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ENTRE A JUSTIÇA E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA BETWEEN THE JUSTICE AND THE HUMAN BEING DIGNITY Érico Marques de Mello RESUMO Pesquisa a respeito da dignidade da pessoa humana em relação ao fundamento teórico, tendo em vista origem e aplicação prática. A dignidade da pessoa humana decorre da ideia de justiça social, e é observada como parâmetro universal de justiça, em razão da ideia de ética universal. A influência da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico interno estabelece uma ideia de princípio estruturante, no sentido de que o rol de direitos fundamentais a encontra como orientação para aplicação concreta do direito. Da mesma forma, a dignidade da pessoa humana é observada como princípio universal, por se tratar de valor, observada na expectativa de uma ética universal. Com essa definição, verifica-se que o § 2º do art. 5º da Constituição Federal não é um texto Constitucional, cuja aplicação seja suscetível de relativização, visto que ele registra a real qualificação da dignidade da pessoa humana, e impõe ao aplicador da lei uma abertura do ordenamento jurídico brasileiro. PALAVRAS-CHAVES: DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; JUSTIÇA SOCIAL; ÉTICA; ORDENAMENTO JURÍDICO; DIREITOS FUNDAMENTAIS; PRINCÍPIO ABSTRACT This paper regards the human being dignity in respect to its theoretical basis and in light of its origin and practical application. The human being dignity is based on the social justice idea and it is observed as a universal justice parameter due to the universal ethics concept. The human being dignity influence on the internal legal system establishes a structuring principle idea, which means the different fundamental rights are grounded on said influence for law concrete application. Similarly, the human being dignity is observed as a universal principle (considered as a value) analyzed from the expectation of a universal ethics. From this definition, we can understand paragraph 2nd of Article 5 of Brazilian Federal Constitution is not only a Constitutional text whose application is object of relativization, since it records the real human being dignity characterization and imposes to the law applicator an opening of the Brazilian legal system. KEYWORDS: HUMAN BEING DIGNITY; SOCIAL JUSTICE; ETHICS; LEGAL SYSTEM; FUNDAMENTAL RIGHTS; PRINCIPLE 5442

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ENTRE A JUSTIÇA E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

BETWEEN THE JUSTICE AND THE HUMAN BEING DIGNITY

Érico Marques de Mello

RESUMO

Pesquisa a respeito da dignidade da pessoa humana em relação ao fundamento teórico, tendo em vista origem e aplicação prática. A dignidade da pessoa humana decorre da ideia de justiça social, e é observada como parâmetro universal de justiça, em razão da ideia de ética universal. A influência da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico interno estabelece uma ideia de princípio estruturante, no sentido de que o rol de direitos fundamentais a encontra como orientação para aplicação concreta do direito. Da mesma forma, a dignidade da pessoa humana é observada como princípio universal, por se tratar de valor, observada na expectativa de uma ética universal. Com essa definição, verifica-se que o § 2º do art. 5º da Constituição Federal não é um texto Constitucional, cuja aplicação seja suscetível de relativização, visto que ele registra a real qualificação da dignidade da pessoa humana, e impõe ao aplicador da lei uma abertura do ordenamento jurídico brasileiro.

PALAVRAS-CHAVES: DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; JUSTIÇA SOCIAL; ÉTICA; ORDENAMENTO JURÍDICO; DIREITOS FUNDAMENTAIS; PRINCÍPIO

ABSTRACT

This paper regards the human being dignity in respect to its theoretical basis and in light of its origin and practical application. The human being dignity is based on the social justice idea and it is observed as a universal justice parameter due to the universal ethics concept. The human being dignity influence on the internal legal system establishes a structuring principle idea, which means the different fundamental rights are grounded on said influence for law concrete application. Similarly, the human being dignity is observed as a universal principle (considered as a value) analyzed from the expectation of a universal ethics. From this definition, we can understand paragraph 2nd of Article 5 of Brazilian Federal Constitution is not only a Constitutional text whose application is object of relativization, since it records the real human being dignity characterization and imposes to the law applicator an opening of the Brazilian legal system.

KEYWORDS: HUMAN BEING DIGNITY; SOCIAL JUSTICE; ETHICS; LEGAL SYSTEM; FUNDAMENTAL RIGHTS; PRINCIPLE

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem a finalidade de investigar a relação entre dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais para responder ao seguinte questionamento: se é viável aplicação do disposto no § 2º do art. 5º da Constituição Federal no ordenamento jurídico brasileiro.

Como metodologia adotada, este trabalho é dividido em três partes, quais sejam: em primeiro lugar, é estabelecida relação entre justiça e dignidade da pessoa humana; em segundo, será tratada a extensão da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico; por fim, será discorrido acerca do problema proposto, no parágrafo anterior.

1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ENQUANTO JUSTIÇA

1.1 EVOLUÇÃO DA IDEIA DE JUSTIÇA

No período pré-socrático a ideia de justiça era associada ao divino, segundo mitologia grega. Na mitologia grega, a deusa Têmis era considerada deusa conselheira de Zeus, enquanto diké era a deusa do “julgamento”. Justiça vem de jus (latim), que traduz a expressão diké do grego. Diké tem origem em dikaiosyne e dicere, ou seja, Diké era a Deusa ligada a jurisdictio.[1]

A ideia de “dar a cada um o que é seu” surge da noção de justiça com Têmis e diké. Posteriormente, com os pitagóricos a ideia de justiça passa a estar relacionada com igualdade, na relação com o outro, seja decorrente de tratamento direto, seja relativo à ideia de reparação.[2]

A concepção de justiça, apresentada por Plantão, estaria em “dar a cada um o que é devido”. Tratava-se da ideia de justiça como virtude, na qualidade de distribuição de direitos e vantagens individuais. A concepção original - distribuição justa - encontra respaldo na perspectiva de justiça social, a partir do momento que garantiria equilíbrio nas relações sociais concretas.[3]

