ensino de superior e as licenciaturas em

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARCUS VINÍCIUS MEDEIROS PEREIRA ENSINO SUPERIOR E AS LICENCIATURAS EM MÚSICA (PÓS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS 2004): um retrato do habitus conservatorial nos documentos curriculares CAMPO GRANDE/MS 2012

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Page 1: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARCUS VINÍCIUS MEDEIROS PEREIRA

ENSINO SUPERIOR E AS LICENCIATURAS EM MÚSICA (PÓS DIRETRIZES

CURRICULARES NACIONAIS 2004): um retrato do habitus conservatorial nos

documentos curriculares

CAMPO GRANDE/MS

2012

Page 2: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

MARCUS VINÍCIUS MEDEIROS PEREIRA

ENSINO SUPERIOR E AS LICENCIATURAS EM MÚSICA (PÓS DIRETRIZES

CURRICULARES NACIONAIS 2004): um retrato do habitus conservatorial nos

documentos curriculares

Relatório de tese apresentado ao Curso de Pós-

Graduação em Educação, da Universidade

Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito

parcial à obtenção do título de Doutor.

Orientador: Profa. Dra. Fabiany de Cássia

Tavares Silva

CAMPO GRANDE/MS

2012

Page 3: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

MARCUS VINÍCIUS MEDEIROS PEREIRA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Ciências

Humanas e Sociais, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito parcial à

obtenção do título de Doutor.

COMISSÃO EXAMINADORA

_________________________________________

Profa. Dra. Fabiany de Cássia Tavares Silva

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

_________________________________________

Profa. Dra. Maria da Graça Jacintho Setton

Universidade de São Paulo

_________________________________________

Profa. Dra. Eurize Caldas Pessanha

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

_________________________________________

Profa. Dra. Margarita Victoria Rodriguez

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

_________________________________________

Profa. Dra. Alda Maria do Nascimento Osório

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Campo Grande, de agosto de 2012.

Page 4: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

AGRADECIMENTOS

A Deus, força inspiradora e sentido de tudo.

À Luana, pela compreensão das ausências e pelo carinho diário.

Aos meus pais, Ronaldo e Isis, por terem me apresentado à vida, aos livros, e à

musica.

Aos meus irmãos, Lúcio e Viviane, pelo incentivo e parceria desde sempre.

À minha orientadora, Professora Fabiany, pela orientação sempre firme e generosa, e

por ter me conduzido, com sua competência e refinada perspicácia, nos diálogos sociológicos

entre Música e Educação.

Ao amigo Manoel Rasslan, que me apresentou a linha de pesquisa Escola, Cultura e

Disciplinas Escolares como possibilidade de percurso, pelos diálogos, leituras e tantos cafés

festivos.

Às professoras Maria da Graça Jacintho Setton, Teresa Mateiro, Alda Maria do

Nascimento Osório e Margarita Victoria Rodriguez pelas valiosas contribuições durante a

qualificação.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS pelas

possibilidades de discussão nos primeiros passos desta pesquisa.

À querida professora e amiga Cecília Cavalieri França pelo carinho, pelo incentivo, e

por ter colocado à minha disposição sua preciosa biblioteca particular.

Aos amigos do Grupo de Estudos e Pesquisas Observatório de Cultura Escolar por

dividirem comigo esta trajetória de pesquisa, em especial à Ana Paula Tiete Mendes, Andrea

Faustino e Rafael Maldonado.

Aos meus alunos do curso de Licenciatura em Música da UFMS, sempre fontes de

motivação, dúvidas e reflexões.

Enfim, ao longo destes anos de pesquisa tive o privilégio de receber o apoio e carinho

de muitas pessoas. A todas elas, meu reconhecimento e gratidão.

Page 5: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

A insignificante aluna é treinada pelo guru musical,

que é o mediador entre ela e o grande compositor.

Serão necessários muitos anos para que a garotinha

seja plenamente iniciada. (...) Duvido que essa

aluna, em particular, esteja ouvindo musica ou

discutindo-a com seu professor, e é pouco provável

que ela seja incentivada a improvisar ou a compor.

Ela deverá desistir de tocar dentro de alguns anos.

Porém, nem sempre tem de ser assim.

Keith Swanwick

Page 6: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

RESUMO

Considerando-se o momento histórico da educação musical no que se refere à aprovação da

Lei 11.769/2008, o objetivo principal deste trabalho pode ser traduzido no mapeamento e na

análise da presença de um habitus conservatorial na construção de currículos das

Licenciaturas em Música que estejam em vigor após a aprovação das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Graduação em Música de 2004 (Resolução CNE/CES 2/2004 de 8 de março

de 2004). Trabalha-se com a hipótese de que a seleção cultural efetuada pelos professores na

formulação das propostas curriculares parece refletir um habitus conservatorial, próprio da

formação destes professores e que esta seleção, mesmo com a crise instaurada pelo

cruzamento das culturas sociais e escolares, não permite uma adequação à realidade,

revelando, desta forma, relações de poder que determinam o currículo e a cultura escolar

destes cursos. O desenho metodológico desta investigação está orientado pela técnica da

perspectiva qualitativa de um estudo comparado de caráter bibliográfico-documental. São

fontes documentais desta pesquisa quatro documentos curriculares de quatro diferentes cursos

de Licenciatura em Música brasileiros: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). As áreas de comparação

eleitas para análise são: conhecimento oficial; seleção e distribuição dos conhecimentos; e

profissionalização dos conhecimentos. Estas áreas delineiam-se pela construção da noção de

habitus conservatorial e pela investigação de como esta noção toma e dá forma nos/aos

currículos de formação de professores de música. Para a construção da noção de habitus

conservatorial, apresenta-se o movimento histórico do ensino de música no Brasil – com

vistas à sua inserção no ensino superior, bem como uma análise das diretrizes curriculares

para os cursos de graduação em Música e para a formação de professores para a educação

básica. As análises confirmaram a influência de disposições conservatoriais nas práticas

curriculares, desde a elaboração de Diretrizes (DCN Música 2004) até a interpretação das

mesmas na materialização dos documentos. Desta forma, os resultados apontam que o habitus

conservatorial – próprio do campo artístico musical – está transposto (convertido) ao campo

educativo na interrelação estabelecida entre estes dois campos; e é incorporado pelos agentes

ao longo do tempo no contato com a instituição, com suas práticas, com seu currículo

enquanto objetivação de uma ideologia. Assim as instituições de ensino musical – como

resultado da história iniciada pelos conservatórios – podem ser entendidas como opus

operatum: campo de disputas que tem no habitus conservatorial o seu modus operandi.

Palavras-chave: Ensino Superior. Licenciatura em Música. Habitus Conservatorial.

Currículo.

Page 7: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

ABSTRACT

Considering the historical moment of musical education with regard to the adoption of the

Law 11.769/2008, the main objective of this work can be translated in mapping and analyzing

the presence of a conservatorial habitus in the curricula for the Music Teachers Education

Programs that are in force after the approval of the National Curriculum Guidelines for Music

Undergraduate Programs (Resolution CNE / CES 2/2004 of March 8, 2004). We work with

the hypothesis that a cultural selection made by teachers in the formulation of curriculum

proposals seem to reflect a conservatorial habitus, proper of the teacher training process and

that this selection, even with the crisis brought by the intersection of social and school

cultures, does not allow an adaptation to reality, revealing thus the relations of power that

determine the school culture and the curriculum of these courses. The methodological design

of this research is guided by the technique of qualitative perspective: a comparative study of

bibliographical and documentary character. Documentary sources of this research are four

curricula documents from four different Music Teachers Education Programs in Brazil:,

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

(UFMS), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) and Universidade Federal de São

João Del Rei (UFSJ). The comparison areas chosen for comparison are: official knowledge,

selection and distribution of knowledge, and professional knowledge. These areas are outlined

by the construction process of the notion of the conservatorial habitus and by the

investigation of how this makes sense and gives shape in the curricula for music teachers

training. For the construction of the notion of the conservatorial habitus, we present the

historical movement of music education in Brazil – including its inclusion in Brazilian higher

education, as well as a review of curriculum guidelines for undergraduate courses in Music

and for the teachers training for basic education. The analysis has confirmed the influence of

the conservatorial practices in curriculum shaping, from the Guidelines prescriptions (DCN

Music 2004) to the interpretation of them in the materialization of the curricula documents.

Thus, the results showed that the conservatorial habitus – that is inherent to the field of

Arts/Music – is transposed (converted) to the field of Education in the established

interrelation between these two fields, and is incorporated by agents over time in contact with

the institution, with its practices, with its curriculum as an objectification of ideology. Thus

the institutions of musical education - as a result of the story begun by conservatories - can be

understood as an opus operatum: a field of disputes that has in the conservatorial habitus its

modus operandi.

Keywords: Higher Education, Music Teachers Training. Curriculum. Conservatorial Habitus.

Page 8: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

RÉSUMÉ

En tenant compte du moment historique de l'éducation musicale à l'égard de la ratification de

la loi 11.769/2008, l'objectif principal de ce travail peut être traduit dans l´investigation et

l'analyse de la présence d'un habitus de conservatoire dans la construction de programmes

d´études de licences de Musique en vigueur après la ratification des Diretrizes Curriculares

Nacionais (Directives de Programmes d´études Nationales Brésiliennes) pour les licences de

Musique de 2004 (CNE / CES 2/2004 du 8 Mars 2004). Nous avançons l'hypothèse que la

sélection culturelle faite par les enseignants à l'élaboration des propositions des programmes

d´études semble refléter un habitus de conservatoire, propre de la formation de ces

enseignants et que cette sélection, malgré la crise provoquée par l'intersection des cultures

sociales et scolaires, ne permet pas une adaptation à la réalité, révélant ainsi les relations de

pouvoir qui déterminent le programme d´études et la culture scolaire de ces cursus. La

conception méthodologique de cette recherche est guidée par la technique de la démarche

qualitative d'une étude comparative de caractère bibliographique et documentaire. Les sources

documentaires de cette recherche sont quatre documents de programme d´études de quatre

licences différentes de Musique au Brésil: l´Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),

l´Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), l´Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ) et l´Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). Les zones de

comparaison retenues pour l'analyse sont les suivantes: la connaissance officielle, la sélection

et la distribution des connaissances, et la professionnalisation des savoirs. Ces zones sont

délimitées par la construction de la notion d´habitus de conservatoire et par l´investigation de

comment cette notion prend forme dans les programmes d´études et donne une forme aux

programmes d´études de formation des enseignants de musique. Pour la construction de la

notion d´habitus de conservatoire, nous présentons le mouvement de l'histoire de

l'enseignement de musique au Brésil - en vue de son inclusion dans l'enseignement supérieur -

, ainsi qu´une analyse des directives des programmes d´études pour les licences de Musique et

pour la formation des enseignants pour l'éducation de base. Les analyses ont confirmé

l'influence de dispositions de conservatoires dans les pratiques des programmes d´études, de

l´élaboration de Diretrizes (Directives - DCN Musique 2004) à son interprétation dans la

matérialisation des documents. En outre, les résultats indiquent que l´habitus de conservatoire

- propre du champ artistique musical - est transposé (converti) au champ éducatif dans la

corrélation établie entre ces deux champs; et il est intégré par les agents au long du temps en

contact avec l'institution, avec ses pratiques, avec son programme d´études en tant qu´une

objectivation d´une idéologie. Ainsi, les établissements d'enseignement musical – comme un

résultat de l'histoire commencée par les conservatoires - peuvent être compris comme opus

operatum: champ de bataille qu'il a sur l´habitus de conservatoire son modus operandi.

Mots-clés: Enseignement supérieur. Licence de Musique. Habitus de conservatoire.

Programme d études.

Page 9: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Quadro comparativo - Distribuição do conhecimento no Brasil Colônia,

Conservatório, INM e DCN Música (2004) ............................................................................. 95

Figura 2 - DCN Música (2004) e DCN Licenciatura (2002) .................................................. 201

Figura 3 - UFSJ - Práticas de Formação por modalidade ....................................................... 209

Figura 4 - Formação Musical.................................................................................................. 217

Figura 5 - Conhecimentos Pedagógicos Comuns ................................................................... 220

Page 10: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Relatórios de Tese e de Dissertação ....................................................................... 19

Tabela 2 – Objetos de estudo dos relatórios de dissertação por área de conhecimento ........... 21

Tabela 3 – Objetos de estudo dos relatórios de tese por área de conhecimento ....................... 21

Tabela 4 – Conteúdos da disciplina Pedagogia Musical (1937) ............................................... 64

Page 11: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Análise

Musical da UFMG .................................................................................................................. 162

Quadro 2 - Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Contraponto

da UFMG ................................................................................................................................ 162

Quadro 3 - Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Análise

Musical da UFMS .................................................................................................................. 163

Quadro 4 - Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Contraponto I da UFMS163

Quadro 5 - Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Instrumento Musical

Flauta Transversal da UFMS .................................................................................................. 164

Quadro 6 - Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Instrumento ou Canto da

UFSJ ...................................................................................................................................... 164

Quadro 7 - Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Contraponto da UFSJ 165

Quadro 8 - Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Análise Musical da UFSJ 165

Quadro 9 - Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Harmonia e

Morfologia da UFRJ ............................................................................................................... 166

Quadro 10 - Ementas da disciplina História e Música do curso da UFMG .......................... 167

Quadro 11 - Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina História da

Música da UFMS .................................................................................................................... 168

Quadro 12 - Música erudita como conhecimento oficial na disciplina História da Música

Ocidental da UFSJ ................................................................................................................. 168

Quadro 13 - Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina História da

Música da UFRJ .................................................................................................................... 169

Quadro 14 - Disciplinas de Formação Musical Prática .......................................................... 170

Quadro 15 - Disciplinas de Formação Musical Teórica ......................................................... 173

Quadro 16 - Centralidade da notação musical nas ementas da disciplina Percepção Musical da

UFMG ..................................................................................................................................... 175

Quadro 17 - Centralidade da música notada na disciplina Percepção Musical da UFSJ ....... 175

Quadro 18 - Centralidade da notação musical nas ementas da disciplina Introdução à Música

da UFMS ................................................................................................................................ 176

Quadro 19 - Música Popular nas disciplinas do Curso de Licenciatura em Música da UFMG177

Quadro 20 - Música Popular nas disciplinas do Curso de Licenciatura em Música da UFMS178

Quadro 21 - Música Popular na disciplina Canto Popular do Curso de Licenciatura em Música

da UFSJ .................................................................................................................................. 178

Page 12: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

Quadro 22 - Música Popular na disciplina Prática de Música Popular do Curso de Licenciatura

em Música da UFSJ ............................................................................................................... 179

Quadro 23 – Disciplinas de formação pedagógica geral ........................................................ 221

Quadro 24 – Disciplinas de formação pedagógica musical .................................................... 223

Page 13: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

SUMÁRIO

NOTAS INTRODUTÓRIAS ................................................................................................. 14

1 DO CONSERVATÓRIO À UNIVERSIDADE: MÚSICA E ENSINO SUPERIOR NO

BRASIL ................................................................................................................................... 43

1.1 A FORMAÇÃO DO MÚSICO – O CONSERVATÓRIO COMO UM MODELO DE

FORMAÇÃO ........................................................................................................................... 43

1.2 O PROFESSOR DE MÚSICA INSERIDO NO CAMPO ESCOLAR – A MÚSICA

COMO FERRAMENTA .......................................................................................................... 53

1.3 MÚSICA E ENSINO SUPERIOR: DA FEDERALIZAÇÃO DOS CONSERVATÓRIOS

ÀS ATUAIS LICENCIATURAS EM MÚSICA ..................................................................... 62

1.4 A HISTÓRIA FEITA NATUREZA – DOXA E NOMOS DA LICENCIATURA EM

MÚSICA ................................................................................................................................... 75

2 DA UNIVERSIDADE: OS MEANDROS DA CONSTRUÇÃO DE PROGRAMAS

CURRICULARES PÓS DCN 2004 ...................................................................................... 80

2.1 DO NEOLIBERALISMO ECONÔMICO AO NEOLIBERALISMO EDUCACIONAL:

DO LUGAR DAS POLÍTICAS CURRICULARES ................................................................ 80

2.2 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS QUE REGULAMENTAM AS

LICENCIATURAS EM MÚSICA ........................................................................................... 87

2.2.1 As DCN para o curso de graduação em Música (2004).............................................. 90

2.2.2 As DCN para a formação de professores da Educação Básica (2002) ...................... 98

2.2.3 Currículos para os Cursos de Licenciatura em música no Brasil e em alguns outros

países ...................................................................................................................................... 103

2.2.4 Os cursos de Licenciatura em Música no Brasil: uma visão panorâmica .............. 109

3 DOCUMENTOS CURRICULARES E HABITUS CONSERVATORIAL: DUAS

CONSTRUÇÕES EM ANÁLISE ....................................................................................... 113

3.1 AS INSTITUIÇÕES ......................................................................................................... 113

3.2 HABITUS CONSERVATORIAL: ANOTAÇÕES PARA UMA PRÁTICA ..................... 119

3.2.1 A hegemonia das práticas conservatoriais ................................................................ 121

3.2.2 A morfologia das práticas conservatoriais ................................................................ 122

3.2.3 As práticas objetivadas – o currículo conservatorial e o artista como civilizador 127

3.3 O HABITUS CONSERVATORIAL ................................................................................... 132

3.3.1 Sintetizando: as dimensões do habitus conservatorial .............................................. 145

3.4 EXCURSUS FINALIS - HABITUS CONSERVATORIAL E A TEORIA DOS

CÓDIGOS DE BERNSTEIN (1990) – UMA APROXIMAÇÃO ......................................... 150

4 TRADUÇÕES DO HABITUS CONSERVATORIAL EM DOCUMENTOS

CURRICULARES: CONHECIMENTO OFICIAL, SELEÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE

CONHECIMENTO E PROFISSIONALIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS ........................ 156

4.1 AS ÁREAS DE COMPARAÇÃO ................................................................................... 156

4.2 A MÚSICA ERUDITA COMO CONHECIMENTO OFICIAL ..................................... 161

Page 14: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

4.3 A SELEÇÃO E A DISTRIBUIÇÃO DO CONHECIMENTO ESTRUTURADAS E

ESTRUTURANTES DE/POR UMA IDEOLOGIA DE SUPREMACIA DA MÚSICA

ERUDITA ............................................................................................................................... 191

4.4 A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS CONHECIMENTOS: MÚSICA X EDUCAÇÃO .. 218

4.5 COMPARANDO: TRADUÇÕES E IMPLICAÇÕES DO HABITUS CONSERVATORIAL

................................................................................................................................................ 226

5 NOTAS FINAIS (ou DA MÚSICA COMO FENÔMENO SOCIAL E SUAS

IMPLICAÇÕES CURRICULARES) ................................................................................. 231

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 244

Page 15: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

NOTAS INTRODUTÓRIAS

Esta pesquisa relaciona-se com minha trajetória como músico e professor do Curso de

Licenciatura em Música – e as inquietações constantes no decorrer do exercício destas

profissões. Foi minha mãe quem, quando eu decidi estudar música, ensinou-me as ―primeiras

letras‖ musicais. Anotou em um papel os principais códigos musicais (pentagrama, claves,

figuras de valor, etc.) e disse que, com isso, eu estaria apto a ler/executar algumas peças mais

fáceis.

Com o ingresso na Universidade, e, cursando paralelamente as disciplinas específicas

de música e as disciplinas pedagógicas, fui descobrindo a presença do conservatório na minha

formação, ao passo que novas possibilidades musicalizadoras me eram apresentadas. Abracei

a causa das novas metodologias, certo de estar ajudando a ―suavizar‖ os efeitos negativos da

sombra conservatorial na formação musical dos meus alunos.

Apesar de bacharel e mestre em piano, prestei concurso para educação musical – e, de

repente, tornei-me um professor formador de professores. Senti-me responsável por continuar

a lutar contra a figura – quase mítica a esta altura – do conservatório.

Foi em reuniões sobre a construção de um novo projeto pedagógico (ou curricular) que

senti, de maneira mais acentuada, como o conservatório era recriado, como suas propostas

eram revividas na estruturação do ―novo‖ currículo. Novo entre aspas, porque, na realidade,

pouco – ou quase nada – compreendia uma verdadeira modificação.

Nas incursões teórico-metodológicas do grupo de pesquisa ―Observatório da Cultura

Escolar‖ pude organizar instrumentos teóricos que me permitiram explicar aquilo que eu

vivenciava no processo de reestruturação curricular do curso de Licenciatura em Música. Não

me satisfaziam as explicações dadas, até então, de que um modelo era reproduzido,

perpetuado. Durante a reestruturação curricular, existia a consciência de que algo havia de

errado, mas as reformas eram orientadas na mesma direção, como se originassem de uma

mesma matriz.

Acabei por descobrir que eu mesmo trazia ―o conservatório dentro de mim‖. Apesar de

orientar meus alunos a respeitarem os discursos musicais de seus próprios alunos, reconheci

nutrir, ainda que intimamente, certas ―reservas‖ quanto a trabalhar com funk, sertanejo, axé...

Era partidário de utilizar essas músicas en passant, como uma ponte para a verdadeira música,

o tesouro da humanidade, os grandes autores, uma música que valia realmente a pena.

Além disso, no decorrer das análises e aprofundamentos teóricos, percebi que ―o

conservatório dentro de mim‖ ia ainda mais longe: ensinar música era, para mim, ensinar o

Page 16: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

15

código musical – não da maneira como era feito no conservatório, mas utilizando as novas

metodologias, que respeitassem a construção concreta que preparasse para a posterior

abstração.

O conservatório, contra o qual eu lutava, estava dentro de mim, orientando minhas

ações e regulando minhas percepções. O habitus conservatorial, que eu queria desvelar nas

ações dos outros, estava incorporado em mim.

O Curso de Licenciatura em Música sempre me provocou inquietações,

principalmente em relação às questões do mercado de trabalho. Se, por definição1, a

Licenciatura no Brasil prepara profissionais para atuarem nas escolas de educação básica2 e a

música não figurava no rol de disciplinas destas instituições; e, além disso, os bacharéis em

música atuavam como professores de seu instrumento antes mesmo da conclusão do curso

superior, qual a real função da Licenciatura em Música?

A aprovação da Lei 11769/2008, que tornou obrigatório o conteúdo de música nas

escolas regulares do país, acabou por amenizar este paradoxo. Amenizar e não resolver, uma

vez que a música, de acordo com a referida lei, não se torna uma disciplina, mas um conteúdo

obrigatório dentro da disciplina Arte. Além disso, o veto presidencial à necessidade de

formação específica para lecionar tal conteúdo permite às Secretarias de Educação do país

exigir dos professores de Arte o ensino do conteúdo musical.

De certa maneira, o paradoxo do Curso de Licenciatura em Música ainda existe. Em

período anterior à aprovação da Lei e até a sua total implementação, os licenciados em

Música buscavam outros espaços de atuação que não as escolas regulares, como

conservatórios de música, escolas especializadas e organizações não-governamentais, entre

outros. Espaços estes, é bom lembrar, divididos com os bacharéis. Com o término deste

período de implementação, em 2011, observa-se que pouco foi feito no sentido de possibilitar

a inserção da música nas escolas, pois além de poucas contratações de profissionais

especializados para tal, estes mesmos profissionais ainda preferem outros locais de trabalho,

ausentando-se das escolas regulares.

______________ 1 A Licenciatura é definida pelo Parecer CNE/CP 28/2001, aprovado pelo Conselho Pleno do Conselho Nacional

de Educação em 02 de outubro de 2001, como uma ―autorização, permissão ou concessão dada por uma

autoridade pública competente para o exercício de uma atividade profissional, em conformidade com a

legislação. (...) O diploma de licenciado pelo ensino superior é o documento oficial que atesta a concessão de

uma licença. No caso em questão, trata-se de um título acadêmico obtido em curso superior que faculta ao seu

portador o exercício do magistério na educação básica dos sistemas de ensino, respeitadas as formas de

ingresso, o regime jurídico do serviço público ou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)‖. (BRASIL,

CNE/CP, PARECER 28/2001, p. 2). 2 De acordo com a LDB de 1996, artigo 21, a educação básica é formada pela educação infantil, ensino

fundamental e ensino médio.

Page 17: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

16

Apesar disso tudo, o fato é que, com a implementação da Lei N. 11769/2008, a

educação básica torna-se objetivamente um campo de atuação profissional, abrindo uma nova

perspectiva de atuação do egresso das Licenciaturas em Música e imprimindo a necessária

reorganização na formação destes futuros profissionais.

Não podemos esquecer que a obrigatoriedade do estudo de música é fruto da luta dos

profissionais do setor, que reagiram ao progressivo esvaziamento do conteúdo musical no

interior das escolas, desde a criação da disciplina Educação Artística, estabelecida pela Lei n.

5.692/19713, e prosseguiu após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases n. 9.394 de 1996.

Diretriz essa que, mesmo incluindo a música na área de conhecimento Artes, não garantiu

uma mudança significativa dessa situação.

O momento atual é, portanto, bastante decisivo para a educação musical e, por que não

dizer, para a música, e sua relação com a escolarização básica dos brasileiros. Esta ―volta‖ do

ensino de música às escolas da educação básica do país traz consigo a ideia de educação

musical para todos. Tal ideia opõe-se sobremaneira às tradições do sistema conservatorial de

ensino de música, que segue seu modelo de escola para a elite. De acordo com Penna (1995),

a função social básica deste modelo é:

[...] formar tecnicamente, pelo e para o padrão da música erudita, os

profissionais para um entretenimento de elite – em outras palavras, os

músicos para as salas de concerto. Ou, ainda, cumprem a função de

enriquecer, através da prática musical, a formação pessoal daqueles que têm,

socialmente, a possibilidade de acesso a essa forma artística. (PENNA, 1995,

p. 14, grifos no original)

A concepção do ensino de música estava vinculada, portanto, a uma formação artística

(ensino da arte e para a arte), na qual a presença do ―músico professor4‖ se fazia necessária.

Entretanto, a reorganização da estrutura escolar e as novas finalidades atribuídas à escola no

decorrer da história obrigaram a adaptações nos procedimentos de ensino musical.

Nesta perspectiva, o músico formado pelo sistema conservatorial notadamente não

parece servir à demanda contemporânea da educação musical. Se a proposta do ensino

______________ 3 Criou a perspectiva de um profissional polivalente no campo das artes e que terminou por diluir os conteúdos

específicos de cada área (cf. PENNA, 2008, p.123) ou mesmo por excluí-los da escola (LOUREIRO, 2003, p.

69). 4 Utilizaremos aqui a categorização proposta por Jardim (2008) de dois profissionais distintos: o ―músico

professor‖ – de formação especializada com caráter essencialmente técnico, estético, artístico e profissional

(com forte apelo à performance) –; e o ―professor de música‖ – profissionais preparados para ensinar música

no espaço escolar.

Page 18: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

17

musical nas escolas é a intermediação entre músicas e seres humanos, este músico pouco

serve ao espaço escolar. Portanto, a formação do profissional que atuará neste espaço deve ser

outra.

A proposta da educação musical para todos implica no confronto entre o chamado

―conhecimento erudito‖ e o ―conhecimento popular‖. Somados a este confronto encontram-se

as concepções do governo, da mídia e do senso comum: a música aparece como atividade

recreativa, lúdica, cujas finalidades são sempre auxiliar nas disciplinas realmente importantes,

promovendo maior concentração, coordenação motora e propiciando atividades coletivas,

tudo de maneira prazerosa e relaxante. Além de que os alunos dos cursos de licenciatura não

têm interesse em atuar nos espaços escolares, seus professores não buscam formas de criar

esse interesse e o currículo dos cursos geralmente não favorece a reflexão de referenciais que

possibilitem a entrada no espaço escolar.

A crise está instaurada. Para entendê-la, o eco das perguntas levantadas por Forquin

(1993) levariam à reflexão sobre os cursos de licenciatura em música, a partir dos seguintes

questionamentos: O que ensinar? Quais as razões para se ensinar determinados conteúdos e

não outros? Quais as relações entre a seleção implicada no conceito de currículo e o processo

de desigualdade social? Quais as relações entre cultura erudita e cultura popular no contexto

da elaboração do currículo escolar?

Estas questões são pertinentes a este estudo, não apenas para operar um currículo para

a disciplina música nas escolas básicas, mas, principalmente, iluminam a reflexão sobre o

currículo da formação daqueles que atuarão nestas escolas.

A pesquisa em música é bastante recente, especialmente no Brasil: o primeiro Curso

de Mestrado, implantado na Escola de Música do Rio de Janeiro (UFRJ), data de 1980; já o

primeiro curso de doutorado em Música do país foi implantado em 1995, na Universidade

Federal do Rio Grande do Sul.

Em estudo sobre a produção discente (teses e dissertações) em educação musical dos

cursos de pós-graduação stricto sensu brasileiros, pertencendo, assim, ao campo da pesquisa

em educação musical no Brasil (FERNANDES, 2000), foram apresentadas as seguintes

especialidades da subárea Educação Musical:

(1) Filosofia e Fundamentos da Educação Musical

(2) Processos Formais e Não-formais da Educação Musical (I, II e III Graus)

(3) Processos Cognitivos na Educação Musical

(4) Administração, Currículos e Programas em Educação Musical

(5) Educação Musical Instrumental (Banda, Orquestra)

(6) Educação Musical Coral

Page 19: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

18

(7) Educação Musical Especial.

A especialidade (4), na qual este estudo se enquadra, continha, até o ano 2000, menos

de 5% do total5 de relatórios de teses e dissertações produzidas em programas da área da

Música/Educação Musical. Nos relatórios analisados da área da Educação (56 no total), o

autor observou um discreto aumento na especialidade (4):

Nas dissertações e teses analisadas na área da educação, também

encontramos um aumento - muito pequeno, mas real - nos trabalhos da

especialidade (4) Administração, Currículos e Programas em Educação

Musical (7%), mostrando que a especialidade é um pouco mais valorizada na

área da Educação, mas ainda é carente. Acreditamos que seja por causa do

interesse dos pesquisadores, ligado a uma distância do campo prático

relativo a ela, a uma formação não direcionada a esse campo e a uma falta de

literatura específica (FERNANDES, 2000, p. 50).

Na listagem apresentada ao final do artigo, identificamos apenas dois relatórios que

tratam de documentos curriculares do ensino superior em música: o relatório de tese de

doutorado de Vanda Lima Bellard Freire de 1992 (Faculdade de Educação da UFRJ),

intitulada ―Musica e sociedade: uma perspectiva histórica e uma reflexão aplicada no ensino

superior de Música‖; e o relatório de dissertação de mestrado de Terezinha Aparecida de

Freitas de 1997 (Mestrado em Educação – UnB), intitulado ―O ensino da música na proposta

curricular do Curso de Educação Artística – Habilitação em Música – da Universidade

Federal de Uberlândia: uma visão‖.

Fernandes, em artigos publicados em 2006 e 2007, realiza novo balanço da produção

discente em cursos de pós-graduação de diversas áreas entre os anos de 2002 e 2005. Nesta

análise, foram levantados 267 relatórios de teses e dissertações, sendo apenas 7 deles na área

(4) Administração, Currículos e Programas em Educação Musical.

A partir deste levantamento demos início à busca por relatórios de teses e dissertações

em duas bases digitais: Domínio Público6 e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e

Dissertações7.

A principal questão norteadora do levantamento de relatórios de teses e dissertações

foi: ―Como o Ensino Superior em Música já foi estudado?‖ O que não impediu de serem

analisados os demais estudos sobre educação musical. Esta busca foi orientada pela utilização

______________ 5 O autor encontrou 50 relatórios no total.

6 www.dominiopublico.gov.br

7 www.bdbtd.ibct.br

Page 20: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

19

dos seguintes descritores:

ensino superior‖

―música‖

―currículo‖

―sociologia‖

―licenciatura‖

―conservatório‖

Foram encontrados 32 relatórios de teses e dissertações, sendo 11 deles relatórios de

tese e 21 relatórios de dissertação. Estes relatórios estão listados na tabela a seguir:

Tabela 1 – Relatórios de Tese e de Dissertação

Título Autor Ano de

Publicação

1 Os cursos de Licenciatura e a formação do professor: A

contribuição da Universidade Federal de Uberlândiana

construção do perfil de Profissionais da Educação

Olenir Maria Mendes

(Ms)

1999

2 Representações sociais sobre práticas de ensino e

aprendizagem musical: um estudo etnográfico entre

congadeiros, professores e estudantes de música

Margarete Arroyo

(Dr)

2000

3 A construção do professor de música: O modelo

conservatorial na formação e na atuação do professor de

música em Belém do Pará

Lia Braga Vieira (Dr) 2000

4 A reestruturação da educação superior no Brasil e o processo

de metamorfose das universidades federais: O caso da

Universidade Federal de Goiás

João Ferreira de

Oliveira (Dr)

2000

5 Teorias curriculares e suas implicações no ensino superior de

música: um estudo de caso

Magali Oliveira

Kleber (Ms)

2000

6 A formação de professores de música sob a ótica dos alunos

de licenciatura

Cristina Mie Ito

Cereser (Ms)

2003

7 A identidade das Licenciaturas na área de Música: múltiplos

olhares sobre a formação do professor

Nair Aparecida

Rodrigues Pires (Ms)

2003

8 ―Os sons da República‖ – O Ensino da Música nas Escolas

Públicas de São Paulo na Primeira República – 1889 - 1930

Vera Lúcia Gomes

Jardim (Ms)

2003

9 Dando o tom: música e cultura nas ruas, salões e escolas da

cidade de São Paulo (1870-1906)

Ailton Pereira Morila

(Dr)

2004

10 Por que a Licenciatura em Música? Um estudo sobre escolha

profissional com calouros do curso de Licenciatura em

Música da UFRGS em 2003

Ana Lídia da Fontoura

Prates (Ms)

2004

11 Música Educação e Democracia Marco Antônio

Carvalho Santos (Dr)

2004

12 Ser docente universitário – professor de música:dialogando

sobre identidades profissionais com professores de

instrumento

Ana Lúcia Marques e

Louro (Dr)

2004

13 A formação inicial do professor de música no curso de

licenciatura em música da EMBAP (1961 – 1996)

Cristiane Denardi

(Ms)

2006

14 A melodia da formação: um estudo das trajetórias de

formação musical de estudantes da Escola de Música da

UFMG

Francisca Schaich

Prates (Ms)

2006

15 Os saberes que permeiam o trabalho acadêmico dos

professores universitários de música

Fernando Stanzione

Galizia (Ms)

2007

16 Evaluación Del currículo em los Conservatorios de Grado

Superior de Musica de Andalucía

Alejandro Vicente

Bujez (Dr)

2007

Page 21: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

20

Título Autor Ano de

Publicação

17 ―O Florão mais belo do Brasil‖: O Imperial Conservatório de

Música do Rio de Janeiro / 1841 – 1865

Janaina Girotto da

Silva (Ms)

2007

18 A música, a narrativa e a formação de profesores Liana Arrais Seródio

(Ms)

2007

19 Da arte à educação: A música nas escolas públicas 1838 –

1971

Vera Lúcia Gomes

Jardim (Dr)

2008

20 Percepção Musical: Situação atual da disciplina nos cursos

superiores de música

Cristiane Hatsue Vital

Otutumi (Ms)

2008

21 A formação de professores de música da faculdade de artes do

Paraná: concepções filosófico-pedagógicas

Solange Maranho

Gomes (Ms)

2008

22 O piano complementar e a interdisciplinaridade: performance,

apreciação e criação integradas na formação acadêmica do

bacharelado e da licenciatura

Maria Inêz Lucas

Machado (Ms)

2008

23 Estudar e trabalhar durante a graduação em Música:

Construindo sentidos sobre a formação profissional do

músico e do professor de música

Cíntia Thais Morato

(Dr)

2009

24 Implementar uma instituição de formação musical: Uma

história do Conservatório de Música Joaquim Franco,

Manaus/AM

Hirlândia Milon

Neves (Ms)

2009

25 A formação do percussionista no Rio de Janeiro: Relações

entre suas práticas, o ensino superior e o mundo do trabalho

Marcello Teixeira

(Ms)

2009

26 Cotidianos sonoros na constituição do habitus e do campo

pedagógico musical: Um estudo a partir dos relatos de vida de

professores da UFC

Maria Goretti

Herculano Silva (Ms)

2009

27 A formação do professor para a escola livre de música Luciana Goss (Ms) 2009

28 Canto Popular: Pensamento e procedimentos de ensino da

Unicamp

Alexei Alves de

Queiroz (Ms)

2009

29 Discursos acadêmicos em Música: cultura e pedagogia e

práticas de formação superior

Eduardo Luedy (Dr) 2009

30 História e memória da educação musical no Piauí: das

primeiras iniciativas à universidade

João Valter Ferreira

Filho (Ms)

2009

31 A abordagem AME- apreciação musical expressiva – como

elemento de mediação entre teoria e prática na formação de

professores de música

Zuraida Abud Bastião

(Dr)

2009

32 Possibilidades para a articulação entre teoria e prática em

cursos de licenciatura

Edna Falcão Dutra

(Ms)

2010

Fonte: Seleção feita para este trabalho a partir dos sites www.bdbtd.ibct.br e

www.dominiopublico.gov.br

Operando com a análise dos relatórios, identificamos certas similaridades entre os

assuntos abordados nas investigações o que permitiu agrupá-los em: (a) estudos curriculares

do Ensino Superior em Música; (b) estudos relacionados às Licenciaturas em Música; (c)

estudos sobre os Bacharelados em Música; (d) estudos sobre os professores universitários de

Música; (e) estudos de disciplinas específicas do Ensino Superior em Música; (f) estudos

sobre a criação de cursos superiores em Música; (g) estudos que utilizam o conceito de

habitus nas investigações sobre o ensino superior de Música; e (h) estudos históricos sobre a

música nas escolas.

As tabelas 2 e 3 (abaixo) mostram a concentração destes objetos de estudo em

programas de Mestrado e Doutorado em Música, Educação e História Social:

Page 22: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

21

Tabela 2 – Objetos de estudo dos relatórios de dissertação por área de conhecimento

Objeto (Mestrado) Música Educação História Social

Currículo 2 3

Licenciatura8 4 3

Disciplinas 2

Bacharelado 2

Criação de cursos 1 1

Habitus 1

Históricos 1

Conservatório 1

Fonte: Análise realizada para este trabalho dos relatórios de dissertação levantados

nos sites www.bdbtd.ibct.br e www.dominiopublico.gov.br

Tabela 3 – Objetos de estudo dos relatórios de tese por área de conhecimento

Objeto (Doutorado) Música Educação

Currículo 1

Licenciatura 1 1

Professores Universitários 3

Históricos 3

Conservatório 1

Ensino Superior 1

Fonte: Análise realizada para este trabalho dos relatórios de tese levantados

nos sites www.bdbtd.ibct.br e www.dominiopublico.gov.br

É possível observar um equilíbrio na produção dos relatórios de teses e dissertações

entre as áreas de Música e Educação. Quase a totalidade deles foi produzida nas regiões Sul e

Sudeste do país, havendo, entretanto, algumas produções oriundas da região Nordeste (com

destaque para o programa de pós-graduação – mestrado e doutorado – da Universidade

Federal da Bahia).

O currículo nos cursos de graduação em Música foi mais investigado em cursos de

Mestrado, tanto na área da Educação quanto na área da Música. O número mais expressivo de

trabalhos (9 no total) trata de diversos aspectos das Licenciaturas em Música, com enfoque

______________ 8 Envolvendo temas como estágio, alunos, formação de professores.

Page 23: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

22

nos licenciandos – suas opiniões, suas trajetórias de vida, análise do acesso ao curso superior,

formação de professores, estágios supervisionados.

Os relatórios de tese na área da Música concentram-se na investigação dos professores

universitários: seus saberes e discursos. Já na área de educação, são maioria os estudos

históricos envolvendo Música, Educação e Sociedade.

As pesquisas selecionadas para esta análise que têm como objeto de estudo os

documentos curriculares para o ensino superior – especialmente os que tratam das

licenciaturas em música – denunciam a predominância do conteúdo específico em detrimento

do conteúdo pedagógico, como já era sinalizado por Mendes (1999) no estudo dos

documentos curriculares de todos os cursos de licenciatura da Universidade Federal de

Uberlândia. Para a autora, prevalece uma valorização do saber específico em detrimento do

saber pedagógico: 72% das disciplinas oferecidas estão relacionadas com os conteúdos das

matérias específicas9.

Em se tratando dos cursos de música, Denardi (2006/2008) e Kleber (2000) explicitam

algumas características importantes reveladas pelos documentos curriculares. De acordo com

estas autoras, os conteúdos selecionados nestes documentos são destituídos de dimensão

política, uma vez que são oriundos de currículos concebidos como neutros e ideais, a partir

dos modelos estéticos europeus dos séculos passados, e com pouca articulação com a

realidade brasileira contemporânea. (DENARDI, 2006, p. 87).

Existe um consenso com relação à caracterização dos currículos dos cursos superiores

de música como do tipo técnico-linear (FREIRE, 1992; KLEBER, 2000; DENARDI, 2006).

Os modelos curriculares, em sua maioria, apontam para uma prática em que as disciplinas se

apresentam de forma fragmentada e estanque, e os conteúdos são privilegiados em relação ao

processo. O currículo, corriqueiramente, é entendido e tratado de uma forma reduzida,

―unicamente como estrutura curricular‖ (KLEBER, 2000, p. 15).

As alterações percebidas nos desenhos curriculares estudados por estes autores são

periféricas, recaindo apenas sobre os nomes de disciplinas, alterações de cargas horárias e

ementas. Apesar disso, a essência da concepção curricular permanece sempre a mesma.

As pesquisas evidenciam a vontade de se construir um novo projeto pedagógico

pautado no processo coletivo, em que se contemplem a diversidade, o compromisso político-

social, a competência profissional, vislumbrando contribuir para a transformação da sociedade

______________ 9 É importante ressaltar que este estudo é anterior à publicação das DCN para os Cursos de Formação de

Professores para a Educação Básica (2002).

Page 24: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

23

(KLEBER, 2000, p. 244). Entretanto, percebem-se vácuos no entendimento do papel do

professor, do aluno e da instituição, no que se refere à organização e operacionalização num

trabalho dessa natureza. Outra dificuldade encontrada está na definição sobre o que privilegiar

e como selecionar o conhecimento musical tendo como perspectiva o interesse do aluno e,

também, o universo do professor, para realizar um trabalho que dê condições de uma atuação

profissional competente.

Estas adversidades podem encontrar algumas respostas na falta de ―identidade‖ dos

cursos de licenciatura em música evidenciada pelos estudos de Pires (2003) e confirmados na

investigação de Gomes (2008).

Os estudos curriculares levantados neste trabalho ressaltam a expressão de práticas

conservatoriais nos currículos do ensino superior de música e enfatizam a falta de conexão

deste com a realidade social. Ampliam esta noção mostrando uma fragmentação do

conhecimento e o privilégio conferido aos conteúdos – conteúdos estes tidos como neutros e

ideais.

Estas investigações explicitam o desejo de reformas, aliado à constatação de que é

necessário incluir as práticas musicais contemporâneas nos currículos dos cursos superiores

de música, entretanto, reforçam que este desejo não é concretizado nas reformas curriculares,

sempre com alterações cosméticas.

Emerge destas leituras uma questão inquietante: como se pode explicar a manutenção

de determinadas práticas, de determinados modelos de formação, apesar de todos os estudos

realizados sobre os problemas oriundos de tais concepções?

Os relatórios que tratam especificamente das licenciaturas em música abordam: a

perspectiva dos licenciandos com relação ao seu curso (CERESER, 2003); as razões da

escolha pela licenciatura em música (PRATES, 2004); a formação profissional que se dá no

curso bem como nas atividades profissionais exercidas pelos estudantes paralelamente à sua

formação (MORATO, 2009); as dificuldades de acesso ao curso superior de música

(PRATES, 2006); a preparação oferecida pelos cursos de licenciatura para a atuação em

escolas específicas de música (GOSS, 2009); e a articulação entre teoria e prática na

realização do estágio supervisionado (BASTIÃO, 2009).

Estes estudos demonstram que os licenciandos sentem falta de uma identidade no

curso de licenciatura (CERESER, 2003) – como indicado por Pires (2003) e Gomes (2008).

Demonstram também que os estudantes das licenciaturas em música estão preparados para dar

Page 25: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

24

aula a quem gosta de música, não para os que não gostam – o que poderia justificar a ausência

dos licenciados no contexto da escola regular (CERESER, 2003, p. 137).

Pode-se observar que as licenciaturas em Música têm sido estudadas sob diferentes

perspectivas teóricas, abordando vários problemas na formação de docentes em educação

musical. Todos estes estudos acabam por tocar em pontos centrais para esta investigação,

como a falta de relação do curso superior com a realidade social, a falta de conexão entre as

disciplinas e revelam ainda as opiniões de alunos e de professores sobre os problemas e

acertos dos cursos de licenciatura.

Dos trabalhos que focaram os saberes e discursos dos professores universitários pode-

se depreender que os professores do ensino superior em música se percebem mais como

músicos do que como professores, da mesma forma que acontece nas licenciaturas em

música: os alunos, além de buscar a formação musical no ensino superior, têm esta

perspectiva referendada pelos currículos, onde o ensino específico de música prevalece sobre

o conteúdo pedagógico. Além disso, os estudos reforçam, mais uma vez, a manutenção de

práticas ligadas ao conservatório, além de revelar o incômodo que isto provoca nos

professores.

Os estudos que tratam do Bacharelado em Música problematizam a

presença/ausência/necessidade da música popular. Estes trabalhos mantêm relações estreitas

com os estudos sobre as Licenciaturas em Música: a necessidade de contextualização das

práticas universitárias em relação às práticas musicais contemporâneas.

Algumas das pesquisas encontradas descrevem a criação de cursos superiores em

música, ligando as origens destes cursos aos conservatórios de música locais. É o caso dos

relatórios de dissertação de Neves (2009) – sobre a trajetória do conservatório Joaquim

Franco em Manaus/AM até sua integração à UFAM; e Filho (2009) – que oferece uma

retrospectiva histórica das iniciativas de Educação Musical no estado do Piauí no recorte

temporal compreendido entre a fundação de Oeiras, primeira capital piauiense, até os dias

atuais, quando analisa o ensino desenvolvido no interior da UFPI. Silva, J. (2007), por sua

vez, descreve a criação do primeiro conservatório de música do Brasil – o Imperial

Conservatório de Música, no Rio de Janeiro do século XIX – que viria a se tornar o primeiro

curso superior de Música no país.

Como a presente pesquisa trabalha com o conceito bourdieusiano de habitus,

procuramos observar também aqueles estudos que se utilizaram deste conceito em suas

Page 26: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

25

investigações – ainda que com diferentes enfoques e objetivos. É o caso de Prates (2004) e

Silva (2009).

Prates (2004) utilizou o conceito de habitus como um dos fatores que explicariam a

escolha dos alunos pelo curso superior em música. Silva, M. (2009) buscou compreender

como os professores de um curso de educação musical se constituíram em docentes dessa

área, detendo o olhar sobre suas trajetórias de vida. Essa autora se propôs a investigar o

processo de constituição do habitus e do campo pedagógico-musical na trajetória de docentes

do curso de Educação Musical da UFC, com o objetivo de compreender como esses agentes

se constituíram em professores do curso de Educação Musical e em que medida suas

trajetórias possibilitaram a convergência para atuarem em um mesmo campo.

Segundo Silva, M. (2009), as disposições agregadas pelos agentes – quer na família,

na escola, na universidade ou em outros espaços e contextos de formação – conduziram suas

ações, deliberaram estratégias, dentro de um plano, que, mesmo não sendo intencional

incorpora um sentido do jogo da vida social. Nessa caminhada a prática revelou-se como

fundamento para a construção das concepções e formas de agir dos agentes dentro do campo.

Isso se destacou em uma formação amplamente fundamentada em contextos da prática

musical, desenvolvida em âmbitos da informalidade e legitimada nos espaços acadêmicos

(SILVA, 2009, p.109).

Outros estudos – como o de Prates, F. (2006) – utilizaram também a obra de Bourdieu

como referência, sem que o conceito de habitus fosse utilizado centralmente nas

investigações. A utilização deste conceito nos relatórios selecionados para esta análise está

atrelada à investigação da vida de professores e alunos que optam por uma carreira ligada ao

ensino musical.

Embora não tratem especificamente do ensino superior, três relatórios encontrados

(JARDIM, 2003; MORILA, 2004; e SANTOS, 2004) tratam da música nas escolas e, por

refletirem sobre a Música no contexto das escolas regulares, estes estudos auxiliam na

compreensão deste lócus para o qual o licenciado é formado no Brasil, conduzindo, desta

maneira, à reflexão sobre os currículos que prescrevem esta formação.

Em síntese, a revisão da produção de relatórios de dissertações e teses selecionados

nos mostra que vários estudos tratam de questões envolvendo, de alguma forma, a hegemonia

da música erudita em contraposição às práticas musicais atuais, resistindo à entrada da música

popular, por exemplo, no ensino superior de música.

Page 27: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

26

Neste sentido, a investigação sobre currículos, alunos e professores do ensino superior

acabam por abordar os problemas da falta de conexão entre a universidade e a realidade

social. São encontradas permanências de práticas historicamente situadas, problemas na

seleção curricular, e ainda assim parece que muito pouco foi feito em relação a isto. Nota-se

uma resistência muito forte a mudanças nos paradigmas tradicionais de formação musical.

Este estudo pretende contribuir para a compreensão destas permanências já

identificadas, buscando explicações para a manutenção de determinadas práticas históricas

apesar da demanda contemporânea apontar para outras direções. Nesta perspectiva, na

tentativa de aprofundar na compreensão das questões que emergiram a partir das leituras,

optamos por analisar os documentos curriculares dos cursos de Licenciatura em Música a

partir dos conceitos de habitus e campo propostos pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu.

Os campos, na concepção bourdieusiana, são espaços de relações objetivas que

possuem uma lógica própria. Bourdieu (2008, p. 50) afirma ser o campo tanto um campo de

forças, ―cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram envolvidos‖, quanto um

campo de lutas, ―no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados

conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação

ou a transformação de sua estrutura‖.

Neste sentido, o ensino superior de música – especialmente as licenciaturas – pode ser

compreendido na inter-relação dos campos educativo, artístico, social, econômico, simbólico

e cultural. Assim, encontra-se inserido em um espaço relacional, permeado por lutas de

conservação e transformação das suas estruturas. Desta forma, o ―modelo conservatorial‖

pode ser encarado não como algo que vem sendo simplesmente reproduzido, passado de

geração em geração; mas como um conjunto de disposições que vem sendo recriado,

atualizado e portanto, continuamente re-produzido (produzido de novo) no decorrer da

história.

Os campos são produtos da história, das disposições que foram sendo inventadas no

decorrer dessa história e que, aos poucos, foram se inscrevendo nos corpos ao longo do

processo de aprendizagem (BOURDIEU, 2001, p. 129). Para Bourdieu (2003, p. 122), ―é toda

a história do jogo, todo o passado do jogo, que estão presentes em cada acto de jogo‖.

O conceito de campo está intrinsecamente ligado ao de habitus na sociologia de

Bourdieu. Bourdieu define como habitus:

[...] sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a

funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e

Page 28: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

27

estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente

―reguladas‖ e ―regulares‖ sem ser o produto da obediência a regras,

objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins

e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e

coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um

regente (BOURDIEU, 1983, p. 61, grifos no original).

