paulo Freire, educador brasileiro, aponta como uma

característica indispensável à educação de jovens e adultos, genuinamente

iniciado como um processo de Educação Não Formal ocorrido especialmente no

Brasil e no Chile, que as temáticas de estudos deveriam ser levantadas pelos

próprios estudantes e os mesmos iniciavam sua aprendizagem nos denominados

“círculos de cultura” ou “círculos de investigação”, (1987, p.112), o que não é

muito diferente deste caso que ocorria no atelier de cerâmica, como podemos

comprovar com o evento envolvendo negras africanas, lagartos de Gaudí e

outros, como é confirmado por Nines:

“Sabes que cuando una hace algo y que la otra le gusta y entonces, pues... voy

hacer también” (Nines). E começou lembrar que teve a época das máscaras e a

contar de quantas havia feito. (Fragmento de Diário de campo).

Espaços de Educação Não Formal também são importantes na efetivação

de relações, na construção de laços que extrapolam ao simples ensinar e

aprender, de circular melhor no mundo, de conhecer e participar dos códigos

sociais, de inserir-se no contexto. Eu, por exemplo, inseri-me melhor em meu

bairro a partir de minha participação no atelier e neste sentido, as aprendizagens

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compartilhadas e circulantes no atelier ficaram muito evidentes na fala de Inés,

que afirma que sua participação no atelier, além de lhe oportunizar

conhecimentos para a sua vida prática, foi fundamental na construção de relações

sociais.

“Pues se crea un cariño, unos lazos, bueno también te informas de cosas que no

sabes, te aporta cosas, a lo mejor saben cosas del entorno, del barrio que te

pueden interesar. Claro, ellas llevan más tiempo en el barrio, conocen

asociaciones, conocen cosas que quizás te van interesando. Aunque sean

mayores, ya ves tú, Nines, pues que está al tanto de muchas cosas.” (Inés)

Outro ponto significativo nos processos de ensinar e de aprender é o

planejamento e a avaliação. No atelier de cerâmica isso ocorria de forma livre e

habitual, conforme descrevo em meu Diário de Campo:

Nos encontros sempre tem um momento em que falamos como estamos. Este

“estar” refere-se ao que estamos fazendo em cerâmica, e ao que vamos nos

dedicar aquele dia. Considero isto como uma forma de planejamento das

atividades que cada uma organiza e que tem autonomia para desenvolver.

(Fragmento do Diário de Campo)

Pergunto a Inés como “está” e ela me diz que segue com seu vaso que já fazem

duas semanas que segue fazendo e não consegue acabar. (Fragmento do Diário

de Campo)

Neste caso, ocorreu uma avaliação, embora não intencionada e que

estimulou a uma auto-avaliação, conforme podemos comprovar com o diálogo a

seguir.

Mônica: “y tú, ¿Qué tal estás?

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Inés: Bien, aquí con este... tengo mucha cosa empezada, y mucha cosa por

arreglar.”(Inés)

Devido à proximidade que tinha com Inés, acompanhava de perto seu

trabalho e seu processo de fazer cerâmica, que era um pouco parecido com o

meu, por isso avaliávamo-nos mutuamente.

Inés tem algumas peças que estouraram no forno, outras que se quebraram

enquanto estavam secando, ela sempre tem muita coisa para consertar.

(Fragmento do Diário de Campo).

Enfim é inegável que o atelier de cerâmica onde esta pesquisa se

desenvolveu constitui um rico espaço de ensino e de aprendizagem para as

pessoas que o frequentam e talvez seja essa uma das razões que contribuem

para que elas permaneçam ali por tanto tempo.

Um dos aspectos apontados pro Trilla (1998) que caracteriza a Educação

Não Formal é o critério metodológico tal como é possível de ser percebido no

atelier de cerâmica, onde cada uma constrói seu conhecimento de maneira

individualizada e as formas de socialização são livres, não estruturadas nem

temporalizadas, pois elas respeitam os momentos e os tempos de cada um e de

todos.

Dentro das características da Educação Não Formal, este seria um aspecto

que poderia contribuir de forma significativa se levado para o âmbito da educação

formal, dentro da escola. Acredito que o ensino de arte na escola, por exemplo,

poderia utilizar em alguns momentos espaços livres de troca, de criação, de

trocas e socialização.

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Capítulo V

Histórias que se cruzam:

reflexões sobre Identidades Femininas, Educação

Não Formal e o Ensino da Arte.

Este capítulo se construiu quase como uma amarração das diferentes

tramas que foram compondo esta investigação, envolvendo, sobretudo, as

Identidades Femininas em suas múltiplas facetas, a Educação Não Formal que

serviu de lastro para o desenvolvimento dos fazeres ou práticas artísticas, tudo

permeado pelas narrativas, ricas e instigantes que mais e mais desafiavam ao

aprofundamento desta tese.

Tomei como base para o desenvolvimento deste capítulo as narrativas de

Isa, a professora, através da qual procuro refletir sobre os aspectos da

constituição da educadora não formal e de que maneira as Identidades Femininas

atuam sobre estas questões e em como poderão ser articuladas com o Ensino da

Arte. Pontuo também com minhas próprias narrativas, enquanto mulher,

investigadora, ceramista e professora de arte.

Logo, tive como propósito primeiro, abordar o que estabeleci como objetivo

geral para esta investigação, procurando refletir sobre como ocorrem os fazeres

ou práticas artísticas, desenvolvidos num espaço de Educação Não Formal

(atelier de cerâmica), frequentado por um grupo de mulheres e se esse espaço

oportuniza as reflexões e narrativas - fazer(se)es - sobre Identidades Femininas.

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Abordei, neste capítulo, especialmente um dos objetivos específicos para

esta investigação que foi: “refletir sobre como se constitui a trama entre Ensino da

Arte, Educação Não Formal e Identidades Femininas”, onde procurei fazer uma

reflexão e um contraponto sobre o aproveitamento de espaços de Educação Não

Formal para o ensino de artes e, em especial, neste trabalho, discutindo o Ensino

da Arte mediado pela cerâmica e por uma professora, mulher.

Além disso, outros objetivos específicos estão presentes como quando

procurei dar voz ás mulheres para oportunizar que suas narrativas emergissem,

quando procurei perceber relações entre o espaço do atelier e as concepções

sobre Identidades Femininas, quando me propus a identificar se ocorria uma

visão crítica sobre suas identidades e sobre seu cotidiano de mulheres e, ainda,

quando tive em vista verificar o tipo de fazeres ou práticas artísticas que estão

presentes no dia a dia do atelier de cerâmica.

Com a intenção de gerar discussões e reflexões, tentei projetar algumas

perspectivas para o Ensino da Arte na contemporaneidade e a apontar

contribuições, tanto da arte, como da Educação Não Formal para as reflexões

sobre as Identidades Femininas através das narrativas.

Neste sentido, a Educação Não Formal ao possuir entre suas

características a possibilidade de relacionar-se aos contextos sociais e culturais

de forma flexível, articula-se também às necessidades e interesses dos grupos

onde ela é empregada. Da mesma forma, o conceito de Identidades Femininas,

haja vista a sua natureza mutável e em constante deslocamento, foi explorado a

partir de uma perspectiva cultural, por acreditar que os discursos produzidos, as

narrativas e relatos constituem-se como elementos significativos para o seu

entendimento estando relacionados com o contexto investigado. Por sua vez, a

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perspectiva da Investigação Narrativa tanto como metodologia como também,

como fenômeno investigado foi o aglutinador capaz de propiciar a construir e

reconstruir a experiência investigativa mediante um processo reflexivo no qual as

vozes tanto da investigadora como das investigadas foram contando a história

sobre as vidas relatadas.

Ao iniciar a análise do material coletado, percebi que havia um elemento

muito importante que se mostrava responsável por tecer uma trama que dava

sentido a todos os processos que ocorriam no atelier de cerâmica. No início

pensava que era o fato de fazer cerâmica que unia as mulheres, o que é certo,

mas também, percebia que havia algo mais, algo que ao mesmo tempo motivava,

impulsionava e dava coesão ao grupo, aos fazeres e relações decorrentes desta

experiência educativa.

Assim, sem querer, sem muito esforço, a figura da professora foi ganhando

mais espaço, o papel de Isa na investigação foi se tornando justamente este

elemento que sustentava e dava o sentido às dinâmicas de ensinar e aprender

que ali ocorriam.

Ao definir os temas para análise e aprofundamento, percebi que para

aceder a uma parte importante do que ocorria no atelier, precisava passar e

compreender como as relações ali se procediam. Percebi que as Identidades

Femininas evidenciadas por Isa estavam atreladas ao posicionamento que ela

adotava como educadora não formal neste atelier de cerâmica, que se constituía

como espaço de fazeres ou práticas artísticas.

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55.1 Em meio às Narrativas: o protagonismo de Isa

Isa, conforme definido no Capítulo II, foi uma das protagonistas da “grande

narrativa” em que se transformou esta tese. A história de Isa enquanto mulher e

enquanto professora no atelier de cerâmica, apresenta algumas peculiaridades.

Já foi mencionado no capítulo IV que Isa construiu suas Identidades

Femininas com menos repressão que as suas contemporâneas, possivelmente

pela posição política de seu pai -“mi padre era comunista (...)”.

Ela teve liberdade para fazer suas escolhas, pois segundo suas palavras...

(...) “He tenido la suerte de que cuando no estaba casada, que estaba soltera con

mis padres y cuando me casé con mi marido, siempre he podido hacer lo que he

querido, no he tenido muchas trabas”.

Isa vem de uma família que se diferenciava das famílias da época, por isso

se reforça a importância do grupo social na constituição das identidades,

confirmando também o que afirma Dubar, de que as identidades são o produto do

grupo onde foram “cunhadas” e de que de acordo com esta ótica, “cada uno

posee múltiples pertenecías que pueden cambiar en el curso de una vida, en

particular a las que se refieren a la primacía del sujeto individual sobre las

pertenencias colectivas” (2002, p. 13 – 14). Assim, a família, como primeiro grupo

social dos sujeitos, exerce grande força na constituição das identidades.

“A mis padres, yo les decía: papá, que quiero hacer eso. Pues bien, y eso que

éramos cuatro hermanos y yo la mayor y eran otros tiempos, pero ellos siempre

han sido personas muy abiertas”.

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Essa abertura dada pela família e sua liberdade oportunizou escolhas que

a levaram à opção de trabalhar ao invés de estudar...

“Y ellos pues en principio, con 16 años les dije que quería ponerme a trabajar, que

no quería estudiar más y me dijeron que lo pensara, pero yo veía los problemas

en mi casa con cuatro hijos y lo sueldo de mi padre y todo y dije que no, que

quería ponerme a ayudar a casa, y no me dijeron que no, al contrario, ni que sí

tan poco”.

Na verdade, além de sua liberdade de escolha, suas posições revelavam o

senso de responsabilidade e de comprometimento com a família e o tomar as

rédeas da condução de sua vida significava que havia compromisso e sensatez,

que foram sendo construídas desde cedo, e que continuavam sendo percebidas

como sua marca nas atividades do atelier.

“Era libre, me dijeron que si tenían que hacer un esfuerzo para que yo acabara de

estudiar; pero yo veía que mi padre pobre, no, no, así que yo me pongo a trabajar

y cuando pueda estudiaré. Entonces me puse a trabajar y estudiaba por la noche,

después en el trabajo, conocí a mi marido”.

Sua vida transcorria tranquila, tinha um trabalho fora de casa (no que fora

estimulada pelos pais). Casara, continuou trabalhando e quando vieram as filhas

decidiu junto com o marido, dedicar-se a casa e apoiada por seu esposo, procurar

uma atividade a que se dedicar.

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IIsa e sua formação

O percurso formativo de Isa, e seu encontro com a cerâmica pode até ser

considerado um “acaso”67, já que devido a sua situação pessoal, ela pode

dedicar-se a atividades que lhe interessavam optando assim, pela cerâmica.

“Como a mí me gustaba hacer muchas cosas manuales pues, me apunte a

aprender cerámica con un ceramista cuando tenía 26, 27 años y estuve ahí

aprendiendo con él y como vio que me gustaba mucho me dijo para quedarme a

trabajar con él. Entonces en este momento trabajaba en la sección farmacéutica

de (…) y cuando plegué hice de mi hobbie una profesión”.

Este é o primeiro contato de Isa com a Educação Não Formal, pois como

aponta Trilla, a Educação Não Formal aplica-se a um universo muito amplo de

conhecimentos desde à alfabetizacão de adultos até à ”educación para el tiempo

libre y animación sociocultural” (1998, p. 32). Isa passou então a dedicar parte de

seu tempo livre a aprender e a produzir cerâmica.

O curso que Isa passou a frequentar foi abrindo portas e possibilitando que

a cerâmica, enquanto hobbie fosse adquirindo mais espaço em sua vida.

Enquanto ela ia aprendendo e formando-se, ia também contribuindo com a

produção a ser vendida neste espaço.

“Y estaba bien no, porque como era una tienda que después ellos mismos

vendían las cosas de cerámica pues, yo me podía llevar mi hija pequeña, la

mayor la dejaba en el cole y la pequeña podía llevarla conmigo al taller,

trabajando y cuidando a mi hija, estaba muy bien”. 67 O acaso pode ser entendido como algo fortuito que aconteceu sem a intenção do sujeito. Neste sentido,

Almeida (2009, p. 71) considera que “(...) as causas determinantes de um acontecimento nem sempre são

interdependentes: a ação dos indivíduos ocorre em contextos historicamente dados que criam mais ou menos

probabilidades de que certos “acasos” ocorram”.

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(…) “yo cuando iba aprender la cerámica con (Juan68), pues a mí me enseñaba la

técnica y me dejaba hacer lo que yo quería, después cuando veía una pieza, pues

esta podía hacer más para venderla y eso, pues entonces, pues como tu las

hecho, tu las has criado yo te daré tanto por ciento de la venta, pues esto era…”

A partir da “descoberta” de sua relação com a cerâmica, ela passa a fazer

um curso profissionalizante, devido à sua experiência e conhecimentos adquiridos

no atelier ela acede a este curso como uma forma de formalizar seus

conhecimentos e assim, poder fazer da cerâmica um meio formal de trabalho

transformando-se em sua profissão69.