A noção de justiça, em Aristóteles, é apresentada como proporção. Justo respeita a proporção e injusto a ofende, tanto na perspectiva horizontal (distribuição proporcional), quanto na vertical (reparação de danos). A justiça vertical está relacionada à proporção entre conduta e resultado, ou entre dano e reparação.[4]

O afastamento da perspectiva de proporção da noção de justiça surge com a influência cristã. [5] A misericórdia e o perdão, intrínsecos à concepção de amor cristão, afastaram a justiça da ideia de proporção. Como consequência surge uma noção de justiça absoluta e desproporcional, correspondente à dignidade da pessoa humana.[6]

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A justiça está próxima de “forma de se relacionar”, dentro de dois parâmetros: “como meio” que implica perspectiva relativizada (proporção); e “como prática” que indica critério absoluto (dignidade da pessoa humana). Como se dá a justiça? Como comunicação, a justiça é meio pelo qual os dois parâmetros são adaptados, ora privilegiando critério absoluto “dignidade da pessoa humana” ora critério relativo “proporção”. Como funciona na prática? Constante alternância em que se torna “simétrico” o que é “assimétrico” e “assimétrico” o que é “simétrico”. Em outras palavras, a justiça possibilita o funcionamento da assimetria social, orientada pela comunicação humana.[7]

Dessa forma o que se percebe não é a justiça, mas a injustiça. A justiça é necessidade de restabelecimento permanente depois de constatada a injustiça, a partir da relação já apresentada de interação entre a proporcionalidade, como critério de justiça relativo; e a dignidade da pessoa humana, como critério de justiça absoluto.

1.2 ANÁLISE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Resta agora analisar se a justiça social tem relação direta com a ideia de dignidade da pessoa humana.

Em um primeiro momento, a noção de justiça social pode ser apresentada como “virtude”, em que os membros da sociedade são colocados, na relação social concreta, como obrigados e favorecidos, tendo em vista contribuição de todos para o bem comum, dentro de parâmetro de proporcionalidade. Os elementos que caracterizam a justiça social são: o bem comum; bem como a igualdade proporcional.[8]

Em um segundo momento, a definição de justiça social é apresentada a partir das seguintes ideias: a) justiça legal; b) cooperativismo e dever geral; c) dignidade da pessoa humana.

a) Aristóteles e Tomás de Aquino apresentavam três formas de justiça, tendo em vista respectivamente: justiça geral, distributiva e corretiva; justiça legal, justiça distributiva e justiça comutativa. A justiça social está relacionada à ideia de justiça geral, em Aristóteles; e legal, em Tomás de Aquino. Trata-se, a justiça social, de conjunto de virtudes.[9]

A ideia de bem comum nasce da própria concepção de socialização, como ideia original de concretização da justiça social, isto é, a justiça social[10] fundamentada na participação social ampla, como característica da ordem jurídica. Assim, a aplicação da lei, de maneira geral, deve estar condicionada ao bem comum. Tal afirmação aproxima a justiça legal tomista à ideia de justiça social.[11]

b) A segunda origem de justiça social está fundamentada no cooperativismo[12], como orientação dos indivíduos organizados para o bem comum. A justiça social tem a finalidade de regular as ações privadas no meio social, tanto do indivíduo isoladamente,

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quanto de grupos (pessoas jurídicas). Trata-se de ampla participação social da realização da justiça, seja em caráter individual ou coletivo.[13]

c) Nada poderia ser tão próximo do bem comum como a dignidade da pessoa humana[14]. A justiça social está fundamentada no bem comum, como a realização da vida humana digna. A dignidade da pessoa humana é considerada valor supremo da República Federativa do Brasil. Segundo José Afonso da Silva a própria ordem econômica prescrita no art. 170 e no 193 estaria fundamentada na garantia constitucional de dignidade da pessoa humana.[15]

Na ordem constitucional brasileira, a justiça social estaria relacionada à ordem econômica prevista no art. 170 e no art. 193[16]. O surgimento do direito econômico representa justiça social, por meio de política pública, cujo aspecto material repercute, não apenas da preservação de um modelo existente, mas na busca do ideal de justiça social.[17]

Importante observar que a ideia de justiça legal, cooperativismo e dignidade da pessoa humana não exercem influências distintas, nem caracterizam concepções distintas de justiça. Trata-se de características inerentes à justiça social enquanto conceito.[18]

2 A ÉTICA UNIVERSAL E A DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

2.1 ÉTICA UNIVERSAL

A ética universal corresponde a uma concordância de cada membro da sociedade, observada individualmente, e em contexto coletivo. Tal observação se dá nas mais diversas esferas políticas, desde a deliberação política de criação de leis, até a aplicação efetiva das diversas disposições normativas.[19][SdP1]

O fundamento da ética universal é a própria autonomia individual de cada membro da sociedade, em parâmetro discursivo. O discurso se torna determinante para oferecer ao indivíduo segurança, no sentido de que as deliberações políticas observarão um contexto intersubjetivo e estarão em concordância entre os demais membros. Então, o conteúdo normativo não seria um instrumento autônomo individual, mas resultante da autonomia definido por parâmetro discursivo.[20]

A legitimidade da lei parte do pressuposto de que serão garantidas liberdades iguais, bem como serão atendidas expectativas individuais de cada membro da coletividade, e da própria coletividade como um todo. Em outras palavras, as leis morais estabelecem as condições de liberdade, preenchidas pelo direito positivo. O direito positivo exerce, então, relevante função, a partir do momento que estabelece fundamento político para suprir espaço, cuja moral não atinge autonomamente.[21]

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A efetividade da norma depende da respectiva concordância interna, tendo em vista a ideia de ética universal. Esta, porém, não é observada na particularidade de incidência concreta da norma, e sim como resgate da ideia valorativa em contexto coletivo de integração de identificação social. [SdP2]

2.2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO “PRINCÍPIO”