Neste sentido, Vandenberghe (2006, p. 27) afirma que ―[...] o habitus é a

interiorização ou incorporação de estruturas sociais, enquanto o campo é a exteriorização ou

objetivação do habitus‖. A forma como o agente consome, produz e acumula todas as coisas

será fortemente influenciada/determinada pela posição que ele ocupa no interior do campo.

Todo campo possui uma estrutura, uma doxa (opinião consensual, senso comum,

aquilo em que todos estão de acordo) e um nomos (leis que o regem e que regulam a luta pela

dominação do campo). A estrutura do campo é um estado da relação de forças entre os

agentes ou as instituições envolvidas na luta pela hegemonia no interior do campo, um estado

da distribuição do capital específico que, acumulado no decorrer das lutas anteriores, orienta

as estratégias posteriores (BOURDIEU, 2003, p. 120)

A doxa, segundo Bourdieu (2008, p. 120), é um ponto de vista particular, o ponto de

vista dos dominantes, que se apresenta e se impõe como ponto de vista universal. Um

conjunto de crenças fundamentais que nem sequer precisam se afirmar sob a forma de um

dogma explícito e consciente de si mesmo.

E o nomos, por sua vez, é uma lei tácita (BOURDIEU, 2008, p. 127), fundamental,

que avalia (rege e regula) o que se faz aí, as questões que aí estão em jogo, de acordo com

princípios e critérios irredutíveis aos de outros universos (BOURDIEU, 2008, p. 148).

Segundo Bourdieu (2001, p. 117), nomos é uma palavra que se traduz em geral por "lei" e que

seria preferível verter por "constituição‖, que lembra melhor o ato de instituição arbitrária, ou

por ―princípio de visão e de divisão‖. De acordo com o autor, é uma lei irredutível e

incomensurável a qualquer outra: ela nunca pode ser referida à lei de um outro campo ou ao

regime de verdade aí implicado. Todo campo, como produto histórico, tem um nomos

distinto.

As lutas no interior do campo giram em torno do conflito pela dominação que se dá

pela via da violência simbólica daqueles que dominam contra aqueles que têm a pretensão à

dominação. Esta é, em geral, não-evidente, não-explícita, mas sutil e violenta. A violência

simbólica, por sua vez, se dá com a cumplicidade daquele que a sofre:

Page 29: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

28

Bourdieu (1992, p. 52) ressalta que em relação às camadas dominadas, o

maior efeito da violência simbólica exercida pela escola não é a perda da

cultura familiar e a inculcação de uma nova cultura exógena (mesmo porque

essa inculcação, como já se viu, seria prejudicada pela falta das condições

necessárias à sua recepção), mas o reconhecimento, por parte dos membros

dessa camada, da superioridade e legitimidade da cultura dominante. Esse

reconhecimento se traduziria numa desvalorização do saber e do saber-fazer

tradicionais – por exemplo, da medicina, da arte e da linguagem populares, e

mesmo do direito consuetudinário – em favor do saber e do saber-fazer

socialmente legitimados. (NOGUEIRA et al, 2002, p. 16)

É importante considerar que o campo é caracterizado tanto pelas relações de força

resultantes das lutas internas e pelas estratégias em uso, quanto pelas pressões externas a ele.

Os campos se interpenetram, se inter-relacionam. O campo possui uma autonomia, dada pelo

volume e pela estrutura do capital dominante. Thiry-Cherques (2006, p. 41) trabalha com a

idéia de que esta autonomia provoca uma espécie de refração destas inter-relações, influências

e contaminações ao ingressarem em cada campo específico, interpretando-as. A idéia de

refração nos auxilia a compreender que o que ocorre no interior do campo não é mero reflexo

de pressões externas, mas uma expressão simbólica, uma tradução, refratada pela sua própria

lógica interna.

O conceito de habitus se mostra como uma ferramenta teórica capaz de responder à

questão central que se coloca em relação às práticas conservatoriais: disposições estruturadas

e estruturantes que atuam como matrizes de percepção e ação que são continuamente re-

criadas no decorrer da história do campo, constituindo doxas e nomos que orientam as

reformas curriculares e metodológicas. Ou seja, este ―modelo conservatorial‖ pode ser

entendido, na verdade, como um habitus incorporado pelos agentes do campo em questão,

que orienta as estratégias dos agentes nas relações de força deste campo. Não se trata,

portanto, de um modelo fechado, acabado, mas de disposições em constante atualização, que

estruturam o ensino e as práticas musicais e são, por conseguinte, também estruturados por

elas.

O habitus conservatorial, aqui tomado como objeto de pesquisa, seria próprio do

campo artístico musical e estaria transposto (convertido) ao campo educativo na interrelação

estabelecida entre estes dois campos. E seria incorporado nos agentes ao longo do tempo no

contato com a instituição, com suas práticas, com seu currículo enquanto objetivação de uma

ideologia. Assim as instituições de ensino musical – como resultado da história iniciada pelos

conservatórios – podem ser entendidas como opus operatum: campo de disputas que tem no

habitus conservatorial o seu modus operandi.

Page 30: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

29

É neste sentido que o objetivo central deste estudo pode ser traduzido no mapeamento

e na análise da presença deste habitus conservatorial na construção de currículos das

Licenciaturas em Música que estejam em vigor após a aprovação das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Graduação em Música de 2004 (Resolução CNE/CES 2/2004 de 8 de março

de 2004).

Para tal, outros objetivos mais específicos podem ser delineados, com vistas à

consecução do objetivo principal. São eles:

— Descrever o movimento histórico da música no ensino superior brasileiro;

— Analisar as relações do ensino superior com os conservatórios de música, na

perspectiva da construção da noção de habitus conservatorial;

— Compreender algumas propostas curriculares das Licenciaturas em Música a partir

da produção bibliográfica da área e da produção documental, que regula o ensino de música

no ensino superior e na educação básica;

— Identificar formas de produção e de regulação presentes nos documentos

curriculares das licenciaturas em música;

— Identificar os pressupostos ideológicos e os interesses sociais dos grupos

dominantes na seleção e organização do conteúdos cognitivos e culturais do ensino superior

de Música;

— Comparar quatro projetos pedagógicos do ensino superior de música de diferentes

Instituições de Ensino Superior brasileiras, buscando evidenciar a manutenção do habitus

conservatorial nos currículos de formação de músicos professores e professores de música no

Brasil.

Nesta perspectiva, este estudo apresenta um cunho qualitativo, sendo

metodologicamente orientado pelas técnicas dos estudos comparados de natureza

bibliográfico documental. De acordo com Chizzotti (2003, p. 221), o termo qualitativo

implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa,

para extrair deste convívio os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a

uma atenção sensível e, após esse tirocínio, o autor interpreta e traduz em um texto,

zelosamente escrito, com perspicácia e competências científicas os significados patentes ou

ocultos do seu objeto de pesquisa.

No caso deste estudo, buscando explicitar um sistema complexo de significados que

foram analisados e comparados à luz da teoria crítica do currículo e da sociologia da cultura,

Page 31: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

30

trabalhamos com documentos curriculares e normativos produzidos para a Licenciatura em

Música e a Educação Musical no ensino superior. Como aponta Neves (1996, p. 1, grifos no

original):

A expressão ―pesquisa qualitativa‖ assume diferentes significados no campo

das ciências sociais. Compreende um conjunto de diferentes técnicas que

visam a descrever e a decodificar os componentes de um sistema complexo

de significados. Tem por objetivo traduzir e expressar o sentido dos

fenômenos do mundo social; trata-se de reduzir a distância entre indicador e

indicado, entre teoria e dados, entre contexto e ação.

Schneider e Schimitt (1998, p. 1) afirmam que a comparação pode ser considerada

como inerente ao processo de construção do conhecimento nas ciências sociais:

É lançando mão de um tipo de raciocínio comparativo que podemos

descobrir regularidades, perceber deslocamentos e transformações, construir

modelos e tipologias, identificando continuidades e descontinuidades,

semelhanças e diferenças, e explicitando as determinações mais gerais que

regem os fenômenos sociais. (SCHNEIDER e SCHMIDTT, 1998, p. 1)

As autoras mostram ainda que:

A princípio, o que se espera, é que o método comparativo, se bem aplicado,

possa servir como uma bússola para que o cientista social consiga realizar

sua viagem explorando os caminhos que se abrem no decorrer do processo

de investigação sem se afastar demasiado, no entanto, de um trabalho

sistemático sobre as interrogações que o motivaram no início de seu

trabalho. (SCHNEIDER e SCHIMITT, 1998, p. 36)

O método de comparação foi empregado na análise de documentos intencionalmente

selecionados, a saber: os projetos pedagógicos de quatro diferentes Instituições de Ensino

Superior. A análise destes projetos orientou-se pela bibliografia analisada e pelos documentos

oficiais que regulamentam o ensino de música nos níveis superior e básico de ensino.

No tocante à pesquisa bibliográfica consideramos ―[...] um excelente meio de

formação científica quando realizada independentemente – análise teórica – ou como parte

indispensável de qualquer trabalho científico, visando à construção da plataforma teórica do

estudo‖ (MARTINS e THEÓPHILO, 2007, p. 54). Diante disso, desenvolvemos como

estratégias para operacionalizá-la o levantamento, a seleção e a análise de referenciais vindos

do campo da sociologia crítica do currículo, da escola e da cultura. Acresce-se a isso o

Page 32: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

31

aprofundamento de análises em tornos de obras específicas da educação musical

contemporânea.

Quanto às fontes documentais10

, trabalhamos com a seleção de quatro projetos

pedagógicos, das Licenciaturas em Música das Universidades Federal de Minas Gerais

(UFMG), Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e

Federal de São João Del Rei (UFSJ); escolhidos segundo os seguintes critérios: a UFRJ tem

suas origens na primeira instituição destinada especialmente ao ensino de música no país, o

Conservatório de Música do Rio de Janeiro; a UFMG por se tratar de um curso originado pela

federalização de um conservatório de Música e por afirmar a tentativa, no projeto pedagógico

atual, de romper com o modelo conservatorial (BARBEITAS, 2002); a UFMS pela criação

específica da Licenciatura em Música com Habilitação em Educação Musical, distante da

perspectiva de conservatório; e a UFSJ por apresentar o curso de Licenciatura em Música com

habilitação em Educação Musical e em diferentes instrumentos musicais (piano, canto, violão,

etc.). Além disso, buscamos selecionar projetos pedagógicos que estivessem em vigor após a

publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Graduação em Música, aprovadas e

publicadas em março de 2004.

Os documentos levantados e utilizados como fontes para a análise são:

Decisão CEPE de 19 de abril de 2001 – que aprova as diretrizes de flexibilização

curricular dos cursos de graduação da UFMG.

Proposta de Reforma Curricular do Curso de Graduação em Música da Escola de

Música da UFMG (1999).

Projeto Pedagógico dos cursos noturnos da Escola de Música da UFMG (2001).

Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Música da UFMS (2011).

Curso de Licenciatura em Música da UFRJ – Projeto Pedagógico (2008).

Matriz Curricular do Curso de Licenciatura em Música da UFRJ (2009).

Projeto Pedagógico – Curso de Música da UFSJ (2008).

______________ 10

Os documentos curriculares da UFSJ e da UFRJ foram obtidos nos sites

http://www.ufsj.edu.br/cmusi/projeto_pedagogico.php e www.musica.ufrj.br, respectivamente. Já os

documentos da UFMS e UFMG foram enviados por e-mail pelos responsáveis dos colegiados de cada um dos

cursos.

Page 33: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

32

Cristofoli (2009, p. 2) nos lembra que a comparação é um meio e não uma finalidade.

É importante frisar que não visamos uma classificação, ou uma hierarquização, mas sim

explicitar e buscar sentido para as semelhanças e diferenças nas construções curriculares para

os cursos de Licenciatura em Musica no Brasil.

Concordamos com Ferreira (2009, p. 158) que é pertinente considerar a educação

comparada como componente pluridisciplinar das Ciências da Educação que deve debruçar-se

comparativamente sobre dinâmicas do processo educativo, considerando contextos diversos

definidos em função do tempo e/ou espaço, de modo a obter conhecimentos que não seria

possível alcançar a partir da análise de uma só situação.

Dessa forma, neste estudo comparado utilizamos conceitos advindos de diferentes

áreas do conhecimento, como Sociologia, História, Currículo e Música. Estas áreas nos

auxiliam a compreender os processos envolvidos na construção curricular dos cursos de

Licenciatura em Música uma vez que nos auxiliam a ―olhar para seu funcionamento interno e,

simultaneamente, encarar suas relações com as dimensões política, econômica, social e

cultural que o envolvem, condicionam ou determinam (FERREIRA, 2009, p. 158)‖.

Schriewer (2009, p. 78) argumenta que as análises comparadas da sociologia do

conhecimento têm mostrado a persistência das estruturas acadêmicas impressas pela tradição

e, além disso, têm demonstrado como disciplinas particulares continuam a tirar, e até mesmo a

renovar, as suas principais orientações paradigmáticas do ―espírito de suas respectivas

tradições teóricas‖. É neste sentido que conduzimos a comparação dos projetos pedagógicos

destes cursos: no intuito de verificar se as práticas e concepções conservatoriais de música e

de ensino de música (o espírito da tradição musical) estão introjetadas nos currículos do

ensino superior, orientando ainda hoje a formação de músicos professores e professores de

música.

Para tanto, foram elencadas as seguintes áreas para a realização do estudo comparado

dos projetos pedagógicos:

Conhecimento Oficial;

Seleção e distribuição de conhecimento;

Profissionalização dos conhecimentos.

Estas áreas, que serão desenvolvidas mais aprofundadamente no terceiro capítulo deste

trabalho, permitem explicitar a manifestação do habitus conservatorial na prática da escrita

Page 34: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

33

curricular dos cursos de licenciatura em música após as DCN de 2004 por ressaltarem

determinadas características que evidenciam a incorporação de disposições ligadas a um

modelo próprio do conservatório.

O habitus conservatorial atuaria de maneira bastante marcante na legitimação do

conhecimento oficial, na forma como este conhecimento é selecionado e distribuído e, nas

tensões que se estabelecem entre os diferentes tipos de conhecimento selecionado com vistas

à formação profissional dos professores de música. Além disso, estas mesmas áreas permitem

a análise das próprias Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em

Música na perspectiva de encontrar também aí traços das práticas dos conservatórios.

Para dar sustentação a essas análises operamos, também, com o levantamento de

documentos legais que regulamentam o ensino básico e o superior de Música, bem como os

documentos que tratam dos cursos de Licenciatura.

Nesta perspectiva, este estudo está inserido no campo da teoria crítica que, segundo

Popkewitz e Fendler (1999, p. xiii, tradução nossa):

[...] aborda as relações entre escolaridade, educação, cultura, sociedade,

economia e governo. O projeto crítico em educação parte do pressuposto de

que as práticas pedagógicas estão relacionadas às práticas sociais, e que é

tarefa do intelectual crítico identificar e resolver as injustiças nestas práticas

11.

Desta maneira, a compreensão das práticas curriculares dos cursos superiores12

de

Música no Brasil buscou relacionar estes currículos com a sociedade e suas práticas culturais,

na perspectiva de identificar possíveis falhas e injustiças. De acordo com Moreira e Silva

(1995, p. 27):

[...] a idéia de cultura é inseparável da de grupos e classes sociais. Em uma

sociedade dividida, a cultura é o terreno por excelência onde se dá a luta pela

manutenção ou superação das divisões sociais. O currículo educacional, por

sua vez, é o terreno privilegiado de manifestação desse conflito.

______________ 11

Critical theory addresses the relations among schooling, education, culture, society, economy, and governance.

The critical project in education proceeds from the assumption that pedagogical practices are related to social

practices, and that it is the task of the critical intellectual to identify and address injustices in these practices. 12

Entende-se ―ensino superior‖ os referidos nos incisos I e II do artigo 44 da lei n. 9394 de 20 de dezembro de

1996 (I – cursos seqüenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que

atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino, desde que tenham concluído o ensino médio

ou equivalente; (Redação dada pela Lei nº 11.632, de 2007). II - de graduação, abertos a candidatos que

tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo).

Page 35: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

34

Além de ―terreno privilegiado de manifestação‖ dos conflitos sociais, os autores

mostram que:

O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão

desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em

relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e

interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais

particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal – ele

tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de

organização da sociedade e da educação. (MOREIRA e SILVA, 1995, p. 7 –

8)

Goodson (1999, p. 21) afirma que o currículo escrito ―[...] não passa de um

testemunho visível, público e sujeito a mudanças, uma lógica que se escolhe para, mediante

sua retórica, legitimar uma escolarização‖. Neste sentido, prossegue o autor, o currículo

procura justificar determinadas intenções básicas de escolarização, à medida que vão sendo

operacionalizadas em estruturas e instituições. Sintetizando:

[...] o currículo escrito nos proporciona um testemunho, uma fonte

documental, um mapa do terreno sujeito a modificações; constitui também

um dos melhores roteiros oficiais para a estrutura institucionalizada da

escolarização. (GOODSON,1999, p. 21)

Os documentos curriculares do Ensino Superior em Música (em especial os da

Licenciatura) foram tomados como ―testemunhos‖ de uma seleção cultural efetuada para a

institucionalização dos processos de ensino e aprendizagem de Música. A questão que

propusemos foi compreender a quem interessa a seleção cultural realizada nestes documentos,

que relações de poder estão implícitas neles e quais os problemas que decorrem destes fatores.

Como afirmam Moreira e Silva (1995, p. 29, grifos no original):

Por um lado, o currículo, enquanto definição ―oficial‖ daquilo que conta

como conhecimento válido e importante, expressa os interesses de grupos e

classes colocados em vantagem em relações de poder. Desta forma, o

currículo é expressão das relações sociais de poder.

Acresce-se a isso,

Preocupar-se com questões de poder – (...) com a forma como as distinções

de classe social, raça e sexo penetram as escolas controlando professores e

Page 36: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

35

alunos e imiscuem-se no conteúdo e na organização do currículo – é assumir

o peso da responsabilidade dos muitos homens e mulheres que ajudaram a

formar aqueles de nós que trabalham por uma sociedade mais

democratizada. (APPLE, 1995a, p. 41)

Foi necessário, portanto, pensar numa perspectiva histórica do Ensino Superior em

Música no Brasil, a fim de se compreender as formas pelas quais estas relações de poder

foram incorporadas aos currículos e mantidas até hoje. Apple (1995a, p. 46) ressalta ainda

que:

[...] uma vez que as pressões e demandas dos grupos dominantes são

intensamente mediatizadas pela história de cada instituição educacional e

pelas necessidades e ideologias das pessoas que de fato nela trabalham, os

objetivos e resultados serão também frequentemente contraditórios. Sejam

quais forem esses objetivos e resultados, entretanto, o fato é que há pessoas

de verdade sendo tanto ajudadas quanto prejudicadas dentro desses edifícios.

O aprofundamento na compreensão do currículo e da história dos cursos superiores de

Música pode contribuir para a identificação das formas pelas quais as pessoas vêm sendo

afastadas de uma experiência musicalmente enriquecedora.

Giroux e McLaren (1995, p. 142), mostram ainda que as escolas são instituições

históricas e culturais que sempre incorporam interesses ideológicos e políticos. Desta forma,

[...] as escolas são terrenos ideológicos e políticos a partir dos quais a cultura

dominante ―fabrica‖ suas ―certezas‖ hegemônicas; mas são também lugares

onde grupos dominantes e subordinados se definem e se reprimem

mutuamente em uma batalha e um intercâmbio incessantes, em resposta às

condições sócio-históricas ―propagadas‖ nas práticas institucionais, textuais

e vivenciais que caracterizam a cultura escolar e a experiência

professor/aluno dentro de determinados tempo, espaço e local. (GIROUX e

MCLAREN, 1995, p. 142, grifos no original)

Na análise dos documentos curriculares, pretendeu-se observar como as formas

musicais hegemônicas são selecionadas como conhecimento musical oficial nos cursos

superiores de música – em especial no caso da Licenciatura, afetadas pelo fato de que estas

formas hegemônicas são frequentemente rejeitadas nas práticas de ensino musical das escolas

regulares além de serem pouco familiares a grande parte das crianças (cf. FERNANDES,

2000; SUBTIL, 2003).

O que se pretendeu aprofundar nesta pesquisa foi a compreensão de como se dá (e se

realmente ocorre) a manutenção do modelo conservatorial na estrutura das Instituições de

Page 37: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

36

Ensino Superior (IES) de Música. Este modelo seleciona como música legítima quase que

exclusivamente a música erudita e, este foco na música erudita pode ser compreendido como

a idéia de arbitrário cultural presente na obra de Bourdieu. Nogueira et al (2002) afirmam que

Bourdieu se aproxima aqui de uma concepção antropológica de cultura onde, de acordo com

essa concepção, nenhuma cultura poderia ser obviamente definida como superior a nenhuma

outra.

Assim, os valores que orientariam cada grupo em suas atitudes e comportamentos

seriam, por definição, arbitrários: não estariam fundamentados em nenhuma razão objetiva,

universal. Segundo Nogueira et al (2002), esses valores – ou seja, a cultura de cada grupo –

seriam vividos como os únicos possíveis ou, pelo menos, como os únicos legítimos. O mesmo

ocorreria no caso da escola para Bourdieu:

A cultura consagrada e transmitida pela escola não seria objetivamente

superior a nenhuma outra. O valor que lhe é concedido seria arbitrário, não

estaria fundamentado em nenhuma verdade objetiva, inquestionável. Apesar

de arbitrária, a cultura escolar seria socialmente reconhecida como a cultura

legítima, como a única universalmente válida. Na perspectiva de Bourdieu, a

conversão de um arbitrário cultural em cultura legítima só pode ser

compreendida quando se considera a relação entre os vários arbitrários em

disputa em uma determinada sociedade e as relações de força entre os grupos

ou classes sociais presentes nessa mesma sociedade. No caso das sociedades

de classes, a capacidade de legitimação de um arbitrário cultural

corresponderia à força da classe social que o sustenta. De um modo geral, os

valores arbitrários capazes de se impor como cultura legítima seriam aqueles

sustentados pela classe dominante. Para Bourdieu, portanto, a cultura

escolar, socialmente legitimada, seria, basicamente, a cultura imposta como

legítima pelas classes dominantes. (NOGUEIRA et al, 2002, p. 14)

De acordo com Nogueira et al (2002) Bourdieu observa, no entanto, que a autoridade

pedagógica, ou seja, a legitimidade da instituição escolar e da ação pedagógica que nela se

exerce, só pode ser garantida na medida em que o caráter arbitrário e socialmente imposto da

cultura escolar é dissimulado. Apesar de arbitrária e socialmente vinculada a uma classe, a

cultura escolar precisaria, para ser legitimada, ser apresentada como uma cultura neutra:

Em poucas palavras, a autoridade alcançada por uma ação pedagógica, ou

seja, a legitimidade conferida a essa ação e aos conteúdos que ela transmite

seriam proporcionais à sua capacidade de se apresentar como não arbitrária e

não vinculada a nenhuma classe social.

Uma vez reconhecida como legítima, ou seja, como portadora de um

discurso não arbitrário e socialmente neutro, a escola passa a poder exercer,

na perspectiva bourdieusiana, livre de qualquer suspeita, suas funções de

reprodução e legitimação das desigualdades sociais. Essas funções se

Page 38: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

37

realizariam, em primeiro lugar, paradoxalmente, por meio da eqüidade

formal estabelecida pela escola entre todos os alunos. Segundo Bourdieu

(1998, p. 53), para que sejam favorecidos os mais favorecidos e

desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola

ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e

técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades

culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Tratando

formalmente de modo igual, em direitos e deveres, quem é diferente, a

escola privilegiaria, dissimuladamente, quem, por sua bagagem familiar, já é

privilegiado. (NOGUEIRA et al, 2002, p. 15)

No ensino superior de Música esta cultura dominante seria representada pela música

erudita, ligada a uma cultura da elite. Essa escolha da música erudita seria legitimada como

cultura universal, dissimulando sua ligação com uma classe dominante através de um habitus

inculcado pelo modelo conservatorial.

Desta forma, por meio deste habitus introjetado pelo modelo conservatorial, a música

erudita seria justificada pelos professores como universal e legitimada no espaço escolar.

Ocorre que para Bourdieu (1992) a comunicação pedagógica exige que os receptores

dominem o código utilizado na produção desta comunicação para sua plena compreensão e

aproveitamento. Ou seja, o grau em que esta comunicação pedagógica é compreendida e

assimilada pelos alunos dependeria do grau em que os alunos dominam o código necessário à

decifração dessa comunicação. O que se observa hoje é que os alunos não dominam os

códigos necessários à decifração desta comunicação pedagógica instaurada no curso: a música

erudita não faz parte do cotidiano da grande maioria deles. Ainda assim os professores não

alteram os seus paradigmas, reforçando as relações de poder que influenciam o currículo do

curso, o que resulta em violência simbólica.

E este reconhecimento da superioridade da música erudita por parte dos alunos em

detrimento da música que eles estavam habituados a ouvir e a fazer é visível em suas falas e

em seus trabalhos escolares.

O currículo é determinado, desta forma, pelas relações de poder existentes no curso e

pela cultura escolar deste curso. Viñao Frago (2000) define a cultura escolar como um

conjunto de práticas, normas, idéias e procedimentos que se expressam em modos de fazer e

pensar o cotidiano da escola. Estes modos de fazer e pensar são amplamente compartilhados,

assumidos, não postos em questão e interiorizados:

Este termo, de significado ambíguo e polissêmico, compreende, em sua

perspectiva histórica, uma série de maneiras de fazer e de pensar, crenças e

práticas, atitudes e comportamentos sedimentados ao longo do tempo e

Page 39: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

38

partilhados no seio das instituições educativas, que são transmitidos aos

novos membros da comunidade escolar, especialmente a professores e

alunos, e que proporcionam estratégias para integrar-se com elas mesmas,

interagir e realizar, sobretudo na aula, as tarefas cotidianas que se espera de

cada um, assim como, ao mesmo tempo, fazer frente às exigências e

limitações que os implicam e envolvem13

. (FRAGO, 2000, p. 6, tradução

nossa)

Sugerimos, neste sentido, a existência de um habitus conservatorial, matriz das idéias

e dos procedimentos expressados pelo currículo e que determina e é determinado pela cultura

escolar do ensino superior de música.

Forquin (1993, p. 168), por sua vez, entende cultura como ―[...] um mundo

humanamente construído, mundo das instituições e dos signos no qual, desde a origem, se

banha o indivíduo humano, tão somente por ser humano, e que constitui como que sua

segunda matriz‖. O autor define, desta forma, a cultura escolar como ―[...] o conjunto dos

conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados, ―normalizados‖,

―rotinizados‖, sob o efeito dos imperativos de didatização, constituem habitualmente o objeto

de uma transmissão deliberada no contexto das escolas‖. (FORQUIN, 1993, p. 167, grifos no

original)

Depreende-se deste conceito que o habitus conservatorial possa ser decisivo na

seleção cultural efetuada no currículo do ensino superior de música, organizando,

normalizando e rotinizando as transmissões escolares da música.

Entendendo o currículo como uma seleção da/na/pela cultura, é significativo localizar

este currículo no centro de um cruzamento de culturas. A proposta de compreender o

cruzamento de culturas que se dá na escola (cf. PÉREZ-GOMEZ, 2001), leva-nos à premissa

de que ela e o sistema educativo em seu conjunto seriam entendidos como uma instância de

mediação cultural entre os significados, sentimentos e condutas da comunidade e o

desenvolvimento das novas gerações (PÉREZ-GOMEZ, 2001, p. 11).

Segundo o autor, os docentes e os estudantes, mesmo vivendo as contradições e os

desajustes evidentes das práticas escolares dominantes, acabam reproduzindo as rotinas que

geram a cultura da escola, com o objetivo de conseguir a aceitação institucional. O

______________ 13

―Este término, de significado ambiguo e polisémico, comprende, en su perspectiva histórica, un conjunto de

modos de hacer y pensar, de creencias y prácticas, de mentalidades y comportamientos sedimentados a lo largo

del tiempo y compartidos en el seno de las instituciones educativas, que se transmiten a los nuevos miembros

de la comunidad escolar, en especial a los profesores e alumnos, y que proporcionan estrategias para integrarse

en las mismas, interactuar y llevar a cabo, sobre todo en el aula, las tareas cotidianas que de cada uno se

esperan, así como, al mismo tiempo, para hacer frente a las exigencias y limitaciones que implican o

conllevan.‖

Page 40: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

39

cruzamento de culturas que ocorre nos espaços escolares é o responsável definitivo da

natureza, do sentido e da consciência do que os alunos e alunas aprendem em sua vida

escolar.

Esta perspectiva dialoga com o pensamento de Giroux e McLaren (1995, p. 148):

Ou seja, se quiserem efetivamente entender e contestar a ideologia

dominante que age nas escolas, terão de interrogar e apoiar criticamente as

vozes oriundas de três diferentes esferas e cenários ideológicos. São elas: a

voz da escola, a voz do aluno e a voz do professor. Cada uma dessas vozes

aponta para conjuntos de práticas que se influenciam mutuamente e

cooperam para produzir experiências pedagógicas específicas no âmbito de

diferentes configurações de poder. Os interesses frequentemente

representados por essas três vozes distintas têm de ser analisados menos

como em oposição (no sentido de operarem para contrariar-se e

desqualificar-se mutuamente) e mais como correspondendo a uma interação

de práticas dominantes e subordinadas que exercem influências recíprocas,

em uma contínua luta em torno do poder, do significado e da autoria.

Para a reflexão sobre as relações de poder existentes nos cursos de Música e suas

influências no projeto pedagógico e na cultura escolar do curso, propusemos como referencial

teórico as obras de Young (2007) e Bernstein (1990).

O modo como uma sociedade seleciona, classifica, distribui, transmite e

avalia os saberes destinados ao ensino reflete a distribuição do poder em seu

interior e a maneira pela qual aí se encontra assegurado o controle social dos

comportamentos individuais. (BERNSTEIN apud FORQUIN, 1993, p. 85).

Forquin (1993) ressalta que, de acordo com Bernstein, estudar os determinantes e

efeitos sociais dos modos de estruturação e de transmissão dos saberes escolares supõe

reconhecer o currículo, a pedagogia e a avaliação também como ―sistemas de mensagem‖ que

obedecem a princípios de produção e de regulação que podem variar segundo os contextos

institucionais e sociais e aos quais Bernstein dá o nome de ―código dos saberes escolares‖.

Desta forma, propusemos investigar estes sistemas de mensagem nas licenciaturas em

música e tentar identificar a forma de produção e de regulação presentes neste espaço. No

sentido de discutir o conhecimento escolar no currículo do curso de música, buscamos auxílio

na idéia das fronteiras de conhecimento propostos por Bernstein (1990), observando o papel

central destas fronteiras de conhecimento como uma condição para a sua aquisição e como

uma incorporação das relações de poder que estão envolvidas na pedagogia. Bernstein (1990)

apresenta, então, os conceitos de ―classificação‖ e ―enquadramento‖. O primeiro, relacionado

Page 41: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

40

ao grau de isolamento entre as categorias de discurso; e o último, referindo-se ao controle dos

professores e alunos na escolha e organização dos conhecimentos a transmitir.

A aplicação destes conceitos à seleção cultural feita através do currículo do curso de

música auxiliou na reflexão sobre este mesmo currículo, observando as fronteiras entre

conteúdos específicos de música e os conteúdos pedagógicos – fundamentais na formação do

professor de música. Neste sentido, as questões propostas por Young (2007) para uma

investigação do currículo tornaram-se pertinentes neste estudo: a verificação das diferenças

entre formas de conhecimento especializado e as relações entre elas; como esse conhecimento

especializado difere do conhecimento que as pessoas adquirem no seu cotidiano; como os

conhecimentos cotidiano e especializado se relacionam entre si e como este último é tratado

em termos pedagógicos (como ele é organizado ao longo do tempo, selecionado e

seqüenciado para diferentes grupos de alunos).

Estas questões nos auxiliaram na perspectiva de que a solução não está em retirar a

música erudita do currículo e focar na música que os alunos têm acesso em seu cotidiano, mas

sim na maneira em que a música como conhecimento escolar se relaciona com a música

cotidiana. Pois, caso contrário, não há nenhuma utilidade para os alunos na construção de um

currículo em torno do conhecimento musical que eles já possuem ou que eles podem muito

bem adquirir fora do espaço escolar.

As noções de ―conhecimento poderoso‖ e de ―conhecimento dos poderosos‖,

propostas por Michael Young (2007), também foram empregadas nesta reflexão sobre o

currículo da Licenciatura em Música. Assim, buscamos questionar se o conhecimento

proporcionado no decorrer deste curso é realmente um ―conhecimento poderoso‖ – conceito

que se refere ao que o conhecimento pode fazer, como, por exemplo, fornecer explicações

confiáveis ou novas formas de se pensar a respeito do mundo, auxiliando, portanto, na

consolidação de uma educação musical de qualidade nas escolas públicas; ou um

―conhecimento dos poderosos‖ – definido por quem detém o conhecimento (YOUNG, 2007,

p. 1294).

Buscou-se, portanto, na investigação dos processos de seleção e organização dos

conteúdos cognitivos e culturais do ensino, identificar os pressupostos ideológicos e os

interesses sociais dos grupos dominantes – aqui inclusos os professores dos cursos. Pretendeu-

se, com o estudo comparado dos projetos pedagógicos do ensino superior de música, observar

se ocorria a atuação determinante de um habitus conservatorial na seleção cultural efetuada

nestes currículos.

Page 42: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

41

Neste sentido, procurou-se identificar possíveis causas de dificuldades na

implementação da Música como conteúdo/disciplina obrigatória nas escolas regulares

brasileiras, identificando matrizes de percepções, práticas e seleções culturais impeditivas

para a democratização do ensino musical. Intentou-se, também, contribuir com a identificação

de possíveis contradições entre os perfis delineados pelos cursos de ensino superior em

música e os demandados pela realidade escolar. E, a partir desta identificação, iluminar

questões referentes à reflexão sobre o perfil desejável, neste momento histórico, de um

licenciado em Música.

Além disso, a compreensão do movimento histórico da Música no ensino superior

brasileiro se revelou útil na compreensão deste curso e de sua função no mundo

contemporâneo. Sabe-se que o currículo escrito não corresponde ao currículo que é praticado,

mas, ao refletir sobre o documento oficial escrito, buscou-se propiciar fundamentos tanto para

uma mudança de paradigmas quanto para uma transformação significativa em algumas

práticas obsoletas e ultrapassadas, contribuindo para a inserção da música não somente como

conteúdo obrigatório na escolarização básica, mas como área do conhecimento tão

fundamental para a vida cotidiana como a língua vernácula e a matemática.

Com a construção da noção de habitus conservatorial, pretendeu-se contribuir para a

reflexão não somente sobre as questões curriculares, mas também sobre o que

compreendemos como música e, por conseguinte, a formação da Licenciatura em Música. A

consciência de uma matriz que orienta nossas percepções e ações poderá ser útil no processo

de transformação tão necessário para a inserção da música no espaço escolar e na vida dos

que nele ingressam; além de nos auxiliar num processo de auto-conhecimento, de maneira

especial na descoberta do conservatório que possivelmente existe dentro de cada um de nós.

Para tanto, organizamos a exposição deste estudo em quatro capítulos, dos quais o

primeiro, ―Do Conservatório à Universidade: Música e Ensino Superior no Brasil‖ dedica-se à

análise do ensino superior de Música no Brasil, na perspectiva de compreendê-lo como

resultado de processos históricos, instituidores de práticas e concepções que são incorporadas

nos indivíduos com o passar do tempo. Num primeiro momento, aborda-se a formação do

músico que tem o Conservatório como modelo. Em seguida, a presença do professor de

música no campo escolar é investigada, ressaltando o papel de ferramenta atribuído à música

neste espaço. O processo histórico da inserção da música no âmbito do ensino superior no

Brasil é apresentado e, como exercício final, explicita-se a doxa e o nomos da Licenciatura em

Música, evidenciando sua natureza historicamente constituída.

Page 43: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

42

No segundo capítulo, ―Da universidade: os meandros da construção de programas

curriculares pós DCN 2004‖, debruçamo-nos sobre as Diretrizes Nacionais para os cursos de

graduação em Música e para a formação de professores da educação básica, contextualizando

a política curricular na década de 1990 que as origina. Um panorama da estruturação

curricular das Licenciaturas em Música no Brasil é apresentado, enriquecido com informações

sobre documentos curriculares de licenciaturas em Música no exterior.

A noção de habitus conservatorial é esboçada no terceiro capítulo, ―Documentos

curriculares e habitus conservatorial: duas construções em análise‖, onde são discutidas as

práticas conservatoriais, bem como sua hegemonia no ensino musical. A partir disso, estas

práticas são explicitadas na estruturação de um currículo conservatorial, permitindo a

construção do conceito de habitus conservatorial. Uma aproximação da teoria dos códigos de

Bernstein (1990) é esboçada como digressão final do exercício de construção da noção de

habitus conservatorial, com o intuito de se enfatizar a importância do código escrito e da

seleção por ele operada nos processos de educação musical.

O quarto capítulo, ―Traduções do habitus conservatorial em documentos curriculares:

conhecimento oficial, seleção e distribuição de conhecimento e profissionalização dos

conteúdos‖, traz a análise comparativa dos quatro projetos pedagógicos selecionados, na

perspectiva de um mapeamento das traduções do habitus conservatorial nos desenhos

curriculares, enfatizando as práticas históricas incorporadas e objetivadas no processo de

construção curricular. Verifica-se a centralidade ocupada pela música erudita na construção

curricular, entendida como o conhecimento legítimo a partir do qual todo o currículo é

estruturado. Consequentemente, destaca-se a predominância de conhecimentos próprios da

formação do músico, que reforça a presença de matrizes conservatoriais orientando a

estruturação curricular das Licenciaturas em Música no Brasil.

Nas notas finais, problematizamos o conceito de habitus conservatorial a partir de uma

reflexão sobre a luta por legitimidade, enfatizando as implicações curriculares da concepção

da música como um fenômeno social, o que entendemos possibilitar a abertura de futuras

perspectivas de pesquisas.

Page 44: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

1 DO CONSERVATÓRIO À UNIVERSIDADE: MÚSICA E ENSINO SUPERIOR NO

BRASIL

Neste capítulo analisamos a constituição dos cursos de música como resultados de

processos históricos, cumulativos e incorporados pelos sujeitos neles inseridos, até a situação

atual dos cursos de Licenciatura em Música do Brasil, ancorados no conceito de campo.

É importante considerar que o campo é caracterizado tanto pelas relações de força

resultantes das lutas internas e pelas estratégias em uso, quanto pelas pressões externas a ele.

Os campos se inter-relacionam, e possuem uma autonomia relativa, pois cada um deles

estabelece as suas próprias regras, embora sofra influências e até mesmo seja condicionado

por outros campos, influências estas sempre mediadas pela estrutura particular do próprio

campo.

É assim que escolhemos observar a Licenciatura em Música como um resultado das

interrelações entre os campos artístico, educativo, econômico e social. Desta forma, é

imprescindível compreender a formação dos professores de música em nível superior como

um microcosmo de relações objetivas, com uma lógica que é própria, mas que é resultado das

refrações das lógicas destes outros campos mais abrangentes. A partir desta escolha é que

pretendemos discutir o movimento histórico das Licenciaturas em Música, no Brasil, a partir

de considerações que auxiliem a encontrar a formação de habitus, doxas, nomos e estruturas

que promovam uma compreensão aprofundada do campo em estudo.

1.1 A FORMAÇÃO DO MÚSICO – O CONSERVATÓRIO COMO UM MODELO DE

FORMAÇÃO

Trabalhamos com a ideia de que a história está presente em cada ato do jogo, de que

os campos são produtos da história que foi se inscrevendo nos corpos dos agentes no passar

do tempo. Assim, a afirmação de Denardi (2006, p. 108) de que ―[...] grande parte dos

problemas vividos pelos cursos de Licenciatura remontam às suas origens e persistem não

resolvidos‖ oferece uma direção para as nossas análises.

Não pretendemos buscar ―origens‖ neste trabalho, seguindo o conselho de Bourdieu

(2010, p. 79), na tentativa de evitar o risco de um regressio ad infinitum. Entretanto, auxilia-

nos a compreensão estabelecer alguns marcos na constituição histórica dos cursos superiores

de formação de professor de música no Brasil.

Page 45: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

44

A criação do Conservatório Imperial de Música, no Rio de Janeiro do século XIX, é,

sem dúvida, um importante marco na história da música e dos músicos brasileiros. Esta

importância não reside no fato de o conservatório ter instituído práticas que perdurariam até

hoje, mas, antes, por institucionalizar e legitimar práticas de ensino de música que vinham

sendo praticadas no Brasil desde os primeiros anos de sua colonização.

O ensino de música no Brasil esteve ligado, desde seu início, com as práticas

religiosas. Os jesuítas se ocuparam do ensino musical com vistas à evangelização dos índios e

negros e, com o passar do tempo, a música também foi se tornando símbolo da ostentação do

poder das grandes catedrais.

Castagna (2004c, p. 4) mostra que este ensino era dividido em duas modalidades: um

ensino de caráter mais teórico, ―especulativo‖, praticado nas grandes catedrais; e outro de

caráter mais prático, dominante, que visava o exercício prático do ofício musical nas

celebrações e festas religiosas. Desta forma, não só o ensino musical estava ligado à religião,

mas, também, à prática profissional do músico.

O ensino ―prático‖ funcionava aos moldes das corporações de ofício, onde um mestre

(exímio conhecedor de sua arte) cuidava da formação de seus aprendizes, como descreve

Castagna:

Os aprendizes eram os principiantes, que ainda não estavam aptos à atuação

profissional independente, mas que já podiam exercer algumas atividades,

sob a ordem e supervisão de seu mestre. Os oficiais eram já profissionais,

conhecedores e praticantes de seu ofício, mas que atuavam em grupos

liderados por um mestre, o máximo conhecedor de sua arte, também capaz

de ensinar seus aprendizes e dirigir um grupo de artistas que atuavam juntos.

O mestre recebia todo o montante pago por determinado serviço do grupo,

repassando aos seus membros - oficiais e aprendizes - a parte que lhes cabia,

a seu critério. (CASTAGNA, 2004h, p. 12, grifos no original)

Os signatários do requerimento de criação do Conservatório14

tinham todos, fortes

ligações com a Capela Imperial15

, que servia como uma grande corporação de ofício, uma

______________ 14

Sete músicos desta época formaram um grupo que dirigiu ao Imperador um pedido de criação do conservatório

de música na capital. São eles: Fortunato Mazziotti (português, compositor e cantor de prestígio da Capela

Imperial), Francisco Manoel da Silva (membro da Irmandade de Santa Cecília, autor do compêndio de Música

para alunos do colégio Pedro II publicado em 1838, mestre da capela Imperial e tido por muitos autores como

a figura mais importante no processo de criação do Conservatório), José Joaquim dos Reis (baiano, violinista

da Capela Imperial e professor de piano e canto), João Bartholomeo Klier (imigrante alemão, dono de uma loja

de instrumentos e de ―papel de música‖, fornecedor de música e instrumentos da Casa Imperial), o padre

Manoel Alves Carneiro (discípulo do padre José Maurício Nunes Garcia, violista da Capela Imperial),

Francisco da Motta (também discípulo do padre José Maurício, instrumentista da Capela Imperial, professor de

Page 46: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

45

escola preparatória para o ofício musical: o aprendiz se formava durante a atuação já

profissional, nas cerimônias religiosas.

Foram condições sociais e históricas que possibilitaram a criação do Conservatório.

Segundo Silva, J. (2007, p. 23), a consolidação dos Estados Nacionais pela Europa no final do

século XVIII e ao longo do XIX, exigiu redefinições das diversas funções que estavam

pulverizadas entre Igreja, nobreza e monarquia. Foi principalmente a revolução francesa –

marco da luta antiabsolutista e pelo avanço do ideário liberal – que propiciou o surgimento

das idéias primordiais que estavam subjacentes às novas concepções do Estado Moderno em

que se previa a institucionalização burocrática de diversas áreas sociais, antes delegadas à

regulamentação leiga ou religiosa.

Além disso, a prática musical do Rio de Janeiro se alterou profundamente com a

transferência da capital administrativa do Reino para o Rio de Janeiro em 1808, resultado da

vinda da corte lusitana para o Brasil devido ao temor da invasão francesa em Portugal. No

período em que D. João esteve no Rio (1808-1821), ocorreu um extraordinário aumento na

demanda de música, em função do número de portugueses que chegaram ao Brasil,

interessados em manter o mesmo nível de prática musical a que estavam acostumados em

Lisboa.

Ocorreu, desta forma, uma ampliação das perspectivas profissionais, que atraiu para o

Rio de Janeiro músicos de várias regiões do Brasil, mas também de Portugal e de outros

países da Europa. Castagna (2004g, p. 7) afirma que se passou a exigir dos compositores e

intérpretes a criação de obras religiosas mais virtuosísticas e o trabalho com gêneros profanos

ainda pouco praticados no Brasil, como a ópera e a música instrumental. Assim, o Rio assistia

à chegada de um estilo cortesão de consumo, com o qual ainda não estava habituado, mas que

a ele teria rapidamente de se adaptar.

Este panorama levou ao requerimento da criação do Conservatório, que traria

benefícios não só para a classe profissional, mas seria interessante, também, às intenções do

Estado Moderno – o que, em última instância, representava uma parceria, uma sociedade que

para ambos os lados seria interessante. O Conservatório, além de atender às necessidades de

uma instância formadora de músicos profissionais, imprimiria ao povo brasileiro um verniz de

civilidade, através da formação musical diletante das elites.

__________________________________________________________________________________ fagote, flauta e corne-inglês, membro da Sociedade Musical Beneficente desde 1834) e, por último, Firmino

Rodrigues da Silva (cantor da Capela Imperial e provedor da Irmandade de Santa Cecília). 15

Originalmente Capela Real, fundada em 1808 com a chegada do Príncipe Regente D. João no Brasil.

Page 47: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

46

Institucionalizava-se a formação de músicos voltada para a prática instrumental e

legitimava-se, ao mesmo tempo, a música erudita européia como o conhecimento oficial, que

conferia distinção social para seus praticantes. Nada mais natural, uma vez que a Europa era o

modelo de civilização e cultura da época.

Tratava-se, portanto, para o Estado, de uma questão de defesa da ordem pública para

conseguir o ideal da civilização, do progresso e da ordem social de forma pacífica. Segundo

Silva:

A criação do Conservatório de Música como uma instituição oficial, pode

ser considerada dessa forma: Como um dos elementos que buscavam criar

alternativas para a manutenção de uma ordem social que se tornava mais

complexa e múltipla, agindo como um elemento unificador da cultura

civilizadora, mas também uma alternativa – moderna e distinta – para a

ampliação e restituição da intensa atividade musical na cidade do Rio de

Janeiro que passava por um momento de atrofia dos principais organismos

musicais da corte. (SILVA, 2007, p. 31)

Desta forma, o governo sancionou o Decreto n. 496, de 21 de janeiro de 1847, criando

o Conservatório e estabelecendo as bases para o seu funcionamento imediato. O artigo 1º

define os objetivos principais que o Conservatório deveria alcançar: ―instruir na Arte da

Música as pessoas de ambos os sexos‖ e, também, ―formar artistas que possam satisfazer às

exigências do Culto e do Teatro‖ (BRASIL, 1847 apud SIQUEIRA, 1972, p. 16).

Silva, J. (2007, p. 66) entende que a matriz do conceito de Conservatório era

[...] a de fornecer acesso à música a quem a ela quisesse se dedicar, por isso

a instrução na arte da música para pessoas de ambos os sexos parece estar

destinada aos amadores ou mesmo os diletantes, que não tinham pretensões

profissionais nessa arte e acolhia principalmente mulheres, que utilizavam o

conhecimento musical em saraus e festas privadas. O segundo grupo

propunha claramente a formação de profissionais atendendo a um mercado

interno que crescia e no qual existia um déficit de profissionais da música

que vinha ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro desde pelo menos a década

de 1830, com suas atividades voltadas principalmente para suprir as

necessidades da Capela Imperial e dos teatros da cidade. (SILVA, 2007, p.

66)

O artigo 2º do Decreto n. 496 trata das aulas que constarão na estrutura do

Conservatório:

Art. 2º - Constará o Conservatório das seguintes aulas:

Page 48: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

47

1º - Rudimentos preparatórios e solfejos;

2º - Canto para o sexo masculino;

3º - Rudimentos de canto para o sexo feminino;

4º - Instrumentos de cordas;

5º - Instrumentos de sopro

6º - Harmonia e Composição. (BRASIL, 1847 apud SIQUEIRA, 1972, p.

16)

A elaboração da estrutura curricular estava de acordo com a função e objetivo que o

Conservatório deveria exercer: fez-se uma escolha por separar a teoria da prática no

instrumento, o que mostra que existe uma nova orientação na educação da música –

contrastando com o antigo modelo do mestre de ofício. Silva, J. (2007) comenta que foi

estabelecida uma cadeira para o ensino específico de teoria musical, ao contrário da prática

antiga onde o ensino era conjunto ou de caráter mais prático que especulativo.

Apesar desta separação entre teoria e prática instrumental, quando observamos as

disciplinas escolhidas para compor as bases do ensino de música do Conservatório pode-se

notar que o ensino estava circunscrito apenas ao treinamento técnico, fundamentado apenas na

técnica musical em si, declinando de disciplinas de caráter mais humanista. Silva, J. (2007, p.

71) acredita que essa característica pode ser considerada ainda a continuação de uma tradição

em que se baseava a transmissão do conhecimento musical, voltado mais para a prática do que

para a especulação. Neste sentido, não se pensaria criticamente sobre música, a teoria seria

um pré-requisito para o início da prática.

Contudo, a disciplina de Harmonia e Composição nos remete a uma teorização sobre

música, uma forma de pensá-la. Este fato leva Binder e Castagna (1996) a afirmar que o

conservatório reuniu o estudo da música especulativa e da música prática. Apesar disto, o

ensino da música prática permanecia dominante.

Outro aspecto que evidencia a continuação da antiga tradição é o perfil do professor

que foi pensado nos primeiros anos do conservatório. Silva, J. (2007) observa uma

continuidade de elementos da prática musical antiga, que ainda permaneciam tanto em

Portugal como no Brasil. A escolha de um professor para ensinar vários instrumentos

demonstra que ainda não havia sido adotada a idéia de especialização por instrumento, de

maneira similar ao que acontecia nos antigos ofícios musicais. Esta mesma autora afirma,

―[...] a simples idéia de que um professor possa ensinar vários instrumentos, já na metade do

século XIX, indica que a esperada ruptura das antigas formas associativas e pedagógicas teve

que conviver com permanências‖ (p. 73).

Page 49: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

48

A autora leva em consideração o fato de que esta questão se devia a uma contingência

da época, à falta de profissionais e/ou à falta de recursos financeiros. Entretanto, tal fato não

elimina a evidência de que ainda prevalecia e, mais ainda, que não havia problema, que uma

pessoa soubesse vários instrumentos.

Mas a figura do especialista vai se forjando ao longo do século XIX, conduzindo a

uma hierarquização no mundo musical até que, no fim deste século e início do século XX,

com algumas exceções, ―[...] o compositor apenas compõe, o regente rege, e o intérprete deve

ser um virtuose de seu instrumento e dificilmente irá dominar qualquer outro instrumento‖

(SILVA, 2007, p. 74). Ainda assim observa-se neste professor especialista um quer que seja

dos antigos mestres de ofício: são profissionais com exímio conhecimento em sua arte.