“Pues cuando empecé con la cerámica tenía 27, pues 40 y pico de años, bueno

después me fui a una escuela para sacarme el título”. (Isa)

Ao questionar como havia sido sua formação, e se para ter o título de

ceramista ela havia estudado “Bellas Artes” Isa explica:

“No, sólo cerámica, este ceramista (profesor de Isa) me hizo una carta como que

estaba trabajando con él, que sabía todas las técnicas de esmalte, qué sabia

muchas cosas. Entre en unas clases y me hicieron unas pruebas y eso y después

me pusieron en cursos más avanzados y saqué el título”. 68 Pelas razões éticas que regem esta investigação o nome do professor com quem Isa estudou foi alterado. 69 O sentido que a palavra profissão possui aqui, está relacionada com a busca por profissionalização e

formação ao qual Isa se dedicava ao estar construindo conhecimentos em diferentes técnicas que neste

momento não eram utilizados como seu meio de vida, como bem conta em um dos seus relatos: “Mi marido

me decía: - Tu dedícate a lo que te guste; Yo cuando vendía piezas pues ponía en una libreta, pues mira tanto

dinero… ¿me entiendes? Y hacia así, pero yo quedaba con un dinero para reciclarme y hacer cosas nuevas,

pues entonces cada curso, al mejor hacia dos con cosas nuevas y también hice tapices, hice varias cosas, el

policromado, que son figuras con pan de oro, restauración con policromado también, restauración de muebles

y todo eso, lo fui aplicando en las clases que yo iba haciendo”.

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Segundo Cinqüina (2010), a questão da certificação, considerando os

saberes adquiridos informalmente, que podem ser validados através de Exames,

vem sendo uma das preocupações da União Europeia, constituindo um dos

aspectos que continuam em debate, principalmente considerando a mobilidade

existente entre os países e os diferentes sistemas de ensino. Trilla (1998) aponta

que na Educação Não Formal é comum que se avalie as capacidades e

conhecimentos de maneira personalizada em detrimento a outras formas

burocratizadas, “Cuando se precisam unos conocimientos prévios, se valora

sobre todo la experiência práctica de lós sujetos y sus conocimientos

informalmente adquiridos” (p.39).

Neste sentido a formação de Isa considerou esses saberes adquiridos na

Educação Não Formal, no atelier de cerâmica de seu primeiro professor.

“Después estuve trabajando con él, (Juan) y entonces con otras amigas pusimos

un taller que se llamaba (…) y unas hacían pintura al óleo, yo cerámica e

intentamos hacer así. Y las clases también, teníamos bastantes alumnas, pero

pasó que después una de las socias falleció, después, otra tan poco pudo y

entonces yo sola no podía llevar todo y bueno y pasó la desgracia que me quedé

viuda entonces tuve que replanteármelo todo de una manera para poder yo llevar

la casa adelante”.

Devido às circunstâncias de sua vida, Isa assumiu o ensino de cerâmica

como profissão e como meio de sobrevivência, com isso, o fazer cerâmica como

forma de expressão pessoal teve que ficar em segundo plano.

“Entonces, al final tuve que dejar de hacer eso que me gustaba mucho

(exposiciones) y tuve que empezar a dar clases. Empecé dando clases ya más en

serio, ya estaba dando clases cuando falleció mi marido, llevaba 10 años dando

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clases para el taller que tenia con mis amigas y todo aquello. (…) pero después

ya dije, tengo que tomarme esto más por en serio, y fue así como empecé”.

Este é um importante aspecto presente no relato de Isa que possibilita

refletir sobre o que talvez seja um dos maiores dilemas enfrentados pelos

professores de arte que tem a base de sua formação na prática artística, o de ter

que abdicar, ou relegar a um grau de menor importância a sua produção em

detrimento ao ensino, muitas vezes como uma segunda “opção” (Almeida, 2009),

que decorre da necessidade de exercer uma atividade regularmente remunerada.

“Porque claro, yo si ganaba 20 pues ganaba 20, tenía el sueldo de mi marido que

estaba ahí, si hacia exposiciones, me gastaba, yo que sé, o lo que me había

ganado en un año, en material para hacer la exposición pues me lo gastaba,

después montaba la exposición, si vendía lo muy bien, si no, pues nada.

Entonces, al final tuve que dejar de hacer eso que me gustaba mucho y tuve que

empezar a dar clases”.

São muitos os caminhos que podem levar o artista a dedicar-se à docência,

embora o de ter uma profissão que proporcione estabilidade financeira seja a

mais representativa, ainda existem outras questões envolvendo esta

problemática. Conforme o estudo realizado por Almeida (2009), que analisa a

questão do artista-professor institucionalizado, na universidade, no Brasil, “a

“opção” pela docência como carreira paralela à de artista resulta da convicção de

que o ensino, mais do que qualquer outra profissão, é conciliável com a produção

artística”. (p.71).

Embora o ser artista-professora, (Almeida, 2009), seja conciliável, outro

aspecto que deve ser levado em conta é a grande importância que o contexto

possui para que isso seja possível, e que estas duas atividades se desenvolvam,

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conforme o estudo realizado por Almeida (2009) em um contexto formal de

educação, um de seus entrevistados expõe o mesmo tipo de situação referido por

Isa:

O que sinto como absurdo hoje em dia é uma sobrecarga que acontece por uma questão de sobrevivência: além das aulas, você tem de articular mil outras coisas paralelas para poder sobreviver. Professores geralmente dão aulas em mais de uma escola, têm de fazer bicos por fora, e é lógico que com isso o trabalho do ateliê vai para trás. É o primeiro espaço que você invade, o primeiro espaço do qual eu tiro tempo para poder sobreviver. Isso causa ao artista a frustração de ter que engavetar seus projetos. Você tem ideias, mas não tem tempo viável e, muitas vezes, nem as condições financeiras propícias para fazer um trabalho do jeito ou no ritmo de tempo que se gostaria. Então se truncam, o tempo inteiro, esses projetos. Isso é uma coisa que eu não gosto, acho que isso deve afligir bastante as pessoas que vivem situações semelhantes. (p. 49).

Em suma, o que é percebido com isso que tanto para educadores e

educadoras formais e não formais, é difícil sobreviver como artista, unicamente, e,

muitas vezes, acontece como aconteceu com Isa, que ao depositar na docência

sua forma de sobrevivência não encontrou possibilidade para conciliar estas duas

atividades. Assim, iniciou-se a história de como Isa passou a ser professora de

cerâmica, abandonando sua prática artística.

IIsa e suas experiências docentes: a construção da história

do atelier de cerâmica

Pensar sobre a formação da educadora70 não formal, em como se dá sua

constituição e como ocorre sua escolha, é um terreno que pode levar a inúmeras

70 Utilizei ao longo deste capítulo o termo educadora, para referir-me a Isa, mas em muitos momentos as

reflexões realizadas são extensivas aos educadores. A opção por utilizar somente o termo educadora

(feminino), não se constitui como uma forma de exclusão ou de desmerecimento ao educador (masculino) e

somente assim o adotei para a melhor fluidez do texto.

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direções, já que as experiências e vivências que vão repercutindo em escolhas

são singulares, assim como as narrativas de cada um de nós.

No caso de Isa, sua formação inicial em cerâmica ocorreu também em um

âmbito não formal de ensino e, mesmo ao buscar profissionalizar-se, realizando

um curso para obter a titulação como professora de cerâmica, é possível perceber

que suas escolhas, foram-na conduzindo para o mesmo tipo de ambiente que a

formou.

Coforme o que comenta Trilla (1998) é difícil definir um perfil da educadora

não formal, sendo este muito variável, da mesma forma que o status profissional e

a formação requerida. “Hay medios no formales con personal pedagógico

totalmente profesionalizado, pero también, y en cantidad quizá mayor, los hay con

personal semiprofesionalizado o totalmente amauter.” (p.34).

Da mesma forma, as experiências discentes e docentes de Isa podem ser

consideradas as responsáveis por constituir o que podemos considerar como sua

identidade de educadora,

“Y entonces con las clases pues, primero estuve haciendo clases con el

ayuntamiento, después con el INEM (Instituto Nacional del Empleo)71, hice clases

de cerámica para gente que venía aprender a cerámica, lo que pasa es que no

me gustó mucho, mucha burocracia (…) después había gente que venía no por el

hecho de hacer cerámica, mas para hacer un curso mas y para que le pagara y

71 O INEM (Instituto Nacional de Empleo) foi substituído por outro serviço (SEPE) que presta o mesmo tipo

de serviço, ao procurar por informações, o site do INEM tem a seguinte informação: “El Servicio Público de

Empleo Estatal (SEPE), desde la publicación de la Ley 56/2003 de 16 de diciembre, de Empleo, es el

responsable de la ordenación, desarrollo y seguimiento de los programas y medidas de la política de empleo a

nivel nacional. Junto a los Servicios Públicos de Empleo de las Comunidades Autónomas forman el Sistema

Nacional de Empleo”. Disponível em: http://www.sepe.es/contenido/intermedia.html (Acessado em 22 de

abril de 2013).

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eso a mí me desmotivaba mucho porque la gente venía ahí… “es igual no quiero

hacer nada”… y a mí no me gustaba”.

Isa teve a oportunidade de ensinar cerâmica em um sistema

institucionalizado72, no caso, através de um programa que possuía uma estrutura

não tão flexível, mais burocratizada, que oferecia qualificação para pessoas se

recolocarem no mercado de trabalho. Através de sua fala é possível ver que neste

sistema, ela não encontrava motivação para desempenhar a docência, já que

nem sempre suas expectativas como professora eram correspondidas da forma

esperada pelos frequentadores de seus cursos.

Conforme comenta Trilla (1998), a atividade desenvolvida poderia estar

relacionada ao que o autor chama de funções relacionadas com o trabalho tais

como:

Formación ocupacional, programas de inserción laboral o de reconversión profesional, cursos de reciclaje y perfeccionamento profesional, programas híbridos de educación recurrente, programas no formales de orientación profesional, (...) (p. 47).

Aqui se estabelece uma diferença importante em relação ao fato de ensinar

em um ambiente institucionalizado (onde nem sempre os envolvidos neste

processo estão comprometidos e engajados, por não ser sua opção e sim, uma

imposição) e um ambiente não formal, como no caso do atelier, em que as

72 Conforme aponta Trilla, o institucionalizado dentro da Educação Não Formal pode ser considerado uma

via de mão dupla: “en primer lugar, los programas o procesos que la integran se desarrollan organizadamente

en el seno de instituiciones (o, al mejor, están directamente promovidos o financiados por ellas); y, em em

segundo lugar, aquellos procesos se hallan internamente normativizados em relaciona a su funcionalidad.No

obstante, por ló que se refiere a la complejidad administrativa y burocrática, el nível de institucionalización

es variable” (1998, p.129).

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pessoas procuram porque possuem interesse em desenvolver aquele tipo de

atividade.

“Yo cuando hago clases es para pasarlo bien, que salga todo bien ¿no?, que

sienta que a ellos les gusta y que disfrutan haciéndolo, pero si es para estar…

“pues no tengo ganas de hacer”…o mira…pumpumpum… y ya está un churro”

(…)

Com isso, é possível pensar que possa se construir uma identidade que se

ajusta ao ensino não formal, em que o educador ou a educadora, ao ter contato

com as possibilidades apresentadas pela Educação Não Formal pode encontrar-

se com dificuldades para se adaptar a estruturas pouco flexíveis do ensino formal.

(…) “porque después tengo que ponerte una valoración y te lo pongo que no, no

te lo pagaran, y yo no me encontraba a gusto, me lo pagaban muy bien, me

pagaban mejor, pero, yo pensé, no…”

“Sí que es diferente, porque aquí yo noto que estoy más libre, en los claustros, yo

también he estado en colegios con niños, pero yo entraba dentro de lo que era las

clases extraescolares, no dentro del currículo, extraescolares. Yo nunca he

estado en un sitio, por ejemplo, horas lectivas en una universidad o de un colegio,

no he estado dentro, también porque a lo mejor aquí lo que se hacía mucho, es

que se os niños hacen cerámica o hacen manualidades o hacen cosas, los hacen

los mismos profesores de la clase, del colegio. Ahora, hacen unos años que

empezaran a sacar lo que era todo lo de manualidades que lo hiciera un profesor

que tuviera un título universitario de artes aplicadas e cosas así, pero yo como ya

me cogió con 50 y pico años, yo meterme para sacar otro título y otra cosa ya no.

Y estaba bien tal como estaba”.

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Assim como Isa, penso que muitos educadores e educadoras também se

deparam com situações e dilemas semelhantes, que colocam em jogo as

convicções e expectativas do tipo de prática educativa muito mais relacionadas à

satisfação pessoal e que gostariam de realizar, frente a uma remuneração mais

atrativa e frente ao enfrentamento da burocracia em âmbitos que propõe outras

finalidades para o ensino.

Estas marcas podem ser perceptíveis quando Isa conta sobre como iniciou

sua atividade vinculada ao ensino não formal no Centro Cívico e de como esta

experiência impulsionou o desenvolvimento de uma característica importante em

sua prática docente: a liderança e a persistência.

“A mí me contrató la asistenta social del barrio porque había mucha gente con

problemas y entonces decían que la cerámica les podía ayudar. Así que empecé

con las clases de esta manera, para ayudar a la gente y a mí me pagaba la

asistenta social, el ayuntamiento. Entonces, material, pinturas y todo eso eran

subvencionados por el ayuntamiento y todo lo tenía gratis, el barro y todo. Incluso

las matrículas de los que venían a la cerámica también, era todo gratis”.

Oriunda de suas práticas é possível ver delinear-se uma educadora

consciente de seu papel e responsabilidade frente aos seus alunos, que se

envolve em nível pessoal e que prima pelas relações de bem estar, tanto a sua,

como a deles.

Pergunto-me se, questões como estas, que se relacionam com a

constituição e a formação dos educadores e das educadoras, além de garantirem

as competências necessárias para o ensino da área de atuação, não deveriam

dar ênfase para a construção de um perfil de educador comprometido, ético e

sensível às questões do contexto onde atua?

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Acredito que esta é uma questão que ganha relevância especial quando o

contexto em questão está relacionado a fazeres e práticas artísticas destinadas a

pessoas que buscam nestas práticas uma forma de encontrar amparo para

enfrentar situações conflituosas em suas vidas em que estes fazeres sejam uma

forma de refletir e exercitar um olhar positivo para o cotidiano.

“Y lo pasaba bien, a parte que ayudaba a la gente. También lo pasaba mal,

porque hay veces, depende el carácter de cada persona, en una clase de ocho,

diez personas, gente problemática, pues tenía que ir con mucho tiento no. Pero

después me adapté bien, pues si teníamos que reír nos reíamos, si teníamos que

llorar porque uno explicaba algo pues…era un poco así…más familiar. Y después

la gente, pues “yo quiero hacer eso, pues quiero hacer un payaso pero con la

nariz así”, bueno pues si lo quieres hacer así pues hazlo así, y ellos se ponían

muy contentos. Aparte también yo estaba pasando un mal momento y todo eso

me ayudó mucho. Y después, el ayuntamiento dejó y entonces dijeron que se

cerraba la clase y yo dije que no, que por qué sí había tanta gente que le gustaba.