Segundo Günther, a dignidade da pessoa humana encontra respaldo em caráter universal, como fundamento de validade de toda e qualquer orientação normativa. O referido autor parte do pressuposto da existência de valores universalmente reconhecidos, relativos a direitos humanos iguais e a vida humana digna. A convicção particular acerca de tais valores determina o reconhecimento de uma ética universal, fundamentada na validade de orientação normativa determinada pela expectativa de vida humana digna.[22]

A ideia de ética universal, com fundamento na dignidade da pessoa humana, foi apresentada por Fábio Konder Comparato. A dignidade da pessoa humana apresenta-se não apenas como fundamento de cada ordenamento jurídico, enquanto razão de ser; mas, especialmente no Brasil, prevalece como princípio estruturante.[23]

O que é ciência? A resposta apresentada por Reale considera dois pontos: em primeiro lugar, conjunto de conhecimento orientado por princípios; em segundo lugar, fundamentado de forma objetiva. Os princípios determinam identidade com os ideais do sistema, relativos a valores. Quanto ao fundamento objetivo, em sede de ciência do direito, observa-se o próprio ordenamento jurídico.[24]

Mesmo inseridos em estrutura atípica, toda ciência tem por fundamento princípios, que estabelecem relação entre fatores reais e a estrutura racional procedimental. A finalidade do princípio é legitimar a estrutura científica, na qualidade de pressuposto ou fundamento, e ao mesmo tempo estabelecer nexo de relação entre estrutura científica e valores ontológicos.[25]

Alexy apresenta a relação entre regras e princípios, na teoria discursiva, no sentido de que a validade seria qualidade da regra, não do princípio. A partir da estrutura apresentada, a ideia de princípio e regra seria de relação correspondente, em que o princípio poderia afastar a viabilidade da regra, enquanto um princípio não afastaria outro, mas apenas há a supressão em razão de dado momento e finalidade.[26]

3 DA INFLUÊNCIA PRÁTICA NO DIREITO BRASILEIRO

3.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais podem ser considerados imutáveis, prescritos como direitos nomeados pela constituição, ou seja, seriam, os direitos fundamentais, criados e

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definidos com a finalidade de manter pressupostos elementares, dentro de dois parâmetros: vida com liberdade; e vida com dignidade.[27] Cabe ressaltar que a dignidade da pessoa humana[28] é princípio basilar dos direitos fundamentais.

Segundo Canotilho, os direitos fundamentais estão relacionados aos direitos naturais, que não correspondem à mera positivação, mas se trata de imposições normativas com respaldo ético. Em suma, os direitos fundamentais, assim como os direitos naturais, representam positivação da expectativa de justiça.[29]

Ainda segundo Canotilho, nem todos os direitos tidos como fundamentais estão prescritos na constituição, pois a Constitucional prescreve direitos em permanente fase de construção, cuja definição estabelecida corresponderia à concretude das relações sociais.[30]

Afirmado que direito fundamental encontra base valorativa na ideia de dignidade da pessoa humana, bem como se trata de imposições com conteúdo ético, resta saber se direitos fundamentais e direitos humanos representam termos equivalentes? Em primeiro lugar, trata-se de conceitos equivalentes; afinal, Os direitos fundamentais seriam direitos observados em caráter ontológico, na própria relação social concreta, como valores individuais estabelecidos, na qualidade de pressuposto, ou princípio, da mesma forma que os direitos humanos.

Em segundo lugar, não é pacífico o entendimento de que direitos humanos e direitos fundamentais seriam conceitos equivalentes. Paulo Bonavides apresenta tal questionamento, sem resposta taxativa, mas diz que os valores afirmados em direitos humanos, seriam valores equivalentes aos firmados em direitos fundamentais.[31]

Gilmar Ferreira Mendes afirma que direitos humanos seriam direitos jusnaturalistas, enquanto os direitos fundamentais corresponderiam à proteção especial a pessoa, cuja limitação estaria em um determinado Estado, na orientação normativa interna. Dessa forma, os direitos fundamentais estariam prescritos na ordem jurídica interna, enquanto os direitos humanos estariam em direitos declarados internacionalmente.[32]

Quando se observa declaração de direito, como Declaração dos Direitos Humanos, ou Declaração de Direitos do Homem, Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que os direitos humanos são direitos já existentes, cuja origem não é fundamentada por convenção ou pacto. Tais direitos seriam, então, direitos naturais, derivados na própria ideia de natureza.[33]

A ideia de direitos humanos seria a própria ideia dos direitos naturais, qualificados como direitos naturais positivados. Fábio Konder Comparato afirma que o modelo Bill of Rights teve a finalidade de reconhecer em nível superior as demais diretrizes normativas dos direitos humanos, tidos como direitos naturais.[34]

O próprio momento histórico de instituição da declaração francesa dos direitos do homem e do cidadão, bem como a posterior declaração internacional de direitos humanos representaria momento em que os valores essenciais ao direito natural seriam qualificados como essenciais para impor limitação aos Estados, além de estabelecer reconhecimento da supremacia da dignidade da pessoa humana.[35]

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Dessa forma, segundo as colocações acima apresentadas, os direitos fundamentais e direitos humanos poderiam ser valorados de duas formas: em primeiro lugar, como direitos equivalentes, uma vez que o conteúdo, no que tange ao ordenamento jurídico interno, seria equivalente; em segundo lugar, o direito humano teria qualificação superior, e deveria prevalecer em caso de conflito.