Esta concepção de professor e de músico foi incorporada com o tempo e permanece

até hoje nos cursos superiores de formação de professores de música do Brasil – como

também de outros países do mundo – como mostram vários estudos.

Bújez (2007), ao estudar os Conservatórios Superiores de Granada, na Espanha,

conclui que estes parecem seguir defendendo o modelo de ―artista‖ e de ―música culta‖ que

deu origem a estes centros educativos: uma música comprometida com a espiritualidade, com

o esforço para transcender o material, a criação da obra de arte pela obra de arte – sem uma

função social. Esta tendência, para Bújez (2007, p. 246), perdura em meio às mudanças

contemporâneas.

Para o autor, a chave da questão que envolve o ensino nos conservatórios superiores

espanhóis (e que podemos estender para os cursos superiores de música no Brasil) está no

modelo de artista e de música que se está reproduzindo nestes espaços e até que ponto este

modelo se adéqua às necessidades sociais tanto no campo artístico quanto no educacional.

Cereser (2003, p. 95), no estudo sobre licenciandos no Brasil, aponta que a expectativa

de grande parte dos estudantes por ela investigados é a formação musical. A autora mostra

que esta expectativa é referendada pelos currículos das licenciaturas, que reforçam a idéia da

formação de músicos e não de professores – à semelhança dos conservatórios. Assim, alguns

dos entrevistados relataram que a universidade não os prepara para a ―realidade lá de fora‖,

evidenciando a descontextualização do ensino praticado na universidade com relação às

necessidades demandadas pela sociedade contemporânea.

A Europa sempre se constituiu como um modelo a ser seguido pelos brasileiros. Com

a proclamação da República no Brasil em 1889, ocorreram várias mudanças na sociedade

carioca. A vida musical desta sociedade também passaria por significativas alterações, entre

Page 50: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

49

elas, a extinção do Conservatório e a criação do Instituto Nacional de Música pelo Decreto n.

143 de 12 de janeiro de 1890.

Para a realização das mudanças e inovações no novo Instituto, o seu diretor, Leopoldo

Miguez, foi incumbido pelo governo brasileiro, em 1895, de ir à Europa e de estudar a

organização dos seus principais estabelecimentos de ensino musical. Muitas das reformas

empreendidas por Miguez foram reflexos deste seu estudo dos conservatórios na Europa.

Segundo Jardim (2008, p. 44) as reformulações e ações propostas por Miguez

causaram grande impacto e instauraram uma polêmica em torno daquilo que se considerava

tradição e modernidade, dividida em campos que se expressaram na defesa da música cantada

em italiano versus cantada em língua nacional; o ensino pelos postulados italianos versus

técnicas francesas; a valorização da música culta versus valorização da música popular e de

raízes folclóricas; e, em última análise, a música italiana versus a de Wagner e Debussy.

Alguns pontos, entretanto, merecem ser ressaltados. Como nos mostra Morila (2004),

a música erudita continuava sendo modelo de civilidade e esta ―valorização da música popular

e de raízes folclóricas‖ dava-se por uma releitura, erudita, das mesmas:

[...] tratava-se de definir o papel da música nesta nova sociedade. Discutiu-se

sua definição. As definições ―românticas‖ foram sendo substituídas por

definições científicas, positivas. A ―boa música‖, i.e., a música erudita

tornou-se índice de civilização, de progresso. Nação moderna é aquela que

cultiva a indústria, a agricultura, mas também as artes. Garantia-se assim um

espaço para a música erudita, ao mesmo tempo em que criava uma cisão

entre música popular e erudita. Se a música erudita era a ―boa música‖, a

popular – em oposição – era a música ruim. Mais um ponto de discordância.

Fazer tábula rasa da música popular partindo para um ecletismo não

nacionalista? Utilizar a música popular como tema para a música erudita? O

caminho vencedor conhecemos. O modernismo irá encampar a idéia de

utilizar a canção popular como tema, a exemplo do que ocorria em outros

países. Mas note-se bem, o músico erudito não mais comporá canções

populares. A canção popular tornar-se-á fonte de inspiração para a música

erudita. A divisão entre elas acentua-se. (MORILA, 2004, p. 239 – 240,

grifos no original)

A erudição européia, com ares de brasilidade, ainda era o símbolo de civilização.

Morila mesmo ressalta que, nesta época, ―da edição de partituras ao executante, passando pelo

compositor e a escola de música, não restava dúvida, a Europa era um modelo‖ (MORILA,

2004, p. 106).

E ainda o é hoje, como afirma Arroyo (2000, p. 245 - 246) em sua análise sobre um

conservatório de música mineiro. Para ela, o fazer musical praticado no Conservatório de

Page 51: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

50

Música guarda vínculos estreitos com a cultura musical erudita européia, tanto pela origem

dessa modalidade de instituição de ensino no século XVIII na Europa, quanto pela

representação de superioridade daquela cultura musical sobre outras de acordo com o

eurocentrismo.

Em suas análises sobre as reformas empreendidas por Miguez e pelos diretores que o

sucederam, Jardim (2008) observa que os programas do curso de Solfejo e Teoria Musical

para as séries iniciais quase não sofreram modificações; no entanto nos programas de curso de

canto e instrumentos verificaram-se alterações interessantes. Dentre elas, a autora ressalta no

curso de canto a utilização de Métodos, Exercícios e Vocalizes de Panseron16

– também

adotados no Conservatório de Paris, e a inserção de obras francesas e brasileiras entre as

italianas; nos cursos de instrumentos – em especial no de piano – verificou-se a prescrição de

peças de Leopoldo Miguez, Barroso Neto, Francisco Braga, Alberto Nepomuceno, Henrique

Oswald, cujas obras introduziam elementos de renovação da linguagem musical.

Além do plano de ações do Instituto, as ações reformistas envolviam também

apresentações, encontros musicais, concertos e leituras de obras inéditas no Brasil, palestras e

apresentações de músicos de renome internacional, tradução de artigos, discussões e contatos

com artistas no exterior para que as novas idéias estéticas fossem difundidas, principalmente

entre os jovens alunos de composição.

Todavia, as reformas empreendidas implicavam em modificações significativas que

contemplavam um novo direcionamento da expressão musical, mas observa-se a mesma

rigidez dos programas de ensino.

A concepção da formação do músico não se alterou e Jardim (2008, p. 47) enfatiza a

ausência de discussões relacionadas à metodologia de ensino, às questões de ordem didática e

ao caráter pedagógico que envolve esta formação. A estrutura da formação do músico

permanece a mesma, iniciada e fundada pela teoria e solfejo, valorizados nas habilidades de

leitura, no estabelecimento de um programa de exercícios técnicos, de peças e formas

musicais, em quantidades determinadas de acordo com as séries, a serem cumpridos pelos

alunos e apresentados durante a realização dos exames, mediante o comprimento de um

programa extenso e de alto grau de exigência, a manutenção da tendência ao virtuosismo em

sua proposta de formação musical.

Outro exemplo que endossa a busca por um modelo europeu de ensino de música é o

Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, inaugurado em 1906. Jardim (2008, p. 51)

______________ 16

Exercícios de técnica vocal compostos pelo francês Auguste Mathieu Panseron (1796 – 1859).

Page 52: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

51

comenta que o Conservatório de Paris foi a grande inspiração para a criação do conservatório

paulista, cuja finalidade – de maneira similar à instituição francesa – seria a de ―dedicar-se ao

ensino da música, do teatro e, consequentemente da síntese das artes: a ópera; visando a um

só tempo ao professorado especializado, ao virtuosismo e, com igual importância, à arte

dramática‖ (JARDIM, 2008, p. 52).

No que diz respeito a esta formação do ―professorado especializado‖, Jardim (2008, p.

53) mostra que, às disciplinas do curso chamado de ―Normal‖ de Música – Português,

Línguas estrangeiras (francês, italiano, inglês), Aritmética, Geografia e Literatura (disciplinas

de formação geral); Rudimentos, Solfejo, Análise Musical, Harmonia, História da Música

(disciplinas mais teóricas) e Aulas de instrumento/canto – é acrescida a disciplina chamada

Pedagogia no curso de ―Magistério de Instrumento‖.

Contudo, Jardim (2008, p. 55) ao analisar as matrículas desta época no Conservatório,

constata uma baixa demanda no curso de Magistério de Instrumento, com uma ínfima

quantidade de formandos no período. Para a autora, este fato revela a vocação do

Conservatório para a formação de solistas e para o virtuosismo.

O Conservatório Mineiro de Música, criado em 1925, também oferecia uma disciplina

de pedagogia na formação de professores, como se pode observar em um trecho do livro

―Minas Gerais em 1925‖ de Victor Silveira, transcrito por Reis (1993, p. 20) em seu estudo

histórico sobre a escola de música da UFMG:

No Conservatório Mineiro exigia-se para a matrícula no 1º ano que os

candidatos tivessem preparo correspondente ao 3º ano do curso primário,

mas para tirarem o diploma de professor, eram ainda obrigados a prestar

exames de português, francês, aritmética, história da música, pedagogia e

literatura; de sorte que, ao concluírem os estudos respectivos, teriam os

alunos um cabedal e conhecimentos propedêuticos indispensáveis ao

verdadeiro profissional. (SILVEIRA apud REIS, 1993, p. 20)

A concepção de professor de música mantém o caráter de formação específica e

profunda no instrumento/canto, mas agora acrescida de uma disciplina pedagógica – o que

revela o início de uma preocupação com a formação didática do professor.

Jardim (2008, p. 56) relata uma importante função que o Conservatório de São Paulo

exerceu na sociedade, que é bastante significativa para a história destas instituições. Apesar da

escolha das instituições de ensino musical pela formação técnica e especializada, mais voltada

à atividade artística, estes propósitos não eram atingidos. A maior parte dos alunos (cerca de

90% no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo) era composta por mulheres em

Page 53: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

52

busca do status de uma educação refinada. Segundo a autora, cursos noturnos foram criados

para incentivar a demanda de homens interessados na atividade profissional. Entretanto, a

atividade musical, nessa época, ―[...] incorporava outras significações sociais que

relacionavam uma prática musical diletante a uma elevação do status; era socialmente aceita

quando realizada em ambientes familiares e desqualificada como exercício profissional‖

(JARDIM, 2008, p. 56).

Há, portanto, uma inversão do público formado pela instituição: no início

predominava a formação de profissionais e, agora, a formação musical diletante torna-se

símbolo de status e distinção social. Por outro lado, Jardim (2008, p. 58) considera que se as

instituições de ensino musical (conservatórios/Instituto Nacional de Música) não proveram

quadros especializados para a prática artística, tornaram-se responsáveis por gerar – ainda que

lentamente – um movimento cultural de aceitação de apresentações musicais públicas.

Desta forma, provocaram mudanças de significados sociais, valorizando a prática

artística profissional. A autora lembra ainda que, devido à intensa procura feminina, as

instituições criaram também espaços e oportunidades profissionais para as mulheres. Além de

promover ações voltadas para a formação de platéia, que era exposta a um repertório que,

dependendo da instituição musical, poderia estar cristalizando uma visão estética dominante e

já instituída socialmente ou provocando renovações conceituais.

Observa-se, portanto, a atuação das instituições de ensino musical como formadoras

de gosto, um gosto ligado à elite dominante e que conferia status a quem o cultivava. No caso

do Conservatório de São Paulo, cristalizava-se a estética dominante da música erudita

européia e, no Instituto Nacional de Música, acrescia-se a esta estética, as tendências

modernistas brasileiras – também eruditas.

Nota-se que as reformas – ainda que com intenções nacionalistas – eram inspiradas em

um modelo de civilização européia, a concepção da formação do músico permanecia

inalterada e irrefletida, e acrescentaram-se disciplinas pedagógicas à formação do músico a

fim de garantir a ele o direito do exercício profissional do magistério. São estas concepções

que o Conservatório/Instituto leva para dentro da Universidade quando, em 1931, a instituição

foi incorporada à Universidade do Rio de Janeiro. Estas características também poderão ser

observadas como permanências nos currículos estudados no capítulo que se segue, o que

fortalece a concepção da formação da doxa e do nomos no subcampo.

Page 54: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

53

1.2 O PROFESSOR DE MÚSICA INSERIDO NO CAMPO ESCOLAR – A MÚSICA

COMO FERRAMENTA

Até aqui, tratamos da formação institucionalizada pelo conservatório do músico –

profissional ou diletante; cujo aperfeiçoamento em sua arte aliado às disciplinas pedagógicas

conferia-lhe o título de professor. Não obstante, Jardim (2008) separa a trajetória do professor

de música junto ao campo escolar. Embora simultânea e inseparável da outra, didaticamente

faz-se necessário observá-las em separado, destacando suas particularidades.

Como mostrado anteriormente, Jardim (2008) propõe uma nomenclatura que

diferencia dois perfis de profissional:

- o músico professor: com formação ligada mais diretamente ao ensino nos

conservatórios, de caráter especializado, notadamente técnico, estético, artístico e

profissional, e com forte apelo à performance;

- o professor de música: profissionais que eram preparados para ensinar música no

espaço escolar.

Nos fins do século XIX e início do século XX, o Brasil republicano necessitava formar

um novo homem, um novo cidadão, com novos costumes, hábitos e valores representantes

dos ideais dominantes da época. Nas constituições republicanas como todos eram

considerados iguais perante a lei, incluindo negros e ex-escravos, era necessário criar

instrumentos para enfrentar ―o problema‖ – as diferenças e os diferentes. A crença na

formação da cultura e da identidade nacional como solução do ―problema‖ era hegemônica

entre as autoridades políticas e as elites intelectuais (PIRES, 2003, p. 12).

A difusão da educação estética é, pois, empregada como uma das estratégias políticas

de civilizar as classes inferiores, uma ferramenta aliada à concepção de educação entendida

como um instrumento capaz de regenerar, moralizar, disciplinar e unificar as diferenças.

Como diz Pires (2003, p. 13), educar para a civilidade envolvia a educação da razão, da

sensibilidade, do gosto estético.

A concepção do ensino de música estava, inicialmente, vinculada à formação artística,

e a presença do músico professor se fazia necessária. Contudo, a reorganização da estrutura

escolar e as novas finalidades atribuídas à escola obrigaram a adaptações no procedimento de

ensino musical. Essas alterações não se operaram imediatamente na atuação do professor e

Page 55: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

54

nas suas práticas de ensino, mas impuseram novos conteúdos e técnicas para o ensino da

música nas escolas.

Segundo Jardim (2008, p. 89), pode-se depreender pelas atividades propostas nos

colégios paulistas deste período que a presença da música estaria mais ajustada à necessidade

do desempenho social do que como componente curricular, mas, ainda assim, apresentava um

caráter formativo. Para a autora, a valorização da música estaria vinculada às exigências e

expectativas dos padrões do comportamento social e a música era o meio de demonstrar e

exteriorizar o desenvolvimento de determinadas habilidades e o refinamento das aptidões que

era possível atingir por meio da educação.

Ao analisar os programas dos recitais que eram publicados nos jornais da época, esta

mesma autora deduz as opções de conteúdo e a abordagem do ensino da música: um

repertório que incluía compositores de música erudita européia, apresentando trechos de

ópera, sonatas, peças para canto, para piano solo e a quatro mãos, além de pequenos conjuntos

de câmara. Para tanto, era ministrada uma instrução especializada, mas por mais que os

programas se aproximassem de um repertório de qualidade reconhecida, era provável que não

objetivassem a prática artística, mas que tivessem um caráter escolar e educacional.

A concepção predominante do ensino de música, neste período, visava à preparação do

músico instrumentista como expectativa de formação integral e como requisito de adequação

social. As escolas e colégios de formação geral, funcionando como lócus para o ensino,

basicamente de canto e piano, supriam a falta de escolas especializadas para tal. Como esse

tipo de ensino não era oferecido gratuitamente, tornou-se elitista, símbolo de distinção social e

marca de ascensão cultural.

Com o aumento da importância social da escola e o consequente aumento do número

de escolas e de alunos, houve a necessidade de se adaptar o ensino a esta nova realidade,

alterando a concepção de atendimento individual como acontecia no caso da instrução

musical. Neste sentido, o aprendizado instrumental de ensino individual foi dando lugar a

outras práticas musicais, principalmente relacionadas com o canto em conjunto. Desta forma,

o ensino dos instrumentos musicais foi se encaminhando para os professores particulares,

forçando o aparecimento, mesmo que lento e tímido, de estabelecimentos de instrução

especializada.

A música no espaço escolar incorporou outros atributos distintos daqueles destinados

ao fazer artístico:

Page 56: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

55

Não se aprendia música na escola em função da Arte ou de seus propósitos,

sequer para desenvolver dons artísticos, mas para privilegiar o

desenvolvimento da sensibilidade, para interiorizar os princípios éticos e

morais, religiosos ou cívicos, instigar a imaginação, cultivar a socialização e

ainda promover um ambiente agradável e ameno, favorável ao espírito e ao

aprendizado. (JARDIM, 2008, p. 93 – 94)

O ensino de música destinava-se a todos e não apenas aos mais talentosos e de

habilidade excepcional, visto que objetivava sua prática e não o resultado. Segundo Jardim

(2008), ensino de música no âmbito escolar tomou forma na Reforma de 1890, em São Paulo,

criando uma versão brasileira – paulista – de um projeto de educação musical, apropriando-se

de diversas propostas e modelos.

A música foi instituída como matéria escolar e incluída pela primeira vez no currículo

da Escola Normal de São Paulo pela Reforma da Instrução Pública de 1890. A prática musical

alinhava-se ao desenvolvimento de uma nova sensibilidade requerida pela educação para os

tempos da República: ―[...] por permitir a sensibilização, ‗tocados‘ pela música os sentidos do

aluno seriam conduzidos ao desenvolvimento intelectual, proporcionado pela racionalização e

compreensão do código específico de leitura e de escrita (notação musical)‖ (JARDIM, 2008,

p. 95, grifos no original). A prática musical possibilitava a sensibilização, o exercício do

raciocínio e a experiência do corpo em conexão com o espírito, integrando, desta maneira, o

desenvolvimento espiritual, o físico (por meio do aprimoramento e domínio gradativo do

aparelho fonador, auditivo e respiratório) e intelectual.

A música ia perdendo seu caráter de conhecimento especializado e ia adquirindo a

função de ferramenta para a aquisição de outros conteúdos. O professor especialista perde,

portanto seu lugar para uma nova figura: um professor generalista.

Pires (2003) registra a existência de uma prática não-formal veiculada nas escolas por

tradição oral, que denomina de ―musiquinhas de comando‖. Embora se evidencie neste

repertório musical a simplicidade da estruturação interna, as canções continham forte teor

ideológico com o objetivo de disciplinar, adestrar, e submeter os alunos a uma relação de

autoritarismo:

Diante dessa concepção de música, o perfil desejado do professor era de um

mestre que tivesse gosto artístico, sentimento, e, sobretudo, a inteligência do

canto, para que através de uma boa coleção de canções, pudesse ―incutir‖

nos alunos o amor pela música, educando-lhes os ouvidos e os sentidos,

produzindo dessa maneira o sujeito moderno – autônomo, sensibilizado e

dócil. (PIRES, 2003, p. 13, grifos no original)

Page 57: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

56

A música não era propriamente uma matéria de ensino, mas uma estratégia para fixar

noções de socialização, de higiene, dos tempos escolares, da fixação de conteúdos e, além dos

períodos a ela destinados, acompanhava praticamente todas as atividades.

Jardim (2008, p. 108) reforça ainda que, mais importante do que o conteúdo musical,

eram os conteúdos expressos nas letras das músicas, ―[...] que procuravam indicar e inculcar

hábitos e comportamentos determinados, reforçar conceitos e definições pela repetição dos

cantos (...) e garantir a ordem e a disciplina‖. Neste sentido, a autora especifica uma educação

pela música, diferindo-a de outra que seria para a música. Assim, a Música era utilizada

como um recurso para atingir outros objetivos educacionais que não o aprendizado da música

em foco; embora inserissem o aluno num movimento de aproximação e de experiências com a

música.

As práticas escolares musicais ficaram a cargo das normalistas por cerca de quarenta

anos, a partir da determinação do decreto n. 27 de 12 de março de 1890, que estabelecia as

Escolas Normais (primárias e secundárias) como locais de formação do profissional que tinha

a incumbência de ministrar as aulas de música no Jardim da Infância, nas escolas

preliminares, escolas-modelo, grupos escolares, escolas distritais, escolas reunidas17

, rurais e

isoladas.

A partir da década de 1920, com o movimento escolanovista, a educação brasileira

entra em momentos de grande discussão. O período é marcado por intensa contestação social,

no qual idéias e práticas educacionais são atacadas. Pires (2003, p. 14) afirma que o

movimento da escola nova introduz na sociedade, através dos discursos e das práticas, uma

nova mentalidade educacional – a da racionalidade. Nesta esteira, ―de mãos dadas com a

ciência positivista‖, os agentes escolanovistas produzem novas formas de controle a partir da

homogeneização cultural – a unidade nacional representando a diferença e os diferentes.

É neste momento que a educação cívica aliada à educação artística tornam-se

instrumentos de promoção da cultura nacional e da cultura estética, munidas de forte cunho

moralizante e utilitarista.

A Reforma Francisco Campos, pelo decreto n. 19.941 de 30 de abril de 1931, instituiu

o canto orfeônico como matéria obrigatória no currículo do ensino secundário. Tal reforma

determinou que o programa de ensino desta disciplina fosse formado por hinos e canções

patrióticas e, a efetivação desta determinação legal encaminhou ao problema da

especialização do professor para ministrá-la.

______________ 17

Escolas compostas por agrupamentos de classes multisseriadas, sem direção geral (CAVALIERE, 2003, p. 34)

Page 58: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

57

A música que integra o projeto pedagógico dos anos 1930 como instrumento de

mobilização das massas assume a posição estratégica de difundir os princípios norteadores da

constituição da nacionalidade, de forma controlada e fiscalizada, por meio da padronização

dos cursos, do currículo, dos livros didáticos, enfim, da centralização do sistema de ensino

federal. As ―musiquinhas de comando‖ perdem seu caráter dominante cedendo lugar ao canto

orfeônico: uma prática musical cívico-disciplinadora que entra para as escolas públicas na

década de 1930.

Como o professor seria o condutor destas novas finalidades do ensino, deveria haver

uma reorganização de sua formação e, consequentemente, uma nova ordenação curricular.

Logo, a formação do Professor de Canto Orfeônico deveria ser estabelecida. Assim, pelo

decreto-lei n. 4.993, de 26 de novembro de 1942, foi criado o Conservatório Nacional de

Canto Orfeônico (CNCO), instituição responsável pela formação destes professores.

Em 1942, o Maestro Villa-Lobos deixou a superintendência do Distrito Federal e

assumiu a direção do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, de âmbito federal, ―com a

finalidade de formar professores e de orientar o ensino musical em todo o país‖ (LEMOS JR,

2005, p. 24). Assim, o maestro iria se dedicar ao oferecimento de diretrizes para o ensino da

Música e Canto Orfeônico nas escolas brasileiras.

O Conservatório Nacional de Canto Orfeônico foi criado pelo Ministério da Educação

e Saúde e subordinado ao Departamento Nacional de Educação por meio do Decreto-Lei nº

4.993, de 26 de novembro de 1942. De acordo com o artigo 2º deste decreto, competia a essa

instituição recém-criada:

a) Formar candidatos ao magistério do canto orfeônico nos estabelecimentos

de ensino primário e de grau secundário;

b) Estudar e elaborar as diretrizes técnicas gerais que devam presidir ao

ensino do canto orfeônico em todo o país;

c) Realizar pesquisas visando à restauração ou revivescência das obras de

música patriótica que hajam sido no passado expressões legítimas de arte

brasileira e bem assim ao recolhimento das formas puras e expressivas de

cantos populares do país, no passado e no presente;

d) Promover, com a cooperação técnica do Instituto Nacional de Cinema

Educativo, a gravação em discos do canto orfeônico do Hino Nacional, do

Hino da Independência, do Hino da Proclamação da República, do Hino à

Bandeira Nacional e bem assim das músicas patrióticas e populares que

devam ser cantadas nos estabelecimentos de ensino do país. (BRASIL, 1942,

p. 1)

Page 59: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

58

De acordo com Lisboa (2005, p. 42), a implantação do CNCO representou a

concretização da expansão do movimento orfeônico para outras partes do país, o que

gradativamente já vinha acontecendo. Anteriormente, os cursos de formação de professores

oficialmente reconhecidos possuíam sua jurisdição restringida somente à cidade do Rio de

Janeiro (sob orientação da Superintendência de Educação Musical e Artística18

– SEMA – ,

pertencente ao Departamento de Educação do Distrito Federal e, mais tarde, também sob a

tutela da Universidade do Distrito Federal). A SEMA, entretanto, passou a aceitar,

posteriormente à sua implantação, a matrícula de professores residentes em outros estados do

país que, após o término de cursos de pequena duração, coordenavam atividades orfeônicas

em seus respectivos estados e locais de trabalho.

[...] foi a partir da implantação do CNCO que os cursos oficiais de formação

de professores de canto orfeônico passaram ao controle do governo federal,

que então tomou a incumbência de coordenar e fiscalizar, em âmbito

nacional, todas essas iniciativas da mesma natureza que já vinham surgindo

em várias outras partes do país. Além disso, essa instituição tornou-se o

estabelecimento padrão a que outras instituições com o mesmo objetivo – a

formação de professores de canto orfeônico que ministrariam a disciplina

nas escolas públicas – deveriam ser equiparadas ou reconhecidas, por meio

de inspeção federal. Dessa forma, tornou-se possível o surgimento de

estabelecimentos oficiais semelhantes em outras regiões do país, sendo

consolidada assim a expansão do ensino e prática orfeônica no Brasil.

(LISBOA, 2005, p. 43)

O artigo 30 do Decreto-lei nº 9.494/1946, ao tratar da admissão dos alunos do curso de

formação de professor apresenta algumas exigências como a idade mínima de dezesseis anos

completos e o certificado de conclusão do segundo ciclo em conservatório de música, ou

mesmo do curso de preparação nos conservatórios de canto orfeônico; além disso, o artigo

prevê provas de aptidão musical, que servirão de base para a classificação dos candidatos.

Percebe-se, desta forma, o caráter de ―especialização‖ do curso de formação de professores:

formação esta que contém disciplinas de caráter pedagógico que irão complementar uma

formação musical prévia.

Entretanto, como no início não havia professores capacitados para assumir a

disciplina, a SEMA, como solução emergencial, criou Cursos Rápidos com duração de um

mês, com a finalidade de preparar professores ―aptos‖ para o ensino da ―disciplina‖. Por se

______________ 18

A SEMA, segundo PARADA (2008, p. 177) tinha como atribuição planejar, orientar e desenvolver o estudo

da música nas escolas primárias, no ensino secundário e nos demais departamentos do município do Rio de

Janeiro.

Page 60: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

59

destinarem à massa escolar, a metodologia utilizada nesses cursos se reduzia a métodos de

aprendizagem oral, visando apenas o ensino de um repertório vocal de caráter cívico. Pires

(2003, p. 15) afirma que, devido à fragilidade dessa formação musical, os alunos desses

cursos, em sua maioria professores egressos da Escola Normal, recebiam uma constante

realimentação musical, que lhes seria proporcionada pela SEMA.

O ensino musical elitista, individualizado, de caráter especializado, é forçado a ceder

lugar para um ensino de massa, de caráter geral e oralizado. Jardim (2008) apresenta os

conflitos que se deram entre os princípios de instrução musical de músicos tradicionais e as

novas práticas de ensino da música nas escolas – afastadas do saber especializado, como meio

para alcançar objetivos não-musicais. De acordo com a autora:

Os conflitos se estabelecem em torno de objetivos, técnicas e modos de

ensino, que correspondem ao momento em que uma nova proposta de ensino

musical, de domínio escolar, deriva-se da Música e se aparta dela, ao

constituir um objeto próprio e ao requerer um ramo específico de estudos,

cujo corpus de saberes e práticas precisaria ser criado com base em novos

pressupostos. É provável que as tentativas de ―didatizar‖ ou de ―facilitar‖ o

aprendizado musical poderiam ser interpretadas por músicos de formação

―clássica‖ como falta de rigor, a permitir que os menos dotados adentrassem

uma área que não lhes era facultada, visto ser a excelência, a

excepcionalidade, justamente as metas dessa vertente de formação.

(JARDIM, 2008, p. 128, grifos no original)

Percebe-se no final do século XIX e primeiras décadas do século XX, uma tentativa de

desvincular a atividade educativa da idéia de instrução musical: enquanto no conservatório

tudo se resolvia pelo julgamento da aptidão e do talento (impregnados na concepção de

músico), na escola os procedimentos visavam a aproveitar as habilidades individuais em

processos que deveriam ser trabalhados em conjunto, driblando os desníveis e discrepâncias

entre os alunos. Segundo Jardim (2008, p. 129) estas ações eram vistas pelos músicos como

qualquer ação, ―menos música ou ensino de música‖.

Observamos, desta forma, que já havia disposições incorporadas sobre o sentido de

―aula de música‖ e ―formação do músico‖. Com isso, à medida que os conhecimentos

específicos de música não conseguem se adaptar e se aplicar ao contexto escolar e,

paralelamente, conteúdos educacionais encontram lugar de expressão na música ensinada na

escola, mais díspares se constituem as duas formas de ensino e também a qualificação de cada

profissional.

Chega-se então a um limite:

Page 61: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

60

Conclui-se que, de fato, o que se faz na escola não é o ensino de música na

acepção erudita do termo, portanto, não é espaço para atuação do músico. As

competências profissionais do músico não se aplicam às necessidades

escolares e lhe são, inclusive, prejudiciais. Dessa forma, o professor de

música da escola é um profissional distinto, e para que o músico exercesse a

tarefa em questão, teria que receber a devida especialização para qualificar-

se profissionalmente. (JARDIM, 2008, p. 130)

A autora completa ainda dizendo que o espaço institucional conquistado pelo

Magistério Especializado – designação dada por Villa-Lobos aos professores de música na

escola de formação geral – tornou dispensável a presença do músico como profissional de

ensino, no âmbito escolar (não só dispensável como desqualificado).

A educação cívica e moral pela música, com seus cantos ufanistas, permanece

inalterada até meados da década de 1940 quando, com o fim do Estado Novo e a saída de

Villa-Lobos da SEMA, esta instituição torna-se menos rígida com relação à orientação dos

professores de música que, sem a realimentação musical, ficam em sua maioria sem saber o

que ensinar. A prática orfeônica vai se tornando menos intensa e, com o passar do tempo, vão

dando lugar ao que Pires (2003, p. 16) considera um ―outro momento de ruptura estética‖,

representada pela ―pedagogia da criatividade‖.

Neste momento, surge a proposta da ―arte-educação‖, com origem na Escolinha de

Arte do Brasil, fundada em 1948. Fundamentada no pensamento de Robert Head, a

―pedagogia da criatividade‖ torna-se um novo paradigma metodológico, com ênfase na

espontaneidade criativa e na experimentação.

Com ênfase na expressão criadora, no sentimento e na forma, esta pedagogia

foi desastrosamente [confundida] com a permissividade, com a ausência do

pensamento, com o „laisser-faire‟ e o espontaneísmo (SANTOS, 1990, p.31-

32). A prática pedagógica do professor de música resultou na banalização do

―deixar o aluno fazer arte‖ sem nenhuma intervenção do professor, como se

a criatividade não pudesse, não devesse ser educada. (PIRES, 2003, p. 17,

grifos no original)

A pedagogia da criatividade encontra seu apogeu na década de 1970, quando da

criação do professor polivalente de Educação Artística e das licenciaturas curtas. Para Penna

(2008, p. 123-4), a Lei n. 5692, de 1971, vem apenas oficializar a pró-criatividade, o enfoque

polivalente das Artes, tendência que já era dominante na prática pedagógica escolar. A

atuação deste professor polivalente foi marcada pela ausência de fundamentação teórica e de

objetivos claros, que, aliada à ideologia da não-intervenção do professor, propiciou o

Page 62: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

61

desenvolvimento de uma prática pedagógica que se reduziu na maioria dos casos em uma

multiplicidade de atividades isoladas, fragmentadas e inconsistentes, que enfatizavam o

processo em detrimento do produto.

A década de 1980 é, para Pires (2003), uma síntese do percurso histórico do ensino

musical nas escolas públicas:

Com relação à prática pedagógica, FUKS (1991) identifica a presença de

uma série de canções de caráter diretivo que antecedem as diversas

atividades – as ―musiquinhas de comando‖; um repertório de hinos cívico-

escolares executados nas datas comemorativas; e, a pró-criatividade, que se

expressa de duas maneiras diferentes: o laisser-faire que se caracteriza pelas

atividades improvisadas, e, um conjunto de melodias do nosso folclore,

adaptadas com novos textos criados com o sentido de comando. Além das

formas cantadas, a autora aponta uma modalidade mais recente que se

caracteriza pelo silêncio – o ensino dissertado do canto. Essa convivência

metodológica, segundo FUKS (1991), é sem sombra de dúvida, uma herança

modernista e uma herança da criatividade, onde de maneira misturada ou

alternada soam o canto e o silêncio. (PIRES, 2003, p. 18, grifos no original)

Penna (2008, p. 125) mostra que os livros didáticos produzidos nas décadas de 1970 e

1980 apresentavam atividades nas várias linguagens (artes plásticas, desenho música e artes

cênicas), mas as artes plásticas eram definitivamente predominantes. Segundo a autora, a

música não consegue se inserir de modo significativo no espaço escolar, uma vez que

dominada, principalmente, pelas artes plásticas.

Todas estas questões foram sendo discutidas pela área, que pedia reformas urgentes na

estrutura do ensino. Estas vieram à baila com o fim do regime autoritário no início dos anos

80, juntamente com o movimento de redemocratização da sociedade. Este processo resultou,

após oito anos de tramitação em meio a acirradas polêmicas, na promulgação da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – a Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996.

Com esta legislação, a Educação Artística é extinta, devendo dar lugar ao ensino de

Arte, compreendido pelas linguagens música, artes visuais, teatro e dança, de conteúdo

obrigatório nos diversos níveis da educação básica. Os PCNs consideram a arte como objeto

de conhecimento e indicam os objetivos gerais, conteúdos e critérios para a sua seleção. No

entender de Loureiro (2003, p. 77), o desenvolvimento dos conteúdos propostos dentro de

cada eixo norteador em música (produção – experiências do fazer artístico; apreciação –

experiências de fruição; e reflexão) irão requerer profissionais com habilitação na área,

―envolvidos em um trabalho de reflexão crítica contínua sobre sua prática‖.

Page 63: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

62

Entretanto, Mateiro (2003, p. 29) lembra que a Lei 9.394/1996 não esclarece em que

consiste o ensino de música, como e por quem será ministrada, permitindo, ainda, uma leitura

polivalente da proposta das quatro diferentes modalidades artísticas como integrantes da área.

A proposta polivalente persiste e os conteúdos musicais permanecem longe da

proposta de ensino de música na escola. A música na escola não se consolida, portanto, como

área de conhecimento. Está associada sempre aos benefícios que traz para a coordenação

motora, para o aprendizado de matemática e outras matérias realmente consideradas como

importantes, para o desenvolvimento da criatividade e o favorecimento da expressão, para a

recreação e para a ornamentação das festas escolares – enfim, como ferramenta, como meio,

nunca como um fim em si mesma.

1.3 MÚSICA E ENSINO SUPERIOR: DA FEDERALIZAÇÃO DOS CONSERVATÓRIOS

ÀS ATUAIS LICENCIATURAS EM MÚSICA

Pelo Decreto n. 19.852, de 11 de abril de 1931, o Instituto Nacional de Música foi

incorporado à Universidade do Rio de Janeiro. A esta época, o Instituto estava sob a

administração de Luciano Gallet (1893 – 1931). Siqueira (1972, p. 77) afirma que esta

reforma universitária empreendida por Francisco Campos ―possibilitou um retorno da música

à sua alta função educativa‖.

Segundo Brum (2007, p. 5), Gallet ficou encarregado de realizar a reforma do ensino

nesta instituição. Para tal, convidou Mário de Andrade e Sá Pereira para formarem uma

comissão para a elaboração dos currículos e realizar o projeto de incluir o Instituto na

Universidade. Desejosos de colocar o estabelecimento no mesmo gabarito universitário de

qualquer outra profissão liberal, Andrade e Pereira veem aqui uma possibilidade de dotar o

estudante de música de um melhor cabedal de conhecimentos - formação intelectual. A

maioria dos professores da congregação do Instituto, entretanto, conservadora, queria os

alunos concentrados exclusivamente na aprendizagem do instrumento.

Este fato reforça a idéia de que já se haviam incorporado disposições sobre o

significado da formação do músico, além de retomar a discussão acerca do binômio música

prática / música especulativa.

De acordo o Decreto n. 19.852/1931, o Instituto Nacional de Música oferecia três

graus de ensino: Fundamental, Geral e Superior. O artigo 252 informa que o Curso

Fundamental era preparatório do Curso Geral. Este, por sua vez, tem como objetivo formar,

Page 64: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

63

principalmente, instrumentistas profissionais de orquestra e coristas; e o Curso Superior,

instrumentistas e cantores (professores), compositores e regentes (maestros) e virtuosos.

Nota-se, portanto, que quem ingressa no curso superior é a figura do músico professor:

ligado a uma formação prática, instrumental / vocal, erudita (o que encaixava perfeitamente

com a ―alta cultura‖ trabalhada no âmbito universitário), e cujo domínio de sua arte o fazia

professor da mesma.

No artigo 253, faz-se uma ressalva ao afirmar que, embora mantida a unidade técnica e

administrativa do Instituto Nacional de Música dos três cursos de que se compõe, só seria

considerado universitário para os efeitos do referido decreto, o Curso Superior. É importante

ressaltar que o curso superior guarda uma relação estreita com os cursos fundamental e geral

oferecidos pelo próprio instituto. É, pois, um prolongamento dos mesmos.

No que se refere aos diplomas oferecidos pelo instituto, os artigos 273 e 274 eram

bastante esclarecedores:

Art. 273. A habilitação no curso Superior de Canto e Instrumento dá direito

ao diploma de Professor, e no de Composição e Regência , em (sic) de

Maestro.

Art. 274. Os diplomas conferidos pelo Instituto, acrescidos das exigências

determinadas no Regulamento, asseguram preferência, em igualdade de

condições, para o provimento nos cargos do magistério e são títulos que

habilitam, legalmente, ao exercício do professorado particular. (BRASIL,

1931, s.p.)

Assim, o professor de música seria aquele que concluiu o curso superior de Canto ou

de Instrumento. Em 1937, com a promulgação da Lei n. 452 de 5 de julho, a Universidade do

Rio de Janeiro é reorganizada, alterando seu nome para Universidade do Brasil.

Consequentemente, o Instituto Nacional de Música passa a se chamar Escola Nacional de

Música.

À época, era diretor do Instituto o professor Guilherme Halfeld Fontainha (1887 –

1970). Siqueira (1972, p. 80) afirma que houve problemas de adaptação do instituto ao regime

universitário, forçando seu diretor a ―[...] renunciar às aspirações de ordem virtuosística para

se dedicar, de corpo e alma, às necessidades da vida administrativa‖.

Com a reforma de 1937, foram incorporadas algumas alterações nos programas de

ensino, que ainda eram publicadas com o nome do Instituto. Manteve-se a divisão do ensino

em três graus sequenciais: o fundamental (5 anos), o geral (2 anos) e o superior (2 anos).

Page 65: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

64

A disciplina Pedagogia Musical, do curso superior de formação de professores de

instrumento/canto possuía um extenso programa dividido em cinco partes:

Tabela 4 – Conteúdos da disciplina Pedagogia Musical (1937) PARTES CONTEÚDOS

Primeira Parte Definições da Pedagogia antiga e moderna;

As concepções de ensino passivo, ativo ou

funcional;

A criança como centro do ensino.

Segunda Parte Questões relacionadas à psicologia pedagógica:

utilização, modificação e aquisição de

comportamentos;

Enfoque à necessidade de adaptar o ensino às

tendências naturais da criança e aos processos de

Ensino Intuitivo e Educação dos Sentidos;

Orientações a respeito da ―feição psicológica‖ do

período primário e dos processos de verificação de

aprendizagem.

Terceira Parte Técnicas de Ensino e metodologia da música:

conteúdos teóricos (solfejo, teoria, leitura, escalas,

modos, tons, etc.) com princípios de ensino

renovados e utilizando processos intuitivos.

Notada influência da pedagogia de Dalcroze no

ensino de conteúdos teóricos e técnicos como

fraseado, expressão musical, técnica instrumental,

pedal, treino, memorização.

Quarta Parte História da Pedagogia (da Antiguidade até a

atualidade) com enfoque dado às reformas do

século XX – escola ativa e Jardim da Infância –

principalmente para a reforma do ensino musical

por Jacques Dalcroze.

Quinta Parte Educação do Educador e Ética profissional.

Fonte: Jardim (2008, p. 65 – 67)

Jardim (2008, p. 68) comenta que esse curso de Pedagogia Musical proposto para o

professor de música, inseria-o num universo que até então não fazia parte de seu

conhecimento e de sua formação. Para a autora, demonstrava uma necessidade de acesso a

uma série de conhecimentos que estavam sendo estudados e buscando aplicação no espaço da

educação geral, mas que não figuravam nem na esfera da discussão nas práticas de ensino de

música.

As discussões sobre a pedagogia Dalcroze no Brasil já eram feitas à época da Reforma

Francisco Campos – Luciano Gallet. Mário de Andrade e Sá Pereira, convidados por Luciano

Gallet para a elaboração da reforma curricular do então Instituto Nacional de Música,

propunham a adoção do método Dalcroze. Jardim (2008, p. 65) mostra que essas propostas

encontraram resistências, tanto mais, porque criticavam a forma como era conduzido o ensino

musical, que priorizava a técnica instrumental e o virtuosismo. A reforma Campos–Gallet foi

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65

vista como radical e inadequada, e as fortes reações acabaram por levar Luciano Gallet a

demitir-se do cargo (JARDIM, 2008; SIQUEIRA, 1972). Com Guilherme Fontainha, as

reformas foram implantadas lenta e gradualmente, visando ampliar o conceito de

aprendizagem musical. Observamos, portanto, as primeiras discussões acerca do ensino de

música que já estava cristalizado na instituição.

Ao analisar o currículo da Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil

(praticamente igual ao currículo do Instituto de Música da Universidade do Rio de Janeiro

descrito anteriormente), Jardim (2008, p. 65 – 66) observa que esta nova disposição da

abordagem dos conteúdos conferia à formação do músico um caráter mais abrangente, posto

que não incluía apenas instruções intrínsecas da estrutura da música.

Entre 1920 e 1940, formou-se no Brasil um grupo em torno dos ideais modernistas e

nacionalistas, estabelecendo-se um vínculo entre os elementos musicais, detectados nas

manifestações dos povos, com a construção de uma nacionalidade. A construção de uma

música erudita brasileira alinhava-se à estética da música moderna como forma de expressar a

fusão dos elementos populares e nacionais.

Os fundamentos da construção de uma cultura (e uma música) nacional encontraram

apoio na política de Getúlio Vargas, que compôs um programa nacional ao qual se ligaram

intelectuais ligados ao movimento moderno-nacionalista. Para Jardim (2008, p. 73), os

reflexos desse movimento não foram sentidos na esfera do ensino musical especializado, mas

geraram iniciativas no campo da educação geral, nas escolas públicas, com a implantação do

Canto Orfeônico como disciplina obrigatória em nível nacional.

Como já discutido anteriormente, a implantação do Canto Orfeônico criou a

necessidade de formação de professores específicos, que necessitavam de uma especialização

além (ou até mesmo em substituição) do curso superior oferecido no Instituto Nacional de

Música. Logo, o professor de música (que atuaria na escola regular) era formado fora do

âmbito acadêmico. A figura do músico professor é que se fixava no ensino superior.

E fixava-se também uma concepção de formação para este músico professor, formado

nos moldes do conservatório, com caráter tradicional e erudito. Houve resistências a esta

formação tradicional, como o Grupo Música Viva, movimento encabeçado por Hans Joachim-

Koellreutter em meados da década de 1940.

De acordo com Jardim (2008, p. 75), embora marcantes, as experiências promovidas

pelo grupo não chegaram a produzir alterações imediatas na condução do ensino, na forma

conservatorial que se manteve nas instituições especializadas, com exceção aos locais

Page 67: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

66

específicos de atuação do Koellreutter que, embora significativa, não alçou o status de

pensamento dominante. Esta ―forma conservatorial‖ já havia sido incorporada como princípio

de formação pelos agentes do campo.

A autora comenta, ainda, que na esfera do ensino de música, a polêmica gerada pelas

posições de Koellreutter propiciou a elaboração de um novo conceito que deveria conduzir

para um processo de educação musical, que, aos poucos, foi tomando forma e estrutura em

diversos segmentos, quer seja na educação geral, pública e particular, no ensino especializado,

na produção de material didático e no mercado editorial:

A concepção de uma estrutura de ensino, de práticas, de conteúdos, em face

de uma série de experiências que vinham se realizando, vão compondo o

conceito e o significado de Educação Musical, que necessitava de uma

alteração de base, nos conteúdos e métodos desde o início da formação do

músico. (JARDIM, 2008, p. 76, grifos no original)

Várias experiências puderam ser observadas neste sentido, como cursos de iniciação

musical e cursos infantis que introduziam os conteúdos e metodologias de forma que o

entendimento da iniciação ao estudo deveria se fundamentar em outros pressupostos, que não

aqueles ligados ao estudo da teoria e dos exercícios técnicos.

Jardim (2008, p. 77) sublinha o fato de que, curiosamente, a adoção desta vertente vem

reeditar práticas realizadas no âmbito das escolas de formação geral, muito anteriores a essa

época, que, ―[...] por meio de atividades musicais, buscavam a inserção do aluno num amplo

contexto cultural, sem, necessariamente, visar à formação do músico‖. Estas experiências já

vinham sendo amplamente testadas no âmbito da educação pública, o que não acontecia nos

cursos específicos de música:

A carência de bases sólidas para sustentar uma revisão, não apenas das

práticas, mas também dos conteúdos necessários para o aprendizado, fica

patente na ausência de discussões e publicações específicas e nas tentativas

de apresentar os mesmos elementos da teoria musical, mascarados com

novas roupagens, pretensamente adaptados à condição da infância. Da

mesma forma, sedimentando práticas antigas, os conteúdos teóricos

ainda mantinham a posição predominante de formação do músico. (JARDIM, 2008, p. 78, grifo meu)

Conforme mostra a autora, os interesses e propostas de modernização do ensino, bem

como as atuações dos intelectuais na defesa desse ideário, manifestaram-se, conjuntamente,

com os longos debates que envolveram a aprovação da Lei n. 4.024 de 1961, que definiu as

Page 68: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

67

diretrizes e bases da educação nacional. Para Jardim (2008, p. 78), a partir da promulgação

desta LDB (Lei de Diretrizes e Bases), as disputas no campo da música tiveram um novo

caminho demarcado, muito embora as mudanças não tenham se operado no âmbito do ensino

especializado.

Com a LDB de 1961, uma nova concepção do ensino da música veio a substituir as

práticas orfeônicas (ao menos na legislação): a Educação Musical figurou, nesta legislação,

como disciplina optativa. É neste período que vários estabelecimentos oficiais do ensino

especializado de música no país passam a integrar as várias unidades das universidades

federais e também as estaduais, adquirindo a condição de ensino superior:

Conservatório Musical Carlos Gomes (São Paulo) – tornado instituição privada de

ensino superior de música mediante o Decreto n. 52.073, de 28 de maio de 1963;

Instituto Musical Santa Marcelina (São Paulo) – oficializado como ensino superior

em 1965;

Conservatório Mineiro de Música (Belo Horizonte) – transformado em 1962 em

Escola de Música da UFMG;

Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro – transformada em Escola de Música

da UFRJ em 1965;

Conservatório de Música de Pelotas – tornou-se instituição agregada da UFPel em

1968;

Conservatório de Música Joaquim Franco – transferido no final de 1968 para a

Universidade do Amazonas.

As especialidades dos cursos de música eram direcionadas para tocar, reger ou

compor. Pressupunham-se as atribuições de ensinar como inerentes às funções do músico:

―[...] o músico era considerado ‗mestre‘ do seu instrumento, independentemente de ter

recebido algum tipo de preparo para esse fim‖ (JARDIM, 2008, p. 79, grifo no original) –

cristalização da figura do músico professor.

Quando os conservatórios ou institutos foram elevados à categoria de nível superior

não houve alteração deste sistema. Ao proceder a uma análise destes currículos, a mesma

autora afirma que estes foram adaptados com relação à carga horária e à inclusão de matérias

adicionais obrigatórias, sem apresentar mudanças substantivas:

[...] no geral, a estrutura curricular do conservatório, na formação do

instrumentista, do regente, do cantor, foi mantida nos cursos superiores,

tendo seus currículos, praticamente, reproduzidos no novo grau de ensino.

Salvo exceções, o conservatório, de certa forma, foi transposto para a

universidade. (JARDIM, 2008, p. 79, grifo meu)

Page 69: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

68

Pires (2003, p. 21) nos lembra que o curso de formação de professores para o ensino

primário e o pré-primário - ensino normal – era uma das modalidades de ensino médio da

época. De acordo com o art. 35 da LDB/1961, o currículo de cada ciclo do ensino médio

deveria constar de disciplinas e práticas educativas19

. Numa análise da legislação, a autora

constata que:

A pluralidade de lugares ocupados pela música na estrutura curricular –

disciplina optativa, prática educativa e atividades complementares de

educação artística, todas de caráter opcional - denota a falta de clareza das

políticas públicas com relação à importância da música e de seu ensino nas

escolas, porém deixa transparecer no discurso oficial a certeza do lugar que a

música não ocupava no currículo do ensino médio - o ―status‖ de disciplina

obrigatória. Por outro lado, revela a contradição da proposta, que permite à

música se encaixar em qualquer lugar (destinado a ela), mesmo sendo esses

de natureza e princípios contrapostos. (PIRES, 2003, p. 23, grifo no original)

Aos professores de práticas educativas não era requisitado o ―registro de professor‖,

como também não era exigido o diploma ou exame de suficiência, ―o que fatalmente fecharia

as escolas de algumas regiões à preciosa colaboração dos cantadores e violeiros, que não têm

diplomas, mas são representantes legítimos do nosso folclore, que é preciso, transmitir a fim

de preservar” (Parecer n. 898/65 apud PIRES, 2003, p. 23, grifo no original).

Contudo, se houvesse profissionais especializados na área da prática educativa

escolhida pela escola, os titulares de diplomas teriam preferência para a contratação. No caso

da música, esta era a situação do professor de Educação Musical, de nível superior. O

Conselho Federal de Educação havia fixado, em 1962, o currículo mínimo dos cursos

superiores de música, determinando sua duração em quatro anos, incluindo o de professor de

Educação Musical. Desta forma, como a primeira turma se formaria apenas em 1966, o

Ministro de Estado da Educação e Cultura resolve assegurar o registro de professor de

Educação Musical, no Departamento Nacional de Educação, aos diplomados até 31 de

dezembro de 1965 pelos cursos de formação de professor de instrumento ou de canto pela

Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil ou por escolas superiores de música.