Había gente que también estaba aprendiendo a coser entonces dijeron que se

podía hacer una asociación, entonces dijimos adelante, y empezamos a montar la

asociación. Y fue cuando se hizo la asociación de mujeres”.

Estes aspectos ficam evidentes no que conta Isa sobre sua prática docente

e como isso a levou a engajar-se e a envolver-se tanto com o seu trabalho como

educadora, como também a se comprometer de maneira pessoal e afetiva. As

necessidades percebidas por ela no contexto em que atuava a impulsionaram e

motivaram a participar na formação da associação de mulheres do bairro:

“Sí, entonces empezamos a montar lo de la asociación y como también había

hecho una asociación para gente del centro cívico del otro barrio, y había

ayudado a montar la asociación pues empecé a traer gente de ahí para que

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hablara con ellos. Entonces los que tenían más tiempo o que podían invertir más

para ayudar estuvieron más involucrados y así se hizo la asociación”.

Isa possuía experiência por haver participado na formação de uma

associação em outro bairro e devido a isso, passou a mobilizar a comunidade

para a formação da associação de mulheres. Aqui se salienta um importante

aspecto que em partes é despertado através dos envolvidos com a Educação Não

Formal: a de mobilizar a comunidade para trabalhar na busca de melhorias para o

seu cotidiano. As próprias mulheres do bairro onde esta investigação se

desenvolveu com a ajuda de uma assistente social vinculada ao Centro Cívico

formaram a associação de mulheres.

“La asistenta social de aquí del centro cívico, se involucró con las mujeres que

querían hacer la asociación, fueron al ayuntamiento para mirar los estatutos,

miraran todo y montaran la Asociación de Mujeres. El nombre lo escogimos entre

todas que éramos las socias, y así se monto la asociación”.

A associação de mulheres do bairro se constitui como um importante

espaço de práticas educativas não formais que acolhe a todas as pessoas

interessadas em participar dos cursos e ateliers que são oferecidos e onde de

forma colaborativa com o Centro Cívico acontece as aulas de cerâmica.

“Primero estábamos en un local que era del barrio, y ahí iban niños después del

colegio y todo. Después que hicieran aquí el Centro Cívico, nos dijeron de una

clase de cerámica y como el horno de ahí era de aquí del centro cívico nos lo

traían aquí, entonces venimos nosotras. Pero esto es una vida con la cerâmica”.

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Todo o trabalho de liderança e de persistência de Isa refletem

posicionamentos de uma mulher que construiu suas Identidades Femininas de

forma mais livre, mais aberta e mais crítica conforme já analisado no capítulo IV.

5.2 Isa: aproximações e contrapontos do ensinar e do

aprender na Educação Não Formal e no Ensino da

Cerâmica

Conforme já amplamente discutido neste trabalho investigativo o processo

de construção das identidades é conduzido pelas experiências e vivências e pelo

constante movimento de transformação ao qual estamos submetidos, mas

também é proveniente das construções históricas e sociais e que neste sentido,

repercutem, em alguns casos, em “normas” e “modelos” a serem seguidos.

No caso do contexto investigado as narrativas de Isa revelaram outros

aspectos quanto à construção de suas Identidades Femininas derivados de

experiências diferentes das que a maioria das mulheres de seu tempo possuía.

Em seus relatos foi possível observar uma visão mais leve, menos sofrida e

mais livre a respeito de suas experiências e de como elas repercutiram na

constituição de suas Identidades Femininas que tiveram múltiplas influências e,

uma delas, foi a de seus professores e de como eles influenciaram tanto em sua

formação como artista, como também na sua constituição como educadora não

formal.

“Para enseñar, cogí lo que había aprendido con el ceramista (Juan), lo que me

daba mucha ilusión para hacer las cosas, me decía - ¿Qué vas hacer?, ¿Qué has

pensado? - Pues tu hazlo, tú tranquila, haces y ya te diré si sí o no o por aquí vas

mal o por aquí vas bien, después habían cosas que no… me decía: - Eso no

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porque cuesta mucho en hacer o no te quedará bien, pero bueno, el te iba

diciendo no…que no te lo rompía, porque él decía, “a ti te sirve de experiencia, tu

hazlo sí es tu ilusión y te queda para ti, haces para ti” ¿no?…y no como el otro

profesor, aquel que… pum… te chafaba la pieza…”

(…) “había un profesor, que yo veía, bueno los que íbamos ahí nos apuntábamos

porque íbamos aprender o barro, a hacer cerámica. Durante unas semanas el no

nos dejaba hacer nada, todo era coger el barro y amasarlo, amasar,

amasar…menos mal que yo tenía el otro sitio que podía ir y hacer mis cosas,

después cuando nos dijo, porque éramos un grupo de ocho, nueve personas,

para él era muy cómodo, era tomar un trozo de barro y estábamos una hora y pico

ahí amasando…, después, empezar hacer churros, (…) y él decía, cuando haga

seis los volvéis a poner juntos y volver a hacer otra vez, después a montar el

jarrón, después el iba con una regla larga iba pasando y cuando veía una cosa

que a él no le gustaba cogía y flassss… lo chavaba, pegaba un golpe en la pieza

y la chavaba, ¡claro!”

(…) “yo pensaba, madre mía, pero ya a esto no lo resisto, mira que nos hace,

…así como quiere que la gente aprenda, así la gente se va, ¿sabe cómo te digo?”

Isa conta que em sua prática docente buscou respaldar-se em que este

professor com quem aprendeu a fazer cerâmica, conforme seu relato deixava-a

livre para criar, experimentar e ao mesmo tempo lhe auxiliava nos momentos de

dúvida. Mas também é possível ver que as experiências negativas que enfrentou

também deixaram marcas, que em seu caso, serviram para refletir sobre o modo

de não-fazer, ou seja, o que ela não faria como docente.

“Después cuando me pasé a otra clase, ahí ya fue diferente, ahí me veía más

motivada, ahí teníamos las balanzas de precisión, también nos enseñaban a

hacer nuestros esmaltes, nuestros engalbes los colores y todo eso, a mí me

encantaba y yo también ya lo sabía, todo eso ya iba más avanzando, hasta que,

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después empezamos hacer las piezas yo era más que nada para que me dieran

el título, yo ya lo sabía todo”.

Neste sentido é importante retomar o que diz Tardif (2002) sobre a

formação do professor, que deve ser considerado como um ser histórico, social,

cultural, que constrói subjetividades, “um sujeito que assume sua prática a partir

dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e

um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a

estrutura e a orienta” (Tardif, 2002, p.229-230).

E me questiono, como é possível não levar em conta as experiências de

vida, da caminhada que se percorre, dos exemplos que permeiam a formação

tanto artística como docente?

Acredito que ao refletirmos sobre o relato de Isa, é possível encontrar ao

menos duas vias importantes para pensarmos nesta questão. A primeira está

relacionada aos modelos que tivemos de professor, tanto aqueles que nos

marcaram positivamente, como também, aqueles que nos deixaram marcas não

tão agradáveis. Estas experiências de ensino e aprendizagem vão se acumulando

ao longo de nossa vida, elas vão compondo um repertório de estratégias, de

modos de fazer, de posicionamentos que ao serem requeridos, podem ser

simplesmente reproduzidos, e isto pode se constituir em uma armadilha, se não

houver qualquer tipo de reflexão ou crítica sobre ela.

A outra via possível é a da necessidade de nos construirmos como

educadores e educadoras reflexivos, que apesar dos exemplos e experiências –

positivas e negativas – tornamo-nos capazes de reconstruir as nossas práticas

docentes relacionadas ao contexto em que nos inserimos. Assim, partindo das

experiências que marcaram nossas vidas e a nossa caminhada formativa, tanto

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como aluna/o ou professor/a seríamos capazes de construir novas estratégias,

novas possibilidades de olhar, sobretudo, criticamente para esta formação e

produzir uma prática docente criativa, reflexiva e porque não dizer, viva, que

mude, que se transforme e que se adapte a novas posturas e necessidades.

Um autor que contribui de forma positiva para estas reflexões é Perrenoud

(2002) que considera que “Quando refletimos sobre nossa prática trazemos à

reflexão a nossa história, nosso habitus, nossa família, nossa cultura, nossos

gostos e nossas aversões, nossa relação com os outros, nossas angústias e

nossas obsessões” (2002, p.60). Deste modo, estamos propondo mudanças que

vão além de uma prática profissional e sim, estamos envolvendo os contextos que

permeiam todas as faces de nosso ser e também a todos que estão ao nosso

redor.

O modo com que Isa desempenha sua prática docente, as estratégias e

recursos que utiliza respaldam-se nos modelos de ensino ao qual foi submetida,

tanto no sentido do que deve fazer como também o que não deve fazer.

“Yo dejo hacer bastante, pienso que como yo lo pasé mal… es que yo no quiero

que la gente pase mal en la clase, al contrario, si vienen es para pasarlo bien y

que hagan cosas que después lleven a su casa y su hija les diga: - Pues mira,

¿me haces una? ¡A mí eso mi llena!”

Mas também, Isa desenvolveu uma imensa capacidade de empatia, em

conduzir relações que primam pelo cuidado com o outro, pelo respeito e que são

norteadas pelo afeto e carinho que marcam as pessoas que realmente acreditam

no que fazem.

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Tenho pensando muito em Isa, acho que nunca conheci uma pessoa que me

inspirasse tanta bondade e generosidade, dentro deste espaço ela é a professora,

mas ela não se comporta com nenhuma autoridade e nem tenta marcar seu

espaço como tal, talvez porque já seja algo adquirido com o tempo e reconhecido

pelas demais e por isso é natural não tem atrito de nenhuma natureza, é algo

leve, tranquilo. (Fragmento do Diário de Campo)

(…) “lo que yo he procurado cuando doy clases es que la gente se lo tome con

ganas, con ilusión, que quiera hacer cosas y que, lo primero que haces no te

quedará perfecto ni mucho menos, ni te quedará bien, pero es como un hijo, que

muchas veces dice: ay que feo que es, pero es mi hijo ¿no? Pues lo mismo, el

hacer la cerámica, es tu pieza, es la primera que has hecho, y yo tengo en mi

casa las primeras que hice, y yo las quiero mucho, y las tengo ahí arriba, para que

no se rompan, porque para mí, es como un hijo”.

“Yo lo que procuro es esto, que la gente venga contenta, que hagan las cosas que

le gusten y mucha gente dice: - Ay no sé si lo sabré hacer. Todo el mundo sabe

hacer cerámica, coger un trozo de barro, que hemos estado jugando desde

pequeños, que hemos estado haciendo…”

A partir dos relatos de Isa, muitas questões emergem, onde fica perceptível

que as relações entre o ensinar e o aprender são complexas, repletas de pontos,

contrapontos e que deixam claro que seria imprescindível que as educadoras

buscassem articular a teoria e a prática reflexiva em sua área de atuação, vendo-

se como pesquisadores imbuídos a promover nos espaços em que atuam o

conhecimento e a utilização de mecanismos que tenham relação com o contexto

atual e, com as tendências e os processos socioculturais que hoje são regidos por

políticas globalizantes, certamente, a formação docente aconteceria com maior

consistência e abrangência.

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Entre os meandros do ensinar e aprender, Isa destaca um importante

aspecto quanto a sua prática ao dizer que: “Yo, enseñando he aprendido, y se

aprende mucho!”

Paulo Freire na obra “Pegadogia da Autonomia” (1994) destaca algumas

ideias chaves que auxiliam na busca da autonomia de ser e de saber do

educando valorizando e respeitando o seu conhecimento prévio, sua curiosidade,

inquietude e linguagem, visto ser o aluno um sujeito social e histórico em

construção.

Em um dos capítulos deste livro, Freire (1994) destaca que não existe

docência sem discência e neste sentido, a educadora que percebem a sua prática

como parte da trama que compõe o processo de ensinar e aprender passa a

considerar que “quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao

aprender” (p. 25).

Esta questão pode ser entendida em qualquer âmbito e área educacional,

já que tanto nos processos formais como não formais e informais, ter esta

prerrogativa presente faz com que a prática educativa situe-se em outro patamar,

em que a professora e aluno, são partícipes em um mesmo processo de ensino

aprendizagem e que ambos são sujeitos indispensáveis na construção do saber.

Acredito que esta perspectiva vai ao encontro do que considera Garcia

(2008) sobre a Educação Não Formal:

É característico da Educação Não Formal, outro jeito de organizar e perceber a relação ensino-aprendizagem, educador/educando, produção de conhecimento no processo educacional. Uma dessas características é a importância e relevância das ações da prática e dos saberes e fazeres cotidianos. O movimento da Educação Não Formal se deu através da existência de diferentes práticas que eram mediadas por relações educacionais,

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mas que não eram consideradas como educação por não obedecerem a uma série de requisitos formais, mas que, na prática estavam construindo diferentes modos de vivenciar e compreender o processo ensino-aprendizagem. (Garcia, 2008, p. 1).

No caso de Isa, como educadora não formal, é possível perceber outros

aspectos que permeiam sua prática: o comprometimento com o contexto que

extrapola as barreiras que possam delimitar o papel do educador no processo de

ensinar e aprender.

“Una de las primeras veces que hice clase, en el Centro Cívico del otro barrio,

luchamos con asambleas, la Generalitat y todo, para que nos hicieran el edificio,

luchando, haciendo movilizaciones y todo, pues ahí fue lo primero que hice en

cerámica y también para que nos traerán el horno, una lucha, ¡todo una lucha!”

Neste sentido, tanto a prática educativa, quanto as Identidades Femininas

de Isa foram marcadas por situações de liberdade e autonomia o que,

possivelmente reverte em sua prática docente.

“Yo era bastante guerrera y entonces, pues una de las veces que yo llore fue

porque había una señora que estaba apuntada en la escuela de adultos, da

alfabetización que no sabían ni leer ni escribir, yo, a parte de la cerámica, también

daba alfabetización, enseñaba a leer y a escribir a las personas. Entonces me

dijo, - ¿yo podría hacer cerámica? Claro que sí! – Pues mira, me voy apuntar, vale

apúntate y eso”.

Partindo dos relatos de Isa, percebe-se que sua prática educativa é

marcada pelo que se considera um dos objetivos principais na Educação Não

Formal, que é questão da cidadania (Gohn, 2008) já, que ela é pensada em

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termos coletivos, onde a aprendizagem ocorre por meio das práticas sociais, nas

trocas, visando sempre à conquista da autonomia dos sujeitos.

Neste sentido, vale resgatar o que afirma Gohn, (2008):

É a experiência das pessoas em trabalhos coletivos que gera aprendizado. A produção de conhecimento ocorre não pela absorção de conteúdos previamente sistematizados, objetivando ser apreendidos, mas o conhecimento é gerado por meio da vivência de certas situações-problema. (p.103).