3.2 OS DIRIETOS HUMANOS ENQUANTO DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos humanos, qualificados como princípios, destacam valores permanentes como a liberdade, a igualdade e direitos sociais. Assim, a dignidade da pessoa humana seria um princípio superior, privilegiado pela Constituição Federal. Não resta dúvida: a dignidade da pessoa humana[36] aparece como o direito fundamental de maior importância, observado no inciso II, do art. 4º e no § 2º, do art. 5º, todos da Constituição Federal.[37]

Destaca-se que o artigo 4º da Constituição Federal estabelece que, em contexto internacional, o Brasil priorizaria os direitos humanos. Tal compromisso estabelece plena integração do Brasil a tais normas de direito, seja internamente, seja internacionalmente. A dignidade da pessoa humana aparece como fundamento dos direitos humanos, e é privilegiado como princípio constitucional supremo.[38]

Ademais, o § 2º do art. 5º, da Constituição Federal estabelece que os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, relativos a direitos humanos, teria natureza jurídica de direitos fundamentais. A partir do momento que é estabelecida relação exemplificativa de direitos fundamentais, e que há oportunidade de outros direitos fundamentais não observados taxativamente, afirma-se: é evidente que os direitos humanos podem dispor de status Constitucional, ainda que sem aprovação legislativa, tendo em vista imposição do próprio poder constituinte originário, pois se trata de orientação do próprio ordenamento jurídico, que impõe tal abertura.[39]

Os direitos humanos regulamentados em tratados ou convenções internacionais, com a devida ratificação, integram não apenas o ordenamento jurídico interno, mas compreendem o rol de direitos fundamentais individuais[40], em razão de se tratar de sistema aberto, tendo em vista conclusão do § 2º do art. 5º da Constituição Federal.

Em que pese resistência dos tribunais internos, quanto a tal perspectiva, do ponto de vista doutrinário, tal concepção é apontada como orientação[41], pois não foi facultado ao julgador aplicar ou não o disposto no § 2º do art. 5º da Constituição, de forma que a única dúvida seria investigar a natureza jurídica da disposição normativa.

Não se trata de mera existência dos direitos humanos em ordem internacionais, mas de princípios e valores observados, a partir do correto trabalho de hermenêutica. A existência de um sistema aberto, que admite outros direitos internacionais, é evidente.[42]

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Com o próprio § 2º do art. 5º da Constituição Federal de 1988, há uma nova orientação, quanto à classificação dos direitos fundamentais, que, previstos na constituição podem ser classificados em: direitos expressos originalmente na Constituição; direitos expressos em tratados internacionais; princípios gerais de direitos não positivados.[43]

Tal classificação deve ser observada internamente, sobretudo em razão da multiplicidade de princípios não taxativamente prescritos na Constituição, nem em disposições legais do ordenamento jurídico interno. Os tratados internacionais com prescrição de direitos humanos regulamentam matéria de direitos fundamentais, qualificados como direitos fundamentais internamente, em razão da própria ideia de dignidade da pessoa humana.

CONCLUSÃO

A partir do presente trabalho, chegam-se às conclusões abaixo indicadas.

1 A dignidade da pessoa humana surge da ideia de justiça, na qualidade de fundamento absoluto.

2 O próprio fundamento de justiça social, orientado pelo disposto nos arts. 170 e 193 da Constituição Federal do Brasil, prescreve a concepção de justiça social orientada pela ideia de dignidade da pessoa humana.

3 A dignidade da pessoa humana se insere socialmente em caráter ontológico, sob forma de expectativa de natureza ética universalmente observada, como fundamento de princípio universal.

4 O princípio universal é observado na definição discursiva de toda solução de natureza normativa, em que discursivamente há a definição da expectativa de cada membro inserido na coletividade.

5 O § 2º do art. 5º da Constituição Federal de 1988 prescreve natureza jurídica de direito fundamental individual aos tratados internacionais sobre direitos humanos, que prevalece internamente.

REFERÊNCIAS

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[1] FLAMORION, Tavares Leite. Manual de Filosofia Geral e Jurídica: Das Origens a Kant. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 17.

[2] Ibidem. p. 18-19: “(...) Da diké derivou imediatamente dikaios e desta dikaiosyne, a nova virtude que dá a cada um o que é seu. (...)

Os pitagóricos, com suas fórmulas e simbolismos matemáticos, queriam dizer que a justiça consistia na igualdade, na contraprestação, ou seja, cada um deve sofrer ou experimentar em si o mesmo que há infligido a outro.”

[3] MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 21 ed. São Paulo: RT. 1993. p. 128: “(..) Justiça, no sentido subjetivo, é a virtude pela qual damos a cada um o que lhe é devido. No sentido objetivo, justiça aplica-se à ordem social que garante a cada um o que lhe é devido.”

[4] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito. 2 ed. São Paulo: Atlas. 2003. p. 226: “(...) o sentido primeiro da justiça ou a sensibilidade humana para o justo e o injusto conduzem a pensar logo em equilíbrio, em igualdade, em reciprocidade, em proporcionalidade, conforme o modelo horizontal, e por que, até mesmo no modelo vertical, a busca das harmonias e das proporções, embora encubra a emotividade das hierarquias e das retribuições emocionais para o restabelecimento de um status, de uma ordem etc., não obstante revela essa forte conotação entre justiça e igualdade, balança, equilíbrio?”

[5] Ibidem. p. 225: “A justiça como amor pode, assim, ser uma retribuição horizontal descompensada. Não se trata nem de justiça retificadora nem de distributiva (...) tem no perdão o cerne da comutatividade, encontre na justiça divina sua retribuição exemplar (...) a justiça retributiva de Deus tem uma dimensão em que o modelo horizontal se reduz a um modelo vertical: o amor de Deus é infinito, sem medida, por isso perdoa tudo.”

A relação entre justiça e dignidade da pessoa humana decorreu de influência da ética cristã. Com a relação entre justiça e dignidade da pessoa humana, há a ideia de resgate da humanidade simplesmente em razão da condição de pessoa humana. A cada indivíduo é atribuído direito decorrente da condição de pessoa humana. Vide:

BARZOTTO, Luís Fernando. Justiça Social – Gênese, estrutura e aplicação de um conceito. site: www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_48/Artigos/ART_LUIS.htm. consultado em 13/04/2008. p. 4: “(...) a justiça social exige de cada um aquilo que é necessário para a efetivação da dignidade da pessoa humana dos outros membros da comunidade, ao mesmo tempo em que atribui a cada um os direitos correspondentes a

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esta dignidade. A justiça social considera o ser humano simplesmente na sua condição de pessoa humana, nos seus direitos e deveres humanos.”