Os formados em Educação Musical, a partir de 1966, atuariam na disciplina optativa

Educação Musical, que diferia do Canto Orfeônico, que era considerado prática educativa – e

______________ 19

As disciplinas, de finalidade informativa e caráter teórico, tinham seu campo de conhecimento delimitado, ao

passo que, as práticas educativas guardavam uma função formativa de natureza prática, ―obedecendo a

critérios mais elásticos‖, não se constituindo portanto em um campo de saber sistematizado. (PIRES, 2003, p.

21)

Page 70: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

69

que poderia, portanto, continuar sendo ministrado por professores formados em nível médio

pelos Conservatórios de Canto Orfeônico.

Pires (2003, p. 1) afirma que os cursos de licenciatura surgiram no Brasil na década de

30, nas antigas Faculdades de Filosofia. A partir do Decreto-Lei 1.190 de 4/4/1939, esta

faculdade passa a contar com um curso de Pedagogia com duração de três anos que formava o

Bacharel em Pedagogia, e um curso de didática com duração de um ano que, quando cursado

por bacharéis, fornecia o título de licenciado, permitindo aos alunos egressos o exercício do

magistério nas redes de ensino. Este modelo de formação do professor, em que disciplinas de

conteúdo são justapostas às disciplinas de natureza pedagógica, ficou conhecido como o

famoso esquema 3 + 1, que perdurou até a década de 1990, quando da promulgação da Lei de

Diretrizes e Bases – LDB 9394/1996.

Este foi o modelo que foi aplicado nos cursos superiores de formação de professor de

música a partir da década de 1960:

Na área de música, vamos encontrar até o início da década de 60 o Curso de

Professor de Música, de nível médio, vigente nos conservatórios, e em nível

superior, as três modalidades de cursos no país: Instrumento, Canto, e

Composição e Regência. Com a Resolução decorrente do Parecer nº383, de

dezembro de 1962, fica prevista a criação de mais dois cursos superiores de

Música: o curso de Professor de Educação Musical e o de Diretor de Cena

Lírica. Legalmente, pode-se dizer que na década de 60 os cursos superiores

de formação de professores de Educação Musical são criados com a mesma

estrutura curricular do modelo 3 + 1: disciplinas do conteúdo específico de

Música justapostas às disciplinas pedagógicas estabelecidas pelo Parecer nº

292 do Conselho Federal de Educação - CFE. (PIRES, 2003, p. 1 – 2)

O esquema 3+1 nos remete à formação do professor de música forjado no

conservatório (com a formação específica no instrumento / voz acrescido de uma disciplina

pedagógica) e também à complementação do curso superior em instrumento com a

especialização em canto orfeônico (de caráter predominantemente pedagógico). Legitima-se,

portanto, a formação do professor de música como: formação do músico + complementação

pedagógica.

Há neste período, portanto, múltiplas concepções da função da música na escola

(disciplina – teórica; prática educativa) e, consequentemente, múltiplas concepções do perfil

de professor de música que atuaria nas escolas.

Na década de 1970, a Lei 5692/1971 criava as licenciaturas em Educação Artística

com habilitações específicas em Artes Plásticas, Artes Cênicas, Música e Desenho. A

Page 71: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

70

denominação de Licenciatura em Educação Artística se justificava depois da implantação da

Lei n. 5.692 em agosto de 197120

com a obrigatoriedade da Educação Artística nos programas

curriculares das escolas de primeiro e segundo graus – artigo 7º (cf. MATEIRO, 2003;

PENNA et al., 1995). Mateiro (2003, p. 26) esclarece que a Educação Artística passa a ser

obrigatória somente a partir da quinta série do primeiro grau — o que hoje corresponde ao

terceiro ciclo do ensino fundamental. Assim, pois, o ensino de música, a partir de 1971, ao

lado das artes plásticas, artes cênicas e desenho, passou a pertencer à área da Educação

Artística.

Penna et al. (1995, p. 147) afirmam que, tanto a Educação Artística no 1º e 2º graus

quanto a sua licenciatura são marcadas pela proposta polivalente. Tal proposta, para os

autores, se mostra ainda mais nefasta nas licenciaturas curtas21

, que pretendiam formar, no

curto espaço de dois anos, um professor capaz de atuar em todas as áreas artísticas.

Denardi (2008, p. 54) afirma que, naquele momento, a multiplicidade da área artística

e a polivalência das práticas pedagógicas, além do amparo legal, estiveram presentes nas

escolas brasileiras, principalmente nos cursos de formação de professores:

A Música tornou-se uma das linguagens artísticas, previstas para a Educação

Artística nas escolas nacionais. Por sua vez, esta era uma subárea de

conhecimento que, juntamente com o curso de Letras e Educação Física,

formava um campo maior de conhecimento, denominado Comunicação e

Expressão. Além disso, era uma ‗atividade‘ entendida como lazer, e não,

como uma disciplina, ou ainda, como área de conhecimento autônoma.

(DENARDI, 2008, p. 54)

O currículo mínimo para as Licenciaturas em Educação Artística foi fixado pelo

Conselho Federal de Educação do Ministério de Educação e Cultura, através da Resolução

n.23 de 23 de setembro de 1973. De acordo com o artigo 3º, desta resolução, o currículo

mínimo está composto por uma parte comum a todas as habilitações e uma parte diversificada

correspondente a cada uma das habilitações. A seguir, a relação das disciplinas que

compunham este currículo:

______________ 20

A Lei 5.692/71 modificou a estrutura da educação primária, secundária e colegial para primeiro e segundo

graus. 21

Refere-se aos cursos que habilitavam professores para o ensino infantil e fundamental (1º grau) de duração

menor que as chamadas licenciaturas plenas. As licenciaturas curtas surgiram no país a partir da Lei n.

5.692/71, em 1971, num contexto em que passou-se a exigir uma formação rápida e generalista para atender a

uma nova demanda de professores.

Page 72: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

71

a) Parte comum: Fundamentos da Expressão e Comunicação Humanas,

Estética e História da Arte, Folclore Brasileiro e Formas de Expressão e

Comunicação Artística.

b) Parte diversificada para a Habilitação em Música: Evolução da Música,

Linguagem e Estruturação Musicais, Técnicas de Expressão Vocal, Práticas

Instrumentais e Regência. (BRASIL, 1979, p. 91)

A partir desta estrutura curricular mínima as instituições de ensino responsáveis pelos

cursos de Educação Artística poderiam acrescentar disciplinas complementares que julgassem

adequadas à formação do professor:

O artigo 29 da Lei 5.692/71 estabelece que a formação do professor de

primeiro e segundo graus deve ajustar-se às ―diferenças culturais de cada

região do país, e com orientação que atenda aos objetivos específicos de

cada grau, às características das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e

às fases de desenvolvimento dos educandos‖. Do mesmo modo, a duração do

curso pode variar o número de anos letivos desde que se cumpram as mil e

quinhentas horas (1.500) para a licenciatura de primeiro grau, também

conhecida como licenciatura curta, e as duas mil e quinhentas (2.500) para a

licenciatura plena. (MATEIRO, 2003, s.p.)

Penna et. al (1995, p. 147) ao falar do currículo das licenciaturas em Educação

Artística, comentam que este é sobrecarregado por um excesso de disciplinas de caráter

teórico-abstrato, de modo que as disciplinas voltadas para o domínio dos conteúdos

específicos da linguagem artística (objeto da habilitação) se revelavam insuficientes.

Os autores já apontavam a necessidade de se resgatar a formação em cada área

específica, tendo o cuidado de não permitir que o resgate destes conteúdos não caísse no

tecnicismo ou no academicismo, nem tampouco significasse deixar de lado as questões

próprias da prática educativa. Observam ainda que, o que vinha acontecendo era, na maioria

das vezes, uma não integração entre os conteúdos técnicos e pedagógicos:

Isto é, nas disciplinas práticas, que tratam do fazer artístico em cada

linguagem, não se estabelece uma ligação com os aspectos pedagógicos

envolvidos neste fazer. Ao mesmo tempo, nos poucos espaços curriculares

voltados para as questões pedagógicas, muitas vezes os conteúdos são

secundarizados, quando não totalmente ausentes, como no caso de

disciplinas de didática geral, que pretendem garantir a ação educativa do

futuro professor, independentemente dos conteúdos a serem ensinados.

(PENNA, et al., 1995, p. 147 – 148)

Page 73: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

72

Além disso, consideram que essa falta de integração entre os diversos elementos

necessários a uma eficaz formação do professor, assim como o enfoque abstrato e genérico

que é dado às disciplinas pedagógicas, alimentavam uma postura bastante corrente, inclusive

entre os alunos, que relega as disciplinas pedagógicas a um segundo plano, como menos

importantes que as de caráter prático-técnico. Estas disciplinas (de cunho prático-técnico),

segundo os autores, seriam centrais num bacharelado, voltado para a formação do artista;

enquanto que na licenciatura tinha-se que assumir todas as implicações envolvidas na

formação do professor.

O fato é que, este tipo de formação na área de Educação Artística acabou por formar

profissionais com conhecimentos muito gerais de música, artes plásticas, teatro e desenho;

resultando em um prejuízo à concepção de Educação Artística. Os professores de Educação

Artística, com cursos que propunham um currículo muito abrangente, entre conhecimentos de

música, plástica e expressão corporal, acabavam enfatizando em sala de aula um fazer

artístico manual, apenas sensibilizando os alunos para a liberação da criatividade na

reprodução de técnicas mecanizadas, apoiadas nos livros didáticos. Ou para servir a outras

disciplinas, como no caso das canções, dos teatrinhos e da decoração das festas escolares

(fortalecimento do paradigma da música como ferramenta).

Segundo Penna (2008, p. 125), as críticas a esta situação se fortalecem por meio das

pesquisas e trabalhos acadêmicos, em congressos e encontros nos diversos campos da arte. E

a necessidade de se recuperar os conhecimentos específicos de cada área vão se refletir, após

um longo processo de elaboração, na promulgação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – a Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996.

Como afirma Loureiro (2003, p. 74), além de reafirmar os compromissos do Estado

em relação à oferta de escola, a nova LDB imprime uma nova organização ao sistema escolar,

visando ampliar o tempo de escolaridade obrigatória.

A Lei n. 9394/1996 conferiu à União poder para estabelecer, em colaboração com os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para cada uma das

etapas da educação básica. Estas teriam a função de nortear os currículos e seus conteúdos

mínimos, de modo a assegurar uma formação básica comum.

Entretanto, a Lei 9.394/1996 permite, ainda, uma leitura polivalente da proposta das

quatro diferentes modalidades artísticas, não esclarecendo em que consiste o ensino de

música, e como e por quem será ministrada. Penna (2010, p. 133), tendo em vista a falta de

Page 74: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

73

clareza acerca da formação dos professores de Arte cuja qualificação não é indicada com

precisão quer na LDB, quer nos diversos Parâmetros22

, comenta que:

[...] a formação do professor é um ponto fundamental, na medida em que

define o seu domínio dos conhecimentos artísticos: sua formação é

específica em uma linguagem, ou mantém-se a visão geral das várias

modalidades? (...) a flexibilidade e multiplicidade interna dos PCN para Arte

no ensino fundamental e médio ainda permitem uma leitura polivalente da

proposta das quatro diferentes modalidades artísticas como integrantes da

área. Com isso, seria exigida do professor uma polivalência ainda mais

ampla e inconsistente que aquela promovida pela Educação Artística e já tão

criticada. A falta de uma definição clara da qualificação exigida do professor

para que possa assumir o trabalho pedagógico no campo da arte pode

favorecer esta leitura, como também a tendência de provas de concursos

públicos para professor de Arte (como anteriormente para Educação

Artística) serem muitas vezes elaboradas neste formato, abordando as

diversas linguagens – apesar de em alguns contextos esta situação estar

mudando, nos últimos anos (...). (PENNA, 2010, p. 133)

Entretanto, a lei ultrapassa a idéia hermética de currículos mínimos que perdurava

desde 1962 e, seguindo essa idéia de estrutura curricular flexível sem a determinação de

disciplinas fixas, seriadas e obrigatórias, foram elaboradas as diretrizes curriculares para os

cursos de música e encaminhadas ao Ministério de Educação e Cultura em junho de 1999,

sendo aprovadas pelo CNE apenas em 2004.

De acordo com Hentschke (2003, p. 53), o trabalho de confecção das Diretrizes

Curriculares estendeu-se por cinco anos, sendo concluído em 1999. Entretanto, foi apenas no

ano de 2002 que o CNE propôs as Diretrizes para os cursos de música. A autora, que

participou da comissão de elaboração das diretrizes afirma não ter havido uma homologação,

pois o documento proposto pela comissão não permaneceu na íntegra. Segundo ela, foi

realizado um ―corta e cola‖ do documento confeccionado pela Comissão de Especialistas do

Ensino de Música, com o apoio dos cursos de música no Brasil.

[...] as mudanças propostas atualmente estão muito longe de serem mudanças

cosméticas, de grade, de súmula ou carga horária. Elas demandam uma

mudança total de paradigma educacional, das práticas de ensino, das

múltiplas formas de aprendizagem, da seleção de conteúdo, da didática,

enfim, de todo o processo de formação profissional em nível de graduação,

diferente do que vem sendo praticado. (HENTSCHKE, 2003, p. 54).

______________ 22

A autora apresenta como exceção apenas as Orientações curriculares para o ensino médio (Brasil, 2006, p.

202) que explicitam a questão de a formação docente dever se dar em uma linguagem artística (PENNA, 2010,

p. 133)

Page 75: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

74

A comissão propôs cursos de música — licenciatura e bacharelados — com sete

habilitações: Práticas interpretativas (Instrumento, Voz e Regência), Composição, Educação

Musical, Produção Cultural, Música Popular, Tecnologia em Música e Musicoterapia. A

estrutura curricular deveria seguir um núcleo comum para todas as habilitações. Para tal,

relacionam sete campos de conhecimento: instrumental, composicional, pedagógico,

fundamentos teóricos, formação humanística, conhecimento de integração (práticas

pedagógicas e outras aplicações) e campos de conhecimento de investigação.

O aumento de horas destinadas às práticas pedagógicas para os cursos de licenciatura

apresenta-se como possibilidade de uma nova significação na formação docente, rompendo

com o antigo modelo 3+1:

A Lei 9.394/96 estabelece um mínimo de trezentas horas (artigo 65), seguida

da Resolução do CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, que institui

quatrocentas horas de prática e quatrocentas horas de estágio supervisionado.

Esta exigência legal nos remete a reflexões no tocante às concepções sobre a

formação de professores e, principalmente, às relações entre teoria e prática.

As diretrizes curriculares para os cursos de música (2002) no que se refere às

práticas de ensino indicam que essas atividades pedagógicas deverão ser

realizadas durante o curso, ao contrário do modelo até agora experimentado

— o estágio estava situado no último semestre. Ressalta, ainda, a

importância de ampliar o campo das experiências pedagógicas para além das

instituições escolares. (MATEIRO, 2003, p. 29)

Analisando as Diretrizes propostas em 2002, Mateiro (2003, p. 30) considera que elas

apresentam uma visão mais unificadora com respeito à organização das disciplinas, à relação

teoria e prática, à aprendizagem, à diversidade cultural, entre outros aspectos dos programas

curriculares das licenciaturas. Entretanto, a autora afirma serem três os principais fatores a

superar diante da aplicação das possibilidades da nova lei: a organização do saber, a relação e

a aproximação entre a formação acadêmica e a realidade e o quanto de música o professor

deve saber.

A mais recente alteração realizada na legislação referente ao ensino de Música no

Brasil foi aprovada em 2008, por meio da Lei n. 11.769/2008. Antes desta lei, a música estava

potencialmente incluída no componente curricular Arte (PENNA, 2010, p. 139). Sendo

resultado de vários anos de debates e mobilizações de entidades, músicos e educadores

musicais junto a parlamentares, a Lei n. 11.769 de 2008 alterou a atual LDB acrescentando-

lhe um novo parágrafo ao seu artigo 26. Este parágrafo explicita ser a música um conteúdo

obrigatório, mas não exclusivo do ensino da arte na educação básica.

Page 76: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

75

O Artigo 3º da referida lei previa um prazo de três anos letivos para que os sistemas de

ensino se adaptassem a essa nova exigência, projetando sua implantação, a princípio, até

agosto de 2011.

De acordo com Penna (2010, p. 141), a Lei 11.769 abre múltiplas possibilidades para a

área de educação musical. A autora ressalta que as leis e outros dispositivos reguladores não

são dotados de uma ―virtude intrínseca‖ capaz de realizar mudanças na organização e prática

escolar, sendo necessária uma ação efetiva dos profissionais da área.

Entretanto, o veto à exigência da formação específica do professor traz à tona antigos

problemas: a falta de professores especializados e a indefinição com relação ao perfil deste

professor.

1.4 A HISTÓRIA FEITA NATUREZA – DOXA E NOMOS DA LICENCIATURA EM

MÚSICA

Na constituição histórica da formação do músico e do professor de música no Brasil,

vários aspectos podem ser destacados como permanências nas concepções desta formação.

Nossa proposição é compreender estas permanências como produtos de incorporações, nos

indivíduos inseridos neste subcampo23

das Licenciaturas em Música, de estruturas pré-

existentes e que se tornam, por sua vez, matrizes de percepções e formas de pensar e agir.

Estas permanências que acabaram por tornar-se um senso comum, uma opinião

consensual dos agentes do subcampo e, mediante a legislação e os documentos curriculares,

configuraram-se como leis que o regem e que regulam as lutas pela dominação no interior do

mesmo.

Observa-se nos currículos, um jogo de tensões entre conhecimentos musicais e

conhecimentos pedagógicos, entre a seleção de música como conhecimento oficial feita pelas

escolas regulares e pelos cursos superiores, enfim, entre os perfis de músicos professores e

professores de música.

À medida que, com o passar do tempo, os conhecimentos propriamente musicais são

esvaziados do espaço escolar, os licenciados em Música passam a procurar outros locais de

trabalho – retirando-se progressivamente da escola regular – como escolas específicas de

música e projetos sociais (espaços ideais para o perfil do músico professor). Desta maneira,

______________ 23

Tratamos o Curso de Música como um subcampo inserido em campos maiores, como o artístico, o educativo,

o econômico e o social.

Page 77: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

76

ainda que sem perder a escola regular de vista, os currículos das licenciaturas passam a focar-

se prioritariamente na preparação de seus egressos para a atuação nestes espaços. Goss (2009)

confirma este fato, evidenciando que os licenciandos sentem-se preparados para atuação nas

escolas livres de música e reconhecem estes espaços como importante lócus de atuação

profissional.

O currículo da licenciatura passa a ser desenhado na perspectiva de formação do

músico professor. Este prossegue sendo formado a partir da doxa conservadora: uma

formação técnica, erudita, aos moldes do conservatório, do ofício medieval, voltada

extensivamente para a execução musical, complementada com disciplinas de caráter

pedagógico.

O senso comum corrobora na afirmação do perfil do músico professor: ninguém pede

para aprender Música, a intenção é sempre de aprender um instrumento em particular.

Movidos por este ideal, todos vamos procurar professores que dominem o instrumento objeto

de desejo: em geral procuramos os melhores instrumentistas creditando à destreza técnico-

instrumental a perícia docente.

Embora este perfil de professor não seja o mais indicado para o trabalho nas escolas,

como professor de música, os currículos de formação dos educadores musicais parecem

preocupar-se mais com a formação específica da prática/teoria musical do que com a

formação pedagógica do mesmo. A imagem do músico professor, constituindo a doxa do

campo, estabelece, inconscientemente, as leis de formação do professor de música. E, tendo

sido incorporado, cria naqueles que o procuram a expectativa do aprofundamento e

continuidade dos estudos músico-instrumentais ou mesmo o desejo de estar convivendo no

ambiente das artes, da cultura, e especificamente, da música e dos saberes a esse respeito,

circunscritos no capital institucionalizado da academia. (PRATES, 2004, p. 121).

A imagem do músico professor, de caráter conservador e tradicional, mostra-se

presente, também, no discurso dos formadores, como mostra Luedy (2009) em seu estudo:

Parte importante do que se toma, aqui, como discurso acadêmico em música,

aponta, pois, para uma política cultural de efeitos conservadores, evidentes

na maneira de hierarquizar campos de saber; na seleção dos saberes,

habilidades e valores que servirão para o estabelecimento de critérios de

admissão a candidatos a vagas num curso superior de música; na defesa de

padrões de excelência e do mérito, definidos em termos estritos e relativos à

chamada ‗alta cultura‘ ocidental; na aceitação da primazia do conhecimento

de ‗status superior‘; mas, principalmente, na maneira de afirmar o que conta

como conhecimento legítimo em música. (LUEDY, 2009, p. 185, grifos no

original)

Page 78: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

77

Outro fato que merece destaque é a falta de clareza, no decorrer da história e até

mesmo hoje, do que seja um músico artista, um músico professor (também artista), e um

professor de música – e as funções e espaços de atuação de cada um.

Os mestres de ofício eram músicos artistas, e se faziam músicos professores. Quem

atuava na formação das normalistas, em 1890, eram professores vindos dos conservatórios

e/ou grandes mestres europeus: a formação das professoras de música ficava a cargo de

músicos professores. Posteriormente, com o canto orfeônico, a função de professor de música

deveria ser ocupada por alunos oriundos do conservatório (músicos artistas) que, com uma

complementação pedagógica, seriam licenciados para exercer a função de professores de

música nas escolas. Entretanto, nas escolas especializadas (conservatórios, institutos) os

professores eram sempre os grandes artistas, os grandes instrumentistas, maestros e cantores.

Na década de 1960, com a promulgação da LDB/1961 e a reforma universitária de

1968, o canto orfeônico dá lugar à Educação Musical, que exigia como professor aquele que

fosse oriundo do ensino superior. Nesta época, o ensino superior em música ocorria nos

conservatórios, que foram incorporados às Universidades, e cujo objetivo era a formação do

músico professor e não do professor de música.

Com a Educação Artística, na década de 1970, os professores de música tinham uma

formação musical bastante superficial, devido à crença na polivalência do ensino das artes:

não eram nem músicos artistas/professores e nem professores de música.

Hentschke (2003), ao considerar as transformações oriundas das Diretrizes

Curriculares propostas para os cursos de graduação em música face às mudanças ocorridas em

decorrência da LDB de 1996, constata que:

Mesmo havendo consciência, por parte dos educadores musicais, da

necessidade de mudanças, os cursos de licenciatura não são ministrados

exclusivamente por ―educadores musicais‖ (stricto sensu), mas por músicos

instrumentistas, regentes, compositores, que, na sua maioria, não possuem

uma formação pedagógica. É inegável que existe uma disparidade de

formação pedagógica entre o que denominamos de ―educador musical‖ e o

músico instrumentista ou musicólogo que atua como docente nos cursos de

graduação. Os educadores musicais, além de terem uma formação

pedagógica sólida, estão continuamente atualizando-se, no sentido de buscar

formas mais adequadas e contextualizadas para a sua prática docente. Por

outro lado, tradicionalmente, o músico docente universitário (daí falo

enquanto estereótipo) tem praticado uma proposta educacional mais

tecnicista e tradicional de educação. O objetivo desses docentes é a formação

do músico profissional (erudito, na maioria dos cursos), baseado em critérios

absolutos de perfil de profissional. (HENTSCHKE, 2003, p. 54, grifos no

original)

Page 79: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

78

Ou seja, a autora observa o músico professor atuando no ensino superior, como

formador de músicos professores. Reforça-se, portanto, a idéia de que o perfil do músico

artista/professor é ainda predominante nos cursos de formação de músicos e de educadores

musicais, indicando uma permanência do paradigma dos mestres de ofício medieval.

A Lei 11769/2008 desestabiliza esta situação, forçando o ajuste do foco da licenciatura

em Música para as escolas regulares. Historicamente já se notou a inadequação do modelo de

formação do músico professor ao espaço escolar, demandando uma adaptação às necessidades

da realidade das escolas.

Por sua vez, as escolas continuam exigindo do professor de música a utilização da

mesma como ornamentação de festas, apresentações, momentos lúdicos e de lazer, ferramenta

para os outros conteúdos – a doxa da função da música escolar. Observe que, mesmo com os

PCNs da década de 1990 concebendo a Arte (e, por conseguinte, a Música) como objeto de

conhecimento, tal fato não garantiu uma mudança na situação da disciplina nas escolas: ―[...]

foram muitos anos de uma prática educacional, no interior de nossas escolas, com aspecto e

função de atividade descartável, alijada da hierarquia das disciplinas escolares‖ (LOUREIRO,

2003, p. 77).

A concepção da música como uma ferramenta para outros fins externos a ela

perpassou séculos de história, criando disposições de comportamentos em professores e

alunos. Fixa-se, no senso comum, a idéia de que a música não importa por si mesma, como

linguagem simbólica, mas sim por ser um meio eficaz de inculcação de ideologias, de

comportamentos e de civilidade, além de oferecer momentos de descanso, de ludicidade e

recreação.

É necessário, portanto, analisar as diretrizes nacionais para a elaboração dos

documentos curriculares das atuais licenciaturas em música e, assim, observar na legislação se

e como este conflito está representado. Como estes documentos são apenas diretrizes, é

importante analisar também a construção de projetos pedagógicos para a formação superior.

Desta forma, poderemos observar quais princípios têm orientado a concepção de

professor de música, em outras palavras, quais disposições duráveis se mantiveram no campo,

incorporando-se nos agentes e transformando-se em matriz de ações e percepções na

formação do educador musical.

Utilizando-nos da metáfora do jogo, podemos sintetizar as regras inerentes aos cursos

de Licenciatura em Música da seguinte maneira: Elegendo a música erudita como interesse

principal, os cursos de Música distanciam-se do espaço escolar. Neste local, após o

Page 80: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

79

progressivo esvaziamento dos conteúdos propriamente musicais – e o consequente

afastamento dos profissionais especializados, cria-se a necessidade de um mediador entre

seres humanos e músicas. Músicas no plural que englobam não somente a música erudita, da

elite, mas também a música midiática, das massas, do cotidiano, a música popular e folclórica,

a música de protesto, as canções de trabalho.

Entretanto esta mediação também se perde num espaço onde a música tem status de

ferramenta, ornamentação e recreação. Não só a formação erudita afasta o professor da

realidade escolar, mas a própria escola o repele com suas concepções arraigadas sobre a

função e o papel música. Além disso, num tempo de economia neoliberal e de mercantilização

da educação, o oferecimento da música na escola torna-se um atrativo na concorrência por

alunos-clientes. Pois a música não só auxilia a coordenação motora e a interiorização de

outros conteúdos, como confere uma camada de verniz cultural na formação dos estudantes.

Cria-se um jogo onde, conforme já apontava Bourdieu, cada ato está impregnado de história.

O capítulo que se segue busca contextualizar este jogo diante da política educacional e

as práticas musicais contemporâneas. Além disso, as Diretrizes Nacionais para os cursos de

Graduação em Música e para a formação de professores da educação básica são analisadas na

perspectiva de se encontrar nestes documentos vestígios incorporados das práticas históricas

descritas neste primeiro capítulo.

Page 81: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

2 DA UNIVERSIDADE: OS MEANDROS DA CONSTRUÇÃO DE PROGRAMAS

CURRICULARES PÓS DCN 2004

Da constituição histórica dos cursos de música até a situação atual dos cursos de

Licenciatura em Música do Brasil, analisadas no capítulo precedente, incursionamos aqui pela

busca da contextualização das diretrizes curriculares para os cursos de graduação em Música e

para a Formação de Professores para a Educação Básica, que regulamentam o curso de

Licenciatura em Música no cenário político, econômico e sóciocultural de finais do século

XX.

A partir desta contextualização, apresentamos algumas reflexões sobre as diretrizes,

relacionando-as com o panorama delineado e identificando as concepções oficiais de música e

de professor de música manifestadas nestes documentos. Para tal, realizamos o exercício de

aproximação às questões concernentes às políticas curriculares da década de 1990 –

especialmente no Brasil – a fim de elucidar as propostas contidas nas diretrizes curriculares

para os cursos de graduação formuladas após a promulgação da LDB, de 1996.

Em seguida, introduzimos algumas questões que problematizam a Música e a

Educação Musical na sociedade contemporânea. Assim, delineiam-se os conflitos em torno da

seleção curricular e, por conseguinte, das relações entre música, escola e sociedade. Por

último, analisamos as Diretrizes Curriculares para os cursos de Graduação em Música (2004)

e para a Formação de Professores para a Educação Básica (2002), que regulamentam a

construção curricular dos cursos de Licenciatura em Música no Brasil.

2.1 DO NEOLIBERALISMO ECONÔMICO AO NEOLIBERALISMO EDUCACIONAL:

DO LUGAR DAS POLÍTICAS CURRICULARES

Para compreender os rumos tomados pelas políticas educativas, em especial as

curriculares, no Brasil a partir dos anos 1990, é fundamental contextualizá-las no bojo das

transformações econômicas do período em questão. Nagel (2001, p. 4), afirma que as políticas

educacionais brasileiras desta década não podem ser examinadas ―[...] independentemente dos

fatores, estratégias ou ações, que fazem do final do século XX uma fase de revigoramento

(mundial) das idéias (neo)liberais estimuladoras da nova forma de acumulação capitalista‖.

O neoliberalismo reinventa o liberalismo clássico, porém com uma nova roupagem

dada às diferenças do momento histórico em que é retomado. Para Souza e Lucena (2008, p.

Page 82: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

81

1), o projeto neoliberal pauta-se em idéias mercadológicas que salientam a importância da

liberdade individual e a necessidade de restrição das intervenções do Estado nas políticas

públicas educacionais.

Assim, as propostas neoliberais envolvem o enfraquecimento da intervenção estatal e,

consequentemente, o progressivo fortalecimento das leis do mercado. Neste sentido, a base

material do projeto político e ideológico neoliberal é o processo de reestruturação produtiva

do capital. A reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação

resultou em práticas como a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do

trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal (SOUZA e LUCENA, 2008, p. 3).

Voltando a atenção para a implicação destas questões no campo educativo, Nagel

(2001, p. 16) mostra que as reformas educativas ―[...] alinham-se na atualização e/ou na

formação do homem dentro da perspectiva do neoliberalismo, que o BANCO MUNDIAL

detalha e regulamenta com competência‖. Desse modo, a educação passa a ser concebida

como uma instituição que qualifica pessoas para a ação no mercado de trabalho. E o cidadão,

por sua vez, passa a ser entendido como um cliente em busca de qualidade de formação.

Qualidade esta que o torna competitivo na luta individualista por boas posições no mercado.

Silva, M. (2007) ressalta que a educação, em tempos de neoliberalismo, passa a ser

confundida com o conceito de formação: a educação voltada para o trabalho. Para este autor,

os anos 1990 representaram a consagração da formação como direito de todos, em especial

quando se trata dos adultos, ―[...] agora colocados numa linha de montagem no quadro do que

poderíamos designar como indústria da formação‖ (SILVA, M. 2007, p. 208).

O autor afirma existir uma ambivalência entre os conceitos de educação e formação

nos documentos mundiais publicados nos fins do século XX e início do XXI. Aliás, esta falta

de precisão no uso de termos e conceitos é apontada como uma característica desta época,

destacando-se a falta de preocupação com contradições ou incongruências, explicitadas, como

característica dos discursos educativos produzidos pelos órgãos internacionais, a valorização

de refrões bastante aceitáveis pelo senso comum em detrimento de estudos ancorados em

critérios de cientificidade.

Silva, M. (2007, p. 220) corrobora com este pensamento, explicitando a

[...] necessidade de legitimação do ilegitimável por parte dos sectores

hegemónicos da sociedade, legitimação essa que, para ser eficaz, tem de ser

apresentada como um corpo de proposições naturalizadas, muito próximas

ou miscigenadas do/com o senso comum e sem evidente articulação com

qualquer fonte doutrinária.

Page 83: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

82

Além da ambivalência entre educação e formação, percebe-se ainda um ―deslizamento

semântico‖ do conceito clássico de educação para o de aprendizagem. A ideia de

aprendizagem, num contexto neoliberal, possui conotações muito precisas, dada a articulação

que nele é efetuada entre competitividade, produtividade e excelência das organizações e a

responsabilização, o mérito e as competências de sujeitos individualmente considerados e que

competem entre si por posições raras no mercado.

Macedo (2000), em artigo que articula currículo, cultura, ensino e poder, defende que

a política educativa brasileira centra-se numa articulação entre princípios de eficiência e

mobilidade social, embora busque se justificar primordialmente por referências à ideia de

igualdade democrática. Considerando esta combinação de princípios como bastante díspares,

mostra que embora se contraponham em vários aspectos, eles se reforçam em outros.

A metáfora da ―igualdade democrática‖ é fundamentada pelo entendimento da

educação como um bem público; e se operacionaliza em três ações:

a formação do cidadão (as referências à cidadania se constroem, na maioria das

vezes, sobre o chão de uma cultura comum que precisa ser partilhada pelo conjunto

dos sujeitos);

a igualdade de tratamento na escola (base da igualdade democrática);

a igualdade de acesso à educação. (cf. MACEDO, 2000, p. 3).

O caráter público da educação aparece também na metáfora da ―eficiência social‖, na

qual a articulação entre escola e mundo produtivo é assumida como fundamento central.

Deste modo, entra em cena a já discutida concepção de formação, a partir da qual entende-se

que a sociedade conta com a escola para garantir o capital humano necessário ao seu

desenvolvimento.

Por sua vez, a ―eficiência social‖ apresenta duas possibilidades de operacionalização:

o vocacionalismo - vinculação entre currículo e mercado de trabalho, entendendo que aquele

deveria ser montado para atender aos interesses deste último e; a estratificação – propalada

como fruto de capacidades individuais, justifica a diferenciação de acesso proposta pelos

eficientistas.

Na medida em que o mercado necessita de pessoas para as mais diferentes posições, o

vocacionalismo centra-se na diferenciação entre a educação oferecida aos sujeitos, nisso se

diferenciando grandemente das propostas da igualdade democrática.

Page 84: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

83

O princípio da igualdade de tratamento é indesejável para a eficiência social,

já que a economia capitalista não oferecerá espaços iguais para os diferentes

sujeitos sociais. Ao contrário, torna-se necessária a criação de fortes

mecanismos de estratificação que garantam a ocupação dos diversos postos

de trabalho. (MACEDO, 2000, p. 4)

Assim, o vocacionalismo conduz à estratificação: embora haja uma preocupação com

o desenvolvimento de toda a sociedade, a partir de uma educação efetiva e universal, o

tratamento dispensado a cada grupo de sujeitos na escola deve permitir diferenciá-los.

A metáfora da ―mobilidade social‖ centra-se na educação como um bem privado cuja

finalidade é garantir o status individual daqueles que a ela têm acesso. Neste sentido, esta

metáfora se diferencia das demais. A ―mobilidade social‖ assegura que a escola deve

propiciar a cada estudante as credenciais necessárias para se desenvolver na estrutura social,

focalizando fundamentalmente as necessidades individuais dos consumidores.

A despeito de compartilhar com a idéia de eficiência social a estreita

associação entre escola e mercado de trabalho, a mobilidade social fixa-se

nos níveis de desenvolvimento individuais, sendo a educação vista como um

bem de consumo. Interessa ao consumidor que o bem que está consumindo o

diferencie dos demais consumidores. (MACEDO, 2000, p. 4).

A educação torna-se, desta maneira, um bem privado, dotado de um valor de troca.

Este valor situa-se, pois, fora do campo educativo, onde troca-se este bem por emprego,

prestígio e conforto. Logo, a escola precisa adaptar-se aos interesses do mercado. Por sua vez,

a escolarização precisa de instrumentos de estratificação, pois não há, no mercado, lugar para

todos. É a partir disto que as metáforas de mobilidade e eficiência social se aproximam, ao

mesmo tempo que distorcem a ideia de igualdade democrática, que se restringe à igualdade de

acesso.

É importante ressaltar que, como alerta Silva, M. (2007, p. 218), a formação, por si só,

não é garantia de emprego e mobilidade social. Ao contrário, a formação poderá ser utilizada

como forma de controle e seleção, ao invés de atuar como promotora de bem estar e

mobilidade social.

Outra faceta das políticas neoliberais centra-se na ideia de descentralização. Para

Pacheco (2000, p. 145), a origem das políticas de descentralização está nos imperativos da

eficácia, de participação nas decisões, de transparência dos serviços, de delimitação de

funções, de reconhecimento dos contextos locais, conjugados com a necessidade do

redimensionamento do papel do Estado.

Page 85: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

84

No campo da educação, ocorre um deslocamento da centralidade da nação e dos

cidadãos para o aluno na sua diversidade social e local. Entra em cena a imagem do Estado-

regulador, que adota a estratégia de responsabilização dos professores e das escolas pelo

estado da educação.

O dedo acusador do neoliberalismo vai para as escolas, em geral, e para as

burocracias letárgicas que as controlam, em particular, tornando-as

irresponsáveis tanto para os pais como para o Estado. Daí que as escolas

deixem de ser controladas pelo Estado e passem a funcionar de acordo com

os princípios do mercado livre, isto é, entregando aos pais a escolha e gestão

das escolas que desejam para os seus filhos. (PACHECO, 2000, p. 147)

Há, desta maneira, uma ênfase no individualismo, a partir da qual o currículo, numa

perspectiva neoliberal, deve contribuir para a competitividade, meritocracia e eficiência. O

Estado-regulador irá minimizar suas ações a nível macro, ao passo que fortalecerá seu papel

de definidor do conhecimento oficial, das normas e dos valores (PACHECO, 2000, p. 147).

Por isso a ideia de uma (re)centralização dos poderes do Estado a partir de políticas

descentralizadoras: o Estado centraliza a seleção, organização e avaliação do conhecimento

escolar ao mesmo tempo em que enfraquece sua intervenção no processo de implementação.

Este controle curricular realizado pelo Estado, representado pelo Ministério da Educação, tem

se dado a partir de uma série de intervenções. O estabelecimento de guias/diretrizes

curriculares, que buscam normatizar os diferentes graus de ensino, é a primeira destas

intervenções – fortemente ligada à avaliação e hierarquização das instituições:

O cumprimento das diretrizes curriculares passa a ser então objeto de

verificação e essa verificação condiciona a atuação do estado no sistema

educacional, uma atuação balizada não pela intervenção no sentido de

construção de uma escola de qualidade, mas pela certificação dos

estabelecimentos que permitiria aos ―consumidores‖ com maiores

possibilidades de escolha a aquisição de um bem melhor. Nesse sentido, a

associação entre Estado e cidadão é substituída pela lógica que gere as

relações entre prestador de serviços e consumidor e a estratificação das

opções é garantida e informada pelo próprio Estado. (MACEDO, 2000, p.

10, grifo no original)

Direcionando o foco para o ensino superior, Catani et alli (2001, p. 74), ressaltam que

a idéia básica do Ministério, no caso do ensino superior, foi adaptar os currículos às mudanças

dos perfis profissionais. Para tanto, os autores mostram que os princípios orientadores

adotados para as mudanças curriculares dos cursos de graduação foram: flexibilidade na

Page 86: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

85

organização curricular; dinamicidade do currículo; adaptação às demandas do mercado de

trabalho; integração entre graduação e pós-graduação; ênfase na formação geral; e definição e

desenvolvimento de competências e habilidades gerais.

É possível depreender destes princípios, que a flexibilização da estrutura dos cursos de

graduação foi o objetivo geral que orientou a reforma curricular nesta época:

Ao mesmo tempo, o CNE aprovou, em 3 de dezembro de 1997, o Parecer

no. 776/97 que trata da orientação para as diretrizes curriculares dos cursos

de graduação. Neste documento, o Conselho assume posição em favor da

eliminação da ―figura dos currículos mínimos‖, que teria produzido

―excessiva rigidez‖ e ―fixação detalhada de mínimos curriculares‖,

especialmente no que tange ao ―excesso de disciplinas obrigatórias‖ e

ampliação desnecessária do tempo de duração dos cursos. No lugar dos

―mínimos‖, o CNE propõe uma maior flexibilidade na organização de cursos

e carreiras profissionais que inclui, dentre outros, os seguintes princípios:

ampla liberdade na composição da carga horária e unidades de estudos a

serem ministradas, redução da duração dos cursos, sólida formação geral,

práticas de estudo independentes, reconhecimento de habilidades e

competências adquiridas, articulação teoria-prática e avaliações periódicas

com instrumentos variados (CATANI et alli, 2001, p. 75, grifos no original).

Os cursos de graduação são considerados, neste sentido, como etapa inicial da

formação dos profissionais, pois o acompanhamento das mudanças do mercado de trabalho irá

exigir uma formação continuada. De acordo com Catani et alli (2001), a flexibilização

curricular da educação superior naturaliza o espaço universitário como espaço de formação

profissional em detrimento de processos mais amplos, reduzindo o papel das universidades.

A noção de competências, em oposição à definição de conteúdos, tem sido central nas

reformas educacionais orientadas pelo neoliberalismo e, portanto, na definição das diretrizes

curriculares para o ensino superior. Aliados a esta noção estão os conceitos de

performatividade, individualismo, mercado de trabalho e avaliação – característicos do

neoliberalismo educacional.

Diante disso, a noção de competência mantém o caráter comportamental e a estrita

associação entre escolarização e mundo produtivo que formaram a base da teorização clássica

de currículo, diferenciando-se dos modelos funcionalistas clássicos por serem estabelecidas

numa perspectiva individual.

No que diz respeito à relação entre a noção de competência, performatividade e

individualismo:

Page 87: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

86

A organização curricular com base nos objetivos comportamentais, a

estruturação curricular com base nas competências e o planejamento do

currículo com base na divisão de tarefas fazem parte da mesma lógica que

engendra mecanismos de controle do trabalho docente e discente, de forma a

garantir a eficiência e a eficácia do sistema de ensino. A diferença das

teorias tradicionais de outras épocas e a cultura da performatividade hoje

instituída reside no fato de que, com as primeiras, visava-se à eficiência do

sistema de ensino tendo por base a funcionalidade do sistema social em uma

base coletiva de controle. Em tempos de valorização da performatividade, no

entanto, o foco é o indivíduo e sua possibilidade de se auto-regular por meio

do autoconhecimento. Em outras palavras, na atualidade, é a auto-regulação

das performances do indivíduo que é entendida como base de manutenção do

funcionamento do sistema. (LOPES, 2006, p. 47)

A performatividade pode ser compreendida como um mecanismo de controle indireto

que, ao invés de intervir, prescrever e controlar a realização de cada tarefa estabelece

objetivos/competências e cobra o seu desenvolvimento. Desta forma, a ideia de Estado-

regulador proposta por Pacheco (2000) adquire significado, bem como sua interpretação das

políticas descentralizadas como uma (re)centralização, conforme mostrado anteriormente.

A avaliação de competências em nível nacional evoca a idéia de uma cultura comum,

ou seja, de uma seleção cultural que é universalizada. Tal fato compromete a adaptação

curricular aos contextos, uma vez que as particularidades não serão contempladas nas

avaliações – e no âmbito de uma avaliação nacional não há como ser.

Desta forma, os discursos de uma cultura comum e de performatividade tornam-se

hegemônicos, para Lopes (2006), no que concerne às políticas curriculares contemporâneas:

O discurso que valoriza a cultura comum é potencializado pelo discurso que

valoriza as tradições acadêmicas das disciplinas escolares, pois, de forma

geral, é em nome da legitimidade conferida aos saberes das disciplinas

científicas que são sustentadas as posições que valorizam um conjunto de

saberes entendido como necessário a toda e qualquer pessoa. A cultura da

performatividade, por sua vez, é fortemente alicerçada pela concepção

prescritiva de currículo, na medida em que essa cultura engendra a

concepção de que existe um conjunto de performances adequadas a serem

formadas no indivíduo. Admitindo-se tal conjunto de performances como

desejável ou necessário, admite-se igualmente que existe um determinado

modelo de currículo capaz de formá-lo, sendo importante a difusão de

orientações para sua constituição na prática das escolas. O que, por sua vez,

reforça a concepção de uma cultura comum voltada para a formação de

desempenhos adequados ao mercado ou ao contexto social mais amplo,

confirmando o entrelaçamento desses discursos. (LOPES, 2006, p. 49)

Pode-se depreender que as políticas curriculares contemporâneas expressam, em seus

discursos, as influências do neoliberalismo econômico. Estas expressões, que podem ser

Page 88: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

87

compreendidas por neoliberalismo educativo, englobam uma série de contradições no afã de

direcionar a educação como foco do desenvolvimento econômico das sociedades. Cultura

comum e performatividade passam a ser palavras-chave da prescrição curricular, englobando

o individualismo, a avaliação, as competências, o vocacionalismo, a estratificação, a

descentralização e a contextualização.

É neste contexto que se situam as atuais diretrizes que regulamentam os cursos de

graduação em Música e a formação de professores para a Educação Básica no Brasil. E é a

partir deste contexto que propomos a análise destas diretrizes.

2.2 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS QUE REGULAMENTAM AS

LICENCIATURAS EM MÚSICA

A construção dos projetos pedagógicos dos cursos de Licenciatura em Música – em

nível superior de ensino – é norteada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o

curso de Graduação em Música (aprovadas pela Resolução n. 2, de 08 de março de 2004 do

Conselho Nacional de Educação / Câmara de Ensino Superior) e pelas DCN para a Formação

de Professores para a Educação Básica (aprovada pela Resolução CNE/CP n. 1 de 18 de

fevereiro de 2002).

As diretrizes representam uma reação à rigidez resultante dos currículos mínimos

fixados pelo Conselho Federal de Educação, de acordo com a antiga Lei de diretrizes de

Bases da Educação Nacional 4.024/61 e, posteriormente, também a Lei de Reforma

Universitária 5.540/68.

Estes ―currículos mínimos‖, de acordo com o Parecer CNE/CES 67/200324,

apresentavam normas gerais válidas para todo o país, numa perspectiva de igualdade de

oportunidades, assegurando ao estudante os mesmos conteúdos e até a mesma duração e

denominação em qualquer instituição. Desta forma, garantia-se uma uniformidade mínima

profissionalizante, objetivado em um diploma profissional (que assegurava o exercício dos

direitos e prerrogativas das profissões), e facilitavam-se as transferências entre uma

instituição e outra de diferente localidade.

Obtinha-se, desta maneira, um elevado detalhamento de disciplinas e cargas horárias, a

serem obrigatoriamente cumpridas, sob pena de não ser reconhecido o curso, ou até de não ser

ele autorizado a funcionar quando de sua proposição. Tal fato inibia as instituições de inovar

______________ 24

Este parecer se constitui como um referencial para a elaboração das DCN dos cursos de graduação.

Page 89: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

88

projetos pedagógicos, na concepção dos cursos existentes, para atenderem às exigências de

diferentes ordens.

O Parecer CNE/CES n. 67/2003 compreendeu a questão dos currículos mínimos como

um entrave à qualidade almejada dos cursos de graduação, sobretudo no que dizia respeito à

sua contextualização no espaço e no tempo. Os currículos mínimos encerravam uma

compreensão fechada e engessada de ―profissão‖ e ―profissional‖, de forma que, como afirma

o aludido parecer, quando formados, os profissionais já se encontravam despreparados para o

exercício profissional, cujas características se alteravam vertiginosamente em uma sociedade

neoliberal e globalizada.

A proposição de diretrizes busca, justamente, uma flexibilização na construção

curricular que promova ―[...] a inovação e a diversificação na preparação ou formação do

profissional apto para a adaptabilidade‖ (BRASIL, 2003, p. 2).

Percebe-se claramente, na proposição das diretrizes, as indicações feitas por Catani et

alli (2001) quanto às intenções do governo de flexibilização do ensino superior com vistas à

adaptação frente as mudanças de perfis profissionais.

A questão da educação vista como ―formação‖, relacionando educação e mercado de

trabalho, exposta por Silva, M. (2007) também se faz presente no documento, da mesma

forma que a redução do papel das universidades à formação de profissionais em detrimento de

processos mais amplos de reflexão e pesquisa (cf. CATANI et alli, 2001).

Estar ―apto à adaptabilidade‖, a formação para o mercado de trabalho e a flexibilidade,

podem ser encarados como um reflexo, nas DCN brasileiras, de documentos de órgãos

internacionais. Estes, por exemplo, são temas amplamente abordados no Relatório ―Educação:

um tesouro a descobrir‖ (UNESCO, 1996) elaborado pela Comissão Internacional sobre

Educação para o século XXI da UNESCO.

De acordo com este Relatório, ―estruturas de emprego evoluem à medida que as

sociedades progridem‖ e, consequentemente ―em matéria de qualificação as exigências são

cada vez maiores‖ (UNESCO, 1996, p. 143). Assim, a comissão propõe:

A preocupação com a flexibilidade obriga a preservar, sempre que possível,

o caráter pluridimensional do ensino superior, a fim de assegurar aos

diplomados uma preparação adequada à entrada no mercado de trabalho.

(UNESCO, 1996, p. 147)

A tônica está na ―educação ao longo da vida‖ o que justifica a necessidade do

profissional ―aprender a aprender‖, ou seja, ―estar apto à adaptabilidade‖. É imbuído deste

Page 90: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

89

espírito que os referenciais contidos no Parecer CNE/CES n. 67/2003 estabelecem os

princípios para a elaboração das DCN:

1) Assegurar às instituições de ensino superior ampla liberdade na

composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos

currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem

ministradas;

2) Indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-

aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação de

conteúdos específicos com 3 cargas horárias pré-determinadas, as quais não

poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos;

3) Evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de

graduação;

4) Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro

graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de

exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados

tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa;

5) Estimular práticas de estudo independente, visando uma progressiva

autonomia profissional e intelectual do aluno;

6) Encorajar o reconhecimento de conhecimentos, habilidades e

competências adquiridas fora do ambiente escolar, inclusive as que se

referiram à experiência profissional julgada relevante para a área de

formação considerada;

7) Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa

individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades

de extensão;

8) Incluir orientações para a condução de avaliações periódicas que utilizem

instrumentos variados e sirvam para informar a docentes e a discentes acerca

do desenvolvimento das atividades didáticas. (Parecer CNE/CES n.

776/1997, p. 2 – 3)

Estes princípios contêm uma clara reação aos currículos mínimos, preocupando-se

com a inserção do graduado num mercado de trabalho cada vez mais complexo. Conforme

afirma Catani et alli:

O ideário hegemônico preconiza uma redefinição da Teoria do Capital

Humano na medida em que articula educação e empregabilidade. Na ótica

empresarial tem prevalecido o entendimento de que os novos perfis

profissionais e os modelos de formação exigidos atualmente pelo paradigma

de produção capitalista podem ser expressos, resumidamente, em dois

aspectos: polivalência e flexibilidade profissionais. Isto estaria posto, com

maior ou menor intensidade, para os trabalhadores de todos os ramos e para

todas as instituições educativas e formativas, especialmente as escolas e as

universidades. (CATANI et alli, 2001, p. 71)

Page 91: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

90

Além da flexibilidade e da criatividade garantidas pela elaboração das DCN, o parecer

também confere às universidades a responsabilidade de (não) atender às demandas sociais de

sua região:

Nesse quadro, era mesmo necessária uma espécie de ―desregulamentação‖,

de flexibilização e de uma contextualização dos projetos pedagógicos dos

cursos de graduação, para que as instituições de ensino superior atendessem,

mais rapidamente, e sem as amarras anteriores, à sua dimensão política, isto

é, pudessem essas instituições assumir a responsabilidade de se constituírem

respostas às efetivas necessidades sociais - demanda social ou necessidade

social -, expressões estas que soam com a mesma significação da sua

correspondente ―exigência do meio‖ contida no art. 53, inciso IV, da atual

LDB 9.394/96. (BRASIL, 2003, p. 7, grifos no original)

Observa-se também, a centralidade das ―competências‖, sua relação com o mercado de

trabalho, com a performatividade, e com a avaliação institucional como ―eixo balizador para o

credenciamento e avaliação da instituição, para a autorização e reconhecimento de cursos,

bem como suas renovações, adotados indicadores de qualidade, sem prejuízo de outros

aportes considerados necessários‖ (BRASIL, 2003, p. 8).