Os relatos de Isa adicionam profundidade ao refletirmos sobre qual deveria

ser o papel da educadora, na grande gama de matizes que existem entre o ato de

ensinar e aprender e por seus exemplos reforça um importante aspecto presente

na Educação Não Formal e que ouso dizer, que seria indispensável a qualquer

contexto educativo, o de promover a autonomia do sujeito como fundamento

básico nas relações de ensino e aprendizagem e independentemente dos

vínculos institucionais.

Refletindo sobre a prática de Isa, percebo que, ao longo de minha vida,

como estudante, fui colecionando marcas deixadas pelos professores e

professoras que tive. Alguns marcaram minha vida não pela complacência e sim,

pela competência, tanto pessoal como profissional, de ensinarem e também de

permitirem-se aprender; outros ao longo do tempo se tornaram lúgubres sombras,

retratos desbotados e esmaecidos que talvez, seria melhor relegar ao

esquecimento.

Então, deixar marcas, e não sombras passou a ser a minha posição

pessoal ao assumir a docência como profissão, e foi nesta busca que o meu

caminho se cruzou com o de Isa, e com o grupo de mulheres do atelier de

cerâmica, que me propiciaram a construir e reconstruir novas facetas para minha

identidade, tanto de artista como de professora e investigadora e também como

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de mulher, oportunizando assim, um remexer em minhas concepções e minhas

Identidades Femininas.

55.3 Os caminhos que se cruzam através do fazer cerâmica:

o que levo de Isa e o que deixo de mim

“No barro encontro a frieza das carnes;

No barro encontro a dureza dos preconceitos;

No barro busco minha expressão...

Mesmo estando ele subjugado, negligenciado;

Busco nele minha força, meu estímulo, meu universo.

Sinto ele correndo em minhas veias, estabelecendo um íntimo diálogo de sedução

e de coação: “rende-se a mim ou rendo-me a você”.

Dele viemos e no final, para ele iremos:

Quem duvidar que se acuse”

(Fragmento do diário de estudos, primavera de 2002).

Remexer nas memórias, nos guardados e lembranças nunca foi uma opção

factível e que eu levasse em consideração, porque acreditava que a etapa que eu

estava vivendo, a de um doutorado e consequentemente de escrever uma tese,

me levaria a novas paragens a novos lugares nunca antes visitados. Também,

não mensurei a amplitude e o alcance que o fazer cerâmica adquiririam em minha

perspectiva de investigar e porque não dizer de ser, mas foi através deste fazer, e

de tudo que nele habita que descobri que o “novo” pode ser algo conhecido, mas

o que realmente o transforma é o nosso olhar, que nunca é o mesmo, porque vai

aprendendo, vai vi-vendo.

É o que considera Tedesco (2002, p. 145) ao dizer que: “O tempo age

sobre o espaço da experiência como força destituidora, a qual pode ser de

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diferenciação, bem como de integração, que, por sua vez, resulta em movimentos

culturais identitários”.

Nestes movimentos mediados pelo fazer cerâmica que meus caminhos se

cruzaram com outros caminhos, outras perspectivas e outros olhares que fizeram

desta caminhada um aprendizado que não cabe em palavras, que não se resume

a uma tese, porque são marcas tão profundas que o simples dizer não possui

acesso, é o que existe no viver, no experimentar, no conhecer, nos sabores e

olores que só a alma entende.

Conforme Tedesco (2002), a memória significa experiências consistentes,

que por estarem ancoradas no tempo são facilmente localizáveis.

Memória possui contextualidade e é possível de ser atualizada historicamente; possui maior consistência do que lembrança, uma vez que é uma representação produzida pela e através da experiência. Constitui-se de um saber, formando tradições, caminhos – canais de comunicação entre dimensões temporais -, ao invés de rastros e restos como no caso da lembrança. (p. 146)

Neste processo, as memórias chegavam sem cerimônias, como se fossem

velhas conhecidas, mas a verdade é que, mais do que lembranças, - já que nunca

tiveram muita chance de serem postas à mesa - elas despertavam novas

sensações que conduziam para uma reflexão profunda tanto do vivido, como

também das experiências que estava prestes a viver.

Fui despedaçando suavemente e pressionando o barro sobre a madeira e o que

vinha em minha cabeça eram as caixas que no início eu fazia ainda na faculdade,

depois comecei a fazer pequenas esferas e pressioná-las sobre a palma da mão,

coisa que eu também fazia no tempo de atelier, lembrava-me também do primeiro

dia de aula, em que tivemos uma “sessão de técnicas”, e que eu me sentia tão

pouco à vontade com o barro e como me incomodava a sensação de ter as mãos

sujas. Lembrar-me disso tem até sua graça, pois neste momento minha sensação

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era completamente oposta àquela do primeiro começo. Neste “novo” começo, ou

recomeço, a sensação é de conforto, é a de reencontrar um desassossego que

preenche, que invade, que situa, mesmo sem nada fazer, mesmo sem nada ser...

(Fragmento do Diário de Campo).

E foi neste entrecruze de caminhos que me deparei com as mulheres do

atelier e com Isa, que como professora, conduziu meu novo encontro com a

cerâmica, com o ato de criar e também de refletir sobre minha prática de vida que

comporta entre outras coisas o fato de ser “artista”, “educadora”, “investigadora” e

de confirmar minhas suspeitas, de que somos inevitavelmente todos

“aprendentes”.

Enquanto as mãos, com paciência e carinho se submergem na matéria fria e

inexpressiva que repousa sobre a mesa, as cabeças voam para longe, os

pensamentos ganham asas e refletem sobre a vida. Sobre essa que foi vivida,

gastada (segundo algumas, mal), a vida passada, a vida lastimada. Não sei se

ainda possuem espaço para sonhar com a vida futura, ou com uma vida que

chegue e que faça a diferença daqui pra frente. Mas o que sei é que por meio da

cerâmica cada uma constrói seu mundo: ideal, imaginado, desejado? A quem

importa? Já que neste momento o mundo que compartilhamos se constitui neste

espaço, surge de nossas mãos e se reconstrói através das palavras. (Fragmento

do Diário de Campo)

Conhecer a história de Isa com a cerâmica e em como suas Identidades

Femininas foram sendo marcadas pelas suas experiências, vivências e escolhas

de vida e de profissão, possibilitou-me adentrar em um campo que diz respeito a

mim também.

Lembro-me que na primeira vez que fui ao atelier para pedir informações

sobre o curso de cerâmica, momento que nem imaginava ser o início desta

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grande narrativa, foi quando conheci Isa e naquele momento já me questionava

sobre o que a cerâmica significava para ela.

Perguntei meio que sem querer se ela gostava e ela me disse: “Tengo suerte de

que la vida me ha dado la oportunidad de hacer lo que a mí más me gusta”.. Sua

resposta não me surpreendeu, mas ao mesmo tempo, fez com que eu me

perguntasse intimamente o quanto poderia estar ela ligada a esse fazer e o que

deveria significar para ela? (Fragmento do Diário de Campo)

Acredito que já naquele momento, a mesma pergunta que fazia a ela, ao

questionar sobre a sua ligação e o significado que a cerâmica poderia ter para

sua vida foi um modo sutil de reavivar este questionamento que andava vagando,

perdido em algum rincão dentro de mim e que aproveitou a oportunidade para vir

à tona.

O quanto eu estava ligada ao fazer cerâmica e o que este fazer significava

para mim? Esta era a pergunta que talvez ao iniciar esta proposta investigativa eu

pudesse ter feito a mim mesma, e somente a busca por estas respostas me

possibilitariam construir importantes reflexões que me conduziriam a algum ponto,

qualquer ponto diferente deste que me encontro, quem sabe construídas a partir

de um olhar “ensimesmado” que olha somente para o “eu” e esquece a

multiplicidade e riqueza que existe quando saímos desta aparente zona de

conforto.

Pensando com cuidado sobre esta pergunta e talvez se eu a tivesse feito

buscando uma resposta da “artista” somente, ou quem sabe da “investigadora”, e

se não me permitisse perder e me encontrar na minha própria polifonia de vozes,

quem sabe a história que eu estaria contando seria outra, e os caminhos não se

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cruzariam pelas vias principais da história e fossem somente longínquas silhuetas

que nunca se encontraram com nada e tampouco, chegam a lugar algum.

Mas então a pergunta feita para Isa refletiu e conduziu esta investigação

para outra direção, a de pensar em como o ato de fazer cerâmica é capaz de ligar

caminhos, aparentemente tão diferentes e tornar essa trama tão significativa?

Por outro lado, isto confirma o quanto as narrativas são complexas, móveis,

articulando-se constantemente em novas tramas que vão compondo um mosaico

do cotidiano, um mosaico da vida.

Mas enquanto eu divagava perdida em meus pensamentos, ao meu redor minhas

companheiras se mostravam ávidas por falar, por contar, por dividir suas alegrias

de estarem reunidas nesta tarde, contavam coisas de suas vidas, contavam

piadas, riam e se divertiam e ao mesmo tempo sempre preocupadas com as

minhas impressões ou o que eu pensaria delas. Eu embora ouvindo tudo que elas

diziam, e interferindo uma vez ou outro com um sorriso, seguia com meu

problema em forma de barro diante de mim. (Fragmento do Diário de Campo)

É possível que encontrar a resposta para tamanha questão seja mais

complexo do que simplesmente supô-las, mas o que me conduz a pensar sobre

algumas possibilidades é que a postura de Isa como educadora e a minha como

“aprendente” foram capazes de deixar que a cerâmica fosse mediadora e

possibilitadora das relações que construímos.

Isa sempre vem me dar atenção, sempre tenta me ajudar a resolver no que tenho

dúvida, na maioria das vezes eu escuto, pergunto e ajo como se eu fosse

principiante, como se eu estivesse começando a fazer cerâmica agora, isso não é

intencional e sim natural, porque me dou conta que é assim mesmo que me sinto.

Mas ao mesmo tempo sei que por trás destas formas, deste gestual contido que

eu conservo, tem uma história e uma relação que vem de longa data com a

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cerâmica. Nós conhecemos não de hoje, mas de uma vida inteira. (Fragmento do

Diário de Campo)

Isa agia como a professora de cerâmica que esperava a reação da sua

aluna frente a seus estímulos e assim íamo-nos confrontando, nos completando:

ela me instigando e eu, “resistindo”, porque meu processo de construção no meu

antigo atelier de cerâmica na universidade havia sobrevivido e reviveu.

Considero que nas relações que podem existir entre o ato de ensinar e

aprender, neste espaço/tempo em que as trocas de conhecimento e saberes são

estabelecidas, existe também, a construção de relações que ultrapassam estes

limites, pois são as marcas daquilo que levamos do outro e também o que

deixamos de nós que somadas aos saberes marcam quem podemos nos tornar.

Neste sentido, pensar no que levo de Isa como educadora, como a Isa,

professora de cerâmica, é uma prática docente baseada no respeito, na atenção e

no cuidado.

Novamente Isa se aproximou de mim e me estendeu alguns livros e revistas que

tinhas entre suas mãos e me disse para ir olhando enquanto pensava, eu senti

neste dia que elas tinham presa e que a minha paciência quase as incomodava.

Então disse a Isa que iria fazer um prato, ora, um prato e quando nem bem acabei

de pronunciar a última letra da palavra ela já havia providenciado uma forma e já

havia iniciado a explicação de como eu deveria fazer, na verdade, ela mesma já

iniciou por mim e disse que qualquer coisa que eu precisasse era só chamar, e

assim o fiz. (Fragmento do Diário de Campo)

O modo com que Isa desempenhava sua prática docente possibilitou-me

refletir sobre como é complexo assumir uma postura como educadora, mais ainda

ensinar cerâmica, em que é preciso que o conhecimento técnico seja estimulado

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junto ao fazer subjetivo, a postura da professora que, ao mesmo tempo, auxilia,

estimula e proporciona autonomia criadora ao seu educando.

Posso considerar assim que a cerâmica foi, sobretudo, o que compôs a

“liga” que juntou as reflexões sobre nossas Identidades Femininas, minhas e de

Isa, expressas em narrativas densas e contínuas, permitindo que eu e Isa

trocássemos e fusionássemos algumas ideias como a mistura do barro.

Isa se aproximou e me perguntou o que eu queria fazer pois, via que eu não saia

muito do chão. No momento disse que ia somente experimentar diferentes coisas,

enquanto isso ela era solicitada o tempo todo pelas demais, Nines a cada novo

detalhe de cor que ia inferindo a seus objetos requeria a atenção de Isa e sua

consultoria. Lisa volta e meia pedia que Isa sentasse em seu lugar iniciasse ou

continuasse o que ela estava fazendo, já Meri que pintava seus pratos que

haviam saído do forno pouco antes quase não participava, se mantinha mais

concentrada em sua pintura e somente pedia ajuda de Isa em alguns detalhes.

(Fragmento do Diário de Campo)

No entanto, devido a toda esta caminhada que foi construída e respaldada

em trocas, intercâmbios e no constante movimento existente entre o ensinar e

aprender levo de Isa muitos ensinamentos através de sua postura como

educadora comprometida, engajada e consciente de seu papel, sob os holofotes

da construção de suas Identidades Femininas, uma mulher batalhadora que teve

a oportunidade de escolhas e de viver a vida – à medida do possível – que

escolheu e como ceramista posso aqui registrar também como todo este processo

que vivemos possibilitou-me refletir sobre minha prática tanto artística como

também docente.

Não posso assegurar o que deixei de mim para estas mulheres, nem tão

pouco que marcas ficaram, mas o que posso, é deixar a minha contribuição sobre

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como penso que deveria ser o meu trabalho como educadora não formal num

atelier de cerâmica.

Tentar propor uma prática imaginária relativa ao ensino da cerâmica e que

também poderia ser feita para o campo do Ensino da Arte e da Educação não é

uma tarefa simples, já que são inúmeros os fatores que estão imbricados nesta

relação.

Mas tendo como base o atelier onde esta investigação se desenvolveu

aliados a outros elementos hipotéticos penso que o meu atelier imaginado poderia

ser um espaço onde as subjetividades do ser, do fazer e criar estivessem também

associados ao conhecimento sobre a vida, que propiciasse reflexões sobre as

identidades de gênero, sobre as relações, sobre o cotidiano, sobre a cidadania e

a importância do desenvolvimento da autonomia dos sujeitos (tão característica

na Educação Não Formal). Mas, além disso, poderia ser um espaço de difusão e

de consolidação do conhecimento sobre artes, fazendo relações entre os fazeres

ou práticas artísticas proposto, com questões envolvendo os saberes,

estimulando o fazer investigativo e criador, que leve em conta o já existente, o já

produzido, mas que amplie os horizontes culturais de seus frequentadores.