[6] FERRY, Luc. Aprender a Viver: Filosofia para os Novos Tempos. Tradução: Véra Lucia dos Reis. Rio de Janeiro: objetiva. 2007. p. 96: “Com o cristianismo, porém, a idéia de humanidade adquire uma dimensão nova. Fundada na igual dignidade de todos os seres humanos, ela vai assumir uma conotação ética que não possuía antes. E isso pela razão profunda que acabamos de ver juntos: uma vez que o livre-arbítrio é posto como fundamento da ação moral, uma vez que a virtude reside não nos talentos naturais que são distribuídos desigualmente, mas no uso que se decide fazer deles, numa liberdade em face da qual estamos todos em igualdade, então, é óbvio que todos os homens se equivalem. Pelo menos, é certo que de um ponto de vista moral – pois é evidente que os dons naturais continuam tão desigualmente distribuídos quanto antes. Mas, no plano ético, isso não tem nenhuma importância.”

[7] Trata-se de conceito desenvolvido por Tércio Sampaio. Vide FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito. 2 ed. São Paulo: Atlas. 2003.

[8] MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 21 ed. São Paulo: RT. 1993. p. 214: “Com esses elementos, podemos conceituar a justiça social com a virtude pela qual:

- os membros da sociedade dão a esta,

- sua contribuição para o bem comum,

- observada uma igualdade proporcional.

(...) Marres: Virtude pela qual damos à sociedade o que lhe é devido para promover o bem comum dos cidadãos; Cathrein: ‘virtude que inclina o homem a dar à comunidade aquilo que lhe é devido’; Desrosiers: ‘virtude que nos leva a promover o bem comum da sociedade de que fazemos parte’ (...)”

[9] Ibidem. p. 214: “(...) ‘a justiça social não é unívoca e independente, mas invade o campo das duas espécies de justiça: a geral e a particular, sem ser absorvido totalmente por elas; é um sincretismo de virtudes, mais do que uma virtude em estado puro. E Pesch afirma, expressamente, que a justiça social é uma quarta justiça.”

[10] Ibidem. p. 214-215: “(...) S. Tomás comentando Aristóteles, consiste em ‘ordenar os atos de todas as virtudes para o bem comum’.

(...) P. J. Henrique, em aprofundado estudo sobre ‘A justiça social’: ‘o conceito de justiça social é de fato o mesmíssimo conceito que S. Tomás e Aristóteles indicavam com o termo justiça geral ou justiça legal’.

(...) A expressão ‘justiça geral’ liga-se a duas justiças. Primeiro, ela tem por objetivo o bem ‘geral’ ou comum (...) sua matéria é constituída por atos de ‘todas’ as virtudes.

A denominada ‘justiça legal’ é, também, facilmente explicável, pois é finalidade da ‘lei’ fixar as exigências do bem comum. E esse é o objeto desta justiça.

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(...) ‘a substituição do nome’, ‘justiça legal’ por ‘justiça social’ é convenientíssima (...)”

[11] MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 21 ed. São Paulo: RT. 1993. p. 218-219: “(...) ‘bem comum’, ou ‘bem público’ como preferem dizer alguns autores, constitui uma das tendências mais características do direito atual: a sua publicização ou socialização.

(...)

O bem comum é o fim da sociedade. É, também, a finalidade última de toda lei. E é o objeto da justiça social.”

[12] Ibidem. p. 215: “(...) Cada particular dá à sociedade sua cooperação para o bem comum.”

[13] Ibidem. p. 216-217: “(...) a justiça social regula as obrigações dos ‘particulares’ em relação à sociedade’. Que se deve entender por ‘particular’ nesse conceito?

Em primeiro lugar, os homens considerados, individualmente, como pessoas físicas ou naturais.

Além disso, as entidades ou grupos sociais intermediários que, como pessoas jurídicas, são também partes de uma sociedade maior, e têm igualmente obrigações para com o bem comum.

(...) os cidadãos têm obrigações estritas e exigíveis em relação ao bem comum.

Os ‘devedores’ ou ‘obrigados’ na justiça social (...) são os indivíduos e os grupos que, em sua qualidade de membros, têm obrigação de dar à sociedade o que lhe é devido. (...)”

[14] Ibidem. p. 220-221) “(...) o bem comum é o bem de uma comunidade de homens. Ele consiste, fundamentalmente, na vida dignamente humana da população, ou, em outras palavras, na boa qualidade de vida da população.

(...)

A essência do bem comum consiste na ‘vida dignamente humana da população’.

(...)

Instrumentos do bem comum são os ‘bens materiais’, necessários à realização de uma vida humana digna (...). Certo mínimo de bens materiais é necessário ao exercício das virtudes humanas, diz S. Tomás, numa fórmula que se torna clássica.”

[15] AFONSO DA SILVA, José. Poder Constituinte e Poder Popular. São Paulo: Malheiros. 2002. p. 146-149: “(...) a dignidade da pessoa humana (...) valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito.

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(...) Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará à realização da justiça social (art. 193), a educação, ao desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., (...)

(...) Não basta, porém, a liberdade formalmente reconhecida, pois a dignidade da pessoa humana, como fundamento do Estado Democrático de Direito, reclama condições mínimas de existência, existência digna conforme os ditames da justiça social como fim da ordem econômica (...)

(...) Em conclusão, a dignidade da pessoa humana constitui um valor que atrai a realização dos direitos fundamentais do Homem, em todas as suas dimensões; e, como a democracia, é o único regime político capaz de propiciar a efetividade desses direitos, o que significa dignificar o Homem, é ela que se revela como o seu valor supremo, o valor que o dimensiona e humaniza.”