Materializa-se, portanto, a imagem do Estado-regulador que minimiza sua atuação na

definição dos currículos mínimos, flexibilizando a construção curricular, mas fortalece sua

posição reguladora, verificando / avaliando a qualidade do ensino superior por meio das

competências desenvolvidas nos graduados. Ou, como bem definiu Macedo (2000),

elaborando um ranking de qualidade das universidades e colocando-o à disposição de pais e

alunos para a escolha do produto que melhor lhes convier.

2.2.1 As DCN para o curso de graduação em Música (2004)

O Parecer CNE/CES n. 0195/2003 apresenta as propostas de Diretrizes Curriculares

dos cursos de graduação em Música, Dança, Teatro e Design. As DCN Música vieram a ser

aprovadas um ano depois, em março de 2004.

O referido parecer afirma que as DCN propostas levaram em consideração as

contribuições de cada área e registra que estas foram acolhidas em grande parte, ―[...] não só

por haver concordância com as idéias suscitadas no conjunto do ideário concebido‖, mas

também ―[...] como forma de reconhecer e valorizar a legitimidade do processo coletivo e

Page 92: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

91

participativo, que deu origem à elaboração dos documentos sobre Diretrizes Curriculares

Gerais dos Cursos de Graduação‖ (PARECER CNE/CES 0195/2003, p. 3).

De acordo com Hentschke (2003, p. 53), que participou da elaboração das diretrizes

como membro da Comissão de Especialistas do Ensino de Música, não houve uma

homologação do documento produzido, mas um ―corta e cola‖. No parecer, os relatores

alegam como motivo para o não acolhimento de todas as propostas apresentadas a existência

de algumas divergências nas formas de visão e de concepção do processo educativo. Observa-

se, assim, a atuação reguladora do Estado na participação da comunidade acadêmica no

processo de definição das normas a serem legitimadas.

As DCN Música (2004) estabelecem que a organização do curso se expressa por meio

do projeto pedagógico, que deve abranger:

[...] o perfil do formando, as competências e habilidades, os componentes

curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades

complementares, o sistema de avaliação, a monografia, o projeto de

iniciação científica ou o projeto de atividade, como trabalho de conclusão de

curso – TCC, componente opcional da instituição, além do regime

acadêmico de oferta e de outros aspectos que tornem consistente o referido

projeto pedagógico. (BRASIL, 2004, p. 1)

O projeto pedagógico deverá especificar uma clara concepção do curso de graduação

em Música, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização. E apresenta

sua estrutura, que deverá abranger os seguintes elementos:

I - objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções

institucional, política, geográfica e social;

II - condições objetivas de oferta e a vocação do curso;

III - cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso;

IV - formas de realização da interdisciplinaridade;

V - modos de integração entre teoria e prática;

VI - formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;

VII - modos da integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;

VIII - cursos de pós-graduação lato sensu, nas modalidades especialização

integrada e/ou subseqüente à graduação, de acordo com o surgimento das

diferentes manifestações teórico-práticas e tecnológicas aplicadas à área da

graduação, e de aperfeiçoamento, de acordo com as efetivas demandas do

desempenho profissional;

IX - incentivo à pesquisa, como necessário prolongamento da atividade de

ensino e como instrumento para a iniciação científica;

X - concepção e composição das atividades de estágio curricular

supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, observado

o respectivo regulamento;

XI - concepção e composição das atividades complementares;

Page 93: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

92

XII – inclusão opcional de trabalho de conclusão de curso sob as

modalidades monografia, projeto de iniciação científica ou projetos de

atividades centrados em área teórico-prática ou de formação profissional, na

forma como estabelecer o regulamento próprio. (BRASIL, 2004, p. 1)

Na estruturação do projeto pedagógico já se pode perceber algumas características

suscitadas anteriormente, como a preocupação com o contexto em que o curso está inserido –

levando em consideração não só a tradição universalista, mas também as particularidades e

necessidades locais, regionais e nacionais; a atenção às inovações tecnológicas, que

influenciam não só a educação, a sociedade e o mercado de trabalho, como também processos

musicais que vão desde sua produção à sua distribuição; e o direcionamento amplo e irrestrito

para o mundo do trabalho, dotando a ―formação‖ superior com atividades de preparação

profissional com vistas à melhor inserção no mercado, como estágios, pesquisas e atividades

complementares.

O perfil desejado do egresso do curso de graduação em música é apresentado no

Artigo 3º:

O curso de graduação em Música deve ensejar, como perfil desejado do

formando, capacitação para apropriação do pensamento reflexivo, da

sensibilidade artística, da utilização de técnicas composicionais, do domínio

dos conhecimentos relativos à manipulação composicional de meios

acústicos, eletro-acústicos e de outros meios experimentais, e da

sensibilidade estética através do conhecimento de estilos, repertórios, obras e

outras criações musicais, revelando habilidades e aptidões indispensáveis à

atuação profissional na sociedade, nas dimensões artísticas, culturais,

sociais, científicas e tecnológicas, inerentes à área da Música. (BRASIL,

2004, p. 2)

Nota-se que o perfil é bastante amplo, uma vez que as DCN admitem diferentes

modalidades e linhas de formação específica. Este perfil mais geral se refere, com maior

ênfase, a atividades composicionais, focando em procedimentos técnicos tradicionais e

contemporâneos – envolvendo as novas tecnologias – além da preocupação com o

desenvolvimento de uma ―sensibilidade artística‖ e ―estética‖ – indo de acordo com a idéia de

transcender aspectos meramente mecanicistas e tecnicistas da música.

Não se pode afirmar que as diretrizes definem, no perfil do egresso, uma concepção de

música legítima. Aliás, o perfil fala de estilos, repertórios, obras e criações musicais – todos

no plural, revelando uma preocupação com a diversidade e com a conexão com as demandas

sócio-profissionais. Da mesma forma, não se tem uma definição clara de artista/músico, senão

Page 94: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

93

pistas de engajamento social e cultural, além de um profissional reflexivo, sensível e atento às

inovações tecnológicas.

O Artigo 4º apresenta as competências e habilidades que deverão ser desenvolvidas no

graduando:

O curso de graduação em Música deve possibilitar a formação profissional

que revele, pelo menos, as seguintes competências e habilidades para:

I - intervir na sociedade de acordo com suas manifestações culturais,

demonstrando sensibilidade e criação artísticas e excelência prática;

II - viabilizar pesquisa científica e tecnológica em Música, visando à criação,

compreensão e difusão da cultura e seu desenvolvimento;

III - atuar, de forma significativa, nas manifestações musicais, instituídas ou

emergentes;

IV - atuar nos diferenciados espaços culturais e, especialmente, em

articulação com instituição de ensino específico de Música;

V - estimular criações musicais e sua divulgação como manifestação do

potencial artístico. (BRASIL, 2004, p. 2)

As competências definem o graduado em música como um agente cultural (agente

aqui referindo literalmente a uma postura ativa) que revele ―excelência prática‖, capaz de

lidar com as mais diversas formas de manifestações musicais – sejam elas as tradicionalmente

instituídas ou emergentes. Fica evidente a noção de que este profissional lidará, entre outras

possibilidades de atuação profissional, com o ensino específico de Música – o que nos remete

ao que Jardim (2008) apresenta como o perfil do ―músico professor‖:

O músico, cantor ou instrumentista, não recebe apenas, uma instrução para

capacitar-se no domínio de seu instrumento, mas também desenvolve,

durante o processo de sua formação, competências, técnicas e treinamentos

que são condições essenciais para sua realização. Por essa razão, se não for o

único capaz, certamente, o instrumentista será o mais indicado para ensinar o

seu instrumento. Contudo, existe uma distância entre saber fazer e ser capaz

de transmitir o seu conhecimento, visto que, entre tocar e lecionar, o

profissional mobiliza diferentes habilidades (JARDIM, 2008, p. 31).

Logo, o documento prevê, além do desenvolvimento de competências relacionadas à

―excelência prática‖, outras de dimensão pedagógica, o que revela uma clareza na situação

profissional do músico na sociedade contemporânea que encontra na docência, grande parte

das vezes, sua principal fonte de subsistência.

A seleção e a distribuição do conhecimento são orientadas pelo Artigo 5º:

Page 95: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

94

O curso de graduação em Música deve assegurar o perfil do profissional

desejado, a partir dos seguintes tópicos de estudos ou de conteúdos

interligados:

I - conteúdos Básicos: estudos relacionados com a Cultura e as Artes,

envolvendo também as Ciências Humanas e Sociais, com ênfase em

Antropologia e Psico-Pedagogia;

II - conteúdos Específicos: estudos que particularizam e dão consistência à

área de Música, abrangendo os relacionados com o Conhecimento

Instrumental, Composicional, Estético e de Regência;

III - conteúdos Teórico-Práticos: estudos que permitam a integração

teoria/prática relacionada com o exercício da arte musical e do desempenho

profissional, incluindo também Estágio Curricular Supervisionado, Prática

de Ensino, Iniciação Científica e utilização de novas Tecnologias. (BRASIL,

2004, p. 2)

A distribuição do conhecimento, expressa pelas diretrizes, guarda certa semelhança

com o ensino de música praticado pelos jesuítas no Brasil colônia e que Binder e Castagna

(1996) afirmam terem sido unificados na instituição do Conservatório. Observe-se a Figura 1,

na página a seguir, que esquematiza estas semelhanças:

Page 96: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

95

Figura 1 – Quadro comparativo – Distribuição do conhecimento no Brasil Colônia, Conservatório, INM e DCN Música (2004)25

______________ 25

As estruturas curriculares do Conservatório Imperial (1848) e do Instituto Nacional de Música (1930) estão de acordo com os decretos que instituíram os mesmos: Decreto

n. 496, de 21 de janeiro de 1847, o primeiro; e Decreto n. 143 de 12 de janeiro de 1890, o último.

Page 97: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

96

Os Conteúdos Básicos corresponderiam ao estudo especulativo, ou seja, o estudo de

outras áreas do conhecimento, em interface com a música, que conduzirão a uma reflexão

sobre o fazer musical, inserindo-o em contextos mais amplos, sejam eles antropológicos,

sociológicos e/ou psicopedagógicos.

A escolha por enquadrar os estudos ligados à composição como referentes a uma

maior especulação sobre música justifica-se pelo fato de estes estudos, também teóricos,

conduzirem a uma reflexão sobre música: processos estruturais, intenções harmônicas e

estéticas; diferentemente da teoria rudimentar intrinsecamente ligada à execução prática.

A música prática – que à época dos jesuítas abordava de maneira unificada teoria e

prática, sendo a primeira em favor da última – estaria representada pelos Conteúdos

Específicos de Música e pelos Conteúdos Teórico-Práticos. Nota-se que o Conservatório

separou a teoria da prática, conferindo àquela um status de disciplina. Apesar de ―teoria‖, no

âmbito do Conservatório, referir-se aos conhecimentos sobre a partitura (notação musical,

percepção, solfejos), podemos trabalhar com a idéia de ―teoria‖ de uma maneira mais ampla e

notar que, nas DCN Música (2004), teoria e prática devem ser novamente integradas visando

o exercício da prática musical e um bom desempenho profissional.

Não há também, neste artigo 5º das DCN, uma indicação sobre a concepção de música

– dados que norteiem a seleção cultural, indicando um conhecimento musical oficial,

legitimado. Encontra-se apenas uma referência à primazia da performance, representada pela

prática instrumental, composicional e de regência, de maneira similar aos conteúdos

trabalhados pelo Conservatório / Instituto Nacional de Música. Mais uma vez há a referência

às novas tecnologias, indicando uma conscientização dos avanços tecnológicos e de seus

impactos na área musical.

A flexibilidade na distribuição do conhecimento está garantida pelas DCN, uma vez

que não há a fixação de disciplinas e/ou carga horária, cabendo às IES a decisão sobre a

operacionalização destes conteúdos.

As DCN conferem flexibilidade também quanto ao regime acadêmico, que poderá ser:

regime seriado anual;

regime seriado semestral;

sistema de crédito por disciplina ou por módulos acadêmicos, com a adoção de

pré-requisitos ou outros modelos operacionais que atendam pelo menos, aos

mínimos de dias letivos ou semestre ou ano, independentes do ano civil, ou ao

crédito/carga horária atribuídos a cada curso.

Page 98: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

97

O Artigo 7º trata especificamente do Estágio Supervisionado, atividade de integração

teoria/prática e voltada para a aquisição de competências a partir de experiências concretas no

mercado de trabalho. Este deve ser regulado por documento elaborado por cada curso, e

poderá acontecer na própria IES – como atividades de ensino em projetos de extensão, recitais

didáticos direcionados à comunidade acadêmica e externa, etc.

As experiências adquiridas em ―laboratórios‖ profissionais remetem ao pensamento

pragmático de Dewey (2010) e as possibilidades da educação pela experiência26.

As Atividades Complementares a que se referem o Artigo 8º possibilitam às

Instituições de Ensino Superior o reconhecimento de habilidades e competências do aluno

adquiridas até mesmo fora do ambiente Acadêmico – não se confundindo com as atividades

de estágio curricular supervisionado – por meio das quais o mesmo alargará o seu currículo

com experimentos e vivências internos ou externos ao curso. Elas podem incluir: projetos de

pesquisa, monitoria, iniciação científica, projetos de extensão, módulos temáticos, seminários,

simpósios, congressos, conferências, além de disciplinas oferecidas por outras instituições de

ensino ou de regulamentação e supervisão do exercício profissional, ainda que esses

conteúdos não estejam previstos no currículo pleno de uma determinada Instituição mas nele

podem ser aproveitados porque circulam em um mesmo currículo, de forma interdisciplinar, e

se integram com os demais conteúdos realizados.

Estas atividades podem ser entendidas também como características de flexibilidade: o

reconhecimento do desenvolvimento de competências e habilidades por meio de atividades

que ocorram fora das tradicionais disciplinas, em contato direto com atividades profissionais.

O que nos remete, novamente, ao Relatório da UNESCO (1996) e seu conceito de educação

ao longo da vida: ―Em suma, a ‗educação ao longo de toda a vida‘, deve aproveitar todas as

oportunidades oferecidas pela sociedade‖ (UNESCO, 1996, p. 117, grifo no original).

Os demais artigos das DCN Música tratam da opção de se incluir um Trabalho de

Conclusão de Curso e suas implicações e da duração do curso – que será fixada em parecer

próprio. Em se tratando da formação de docentes – licenciatura plena, o Artigo 12 afirma que

______________ 26

John Dewey (1859 – 1952) é conhecido como um dos mais importantes pensadores e filósofos da educação da

era moderna. De acordo com Boto (2006, p. 601), Dewey é representante do pragmatismo e desenvolve sua

perspectiva acerca da educação a partir de uma interpretação das próprias ideias de cultura e democracia. Na

obra ―Experiência e Educação‖, escrita em 1938, o autor desenvolve as ideias de uma filosofia da educação

baseada na experiência, criticando os modelos representados pela escola tradicional e pela chamada ―escola

progressiva‖. Dewey imagina as escolas como grandes laboratórios que promovem a educação a partir

experiências ricas, cujo objetivo final é o desenvolvimento, nos alunos, da capacidade de discriminação crítica

e da habilidade de raciocinar.

Page 99: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

98

os cursos de graduação em Música deverão observar as normas específicas relacionadas com

essa modalidade de oferta.

É possível inferir que as DCN Música (2004) refletem as políticas educacionais do

período, buscando flexibilização, performatividade e a inserção do graduado no mercado de

trabalho. Além disso, o documento enfatiza a relação com a sociedade contemporânea e suas

manifestações culturais, entendendo a necessidade de se atender às demandas regionais e aos

avanços tecnológicos.

2.2.2 As DCN para a formação de professores da Educação Básica (2002)

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação

Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena foram instituídas pela

Resolução CNE/CP n.1, de 18 de fevereiro de 2002.

O Artigo 1º declara que estas diretrizes constituem-se de um conjunto de princípios,

fundamentos e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de

cada estabelecimento de ensino e aplicam-se a todas as etapas e modalidades da educação

básica. Além disso, no Artigo 2º, fica clara a influência da Declaração de Jomtien (Tailândia,

1990) ao se tratar da necessidade de ―acolhimento e trato da diversidade‖ e do ―ensino voltado

à aprendizagem do aluno‖.

Silva, M. (2007), como informado anteriormente, analisou o ―deslizamento

semântico‖ de educação para aprendizagem (education out e learning in). Para este autor, este

dado pode traduzir um indicador de mudança conceitual no campo educativo, acompanhando

as tendências mais gerais de individualização que vêm caracterizando as sociedades atuais

(SILVA, M. 2007, p. 210). Souza e Lucena (2008, p. 8) relacionam o conceito de

individualismo como uma acepção de cidadania derivada dos ideais neoliberais, o conceito de

cidadania sob a lógica do capital é marcado por um acentuado individualismo, uma

exacerbada competitividade, sendo que o cidadão é visto como cliente na concepção do

estado.

Relacionado ao individualismo, estão sempre os conceitos de competitividade,

meritocracia, eficiência, produtividade, temas constantes do pensamento neoliberal. Neste

sentido, a educação é ofertada para todos, como o declarado em Jomtien (1990), o sucesso

dependerá de cada um, de sua luta/estratégia individual para a aquisição/manutenção de

posições no campo social. Entretanto, esquece-se de que o acesso à educação, aos

Page 100: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

99

conhecimentos legitimados pela escola, está intimamente ligado à história de cada um, à

acumulação de capital de cada família, que, por sua vez, depende de fatores econômicos,

culturais e sociais.

Conclui-se que a educação é, pois, para todos, todos aqueles que têm condição de

acessá-la em sua plenitude. A ideia de igualdade democrática prende-se à oferta, mas não

garante o acesso. Logo, eficiência e mobilidade social estão comprometidas e a culpa é

colocada no cidadão.

Segundo a resolução CNE/CP n.1, a formação de professores que atuarão nas

diferentes etapas e modalidades da educação básica deve observar princípios norteadores

desse preparo para o exercício profissional específico, que considerem:

I - a competência como concepção nuclear na orientação do curso;

II - a coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro

professor, tendo em vista:

a) a simetria invertida, onde o preparo do professor, por ocorrer em lugar

similar àquele em que vai atuar, demanda consistência entre o que faz na

formação e o que dele se espera;

b) a aprendizagem como processo de construção de conhecimentos,

habilidades e valores em interação com a realidade e com os demais

indivíduos, no qual são colocadas em uso capacidades pessoais;

c) os conteúdos, como meio e suporte para a constituição das competências;

d) a avaliação como parte integrante do processo de formação, que

possibilita o diagnóstico de lacunas e a aferição dos resultados alcançados,

consideradas as competências a serem constituídas e a identificação das

mudanças de percurso eventualmente necessárias.

III - a pesquisa, com foco no processo de ensino e de aprendizagem, uma vez

que ensinar requer, tanto dispor de conhecimentos e mobilizá-los para a

ação, como compreender o processo de construção do conhecimento.

(RESOLUÇÃO CNE/CP 01/2002, p. 2)

Nesse sentido, reitera a ―formação‖ por meio do desenvolvimento de ―competências‖ e

a necessidade de se buscar uma contextualização entre a formação do professor e sua prática,

levando em consideração a realidade da sociedade contemporânea e as demandas locais.

Os artigos que se seguem continuam focando nas ―competências‖ necessárias à

formação do futuro professor e sua atuação profissional, competências estas que deverão ser

norteadoras, tanto da proposta pedagógica, em especial do currículo e da avaliação, quanto da

organização institucional e da gestão da escola de formação. Logo, percebe-se que o

desenvolvimento de competências está no centro do processo educativo.

De acordo com o Artigo 5º, o projeto pedagógico deverá levar em conta que:

Page 101: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

100

I - a formação deverá garantir a constituição das competências objetivadas

na educação básica;

II - o desenvolvimento das competências exige que a formação contemple

diferentes âmbitos do conhecimento profissional do professor;

III - a seleção dos conteúdos das áreas de ensino da educação básica deve

orientar-se por ir além daquilo que os professores irão ensinar nas diferentes

etapas da escolaridade;

IV - os conteúdos a serem ensinados na escolaridade básica devem ser

tratados de modo articulado com suas didáticas específicas;

V - a avaliação deve ter como finalidade a orientação do trabalho dos

formadores, a autonomia dos futuros professores em relação ao seu processo

de aprendizagem e a qualificação dos profissionais com condições de iniciar

a carreira. (BRASIL, 2002, p. 2)

Neste artigo fica clara a necessidade de se levar em consideração as demandas da

educação básica. Além disso, a questão da seleção de conteúdos também merece destaque,

uma vez que há algumas orientações a este respeito: em primeiro lugar, determina-se que os

conteúdos não devem limitar-se àquele que será ensinado nas diferentes etapas da

escolaridade; além disso, deve-se procurar uma articulação do conhecimento específico com o

conhecimento pedagógico que lhe é peculiar. Neste sentido, nota-se uma preocupação em não

conferir à formação pedagógica como um adendo à formação específica, concebendo-as de

maneira articulada, evitando uma repetição do antigo modelo 3+1.

Com relação à avaliação, existe, também, um direcionamento para que esta não seja

pensada e aplicada meramente com caráter punitivo, somativo. Ao contrário, esta deve ser

uma resposta para os professores formadores orientarem seu trabalho (assumindo um caráter

diagnóstico) e orientarem suas ações. Quanto aos futuros professores, percebe-se que a

avaliação também reforça o individualismo, ao conferir-lhes ―autonomia em relação ao seu

processo de aprendizagem‖.

As competências dão o tom do Artigo 6º, bem como as pistas sobre a seleção do

conhecimento necessário para o desenvolvimento das mesmas: comprometimento com

valores inspiradores da sociedade democrática; compreensão do papel social da escola;

domínio dos conteúdos específicos – relacionados com diferentes contextos; caráter

interdisciplinar dos conteúdos; domínio do conhecimento pedagógico; inserção em atividades

de pesquisa; autonomia profissional. O artigo deixa claro que este conjunto de competências

listadas não esgota as possibilidades de formação do professor, mas pontua demandas

importantes oriundas da legislação vigente. Além disso, reforça-se a importância de constante

articulação com a educação básica.

O parágrafo 3º deste artigo afirma que:

Page 102: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

101

§ 3º A definição dos conhecimentos exigidos para a constituição de

competências deverá, além da formação específica relacionada às diferentes

etapas da educação básica, propiciar a inserção no debate contemporâneo

mais amplo, envolvendo questões culturais, sociais, econômicas e o

conhecimento sobre o desenvolvimento humano e a própria docência,

contemplando:

I - cultura geral e profissional;

II - conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí

incluídas as especificidades dos alunos com necessidades educacionais

especiais e as das comunidades indígenas;

III - conhecimento sobre dimensão cultural, social, política e econômica da

educação;

IV - conteúdos das áreas de conhecimento que serão objeto de ensino;

V - conhecimento pedagógico;

VI - conhecimento advindo da experiência. (BRASIL, 2002, p. 3)

O conhecimento específico deve estar amplamente contextualizado com a realidade

globalizada, levando em consideração questões culturais, sociais e econômicas. A seleção dos

conhecimentos está especificada neste parágrafo e denota uma preocupação que transcende o

domínio do conhecimento específico e pedagógico, conferindo ao professor o perfil de um

profissional consciente das mais variadas questões que afetam o local onde ele está inserido.

O Artigo 11 trata da organização da matriz curricular, ou seja, da distribuição do

conhecimento, que se expressa em torno dos seguintes eixos:

I - eixo articulador dos diferentes âmbitos de conhecimento profissional;

II - eixo articulador da interação e da comunicação, bem como do

desenvolvimento da autonomia intelectual e profissional;

III - eixo articulador entre disciplinaridade e interdisciplinaridade;

IV - eixo articulador da formação comum com a formação específica;

V - eixo articulador dos conhecimentos a serem ensinados e dos

conhecimentos filosóficos, educacionais e pedagógicos que fundamentam a

ação educativa;

VI - eixo articulador das dimensões teóricas e práticas. (BRASIL, 2002, p. 5)

Os eixos visam preparar o futuro professor para a ação educativa, buscando a

articulação entre todos os conhecimentos selecionados para a formação: profissionais,

específicos e pedagógicos.

A duração do curso, de acordo com o Artigo 12, será definida em parecer apropriado.

É a Resolução CNE/CP 2 de 19 de fevereiro de 2002 que determina a duração mínima de três

anos letivos e a constituição da carga horária do curso, de 2800 horas. Estas horas são

divididas da seguinte maneira:

Page 103: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

102

I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular,

vivenciadas ao longo do curso;

II - 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do

início da segunda metade do curso;

III - 1800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares de

natureza científico-cultural;

IV - 200 (duzentas) horas para outras formas de atividades acadêmico-

científico-culturais.

Parágrafo único. Os alunos que exerçam atividade docente regular na

educação básica poderão ter redução da carga horária do estágio curricular

supervisionado até o máximo de 200 (duzentas) horas. (BRASIL, 2002a, p.

1)

A prática deverá, segundo as DCN (2002), estar articulada com o curso desde o seu

início, não se restringindo ao estágio supervisionado. Todas as disciplinas deverão ter sua

dimensão prática, não se restringindo às disciplinas de caráter pedagógico. Mais uma vez

pode-se notar a preocupação com a formação pedagógica permeando todo o período de

formação, evitando o modelo de complementação pedagógica dos bacharelados (modelo

3+1).

O Artigo 13 dá mais instruções com relação à prática, recomendando que esta seja

desenvolvida com ênfase nos procedimentos de observação e reflexão, visando à atuação em

situações contextualizadas, com o registro dessas observações realizadas e a resolução de

situações-problema. Além disso, o artigo mostra que a prática não prescinde de ação e

observação diretas, podendo ser enriquecida com tecnologias da informação, incluídos o

computador e o vídeo, narrativas orais e escritas de professores, produções de alunos,

situações simuladoras e estudo de casos.

No que tange ao estágio, o Artigo 13 informa que este deverá ser realizado a partir da

segunda metade do curso, em escolas da educação básica; devendo ser avaliado

conjuntamente pela escola formadora e a escola campo de estágio.

Os últimos artigos reforçam a importância da flexibilidade e da interdisciplinaridade

no processo de formação, além de sugerirem mecanismos de formação continuada (o que

novamente nos remete à ―educação ao longo da vida‖) que permita o retorno ―planejado e

sistemático às agências formadoras‖ (BRASIL, 2002a, p. 6).

Em suma, as diretrizes reafirmam características do neoliberalismo educativo, com

ênfase na formação para o trabalho estruturada pelo desenvolvimento de competências,

marcada pela flexibilidade e a interdisciplinaridade. A ligação com as escolas da educação

básica é fundamental, e presente em todo o documento, demonstrando a necessidade de

articulação entre os diferentes graus de ensino. O documento expressa o cuidado em evitar o

Page 104: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

103

modelo 3+1, de complementação pedagógica, norteando a construção de cursos com uma

identidade própria.

2.2.3 Currículos dos cursos de Licenciatura em Música no Brasil e em alguns outros

países

As diretrizes normalizam a construção curricular para a formação de professores de

música no Brasil. Entretanto, cabe às instituições interpretar estas diretrizes e materializar o

currículo de formação, objetivando seu conceito de professor de música, aí inseridos também

não somente a concepção de música, como a de educação musical, estética, artística.

No contexto de grandes e rápidas mudanças, Aróstegui (2011, p. 1) adverte que

ensinar música assume um novo sentido de possibilidades e desafios: isto exige que a

formação de professores de música seja repensada e re-imaginada.

Na revisão da literatura produzida sobre as questões curriculares concernentes às

licenciaturas em Música (FREIRE, 1992; KLEBER, 2000; PIRES, 2003; DENARDI, 2006;

BÚJEZ, 2007; JARDIM, 2008; LUEDY, 2009; entre outros), delineiam-se algumas questões

principais, como a divergência na concepção do perfil do profissional responsável pelo ensino

de música na educação básica, a dicotomia música x educação (conteúdo específico x

conteúdo pedagógico), a integração do conhecimento e a falta de relação com a realidade

escolar (extra-universitária). Problemas estes, aliás, que são considerados na formulação das

diretrizes brasileiras.

Aróstegui (2011) percebe, em suas análises, a existência de um paradigma educacional

tradicionalmente aplicado em educação musical (e, por conseguinte, nos cursos de

licenciatura em música) que incide, geralmente, sobre o conteúdo musical, muitas vezes como

um processo conducente apenas à realização de habilidades musicais. Entretanto, a integração

entre conhecimento específico e pedagógico é bastante enfatizada pelas diretrizes curriculares

nacionais.

Neste sentido, a diversidade, ou a ausência de uma direção clara, do papel que a

música deveria desempenhar na educação obrigatória é refletida cursos de Licenciatura em

Música, que apresentam, por sua vez, uma concepção muito ampla do perfil de seu egresso.

Esta discussão influencia na definição do perfil do egresso ensejado pelos cursos de

licenciatura da área e, consequentemente, na sua construção curricular.

Page 105: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

104

A definição do perfil do egresso acaba por conduzir, na estruturação curricular de sua

formação, a uma dualidade entre Música (conteúdo específico) e Educação (conteúdos

pedagógicos). Em estudos realizados em cursos no exterior responsáveis pela formação do

professor de música (HEILING, 2011; CISNEROS-COHERNOUR, 2011; LAURICICA,

2011; MATEIRO, 2011; ARÓSTEGUI, 2011; MALBRÁN, 2011), percebe-se que esta

dualidade está presente tanto nas preferências dos alunos (que se sentem atraídos e se dedicam

mais às disciplinas relacionadas à música) como na distribuição do conhecimento: o

quantitativo de disciplinas relacionadas às habilidades musicais e de disciplinas relacionadas

aos conteúdos pedagógicos (gerais e específicos do ensino de música).

Na Suécia, Heiling (2011) mostra que os alunos, que têm liberdade para escolher seu

percurso curricular, têm uma formação musical aprofundada, que os prepara também para

atuar como músicos. Desta forma, dividem o seu tempo entre a atividade musical e a

docência, preferindo atuar na educação secundária (onde o ensino tende a ser mais

especializado).

Já no México, Cisneros-Cohernour (2011) ressalta que 90% do curso são focados em

educação e apenas 10% em Artes. Além disso, as disciplinas relacionadas à música são

ensinadas como se fossem conteúdos musicais e não conteúdos para estudantes que estão

sendo formados para ensinar música. Não há uma ênfase em ―didática musical‖ ou numa

pedagogia musical (CISNEROS-COHERNOUR, 2011, p. 61).

Na Universidade Pública de Navarre, na Espanha, Lauricica (2011, p. 80) mostra que

o currículo vai de disciplinas mais gerais nos primeiros anos em direção a conteúdos mais

específicos e práticos. O primeiro ano é focado em bases teóricas mais gerais – o que inclui

bases psico-sócio-pedagógicas da educação e o desenvolvimento das crianças nas escolas. O

segundo ano inclui o ensino específico relacionado à base cultural comum e dispensa especial

atenção ao treinamento musical teórico e prático. Já o terceiro ano encerra a formação em

educação musical com conteúdos pedagógicos e aplicados.

Esta dualidade entre música e educação expressa-se também na dicotomia músico–

professor. Malbrán (2011) trata desta questão quando analisa o currículo da Universidade

Nacional de La Plata – Argentina:

Dar sentido ao currículo de Música envolve a diferenciação entre um

professor com alguma formação musical e um músico que foi também

formado como um pedagogo. O primeiro é um professor que atua nas salas

de aula responsável pelas matérias das escolas primárias que teve algum tipo

de treinamento musical. O segundo é um músico capaz de ensinar em todos

Page 106: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

105

os níveis educacionais. A duração dos estudos e a qualificação final devem

ser diferentes27

(Malbrán, 2011, p. 108, tradução nossa).

No Brasil, Mateiro (2011) comenta que 48% dos estudantes da UDESC gostariam de

ser professores, mas nenhum deles cita a escola regular como lócus de atuação. Este dado é

bastante significativo, uma vez que os cursos de Licenciatura no Brasil visam, especialmente,

a formação de professores para a educação básica. A formação do professor de música que

atuará em outros espaços que não a escola regular deve se dar em que curso: no Bacharelado

ou nas Licenciaturas? Deve-se abrir uma modalidade especial para estes casos ou deve-se

formar um profissional polivalente (ideal na sociedade neoliberal)?

Estas são questões que devem ser respondidas por cada instituição na organização de

seus projetos pedagógicos, aonde indicarão a vocação do curso e detalharão o perfil dos seus

egressos.

Assim, pode-se inferir que a dualidade entre Música e Educação se reflete em

diferentes desenhos curriculares que, por sua vez, formam diferentes tipos de profissionais:

músicos, músicos professores de músicos, músicos professores de música, professores

especializados em música, professores com treinamento musical, etc.

A partir da leitura destes estudos de caso organizados no livro Educating Music

Teachers for the 21st century por Aróstegui (2011), podemos explicitar também algumas

questões que os permeiam e que ilustram, com exemplos de diversos países, algumas

dificuldades que podem ocorrer na interpretação das diretrizes brasileiras.

A questão das competências, por exemplo. Na visão de Heiling e Aróstegui (2011, p.

204), a construção de um currículo a partir de competências implica em perder a visão

holística que qualquer curso – e até mesmo que qualquer experiência humana – propicia a

todos os estudantes que estão além das análises. Para os autores, o todo é sempre maior do

que a soma de suas partes e estes elementos, em sistemas complexos como a formação de

professores de música, não podem simplesmente ser enumerados. Não importa quão

abrangente e detalhada a lista de competências de um curso: ela nunca estará completa, uma

vez que todas as experiências que o programa propicia têm partes que não podem ser

expressas em termos de competências e habilidades. Para Heiling e Aróstegui (op. Cit.) as

______________ 27

"Giving meaning to the curricula for Music involves differentiating between a teacher with some music

training and a musician who has been also formed as a pedagogue. The first is a classroom teacher in the

matters of primary schools who has done some musical training. The second is a musician able to teach in all

educational levels. The length of studies and the final qualification must be different."

Page 107: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

106

competências não são o problema, mas o desejo de definir os programas de formação apenas a

partir delas.

Outra questão enfatizada pelas diretrizes brasileiras e abordada nos estudos de caso

organizados por Aróstegui (2011) é a falta de conexão entre o curso superior e a realidade, por

exemplo. Alunos do México, Espanha e Brasil se queixam da disparidade entre a formação

deles e a realidade encontrada nas escolas já nos estágios. Aróstegui (2011, p. 197) fala, por

exemplo, do repertório infantil utilizado nas aulas que, apesar da diversidade de gêneros

utilizados, na maioria das vezes não se enquadra à realidade cultural dos alunos nas escolas.

Lauricica (2011, p. 97) comenta que ―[...] os professores atuantes também afirmaram que o

grau oferecido é um caminho idílico que não leva em consideração a realidade que os

estudantes irão enfrentar quando eles ingressarem no mercado de trabalho28.‖

A relação estreita com a educação básica, tão defendida nas diretrizes brasileiras,

pode ser a forma mais eficaz de evitar esta visão idílica, entretanto, é preciso estar claro que

esta relação não é fácil quando colocada em prática.

Outro problema relatado diz respeito à presença de uma visão tradicional de educação

musical vinculada ao século XIX. Esta visão engloba vários pontos já abordados, como a

questão da formação do músico em detrimento da formação do professor e o distanciamento

da realidade cultural fora dos cursos de formação.

No caso da Suécia, Heiling (2011) utiliza conceitos de Basil Bernstein para pensar o

currículo de formação de professores. De acordo com o autor, percebe-se na Suécia, nas

últimas décadas, um movimento em direção a um currículo mais integrado. Como razões,

Heiling (2011, p. 40) aponta a necessidade de adaptação a um rápido aumento de novos

corpos de conhecimento, a necessidade de adaptação dos conhecimentos de formação para um

mercado de trabalho mais flexível, a promoção da democracia e igualdade pelo currículo

integrado com um fraco enquadramento além do que esta integração auxilia os indivíduos a

criar sentidos em um mundo complicado por meio do próprio esforço em fazer analogias e

sínteses. Parece-nos que este currículo integrado é o objetivo das diretrizes brasileiras, que

apresenta justificativas bastante similares às razões suecas.

No currículo integrado o conhecimento é organizado por um princípio no qual

matérias e cursos estão subordinados a ideias mais amplas, o que apaga as fronteiras entre as

disciplinas (e que nos remete aos eixos apresentados pelas DCN, 2002). Em oposição a esta

______________ 28

―(...) in-service teachers also affirmed that the degree is offered in an idyllic way without taking into account

the reality that students will face when they enter the workplace‖.

Page 108: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

107

ideia, há o currículo coleção, onde o conhecimento é hierarquicamente organizado em forma

de disciplinas isoladas, onde o poder está nas mãos do professor – que controla o quê, quando

e como os alunos devem aprender. Para Heiling (2011, p. 40), um exemplo de código de

coleção está na velha tradição mestre-aprendiz – típica dos conservatórios.

Os professores especialistas, para Heiling (2011, p. 44) representam o currículo

coleção, e são os que apresentam dificuldades por terem de se adaptar às novas tendências

escolares suecas – tendências para um currículo mais integrado. Para o autor, construir um

programa de formação de professores baseado na integração e manter o conceito de músico

especialista é uma empreitada delicada, mas necessária. Ele ainda relaciona o currículo

coleção à tradição musical ocidental em oposição aos ideais voltados ao pluralismo cultural:

Com uma ênfase na tradição musical ocidental que permeia o predominante

código de coleção com forte classificação e enquadramento, o pluralismo

não será alcançado29

. (HEILING, 2011, p. 47, tradução nossa)

No Brasil, Mateiro (2011) ressalta, que a música erudita ocidental é hegemônica nos

cursos de formação de professores, em detrimento da música popular, que faz parte da

realidade cultural das escolas regulares do país:

Um estudante ressaltou, durante sua apresentação dos resultados, que a

música erudita é tida em alta conta nos cursos de música, enquanto a música

popular brasileira não tem um papel importante na universidade. Eu sei que

esta afirmação é relevante e também verdadeira, então, é tempo de pensar

sobre novas alternativas porque parece que a introdução de variados estilos

de música nas diferentes disciplinas do curso na universidade não é

suficiente30

. (MATEIRO, 2011, p. 170, tradução nossa)

A visão de educação musical do século XIX, fortemente ligada à música erudita

ocidental e focada na formação do músico virtuose, influencia sobremaneira as relações

tecidas entre Música e Educação nos programas de formação de professores. A idéia de que

formar músicos equivale a formar professores de música é característica desta visão – como

pode ser observado no capítulo anterior – e várias implicações curriculares estão ligadas a ela.

______________ 29

―With an emphasis on the western music tradition that permeates the predominant collection code with strong

classification and strong frames the pluralism will not be reached.‖ 30

―A student highlighted during the presentation of the results that classical music is held in higher esteem in

music degrees, whereas Brazilian popular music does not play an important role at the university. I know that

this statement is important and also true, so it is time to think about new alternatives because it seems that the

introduction of varied music styles in the different subjects of the degree at university is not enough.‖

Page 109: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

108

Bouiji (1998) e Bladth (2002) estudaram a formação de professores de

música da perspectiva dos estudantes. Eles concluíram que os programas que

formam músicos especialistas defendem, principalmente, a identidade do

"músico" e têm problemas na construção da identidade do professor. A

prática de ensino geralmente oferece experiências negativas; as crianças não

são motivadas, seu conhecimento música é pouco e o trabalho com eles não

é garantido pela identidade de músico do professor, que é arraigada

profundamente. Logo, o ensino não é o que os alunos escolhem se eles

tiverem alternativas. E alternativas eles têm; eles podem ser músicos.

Entretanto, se o curso de formação de professores de música oferecer espaço

para ambas identidades e promover também a construção da identidade do

professor - isto é, contextualizá-la numa realidade familiar e construí-la junto

com outros estudantes - o programa irá obter sucesso na preparação dos

estudantes para as tensões da vida profissional31

. (HEILING, 2011, p. 47 –

48, grifo no original, tradução nossa)

O autor mostra que os alunos têm alternativas no mercado de trabalho e as

experiências negativas com a educação fazem com que estes escolham outros lugares de

atuação que não as escolas regulares. O perfil do músico não se adéqua às necessidades das

escolas: em geral, músicos são treinados para lidar com pessoas interessadas em música –

realidade muitas vezes diversa das escolas da educação básica em se tratando de música

erudita.

Para Malbrán (2011, p. 102), a tarefa de formatar um currículo para educadores

musicais deve ser ao mesmo tempo realista e visionária: realista sobre o papel da música nas

escolas hoje e visionário para fornecer uma visão mental antecipatória do tipo de escola que

desejamos para as próximas décadas.

Aróstegui (2011) ressalta que a tradição de uma didática da expressão musical, que

vem das escolas normais e conservatórios do século XIX, pode estar levando os professores a

utilizar um método de ensino de uma forma desarticulada. Segundo o autor, os formadores de

futuros professores podem não estar conscientes o suficiente do motivo pelo qual eles mantêm

o modelo de professor de música que eles treinam: eles apenas reproduzem um modelo.

______________ 31

―Bouiji (1998) and Bladth (2002) have studied music teacher education from the student perspective. They

found that music specialist programmes primarily support the role identity of a ―musician‖ and have problems

with fostering a teacher identity. Teaching practice often gives negative experiences; the kids are not

motivated, their music knowledge is low and to work with them does not support the student teacher‘s

musician identity, which is deeply rooted. So teaching is not what alumni choose if they have alternatives.

And alternatives they have; they can be musicians. However, if the teacher education programme gives space

for both identities and that also the teacher identity can be situated, i.e. be grounded in a familiar reality and be

constructed together with other students, the programme might succeed in preparing students for the strains of

the working life.‖

Page 110: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

109

Em suma, inferimos que não existe uma ideia comum sobre o papel que a música deve

desempenhar na escolarização obrigatória dos indivíduos. Disto resulta uma grande

diversidade de concepções dos perfis dos professores de música.

Heiling e Aróstegui (2011, p. 217) afirmam que há uma grande lacuna entre teoria e

prática em educação que é maior ainda na educação musical devido à forte ligação entre a

música e a prática. Para eles, acreditar que ser um bom músico significa ser um bom professor

de música é uma ilustração vívida desta lacuna não somente entre teoria e prática, mas entre

educação e música.

Pensar no professor de música moderno para o século XXI implica em aceitar que esta

visão não é mais possível. Como também não é possível mais entender a educação musical

como uma ornamentação para o currículo escolar sendo relevante apenas nos eventos e

comemorações escolares. A compreensão da educação musical como uma contribuição para

os objetivos gerais do currículo, para o desenvolvimento global dos seres humanos, onde está

incluído o desenvolvimento de habilidades criativas e artísticas, torna-se uma meta.

2.2.4 Os cursos de Licenciatura em Música no Brasil: uma visão panorâmica

As Licenciaturas em Música no Brasil são oferecidas em universidades; centros

universitários; e faculdades integradas, faculdades, institutos ou escolas superiores. Mais

especificamente, os cursos estão abrigados, de acordo com Mateiro (2010), em Institutos ou

Centros de Arte, Centros de Ciências Humanas e Sociais ou Centros de Letras e Artes.

Várias são as denominações destes cursos no Brasil: Licenciatura em Educação

Artística com Habilitação em Música; Licenciatura em Música; Música – Licenciatura Plena;

Licenciatura em Educação Musical; Licenciatura em Artes com ênfase em Música;

Licenciatura em Educação Musical com Habilitação em Ensino Musical Escolar (MATEIRO,

2010, p. 33) e Licenciatura em Música com Habilitação em Instrumento ou Canto. Nota-se

ainda, portanto, uma multiplicidade de denominações como indicado por Pires (2003).

A maioria dos cursos tem a duração de quatro anos, com uma carga horária média de

3024h (MATEIRO, 2009, p. 60). De maneira geral, exige-se, para ingresso no ensino superior

de Música, uma prova prática específica além dos tradicionais exames vestibulares. Estes

testes de habilidades específicas constituem-se normalmente de uma prova instrumental e/ou

vocal e uma prova teórica, que pode incluir aspectos de percepção musical e/ou questões

dissertativas.

Page 111: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

110

Segundo Mateiro (2009), alguns cursos realizam somente a prova de teoria musical,

enquanto outros incluem ainda uma entrevista sobre educação musical. Na pesquisa realizada

com 15 projetos pedagógicos de cursos de Licenciatura em Música no Brasil, a referida autora

nos mostra que o objetivo geral expresso nestes projetos é formar professores de música para

atuarem em escolas de ensino fundamental e médio. Entretanto, em alguns documentos o

objetivo se amplia ao campo da educação musical, incluindo toda e qualquer atividade de

ensino e aprendizagem.

Ressalta, ainda, que todos os projetos afirmam que o aluno-egresso deve ser professor

de música; entretanto, outros perfis profissionais são indicados, como: músico, educador,

artista, musicista, agente cultural, animador sociomusical, regente coral, regente de pequenas

orquestras, bandas ou outras formações instrumentais, pesquisador e, ainda, ser coordenador

de oficinas culturais, escolas livres, instituições de formação sociopedagógica e/ou arte-

terapêutica.

O conhecimento científico básico (música), nesses currículos, desfruta de uma posição

privilegiada, seguido do conhecimento aplicado (pedagogia) e, por fim, do desenvolvimento

das habilidades técnicas da prática profissional.

Pode-se dizer que os cursos superiores de formação de professores de

educação musical durante anos têm estado fundamentados no modelo do

profissional formado a partir da seguinte premissa: o professor de música é

um músico. O alto status do conhecimento científico no currículo é evidente

fomentando assim a identidade do músico em detrimento da identidade do

professor. (MATEIRO, 2009, p. 64)

Apesar das dimensões continentais do país, e das diretrizes curriculares afirmarem

uma flexibilidade para a adaptação aos contextos específicos de cada região, é possível

observar mais semelhanças do que diferenças na concepção da formação docente em

educação musical.

[...] as provas específicas durante o processo vestibular; a duração de quatro

anos, com uma média de 3024 horas, e a organização dos cursos por

semestres; os requisitos exigidos para a obtenção do diploma; a distribuição

da carga horária atendendo a Resolução CNE/CP 2/2002 (Conselho Nacional

de Educação, 2002b); a ênfase nas disciplinas obrigatórias, com carga

horária superior a 2400 horas; o maior peso curricular dado ao componente

musical e o menor à formação cultural; a avaliação discente e docente como

aspectos centrais no processo de análise e acompanhamento dos projetos

pedagógicos; e o objetivo de formar professores para atuar no ensino

Page 112: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

111

fundamental e médio, assim como diversos outros perfis profissionais.

(MATEIRO, 2009, p. 64)

Grande parte das disciplinas e conteúdos correspondentes é comum a todos os cursos,

estando sequenciadas de forma bastante similar, podendo-se nomear: História da Música,

Percepção, Harmonia e Contraponto, Prática Coral, Instrumento, Didática da Música,

Psicologia da Educação, entre outras. O que difere, para Mateiro, é a oferta de alguma(s)

disciplina(s) direcionada(s) a um determinado conhecimento.

A forma de desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem está centrada no

modelo tradicional da relação entre professor e aluno, sendo o conhecimento selecionado a

partir de conteúdos programáticos. Além disso, a maior parte dos programas oferece a

disciplina de Instrumento, permitindo que os estudantes optem por estudar um ou dois

instrumentos conforme suas preferências, com a prevalência do violão, flauta doce, piano e/ou

teclado. A voz – canto, expressão vocal, técnica vocal – é disciplina obrigatória em todos os

programas.

Apesar da multiplicidade de nomes, o que, para Pires (2003) reflete a falta de uma

―identidade‖ nos cursos brasileiros de Licenciatura em Música, refletir certa diversidade de

concepções, Mateiro defende a existência de uma identidade das licenciaturas em música a

nível nacional, tanto no que se refere à estrutura curricular quanto ao modelo de professor de

educação musical:

Os cursos estão direcionados à formação de professores de música para as

escolas de ensino fundamental e médio, entretanto existe uma intenção de

formar também profissionais capazes de trabalhar com a educação infantil,

com adultos e idosos, com crianças portadoras de necessidades especiais,

como regentes corais, regentes de pequenas orquestras, bandas ou qualquer

outro tipo de conjunto musical. Os espaços indicados para a atuação do

egresso são múltiplos. (MATEIRO, 2009, p. 65)

Com base nestas análises, uma mesma formação é idealizada, a nível nacional, para

todos os professores de música. Decorre deste fato um paradoxo, pois, se o curso pretende

formar profissionais com diferentes perfis deveria oferecer meios para tal, pois ―[...] os

professores que irão trabalhar na educação infantil estão recebendo a mesma formação

daqueles que serão regentes de corais adultos – ou qualquer outra especialidade‖ (MATEIRO,

2009, p. 65).

Page 113: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

112

Como uma solução para este caso, a oferta de licenciaturas com diferentes

modalidades, como professores com especialidade em tecnologia musical, música brasileira,

rock, música erudita; professores de música com especial formação para trabalhar com a

educação infantil ou com crianças com necessidades especiais; professores regentes corais ou

grupos instrumentais, entre outros.

Percebe-se, pois, que as expectativas das diretrizes não têm alcançado êxito nas

interpretações e construções curriculares no Brasil. Os programas têm apresentado pouca

flexibilidade; a formação do professor não tem se adaptado aos contextos regionais, mantendo

um perfil comum; e a integração entre conhecimento específico e pedagógico não se dado de

maneira efetiva.

A partir deste panorama nacional, bem como das informações sobre o contexto

internacional, da formação de professores perspectivadas nos Cursos de Licenciatura em

Música, das análises das diretrizes e do movimento histórico de constituição do subcampo das

Licenciaturas em Música, passamos à construção do conceito de habitus conservatorial, no

capítulo que se segue, com vistas ao estudo posterior dos quatro projetos pedagógicos

intencionalmente selecionados para tal.

Page 114: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

3 DOCUMENTOS CURRICULARES E HABITUS CONSERVATORIAL: duas

construções em análise

Neste capítulo, apresentamos, inicialmente, informações sobre as quatro instituições

cujos projetos pedagógicos (ou curriculares) são objeto de análise. A seguir, esboçamos

alguns apontamentos na construção da noção de habitus conservatorial. O objetivo é observar

se e como a história de constituição do subcampo das Licenciaturas em Música, discutidas no

primeiro capítulo, influencia na configuração desse habitus e, a partir da construção do

conceito, orientar a análise dos projetos político-pedagógicos que definem a formação de

professores de música (ou de músicos professores), na busca por suas traduções.

3.1 AS INSTITUIÇÕES

a) A Escola de Música da UFRJ

A história do Curso de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro confunde-se

com a própria história da institucionalização do ensino de música no Brasil, uma vez que tem

suas origens no antigo Conservatório Imperial de Música.