Talvez minha formação em Arte interfira nesta posição, mas a Arte serve

também para isto: para desacomodar, para refletir, para posicionar-se frente ao

mundo, para fazer escolhas.

55.4 Costuras e amarrações: as narrativas, os fazer(se)es e

as Identidades Femininas na Educação Não Formal

Ao longo de toda a minha inserção no atelier, foram muitas as narrativas

produzidas, muitas histórias que foram marcando minha caminhada e a minha

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relação com as mulheres e com Isa, mas talvez um dos momentos mais

marcantes que irei guardar com cuidado especial foi uma das histórias contadas

por Isa sobre uma aluna que passou por seu caminho, notoriamente, um episódio

que marcou significativamente a sua prática docente e consequentemente a

minha também, já que permitiu refletir no real sentido do ato de ensinar e

aprender, da posição que os educadores e educadoras deveriam assumir, na

importância dos fazeres ou práticas artísticas no caso, a cerâmica, e no seu papel

mediador do fazer(se)es que, nesta história sintetiza a construção de novas

Identidades Femininas com a conquista de um espaço de visibilidade social

dentro da própria família e no grande poder das narrativas, que são capazes de

fazer com que sejamos parte da vida das outras pessoas a tal ponto de fazer com

que suas histórias passem a fazer parte da nossa e vice-versa.

Neste sentido, o questionamento que Larrosa (1995, p. 193) propõe: “¿qué

podemos hacer cada uno de nosotros sino transformar nuestra inquietud en una

historia?” se situa justamente no centro de toda esta trama, composta de

narrativas e histórias, que ao contar um pouco de si, vai contando também um

pouco de quem somos e possibilitando pensar as infindáveis costuras,

amarrações que dela fazem parte.

A história contada por Isa causou um grande impacto sobre mim. Isa

contou-a na época em que eu realizava as entrevistas com as outras mulheres

também, em que estava mergulhada no processo da coleta dos materiais,

começando a escrever os capítulos, lendo e buscando subsídios teóricos e

mesmo tendo a certeza que esta era uma história significativa e importante, não

tinha claro em que momento seria oportuno abordá-la na tese, nem mesmo se ela

seria utilizada.

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O tempo passou e com ele muitas coisas aconteceram, tanto em minha

vida como também, no processo incessante desta grande narrativa em que se

constitui esta tese que assim como eu, foi sendo transformada e transformando,

foi ganhando matizes e nuances, profundidade e complexidade à medida que fui

avançando e realizando as costuras e amarrações entre o vivido, o estudado e

investigado.

Vez por outra lembrava a história da aluna de Isa, e com o avançar dos

capítulos não via muito espaço onde situá-la, até o momento que resolvi escrever

a história como se eu estivesse contando-a para alguém, fazer da história contada

por Isa, uma história contada por mim, entrelaçando assim nossas narrativas:

Isa contou em sua entrevista, que ela foi também, educadora em classes

de alfabetização de jovens e adultos. Numa de suas classes, deparou-se com

uma senhora que não sabia ler nem escrever, que lhe perguntou se ela poderia

fazer, também, cerâmica. “ – Claro que sim!”, respondeu-lhe.

Era uma pessoa com autoestima muito baixa, pois o marido e os filhos a

depreciavam, dizendo que a única coisa para o que ela servia era pra limpar e

fazer os serviços domésticos. Isa então, fazendo toda essa leitura, incentivou-a

nesse novo fazer, dizendo-lhe que ela era capaz e que poderia, sim, fazer as

aulas de cerâmica.

A aluna empenhou-se a fazer um cinzeiro para dá-lo a seu marido. Quando

este ficou pronto, levou-lhe o presente. O marido, extremamente grosseiro, jogou

fora o presente, afirmando que ela estava mentindo, que uma pessoa como ela

não teria capacidade para fazer tal objeto que, com certeza, estava muito bem

feito.

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Muito triste, a aluna contou a Isa o ocorrido. Cheia de indignação e revolta,

Isa pediu que a mulher mandasse o marido falar com ela. A mulher dizia que não,

que ele ficaria indignado, mas Isa insistiu. E eis que o marido veio, justamente

quando a mulher estava trabalhando em outro presente para o marido fumante,

que era um cinzeiro em forma de casinha em que a fumaça do cigarro saia pela

chaminé.

Chegando o marido, Isa mostrou-lhe a mulher trabalhando e disse-lhe com

todas as letras que ele fizera muito mal em ter jogado fora a peça anterior, pois

era o primeiro trabalho em cerâmica de sua mulher e que ele teria cometido uma

agressão ao não considerar o trabalho e que “isso não se faz!”.

Emocionado e, acredito que envergonhado, ele pediu para sentar-se ao

lado da esposa para observá-la a trabalhar. Isa permitiu que ficasse um pouco e

depois mandou que se fosse.

Quando a mulher terminou a peça e levou-a para casa, relatou que o

marido e os filhos diziam que nunca imaginaram que ela fosse capaz de tal obra,

que a julgavam incompetente e o marido, orgulhoso, dizia aos filhos: “Sim eu vi,

foi ela quem fez”.

A mulher aprendeu a ler e a escrever e frequentou por alguns anos a

classe de cerâmica. Isa teve o reconhecimento e a gratidão eterna da sua aluna,

tanto que, ainda hoje, quando a encontra, agradece e relata o quanto sua vida

mudou dali em diante.

Quando acabei de escrevê-la entendi qual seria o seu papel dentro deste

trabalho, entendi que esta história que parecia ter chegado até mim de forma

gratuita e despretensiosa carregava em sua essência um papel fundamental, o de

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me auxiliar na compreensão do quão profundo havia sido todo este processo que

entrelaçou temas, conceitos, e questões tão pertinentes para pensar não somente

o Ensino da Arte e a Educação, mas que construiu uma trama que possibilitou

pensar sobre a vida, a minha, a das mulheres do atelier, e de muitas pessoas que

possam se identificar com o tratado e contado nesta investigação.

Ao posicionar-me dentro da perspectiva da Investigação Narrativa tive a

possibilidade de desenvolver uma prática investigativa mais flexível e articulada

com o contexto e com as necessidades que foram surgindo no decorrer do

processo, permitindo-me assim, experimentar e vivenciar as histórias a partir das

relações que construí com as mulheres, com Isa e com aquele espaço, onde os

diálogos e os fazeres produziam também fazer(se)es.

As narrativas apresentaram-se como uma forma verdadeiramente

poderosa e arrebatadora de produzirem através das palavras, dos diálogos e dos

relatos fragmentos das vidas destas mulheres, pedaços e restos que poderiam

ser desconsiderados, relegados a banalidade do dia a dia, mas que se tornaram

peças fundamentais dentro desta grande trama, tal como quando Isa começa

narrar a história de sua aluna:

“(…) pues una de las veces que yo llore fue porque había una señora que estaba

apuntada en la escuela de adultos, da alfabetización que no sabían ni leer ni

escribir, yo, a parte de la cerámica, también daba alfabetización, enseñaba a leer

y a escribir a las personas. Entonces me dijo, - ¿Yo podría hacer cerámica?

¡Claro que sí! – Pues mira, me voy apuntar, vale apúntate y eso”.

Esta história poderia ter passado despercebida em meio a tantas histórias

contadas, mas ela explica tantos aspectos importantes desta investigação que

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resolvi utilizá-la como uma metáfora, como um elo capaz de aglutinar as reflexões

e considerações sobre os diferentes temas e conceitos tratados nesta tese.

Isa além de professora de cerâmica como já vimos, revela que também

havia trabalhado como alfabetizadora de adultos. Segundo Gohn (2008) dentro da

Educação Não Formal a busca pela cidadania e autonomia é um dos principais

objetivos e um dos meios para isso é através do acesso à leitura e da escrita.

Isa possui inúmeras características que sinalizam sua prática docente

como educadora não formal, como promover a socialização, a solidariedade e o

desenvolvimento das pessoas envolvidas, preocupar-se com a mudança social e

para a vida das pessoas, implicar-se para que as pessoas participem e é possível

identificarmos esta postura em vários momentos na sua narrativa:

“Yo le decía, que sí mujer, que lo haces, sí estamos haciendo todas, ¿cómo no

vas hacerlo tú?”

“Y en una de las veces dijo que su marido era fumador, y dijo: - Quiero hacer un

cenicero. Bueno pues haces el cenicero, y cuando llevó, después de listo, me ha

dicho que su marido había tirado. ¿Cómo lo tiro?

- Ha dicho que eso no lo hice yo.

- ¿Cómo te ha dicho que no has hecho tú? Bueno, pues dilo a tu marido que

venga para hablar conmigo y ella: - Que no… que no…

- A eres tu el marido, pues mira como está haciendo…digo, y hiciste muy mal en

tirárselo él otro, era la primera pieza que hacía, y eso no se hace”.

O papel de educadora assumido por Isa é o de estimular a produção de

novos conhecimentos, o que segundo Gohn (2008) é muito importante na

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Educação Não Formal, considerando inclusive, que a criatividade humana

passaria por este tipo de educação.

Isa ao interferir e interpelar o marido de sua aluna questionando sua atitude

propõe na verdade uma reflexão não somente sobre seu ato em si e sim, sobre

toda uma série de construções em que a sua aluna, seu marido e agora, por

consequência, Isa estavam implicados.

Gohn (2008) é quem trata de auxiliar o entendimento desta questão ao

dizer que:

O agir comunicativo dos indivíduos, voltado para o entendimento dos fatos e fenômenos sociais cotidianos, baseia-se em convicções práticas, muitas delas advindas da moral, elaboradas a partir das experiências anteriores, segundo tradições culturais e as condições histórico-sociais de determinado tempo e lugar. (p.104).

A postura que Isa revela é de uma educadora comprometida tanto com sua

prática docente, como também, consciente da grande responsabilidade que

assumir este papel implica, o que a meu modo de ver, é um posicionamento que

vai muito além do ensinar e aprender, de construir conhecimentos relacionados a

uma determinada área de saber, porque diz respeito a adotar uma posição ética e

de respeito por si e pelo demais.

Ouso ir além, ouso dizer que para os professores e professoras que

assumem (e aqui eu me incluo) a docência como profissão, independente da área

de conhecimento em que atuem, mesmo que o domínio sobre sua área de

atuação seja indiscutível, exercer uma prática docente sem envolvimento, sem

doação, sem empatia, sem um posicionamento ético, respeitoso e que possibilite

criar laços, relações e porque não dizer, afetos, mesmo assim, esta prática

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docente possuirá uma lacuna, um vazio que nem todos os méritos existentes

darão contar de suprir.

Mas esta história possibilitou-me pensar também sobre uma das questões

centrais tratadas nesta tese, que são as Identidades Femininas, sobre como elas

foram construídas e/ou ainda são.

“Era una persona que estaba por el suelo, su marido y sus hijos le decían: -

“Mamá tú solo sirves para fregar…”, tenía la autoestima tan baja, tan baja…”

Assim como a aluna de Isa muitas mulheres ainda hoje, têm suas

Identidades Femininas engessadas, amarradas a conceitos que se naturalizaram

e cristalizaram sob uma óptica biológica, através do que se considera “natural”

regido por uma série de dispositivos sociais tais como a família, a escola, a

religião, o grupo cultural ou social, entre outros, empenhados na manutenção das

estruturais tais como são. Ou seja, que ainda estimula a segregação entre os

papéis que homens e mulheres devam ocupar no mundo.

Embora nos dias de hoje, genericamente as barreiras enfrentadas pelas

mulheres em busca de espaços igualitários no mercado de trabalho e na vida

social já não seja um embate tão grande, ainda existe muita discrepância sobre o

que realmente isso significa para as identidades tanto dos homens como das

mulheres.

Mas mais uma vez, podemos refletir sobre a mobilidade dos processos de

identificação e de como a identidade torna-se a “celebração do móvel” em um

processo de transformação e formada ininterruptamente em relação às formas

pelas quais vamos sendo representados e indagados pelos sistemas culturais que

estão ao nosso redor.

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Mesmo que ainda exista a produção de discursos que “tentam” consolidar

as identidades, tanto feminina como também masculina, é possível perceber que

o processo de reflexão sobre a construção e reconstrução das Identidades

Femininas ocorre produzindo assim o resgate da autoestima e construindo uma

visibilidade social através do fazer cerâmica que produz novas facetas para esta

identidade.

“Entonces cuando ella acabó la casita, que la pintamos, la pusimos en el horno, y

cuando vino al día siguiente, me besaba y abrazaba diciendo:

- Tú sabes, me lo han dicho que no pensaban que yo me podía hacer una cosa

así, que yo era muy bruta, que yo no podía hacer una cosa así y mi marido ha

dicho a los hijos: - Sí que yo he visto a tu madre como estaba haciendo”.

Neste sentido, o papel que o fazer cerâmica e que o espaço de fazeres ou

práticas artísticas desempenhou foi justamente o que considerei como

fazer(se)es, já que se refere às construções subjetivas que ocorrem à medida

que as relações, os diálogos, as narrativas e relatos acompanhavam o fazer

manual do atelier.

Neste sentido, enquanto as mãos ocupavam-se de dar forma ao barro, as

construções e reconstruções também ocorriam internamente conduzindo assim

para novos posicionamentos, novas perspectivas tanto para suas vidas como

também para as suas Identidades Femininas.

O resgate desta história, que chegou até mim por Isa, foi uma grande

oportunidade de refletir que a capacidade de nos refazermos, mudar o sentido e o

significado que possuímos de nós mesmos é sempre um ato possível.

Para a aluna de Isa reverter às invisibilidades de sua vida de dona de casa

através de seu fazer cerâmica possibilitou-a mudar o curso de sua vida, de mudar

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a maneira como os outros a viam, e a mulher invisível passou a ter visibilidade,

respeito e passou a construir-se a partir do reconhecimento e da aquisição de

autonomia para sua própria vida, mudando assim, suas Identidades Femininas.

“Aquella mujer, pobre, aprendió a leer, a escribir estuvo tres años, o cuatro

conmigo en cerámica y muy bien. Por las veces la encuentro por la calle, porque

es mayor que yo, y también me da besos y todo, pero, la autoestima de la

persona, varias veces, no tan bruto como eso, pero las veces que han venido

diciendo: - “Ay a mis hijos les ha gustado tanto, yo que pensaba que a ellos no iba

a gustar…”, digo: ¿Cómo no les iba a gustar?”