[16] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social.”

[17] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10 ed. rev. at. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 63: “(...) as normas de ordem pública estão voltadas à preservação das condições que asseguram e sobre as quais repousa a estrutura orgânica da sociedade, ao passo que as normas de intervenção por direção instrumentam polícias públicas cuja dinamização envolve não meramente a preservação da paz social, mas a perseguição de determinados fins, nos mais variados setores da atividade econômica; as normas de ordem pública não apenas são compatíveis com ela, mas se compõem no núcleo da ordem jurídica do liberalismo, enquanto as normas de intervenção por direção conduzem à transformação dessa ordem jurídica. (...)”

[18] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10 ed. rev. at. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 74-75: “Que essa transformação, no mundo do ser, é perseguida, isso é óbvio. Retorno à leitura do art. 170 da Constituição de 1988: a ordem econômica (mundo do ser) deverá estar fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa...A ordem econômica liberal é substituída pela ordem econômica intervencionista.

(...) A ordem econômica (mundo do dever ser) capitalista, ainda que se qualifique como intervencionista, está comprometida com a finalidade de preservação do capitalismo. Daí a feição social, que lhe é atribuída, a qual, longe de desnudar-se como mera concessão a um modismo, assume, nitidamente, conteúdo ideológico.”

[19] GÜNTHER, Kaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. Tradução: Claudio Molz. São Paulo: Landy. 2004. p. 218: “A validade

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universal de uma norma ou de um modo de agir depende da concordância de cada um individualmente, como ficou evidente na oportunidade em que o princípio moral (U) foi interpretado. Esse critério parcial somente poderá ser introduzido de modo lógico em um princípio moral caso os participantes de um discurso moral não se apresentem como indivíduos isolados, mas possam reconhecer-se mutuamente como membros, solidariamente unidos entre si, de um mundo da vida que lhes é comum. Caso contrário, não teria sentido a aplicação de um princípio moral que apenas qualificasse como válidas aquelas normas que representam o interesse comum. (...)”

[20] GÜNTHER, Kaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. Tradução: Claudio Molz. São Paulo: Landy. 2004. p. 219: “A ética do discurso retoma esse processo de duas maneiras: já que o self somente pode existir em relações intersubjetivas, essas relações precisam ser simultaneamente preservadas como um todo e alteradas isoladamente, uma a uma, à medida que ameaçarem o indivíduo, oprimirem-no ou atacarem-no com algum mal injustamente, isto é, impedirem justamente a conformação de um self. O indivíduo, portanto, deve ser tanto protegido na sua individualidade e liberdade diante de intervenções ilegítimas, quanto preservado e favorecido na sua dependência de intersubjetividade (...)”

[21] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. 1v. 2 ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2003. p. 52: “(...) o reconhecimento recíproco dos direitos de cada um por todos os outros deve apoiar-se, além disso em leis legítimas que garantam a cada um liberdades iguais, de modo que ‘a liberdade do arbítrio de cada um possa manter-se junto com a liberdade de todos’. As leis morais preenchem esta condição per se; no caso das regras do direito positivo, no entanto, essa condição precisa ser preenchida pelo legislador político. No sistema jurídico, o processo da legislação constitui, pois, o lugar apropriado dito da integração social.”

[22] GÜNTHER, Kaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. Tradução: Claudio Molz. São Paulo: Landy. 2004. p. 195: “(...) Princípios morais universais.

É considerada uma ação moralmente correta observar princípios auto-impostos, que proclamam um pleito universalista, como direitos humanos iguais e o respeito à dignidade humana. Razões para a ação moral são a convicção da validade de princípios universalistas e o compromisso pessoal de cada um observá-los. A perspectiva sócio-moral é o ‘ponto de vista moral’ (...) do qual depende a validade de todas as orientações normativas.”

[23] COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2. ed. rev. amp. São Paulo: Saraiva. 2001. p. 61: “Sem entrar na tradicional querela doutrinária entre monistas e dualistas, a esse respeito, convém deixar aqui assentado que a tendência predominante, hoje, é no sentido de se considerar que as normas internacionais de direitos humanos, pelo fato de exprimirem de certa forma a consciência ética universal, estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado. Em várias Constituições posteriores à 2ª Guerra Mundial, aliás, já se inseriram normas que declaram de nível constitucional os direitos humanos reconhecidos na esfera internacional. Seja como for, vai se firmando hoje na doutrina a tese de que, na hipótese de conflito entre regras internacionais e internas, em matéria de direitos humanos, há de

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prevalecer sempre a regra mais favorável ao sujeito de direito, pois a proteção da dignidade da pessoa humana é a finalidade última e a razão de ser de todo o sistema jurídico.”

[24] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 73: “(...) o termo ‘ciência’ pode ser tomado em duas acepções fundamentais distintas:

a) – como ‘todo conjunto de conhecimentos ordenados coerentemente segundo princípios’;

b) – como ‘todo conjunto de conhecimento dotados de certeza por se fundar em relações objetivas confirmadas por métodos de verificação definida, suscetível de levar quantos os cultivam a conclusão ou resultados concordantes’.”

[25] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20 ed. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 61: “Assim sendo, toda e qualquer ciência implica a existência de princípios, uns universais ou omnivalentes (...); outros regionais ou plurivalentes (...) e outros, ainda, monovalentes, por só servirem de fundamento a um único campo de enunciados.”