Com o fim da Educação Artística, a UFRJ implantou um Curso de Licenciatura em

Música em 2002, sediado na própria Escola de Música, sem excluir a participação de outras

unidades da UFRJ, sobretudo da Faculdade de Educação e do Colégio de Aplicação.

O atual projeto pedagógico do curso de licenciatura da Escola de Música da UFRJ é

uma versão reformulada daquele originalmente elaborado por ocasião da criação do curso em

2002. Esta nova versão foi aprovada no contexto de uma ampla reforma curricular finalizada

no ano de 2008. Este projeto foi reformulado e finalizado observando-se: as Diretrizes

Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Música, as Diretrizes para a

Formação de Professores da Educação Básica, em Nível Superior, de Licenciatura Plena, os

pareceres e resoluções do Conselho Nacional de Educação, as resoluções do CEG/UFRJ e de

sua Comissão Permanente de Licenciatura (CPL), além de consultas a diversos projetos

curriculares afins, em vigor em universidades brasileiras e estrangeiras.

De acordo com o Projeto Pedagógico, há uma procura pela evidência da Licenciatura

como projeto independente do Bacharelado, embora articulado com ele, conforme instituem

as Diretrizes Curriculares para as Licenciaturas e as Diretrizes Curriculares para os Cursos

Superiores de Música (UFRJ, 2008, p. 4).

Page 115: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

114

A instituição oferece, hoje, vinte e cinco habilitações no curso de Bacharelado em

Música além do curso de Licenciatura. As habilitações do bacharelado32

são:

Instrumento de Orquestra (Flauta, Oboé, Clarineta, Fagote, Trompa, Trompete,

Trombone, Tuba, Harpa, Percussão, Violino, Viola, Violoncelo e Contrabaixo)

Órgão

Cravo

Composição

Violão

Bandolim

Canto

Saxofone

Regência Coral

Regência de Orquestra

Regência de Banda

Piano

A Escola de Música da UFRJ possui um corpo docente formado por 80 professores

distribuídos em 5 departamentos: Instrumentos de Teclado e Percussão, Composição,

Instrumentos de arco e cordas dedilhadas, Musicologia e Educação Musical, Vocal,

Instrumentos de Sopro e Música de Conjunto. Os cursos funcionam em horário integral e os

recursos materiais e humanos necessários são compartilhados pelos cursos de Bacharelado e

Licenciatura. A instituição conta com um programa de pós-graduação – o primeiro do país – e

abriga Laboratórios de Música e Tecnologia e de Etnomusicologia.

Além disso, oferece cursos de extensão como o Curso de Musicalização Infantil, o

Curso Básico e o Curso Intermediário. O Curso de Musicalização Infantil, com três anos de

duração, é destinado a crianças entre sete e oito anos de idade, com o objetivo de propiciar ao

aluno já alfabetizado em língua portuguesa a alfabetização da linguagem musical através de

seus elementos básicos e essenciais, assim como desenvolver as potencialidades artísticas do

aluno, proporcionar o contato com instrumentos musicais e o canto coral.

O Curso Básico tem duração de quatro anos e é aberto a jovens com idade entre nove e

dezesseis anos. Tem como objetivo promover o estudo da música para alunos com nenhum ou

pouco conhecimento musical ensinando os elementos básicos da linguagem musical com

ênfase na prática instrumental voltada para a execução e interpretação. Já o Curso

Intermediário tem como objetivo formar músicos instrumentistas e cantores de nível médio

______________ 32

Informações obtidas no site www.musica.ufrj.br, acessado em 29/11/2011.

Page 116: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

115

com ênfase nas atividades de prática instrumental individual ou em conjunto. É o curso

destinado também àqueles que desejam se preparar para o Teste de Habilidade Específica do

vestibular da UFRJ. Podem se inscrever candidatos com o mínimo de 14 anos sem restrições

com relação à idade máxima.

A instituição oferece também à comunidade, séries temáticas de concertos, como

Panorama da Música Brasileira Atual, Ópera na UFRJ, Série Órgão Sauer, Retrospectiva da

Música Brasileira, O Piano na Música de Câmara entre outras. Para tanto, possui diversos

grupos estáveis que fazem a representação institucional não só da unidade, mas também da

própria UFRJ.

Entre os grupos instrumentais destaca-se a Orquestra Sinfônica, criada em 1924, e

mais antigo conjunto da Escola de Música, com atuação ininterrupta por mais de oitenta anos.

Há ainda a Orquestra de Sopros e a UFRJazz Ensemble – uma big-band que se dedica ao jazz

e a música brasileira e internacional instrumental. Entre os grupos vocais destaca-se o Coro

Sinfônico, formado a partir da reunião em um só organismo das diferentes turmas da

disciplina canto coral, os conjuntos vocais Brasil Ensemble e Sacra Vox e o Coro Infantil da

UFRJ, grupo tradicional formado com as crianças inscritas nos cursos básico e intermediário

da Escola de Música e com destacada atuação no calendário de concertos da cidade.

Vale ressaltar que esta escola se encontra em um dos grandes centros culturais do país,

a cidade do Rio de Janeiro, com uma intensa programação artística não só em termos de

música erudita, mas também na música popular, teatro e dança.

b) A Escola de Música da UFMG

A Escola de Música da UFMG tem sua origem no Conservatório Mineiro de Música,

criado em 1920 (cujo início se deu efetivamente em 1925). O objetivo do Conservatório era

―[...] ministrar a instrução musical em todos os seus ramos, formando professores de música,

de instrumentos e de canto, compositores e regentes de orquestra‖ (UFMG, 2001a, p. 18).

Desde seu início, se preocupou com a formação de professores de música. ―O músico e o

professor de música andam juntos, é parte inerente da atividade musical a formação de outros,

seja no ensino regular ou através das impressões que a performance musical aporta‖ (UFMG,

2001a, p. 18).

Em 1962 o Conservatório foi incorporado pela Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG) e, em 1972, adotou o nome de Escola de Música. Atualmente, a Escola de Música da

Page 117: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

116

UFMG possui dois departamentos: Departamento de Instrumentos e Canto e Departamento de

Teoria Geral da Música, o primeiro com 35 docentes e o segundo com 25.

A Escola oferece tanto a modalidade Bacharelado, quanto Licenciatura. De acordo

com informações contidas na página da escola33

, no Bacharelado, a formação do aluno visa,

principalmente, à atuação profissional como instrumentista, cantor, compositor ou regente. As

habilitações oferecidas na modalidade Bacharelado são: Composição e Regência, Canto,

Instrumentos (Oboé, Clarinete, Flauta, Fagote, Saxofone, Trompa, Trompete, Trombone,

Harpa, Piano, Percussão, Violino, Viola, Violoncelo, Contrabaixo e Violão), Música Popular

e Musicoterapia. As habilitações Composição e Regência têm duração padrão de dez

semestres. Todas as demais habilitações do Bacharelado prevêem oito semestres. Na

Licenciatura, o aluno é preparado para atuar como professor de Música na rede pública de

ensino fundamental e médio e em outras instituições e escolas de música.

A Escola de Música conta com um Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em

Música, que tem por objetivo gerar novos conhecimentos por meio da pesquisa e da prática

musical, integrando reflexão teórica e produção artística, tendo como meta primordial a

formação artística, técnica e científica de profissionais da área tanto para a prática acadêmica,

quanto para sua inserção no mercado de trabalho e no meio cultural do país. Conta também

com ações de extensão voltadas para a formação musical da comunidade, como o Centro de

Musicalização Infantil, o Curso de Instrumentos e Canto, o Curso de Percepção e Apreciação

e o Curso de Apreciação e Musicalização na Maturidade.

Os grupos estáveis da unidade são a Orquestra Sinfônica da Escola de Música da

UFMG, o Grupo de Música Barroca e Representação, o Coro de Câmara da Escola de Música

da UFMG, a Gerais Big Band, a Banda Sinfônica , o Grupo de Percussão e o Coral de

Trombones.

Acresce-se a esse quadro o oferecimento, semanal, de concertos de música erudita e

popular na Série Viva Música. A cidade de Belo Horizonte também oferece várias atividades

artísticas no campo musical em instituições como a Fundação de Educação Artística, o

Palácio das Artes (Fundação Clóvis Salgado) e o Conservatório UFMG, entre outros.

Seu atual projeto pedagógico foi elaborado em 2001, tendo em vista uma reforma

curricular realizada a partir de diretrizes de flexibilização propostas pela UFMG.

______________ 33

www.musica.ufmg.br

Page 118: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

117

c) O Curso de Música da UFSJ

De acordo com o projeto pedagógico deste curso, a opção pela criação da Habilitação

em Educação Musical se deu em razão da alta demanda regional para a formação de

educadores musicais. Esta habilitação privilegia o conteúdo didático para a formação desse

profissional, prescindindo de uma formação instrumental mais específica e aprofundada.

A cidade de São João Del Rey é uma importante cidade histórica de Minas Gerais, que

ao longo de sua história, sempre foi bastante diversificada e expressiva. Principalmente em

relação à música sacra, presente nas cerimônias religiosas e conhecidas em todo o País sendo

celebradas como patrimônio cultural vivo, que se mantém desde o século XVIII.

O Curso de Música e o Departamento de Música, criados em 2006, em sua

potencialidade de conservar as tradições e desenvolver a cultura local, possibilitam à UFSJ:

contribuir para a preservação da tradição histórico-cultural da cidade de

São João del-Rei;

contribuir para o desenvolvimento da cultura artística e musical da

cidade;

devolver, gradativamente, a São João del-Rei o status de ―cenário

musical significativo‖, reconhecido nacionalmente e perdido ao longo

dos anos;

contribuir para o desenvolvimento do turismo cultural na cidade, com

produções musicais realizadas pelos próprios alunos e professores do

curso;

contribuir para o incentivo de outros aspectos de natureza

socioeconômica da cidade. (UFSJ, 2008, p. 18, grifos no original)

O curso de música está situado em uma cidade histórica que detém um rico acervo de

música colonial que, embora conhecida e celebrada nacionalmente, não foi pesquisada nem

registrada o suficiente para ser historicamente reconhecida como própria da cultura musical

local, nem tampouco ensinada regularmente em escolas especializadas. De acordo com o

projeto pedagógico, apesar de haver ainda um pequeno número de músicos amadores que

mantêm a tradição, a forma tradicional de execução desse repertório tende a se perder com o

passar das gerações.

É nesse sentido que o Departamento de Música na UFSJ e o próprio Curso de Música

possibilitam, segundo o seu projeto pedagógico:

1- desenvolver trabalhos de pesquisa sobre a forma tradicional de

execução do repertório sacro em São João del-Rei e região e sobre as formas

Page 119: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

118

tradicionais e informais de ensino dessa prática musical, para preservá-la e

afirmar sua originalidade e sua identidade cultural;

2- desenvolver trabalhos de pesquisa sobre o acervo musical disponível

nas entidades musicais da cidade, como orquestras e bandas de música,

contribuindo para situar a cidade e a UFSJ como um centro de pesquisa e

produção de conhecimento sobre a música colonial mineira;

3- contribuir para a preservação das tradições musicais mineiras por

meio de projetos de extensão universitária, oferecendo cursos de reciclagem

para instrumentistas, cantores, maestros de bandas de música etc.;

4- criar e manter vínculos de estágio supervisionado de ensino e de

performance musical para os alunos do Curso de Música nas entidades

musicais de São João del-Rei e região, respeitando e aprendendo suas

tradições de prática e ensino e ajudando a manter as tradições culturais;

5- afirmar a posição da UFSJ como preservadora e promotora da secular

tradição musical de São João del-Rei e de Minas Gerais. (UFSJ, 2008, p. 23)

Um fato importante a ser considerado é a tradição do ensino nas Bandas e Orquestras,

além da manutenção de doze Conservatórios Estaduais de Música no Estado de Minas Gerais

(Minas é, atualmente, o Estado com o maior número de Conservatórios de Música do País).

Segundo o projeto pedagógico, os Conservatórios de Música estão sob a coordenação

da Secretaria de Estado da Educação e uniformemente localizados em todo o estado de Minas,

constituindo uma rede de ensino regular de música no estado. São também centros de

referência cultural das diversas regiões em que se inserem e possuem forte vínculo social

nessas comunidades, sendo também agentes da pesquisa de manifestações culturais da região

e de sua divulgação. São João Del-Rey é uma das doze cidades que abrigam um conservatório

estadual.

O documento ressalta ainda que, nesses estabelecimentos, há uma grande demanda de

formação de professores em nível superior na área de licenciatura em música necessidade

manifestada pela maioria do seu corpo docente, que possui apenas o curso técnico. Além do

interesse dos mesmos pelo desenvolvimento profissional na área, objetivando-se, sobretudo, a

excelência na qualidade do ensino oferecido, sentem-se também pressionados pela nova LDB,

que determina a habilitação específica, em nível superior, para o magistério (também

exigência da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais para a contratação do corpo

docente dos Conservatórios Estaduais de Música).

O Departamento conta com uma Orquestra de Extensão, Coral de Trombones, além de

projetos para a ―Terceira Idade‖, Editoração de Manuscritos e realização de concertos,

espetáculos e shows para a comunidade. A unidade conta com 19 docentes e oferece apenas

cursos de Licenciatura (com habilitação em Instrumentos/Canto e Educação Musical), não

havendo, portanto, o curso de Bacharelado.

Page 120: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

119

d) O Curso de Música da UFMS

De acordo com o histórico do curso, apresentado no projeto pedagógico, até a sua

criação (2002), os interessados na área musical eram forçados a procurar outros locais de

formação, fora do Estado. Muitos dos interessados em estudar Música ingressavam no curso

de Artes Visuais, em busca de uma formação superior.

Depois de vários encontros e seminários realizados em Campo Grande, o Curso de

Licenciatura em Música foi criado em 2002, com as modalidades de bacharelado e

licenciatura, sendo que apenas o curso de licenciatura funciona até o presente momento.

O curso foi pensado para oferecer formação superior a músicos e professores de

música que atuavam em ―[...] orquestras, bandas municipais, seis bandas militares,

aproximadamente quarenta coros religiosos, trinta coros de empresas, três coros

universitários, coros municipais e inúmeras formações musicais eruditas e populares‖ que

ansiavam por qualificação (UFMS, 2011, p. 5). E, segundo o projeto pedagógico, ―[...]

embora o curso seja de formação de professores, o embasamento prático-teórico permite ao

egresso atuar no meio‖ (UFMS, 2011, p. 5). O Curso de Licenciatura em Música da UFMS

oferece apenas a Habilitação em Educação Musical.

A UFMS tem o curso de música lotado no Centro de Ciências Humanas e Sociais, que

teve recentemente sua estrutura reformulada e os antigos departamentos foram extintos. A

unidade conta apenas com sete docentes e, como a UFMG, oferece o curso no período

noturno.

A Universidade possui um Coro de Câmara, e o Curso de Música conta com o Grupo

Vocal Maria Bonita (integrado por professoras, alunas e ex-alunas do curso), a Banda

Sinfônica da UFMS (integrado por alunos e ex-alunos do curso, além de interessados da

comunidade) e a Camerata UFMS (formada por instrumentistas de cordas sendo eles também

alunos, ex-alunos e interessados da comunidade).

O curso organiza também uma série de concertos, intitulada Movimento Concerto, que

tem trazido para a cidade de Campo Grande importantes músicos e grupos musicais do país.

3.2 HABITUS CONSERVATORIAL: ANOTAÇÕES PARA UMA PRÁTICA

Ao esboçarmos o conceito de habitus conservatorial operamos com uma hipótese de

síntese do percurso analítico percorrido até aqui: do movimento histórico de configuração dos

cursos de graduação em Música no Brasil; das políticas curriculares para o ensino superior – e

Page 121: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

120

o contexto que as produziu –; e, finalmente, de uma primeira aproximação analítica dos

quatro documentos selecionados34

.

Nos limites desta investigação, estamos considerando os cursos de Licenciatura em

Música como lócus das práticas em análise. Desta feita, estes cursos são compreendidos como

parte de um universo societário que existe, conforme Peters (2006, pp. 53/54, grifos no

original) sob duas formas necessariamente articuladas:

a) como um espaço objetivamente estruturado de relações entre agentes

diferenciadamente posicionados segundo uma distribuição desigual de

recursos materiais e simbólicos, isto é, de capitais múltiplos que operam

como meios socialmente eficientes na concorrência pela apropriação de bens

materiais e ideais escassos, ainda que bastante diversificados nos casos das

sociedades altamente diferenciadas em diversos ―campos‖ de atividade que

caracterizam o Ocidente moderno;

b) como um conjunto de esquemas simbólicos subjetivamente internalizados (via

socialização) de geração e organização da atividade prática mental e corporal

dos agentes individuais, esquemas que tomam a forma de disposições ou

modos potenciais socialmente adquiridos e tacitamente ativados de agir,

pensar, sentir, perceber, interpretar, classificar e avaliar.

Tomamos, pois, as Licenciaturas em Música no Brasil, como um subcampo que se

origina na interrelação entre o campo artístico e o campo educativo: um curso diretamente

relacionado com as artes – neste caso especialmente com a Música – e com os processos

educativos que envolvem a produção de arte e de artistas e, mais além, a produção de agentes

cujo ofício de professor tem, como conteúdo a ser ensinado, a música.

As práticas eleitas para análise neste trabalho são as práticas curriculares, objetivadas

sob a forma de documentos curriculares (projetos político-pedagógico dos cursos). É no

processo de objetivação destas práticas que pretendemos observar a manifestação de um

habitus próprio do campo artístico-musical e de sua forma de pensar e estruturar o ensino de

música. Pois, como nos diz Peters (2006, p. 81): ―[...] o habitus, incapaz de funcionar em um

vazio situacional, só pode ser analiticamente reconstruído por meio do estudo dos seus

produtos‖.

______________ 34

Os documentos serão analisados mais extensivamente no quarto capítulo, na perspectiva de uma investigação

das traduções do habitus conservatorial nos diferentes projetos pedagógicos.

Page 122: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

121

3.2.1 A hegemonia das práticas conservatoriais

A partir da revisão bibliográfica realizada sobre a educação musical e o ensino

superior de Música no Brasil, foi possível constatar a hegemonia, na área em questão, das

práticas de ensino de música oriundas dos conservatórios.

Ancorado no conceito gramsciniano de hegemonia, Apple (2006) a define como um

processo que atua para saturar a consciência

[...] de maneira que o mundo educacional, econômico e social que vemos e

com o qual interagimos, bem como as interpretações do senso comum que a

ele atribuímos, se torna o mundo tout court, o único mundo. Assim, a

hegemonia se refere não à acumulação de significados que estão em um

nível abstrato em algum lugar ―da parte superior de nossos cérebros‖. Ao

contrário, refere-se a um conjunto organizado de significados, valores e

ações que são vividos. (APPLE, 2006, p. 39, grifos no original)

O conservatório, desde a sua criação, tem dado o tom da educação musical, instituindo

as práticas possíveis, organizando os significados, valores e ações referentes ao ensino

musical. E o consenso sobre estas práticas conservatoriais perpassa não somente os cursos de

Licenciatura em Música, como também as escolas especializadas, projetos sociais e as

representações do senso comum sobre música e ensino musical.

A visão de música, de músico e, por conseguinte, de ensino musical forjados no

conservatório pode ser caracterizada como hegemônica na medida em que, quando

experimentados como práticas, são tidos como a versão natural do possível, como realidade,

como verdade. Contudo, deve-se ressaltar que não é uma organização estática, apesar de

durável e estável; ela é re-produzida e atualizada a todo instante, impulsionadas pelo

movimento da história, sem perder suas características principais.

O Conservatório foi criado com o status de instituição responsável pelo ensino da

música, o ensino de uma cultura musical dominante, com vistas à sua conservação,

perpetuação. Esta cultura dominante passa a ser incorporada não só por aqueles que passam

pelo espaço do conservatório, mas por todos os que, de alguma forma, entram em contato com

seu sistema de práticas e valores.

Ao transmitir esta cultura dominante, o Conservatório segue realizando o que

Williams (1976) chama de tradição seletiva, ou seja, um processo de transmissão de uma

seleção da cultura entendida como ―a tradição‖, selecionando ―o passado significativo‖. Desta

forma, determinado tipo de música e, portanto, de práticas de se fazer e ensinar música, são

Page 123: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

122

escolhidos e legitimados; ao passo que todas as outras formas de se pensar e fazer música são

negados, excluídos e destituídos de valor.

Com a naturalização deste processo, foi-se instituindo um paradigma, uma cultura

musical dominante, foi-se estabelecendo um sistema de valorização do capital musical, a

partir do qual práticas e sentidos musicais vêm sendo hierarquizados. Tudo isto não ocorre

sem lutas, com certeza. Neste jogo que se configura, pode-se perceber a luta pela valorização

de outras formas de fazer música, outras formas de percebê-la, ensiná-la e de pensá-la. Esta

luta pode ser apreendida como uma disputa dos agentes pela valorização do seu próprio

capital, na tentativa de alcançar posições mais privilegiadas no interior do campo.

Mas, como pretendemos demonstrar, estes embates não têm alcançado êxito porque as

reivindicações dos dominados são feitas a partir do esquema de valores e sentidos dos

dominantes, o que acaba, de um lado, por enfraquecer a reivindicação e, de outro, por

fortalecer a ordem estabelecida.

Ressaltamos ainda que esta ideologia musical instituída pelo conservatório não é

própria apenas de uma classe, ou de determinadas escolas de música. Não é uma ideologia

imposta. É, antes disso, compartilhada por todos, em maior ou menor grau. É hegemônica.

Interessa-nos, portanto, empreender análises que nos auxiliem a compreender as

maneiras pelas quais deixamos que valores e compromissos atuem inconscientemente por

meio de nós mesmos (APPLE, 2006, p. 177). Para tal, passamos a descrever a configuração

deste sistema de valores, práticas e significados que vem sendo re-editado desde sua

instituição pelo conservatório. Num segundo momento, relacionaremos este sistema

conservatorial com os documentos curriculares. Finalmente, procuramos compreender o

processo de incorporação e manifestação destas práticas a partir do conceito bourdieusiano de

habitus.

3.2.2 A morfologia das práticas conservatoriais

A primeira observação a ser feita sobre a morfologia das práticas instituídas pelo

conservatório e perpetuadas historicamente nos processos de ensino musical é a sua profunda

ligação com o campo artístico.

Jardim (2008, p. 49) elenca uma série de atividades que, no Brasil, caracterizaram

práticas que visavam à instrução técnica e especializada para a atuação profissional que,

Page 124: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

123

―mesmo quando ligadas a funções de ensino, estavam afastadas de uma realidade

educacional‖. São elas:

- a criação da Capela Imperial, em 1808, no Rio de Janeiro (e, com ela, o início de

uma tradição européia de se realizar cerimônias religiosas com características de

concertos musicais, vocais ou instrumentais que ―geraram um movimento de formação

especializada e a necessidade de uma excelência musical que moveu músicos ilustres

do Rio de Janeiro para conseguirem da Coroa a instalação de estruturas organizadas

voltadas para esse fim‖ [JARDIM, 2008, p. 48]);

- a chegada de imigrantes italianos ao Brasil, que contribuiu para instalar uma prática

de ensino baseada na estética e na metodologia dos conservatórios europeus pela

presença, no Rio de Janeiro e em São Paulo de professores italianos de piano, canto,

flauta e outros instrumentos que ministravam aulas particulares em suas residências;

- a existência de agremiações culturais que promoviam saraus com a presença de

artistas locais e estrangeiros, ligados à música vocal operística, à música instrumental,

e a espetáculos musicais de caráter recreativo – segundo Jardim (2008, p. 49), ―grande

parte dessas agremiações oferecia algumas formas de treinamento musical, tanto para

iniciar diletantes quanto para preparar futuros profissionais‖.

Neste sentido, a criação do Conservatório acaba por consolidar um processo de

formação do músico/artista para o campo artístico-musical, uma educação com vistas à

atuação profissional. Deste apontamento inicial depreendem-se outras importantes

características do ensino conservatorial, todas interconectadas entre si:

- o ensino aos moldes do ofício medieval;

- o músico professor como objetivo final do processo educativo (artista que, por

dominar a prática de sua arte, torna-se o mais indicado para ensiná-la);

- o individualismo no processo de ensino: princípio da aula individual com toda a

progressão do conhecimento, técnica ou teórica, girando em torno da condição individual; a

existência de um programa fixo de estudos, exercícios e peças (orientados do simples para o

Page 125: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

124

complexo) considerados de aprendizado obrigatório, estabelecido como meta a ser

alcançada35

;

- o poder concentrado nas mãos do professor36

- apesar da distribuição dos conteúdos

do programa se dar de acordo com o desenvolvimento individual do aluno, quem decide sobre

este desenvolvimento individual é o professor; a música erudita ocidental como conhecimento

oficial; a supremacia absoluta da música notada – abstração musical; a primazia da

performance (prática instrumental/vocal);

- o desenvolvimento técnico voltado para o domínio instrumental/vocal com vistas ao

virtuosismo; a subordinação das matérias teóricas em função da prática;

- o forte caráter seletivo dos estudantes, baseado no dogma do ―talento inato‖.

Nettl (2002) ilustra estas características situando-as como uma ―cultura musical

acadêmica ocidental‖:

A cultura musical acadêmica do ocidente é certamente uma das mais

especializadas, no sentido de que o músico é primeiramente envolvido em

um único aspecto do processo de ―distribuição do conhecimento musical‖

(―musical delivery‖ process) – composição, performance, ensino, etc. É,

além disso, especializada em separar vários tipos de músicos uns dos outros.

Cantores nos Estados Unidos não são membros da união dos músicos.

Violinistas solistas raramente tocam em orquestras. O pianista é reconhecido

principalmente como um solista, ou acompanhador, ou um músico de

conjuntos de jazz. Até o percurso na educação musical é muito semelhante

para todos. Normalmente começa-se com um instrumento (mesmo que se

torne posteriormente um cantor), e quase todos, em algum ponto deste

percurso, aprendem a tocar piano. As lições de piano normalmente começam

com exercícios técnicos, e o terror dos iniciantes é a necessidade de, antes de

tudo, dominar a execução de escalas em todas as tonalidades e sempre

começar o estudo praticando-as, sabendo que, mesmo que se tornem

virtuosos, a necessidade de praticá-las não findará. Depois de atingir certa

proficiência no instrumento, o aluno é levado ao estudo da teoria musical,

uma matéria que é teórica não somente no uso comum da palavra, mas

também pelo fato de que se aprende um assunto que não é diretamente

aplicável na produção do material sonoro, mas que é generalizável a todos os

aspectos da atividade musical. Até recentemente, a teoria musical

______________ 35

Jardim (2008, p. 50) afirma que não existe um planejamento prevendo a distribuição de conteúdos, assim, o

cumprimento deste programa se dá de acordo com o desenvolvimento individual do aluno. (JARDIM, 2008, p.

49 – 50) 36

Enquadramento forte, na visão de Bernstein (1990).

Page 126: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

125

concentrava-se exclusivamente na harmonia e começava com a tipologia dos

acordes, em unidades básicas37

. (NETTL, 2002, p. 32, tradução nossa)

O que o autor ressalta é que, apesar de individualista, existe um mesmo modelo de

ensino que é aplicado para todos os tipos de músicos: um modelo onde o professor ensina

uma ampla gama de conceitos teóricos, aliados a ―gymnastic exercises” e, num momento

posterior, é possível que se chegue a algumas obras do repertório.

Gainza (2002), educadora musical argentina, corrobora da descrição de Nettl,

fortalecendo as características supracitadas. Para ela:

Em termos gerais, a capacitação básica oferecida pelos conservatórios até a

atualidade inclui:

a) O solfejo (lido e entoado), em distintas claves, tonalidades, ritmos, etc., e

a compreensão dos signos e indicações escritas referentes a matizes,

articulações, etc;

b) A exercitação técnico-instrumental progressiva, mediante a aplicação de

textos e materiais didáticos que, em sua maioria, datam do século XIX;

c) O repertório musical, integrado pelas obras do gênero clássico ou erudito

internacional e nacional, abarcando um período de cerca de duzentos anos

sem ultrapassar as duas ou três primeiras décadas do século XX38

.

(GAINZA, 2002, p. 155, tradução nossa)

Nettl (2002, p. 34) completa, ainda, ressaltando o fato de um estudante ocidental de

música aprender um sistema teórico baseado amplamente numa parte específica do seu

repertório – neste caso o do período entre 1720 e 1900 –, indica o que nós consideramos como

______________ 37

―Western academic musical culture is surely one of the most specialized, in the sense that a musician is

primarily involved in one aspect of the ―music delivery‖ process – composing, performing, teaching, etc. It is

further specialized in rather rigorously separating various kinds of musicians from each other. Singers in the

United States are not even members of the musicians‘ union. Solo violinists rarely play in orchestras. A pianist

is regarded mainly as a soloist, or accompanist, or jazz ensemble musician. Yet the course of musical

education is very much the same for all. One normally begins with an instrument (even if one ends up as a

singer), and almost everyone at some point learns to play piano. Piano lessons normally begin with exercises,

and the terror of serious beginning students is the requirement that, before all else, they must master the scales

in all of the keys and always begin practice with them, with the knowledge that even if they become virtuosos,

they need for practicing these scales will not abate. After becoming somewhat proficient on an instrument, one

is likely to take up the study of music theory, a subject that is theoretical not in the general sense of the word

but rather in that one learns material which does not apply directly to the making of musical sounds but is

generalizable to all aspects of musical activity. Until recently, music theory concentrated almost exclusively

on harmony and began with types of chords, in basic units.‖ 38

―En términos generales, la capacitación básica ofrecida por los conservatorios hasta la actualidad incluye:

a) el solfeo (leído y entonado), en distintas claves, tonalidades, ritmos, etc., y la comprensión de los signos

e indicaciones escritas referidas a matices, articulaciones, etc;

b) la ejercitación técnico-instrumental progresiva, mediante la aplicación de textos y materiales didácticos

que, en su mayoría, datan del siglo XIX;

c) el repertorio musical, integrado por obras del género clásico o erudito internacional y nacional,

abarcando un período de alrededor de doscientos años sin superar las dos o tres primeras décadas del

siglo XX.‖

Page 127: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

126

mais importante em nossa experiência musical e, de forma paradoxalmente interessante,

contrasta com a tendência natural do ser humano a valorizar a inovação.

Apesar de soar redundante, trazemos estes dois exemplos para ilustrar como a visão do

modelo conservatorial de ensino não se limita às fronteiras do Brasil, mas vem sendo notado

por vários outros estudiosos mundo afora. É forçoso, portanto, reconhecer a existência de uma

ideologia musical que sustenta, legitima e naturaliza estas práticas. Ideologia que é trabalhada

de maneira magistral por Lucy Green (1988) em seu Music on Deaf Ears.

Para Green (1988, p. 2), a ideologia confere significado àquilo que chamamos de

―verdade‖. Esta ideologia musical baseia-se na des-socialização da experiência musical:

[A ideologia musical] baseia-se na suposição de que a música é uma criação

atomizada e fragmentada de indivíduos isolados, e que alcança

grandiosidade quando transcende sua aparente singularidade e passa a

pertencer ao universal, ao eterno, ao a-histórico39

. (GREEN, 1988, p. 5,

tradução nossa)

Nesta perspectiva, a autora mostra que esta ideologia, ao despir a experiência musical

de seu caráter social, não apenas nega a historicidade e mutabilidade da música, dos valores e

experiências musicais, mas, ao fazê-lo, constrói-se implicitamente como um sistema para a

cotação do valor musical: ―quanto mais capaz de reificação, mais grandiosa é a música40

(GREEN, 1988, p. 11, tradução nossa).

Quando incorporada nos agentes, esta ideologia ratifica e mantém, imanentemente, a

hegemonia de uma instituição musical que, junto de seus produtos reificados, fazem-se ser

vistos como superiores. Entra em cena a tradição seletiva, que separa a música superior de

uma música de massa, profana, que são classificadas como não sendo realmente musicais.

Ao ser incorporada nos agentes, esta ideologia cria disposições que orientam as

práticas, as percepções, enfim, os significados musicais. Para Green (1988, p. 11), esta

ideologia musical e as práticas dela resultantes, juntamente com os produtos musicais,

formam um pequeno mundo social, ou mundo musical:

[…] uma rede de funções tanto mentais quanto materiais, que se suportam e

legitimam umas às outras, mas também fragmentada, dividida e oposicional.

______________ 39

―It [musical ideology] is based upon the assumption that music is the atomised and fragmented creation of

isolated individuals, and that it achieves greatness when it transcends this apparent singularity and pertains to

the universal, the timeless, the ahistorical.‖ 40

―(…) the more capable of reification, the greater the music.‖

Page 128: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

127

Este sistema social não sobrevive autonomamente, mas é reproduzido

através de uma relação recíproca com o sistema social mais amplo, do qual é

apenas uma parte cujas divisões das práticas musicais são perpetuadas

materialmente, divisões estas legitimadas e mantidas ideologicamente41

.

(GREEN, 1988, p. 11, tradução nossa)

Tudo isto nos leva ao conceito de habitus, a interiorização da exterioridade, a

incorporação de disposições, a manutenção de práticas ideologicamente orientadas. Ou, como

bem sintetiza Penna: ―O conservatório que está tanto fora quanto dentro de nós, quer em

nossa prática ou em nossa formação, quer nos compêndios didáticos ou nos modelos que

adotamos‖. (PENNA, 1995, p. 140)

Uma vez delineada a morfologia das práticas, passamos a observar como estas práticas

são objetivadas nos currículos, exteriorizando a interioridade, revelando as disposições

incorporadas, desvelando o habitus.

3.2.3 As práticas objetivadas – o currículo conservatorial e o artista como civilizador

A partir de uma primeira aproximação analítica dos documentos curriculares

selecionados (diretrizes e projetos pedagógicos) foi possível observar como esta ideologia

musical e as demais características conservatoriais elencadas se materializam nos projetos

pedagógicos dos cursos.

As DCN Música (2004) indicam a manutenção do ensino da música prática e

especulativa: os conteúdos devem ser distribuídos em Específicos, Teórico-Práticos e Básicos.

A formação abrange, portanto, outras áreas do conhecimento em diálogo com a música,

inserindo-a num contexto mais amplo.

Os Conteúdos Específicos não são detalhados, mas indicam a centralidade da

performance ao prescrever a abrangência ao ―conhecimento instrumental, composicional,

estético e de regência‖. Este caráter dominante da performance é reforçado nos Conteúdos

Teórico-Práticos, que abrangem ―o exercício da arte musical‖.

Ao trabalharmos com a possibilidade de uma matriz disposicional que orienta a

construção curricular, espera-se que a análise dos documentos selecionados confirme uma

______________ 41

―[...] a network of functions both mental and material, supporting and legitimating one another, yet also

fragmented, divided and oppositional. This social system does not survive autonomously, but is reproduced

through a reciprocal relationship with the wider social system, of which it is only a part divided musical

practices being perpetuated materially, their divisions legitimated and maintained ideologically.‖

Page 129: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

128

mesma concepção do que seja ―conhecimento específico‖ musical, orientada pela distribuição

do conhecimento musical em disciplinas realizada historicamente pelos conservatórios. Neste

sentido, o habitus conservatorial orientaria esta distribuição de conhecimento específico

musical em disciplinas como: Prática Vocal (Coral, Técnica Vocal), Percepção Musical,

História da Música, Análise Musical e Harmonia.

Além disso, o habitus conservatorial manteria a separação entre o estudo teórico da

música (Percepção) do estudo prático, instituída pelo conservatório. A noção de habitus

explicaria essa uniformidade na distribuição do conhecimento musical apesar de não haver

nenhuma prescrição nas Diretrizes, indicando-nos uma disposição incorporada que orienta a

prática curricular. Ainda que existam pequenas variações, poderíamos reconhecer o que

Bourdieu chama de homologia das práticas, ou seja, uma diversidade na homogeneidade

(BOURDIEU, 2009, p. 99).

O habitus conservatorial faria com que a música erudita figurasse como conhecimento

legítimo e como parâmetro de estruturação das disciplinas e de hierarquização dos capitais

culturais em disputa. Neste caso, a História da Música se referiria à história da música erudita

ocidental, o estudo das técnicas de Análise teria como conteúdo as formas tradicionais do

repertório erudito, a Harmonia corresponderia, na maioria dos casos, ao modo ocidental de

combinar os sons, investigando, quase sempre, as regras palestrinianas que datam do barroco

musical.

Este mesmo habitus faria com que a notação musical ocupasse um lugar central no

currículo. Dela dependem a maior parte das disciplinas que tratam da música erudita. O foco

quase cego na escrita musical é severamente criticado por Penna (1995): o tratamento dos

mecanismos de representação gráfica como um código abstrato que se esgota em si mesmo,

acaba por fazer com que o referencial sonoro se perca. A partir daí, os princípios de

organização formal (como as regras do tonalismo, o contraponto, harmonia, etc.) tornam-se

um jogo de regras ―matemáticas‖ que movimenta as notas no papel, e não no manejo

consciente de relações sonoras. O aprendizado musical torna-se mais visual do que auditivo,

por mais paradoxal que isso possa parecer.

A notação musical é produto de uma abstração, permitindo registrar a

estruturação musical, sendo útil para pensar a organização dos sons na sua

ausência, mas não é música, uma vez que esta só se realiza em sua

concreticidade sonora, com profunda característica temporal. A música,

enquanto fato empírico, só existe enquanto soa. A partitura não soa por si só;

ela representa os sons – mas só representa efetivamente quando se liga a um

Page 130: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

129

significado sonoro, correspondendo a uma imagem auditiva; quando ao ser

lida, pode ‗soar na cabeça‘‖. (PENNA, 1994, pp. 16/7, grifo no original)

O conhecimento musical erudito encaixa-se perfeitamente nas quatro dimensões

definidas por Young (1971, pp. 37/8) que descrevem os critérios pelos quais o conhecimento

de status elevado organiza os princípios que fundamentam o currículo acadêmico:

i) Letramento – ênfase na escrita em oposição à expressão oral;

ii) Individualismo – tendência de evitar o trabalho em grupo ou a cooperação

entre pares42

;

iii) Abstração do conhecimento e sua estruturação e compartimentação

independentemente do conhecimento do aluno. Esta abstração desconsidera a

experiência social individual enquanto a compartimentação restringe a conexão

entre o indivíduo e o mundo;

iv) Falta de relação do currículo acadêmico com a vida cotidiana e a experiência

comum.

Dessa forma, cria-se uma estrutura curricular de estudo da música que, por si só,

privilegia a música erudita e afasta outras possibilidades de práticas musicais que estariam

mais relacionadas com a vida cotidiana dos alunos. Esta estrutura ganha ainda mais força com

sua adequação aos critérios de seleção do conhecimento escolar.

Quando as ―outras músicas‖ são abordadas no currículo, ou o são por meio de sua

excentricidade, ou esta abordagem se dá a partir da lógica erudita, ou seja, como conteúdo a

ser trabalhado a partir do instrumental erudito.

Ainda que os conhecimentos pedagógicos musicais se refiram às formas de como

ensinar o conhecimento musical legitimado (em especial a notação), pode-se esperar uma

crescente preocupação com a figura do professor de música, pois a universidade não está tão

alienada das demandas da sociedade, embora a figura do músico professor ainda seja

predominante.

Estas mudanças indicam que o conservatório não é meramente reproduzido, mas

atualizado. E as atualizações – neste caso inovações curriculares, ou de maneira mais precisa,

tentativas de reformas curriculares – são realizadas a partir de matrizes conservatoriais

incorporadas.

______________ 42

Feichas (2006) ressalta o forte caráter individualista das atividades de leitura e escrita musicais (solfejos,

ditados, etc) que ocupa a maior parte da estrutura horário dos estudantes. Este individualismo está presente

tanto no decorrer do processo de aprendizagem quanto na forma com que o produto é apresentado.

Page 131: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

130

Na nossa proposta de práticas curriculares orientadas por um habitus conservatorial,

os conhecimentos específicos elencados para os currículos das licenciaturas acabariam por

delinear a formação de músicos (artista) – ou, nos termos de Jardim (2008), do músico

professor – de forma análoga ao que era almejado (e efetivado) no conservatório.

Gaztambide-Fernández (2008) relaciona este modelo de currículo a uma visão do

―artista como civilizador‖. Para este autor, a visão que se tem do artista está ligada à

instituição que o produz. É necessário, portanto, situar esta produção histórica e

sociologicamente, desafiando a crença de que ser um artista é simplesmente uma questão de

inspiração, talento ou habilidade intrínseca e que o papel deste artista reduz-se meramente a

produzir grandes obras de arte que são valiosas por si só.

Esta visão ideológica não somente carece de uma base na realidade social,

mas é também uma frágil fundação sob a qual teoriza-se o currículo da

educação artística e reflete-se sobre os desafios contemporâneos enfrentados

pelos jovens artistas. O currículo da educação artística deve engajar os

jovens artistas numa exploração deliberada de seus objetivos e escolhas

como produtores culturais43

. (GAZTAMBIDE-FERNÁNDEZ, 2008, p. 238,

tradução nossa)

Desta feita, a visão do artista como um civilizador caracteriza os artistas com talentos

especiais cujo papel é produzir (e reproduzir) grandes e belas obras que contribuem para o

projeto civilizador da modernidade (GAZTAMBIDE-FERNÁNDEZ, 2008, p. 239).

Esta visão do artista está imbricada na noção de ―arte pela arte‖, onde a arte é sua

própria justificação: a arte existe, em primeiro lugar, para satisfazer as necessidades da arte. O

paradigma da ―arte pela arte‖ não se separa, por sua vez, da idéia de arte como uma

contribuição para a civilização e Gaztambinde-Fernández (2008) chega mesmo a afirmar que

cultura e civilização, neste caso, tornam-se quase sinônimos.

O conservatório, instituição que surge com o objetivo de formar este artista, determina

quem se torna um músico, como ele se torna um músico, quando eles estão aptos a praticar

sua arte, e afetam ainda, a forma como sua arte é produzida, praticada e tornada disponível

para o público.

______________ 43

―This ideological view not only lacks a grounding on social reality, but it is also a thin foundation on which to

theorize the curriculum of artistic education and to think through the contemporary challenges facing young

artists. The curriculum of artistic education must engage young artists in a deliberate exploration of their aims

and choices as cultural producers.‖

Page 132: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

131

Gaztambibe-Fernández (2008, p. 251) afirma que desenvolver apenas ―talentos‖ e

―habilidades‖ não é somente ingênuo como também negligencia as complexidades da

produção cultural, além de fomentar o papel das artes na reprodução e opressão sócio-cultural.

Neste sentido, mostra como a instituição que fundamenta seu currículo na visão de artista

como civilizador isola-se do caráter social do fenômeno musical:

Instituições que promovem experiências educacionais fundadas na visão do

artista como um ―civilizador‖ focam, principalmente, na proficiência de

habilidades e técnicas que configuram os domínios nos quais os artistas

trabalham para empurra-los em direção a novos desafios. Estas instituições

aproximam o seu trabalho de uma perspectiva ―de base‖ na qual aos jovens

artistas são ensinados fundamentos de estética; assim eles irão batalhar por

originalidade e aprender a arte da crítica para engajar-se em instituições que

irão julgar os seus trabalhos e legitimá-los como artistas. Os estudantes

aprendem a história dos seus domínios, de modo que eles são informados

sobre as direções do seu trabalho dentro do seu campo de prática. Nós

devemos imaginar que esta visão de artista requereria experiências que

levariam os estudantes através de um caminhos de sofisticação técnica e de

refinamento do talento natural num relativo isolamento do mundo social,

onde o gênio pode encontrar seu caminhos sem ser atrapalhado por

influências externas44

. (GAZTAMBIDE-FERNÁNDEZ, 2008, p. 253, grifo

no original, tradução nossa)

O papel da educação musical, nesta perspectiva, é separar os talentosos (herdeiros) dos

comuns. Isto tem sérias implicações sociais, relacionadas à condição reprodutivista da escola.

Categorias sociais como raça, gênero e classe social acabam por estar intrinsecamente

relacionadas à determinação de quem é talentoso e quem não é. A profecia do ―White male

genius‖ acaba por cumprir-se, paralelamente à profecia do fracasso dos pobres e

desvantajados (GAZTAMBIDE-FERNÁNDEZ, 2008, p. 253). O discurso do mérito

acadêmico individual acaba por fortalecer as inequidades estruturais – assim como a retórica

do talento artístico.

Debates envolvendo esta temática são freqüentes nas publicações da área de Educação

Musical. A partir dos anos 1990, Bresler (2003) nota que há um crescente interesse em

______________ 44

―Institutions that provide educational experiences grounded on the view of the artist as ―civilizer‖ focus

primarily on mastering the skills and techniques that shape the domains in which artists work in order to push

towards new exemplars. These institutions approach their work from a ―foundational‖ perspective in which

young artists are taught the fundaments of aesthetics so that they will strive for originality and learn the craft

of critique to engage in institutions that will judge their work and legitimate them as artists. Students learn the

history of their domains so that they are informed about the directions of their work within their field of

practice. We might imagine that this view of the artist would require experiences that lead students through a

path of technical sophistication and the refinement of natural talent in relative isolation from the social world,

where genius can find its way without being shunned by external influence.‖

Page 133: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

132

enquadrar a música em contextos e idéias sócio-culturais mais amplas. Isto pode ser

observado, por exemplo, nas duas publicações do Handbook of Research on Music Teaching

and Learning (COLWELL, 1992) e The New Handbook of Research on Music Teaching and

Learning (COLWELL, RICHARDSON, 2002). O intervalo de dez anos de publicação acaba

por mostrar uma profusão de estudos sobre a música inserida em contextos sociais – ainda que

seja uma produção minoritária.

Este distanciamento da realidade social, como resultado da incorporação de

disposições conservatoriais, seria também uma característica marcante nos documentos

curriculares cuja escrita é produto destas disposições – a despeito das orientações das

diretrizes irem exatamente no caminho contrário. Já podemos observar isto a partir da

homologia entre as propostas curriculares dos cursos de Licenciatura em Música em todo o

território brasileiro verificada no estudo de Mateiro (2009).

Apesar de toda a produção em torno da compreensão da música como fenômeno social

e não como uma entidade espiritual autônoma da realidade, o que se pode observar é que os

currículos permanecem fundados nas velhas tradições curriculares conservatoriais, o que

fortalece a nossa hipótese inicial.

Mesmo algumas mudanças observadas atualmente em alguns projetos pedagógicos –

como poderemos notar mais adiante nos casos da UFRJ e da UFMG, por exemplo: existe uma

maior atenção sendo dada aos conhecimentos pedagógicos, tendendo a um equilíbrio com o

corpo tradicional de disciplinas específicas de música (o que muito se deve à influência das

DCN Licenciatura de 2002), mas a essência curricular permanece a mesma. Ou ainda, o

pensamento de professores e alunos ainda reflete a ideologia musical conservatorial, como se

esta estivesse incorporada na forma de disposições duráveis que se tornam matriz de ações e

percepções. Tanto as práticas curriculares, quanto as práticas e discursos de professores e

alunos investigados na literatura (LUEDY, 2009; GALIZIA, 2007; CERESER, 2003;

FREIRE, 1992) evidenciam a incorporação da exterioridade, do conservatório, de um habitus

conservatorial.

3.3 O HABITUS CONSERVATORIAL

O conceito de habitus trabalhado por Pierre Bourdieu em sua obra é produto de

investigações empíricas, estudos de práticas. Procuramos, de maneira análoga, buscar nas

Page 134: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

133

práticas de escrita curricular (de recontextualização das DCN) vestígios de um habitus ligado

à ideologia musical instituída e perpetuada pelos conservatórios de música.

Para tal, estamos ancorados não somente na análise dos documentos curriculares,

como também na história das instituições de ensino musical, iniciada, oficialmente, com a

criação do Conservatório Imperial de Música no Brasil.

Nossa proposta é similar à tarefa que Bourdieu (1992) atribui à Sociologia: ―[...]

descobrir as estruturas enterradas de maneira mais profunda nos diversos mundos sociais que

compõem o universo societário, bem como os ‗mecanismos‘ que tendem a assegurar sua

reprodução ou transformação‖ (p. 7, grifo no original).

Assumimos, portanto, a noção de que o habitus é ―[...] história incorporada, feita

natureza, e por isso esquecida como tal‖; é ―presença operante de todo o passado do qual é

produto: no entanto, ele é o que confere às práticas sua independência relativa em relação às

determinações exteriores do presente imediato‖ (BOURDIEU, 2009, p. 93, grifo no original).

O passado operado torna-se passado operante, funcionando como capital acumulado e,

assim, produzindo história a partir da história. É desta forma que Bourdieu (2009) explica a

permanência na mudança que faz o agente individual como ―mundo no mundo‖ (p. 93).

A ideia de um habitus conservatorial responde de maneira satisfatória às questões

postas no início desta investigação, pois explica como é possível a tradição perpetuar-se na

inovação, fazendo com que as reformas propostas acabem por se tornar cosméticas e

periféricas. Também elas são produtos do mesmo habitus que criticam:

Produto da história, o habitus produz as práticas, individuais e coletivas,

portanto, da história, conforme aos esquemas engendrados pela história; ele

garante a presença ativa das experiências passadas que, depositadas em cada

organismo sob a forma de esquemas de percepção, de pensamento e de ação,

tendem, de forma mais segura que todas as regras formais e que todas as

normas explícitas, a garantir a conformidade das práticas e sua constância ao

longo do tempo. Passado que sobrevive no atual e que tende a se perpetuar

no porvir ao se atualizar nas práticas estruturadas de acordo com seus

princípios, lei interior por meio da qual se exerce continuamente a lei de

necessidades externas irredutíveis às pressões imediatas da conjuntura, o

sistema das disposições está no princípio da continuidade e da regularidade

que o objetivismo concede às práticas sociais sem poder explicá-las e

também das transformações reguladas das quais não podem dar conta nem os

determinismos extrínsecos e instantâneos de um sociologismo mecanicista

nem a determinação puramente interior, mas igualmente pontual do

subjetivismo espontaneísta. Ao escapar à alternativa das forças inscritas no

estado anterior do sistema, no exterior dos corpos, e das forças interiores

motivações surgidas, no instante, da decisão livre, as disposições interiores,

interiorização da exterioridade, permitem que as forças exteriores sejam

exercidas, mas segundo a lógica específica dos organismos nos quais estão

Page 135: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

134

incorporadas, ou seja, se maneira durável, sistemática e não mecânica:

sistema adquirido de esquemas geradores, o habitus torna possível a

produção livre de todos os pensamentos, de todas as percepções e de todas as

ações inscritas nos limites inerentes às condições particulares de sua

produção e somente daquelas. (BOURDIEU, 2009, pp. 90/1, grifo no

original)

E, ao adjetivar o conceito como conservatorial, intentamos relacionar este habitus

com a instituição a que ele permanece historicamente ligado: o Conservatório. Não como um

bloco monolítico de práticas que são reproduzidas e conservadas indistintamente através do

tempo, mas como disposições incorporadas que funcionam como matrizes de ações e

percepções; durável, mas não estático.

Existe, portanto, uma dependência histórica mútua entre estruturas e agentes, que é

revelada no fato de que a história objetivada em instituições (o Conservatório, neste caso) só

pode continuar em movimento pela ação de indivíduos dotados de habitus (conservatorial)

que os/as capacitam a ―habitá-las‖ e mantê-las em atividade, a retirar a instituição

persistentemente de uma estaticidade inerte por meio do reavivamento prático e cotidiano dos

sentidos e exigências nelas depositados pela história anterior.