A busca pela visibilidade nem sempre é um processo fácil, assim como

romper com os discursos que nos aprisionam, que nos condicionam a sermos e

nos sentirmos em desvantagem frente ao outro, aqueles que possuem outras

construções diferentes das nossas. É um processo que pode até causar temor, o

novo causa essa sensação, e por conta dele, muitas mulheres recuam, não se

encorajam a mudar o que pelas pressões sofridas acaba até lhes parece “natural”,

mesmo sabendo que não o é. Mas as mulheres que se atrevem e também as que

encorajam para que as mudanças ocorram, certamente contribuem para a

mudança não somente em suas vidas, mas para a vida de outras mulheres que

encontram em suas narrativas uma forma de refletirem suas próprias vidas, suas

Identidades Femininas.

Se fosse somente por isso já poderia dizer: Muito obrigada Isa, por ter a

capacidade de promover mudanças na vida de tantas pessoas, principalmente na

minha!

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Em busca de um desfecho: considerações sobre a

caminhada investigativa

Quando leio uma história da qual gosto muito, sinto-me envolvida,

impactada pelas narrativas, estabeleço certo grau de cumplicidade de

reconhecimento, o que gera apego às personagens, como se aquele universo

passasse a fazer parte de mim e a história daquelas pessoas (imaginárias ou não)

passa a povoar e fazer parte da minha experiência também.

A leitura das últimas páginas é feita com parcimônia, devagarzinho, é

dolorida porque está antecipando a saudade... É sofrido porque aquela história vai

acabar de fazer parte dos meus dias... ou não. Porque, à sua maneira, cada

história que se encontra com a nossa própria, nos transforma , nos modifica,

impregna-se em nosso sentido de ser e acaba fazendo parte definitivamente de

nós.

É com esse mesmo sentimento que inicio a escritura do desfecho para esta

história, talvez esse sentimento seja decorrente das minhas diferentes vozes que

aprenderam a conviver, que mais do que propor conclusões, propõem um olhar

reflexivo para esta caminhada, que de conclusivo não possui muito, já que aponta

e desperta em mim muitas outras indagações, perspectivas e inquietudes que

ainda assim poderiam ser feitas. No entanto, levo em consideração que o

caminho para chegar até aqui foi longo e que protelar esta eminente despedida

seria deixar de pensar sobre o que foi vivido, de refletir sobre as relações que

construímos e que nos construíram e estes sentimentos tornam-se contraditórios:

ao mesmo tempo em que quero prolongar a despedida, a ansiedade leva-me à

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euforia por concluir uma etapa da vida que foi muito rica de experiências, muito

produtiva em conhecimento e que deixou marcas inapagáveis.

A realização do doutorado, todo o processo investigativo e a escrita da tese

foi uma oportunidade para olhar dentro de mim de uma maneira nova. Já por

pensar nos posicionamentos iniciais e em tudo o que aprendi e mudei em minha

forma de pensar, posso considerar-me diferente. Neste sentido, posso considerar

que foi a maior contribuição deste trabalho investigativo e foi a maior prova de que

num simples fazer manual, amassando o barro, aliado ao pensamento crítico e

reflexivo, às trocas e às relações cotidianas, é capaz de possibilitar o

“fazer(se)es”, porque isso foi o que ocorreu comigo mesma.

Posso considerar que aproximar-me e conhecer cada uma das mulheres

que participavam do atelier e colaboraram com esta investigação com quem

compartilhei e construí relações que ultrapassam as fronteiras desta pesquisa e

dos saberes e conhecimentos produzidos, pois se conectam com o pessoal, com

o afetivo e são laços para a vida, pode ser considerado um dos maiores e

melhores fazer(se)es.

Mas também, apresenta-se outra faceta deste processo, que é a que existe

entre iniciar um doutorado e concluir uma tese: a de uma longa caminhada que

separa e ao mesmo tempo une o seu início e o seu final. O que ocorreu entre

esses dois pontos, o de partida e o de chegada, está permeado de situações, de

confrontos e conflitos, onde se apresentaram alguns paradoxos, tanto em relação

à vida vivida, como em relação à vida almejada e sonhada pela realização e

conclusão do doutorado.

Da mesma forma que iniciar um doutorado e concluir a tese foi permeada

de paradoxos, também a construção das relações com as participantes percorreu

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um caminho semelhante, capaz de desvelar contradições nas suas falas e nos

seus posicionamentos. Isto só foi possível perceber porque estive um tempo

significativo junto delas, coletando materiais e construindo memórias.

Percorremos este caminho que marca o início da investigação e a conclusão

desta tese juntas, unidas por muitos laços. Mesmo que a vida tenha nos

distanciado geograficamente, eu no Brasil e elas na Espanha, elas me

acompanharam e permaneceram ao meu lado, fazendo-me refletir

constantemente tanto em relação à minha vida pessoal como em relação à

construção desta tese. Mesmo à distância elas continuavam me dando lições e

apontando caminhos através de suas falas, de suas narrativas e relatos que

ecoavam em minhas lembranças e que emergiam dos meus registros, sobre um

espaço/tempo tão significativo de vida e amadurecimento.

A discussão central desta investigação situou-se nas observações sobre os

tipos de reflexões e narrativas a respeito de Identidades Femininas que poderiam

emergir em um contexto de Educação Não Formal de fazeres ou de práticas

artísticas com cerâmica. Tendo em vista o entrelaçamento destes três campos

que se apresentavam de forma complexa e repleta de cruzamentos possíveis a

indagação principal que norteou este trabalho foi: que tipo de reflexões e

narrativas sobre as Identidades Femininas emergem em um contexto de

Educação Não Formal de fazeres ou práticas artísticas?

Norteada por esta questão consolidou-se como objetivo geral desta

pesquisa investigar como ocorrem os fazeres ou práticas artísticas, desenvolvidos

num espaço de Educação Não Formal (atelier de cerâmica), frequentado por um

grupo de mulheres e se esse espaço oportuniza as reflexões e narrativas -

fazer(se)es - sobre Identidades Femininas.

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À procura de contemplar as questões propostas nos objetivos desta

investigação percorri caminhos multifacetados, já que as reflexões e narrativas

que surgiram em grande parte possibilitavam pensar sobre as Identidades

Femininas, sobre o espaço de Educação Não Formal de fazeres ou práticas

artísticas, configurado no atelier de cerâmica, questões centrais nesta

investigação, mas por outro lado também, foram mostrando muitos outros

aspectos que adquiriram importância no contexto investigativo, já que pensar

naquele contexto, aparentemente simples, de mulheres normais, naquele

cotidiano que a olhos despreparados poderia ser considerado insignificante,

guardava recônditas riquezas que foram sendo expostas em suas narrativas.

Neste processo, um elemento que se mostrou de suma importância e que

permitiu que esta investigação se desenvolvesse da forma que ocorreu, foi sem

dúvida, a perspectiva investigativa utilizada que foi a Investigação Narrativa

norteada pelo paradigma do Construccionismo Social.

Referente às decisões metodológicas que tiveram forte impacto para o

andamento da pesquisa saliento o modo de realização das entrevistas, sendo

que, as entrevistas semiestruturadas, efetivadas com três das participantes,

permitiram maior profundidade em suas narrativas e ofereceram uma visão

panorâmica do grupo de mulheres, levando-me à decisão de realizar entrevistas

mais breves com as demais participantes.

As narrativas de Nines foram ricas, profundas e instigantes para a questão

das Identidades Femininas, mostrando que é possível a superação e a reflexão

sobre suas Identidades Femininas marcadas por tanta repressão. Ela mostra que

os quase vinte anos de atelier e de fazer cerâmica contribuíram para o

nascimento de uma nova mulher: forte, consciente, decidida, desinibida, crítica

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frente às questões de seu tempo e capaz de refletir suas construções identitárias

a ponto de transformá-las e de transformar-se fazer(se)es.

As narrativas de Isa, a professora, foram fundamentais para as análises e

aprofundamento das questões relativas à Educação Não Formal e à compreensão

sobre a formação da educadora não formal. Revela como as Identidades

Femininas estavam entrelaçadas neste processo de construção e em como se

refletiu na sua atividade como educadora.

Já Inés, ofereceu incontáveis subsídios para refletir sobre os fazeres ou

práticas artísticas, pois com sua sensibilidade criativa mostrou o quanto é

significativo o processo criador para o desenvolvimento do conhecimento, bem

como subsidiou o entendimento do processo de construção das Identidades

Femininas nos anos mais próximos ao final do século XX.

Considero que além de contribuir no sentido metodológico, a Investigação

Narrativa possibilitou-me a construção de um novo olhar, permitindo que eu

repensasse e refletisse de forma profunda sobre minhas concepções

investigativas, modificando uma das partes que considero mais significativas

neste processo, que foi a minha postura enquanto investigadora, ampliando

minhas perspectivas e contribuindo para a formação de uma investigadora mais

consciente, reflexiva, que preza pela integridade de suas colaboradoras,

entendendo a grande responsabilidade e o sentido ético que é preciso seguir, ao

investigar.

Pensando pontualmente nos objetivos desta investigação e nos tipos de

reflexões e narrativas sobre as Identidades Femininas que eram produzidas no

atelier, considero que a maior relevância consiste na reflexão por algumas das

participantes sobre as marcas deixadas através da construção de suas

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Identidades Femininas, ou seja, em muitos dos relatos era possível perceber que

a forma como elas foram criadas e educadas, tanto por suas famílias como

também, pela escola de orientação religiosa, foi para reproduzirem o papel que as

mulheres haviam ocupado até aquele momento, o de dedicarem-se à família, de

serem boas mães, donas de casa e esposas.

Também, é perceptível, durante a sua educação, o sentido que as funções

e o trabalho da casa, “próprios do sexo feminino”, eram apresentados às

mulheres como uma forma de punição. Esta relação gerava certo conflito, pois ao

mesmo tempo em que essa seria sua “obrigação” dentro da relação do

matrimônio, era também uma forma de serem penalizadas por suas pequenas

faltas. Este aspecto favorecia a construção de um posicionamento de resignação

e de aceitação, já que o “papel da mulher” era esse, o de assegurar que as

estruturas se manteriam. Assim, cabia à mulher a tarefa de manter e assegurar a

reprodução do comportamento feminino, por isso, as mães, na maioria dos casos,

eram aquelas que se posicionavam para que as filhas seguissem seus passos.

Conforme as narrativas de algumas das mulheres foi possível perceber que

quando havia necessidade de adentrar, mesmo que informalmente, no mercado

de trabalho esse se mantinha na esfera privada, em atividades que pudessem ser

desenvolvidas em casa ou quando muito, no negócio da família. Isso se devia por

acreditarem que a mulher por ser frágil e também, sem condições de enfrentar os

“perigos” externos e sem a possibilidade de discernir elas estariam expostas a

situações de risco, melhor dito, poderiam ter suas virtudes maculadas e perdidas.

Também, as concepções sobre o corpo e a sexualidade se constituíam

como fortes amarras para estas mulheres que desenvolviam o pensamento de

que tudo o que era relacionado a este tema era feio, imoral e devia ser escondido.

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Muitas destas marcas acompanharam algumas das mulheres ao longo da vida

adulta, pois conforme uma das participantes relatou, ao ficar grávida tinha

vergonha, pois todos saberiam que ela havia praticado sexo, ou então, que não

saia com os braços descobertos, devido à sensação de estar fazendo algo

inapropriado.

Conforme os relatos de algumas das participantes o matrimônio se

constituía como o ideal de vida desejado pelas mulheres de seu tempo, em que

toda as etapas que envolviam este “acontecimento” eram reguladas e regidas por

normas de conduta e as que ousassem sair do padrão corriam o risco de terem

suas reputações perdidas e ficarem “mal faladas”.

No entanto, no relato da maioria das mulheres foi possível perceber a

frustração e a desilusão, já que a vida sonhada, almejada e tão esperada,

alcançada através do matrimônio, o prêmio maior, não se aproximava em nada da

vida que elas tiveram que levar e com a realidade que elas tiveram que enfrentar.

Aquela vida não era o conto de fadas em que todos viviam felizes para sempre. E

assim contam: não restava nada mais que aceitar abnegadamente as normas

impostas pelos padrões sociais e culturais de sua época e contexto.

Neste sentido, pude perceber que os discursos e as representações

responsáveis por consolidar as Identidades Femininas sob a perspectiva da

dominação masculina frente à subjugação feminina, observado no contexto

investigado foi um fenômeno que ocorreu também em outras partes do mundo,

especialmente no Brasil. Constatando tanto com as minhas experiências como

também consultando as diferentes bibliografias, foi possível observar que as

narrativas sobre as Identidades Femininas se assemelham e até mesmo se

reproduzem com grande proximidade ao que ocorria na Europa. Acredito que isso

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se deveu às correntes e fluxos migratórios que ocorreram, principalmente, durante

grande parte dos Séculos XIX e XX, da Europa para outros países, em que os

colonizadores levaram em sua bagagem estas representações, deixando-as como

legado na formação cultural desses povos.

Sobre o tipo de criação, a questão da influencia da sociedade na conduta e

nas normas de como viver, “o que os outros vão dizer” é na verdade algo que

transcende o sentido de lugar, pois mesmo vivendo em países diferentes, tendo

idades diferentes, em épocas diferentes, em muitas das questões reveladas por

suas narrativas foi possível estabelecer vínculos com a minha própria bagagem a

esse respeito. Assim penso que o sentido da “Identidade Feminina” é algo tão

coletivamente construído e que, embora haja diferenças que a própria cultura e

contexto social impõem para as mulheres, a grosso modo, se faz difícil romper e

escapar.

Através das narrativas significativas, foi possível observar que elas

possuem consciência de todo o processo em que suas Identidades Femininas

foram cunhadas e ao refletirem sobre eles passam a transformar suas identidades

também, certificando-nos que as identidades, conforme afirma Hall (2005), não

são elementos estáticos e sim, que vão sofrendo constantemente ajustes e

modificações.

Mas o contexto investigado também revelou que as narrativas e relatos

sobre Identidades Femininas são derivados além do contexto cultural e social em

que são produzidas, pois são provenientes também, de experiências pessoais e

que estas, por sua vez, podem definir e delinear outro tipo de identidade, diferente

das que detinham a maioria, evidenciando a importância do grupo familiar nestas

construções.

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Por exemplo, o modo com que Isa vivenciou suas experiências no seio

familiar a aportou à autonomia e o sentido de liberdade que repercutiu tanto em

sua vida pessoal como também em seus posicionamentos e escolhas

profissionais. Da mesma forma que nas narrativas das mais jovens entre as

mulheres do atelier, era percebido que a construção de suas identidades

femininas não possuía as mesmas marcas e amarras presentes nos outros

relatos.