[26] GÜNTHER, Kaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. Tradução: Claudio Molz. São Paulo: Landy. 2004. “O efeito dessa distinção se evidencia no caso de colisão de normas. Se a aplicação de duas normas levar a juízos coercitivos mutuamente contraditórios, o fato terá conseqüências que serão distintas, respectivamente, para regras e princípios: ou apenas uma das duas regras será válida ou um das duas regras deverá ser marcada com uma cláusula de exceção. Isso resultará de sua estrutura, na qualidade de ordem definitiva. Em contraposição a isso, princípios incluem a possibilidade de colisões, de acordo com a sua estrutura aberta. Por isso, ambos os princípios permanecem válidos, mesmo se um dos dois tiver de ceder às circunstâncias concretas, determinadas pelas respectivas possibilidades efetivas e jurídicas. ‘Isso, no entanto, não significa que o princípio, agora em segundo plano, terá de ser declarado não válido, tampouco que se deve constituir uma cláusula de exceção e inseri-la no princípio cedente. Ao contrário, sob determinadas circunstâncias, um dos princípios precederá o outro. Sob outras circunstâncias, um dos princípios precederá o outro. Sob outras circunstâncias, a questão da precedência poderá ser resolvida de modo inverso.’ Alexy conclui, desse comportamento diversificado de colisão, que, para princípios, só será decisiva a dimensão do peso, e isso segundo as respectivas circunstâncias especiais de cada caso. Regras, contrariamente, colidem na dimensão da validade, com a conseqüência de que, afinal, somente uma das duas poderá ser válida.”

[27] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. São Paulo: Malheiros. 1993. p. 473: “Criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana, eis aquilo que os direitos fundamentais almejam (...)

Pelo primeiro, podem ser designados por direitos fundamentais todos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional.

Pelo segundo, tão formal quanto o primeiro, os direitos fundamentais são aqueles direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança; ou são imutáveis (...) ou pelo menos de mudança dificultada (...)”

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[28] O que pode ser observado no art. 4º da Constituição Federal de 1988: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

(...)

II - prevalência dos direitos humanos;”

[29] CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina. 2003. p. 377: “(...) A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados ‘naturais’ e ‘inalienáveis’ do indivíduo. Não basta qualquer positivação.”

[30] Ibidem. p. 1139: “(...) o direito constitucional é um ‘direito vivo’, é um ‘direito em ação’ e não apenas um ‘direito em livros’. Precisamente por isso, existe um direito constitucional não escrito que embora tenha na constituição escrita os fundamentos e limites, completa, desenvolve, vivifica o direito constitucional escrito.”

[31] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. São Paulo: Malheiros. 1993. p. 473: “(...) podem as expressões direitos humanos, direitos do homem e direitos fundamentais ser usadas indiferentemente? (...)ocorrendo porém o emprego mais freqüente de direitos humanos e direitos do homem entre autores anglo-americanos e latinos, em coerência aliás com a tradição e a história, enquanto a expressão direitos fundamentais parece ficar circunscrita à preferência dos publicistas alemães.”

[32] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e GONET, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. rev. at. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 244: “A expressão direitos humanos, ou direitos do homem, é reservada para aquelas reivindicações de perene respeito a certas posições essenciais ao homem. São direitos postulados em bases jusnaturalistas, contam com índole filosófica e não possuem como característica básica a positivação numa ordem jurídica particular.

(...)

Já a locução direitos fundamentais é reservada aos direitos relacionados com posições básicas das pessoas, inscritos em diplomas normativos de cada Estado. São direitos que vigem numa ordem jurídica concreta, sendo, por isso, garantidos e limitados no espaço e no tempo, pois são assegurados na medida em que cada Estado os consagra.”

[33] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva. 1999. p. 22: “Trata-se de uma declaração, enfatize-se. Os direitos enunciados não são aí instituídos, criados, são ‘declarados’, para serem recordados.

Quanto aos direitos do homem, isto não enseja objeções, mas sim quanto aos direitos do ‘cidadão’. Esta qualidade pressupõe ordenação política e esta não preexiste ao pacto. Mas (...) para os redatores do texto os direitos do cidadão são corolários dos direitos naturais que os subsumem.”

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(...)

Ora, declaração presume preexistência. Esses direitos declarados são os que derivam da natureza humana, são naturais, portanto.”

[34] COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva. 2001. p. 106: “Os norte-americanos, porém, não se limitaram a receber passivamente esse patrimônio cultural: foram mais além, e transformaram os antigos direitos naturais em direitos positivos, reconhecendo-os como de nível superior a todos os demais. Seguindo o modelo do Bill of Rights britânico, os Estados Unidos deram aos direitos humanos a qualidade de direitos fundamentais, isto é, direitos reconhecidos expressamente pelo Estado, elevando-os ao nível constitucional, acima portanto da legislação ordinária.”

[35] Ibidem. p. 228: “Inegavelmente, a Declaração Universal de 1948 representa a culminância de um processo ético que, iniciado com a Declaração de independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, levou ao reconhecimento da igualdade essencial de todo ser humano em sua dignidade de pessoa, isto é, como fonte de todos os valores, independentemente das diferenças (...)”

[36] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988: “Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

(...)

II – prevalência dos direitos humanos;

(...)

Art. 5º (...)

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

[37] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 2. ed. São Paulo: Max Limonad. 1997. p. 59: “Considerando que toda Constituição há de ser compreendida como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados valores sociais, pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como um valor essencial que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informar a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular.“

[38] Ibidem. p. 69: “(...) A prevalência dos direitos humanos, como princípio a reger o Brasil no âmbito internacional, não implica apenas o engajamento do país no processo de elaboração de normas vinculadas ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas implica a busca da plena integração de tais regras à ordem jurídica interna

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brasileira. Implica, ademais, o compromisso de adotar uma posição política contrária aos Estados em que os direitos humanos sejam gravemente desrespeitados.”

[39] Ibidem. p. 83: “(...) Os direitos garantidos nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integra, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Esta conclusão advém ainda de interpretação sistemática e teleológica do texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos para orientar a compreensão do fenômeno constitucional.”