Como nos mostra Peters (2006, p. 126/7), este reavivamento pode exigir, por sua vez,

a imposição de revisões e transformações reguladas destinadas a mantê-las em marcha sem

desfigurar sua identidade, garantindo assim a reprodução na mudança.

É necessário ter sempre em mente a cumplicidade ontológica entre os conceitos de

habitus e campo, pois, é na relação dialética entre eles que se encontra o princípio da gênese

das práticas sociais que articulam inextricavelmente os pólos da ação e da estrutura.

Wacquant (2007, p. 69) ilustra esta cumplicidade ontológica ao afirmar que:

[...] o habitus não é um mecanismo auto-suficiente para a geração da acção:

opera como uma mola que necessita de um gatilho externo e não pode

portanto ser considerado isoladamente dos mundos sociais particulares, ou

―campos‖, no interior dos quais evolui.

Vandenberghe (2006, p. 27) completa ainda esta ideia argumentando que a ligação

entre habitus e campo dá-se ao ponto de cada um referir-se à mesma coisa, porém considerada

de um ângulo diferente: como ergon (opus operatum) ou energeia (modus operandi). A

instituição, história objetivada vista como opus operatum, e o habitus, história incorporada,

por sua vez, como modus operandi.

Page 136: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

135

Neste sentido, o habitus conservatorial seria próprio do campo artístico musical e

estaria transposto (convertido) ao campo educativo na interrelação estabelecida entre estes

dois campos. E seria incorporado nos agentes ao longo do tempo no contato com a instituição,

com suas práticas, com seu currículo enquanto objetivação de uma ideologia. Assim as

instituições de ensino musical – como resultado da história iniciada pelos conservatórios –

podem ser entendidas como opus operatum: campo de disputas que tem no habitus

conservatorial o seu modus operandi.

É possível entender o subcampo das Licenciaturas em Música como um campo

magnético, que pode ser diagnosticado por meio do registro estatístico de seus efeitos sobre as

práticas de qualquer agente situado no alcance efetivo de sua ―gravidade‖, capaz assim de

exercer um impacto causal inescapável sobre as propriedades e conseqüências de tais práticas

(PETERS, 2006, p. 66).

Nesta perspectiva, ao adentrar no subcampo, os agentes aceitam as regras do jogo, e

passam a estar suscetíveis à gravidade daquele campo magnético: suas estratégias de

sobrevivência no campo se ajustam às regras do jogo, incorporando um senso prático. O

habitus conservatorial desperta, em cada um, conflitos e aceitações, e traz à tona outros

habitus incorporados em processos anteriores de socialização. Os ―herdeiros‖ sentem-se ―em

casa‖, como um ―peixe dentro d‘água‖; os outros ou se adaptam a ele ou são excluídos.

O conceito de habitus, retrabalhado em relação às suas origens aristotélico-

tomistas, torna-se assim princípio de uma descrição típico-ideal das

modalidades de consumo material e simbólico que ensejam os estilos de vida

dos atores que integram diferentes classes ou frações de classe. (PETERS,

2006, p. 72)

Tal ideia é reforçada por Vandenberghe (2006), que ressalta que esta relação entre

habitus e campo não é puramente circular. Nesta esteira, o habitus não simplesmente reproduz

as estruturas. O modelo é ideal-típico, o que significa que ele nunca ocorre na realidade e,

portanto, é puramente heurístico (idéia diretriz na pesquisa dos fatos).

Desta forma, compreendemos o conceito de habitus conservatorial como uma

descrição típico-ideal das modalidades de valoração musical que organizam as práticas de

seleção e distribuição de conhecimento musical. O conceito abrange ainda a concepção de

formação de professor de música, baseada nestes esquemas de valoração e organização das

práticas, que legitimam a música erudita ocidental e seu valor inerente como conhecimento

oficial específico a ser incorporado pelos agentes.

Page 137: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

136

Resulta, portanto, na concepção de músico professor, e, consequentemente, na rejeição

da idéia de professor de música. O músico professor, concebido como artista civilizador,

relaciona-se às habilidades prático-musicais, à supremacia da performance, ao

desenvolvimento da virtuosidade técnica. Referendando a ideia de que para ser um bom

professor de música, deve-se ser, primeiro, um bom músico. Por conseguinte, o habitus

conservatorial dificulta o levar em conta dos significados delineados45

da música, ou seja, da

compreensão da música como fenômeno social.

A despeito da realidade e das demandas escolares, este habitus procura reproduzir nos

espaços de educação musical o modelo dos conservatórios de música, ligados a uma ideologia

musical que engendra e possibilita a reificação e a legitimação da supremacia da música

erudita e submete as outras práticas musicais aos seus sistemas de valoração e modos de

estudo que acabam por excluí-las do conteúdo escolar, destituindo-as de importância. Este

habitus privilegia, neste caso, os significados inerentes da música.

O habitus conservatorial acaba por inculcar um senso prático ―correto‖ a ser seguido

no meio musical. Assim, as portas da música escrita (notação musical) e da preparação

técnica encontram-se não somente abertas, como os agentes são incentivados a cruzá-las. O

habitus conservatorial acaba por manter um forte enquadramento nas relações educativo-

musicais, conferindo o poder ao professor; e uma forte classificação (fronteira) entre

conhecimentos musicais e conhecimentos pedagógicos (estando os primeiros – dominantes –

sempre em posição hierarquicamente superior em relação aos segundos – dominados).

______________ 45

Lucy Green (1988, 1997) esboça uma distinção teórica entre dois aspectos do significado musical: o

significado inerente e o delineado. O primeiro lida com as interrelações dos materiais sonoros, ou

simplesmente, com os sons da música (GREEN, 1997, p. 27). Segundo a autora, para que uma experiência

musical ocorra, os materiais sonoros precisam ser organizados com alguma coerência e essa coerência precisa

ser racionalmente percebida pelo ouvinte. Desta forma, a organização do material sonoro age na construção

do significado musical inerente – são inerentes porque estão contidos no material sonoro e têm significados

uma vez que estão relacionados entre si. Green (1997, p. 28) ressalta que os significados inerentes são

artificiais, históricos e aprendidos: as respostas e compreensão dos ouvintes dependem da competência e da

referência em relação ao estilo musical. Dessa forma, o ouvinte deverá ter alguma experiência musical prévia

desse tipo de música e estar familiarizado ou deter algum conhecimento do estilo musical. Do contrário,

poucos significados serão percebidos.

Para Green (1997), enquanto este aspecto do significado musical é necessário à experiência musical, ele é

apenas parcial e não ocorre nunca per se. Os contextos de produção, distribuição e o contexto de receptividade

afetam a nossa compreensão musical. Para a autora, estes contextos não são meros aparatos extra-musicais,

mas também, em vários graus, compõem uma parte do significado musical durante a experiência do ouvinte.

Sem algum entendimento que música é uma construção social, não seremos capazes de identificar nenhuma

coleção sonora específica como musical. Quando escutamos música, afirma a autora, não podemos separar,

inteiramente, nossas experiências dos seus significados inerentes de uma maior ou menor consciência do

contexto social que acompanha sua produção, distribuição ou recepção. Desta forma, Green (1997) sugere o

segundo aspecto do significado musical, qualitativamente distinto do primeiro, a que chama ‗significado

delineado‘. Por esta expressão a autora transmite a idéia de que música, metaforicamente, delineia uma

pletora de fatores simbólicos. (GREEN, 1997, p. 29).

Page 138: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

137

Capacidade de antecipação prática de probabilidades prospectivas de

―sucesso‖ e ―fracasso‖ em empreendimentos diversos constitui um pilar

fundamental do habitus, sendo edificada ao longo das experiências de

socialização do agente, nas quais um repertório particular de disposições e

interesses práticos e de esquemas cognitivos e avaliativos é duradouramente

tecido (a ponto de tornar-se uma espécie de ―segunda natureza‖, na

expressão ciceroniano-pascaliana retomada por Bourdieu) a partir de

inumeráveis influências sócio-ambientais transmitidas parcialmente através

de recomendações e sanções expressas realizadas pelos agentes de

socialização mais próximos e constantes, como pais e professores, mas

também, e principalmente, por meio do mimetismo prático e inconsciente

através do qual certos modos de conduta socialmente tipificados, são

aprendidos em uso, isto é, de prática a prática, sem passar pelo discurso

consciente, em um processo que é mais acentuado na infância e na

adolescência. (PETERS, 2006, p. 74, grifo no original)

A ideia de um modelo típico-ideal – que não acontece na realidade – nos remete a

questões relativas à formação do habitus, aos processos de sua incorporação. Para Wacquant

(2007, p. 67/8) o habitus fornece ao mesmo tempo um princípio de ―sociação‖ e de

―individuação‖:

[...] sociação porque as nossas categorias de juízo e de acção, vindas da

sociedade, são partilhadas por todos aqueles que foram submetidos a

condições e condicionamentos sociais similares (assim podemos falar de um

habitus masculino, de um habitus nacional, de um habitus burguês, etc.);

individuação porque cada pessoa, ao ter uma trajectória e uma localização

únicas no mundo, internaliza uma combinação incomparável de esquemas.

[grifos no original]

Por isso o conceito é típico-ideal, porque cada indivíduo apresenta um processo

próprio de socialização, incorporando diferentes disposições ao longo da vida. O habitus

individual não será, portanto, uma réplica de uma única estrutura social, na medida em que é

―[...] um conjunto dinâmico de disposições sobrepostas em camadas que grava, armazena e

prolonga a influência dos diversos ambientes sucessivamente encontrados na vida de uma

pessoa‖ (WACQUANT, 1997, p. 68).

Retomando a metáfora do campo magnético, o habitus conservatorial corresponderia

à força magnética que move e organiza as disputas no subcampo dos cursos de música, mas

sua incorporação (ação da força magnética) ocorre em função das propriedades particulares

dos habitus que, já se encontram incorporados nos indivíduos, de maneira análoga à

diversidade de formas como cada elemento químico se comporta quando expostos à força

magnética devido às suas particularidades atômicas.

Page 139: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

138

As práticas resultantes mostram-se não de maneira idêntica, mas homólogas. Existe

uma semelhança estrutural, apesar das variações individuais. Isto poderá ser observado na

análise dos projetos pedagógicos: apesar de diferentes, estão ligados por uma semelhança

estrutural. O foco desta pesquisa não está na apreensão individual do habitus conservatorial,

mas no desvelamento de sua essência, de sua estrutura geral. Interessa-nos aqui, compreender

as disposições do habitus conservatorial e suas implicações nas práticas curriculares e, por

conseguinte, nas práticas de educação musical. Indicar as disposições de um habitus próprio

das instituições de ensino de música, que orientam as práticas educativas musicais e, portanto,

influenciam as práticas culturais dos indivíduos na sociedade – moldando, nesta sociedade,

um esquema perceptivo destas práticas relacionadas à música que conferem ou não distinção

pela expressão de um gosto musical individual.

Por outro lado, da mesma forma que as primeiras experiências de socialização

possuem um peso determinante bem mais significativo na configuração de quaisquer habitus

(PETERS, 2006, p. 74), ao tomarmos os cursos de Licenciatura em Música como formação

inicial de professores, o habitus conservatorial com o qual os licenciandos entram em contato

neste estágio de formação torna-se determinante nas suas ações futuras como professor de

música – e como músico.

Isto se deve ao fato de entendermos a gênese do habitus como uma série

cronologicamente ordenada de estruturas:

[...] uma estrutura de posição determinada especificando as estruturas de

posição inferior (portanto, geneticamente anteriores) e estruturando as de

posição superior, por intermédio da ação estruturante que ela exerce sobre as

experiências estruturadas geradoras destas estruturas. (BOURDIEU, 1983, p.

81).

Assim, as disposições e esquemas de produção da conduta gerados pelas primeiras

experiências de socialização formam uma espécie de filtro subjetivo através do qual as

experiências subsequentes são apreendidas e novos esquemas e disposições integrados ao

habitus (PETERS, 2006, p. 75).

Tal fato nos conduz a uma complexidade na compreensão das práticas individuais,

pois a forma como o habitus conservatorial será agregado às disposições individuais depende

sobremaneira das primeiras instâncias socializadoras (família, escola e mídia). As diferentes

formas de incorporação do habitus conservatorial nos indivíduos – e, consequentemente, as

práticas resultantes desta incorporação – convertem-se, desta forma, num interessante objeto

Page 140: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

139

de pesquisa cuja empiria transcende os limites documentais adotados para a presente

investigação.

Apesar desta complexidade, as práticas engendradas pelo habitus conservatorial que

esperamos encontrar nos documentos analisados e que, nos estudos curriculares da literatura

revisada (KLEBER, 2000; FREIRE, 1992; MATEIRO, 2009; ARÓSTEGUI, 2011) têm se

mostrado extremamente coerentes e unificadas, apesar de pequenas variações individuais –

um habitus durável, apesar de mutável, como já afirmado anteriormente.

Entendemos estas variações individuais como resultado dos processos de individuação

dos agentes, como variantes estruturais, uma vez que é obviamente impossível que quaisquer

membros do mesmo grupo tenham vivenciado a mesma trajetória experencial. Insistimos no

caráter homólogo de situações e condicionamentos enfrentados pelos agentes, o que nos

conduz à idéia de que o habitus conservatorial não se restringe aos limites das instituições de

ensino de música, mas fazem parte do senso comum, das representações cotidianas sobre as

práticas musicais. Desta forma, algumas disposições básicas do habitus conservatorial seriam

incorporadas deste os primeiros processos de socialização.

Prova disso é passível de ser observada todos os dias, por exemplo, quando eu me

apresento como pianista e confirmo a habilidade de ler partitura. Fato mais interessante é que

algumas pessoas – desconhecendo a existência do curso superior de Música – ainda

prolongam a conversa questionando se eu cursei os nove anos de formação do conservatório.

Além disso, existe uma aura de respeito à música erudita, mesmo entre os que não a apreciam.

A figura do conservatório e de suas práticas está inscrita no imaginário coletivo, povoado de

figuras como divas da ópera e suas jóias espetaculares, maestros e instrumentistas sempre

trajados elegantemente e se apresentando em salas de concerto que se assemelham a grandes

templos da arte. A visão do gênio, do talentoso, do diferente.

A conduta passa a ser baseada em conhecimentos com origem em discussões

das quais os sujeitos não participam e nem teriam condições de participar.

Estão em um nível de elaboração em que, como leigos, não poderiam

contribuir. Apenas assumem e respeitam a legitimidade que esses sistemas

adquirem na sociedade. (SETTON, 2002, p. 67)

Não seria esta uma explicação para a sobrevivência da doxa conservatorial na

sociedade contemporânea? A música erudita trabalha com códigos com os quais os sujeitos

leigos não conseguem operar. Assim, eles apenas assumem e respeitam a legitimidade que

esses sistemas adquirem na sociedade.

Page 141: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

140

A não necessidade de formação específica para a atuação como professores de música

nas escolas – assegurada pelo veto presidencial ao artigo 2º da Lei 11768/2008 – pode refletir

mais do que a ausência de profissionais formados para exercer esta função. Pode refletir a

ciência de que a instituição formadora de professores de música fala outra linguagem, opera

outras músicas, enquanto que os leigos falam ―na língua‖ das escolas, dos alunos... Seria

reflexo, portanto, da perda da autoridade das instituições formadoras na sociedade

contemporânea – uma vez que estas não têm dado conta de responder às necessidades das

escolas, estando ainda presas nas teias do habitus conservatorial.

A espantosa coerência das práticas conservatoriais pode ter como uma de suas razões

de ser a ativação destas disposições do senso comum interiorizadas desde as primeiras

instâncias de socialização. Além disso, após o ingresso no subcampo das Licenciaturas em

Música, por mais diversa que seja a origem social, por mais diferentes que tenham sido os

processos de socialização, a aderência às práticas conservatoriais acabam por tornar-se

estratégia de sobrevivência no campo.

E as disposições conservatoriais são tão fortes que é freqüente encontrar músicos

populares planejando aulas, nas primeiras atividades de estágio, que envolvem a apresentação

de todo o conteúdo abstrato dos elementos constituintes da notação musical. Ou ainda na

adoção dos cachecóis como adereço obrigatório de cantores e cantoras que ingressam no

mundo erudito (exteriorização das disposições, hexis corporal).

O fato é que, após o ingresso no subcampo, os agentes integram-se em um grupo, no

interior da instituição de ensino musical, e passam a compartilhar um sistema organizado de

orientação das ações e percepções, traduzindo sistematicamente práticas coerentes e

articuladas nas múltiplas esferas aonde atuam.

[...] o conceito de habitus permite compreender como as condutas levadas a

cabo pelos atores tendem a se adaptar estrategicamente às condições

objetivas de suas ações, não sendo essas, no entanto, fruto de um cálculo

racional e deliberado (as condições para o cálculo quase nunca são dadas na

prática); da obediências consciente a regras explicitamente definidas

(concepção que Bourdieu define pejorativamente como ―juridiscismo‖) ou

de uma determinação mecânica e automática por causas coletivas

insconscientes, mas sim de um processo em que os atores atualizam

continuamente as intuições tácitas de um senso prático adquirido a partir de

sua experiência societal, ou, mais precisamente, da exposição continuada e

recorrente a condições semelhantes de ação em um campo específico de

disputa ou em uma classe social particular. As disposições socialmente

estruturadas e unificadas sob a forma de um habitus que articula

sistematicamente, mesmo na ausência de uma intenção explícita de

sistematicidade, as diversas práticas ou dimensões dos estilos de vida dos

Page 142: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

141

atores, de acordo com o teorema da ―transponibilidade‖ entre esferas da vida

social, permitem a Bourdieu explicar a regularidade, inteligibilidade

intersubjetiva, unidade e coordenação intra-grupal e inter-grupal das ações

sociais sem reduzir essas características à operação funcional de mecanismos

sistêmicos (como em Durkheim, Parsons ou Luhmann) ou às maquinações

individuais de calculadores estratégicos (como na teoria da ―escolha

racional‖, na versão, por exemplo, do norueguês Jon Elster). (PETERS,

2006, pp. 78/9, grifos no original)

Concordamos com Setton (2009) que são os próprios indivíduos que tecem as redes de

sentido que os unificam em suas experiências de socialização (SETTON, 2009, p. 297). Desta

forma, o habitus conservatorial seria característico do curso de música como instância

formadora. Assim, cabe a cada indivíduo a construção (sempre inconsciente) de seu habitus

individual, confirmando a tese de que habitus não é destino.

O curso de música seria um espaço social, um dos espaços freqüentados pelos

indivíduos e responsável pela inculcação de valores, modos de pensar e agir, ideologias. Este

espaço social insere nos indivíduos matrizes sociais de cultura, que se imbricam às matrizes

que já foram incorporadas nos processos primários de socialização. Os cursos de música são

pensados também como instâncias que promovem a socialização, que, através da imposição

de padrões específicos de cultura, influenciam sobremaneira na geração de padrões de

conduta e pensamento relacionados à música.

Intrigante é, entretanto, como esta estrutura geral mantém-se com poucas variações,

apesar das grandes mudanças que ocorrem na sociedade. Ora, se compreendemos o habitus

como conceito mediador entre sociedade e indivíduo, e rejeitamos a idéia de um

determinismo das práticas – habitus como memória sedimentada e imutável (SETTON, 2010,

p. 25), é curioso perceber a força da tradição frente às inovações contemporâneas.

Tal fato pode ser explicado pela propriedade do habitus conservatorial, como

ideologia musical inculcada, de dissociar a música erudita de seu contexto social de produção.

Assim, neutralizam-se as influências das transformações contemporâneas, ou elas são filtradas

para serem apropriadas de ―maneira correta‖.

É o caso, por exemplo, do emprego das tecnologias na composição musical. Elas

encontram espaço na academia e a produção, tanto de repertório quanto de pesquisas sobre o

assunto, tem crescido em número e qualidade. Entretanto, a aceitação das mesmas pelo

público (tanto de músicos profissionais quanto de leigos) não reflete o mesmo interesse dos

acadêmicos envolvidos em sua produção. A resistência na apreciação deste tipo de música

Page 143: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

142

pode, inclusive, revelar-se como interessante objeto de pesquisa que investigue a atuação do

habitus conservatorial na formação do gosto individual das pessoas.

É fato que o habitus conservatorial influencia na formação do gosto musical – sem

configurar-se, entretanto, como destino, como força determinadora. É, contudo, uma ―força

forte‖, com o perdão do pleonasmo.

A ideologia musical incorporada como habitus conservatorial determina o gosto

legítimo, próximo ao dos grupos dominantes; e o gosto ilegítimo – próximo ao gosto popular.

Isto está relacionado diretamente ao conceito de ―boa música‖ e, portanto, torna-se basilar na

seleção da música que conta como conhecimento legítimo.

O habitus conservatorial é marcante nas trajetórias sociais daqueles que se envolvem

com música, especialmente os que decidem ingressar num curso superior, influenciando seus

processos de aprendizagem, atuando na legitimação do arbitrário cultural e,

consequentemente, na escrita dos currículos.

Bourdieu detectou uma forte relação estatística entre as práticas de

assistência a teatros, frequência a bibliotecas, museus, concerto de música

erudita e o consumo cultural dos segmentos altamente escolarizados. Além

disso, constatou uma heterogeneidade de julgamentos de gostos bem como

observou uma correlação entre posse de uma competência estética

(adquirida, sobretudo na família e complementada pela escola) e uma

propensão a apreciar a arte. Com base em expressivas taxas de

correspondência entre essas variáveis, o autor pôde inferir que a apropriação

de práticas e a apreciação de obras relativas ao universo erudito dependiam

de um trabalho escolar que oferecia ao espectador instrumentos, códigos

genéricos e específicos, como também oferecia esquemas de interpretação

propriamente artísticos e estéticos adequados a cada obra em particular.

Lembra o autor que a posse de tais esquemas seria a condição de

compreensão das mesmas. Para ele, no domínio da cultura erudita, o tipo de

aprendizado, ainda que muitas vezes processado de maneira difusa pela

família, deveria ser complementado pelo trabalho metódico da escola.

(SETTON, 2010, p. 27)

Observe a relação direta entre ―música erudita‖ e ―segmentos altamente

escolarizados‖. Não estaríamos diante de uma gradação: quanto mais escolarizado, mais

próximo do gosto legítimo, e, portanto, exposto às influências do habitus conservatorial por

mais tempo, incorporando-o?

A ―propensão a apreciar a arte‖, não traria embutida em si a noção de ―boa arte‖, arte

legítima, cultura dominante? A escola instrumentaliza os indivíduos com ferramentas estéticas

possibilitando a apreensão simbólica da arte elevada, do gosto refinado. Neste caso, ao eleger

o universo erudito como único digno de atenção, como parâmetro de julgamento das outras

Page 144: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

143

músicas, o habitus conservatorial influencia os currículos a oferecerem apenas os

instrumentos, códigos, esquemas de interpretação artísticos e estéticos relativos ao universo

erudito, que não se aplicam aos outros universos.

Como resultado disto, temos a exclusão da música popular, da música cotidiana, da

música de massa como conhecimento digno de atenção. O habitus conservatorial dificulta a

compreensão da música como fenômeno social. Dificulta, portanto, a mediação entre músicas

(no plural) e seres humanos. Não possibilita o desenvolvimento de uma crítica individual

sobre as músicas às quais os indivíduos têm acesso. Antes disso, fornece os parâmetros para

que a crítica seja feita – sempre privilegiando o conhecimento erudito e subjugando as outras

formas de fazer musical. Como possibilitar a compreensão das outras músicas como

fenômeno social se os esquemas que são distribuídos privilegiam apenas o significado

inerente, ignorando os significados delineados?

O problema não está na música erudita em si, mas na sua preferência, na escolha desta

música e de suas características próprias como balizadoras de toda a experiência musical. Isso

agrega problemas sociais muito grandes, como a desvalorização das outras formas de

conhecimento; a exclusão e a impossibilidade de compreensão de outras formas de produção

musical. A compreensão da existência de um habitus conservatorial permite a

conscientização de que a música erudita não é autônoma, neutra, espiritual, mística..., mas

fortemente ligada às condições sociais.

O aperfeiçoamento na música erudita é um problema quando inserido no espaço

escolar. Esta afirmação está ligada à nossa concepção de educação musical e sua função nas

escolas de educação básica. Nada impede que alguém se especialize em música erudita.

Entretanto, ao acreditar que a música está nas escolas na perspectiva de contribuir para uma

educação integral do indivíduo, é necessário rever as implicações do habitus conservatorial

neste sentido, pois ele atuaria como um sério limitador. Ao acreditar na educação como

possibilitadora de desenvolvimento de seres humanos críticos, que refletem continuamente

sobre a realidade social que os cerca, o habitus conservatorial torna-se um problema, pois já

oferece a crítica e seus parâmetros de julgamento, não permitindo que cada um desenvolva

sua maneira de pensar, de julgar. Ele fornece a maneira ―correta‖, ―apropriada‖ de julgar. Ele

define a crítica.

É como se os cursos de música, através do seu habitus, tornassem-se instituições a-

históricas. A ideologia musical própria destes espaços sociais não permite observar o ingresso

de um estudante plural. Existe uma tensão entre os significados inerentes e delineados da

Page 145: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

144

música. Nos cursos, observa-se a illusio de apreensão do significado inerente, enquanto a

sociedade pede também pela atenção aos significados delineados.

Segundo Setton (2010, p. 28), a teoria da legitimidade cultural ou das distinções de

gosto desenvolvida por Bourdieu propôs compreender sociologicamente as funções da cultura

dos dominantes e os poderosos efeitos ideológicos dessa cultura sobre os grupos mais

carentes. Neste sentido, o que se pode verificar, de acordo com a autora, é uma disputa pela

autoridade de um poder simbólico no mundo social nas lutas pela produção de uma visão

legítima de um gosto, e pela imposição de uma concepção estética ou de uma opção a outra

prática de cultura. O habitus conservatorial seria, portanto, ferramenta inconsciente na

disputa pela autoridade da música erudita, pela legitimação do gosto dominante. E, nos cursos

superiores de música, o currículo escrito a partir desta matriz disposicional acaba por alcançar

êxito nesta luta.

Dito com outras palavras, a partir da visibilidade simbólica do gosto dos

grupos dominantes, desvelam-se os mecanismos ideológicos da imposição

de um gosto ou de um estilo legítimo, no entanto arbitrário, de consumir

cultura, de se vestir, morar ou viver ou mesmo se divertir. De certa forma,

esta abordagem avança, indo além da contribuição do pensamento clássico,

reintroduzindo na análise das práticas de cultura o caráter ideológico e

arbitrário das instâncias de produção e consagração cultural – escolas,

conservatórios, museus, mídias. (SETTON, 2010, p. 29)

A música erudita e seus mecanismos de estudo e análise dispostos nos currículos do

ensino superior (e, muitas vezes, nas escolas especializadas) torna-se como que uma moeda

legitimada e institucionalizada pelo sistema de ensino e demais instituições promotoras e

difusoras de símbolos distintivos (SETTON, 2010).

O habitus conservatorial seria uma força que luta para impor uma única escala de

legitimidade cultural. Apesar de ser amplamente aceita, não quer dizer que seja a única. Pode-

se dizer, entretanto, que sua atuação é bastante ampla, não se restringindo apenas ao espaço

das instituições de ensino musical. Insistimos na afirmação de que o habitus conservatorial

está presente – de maneira diferenciada, é verdade – na concepção de música forjada no senso

comum, e, apesar de não ser unânime é, sem dúvida, muito forte.

Tão forte que vem dificultando a realização de reformas nos currículos dos cursos

superiores, por exemplo. A música popular vem lutando por um espaço nas universidades,

mas peca ao submeter-se às forças deste habitus. O que quer a música popular na

universidade? Legitimidade, reconhecimento, status. Mas a própria música popular opera

Page 146: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

145

seleções em seu ingresso na universidade: não é toda e qualquer manifestação popular que

adentra no âmbito do ensino superior, mas ―a boa música popular‖. Quais os critérios para

esta seleção? Critérios estabelecidos pela ideologia musical incorporada, não todos, mas parte

deles – complexidade, espiritualidade, universalidade... Tal fato reflete a luta pela posição

privilegiada, a luta por uma maior cotação no valor como capital cultural.

É importante lembrar que, no caso da música popular, não é apenas o habitus

conservatorial que dificulta as suas lutas. A música erudita, e suas formas de transmissão

encontraram eco nas propostas de forma e organização escolar. A música popular tem de

vencer não apenas as barreiras impostas pelo habitus conservatorial, mas as dificuldades em

sua adaptação às formas e organizações escolares. A não necessidade de um programa rígido

de ensino, a significativa diminuição da autoridade pedagógica do professor, a oralidade,

todas são características que se chocam não apenas com o habitus conservatorial, mas com o

habitus escolar.

3.3.1 Sintetizando: as dimensões do habitus conservatorial

Peters (2006, pp. 82-85) identifica três dimensões analiticamente distinguíveis do

habitus: ethos (esquemas práticos), eidos (esquemas lógicos) e hexis (sistemas de ação

corporal). Esta separação em dimensões justifica-se apenas para um aprofundamento da

análise, uma vez que funcionam de maneira inevitavelmente entrelaçada na prática dos

agentes.

Sobre a primeira dimensão, Peters explica que:

A dimensão disposicional do habitus recoberta pela noção hegeliana de

ethos, por exemplo, aponta para o diagnóstico do fato de que a conduta dos

atores é efetivamente regulada por princípios de escolhas práticas que são

valorativamente orientadas, isto é, guiadas por um senso intuitivo (derivado

da experiência social) do que se deve e do que não se deve fazer em

situações socialmente tipificadas, sem que isso implique, entretanto, à

maneira de certo escolasticismo juridicista, a suposição de que tais princípios

corporifiquem uma ética, no sentido de um corpo sistematicamente

articulado e explicitamente formulado de máximas morais de

comportamento operando de modo expressamente intencional na prática dos

indivíduos. (PETERS, 2006, pp. 82/3)

Nesta dimensão, identificamos as disposições incorporadas que orientam as práticas

dos agentes. Neste sentido, entendemos disposições como uma predisposição, uma tendência,

Page 147: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

146

uma propensão, uma inclinação incorporada nos atores decorrentes da especificidade do

processo de socialização por eles percorrido (CASANOVA, 1995, p. 49). Ou ainda, de

maneira mais genérica, ―[...] uma propensão estratégica numa relação social, uma atitude face

aos condicionamentos e virtualidades de uma determinada posição social e, portanto, inerente

a essa posição‖ (CASANOVA, 1995, p. 62).

A partir da análise das práticas curriculares, podemos identificar como disposições do

ethos conservatorial:

- tendência a organizar as práticas de formação do músico para atuação profissional ou

diletante no campo artístico;

- forte propensão a compreender este processo de formação aos moldes dos ofícios

medievais, onde a figura do professor é atribuída ao mestre, máximo conhecedor de

sua arte;

- inclinação para o favorecimento do individualismo, tanto no processo de ensino

quanto na atuação musical (fábrica de solistas virtuoses);

- tendência a forte enquadramento e forte classificação na organização curricular;

- favorecimento da música erudita ocidental na seleção do conhecimento oficial;

- supremacia do letramento musical;

- tendência à valorização da performance em detrimento de outras áreas de formação

(disposição ligada instrinsecamente à formação do músico como objetivo final do

processo);

- inclinação à separação disciplinar da teoria e da prática, mantendo-se a posição

propedêutica da primeira em relação à segunda;

- propensão à seletividade.

Estas disposições nada mais são do que a história do ensino musical –

institucionalizada pelos conservatórios – incorporadas na forma de habitus. Já o conceito de

eidos liga-se à orientação da percepção dos agentes frente às situações enfrentadas no campo:

[...] o conceito de eidos refere-se, por sua vez, à dimensão propriamente

cognitiva do habitus como sistema de esquemas mentais de ordenação

categorial e compreensão interpretativa dos fenômenos mundanos com os

quais os agentes se deparam em sua experiência cotidiana, esquemas a partir

dos quais esses fenômenos ganham inteligibilidade para tais agentes.

(PETERS, 2006, p. 83)

Esse esquema cognitivo – lógico – do habitus conservatorial é regulado pela ideologia

musical dominante descrita por Green (1988 / 2003). Como não poderia deixar de ser,

relaciona-se diretamente ao ethos descrito anteriormente.

Page 148: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

147

A compreensão da música erudita ocidental (especialmente a européia) como alta

cultura musical orienta todo o esquema de percepção dos agentes. Acoplada a esta idéia,

figura a importância fulcral atribuída à notação musical nestes esquemas. Esta característica –

que ganha força ao pensarmos na inserção da formação do artista no campo educativo – é

central para a conservação das ―grandes obras‖ e para a construção da partitura musical como

objeto de estudo das disciplinas teóricas do currículo.

Nesta perspectiva, aquela música que prescinde da notação, que privilegia a oralidade,

é percebida como ilegítima, inadequada, menor. Toda a estrutura disciplinar construída com

base no letramento e na dominância da música erudita (características que, sem dúvida

alguma, estão fortemente ligadas entre si) acaba por delinear um coeso esquema de valoração

musical, que orienta (influencia) a percepção dos agentes. Neste sentido, as músicas cuja

importância recai sobre outras características que não estas privilegiadas pela eidos

conservatorial acabam por serem excluídas do processo de educação musical. Inclua-se aí

praticamente toda a vivência musical anterior dos estudantes dos cursos de música e também

da grande maioria da população.

O esquema de valoração musical que compõe a eidos conservatorial fundamenta-se na

atribuição à música legítima das propriedades de universalidade, eternidade, complexidade e

originalidade. As disciplinas específicas da área de Música objetivam a apreensão dos

movimentos históricos de originalidade e complexidade da música erudita ocidental que

acabaram por torná-la universal e eterna, destituindo-a de sua dimensão social. Com isso, o

currículo mostra-se como a exteriorização das disposições, mas, ao mesmo tempo, atua como

ferramenta de interiorização das mesmas.

Com relação à hexis:

[...] o ajustamento da subjetividade dos atores aos seus condicionamentos

societais objetivos também deriva grande parte de sua força do fato de que o

habitus constitui não apenas um sistema mental de produção e categorização

cognitiva, ética, estética e afetiva da conduta e dos significados objetivados

em instituições e produtos culturais, como também, e de maneira

indissoluvelmente articulada, um conjunto de estados habituais do corpo, o

qual se manifesta nos agentes como uma héxis corporal moldada e

interiorizada pela aprendizagem inconsciente e cotidiana de um certo

conjunto de posturas corporais, de modos de falar e de andar, em suma, se

maneiras internalizadas e duráveis de se relacionar com o próprio corpo que

encarnam ou ―somatizam‖ propriedades historicamente específicas de um

contexto social, em particular a identidade societal que o indivíduo assume

em função de seu posicionamento na estrutura do grupo, maneirismos que

tendem a ser percebidos, no entanto, como absolutamente naturais e

evidentes pelo ator e pelos demais atores que classificam-no, a ponto de

Page 149: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

148

poderem até ser tomados como parte essencial da constituição biológica dos

indivíduos, como é mais óbvio no caso das formas de héxis corporal

associadas à construção social da masculinidade e da feminilidade, por

exemplo. (PETERS, 2006, p. 83, grifos no original)

Apenas com a análise curricular não é possível uma descrição da hexis corporal

moldada pelo habitus conservatorial. Entretanto, é possível encontrar vestígios de uma hexis

conservatorial naquilo que Lopes (2005, p. 43, grifos no original) chama de ―manuais de

civilidade‖:

Um conjunto de cartilhas ou breviários, a maior parte das vezes

encomendados por entidades públicas (autarquias, nomeadamente) que

sentem, no seu quotidiano, a partir de experiências de ―formação de

públicos‖ ou da acção de departamentos educativos, dificuldades que se

exprimem em considerações mais ou menos espontâneas sobre a ―falta de

preparação‖ dos novos públicos para a presença nos cenários de interacção

semipúblicos onde a cultura acontece, isto é, onde se apresenta e representa

(museus, galerias, salas de espectáculo…), ao mesmo tempo que os próprios

públicos se apresentam e representam, num duplo jogo ou lógica de

espelhos.

Segundo este autor, os manuais servem para ―domesticar‖ habitus pouco ou mal

preparados para os mundos da cultura, resultantes, em muitos casos, de capitais culturais

recém-incorporados, pouco consolidados e sujeitos a regressões, em particular quando os

agentes sociais já não estão institucionalmente integrados (como na escola) ou encontrando-

se, então, inseridos em lógicas de trabalho subalterno, desqualificado, alienado e alienante.

Um dos maiores selos de gravação da música erudita, a Naxos, oferece em seu site um

destes manuais, intitulado Getting Ready: How to enjoy a live concert46

. Uma das

―instruções‖ refere-se diretamente à maneira correta de se vestir para ir a um concerto.

Observe:

O que vestir

Ah, não existe uma simples resposta para a questão do que vestir para ir a

um concerto, porque cada concerto tem sua própria atmosfera e estilo. A

noite de abertura de uma ópera requer uma roupa mais formal, mas grande

parte dos concertos são menos formais do que isso. Em algumas ocasiões

você poderá se sentir deslocado caso você se arrume demais.

Usualmente você pode vestir aquilo que quiser. Como as pessoas estarão

vestidas com todos os tipos de roupas, você estará adequado de qualquer

______________ 46

Disponível em http://www.naxos.com/education/enjoy_intro.asp.

Page 150: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

149

maneira. Se você gosta de se arrumar, aproveite a ocasião. Já se você não

gosta, vista-se com roupas confortáveis.

Se estiver preocupado, coloque o que você vestiria para um encontro de

negócios ou, melhor, para um casamento – acima de tudo, um concerto é um

tipo de celebração, então vista algo festivo! Concertos no final da tarde

geralmente inspiram o uso de mais acessórios do que os eventos que

ocorrem durante o dia.

Para obter um auxílio mais específico neste sentido, pergunte por aí, ou ligue

para a organização e pergunte o que as pessoas normalmente usam.

Como os concertos reúnem várias pessoas em um único recinto, é melhor

não usar perfumes muito fortes47

. (STEINMETZ, 2012, tradução nossa)

Apesar do autor do manual indicar que o expectador pode se vestir da forma que

quiser, existem algumas dicas para não se sentir deslocado: vestir-se para um encontro de

negócios ou mesmo para um casamento e não usar perfumes fortes.

A página oficial do Theatro Municipal do Rio de Janeiro traz a seguinte advertência:

―É terminantemente vedada a entrada de pessoas trajando bermuda, short, top, camiseta sem

manga, bem como chinelos, exceto para crianças de até 10 anos48

‖. Tal advertência é

fundamentada na Portaria FTM/RJ Nº 183 de 10 de novembro de 2010 (disponível no mesmo

site) que ainda a complementa indicando os trajes permitidos: traje de passeio ou esporte fino.

A hexis conservatorial pode ser observada no cotidiano, em comparações entre

concertos de música erudita e shows de música popular. Não há normas para se vestir ou se

comportar nestes últimos (exceto quando acontecem em casas com normas próprias). Ainda

que ao público de concertos eruditos seja permitido o ―traje passeio‖ é incomum encontrar

músicos que não estejam em ―black tie‖.

Lopes (2005, p. 45) utiliza como epígrafe, em seu texto, a seguinte ―dica‖ para os

ouvintes de música erudita: ―Não cante nem tente acompanhar o artista. Lembre-se que, por

mais que tente, nunca será tão bom como ele. Não é por acaso que não é você quem está no

______________ 47

―What to Wear

Alas, there is no simple answer to the question of what to wear to a concert, because every concert has its own

atmosphere and style. Opening night at the opera might require formal dress, but most concerts are far less

formal. At some performances you‘ll be out of place if you dress up too much!

Usually you can wear whatever you want. Because people will be wearing all manner of clothes, you‘ll fit in

no matter what. If you enjoy dressing up, take advantage of the occasion! If you hate dressing up, wear

comfortable clothes.

If you are worried, put on what you would wear to a business meeting or, better yet, to a wedding—after all, a

concert is a kind of celebration, so wear something festive! Evening concerts generally inspire dressier outfits

than daytime events.

To get more specific wardrobe advice, ask around, or call the organization and ask what people tend to wear.

Because concerts squeeze lots of people into one room, it‘s best not to wear strong fragrances.‖ 48

http://www.theatromunicipal.rj.gov.br/

Page 151: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

150

palco‖. Analisando esta epígrafe na perspectiva de uma violência simbólica, o autor comenta

que:

Ao atentarmos nos manuais ou guias do espectador constatamos, desde logo,

que subsiste um padrão de cultura erudita ou cultivada. A frase em epígrafe

denuncia um contexto bem preciso: sala clássica, porventura à italiana;

audição de música e canto clássicos ou consagrados. Basta imaginar outros

contextos ou géneros musicais para prever que a participação dos públicos é

altamente suscitada e desejada, nomeadamente pelo incentivo ao canto

partilhado ou colectivo, a posturas corporais de intensa sociabilidade, à

irrupção do imprevisto no guião flexível do evento. (LOPES, 2005, p. 46)

Percebemos algumas características de uma hexis relacionada à música erudita, mas

que merece uma investigação empírica mais ampla e aprofundada.

Trazendo a discussão do habitus conservatorial para a discussão curricular, é

importante reconhecer que a noção de habitus confere uma interpretação mais dinâmica à

compreensão das práticas conservatoriais. A compreensão destas práticas como um modelo

reproduzido ad eternum não parece satisfatória, pois engessa-se num mecanismo

reprodutivista e determinista. O ―modelo conservatorial‖ é entendido como algo sólido,

acabado, enquanto que o habitus indica que estas práticas são constantemente re-produzidas,

atualizadas, e estas recriações das práticas se dão sempre a partir de uma matriz durável que

não é estática.

Neste sentido, como observado pela análise curricular aqui delineada, o conservatório

não está sendo reproduzido, mas, tem orientado a construção curricular e suas propostas de

reação a ele.

Entretanto, o que esperamos encontrar é uma concepção uniforme do que seja a

formação musical. Ainda que existam visões diferenciadas do que seja um professor de

música, o que acabaria por influenciar no formato das disciplinas pedagógicas do currículo, a

raiz da concepção de músico e de sua formação se remontaria, ainda, às determinações

instituídas historicamente pelo conservatório.

3.4 EXCURSUS FINALIS - HABITUS CONSERVATORIAL E A TEORIA DOS CÓDIGOS

DE BERNSTEIN (1990) – UMA APROXIMAÇÃO

Uma das características da ideologia musical incorporada na forma de um habitus

conservatorial é a centralidade ocupada pela escrita musical. Como vimos, toda a estrutura

Page 152: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

151

disciplinar gira em torno da escrita musical – tanto específicos de música como os

pedagógico-musicais (que se preocupam com metodologias de ensino da escrita musical).

Segundo Apple (2006, p. 179), ―[...] muito da linguagem que utilizamos, embora

aparentemente neutra, não é neutra no impacto que causa, nem é imparcial no que diz respeito

às instituições de ensino existentes‖.

A teoria dos códigos proposta por Basil Bernstein (1990) nos permite um

aprofundamento na compreensão das disposições incorporadas na forma de habitus

conservatorial.

Segundo este autor, as relações sociais regulam os significados que nós criamos,

significados que expressamos através dos papéis constituídos por essas relações sociais

(BERNSTEIN, 1990, p. 134). Para Bernstein (1990, p. 143), ―[...] um código é um princípio

regulativo, tacitamente adquirido, que seleciona e integra significados relevantes, formas de

realização e contextos evocadores‖. Dessa forma,

[...] o controle simbólico é o meio pelo qual a consciência recebe uma forma

especializada e é distribuída através de formas de comunicação, as quais

conduzem, transportam uma determinada distribuição de poder e categorias

culturais dominantes. (BERNSTEIN, 1990, p. 189).

A música erudita é uma disciplina49

que tem um código próprio, uma gramática

particular. Observe o que Vieira apresenta acerca da apreensão do código musical no interior

do modelo conservatorial:

Outro aspecto deste modelo [conservatorial], preso à prática instrumental

virtuosística, mas que juntamente com ele é negado na apresentação pública,

consiste no domínio do código musical. O ensino desenvolvido em

conservatório apresenta tanto a imposição da habilidade de decodificar uma

partitura como condição para a expressão e realização musicais, quanto a

imprescindibilidade de tornar invisíveis o código e o esforço da

decodificação (observa-se, por exemplo, como praxe em apresentações

públicas, competições e exames, a execução de cor pelo solista). Se, por um lado, a invisibilidade do código permite que a música retome a

primazia na realização musical, fazendo desconhecer sua relação de

dependência arbitrária com a teoria, por outro lado, alimenta a percepção

mágica do talento na percepção da performance. Isto porque o que se vê e o

que se ouve no ato da execução musical pública, livre de partituras, oculta a

______________ 49

Uma disciplina é um discurso separado, especializado, com seu próprio campo intelectual de textos, práticas,

regras de admissão, modos de exame e princípios de distribuição de sucessos e privilégios. (BERNSTEIN,

1990, p. 218) As disciplinas ou matérias singulares são, em geral, narcisistas, orientadas para seu próprio

desenvolvimento e não para aplicações fora delas mesmas. (BERNSTEIN, 1990, p. 219)

Page 153: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

152

última das provas do esforço para o domínio da prática instrumental.

(VIEIRA, 2000, p. 5 – 6)

O habitus conservatorial está intrinsecamente ligado ao domínio do código musical.

Vieira nos mostra esta ligação ao explicitar este modelo recontextualizado nos cursos de

licenciatura de Belém do Pará:

[...] o conteúdo de disciplinas musicais do currículo das licenciaturas locais

manteve o sentido das disciplinas que compunham o currículo do curso do

Instituto Carlos Gomes [um dos conservatórios de Belém], na primeira fase

deste estabelecimento; isto é a aprendizagem dos elementos que compõem a

gramática universal da música erudita: notas, pautas, claves, valores

rítmicos, compassos, acidentes, intervalos, escalas, acordes. As regras dessa

gramática são estudadas e aplicadas em exercício de solfejo, análise, arranjo,

composição e redução. A construção desta gramática é contada na História

da Música, de forma linear-evolucionista, iniciando com música na

Antiguidade e culminando com a menção a compositores contemporâneos.

O Canto Coral e as práticas instrumentais são os espaços de execução

musical da gramática fixada, o que situa o repertório no âmbito da produção

até o século XIX. O Canto Coral e a Estruturação Musical aparecem como

espaços onde se introduzem atividades de composição e leitura, que também

abrangem a linguagem musical contemporânea, ainda que de forma

elementar, mas que favorece a ampliação da percepção musical, em relação

ao que é desenvolvido no Instituto e na Escola de Música. (VIEIRA, 2000, p.

69)

Observe no trecho que se segue como o código musical, além de ditar as formas do

ensino de música, seleciona o conteúdo (repertório) a ser trabalhado:

A história da música permite, ainda, dar conta de que o código musical

ensinado pelo modelo conservatorial corresponde ao conhecimento

produzido à época em que este modelo foi criado. Ao conservar este

conhecimento, o modelo conservatorial preserva um dos fatores que o

fundamentam, qual seja, uma cultura musical que compreende elementos de

uma música de um determinado momento histórico. Dessa forma, o modelo

conservatorial tende a preservar as bases musicais com as quais se identifica,

que correspondem à música erudita européia dos séculos XVIII e XIX.

(VIEIRA, 2000, p. 4)

E ainda:

As leis da linguagem musical fixadas na Renascença começaram,

claramente, a ser ultrapassadas no pós-guerra, sem que os conservatórios

disso tomassem tento. Seu ensino continuou a desconhecer as

transformações trazidas pela música eletrônica, por exemplo, da mesma

Page 154: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

153

forma que se desconheceu outros sistemas musicais, como o oriental

(baseado na escala pentatônica), o dos grupos indígenas americanos etc. O

ensino do conservatório ainda se orienta pela linguagem fixada na

Renascença e na estética romântica do século XIX. (VIEIRA, 2000, p. 4 -5)

Dessa forma, podemos concluir que o código traz, em si, tanto a dicotomia

teoria/prática, observada como característica pedagógica do modelo conservatorial, como o

conteúdo da disciplina música: a música erudita europeia.

Como afirmamos anteriormente, este modelo é recriado continuamente, e não é,

portanto, um produto acabado. Em Freire (1992) podemos observar a luta contra um modelo

conservatorial que se traduz na inserção do repertório erudito brasileiro nos programas de

piano da UFRJ. Assim, não há um movimento contra-hegemônico, um movimento

anticonservatorial, mas sim, uma atualização deste modelo hegemônico, orientada pelo

habitus, incluindo-se a música erudita brasileira como conteúdo possível.

O ensino formal de música está sempre atrelado à aquisição do código musical e, por

isso, traz em si resquícios dos moldes conservatoriais. Como mostrado anteriormente, outro

fato que auxilia na construção desta hipótese é a questão da música popular na educação

musical e no âmbito do ensino superior.

No primeiro caso, observa-se a utilização da música popular como uma ferramenta

para a aquisição do código musical – uma forma de levar em consideração o discurso musical

do aluno (SWANWICK, 2003) na conquista do código musical. A música popular é utilizada

como exemplo de pulsos regulares, como matéria prima para ditados e solfejos, para o ensino

de estruturas musicais articuladas à forma. Entretanto os processos utilizados na

aprendizagem da música popular – processos não formais, que prescindem da notação escrita

(e, portanto, dos códigos musicais) não são levados em consideração.

Esses processos informais são descritos por Lucy Green (2002) na obra How Popular

Musicians Learn. Neste livro, a autora investiga os processos de aprendizagem de músicos

populares e afirma que estes processos informais de aprendizado na música popular são

negligenciados na educação musical formal:

Sintetizando, apesar do fato de que muitos músicos populares estão agora se

tornando professores formais e da recente inclusão da música popular nos

processos de educação musical de escolas e outras instituições, existem

bases que sugerem que as esperas formais e informais do ensino e

aprendizado musical continuam a existir quase independentemente uma da

outra, fluindo por trilhas separadas que podem ocasionalmente se cruzar,

mas raramente coincidem em uma mesma direção. Enquanto a educação

Page 155: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

154

musical formal recebeu de bom grado a música popular em seus conteúdos,

isto não significa de maneira alguma a mesma coisa que receber abertamente

ou mesmo reconhecer as práticas informais de aprendizagem relacionadas

com a aquisição de conhecimento e habilidades musicais relevantes. Até

certo ponto, a inclusão da música popular, bem como do jazz e de outras

músicas do mundo, tanto na aula de instrumento quanto no currículo das

escolas representa a adição de um novo conteúdo musical, não

necessariamente acompanhado de mudanças correspondentes nas estratégias

de ensino50

. (GREEN, 2002, p. 184, tradução nossa)

Há sempre, na educação formal, uma preocupação com a notação musical. Processos

informais – como o tocar de ouvido, por exemplo – são negligenciados e, muitas vezes, vistos

como habilidades menores.

A centralidade da notação musical, característica do conservatório, está

intrinsecamente ligada às práticas de ensino formal da música. Ao olhar para a literatura, por

exemplo, não há tanta repercussão quando se propõem como referência os grandes clássicos.

Observe o que diz Émile Chartier sobre o aprendizado de uma língua, no livro Propos sur

education:

Como se aprende uma língua? Pelos grandes autores, e não de outra forma.