Neste sentido, se evidencia a importância dos grupos sociais como família,

sociedade, religião, política, etnia, cultura, como corporações que podem ser

consideradas fundamentais na construção das identidades. É perceptível a

diferença nos relatos daquelas cujas identidades femininas foram sendo

construídas sofrendo influências de grupos mais abertos, mais alinhados com a

liberdade de escolha. Suas histórias foram construídas de outra forma, ou por ter

uma família mais aberta e não subserviente aos preceitos religiosos, ou por serem

mais jovem e pertencente à outra geração, onde os direitos das mulheres já

estavam mais consolidados.

Mas entre os meandros das narrativas e dos diálogos, entre os fazeres e

dizeres também surgiam elementos significativos e extremamente reveladores o

que foi considerado como as posturas narrativas reveladoras.

Através de ações, de pequenos comentários e posicionamentos estas

posturas descortinavam ideias e até sentimentos que se confrontavam em partes

com os relatos e em outras, com a própria postura que as mulheres tentavam

reafirmar, entre estas cenas, ações e situações.

Várias foram as circunstâncias em que as posturas revelavam pequenos

detalhes e situações do modo de pensar das participantes, mas talvez a que foi

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possível observar com maior atenção foi o que denominei “momento do café” e

“momento da faxina”.

Nestes dois momentos, as situações que deram margem para refletir sobre

as posturas adotadas se articulam de forma direta com a construção histórica dos

papéis das mulheres e por consequência, uma das facetas das identidades

femininas.

Por uma parte, as cozinhas como “seus” espaços privados e legitimados,

em que ao mesmo tempo, poderia assemelhar-se a uma prisão, como uma forma

de condicionar o papel das mulheres, revelava outro aspecto, podendo ser

percebidos como um abrigo, um reduto que se emancipou e adquiriu um

significado positivo, a tal ponto que merece ser reproduzido.

Mas também, revela que frente a estas Identidades Femininas que podem

tentar construir novas facetas, ainda existem resquícios da necessidade de terem

seus trabalhos como donas de casa, reconhecidos. É a busca da visibilidade para

o invisível, ou seja, que o trabalho cotidiano, os afazeres domésticos e a vida de

dona de casa ao menos no espaço do atelier adquirem outro sentido, que as

possibilite consolidar as suas visibilidades, ao menos entre elas.

Por outro lado, se existe a vontade de se desvencilharem das tarefas do

cotidiano. Porém ao tentarem dividi-las com seus maridos, existe a relutância por

acreditarem que ninguém é capaz de fazer tão bem quanto elas o fariam. Ou

então, ao viverem situações cotidianas como o de sair desacompanhada em

público e sentirem-se desconfortáveis. Sem dúvida é o que se configura em um

dos paradoxos presentes nas construções das Identidades Femininas e reforça a

ideia de que dentro de nós existem identidades contraditórias, em constante

movimento mas, muito arraigadas.

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Outro aspecto evidenciado nas narrativas das mulheres do atelier foi a

possibilidade de reflexão sobre as suas construções de Identidades Femininas e

de como estas reflexões se constituíam como uma forma de ruptura com o

estabelecido desde sempre e alinhar-se a um novo posicionamento frente às suas

vidas.

O sentido em que estas rupturas se manifestavam era muitas vezes de

forma sutil ou, em outras, por meio de narrativas que revelavam os desejos, as

projeções de uma vida idealizada e não realizada, sobretudo, em relação ao

significado que o matrimônio adquiriu em suas vidas ao longo dos anos e como

esta experiência repercutiu em suas reflexões.

Algumas das participantes confirmaram que tiveram sua formação voltada

para a busca do matrimônio como o objetivo mais relevante de suas vidas, e

neste sentido, construíam um ideal, o “conto de fadas” e também uma identidade.

Com o tempo, constatavam que a realidade não correspondia com o idealizado e

que a vida que as esperava não distava muito da vida vivida por suas mães, por

suas avós, uma vida de obrigações, de abnegações e de novas amarras, antes

impostas pelo pai, agora, pelo marido.

As reflexões realizadas pelas mulheres do atelier sobre o matrimônio

demonstravam o quanto estavam conscientes das diferenças das identidades

femininas ao longo do tempo e, se fosse hoje, elas não aceitariam casar para

levar a vida que levaram.

Estas constatações constituem-se como uma importante ruptura com um

tipo de “Identidade Feminina” que foi cunhada baseando-se em outros valores,

como a subserviência e submissão, a dedicação à casa e à família, a

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dependência econômica, a falta de profissionalização, fatores considerados por

elas fortes amarras que geravam um sentimento de desvalorização.

Para elas, a reflexão sobre estes processos possibilitou a reelaboração de

algumas das suas construções identitárias, gerando assim novos parâmetros para

estabelecer o tipo de postura que teriam em seus relacionamentos e refletindo

sobre novos posicionamentos que adotariam para as suas vidas. Ao refletirem e

analisarem sobre como é a vida hoje e como era, ao menos, internamente,

experimentam a possibilidade de romper com as amarras e estruturas que as

envolveram por tanto tempo.

Este fator também foi percebido em relação às repressões sofridas em

suas sexualidades, mas que apesar disso, ocorreu a ruptura destas amarras

efetivadas na criação de seus filhos e no posicionamento reconstruído já que

conseguem chegar ao século XXI com uma posição clara e definida sobre as

identidades femininas.

Constatei que as reflexões e rupturas conseguidas pelas mulheres do

atelier foram muito além do que eu imaginara inicialmente, pois as questões

levantadas, refletidas e discutidas apresentaram um repertório de problemáticas

significativas que despertaram o meu olhar para a situação de toda uma geração

de mulheres representadas pelas mulheres do atelier e que de certa maneira

segue repercutindo nas gerações posteriores a delas.

Observando os aspectos que multiplicavam os caminhos em torno das

reflexões e narrativas sobre as Identidades Femininas, o cotidiano também se

mostrou como um elemento importante a ser considerado, capaz de revelar as

singelezas e as agudezas entranhadas na cotidianeidade. O cotidiano foi

entendido como um palco onde uma ampla gama de assuntos, problemáticas e

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discussões aconteciam e que, devido a sua abrangência não se enquadram em

nenhum tema específico justamente por pertencer a esta corrente fluida da vida

composta do dia a dia.

Entender como as situações corriqueiras e até mesmo banais se

entrelaçavam às narrativas sobre Identidades Femininas levou certo tempo, mas

a convivência com as mulheres no espaço do atelier foi propiciando entender que

em meio às conversas, às trocas, às histórias contadas e ouvidas havia a

cumplicidade, a amizade e o entendimento mútuo para aquelas narrativas que se

não fossem compartilhadas perderiam o sentido de ser e existirem.

O olhar para este cotidiano do qual eu também me considerava parte,

possibilitou-me questionar muitos aspectos sobre minhas próprias narrativas e

sobre como as minhas Identidades Femininas foram sendo marcadas pelos

processos de trânsitos, de mudanças e pelas situações vividas ao ser estrangeira

e ao mesmo tempo ao ser mulher.

Neste ponto, considero que o espaço do atelier foi um dos grandes

possibilitadores e o grande antagonista nesta história. O atelier de cerâmica,

assim como os fazeres, funcionava como uma “desculpa”, como um pretexto para

esse encontro, onde podíamos analisar nossas vidas, sonhar outras vidas e ao

mesmo tempo em que produzíamos trabalhos em cerâmica, inseridas num

processo de Educação Não Formal.

Sob esta ótica foi que o atelier como espaço de fazeres e práticas artísticas

possibilitou três enfoques diferentes: fazeres narrativos; motivações criadoras; e

fazer(se)es.

O primeiro considerei os fazeres como um meio de narrativa, o que chamei

de “fazeres narrativos”. Levando em conta estes aspectos, as grandes questões

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que se me apresentaram ao tematizar este estudo foi se, ao fazer cerâmica,

emergiam narrativas que expressavam as identidades femininas das mulheres do

atelier, o que me levou a considerar a cerâmica como uma “possibilidade

narrativa”.

Os fazeres narrativos se consolidaram à medida que foi possível

estabelecer as conexões existentes entre o fazer e o querer, entre o impulso

motivador e o ato de executar, entre o porquê e o para quem, trajetórias

preenchidas por significados que, se por um lado ficavam encerrados em si e que

são atingíveis através da suposição e da imaginação, por outro, eram percebidas

através das entrelinhas, dos pequenos comentários e de considerações.

Em alguns dos casos, era perceptível que cada objeto produzido no atelier,

revelava uma história, uma narrativa, às vezes percebidas, às vezes socializadas,

mas muitas vezes guardadas para cada uma.

O segundo enfoque dado para os fazeres ou práticas artísticas foi o de

refletir sobre as narrativas que decorriam a partir dos trabalhos em cerâmica

realizados pelas mulheres do atelier, procurando assim, aproximar-me de seus

processos do fazer cerâmica que envolvia a criação ou reprodução de suas

peças.

Procurei entender o que levava as mulheres a frequentar o atelier durante

tanto tempo, quais eram suas motivações e como o seu processo desvelava suas

narrativas. Este foi um aspecto que ganhou representatividade ao longo da

investigação devido à íntima relação percebida entre o fazer e o dizer.

As motivações criadoras estão relacionadas com a questão dos próprios

fazeres narrativos, sendo que o que os divide é uma linha tênue, quase

inexistente, entre o propor-se e o seu resultado. O fazer criativo possui inúmeros

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desdobramentos e sofre influências de diversas direções, já que a todo o

momento estamos em contato com fontes de informações que podem servir de

impulso tanto para criar algo novo, como para reproduzir o que já existe, o que já

foi feito por alguém. De qualquer forma, em qualquer uma das situações, o que

está em jogo são as marcas de subjetividade que ficam presentes nos fazeres ou

práticas artísticas.

Conforme a postura adotada pelas participantes do atelier foi possível

perceber que o fazer cerâmica pode ser entendido como um fazer democratizado

por atender a uma multiplicidade de sentidos e finalidades que pode ser adquirida

por quem o faz. Desvincular-se da ideia de “ser um artista” é, de certa forma, ter

liberdade para fazer, experimentar e realizar trabalhos que estejam mais

comprometidos com suas motivações particulares, com os seus interesses e com

o seu prazer ao fazer cerâmica.

Também, as motivações do fazer podem estar muito mais próximas da

possibilidade de experimentar sem buscar resultados concretos, como uma forma

de criar estratégias para a sua construção de conhecimento, que talvez sejam

aplicadas em outros campos de sua vida e que, neste sentido, o fazer cerâmica

estimula e impulsiona na busca de soluções inovadoras e diferentes das já vistas.

Transitar pelas motivações que levava as mulheres do atelier a fazer

cerâmica foi como caminhar por um terreno movediço, justamente por que assim

como na cerâmica e na Educação Não Formal, a subjetividade de cada uma é

algo íntimo que nem sempre se desvela. Mas o percebido é que o fazer cerâmica

neste grupo atuava como um dos elementos aglutinadores que mantinham estas

mulheres unidas, produtivas e capazes de refletir sobre o mundo em que vivem.

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Considero este aspecto de forma muito especial, já que as mulheres de

tanto serem oprimidas, podem utilizar como recurso para sua própria

“sobrevivência” a resignação, ou então, o que Hall (2005) chama de as “narrativas

do eu” e isto ocasionaria uma resistências ao narrar, ao contar e analisar suas

vidas. Por isso, a importância de agrupar-se, pois é uma forma de respaldarem

suas falas, de encontrarem amparo e também compreensão.

Na verdade a busca de um espaço coletivo de fazeres, como um atelier de

cerâmica, por exemplo, estimula as narrativas e a reflexão sobre suas

experiências o quê, no entanto, nem sempre é transferido para o seu cotidiano.

Ou seja, a expressão crítica nem sempre extrapola os limites dos espaços

exclusivos de mulheres.

Tal como afirma Garcia (1998), a opressão permanece invisível e as

marcas da hegemonia masculina são tão fortes que mesmo ausentes, se tornam

presentes. Na superação disso, os espaços de fazeres contribuem para a reflexão

sobre as identidades femininas, mesmo que não sejam suficientemente

consolidados a ponto de resultarem em mudanças concretas, mas que deixam

suas marcas e suas influências, como foi o caso da história que Isa contou sobre

sua aluna, que teve sua vida transformada pelo reconhecimento social de seu

trabalho com cerâmica.

Para que as mudanças se consolidem, faz-se necessário um trabalho

insistente e permanente, que demanda tempo e investimento intelectual e que

resulte em conhecimento. E, daí, a importância de uma proposta de Educação

Não Formal capaz de consolidar as narrativas, fonte de emergência de histórias

de submissões, como algo capaz de transformar as reflexões em ações

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concretas, que possibilitem uma mudança de perspectiva para Identidades

Femininas alinhadas aos tempos atuais.

Os fazer(se)es, aparece como o terceiro aspecto do desdobramento dos

fazeres ou práticas artísticas. Embora, seja importante considerar que, as

reflexões que se articularam à questão dos “fazer(se)es” estiveram presentes em

diferentes momentos desta tese, desde o seu título até as temáticas de análises,

podendo inclusive, ser utilizado como analogia do próprio processo de realização

desta tese, em que à medida que a fui construindo, fui também “me” construindo,

tanto no que tange às minhas Identidades Femininas como também, a de

conhecimento e de saberes que foram sendo produzidos. Neste sentido, cunhar

espaços compartilhados para a multiplicidade de “eus” que coexistiam no mesmo

espaço/tempo: como a aluna, a investigadora, a professora (de outrora), como

artista, foi processo mediado pelo fazer cerâmica e tudo isso foi possibilitando em

mim o fazer(se)es.

Seguindo esta mesma analogia, o fazer(se)es também encontrou sentido

no trabalho das mulheres no atelier de cerâmica e em como esse espaço

consolidava os seus fazer(se)es enquanto grupo e também de forma individual.

Em vista disso, o atelier de cerâmica consolidou-se como um espaço de

resistência e de reflexão sobre as identidades femininas, por possibilitar que este

grupo de mulheres construíssem novas narrativas e exercitassem formas de

pensar sobre suas vidas e sobre suas identidades. Ao refletirem sobre os

afazeres, como atividades do cotidiano e de “responsabilidade” feminina, foi

perceptível a necessidade de pensar que já não se pode mais considerar

simplesmente, que existam tarefas específicas destinadas as mulheres para

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assumirem um papel menor, como anteriormente era visto, que era o de ser dona

de casa, submissa ao homem.

Por isso, é possível considerar que o atelier de cerâmica se constituiu em

um espaço no qual as mulheres também iam fazendo-se, porque ali suas vozes

eram ouvidas e em meio aos fazeres ou práticas artísticas em cerâmica,

encontravam espaços para compartilhar suas alegrias e tristezas, encontravam

apoio e compreensão, onde se escutavam mutuamente, aprendendo, trocando e

crescendo enquanto pessoas. Constituía um espaço que aliava o fazer cerâmica

enquanto atividade manual e intelectual, aliados à reflexão sobre suas vidas e

sobre o mundo, resultando no fazer(se)es.