[40] Ibidem. p. 86: “Em favor da natureza constitucional dos direitos enunciados em tratados internacionais, um outro argumento se acrescenta: a natureza materialmente constitucional dos direitos fundamentais. Este reconhecimento se faz explícito na Carta de 1988, ao invocar a previsão do art. 5º, § 2º. Vale dizer, se não se tratasse de matéria constitucional ficaria sem sentido tal previsão. A Constituição assume expressamente o conteúdo constitucional dos direitos constantes dos tratados internacionais dos quais o Brasil é parte. Ainda que estes direitos não sejam enunciados sob a forma de normas constitucionais, mas sob a forma de tratados internacionais, a Constituição lhes confere o valor jurídico de norma constitucional, já que preenchem e complementam o catálogo de direitos fundamentais previsto pelo texto constitucional. (...) Os direitos internacionais integram, assim, o chamado ‘bloco de constitucionalidade’, densificando a regra constitucional positivada no § 2º, do art. 5º, caracterizada como cláusula constitucional aberta.”

[41] Destaca-se voto do Ministro Marco Aurélio, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939-7: “(...) em primeiro lugar, registro minha convicção firme e categórica de que não temos, como garantias constitucionais, apenas o rol do artigo 5º da Lei Básica de 1988. Em outros artigos da Carta encontramos, também, princípios e garantias do cidadão, nesse embate diário que trava com o Estado, e o objetivo maior da Constituição é justamente proporcionar uma certa igualação das forças envolvidas – as do Estado e as de cada cidadão considerado de per se:

A demonstração inequívoca da procedência desse entendimento está no § 2º do artigo 5º (...)

Veja (...) que o Diploma Maior admite os direitos implícitos, os direitos que decorrem de preceitos nela contidos e que, portanto, não estão expressos.

(...)

Senhor Presidente, houve a opção pelo legislador constituinte de 1988 e, com ela, tivemos o esgotamente das exceções, porque taxativamente fixadas na Carta. Os dispositivos são números clausus, não apenas exemplificativos. Fora das hipóteses excepcionadas cabe observar, com rigor, a anterioridade. A emenda também veio à balha com um preceito que afasta a imunidade de que cogita o inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal. (..)”

“A Turma deferiu habeas corpus preventivo para assegurar ao paciente o direito de permanecer em liberdade até o julgamento do mérito, pelo STJ, de idêntica medida. No caso, ajuizada ação de execução, o paciente aceitara o encargo de depositário judicial de

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bens que, posteriormente, foram arrematados pela credora. Ocorre que, expedido mandado de remoção, os bens não foram localizados e o paciente propusera, ante a sua fungibilidade, o pagamento parcelado do débito ou a substituição por imóvel de sua propriedade, ambos recusados pela exeqüente. Diante do descumprimento do múnus, decretara-se a prisão do paciente. Inicialmente, superou-se a aplicação do Enunciado da Súmula 691 do STF. Em seguida, asseverou-se que o tema da legitimidade da prisão civil do depositário infiel, ressalvada a hipótese excepcional do devedor de alimentos, encontra-se em discussão no Plenário (RE 466.343/SP, v. Informativos 449 e 450) e conta com 7 votos favoráveis ao reconhecimento da inconstitucionalidade da prisão civil do alienante fiduciário e do depositário infiel. Tendo isso em conta, entendeu-se presente a plausibilidade da tese da impetração. Reiterou-se, ainda, o que afirmado no mencionado RE 466.343/SP no sentido de que os tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal, o que torna inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitantes, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação e que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos — Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º), não há mais base legal para a prisão civil do depositário infiel.” (HC 90.172, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 5-6-07, Informativo 470)

"Prazo prescricional. Convenção de Varsóvia e Código de Defesa do Consumidor. O art. 5º, § 2º, da Constituição Federal se refere a tratados internacionais relativos a direitos e garantias fundamentais, matéria não objeto da Convenção de Varsóvia, que trata da limitação da responsabilidade civil do transportador aéreo internacional (RE 214.349, rel. Min. Moreira Alves, DJ 11-6-99). Embora válida a norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos consumidores em geral, no caso específico de contrato de transporte internacional aéreo, com base no art. 178 da Constituição Federal de 1988, prevalece a Convenção de Varsóvia, que determina prazo prescricional de dois anos." (RE 297.901, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 7-3-06, DJ de 31-3-06).

[42] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e GONET, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. rev. at. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 270-271: “O parágrafo em questão dá ensejo a que se afirme que se adotou um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil, não se podendo considerar taxativa a enumeração dos direitos fundamentais no Título II da Constituição. Essa interpretação é sancionada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar a ação direta de inconstitucionalidade envolvendo a criação do IPMF, afirmou que o princípio da anterioridade (...) constitui um direito ou garantia individual fundamental.

É legítimo, portanto, cogitar de direitos fundamentais previstos expressamente no catálogo da Carta e de direitos materialmente fundamentais que estão fora da lista. Direitos não rotulados expressamente como fundamentais no título própria da Constituição podem ser tidos como tal, a depender da análise do seu objeto e dos princípios adotados pela Constituição. A sua fundamentalidade decorre da sua referência a posições jurídicas ligadas ao valor da dignidade humana; em vista da sua importância, não podem ser deixados à disponibilidade do legislador ordinário.

O entendimento de que é possível, a partir das normas do próprio catálogo dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais elementares da Lei Maior, deduz a

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existência de outros direitos fundamentais, não constituindo novidade na tradição constitucional brasileira. (...)

O propósito da norma é afirmar que a enumeração dos direitos não significa que outras posições jurídicas de defesa da dignidade da pessoa estejam excluídas da proteção do direito nacional.”

[43] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 2. ed. São Paulo: Max Limonad. 1997. p. 89: “Propõe-se, neste sentido, uma nova classificação dos direitos previstos pela Constituição. Por ela, os direitos seriam organizados em três grupos distintos: a) a dos direitos expressos na Constituição (...); b) o dos direitos expressos em tratados internacionais de que o Brasil seja parte; e finalmente, c) o dos direitos implícitos (direitos que estão subentendidos nas regras de garantias, bem como os direitos decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição)”

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