Quando estruturei esta proposta investigativa, focalizei como tema de

interesse as questões que envolviam as identidades femininas. No entanto, no

decorrer desta investigação, fui percebendo que mais que o processo de

conhecer-se, ou conhecer as perspectivas a respeito das identidades das

mulheres do atelier, existiam outros processos de conhecimento que são

inerentes à própria capacidade humana. Foi então que a Educação Não Formal,

enquanto campo capaz de possibilitar inúmeros desdobramentos, adquiriu maior

relevância e passou a compor um dos vértices deste trabalho investigativo,

somando-se às Narrativas e às Identidades Femininas.

O atelier de cerâmica articulado às prerrogativas básicas da Educação Não

Formal apresentou como peculiaridade a capacidade de fomentar e estimular

cada uma das mulheres frequentadoras daquele espaço de encontro, de

conversa, de convivência, de fazer cerâmica, também de narrar suas vidas, de

desvelarem seus posicionamentos e refletirem sobre suas identidades femininas

e, ainda, como um espaço de aprender e de ensinar, de troca de saberes, de

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pesquisa, na orientação e aprendizagem do uso de diferentes materiais em

cerâmica.

Constituiu um espaço de crescimento interior onde o conhecer-se também

se articulava com o conhecimento de mundo, tanto de coisas especificas como

também genéricas, que permeavam a vida cotidiana e que são necessárias para

que as pessoas vivam de forma mais consciente e reflexiva.

O atelier, embora não sendo pensado para situações de aprendizagem

relacionadas à Educação Não Formal, poderia confundir-se com a educação

informal, mas as características das relações e o vínculo estabelecido com a

Instituição mantenedora, a Associação de Mulheres, mesmo que, através do

pagamento das mensalidades, os processos relacionais que ocorriam ali, só

aconteciam porque existia uma predisposição para a aprendizagem de umas com

as outras e uma predisposição de ensinar mediada pela professora.

O espaço de um atelier apresenta características adequadas à Educação

Não Formal, justamente por romper com a estrutura formal, vista na escola, por

exemplo, onde cada um constrói seu conhecimento de maneira individualizada e

as formas de socialização são livres, não estruturadas nem temporalizadas, pois

elas respeitam os momentos e os tempos de cada um e de todos.

Ainda, se constitui como um espaço agregador, democrático, de

convivência e de respeito às posições do outro, onde as trocas e relações

ocorrem de forma livre, que estimula as conversas e o intercâmbio de

informações e conhecimentos, possibilitando, desta forma circular melhor no

mundo, de conhecer e participar dos códigos sociais, de inserir-se no contexto,

questões tão importantes e que deveriam permear todas às relações de ensinar e

de aprender.

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Dentro das características da Educação Não Formal, estes seriam alguns

aspectos que poderiam contribuir de forma significativa se levados para o âmbito

da educação formal, dentro da escola e para o Ensino da Arte, podendo utilizar,

em alguns momentos, espaços livres de troca, de criação e de socialização.

Outro elemento importante apontado por este trabalho investigativo foram

as reflexões oriundas do processo de constituição da educadora não formal,

percebendo de que maneira a construção das Identidades Femininas, as

experiências e vivências delineavam um perfil voltado para a prática docente em

um contexto não formal. Assim, partindo das narrativas de Isa, a professora do

atelier de cerâmica, foi possível também refletir sobre como as minhas próprias

narrativas, enquanto mulher, investigadora, ceramista e professora de artes

estabeleciam conexões com o Ensino da Arte.

A partir das narrativas de Isa, das suas Identidades Femininas alinhadas a

outro patamar de relações familiares e de formação profissional, foi possível

refletir sobre muitos aspectos relacionados à importância do papel dos

professores, que por meio de suas práticas deixam marcas que repercutem e

ressoam ao longo da vida daqueles que por eles passam, tal como classifico os

professores e professoras que por mim passaram: os que marcaram e os que se

tornaram apenas sombras.

Também, as narrativas de Isa encaminham para uma constatação sobre o

que talvez seja um dos maiores dilemas enfrentados pelos professores e

professoras de arte, tanto vinculados ao ensino formal como não formal, que tem

a base de sua formação na prática artística: o de ter que abdicar, ou relegar a um

grau de menor importância a sua produção em arte dedicando-se mais ao ensino.

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Esta segunda “opção” é em geral, decorrente da necessidade de exercer uma

atividade regularmente remunerada.

Embora ocorram frustrações pelo abandono da prática artística, no caso de

Isa, muitas vezes o abandono dessa prática e a dedicação à docência como meio

de sobrevivência, pode tornar-se motivo de realização profissional.

Logo, as experiências discentes e docentes podem exercer influências e

podem ser consideradas em partes, responsáveis por construir as identidades dos

educadores e educadoras, demarcando claramente diferenças no posicionamento

requerido para se ensinar em espaços institucionalizados, regidos por processos

formais de educação, frente aos espaços não formais.

As narrativas de Isa evidenciaram também a importância e o cuidado que

deve existir na formação de todos os envolvidos com a educação e com o ato de

ensinar. No caso, fica perceptível que para ser um educador não formal além da

formação geral e específica em sua área de atuação, também, é preciso ter um

perfil capaz de mediar relações entre adultos, saber respeitar e não abusar da

autoridade (que infelizmente ainda é exercida por muitos educadores). Neste

caso, foi possível ver delinear-se uma educadora consciente de seu papel e

responsabilidade frente aos seus alunos, que se envolvia em nível pessoal e que

primava pelas relações de bem estar, tanto a sua, como a deles. Este

posicionamento adicionou profundidade para refletirmos sobre qual deveria ser o

papel da educadora e do educador, na grande gama de matizes que existe entre

o ato de ensinar e aprender e sobre um importante aspecto presente na

Educação Não Formal e que, a meu ver, seria indispensável a qualquer contexto

educativo, o de promover a autonomia do sujeito como fundamento básico nas

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relações de ensino e aprendizagem e independentemente dos vínculos

institucionais.

Embora esta investigação tenha sido desenvolvida em um contexto cultural

específico, marcados por um tempo/espaço concreto, o que considero importante

frisar é que busquei com base nos questionamentos, indagações e considerações

aqui contidas uma forma de refletir sobre questões que ultrapassam estes

“limites” e que podem ser transportadas e entendidas de forma a estabelecer

relações e provocar a cada pessoa, leitor ou leitora que venha a ter acesso a este

trabalho.

Tendo em vista que este trabalho foi apenas um recorte, foi um caminho

tomado entre tantas outras possibilidades, reitero o que já disse em outro

momento: foi um olhar pelo “buraco da fechadura”, um olhar que construí ao

utilizar uma lente de aumento para um espaço que poderia ter sido entendido

como somente para passar o tempo, um lugar de ações corriqueiras e cotidianas,

de pessoas com vidas que poderiam assemelhar-se à vida de qualquer outra

pessoa, em qualquer outra parte do mundo. Mas foi a partir desse olhar

provocado pelo inusitado, que bateu em uma porta “qualquer” e teve como

resposta a porta se abrindo para o novo, para o inesperado.

Olhando para o início desta caminhada, quando ainda muito imaturamente

tinha a pretensão de verificar se o espaço do atelier de cerâmica “construía”

Identidades Femininas, pois este era meu pensamento inicial, esta proposta deu

lugar a considerar se o espaço possibilitava reflexões e narrativas sobre

Identidades Femininas. Hoje, ao olhar todo o caminho percorrido, concluo que foi

a decisão mais acertada e, mais ainda, concluo que as Identidades Femininas das

mulheres participantes do atelier de cerâmica já estavam construídas e que, o que

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o espaço do atelier proporcionou, foi uma constante reflexão, troca, crescimento,

conhecimento, relações e, sobretudo, outro jeito de ver o mundo... Nem sempre

isto resulta em ações concretas, mas muda-se o pensamento que é a maior fonte

de mudança, tudo isso, mediado pela cerâmica e pela Educação Não Formal,

num processo de fazer e de fazer-se, que resulta em um fazer(se)es.

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Artística. Sevilla, 2006.

Guizzo, Bianca Salazar. Concepções e Práticas de Embelezamento na Educação Infantil: uma abordagem na perspectiva de gênero. Projeto de Tese,

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Vila, Ana Abascal; Colás, Maria José Juan; Rincón, Norma Alzate; Santos, Mônica

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Estudios Avanzados (DEA), apresentada no programa de doctorado “Artes

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MMonografias, dissertações e teses

Álvarez, Laura de Miguel. La huella, la tela, el blanco y negro en la manifestación de ser: modelo de confección autoidentitaria del artista-

investigador-educador. Tesis Doctoral. Departamento de Didáctica de la

Expresión Plástica, Facultad de Bellas Artes, Universidad Complutense De

Madrid. Madrid, España: 2011.

Cinquina. Paola. Narrativas entorno a identidad en programas de vídeo participativo. Tesis Doctoral. (Doctorado en Artes y Educación) Departament de

Dibuix de la Facultat de Belles Arts, Universitat de Barcelona. Barcelona, España:

2010.

Correa, Helga. A constituição de identidades profissionais: narrativas

biográficas no Ensino de Artes com a interface na gravura. Tesis Doctoral.

(Doctorado en Artes y Educación) Departament de Dibuix de la Facultat de Belles

Arts, Universitat de Barcelona. Barcelona, España: 2011.

Herraiz, Fernando. Los estudios sobre masculinidades: una investigación

narrativa en torno del papel de la escuela y la educación artística en la

construcción de la masculinidad. Tese (Doctorado en Bellas Artes) Departament

de Dibuix de la Facultat de Belles Arts, Universitat de Barcelona. Barcelona,

España: 2009.

Larraín, Verônica. El buen nombre: una investigación narrativa en torno a las

experiencias de subjetivación en la relación en la investigadora. Tesis

Doctoral(Doctorado en Bellas Artes) Departament de Dibuix de la Facultat de

Belles Arts, Universitat de Barcelona. Barcelona, España: 2009.

Santos, Mônica Lóss dos. A compreensão crítica da arte em mídias digitais na formação inicial do professor de Artes Visuais. Santa Maria: Dissertação de

Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em

Educação/Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, 2007.

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Santos, Mônica Lóss dos. Do Galpão ao salão: o pala gaúcho como

referencial na criação de design têxtil. Santa Maria: Monografia de

Especialização em Design para Estamparia. Universidade Federal de Santa

Maria, UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. 2005.

Sousa, Janara Kalline Leal Lopes de Caiu na rede é jovem? O exercício do protagonismo idoso na internet no Brasil e na Espanha, Tese de doutorado.

Universidade de Brasília, UNB- Brasil, 2010.

Videla, Mabel Luz Zeballos. Elo Dourado ou Elo Perdido? Práticas cotidianas,

agência e memória em uma vila da Lomba do Pinheiro, Porto Alegre (RS). Porto

Alegre: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social do Programa de Pós-

Graduação em Antropologia Social/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul,

Rio Grande do Sul, Brasil, 2009.

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Anexo I

TÉRMINO DE CONSENTIMIENTO INFORMADO

Título del proyecto de investigación:

“Entre el diálogo y el hacer: la construcción de la identidad femenina en un espacio de educación no formal”.

Universidad de Barcelona Facultad de Bellas Artes.

Doctorado en Artes y Educación Investigadora: Mônica Lóss dos Santos Tutor: Prof. Dr. Fernando Herraiz García

Esta investigación de doctorado tiene el objetivo de observar el cotidiano

de un grupo de mujeres en un taller de cerámica en el Centro Cívico (nombre del

barrio) en Barcelona, en que participo como alumna e investigadora. Las

observaciones estarán centradas en cómo la identidad femenina es influenciada

por las experiencias y las relaciones en este espacio y como los artefactos

producidos en este espacio revelan o manifiesta estas construcciones.

Las informaciones y los resultados en esta investigación están

protegidas por el sigilo ético, donde hay el compromiso de no revelar los nombres

de los participantes en ninguna presentación oral o escrita, ni en ninguna

publicación.

La investigadora Mônica Lóss dos Santos, es la responsable por la

investigación y su tutor es el Profesor Doctor Fernando Herraiz García do

Programa de Doctorado en Artes y Educación da Facultad de Bellas Artes de la

Universidad de Barcelona.

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Por el presente Término de Consentimiento Informado, declaro que fui

informada de los objetivos para realización de la investigación y sus

procedimientos. Estando de acuerdo permito que sea utilizado las charlas, los

hechos y fotos donde yo aparezca.

Firma de la participante/colaboradora: Firma de la investigadora:

__________________ __________________

Barcelona_________, _________ de 2011.

AAnexo II

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Esquema sobre o campo investigativo

AAnexo III

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Esquema sobre o desenvolvimento do projeto de tese

AAnexo IV

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Roteiro inicial para entrevista

1º Iniciar la grabación, leer el término de consentimiento y pedir que ellas firmes

si están de acuerdo con todo.

2º Preguntar: edad y profesión

1- ¿A qué te dedicaste al largo de tu vida? *¿Cómo fue tu vida como mujer?

*¿Fuiste ama de casa en algún momento de tu vida?

*¿Te gustaba?

*¿Qué crees que podía ser diferente? ¿Cómo te sentías?

2- ¿Cuándo y porque empezaste hacer cerámica? *¿Hiciste otros trabajos manuales antes de empezar con la cerámica?

*¿Crees que hay alguna relación de los labores de ama de casa con el

hecho de hacer cerámica en un taller?

*¿Crees que sería diferente hacer cerámica sola a casa?

*¿Percibiste algún cambio en tu vida después que empezaste hacer

cerámica?

3- - ¿El espacio del taller te ayuda a sentirte mejor? (¿Cómo tú te sientes cuando estás en el taller haciendo cerámica con las compañeras?) ¿Por qué? *¿Lo que es que más te gusta en este espacio del taller? (Por las

compañeras, por hacer cerámica, por el encuentro) (¿Te sientes libre para

hablar, criar e expresarte?)

*¿Cómo es la experiencia de estar en un espacio solo de mujeres? ¿Cómo

te sientes?

* ¿Crees que tu vida cambió al participar en este grupo? ¿Por qué?

4- ¿Qué tipo de trabajo te gusta hacer en cerámica?

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*¿Como tienes las ideas para tus proyectos? (¿Te gusta mirar modelos, ver

lo que hacen las compañeras o criar libremente?)

*¿Relacionas de alguna manera las piezas que haces en cerámica con tu

vida personal? *¿Puedes contarme algún ejemplo? ¿Qué relaciones

estableces?

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