Pelas frases mais perfeitas, mais ricas, mais profundas, e não pelos absurdos

dos manuais de conversação. Aprenda primeiro, e depois abra todos estes

tesouros, essas joias, triplos segredos.51

(CHARTIER, 1932, p. 24, tradução

nossa)

Não será esta a filosofia conservatorial? Ensinar música como se ensina uma língua?

O código musical parece conter em si as formas de ensiná-la e o repertório a ser utilizado. O

código musical escrito traz em si mensagens veladas que influenciam as práticas de ensino de

música e a seleção musical utilizada. Ao se ensinar o código musical, não utilizaríamos os

grandes autores, as músicas consideradas les plus riches, les plus profondes?

______________ 50

―In summary, despite the fact that many popular musicians are now becoming formal teachers, and despite

formal music education‘s recent inclusion of popular music in schools and other institutions, there are grounds

to suggest that the formal and the informal spheres of music learning and teaching continue to exist quite

independently of each other, running along separate tracks with may occasionally cross, but rarely coincide to

pursue a direction together. Whilst formal music education has welcomed popular music into its ranks, this is

by no means the same thing as welcoming or even recognizing informal learning practices related to the

acquisition of the relevant musical skills and knowledge. Rather, the inclusion of popular, as well as jazz and

other world musics in both instrumental tuition and school curricula represents the addition of new

educational content, but has not necessarily been accompanied by any corresponding changes in teaching

strategy.‖ 51

―Comment apprend-on une langue? Par les grands auteurs, non autrement. Par les phrases les plus serrées, les

plus riches, les plus profondes, et non par les niaiseries d'un manuel des conversation. Apprendre d'abord, et

ouvrir ensuite tous ces trèsors, tous ces bijoux à triple secret.‖

Page 156: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

155

Neste caso, a existência de um habitus conservatorial e sua incorporação estaria

atrelada à manutenção e centralidade do código escrito musical. A consciência da existência

deste habitus no ensino musical possibilita algumas reflexões cruciais para uma real tomada

de posição em relação às práticas conservatoriais. É possível ensinar música sem envolver a

notação musical? É possível realizar um movimento contra a hegemonia conservatorial? Até

que ponto este movimento é necessário?

No capítulo que se segue, apresentamos as análises dos projetos pedagógicos

selecionados, buscando identificar as traduções do habitus conservatorial na construção

curricular dos cursos de Licenciatura em Música.

Page 157: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

4 TRADUÇÕES DO HABITUS CONSERVATORIAL EM DOCUMENTOS

CURRICULARES: conhecimento oficial, seleção e distribuição de conhecimentos e

profissionalização dos conhecimentos

Uma vez delineado o que entendemos por habitus conservatorial, passamos à análise

propriamente dita dos documentos curriculares da UFMG, UFRJ, UFSJ e UFMS. Nesta

análise procuramos evidenciar as traduções do habitus conservatorial na materialização

curricular das interpretações das DCN operadas por cada instituição.

Com base em Moreira (1995), consideramos o currículo como um terreno permeado

por contradições e lutas. Estas, segundo Freire (1999, p. 13), expressam-se, na área de música,

por meio das diferentes concepções de música e funções sociais que elas desempenham. Nesta

perspectiva, a análise dos documentos curriculares visa à compreensão de como as diferentes

concepções de música têm sido expressadas em cada uma das instituições selecionadas para

estudo, revelando disposições de construção curricular que trazem, em si, traços da história

incorporada da educação musical.

Para tal revelação estamos orientados por três áreas de comparação, a saber:

conhecimento oficial, seleção e distribuição do conhecimento e profissionalização dos

conteúdos.

4.1 AS ÁREAS DE COMPARAÇÃO

Delineamos a seguir as áreas de comparação selecionadas para a orientação deste

estudo. Estas áreas, além de se constituírem em lentes por meio das quais procuramos

observar a expressão de práticas historicamente incorporadas (o habitus conservatorial) nas

decisões curriculares, emergem também dos referenciais teóricos adotados para a

fundamentação desta pesquisa.

a) Conhecimento oficial

O conhecimento oficial é produto de uma seleção da cultura que é tornada legítima

através da legislação. Esta seleção não é neutra, mas interessada, ou seja, serve aos interesses

de alguém. Como diz Apple (2006, p. 84):

Page 158: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

157

Considerarei as escolas como instituições que incorporam tradições coletivas

e intenções humanas que, por sua vez, são os produtos de ideologias sociais

e econômicas identificáveis. (...) O currículo das escolas responde a recursos

ideológicos e culturais que vêm de algum lugar e os representa. Nem as

visões de todos os grupos estão representadas, nem os significados de todos

os grupos recebem respostas.

Young (2007) diferencia dois tipos de conhecimento: um conhecimento que é definido

por quem o detém – ―conhecimento dos poderosos‖; e outro tipo de conhecimento que é

definido por aquilo que ele pode fazer – ―conhecimento poderoso‖.

O conhecimento oficial, selecionado interessadamente, aproxima-se da definição do

conhecimento dos poderosos, que só será poderoso para aqueles que já o detém, ou que já

possuem as disposições necessárias para apreendê-lo:

Na realidade, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que

diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores

implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre

outras coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. A

herança cultural, que difere, sob os dois aspectos, segundo as classes sociais,

é a responsável pela diferença inicial das crianças diante da experiência

escolar e, consequentemente, pelas taxas de êxito. (BOURDIEU, 2008, pp.

41/2)

Neste sentido, Apple (2006, 83) mostra que da mesma forma que há uma distribuição

relativamente desigual de capital econômico na sociedade, também há uma distribuição da

mesma forma desigual de capital cultural. Para o autor, as escolas desempenham um papel

crítico em dar legitimação a categorias e formas de conhecimento. Dessa forma, o próprio fato

de que certas tradições e o ―conteúdo‖ normativo sejam construídos como conhecimento

escolar é evidência irrefutável de sua legitimidade:

[...] o estudo do conhecimento educacional é um estudo ideológico, a

investigação do que determinados grupos sociais e classes, em determinadas

instituições e em determinados momentos históricos, consideram

conhecimento legítimo (seja esse conhecimento do tipo lógico, ―que‖,

―como‖ ou ―para‖). É, mais do que isso, uma forma de investigação

orientada criticamente, no sentido que escolhe concentrar-se em como esse

conhecimento, de acordo com sua distribuição nas escolas, pode contribuir

para um desenvolvimento cognitivo e vocacional que fortaleça ou reforce os

arranjos institucionais existentes (e em geral problemáticos) na sociedade.

Em termos claros, os conhecimentos aberto e oculto encontrados nos

ambientes escolares, e os princípios de seleção, organização e avaliação

desse conhecimento, são seleções governadas pelo valor e oriundas de um

Page 159: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

158

universo muito mais amplo de conhecimento possível e de princípios de

seleção. (APPLE, 2006, 83, grifos no original)

Assim, é relevante reconhecer nos documentos curriculares o conhecimento que é

considerado legítimo e, além disso, tentar compreender os princípios que conduziram a sua

seleção. Compreender, portanto, a ideologia que inclui e exclui conhecimentos e o motivo

pelo qual ela o faz.

Apple (2006, p. 103) afirma que as escolas ajudam a controlar não somente as pessoas,

mas também os significados. E, ao preservarem e distribuírem um conhecimento tido como

legítimo, ―o conhecimento que todos devemos ter‖, as escolas acabam por conferir

legitimidade cultural ao conhecimento de determinados grupos. Para o autor,

Qualquer tentativa séria de entender a quem pertence o conhecimento que

chega à escola deve ser, por sua própria natureza, histórica. Deve começar

por considerar os argumentos atuais sobre currículo, pedagogia e controle

institucional como conseqüências de determinadas condições históricas,

como argumentos que eram e são gerados pelo papel que as escolas

desempenham em nossa ordem social. (APPLE, 2006, p. 105)

Como as diretrizes não definem uma ―música oficial‖, esta chave permite-nos observar

como cada instituição tem expressado sua concepção de música e de educação musical,

legitimando a seleção cultural efetuada. Assim, a partir da comparação entre as diferentes

concepções analisadas, poderemos inferir princípios ideológicos que norteiam a definição de

música oficial e inserir esta discussão na trajetória histórica do ensino de música no Brasil.

b) Seleção e distribuição do conhecimento

Esta área pretende aprofundar a questão do conhecimento oficial, explorando, em cada

caso analisado, como os conhecimentos foram selecionados e distribuídos no projeto

pedagógico.

As diretrizes apontam uma organização curricular, definindo, em linhas gerais, como

deve ser operada a distribuição do conhecimento selecionado. A partir disto, será possível

observar até que ponto os cursos de Licenciatura em Música têm sido norteados pelas

diretrizes gerais dos cursos de Música e da Formação de Professores para a Educação Básica,

traduzindo, portanto, as tensões que envolvem a dicotomia Música (conhecimento específico)

x Educação (conhecimento pedagógico), músico x professor de música, bacharelado x

licenciatura.

Page 160: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

159

c) Profissionalização dos conhecimentos

Observamos como tem sido pensada e direcionada a formação do profissional: quais

as relações estabelecidas entre a formação e o mercado de trabalho. Isto envolve compreender

como têm se dado, na construção curricular, os conflitos entre mercado e educação,

universidade e realidade social, música oficial e demandas da sociedade contemporânea.

Shulman (2005) elenca uma lista de conteúdos básicos de um professor:

Conhecimento do conteúdo;

Conhecimento didático geral, tendo em conta especialmente aqueles

princípios e estratégias gerais de manejo e organização da classe que

transcendem o âmbito da matéria (assunto);

Conhecimento do currículo, com um domínio especial dos materiais e

dos programas que servem como ―ferramentas para o ofício‖ do docente;

Conhecimento didático do conteúdo: um amálgama especial entre

matéria e pedagogia que constitui uma esfera exclusiva dos professores,

sua forma própria e especial de compreensão profissional;

Conhecimento dos alunos e de suas características;

Conhecimento dos contextos educativos, que abarcam desde o

funcionamento do grupo ou da classe, a gestão e financiamento dos

distritos escolares, até o caráter das comunidades e culturas; e

Conhecimento dos objetivos, das finalidades e dos valores educativos, e

de seus fundamentos filosóficos e históricos.52

(SHULMAN, 2005, p. 11,

tradução nossa)

Segundo o autor, entre todas estas categorias, o conhecimento didático do conteúdo

adquire um interesse particular porque identifica o corpo de conhecimentos próprios para o

ensino, uma vez que representa o amálgama entre o conteúdo específico e o pedagógico.

Para a análise da profissionalização dos conteúdos do currículo das licenciaturas em

música observaremos, de maneira especial, os conhecimentos específicos de música, os

conhecimentos pedagógicos gerais e os conhecimentos didáticos da música.

______________ 52

•Conocimiento del contenido;

•Conocimiento didáctico general, teniendo en cuenta especialmente aquellos principios y estrategias generales

de manejo y organización de la clase que trascienden el ámbito de la asignatura;

•Conocimiento del currículo, con un especial dominio de los materiales y los programas que sirven como

―herramientas para el oficio‖ del docente;

•Conocimiento didáctico del contenido: esa especial amalgama entre materia y pedagogía que constituye una

esfera exclusiva de los maestros, su propia forma especial de comprensión profesional;

•Conocimiento de los alumnos y de sus características;

•Conocimiento de los contextos educativos, que abarcan desde el funcionamiento del grupo o de la clase, la

gestión y financiación de los distritos escolares, hasta el carácter de las comunidades y culturas; y

•Conocimiento de los objetivos, las finalidades y los valores educativos, y de sus fundamentos filosóficos e

históricos.

Page 161: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

160

Para auxiliar nesta reflexão, recorreremos às formulações teóricas de Bernstein (1990)

sobre classificação e enquadramento. A visão específica de Bernstein foi a de enfatizar o

papel central das fronteiras do conhecimento, como uma condição para a aquisição de

conhecimento e como uma incorporação das relações de poder que estão necessariamente

envolvidas na pedagogia. Classificação e enquadramento seriam, desta forma, duas dimensões

destas fronteiras dos conhecimentos.

A distinção entre estes dois conceitos está no grau de isolamento entre domínios de

conhecimento (classificação do conhecimento) e no grau de isolamento entre o conhecimento

escolar ou o currículo e o conhecimento cotidiano que os alunos trazem para a escola

(enquadramento do conhecimento).

Classificação refere-se ao grau de isolamento entre categorias de discurso, agentes,

práticas, contextos e fornece regras de conhecimento, tanto para transmissores quanto para

adquirentes, para o grau de especialização de seus textos (BERNSTEIN, 1990, p. 300).

Forquin (1993) esclarece ainda que Bernstein utiliza o termo em inglês ―classification‖ para

designar o fenômeno de compartimentação mais ou menos rigorosa entre os diversos tipos de

saberes que o currículo veicula (estejam eles organizados ou não sob forma de ―matérias

escolares‖).

A classificação do conhecimento pode ser forte – quando os domínios são altamente

isolados um do outro (como no caso de física e história) – ou fraca – quando há baixos níveis

de isolamento entre domínios (como nos currículos de humanidades ou ciências).

O enquadramento refere-se, por sua vez, aos controles sobre a seleção,

sequenciamento, compassamento e regras criteriais para a relação comunicativa pedagógica

entre transmissor/adquirente (s) e fornece as regras de realização para a produção de seu texto

(BERNSTEIN, 1990, p. 300). Seria, de acordo com Forquin (1993), uma demarcação mais ou

menos rígida entre aquilo que, no contexto da relação pedagógica e em matéria de escolha e

organização dos conhecimentos a transmitir, obedece ao controle dos professores ou dos

alunos e aquilo que escapa a esse controle. Young (2007, p. 1207) esclarece ao afirmar que o

enquadramento pode ser forte – quando o conhecimento escolar e o não-escolar são isolados

um do outro, ou fraco, quando as fronteiras entre o conhecimento escolar e o não-escolar são

diluídas (como no caso de muitos programas de educação adulta e alguns currículos

planejados para alunos menos capazes).

Desta forma, uma forte classificação entre o conhecimento específico musical e o

conhecimento pedagógico refletirá em pouca atenção dispensada ao conhecimento didático do

Page 162: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

161

conteúdo musical. Ao passo que uma classificação fraca entre estes conhecimentos

possibilitará a presença de disciplinas que tratem do conhecimento didático-musical.

4.2 A MÚSICA ERUDITA COMO CONHECIMENTO OFICIAL

A partir das análises dos quatro projetos pedagógicos, foi possível observar a

centralidade ocupada pela música erudita, com grande ênfase na música européia.

Os quadros que se seguem apresentam algumas ementas extraídas dos documentos

analisados que comprovam esta afirmação. Nos Quadros 1 e 2, por exemplo, observamos

como as disciplinas de Análise Musical e Contraponto, no curso da UFMG, são estruturadas a

partir da história da música erudita ocidental:

Page 163: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

162

Quadro 1 – Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Análise Musical da UFMG

UFMG – Ementas da Disciplina Análise Musical

Análise Musical I Estudo das ferramentas básicas de análise musical.

Estudo das formas barrocas: Suíte e Fuga. Análise

articulatória e motívica. Relações da harmonia

com a macroforma. Estudo comparativo da

transformação das formas Suíte e Fuga em

repertório do século XX.

Análise Musical II Estudo da Sonata clássica: esquemas formais,

harmonia, elaboração temática. O Lied: relação

texto e música. As formas no Romantismo:

Prelúdios de Chopin e exemplos de Wagner e

Brahms.

Análise Musical III Estudo das principais tendências musicais do

século XX. Debussy: a libertação da harmonia

funcional e as formas resultantes da manipulação

dos materiais. Strawinsky: o ritmo como elemento

de construção, a forma-montagem. Varèse: novos

paradigmas de sonoridade e organização formal.

Escola de Viena: a tonalidade e o dodecafonismo.

Exemplos de autores da segunda metade do século

XX.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMG (2001).

Quadro 2 – Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Contraponto da UFMG

UFMG – Ementas da Disciplina Contraponto

Contraponto I Origens do contraponto. O uso dos modos na

polifonia do século XVI. Ritmo, melodia,

cadências, imitação. O contraponto renascentista a

2 e 3 vozes: estudo das espécies e contraponto

livre. Análise do repertório do século XVI (G.P.

Palestrina, O. de Lassus, C. Gesualdo.

Contraponto II Estudo das espécies a 4 vozes. Contraponto

renascentista a 4 e 5 vozes. Análise do repertório

do século XVI: missas de G.P. Palestrina.

Introdução ao contraponto bachiano: análise das

Invenções a 2 e 3 vozes de J. S. Bach.

Contraponto III Contraponto bachiano. Estudo sistemático de

elementos estruturais da Fuaga: sujeito, resposta,

contra-sujeito, partes livres, divertimentos, stretti

etc. Análise de Fugas do Cravo-Bem-Temperado,

enfocando as estruturações formal, polifônica,

harmônica e rítmica. Visão geral da obra de Bach.

Contraponto IV Conclusão do estudo da Fuga bachiana: análise da

Oferenda Musical e da Arte da Fuga. A Fuga pós-

bachiana: análise de obras de Mozart, Beethoven,

Brahms, Bartok, Villa-Lobos, Berg, etc.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMG (2001).

O mesmo pode ser observado nas ementas da disciplina Análise Musical do curso da

UFMS, como mostra o Quadro 3 abaixo:

Page 164: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

163

Quadro 3 – Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Análise Musical da UFMS

UFMS – Ementas da Disciplina Análise Musical

Análise Musical I Análise sistemática de obras do repertório musical

tradicional, procurando compreender os princípios

de organização dos materiais musicais

correlacionados aos aspectos formais, com ênfase

no repertório do século XVIII trabalhado à luz da

teoria schenkeriana.

Análise Musical II Análise sistemática de obras do repertório musical

tradicional, procurando compreender os princípios

de organização dos materiais musicais

correlacionados aos aspectos formais, com ênfase

no repertório do século XVIII trabalhado à luz da

teoria schenkeriana.

Análise Musical III Análise sistemática de obras do repertório musical

tradicional, procurando compreender os princípios

de organização dos materiais musicais

correlacionados aos aspectos formais, com ênfase

nos repertórios do século XIX e início do XX.

Análise Musical IV Análise sistemática de obras do repertório musical

tradicional, procurando compreender os princípios

de organização dos materiais musicais

correlacionados aos aspectos formais, com ênfase

nos repertórios do século XIX e início do XX.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMS (2011).

Na disciplina Contraponto, a centralidade da música erudita fica clara na bibliografia

sugerida:

Quadro 4 – Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Contraponto I da UFMS

UFMS – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina Contraponto I

Ementa Introdução ao pensamento contrapontístico e

resumo histórico de seu desenvolvimento.

Diretrizes básicas: conceitos de consonância e

dissonância; tratamento das dissonâncias;

movimento melódico e movimento harmônico a

duas vozes.

Bibliografia Básica CARVALHO, Any Raquel. Contraponto Modal

Manual Prático.Porto Alegre: Sagra Luzzatto,

2000.

KOELLREUTTER, Hans Joachin. Contraponto

Modal do século XVI – Palestrina.Brasília:

Musimed, 1996.

SCHOENBERG, Arnold. Preliminary Exercises in

Counterpoint. London: Faber & Faber, 1982.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMS (2011).

E na disciplina Flauta Transversal, pelo repertório selecionado:

Page 165: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

164

Quadro 5 – Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Instrumento Musical Flauta Transversal da

UFMS

UFMS – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina Instrumento Musical Flauta Transversal

Ementa Estudo de repertório da literatura instrumental de

distintos períodos da história da música,

enfatizando a música brasileira e contemporânea.

Desenvolvimento das habilidades técnicas

necessárias à execução de obras da literatura

referida.

Bibliografia Básica ANDERSEN, K. J. 24 Studies, Op.33. New York:

International Music Co.

BACH, C. P. E. Sonata in a minor for solo flute.

Kassel: Bärenreiter, 1986. [Partitura].

BACH, J. S. Zwei Sonaten für Flöte und Basso

continuo, Zwei Sonaten für Flöte und obligates

Cembalo. Kassel: Bärenreiter, 1966. [Partitura].

DAVIES, J. Scales & Arpeggios for the flute.

London: Boosey & Hawkes, 1962.

GARIBOLDI, G. Vingt Petites Études. Paris:

Alphonse Leduc Éditions Musicales, 1952.

HAENDEL, G. F. Elf Sonaten für Flöte. Kassel:

Bärenreiter, 1995. [Partitura].

MOYSE, M. De la Sonorité. Art et technique.

Paris: Alphonse Leduc Éditions Musicales, 1934.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMS (2011).

Na UFSJ, é possível observar o foco na música erudita na disciplina Instrumento ou

Canto, por exemplo:

Quadro 6 – Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Instrumento ou Canto da UFSJ

UFSJ – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina Instrumento ou Canto

Ementa Desenvolvimento de competências para a

interpretação de repertório solístico e camerístico

da música erudita ocidental e brasileira composto

para o instrumento.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFSJ (2008).

E também, de maneira similar à UFMS, na bibliografia sugerida para a disciplina

Contraponto:

Page 166: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

165

Quadro 7 – Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Contraponto da UFSJ

UFSJ – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina Contraponto

Ementa Desenvolvimento da compreensão e percepção do

contraponto modal e tonal, a duas e três vozes e do

estilo imitativo como recurso para análise musical.

Bibliografia Básica KOELLREUTTER, H.J.(Hans Joachim).

Contraponto modal do seculo XVI (Palestrina).

São Paulo: Novas Metas, c1989. 108p.

SCHOENBERG, Arnold. Exercícios preliminares

em contraponto. São Paulo : Via Lettera, 2001.

TRAGTENBERG, Lívio. Contraponto: uma arte

de compor. São Paulo: EDUSP, 1994. 266p.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFSJ (2008).

E Análise Musical:

Quadro 8 – Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Análise Musical da UFSJ

UFSJ – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina Análise Musical

Ementa Desenvolvimento da compreensão estrutural do

discurso musical, sob aspectos micro e

macroformais, tendo como referência um

repertório representativo da música ocidental e

brasileira, visando aplicação na interpretação

musical.

Bibliografia Básica GRELA, Dante. Análise musical: uma proposta

metodológica. Tradução Gilberto Carvalho. Belo

Horizonte: manuscrito do tradutor, [s.d.] (Original

em espanhol).

GUERRA–PEIXE C. Melos e harmonias acústica:

princípios da composição musical. São Paulo –

Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1988.

KOELLREUTTER, H. J. Harmonia funcional:

introdução à teoria das funções harmônicas. São

Paulo: Ricordi Brasileira, 1987.

SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da

composição musical. 3. ed. Tradução Eduardo

Sencman. São Paulo: EDUSP, 1996 (Original

inglês).

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFSJ (2008).

Na UFRJ, por sua vez, a música erudita como conhecimento oficial é explicitada, por

exemplo, nas ementas da disciplina Harmonia e Morfologia:

Page 167: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

166

Quadro 9 – Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Harmonia e Morfologia da

UFRJ

UFRJ – Ementas da Disciplina Harmonia e Morfologia

Harmonia e Morfologia I Harmonia a 4 partes. As cadências e as marchas

harmônicas. Os acordes dissonantes naturais e suas

resoluções. A cifragem do Baixo Dado. Análise de

trechos harmonizados.

Harmonia e Morfologia II A modulação aos tons vizinhos. Os acordes de 7ª

dissonante artificial e suas resoluções. Notas

melódicas. As marchas modulantes. O discurso

musical e seu paralelismo com o literário. As

pequenas formas binárias e ternárias.

Harmonia e Morfologia III Canto Dado uníssono e modulante. Notas

melódicas. Os retardos nos acordes de 3, 4 e 5

sons. Os vários tipos de imitação. As alterações

não artificiais nos acordes de 3 e 4 sons. Invenções

a duas e três vozes de J. S. Bach. A Suíte de forma

clássica e suas características formais.

Harmonia e Morfologia IV Alterações artificiais nos acordes de 3, 4 e 5 sons.

A modulação a tons afastados e seus diversos

tipos. O pedal e seus tipos. Análise dos Prelúdios e

Fugas de J. S. Bach.

Harmonia e Morfologia V O ―Canto e o Baixo Alternados‖. A variação.

Organização formal dos movimentos da Sonata

Clássica. Harmonia Instrumental. Introdução à

sonata de Haydn e Mozart.

Harmonia e Morfologia VI A Harmonia Instrumental. A Orquestra. Os valores

estéticos da expressão instrumental. Organização

formal dos movimentos da Sonata Clássica. Sonata

de Beethoven. A Sonata cíclica.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFRJ (2008).

Uma característica que merece ser destacada é a proposta do projeto pedagógico da

UFMG de romper com a tradição conservatorial. Esta proposta pode ser observada, por

exemplo, nas ementas da disciplina ―História e Música‖ (e não ―História da Música‖), que

não são apresentadas de maneira cronológica, seguindo os estilos da história da música

erudita ocidental, mas em temas que permitem o agrupamento de diferentes tipos de música:

Page 168: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

167

Quadro 10 – Ementas da disciplina História e Música do curso da UFMG

UFMG – Ementas da Disciplina História e Música

História e Música A A música e os rituais humanos

A música como participante de diferentes

contextos rituais, sejam eles fundamentados em

tradição escrita ou oral. Análise comparativa e

histórica dos repertórios associados aos contextos

fundadores do discurso musical: tragédias gregas,

líricas, paixões e mistérios, canto gregoriano,

candomblé, ópera setecentista, wagneriana, etc.

Bases metodológicas para uma abordagem

antropológica da música.

História e Música B A música e seus suportes

Teoria acústica e contextos históricos. Formações

instrumentais de música de tradição oral. A técnica

e a linguagem musical no século XX. Análises

sincrônicas e anacrônicas comparativas de obras

musicais tendo como foco de discussão a

especificidade dos instrumentos.

História e Música C A música como linguagem

Signos e funções sociais de elementos

constitutivos da linguagem musical em diferentes

períodos da história: escalas, temperamentos,

modos, tonalidade, serialismo, elementos da

retórica, esquemas formais. Funções exercidas pela

escrita musical na elaboração da linguagem.

Estruturas em músicas de tradição oral.

Abordagem Histórica e crítica da análise musical

enquanto disciplina e suas correntes

metodológicas.

História e Música D Música e palavra

Estudo analítico e histórico das diversas relações

estabelecidas entre o texto (poético ou narrativo)

com a linguagem musical. Análise de situações

musicais diferenciadas, e estudo especial dos

gêneros: canto gregoriano, motetos do século XIV,

madrigais, recitativos, bel-canto, coral protestante,

missas (Machaut, Josquin Desprez, Palestrina,

Monteverdi, Mozart, teatro musical do séc. XX e

obras livres). Estudo comparativo das estruturas

musicais oriundas de gêneros poéticos estróficos e

os gêneros em prosa. Exploração acústica dos

fonemas: a música eletrônica e a poesia correta.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMG (2001).

É importante ressaltar, entretanto, que apenas uma investigação de caráter mais

empírico permitirá afirmar, com certeza, de que maneira o professor trabalha a partir destas

ementas. Com isso, queremos dizer que é possível que o professor ainda trabalhe

prioritariamente com a música erudita – apesar da liberdade relativa oferecida pelas ementas –

devido a um habitus conservatorial incorporado.

Page 169: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

168

Observe-se como a mesma disciplina é trabalhada da maneira tradicional nos outros

cursos:

Quadro 11 – Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina História da Música da UFMS

UFMS – Ementas da Disciplina História da Música

História da Música I Conhecimento do desenvolvimento histórico, em

aspectos poéticos, estéticos e sociais da música

antiga, da antiguidade clássica ao fim da Idade

Média.

História da Música II Conhecimento do desenvolvimento histórico, em

aspectos poéticos, estéticos e sociais da música do

renascimento.

História da Música III Conhecimento do desenvolvimento histórico, em

aspectos poéticos, estéticos e sociais da música

barroca e clássica.

História da Música IV Conhecimento do desenvolvimento histórico, em

aspectos poéticos, estéticos e sociais do

romantismo em música.

História da Música V Conhecimento do desenvolvimento histórico, em

aspectos poéticos, estéticos e sociais da produção

musical da primeira metade do século XX.

História da Música VI Conhecimento do desenvolvimento histórico, em

aspectos poéticos, estéticos e sociais da produção

musical da segunda metade do século XX até a

atualidade.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMS (2011).

Quadro 12 – Música erudita como conhecimento oficial na disciplina História da Música Ocidental da UFSJ

UFSJ – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina História da Música Ocidental

Ementa Estudo da criação musical nos diversos períodos

da música ocidental sob uma abordagem histórica

e estética.

Bibliografia Básica BENNET, Roy. Uma breve história da música.

Rio de Janeiro: Jg. Zahar, 1986.

CARPEUX, Otto M. Uma breve história da

música. São Paulo: Ouro, 1997.

KIEFER, Bruno. História e significado das formas

musicais. Porto Alegre: Movimento, 1981.

MAGNANI, Sérgio. Expressão e comunicação na

linguagem musical. Belo Horizonte: UFMG.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFSJ (2008).

Page 170: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

169

Quadro 13 – Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina História da Música da UFRJ

UFRJ – Ementas da Disciplina História da Música

História da Música I Origem da Música. Música nos povos primitivos e

nas antigas civilizações orientais. Música grega,

romana, bizantina, primitiva igreja cristã.

Primórdios da polifonia. Trovadores. Notação

Musical. Instrumentos musicais na Idade Média.

História da Música II Desenvolvimento da polifonia. Fundação da ópera.

Monteverdi. Ópera italiana nos séculos XVII e

XVIII. Ópera alemã, francesa, inglesa. Música

instrumental nos séculos XVI e XVII. Teorias de

Zarlino e Rameau, J. S. Bach e Haendel.

História da Música III Música instrumental; início do século XVIII.

Origens da sonata e da sinfonia. Classicismo:

Haydn, Mozart, Beethoven. Romantismo: Weber,

Schubert, Schumann, Mendelssohn. Poema

Sinfônico. Ópera italiana, francesa, alemã do

século XIX. Wagner. Neo-classicismo. Pós-

romantismo.

História da Música IV Escolas nacionais: russa, escandinava, tcheca,

espanhola. Apogeu da escola fracesa: Fauré,

Debussy e música e música contemporânea. Escola

francesa após Debussy. Música germânica, russa,

italiana, inglesa, no século XX. Música nas

Américas. Música no Brasil. Atualidade musical.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFRJ (2008).

Na UFSJ, a abordagem tradicional da história da música fica clara também a partir da

bibliografia básica sugerida.

No primeiro capítulo, notamos que o ensino da música se caracterizava, nos primeiros

séculos de colonização, pela divisão em música especulativa e música prática, pensar a

música e fazer a música. A prática musical era mais comum, uma vez que a especulação

teórica ficava a cargo de poucos. O ensino da prática musical era feito à forma de ofícios,

onde um mestre ensinava a teoria musical (notação) de modo a permitir a prática.

As duas práticas de ensino musical foram reunidas e institucionalizadas pelo

conservatório que separou o ensino teórico (notação) da prática musical em disciplinas

diferentes – sem, entretanto, tirar da teoria o caráter propedêutico para a prática e, de ambas, a

centralidade do processo.

Este tornou-se, pela permanência histórica observada nos currículos do ensino de

música, o conhecimento oficial: a prática musical da música escrita, enriquecida por

informações sobre música (história, estética, e técnicas composicionais).

O quadro que se segue apresenta as diferentes disciplinas que envolvem o ensino da

prática musical nos cursos estudados:

Page 171: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

170

Quadro 14 – Disciplinas de Formação Musical Prática

UFMG UFMS UFRJ UFSJ (Habilitação em

Instrumento ou Canto)

UFSJ (Habilitação em

Educação Musical)

Teclado (I e II)* Instrumento Harmônico (I

a IV)*

Instrumento Musicalizador

Teclado ou Violão I e II*

Instrumento Musicalizador

Teclado ou Violão I e II* Violão Complementar (I e

II)*

Técnica Vocal (I e II)* Técnica e Expressão

Vocal (I e II)*

Técnica Vocal (I e II)*** Técnica Vocal e Dicção I*

e II**

Técnica Vocal e Dicção I*

e II**

Fundamentos de Regência

(I e II)*

Regência Coral (I a IV)* Introdução à Regência I e

II*

Fundamentos da Regência

Coral e Instrumental*

Fundamentos da Regência

Coral e Instrumental*

Oficina de Regência** Regência de Corais

Escolares I e II ****

Regência e Pedagogia do

Canto Coral Infantil**

Regência e Pedagogia do

Canto Coral Infantil**

Laboratório de Criação (I

e II)*

Instrumentação e

Arranjos Musicais I*

Criação Musical* Criação Musical*

Instrumento ou Canto

(Clarineta, Fagote, Flauta,

Harpa, Piano, Oboé,

Regência, Saxofone,

Trompa, Trompete,

Trombone, Viola, Violão,

Violino, Violoncelo)**

Prática Instrumental

(Piano, Canto, Violão,

Cordas friccionadas,

Metais, Flauta

Transversal, Flauta Doce)

I a VIII**

Piano B, Órgão B, Cravo

B, Violão B, Bandolim B,

Violino B, Viola B,

Violoncelo B,

Contrabaixo B, Harpa B,

Canto B, Flauta B, Oboé

B, Clarineta B, Fagote B,

Saxofone B, Trompa B,

Trompete B, Trombone

B, Tuba B (I e II)****

Instrumento ou Canto I a

VIII*

Percussão I e II** Percussão I e II*

Recital** Recital*

Instrumento

Complementar

Licenciatura**

Instrumento Melódico (I a

IV)*

Instrumento Musicalizador

Flauta Doce I e II*; III e

IV**

Instrumento Musicalizador

Flauta Doce I e II*

Música de Câmara** Música de Câmara** Prática Musical em

Conjunto*

Oficina de Performance** Oficina Instrumental

(Teclado, Piano,

Percussão, Violão, Canto

e Flauta Doce) I a VI***

Oficina de Performance I a

IV*

Page 172: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

171

UFMG UFMS UFRJ UFSJ (Habilitação em

Instrumento ou Canto)

UFSJ (Habilitação em

Educação Musical)

Formação de Conjuntos

Escolares ****

Piano Complementar**

Leitura de Partitura ao

Piano I e II**

Arranjo (I a IV)** Arranjo I* e II** Instrumentação e

Arranjos Musicais I* e

II****

Arranjos e Transcrições* Arranjos e Transcrições*

Improvisação (I a IV)**

Prática de Conjunto em

Música Popular**

Canto Coral** Canto Coral (I a IV)* Canto Coral (I a IV)*** e

(V a VI)****

Canto Coral A e B*; C a

F**

Canto Coral A, B, C e D*;

E e F**

Prática de Repertório

Coral**

Prática de Música Antiga A

e B**

Prática de Música Antiga A

e B**

Prática de Música

Contemporânea A e B**

Prática de Música

Contemporânea A e B**

Prática de Música Popular

A e B**

Prática de Música Popular

A e B**

Prática de Grandes Grupos

Instrumentais**

Prática de Grandes Grupos

Instrumentais**

Fonte: UFMG (2001); UFMS (2011); UFRJ (2009); UFSJ (2008).

Legenda

* Disciplina Obrigatória

** Disciplina Optativa

*** Disciplina Optativa de Escolha Restrita

**** Disciplina Optativa de Escolha Condicionada

Page 173: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

172

A semelhança entre as disciplinas é flagrante, apesar de existirem algumas pequenas

diferenças. O número de professores no quadro permanente dos cursos influencia muito na

oferta de disciplinas, limitando a matriz curricular de alguns cursos – como é o caso da

UFMS. Mas todos os cursos propiciam uma formação prática instrumental (às vezes mais

aprofundada em um único instrumento, às vezes mais geral, tomando este instrumento como

ferramenta para a musicalização), priorizando o teclado, o violão e a flauta doce. Além da

regência, importante no âmbito escolar para a formação de corais e bandas estudantis.

As disciplinas musicais de caráter mais teórico também têm destaque na construção

curricular dos cursos de Licenciatura em Música. Ainda que variem alguns nomes de

disciplinas e o número de semestres que compõem o curso, a semelhança nos faz pensar até

que as diretrizes fazem prescrições neste sentido. A seguir, um quadro comparativo das

disciplinas teórico-musicais presentes nos documentos analisados:

Page 174: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

173

Quadro15 – Disciplinas de Formação Musical Teórica

UFMG UFMS UFRJ UFSJ (Habilitação em

Instrumento ou Canto)

UFSJ (Habilitação em

Educação Musical)

Análise Musical I a III** Linguagem e Estruturação

Musical

I a IV*

Análise Musical I e II*, III** Análise Musical I e II*, III**

Evolução da Linguagem

Musical I**

Evolução da Linguagem

Musical**

Evolução da Linguagem

Musical**

Tópicos em Estruturação da

Linguagem Musical**

Acústica Musical** Acústica e Biologia

aplicadas à Música***

Apreciação Musical**

Contraponto I a IV** Contraponto I* e II** Contraponto** Contraponto**

Fundamentos de Harmonia I

e II*

Harmonia I a IV* Harmonia Vocal-

Instrumental I a IV***

Harmonia I e II*, III** Harmonia I e II*, III**

Harmonia I a IV** Harmonia Funcional I a

IV***

Harmonia ao Teclado I e II** Análise Harmônica I e II***

História e Música A a D* História da Música I a VI* História da Música I a IV*** História da Música Ocidental I

a IV*

História da Música Ocidental I

a IV*

História da Música Popular

Brasileira**

História da Música Popular

Brasileira*

História da Música Popular

Brasileira*

História da Música no Brasil

I e II*

Música Brasileira I e II* História da Música Brasileira* História da Música Brasileira*

Introdução à Física e

Psicofísica da Música**

Introdução à Música

Eletroacústica**

Música e Tecnologia I e II*

Percepção Musical

I a IV*

Introdução à Música I e II* Percepção Musical

I a IV*

Percepção Musical

I a VI*

Percepção Musical

I a VI*

Teoria e Percepção Musical I

a VI

Produção Musical

Rítmica

Transcrição I e II**

Treinamento Auditivo**

Fonte: UFMG (2001); UFMS (2011); UFRJ (2009); UFSJ (2008).

Legenda

* Disciplina Obrigatória

** Disciplina Optativa *** Disciplina Optativa de Escolha Restrita

Page 175: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

174

Os nomes de algumas disciplinas suscitam algumas reflexões, e revelam concepções

arraigadas: a História da Música Ocidental é tratada à parte da História da Música Brasileira,

como se esta última não fizesse parte da primeira. E ainda, a Música Brasileira não inclui a

Música Popular Brasileira, que é tratada também em disciplina à parte.

Sobre a centralidade da música erudita européia, Feichas (2008, p. 1) mostra que:

A educação musical no Brasil se desenvolveu baseada em princípios

eurocêntricos, ou seja, numa pedagogia que legitima a música de concerto

européia como sendo superior e marginaliza outros tipos de música. Essa

herança pedagógica privilegia não só o repertório europeu como também as

metodologias de ensino da música com foco no ensino da notação tradicional.

Dessa forma considera-se educado musicalmente aquele indivíduo que sabe ler e

escrever música dentro das regras dessa notação. Outros saberes e competências

musicais como, por exemplo, aqueles vindos de práticas informais de

aprendizagem sempre ficaram à margem dos processos considerados válidos

pelos conservatórios e escolas de música.

O senso comum incorporou este fato: ninguém afirma querer aprender música, mas

sempre aprender a tocar algum instrumento ou a cantar. A primazia da música escrita também foi

incorporada: muitas vezes saber música, no senso comum, significa saber ―ler música‖, ou ler

partitura. Arroyo (2000, p. 252), ao entrevistar um professor de violão do Conservatório de

Uberlândia (MG), obtém dele a informação de que, ao entrar no conservatório para substituir uma

professora que estava grávida, o professor ―não tinha experiência com música, só com música

popular‖. Arroyo analisa esta declaração do professor:

Na relação entre escrita musical e competência musical, uma interpretação

possível da colocação de Júlio vincula-se à questão do domínio, ou não, da

escrita musical da cultura erudita européia e uma representação de música como

sendo esta escrita. O emprego da palavra música no caso, pode ser interpretado

como remetendo a duas representações: na primeira ocorrência – eu não tinha

experiência com música – ele parecia querer dizer que não dominava a notação

musical; neste caso, a palavra música significando notação musical; na segunda

ocorrência – só com música popular – passava a mensagem de que, pelo fato de

não dominar a leitura e a escrita musical, não sabia música. Também é possível

inferir ter-se referido ele a duas maneiras diferenciadas de conhecer música: um

conhecimento relativo à cultura da música erudita e outro, relativo à cultura da

música popular. [grifos no original] (ARROYO, 2000, p. 252 – 253)

Page 176: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

175

Os quadros que se seguem ilustram a centralidade da música escrita nas disciplinas

teóricas dos currículos de Licenciatura em Música em análise:

Quadro 16 – Centralidade da notação musical nas ementas da disciplina Percepção Musical da UFMG

UFMG – Ementas da Disciplina Percepção

Percepção Musical I Desenvolvimento da percepção auditiva, da leitura

e da notação musicais, através do treinamento, da

análise e da criação. Escalas e modos diatônicos;

Linhas melódicas tonais; Tríades; Tempo pulsado

regular, tempo não pulsado; Funções harmônicas

principais.

Percepção Musical II Desenvolvimento da percepção auditiva, da leitura

e da notação musicais, através do treinamento, da

análise e da criação. Escalas e modos diatônicos;

Linhas melódicas atonais; Acordes de três sons;

Tempo pulsado regular, tempo não pulsado;

Funções harmônicas secundárias.

Percepção Musical III Desenvolvimento da percepção auditiva, da leitura

e da notação musicais, através do treinamento, da

análise e da criação. Polifonia tonal; Acordes de

quatro sons; Tempo pulsado irregular; Dominantes

individuais; Modulação.

Percepção Musical IV Desenvolvimento da percepção auditiva, da leitura

e da notação musicais, através do treinamento, da

análise e da criação. Outras formas escalares;

Polifonia atonal; Acordes de quatro tons; Tempo

pulsado irregular; Modulação.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMG (2001).

Quadro 17 – Centralidade da música notada na disciplina Percepção Musical da UFSJ

UFSJ – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina Percepção Musical

Ementa Desenvolvimento da percepção dos elementos da

organização musical, por meio de atividades

práticas; utilização de elementos rítmicos,

melódicos e harmônicos da música.

Bibliografia Básica GRAMANI, José Eduardo. Rítmica. 2. ed. Rio de

Janeiro: Perspectiva.

HINDEMITH, P. Adiestramiento elemental para

músicas. Buenos Aires: Ricordi América, 1946.

MED, Bohumil. Ritmo. 4. ed. ampl. Brasília:

MusiMed, 1986. 106p.

MED, Bohumil. Solfejo. 2. ed. Brasília: MusiMed,

1980. 150p. v. 31 n. 10, 1996.

MED, Bohumil. Teoria da Música. 4. ed. rev. e

ampl. [Brasilia, D. F.]: MusiMed, 1996. 416p.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFSJ (2008).

Page 177: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

176

Na UFSJ, a centralidade da notação musical fica bastante clara pela sugestão

bibliográfica.

Já na UFRJ a disciplina Percepção Musical IV faz uma alusão direta à música escrita:

Percepção auditiva de acordes alterados e de qualquer alteração harmônica.

Percepção auditiva das resoluções excepcionais dos acordes dissonantes.

Percepção auditiva, representação gráfica e execução vocal de corais a 4

vozes. Pesquisa. (UFRJ, 2008, s.p., grifo meu)

Na UFMS, por sua vez, as disciplinas de Introdução à Música são propedêuticas às

disciplinas teóricas que se seguem, uma vez que as disciplinas teórico-musicais têm na notação

musical a sua base:

Quadro 18 – Centralidade da notação musical nas ementas da disciplina Introdução à Música da UFMS

UFMG – Ementas da Disciplina Percepção

Introdução à Música I Diferentes sistemas musicais. Grafia nos diferentes

sistemas musicais. Regras básicas de leitura

musical nos sistemas modais, tonal e pós-tonais.

Conceitos fundamentais ao desenvolvimento da

Música Ocidental.

Introdução à Música II Diferentes sistemas musicais. Regras básicas de

leitura e notação musical nos sistemas modais,

tonal e pós-tonais. Conceitos fundamentais ao

desenvolvimento da Música Ocidental.

Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMS (2011).

É importante frisar que a música erudita ocupa um lugar privilegiado nos documentos

curriculares, mas não exclusivo. No curso de Licenciatura em Música da UFMG verifica-se a

presença de várias disciplinas relacionadas à música popular. Isto se deve, em grande medida,

pela existência de um bacharelado em Música Popular nesta escola. Assim, as disciplinas –

obrigatórias para o bacharelado – são optativas para os demais cursos – sendo a matrícula

condicionada à existência de vaga e à oferta como optativa pelo professor da disciplina.

O Brasil sempre teve sua atenção voltada para a música européia, desde a época da

colônia. A música européia, erudita, era sinal de civilização, tão buscada pelos brasileiros em sua

afirmação enquanto nação. Há, em determinados períodos da história, uma luta para a

Page 178: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

177

nacionalização da música erudita no Brasil, que vai buscar temas populares (folclóricos) para

conferir um tratamento erudito. Freire (1992) aponta em seu estudo a luta pela incorporação, no

repertório do curso de piano, de músicas eruditas brasileiras. Ainda que essas atualizações

tenham sido feitas, estas sempre mantiveram o caráter erudito e escrito da música oficial.

Apesar disso, é possível notar a presença da música popular nos currículos, geralmente

como possibilidade de repertório e em disciplinas de caráter optativo. No Quadro 19, a seguir,

podemos observar exemplos de disciplinas que contemplam o repertório popular na UFMG:

Quadro 19 – Música Popular nas disciplinas do Curso de Licenciatura em Música da UFMG

UFMG – Referências à Música Popular nas disciplinas

Canto Coral Prática coral alicerçada no conhecimento geral necessário para a vivência

de repertório brasileiro contemporâneo, folclórico e popular.

História da Música Popular

Brasileira

Discussão e análise dos processos de transformação da Música Popular

Brasileira, através tanto do estudo de aspectos históricos, sociológicos e

estéticos quanto de atividades práticas.

Improvisação I Estudo da harmonia e improvisação na música popular - Compreensão do

sistema tonal, escalas maiores e menores, cadências básicas, inclinação

(dominantes secundárias), notas melódicas, exercícios escalares, utilização

de tema na improvisação.

Violão Complementar I Estudo do repertório e da técnica violinística com ênfase em música

popular. Aspectos rítmicos e harmônicos do acompanhamento e leitura de

cifras.

Fonte: Quadro elaborado a partir das informações contidas em UFMG (2001).

A disciplina Violão Complementar I reforça a proposta de rompimento com a tradição

conservatorial ao dar ênfase à música popular, o que revela uma consciência dos possíveis usos

do violão nas escolas regulares.

Em apenas duas disciplinas da matriz curricular da UFMS encontramos referências à

música popular:

Page 179: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

178

Quadro 20 – Música Popular nas disciplinas do Curso de Licenciatura em Música da UFMS

UFMS – Referências à Música Popular nas disciplinas

Cultura Popular Estudo da cultura popular com enfoque antropológico e sociológico;

conceitos e implicações. O folclore e suas diversas manifestações no

âmbito latino-americano, com ênfase ao folclore brasileiro. Folclore

aplicado: nos campos artístico e educacional.

Música Brasileira II Estudo da evolução da música erudita brasileira, desde Villa Lobos e seus

contemporâneos, até nossos dias, a partir de seus aspectos estéticos,

técnicos e filosóficos, considerando o desenvolvimento da música européia

no mesmo período. Música popular brasileira: rural, urbana, midiatizada e

da música em Mato Grosso do Sul.

Fonte: Quadro elaborado a partir das informações contidas em UFMS (2011).

Na disciplina ―Cultura Popular‖ observamos uma ênfase no folclore e na disciplina

―Música Brasileira II‖ é possível notar uma atenção à produção musical local, mas a ênfase na

música erudita brasileira é bastante clara.

Na UFSJ, por sua vez, as informações sobre a disciplina Canto Popular explicitam uma

concepção autorizada de música popular – revelam uma seleção legitimadora daquilo que é

entendido como música popular:

Quadro 21 – Música Popular na disciplina Canto Popular do Curso de Licenciatura em Música da UFSJ

UFSJ – Música Popular na disciplina Canto Popular da UFSJ

Ementa Desenvolvimento de competências para interpretação da música popular brasileira,

composta principalmente no século XX, e breve experimentação do repertório da música

popular norte-americana.

Repertório Songbooks: Almir Chediak, Editora Lumiar

Noel Rosa, Dorival Caymmi, Ary Barroso, Noel Rosa, Braguinha.

Bossa Nova, v.1, 2, 3, 4 e 5.

Tom Jobim, v. 1 e 2

Vinícius de Moraes, v. 1, 2 e 3.

Marcos Valle, João Donato, Francis Hime, Carlos Lyra.

Caetano Veloso v. 1 e 2.

Gilberto Gil v. 1 e 2.

Chico Buarque v. 1, 2, 3 e 4.

Carlos Lyra v.1 e 2.

Edu Lobo v. 1.

Ivan Lins, Djavan. João Bosco, Rita Lee.

Page 180: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

179

SEVE, Mário. Vocabulário do choro. Lumiar.

BRAGA, Luiz Otávio. O violão de 7 cordas – teoria e prática. Lumiar.

CAZES, Henrique. Escola Moderna de cavaquinho. Lumiar

Songbooks: Editora Irmãos Vitale

O MELHOR DO CHORO BRASILEIRO - Vol. I

O MELHOR DO CHORO BRASILEIRO - Vol. II

O MELHOR DO CHORO BRASILEIRO - Vol. III

O melhor de Adoniran Barbosa

O melhor de Alceu Valença

O melhor de Mutantes

O melhor de Nana Caymmi

O melhor de Gonzaguinha

O melhor de Beto Guedes

CARRASQUEIRA, Maria Jose. O Melhor de Pixinguinha - Melodias e Cifras. Irmãos

Vitale

Outras editoras: CABRAL, Sérgio. A música de Guinga. Gryphus.

CABRAL, Sérgio. A música de Guinga. Ed. Gryphus.

GUINGA . Noturno Copacabana Partituras. Gryphus

GUINGA. Noturno Copacabana Partituras. Gryphus

PASCOAL, Hermeto. Calendário do Som. Senac São Paulo PASCOAL, Hermeto.

Calendario do Som. Senac - São Paulo

Fonte: Quadro elaborado a partir das informações contidas em UFSJ (2008).

E no Quadro 22 notamos também o caráter seletivo com relação à música popular

(―especialmente o chorinho‖) e, além disso, as dificuldades representadas pela ausência de

material impresso (dificuldades de acesso a um repertório que não tem, como a música erudita,

forte ligação com a música notada):

Quadro 22 – Música Popular na disciplina Prática de Música Popular do Curso de Licenciatura em Música da UFSJ

UFSJ – Música Popular na disciplina Prática de Música Popular da UFSJ

Ementa Conhecimento e prática do repertório de música popular brasileira adequada à execução

instrumental e vocal, executada por meio de arranjos e transcrições para grupos de

instrumentos e vozes.

Repertório Para cada semestre, o repertório será estabelecido com base no número e na variedade

de alunos e instrumentos musicais disponíveis, naquele semestre, para formação dos

grupos instrumentais. Obras para piano, violão e canto Repertório: bastante numeroso e

variado em todos os estilos da música popular brasileira, com muitas possibilidades de

arranjos e combinações com outros instrumentos; material impresso bastante disponível.

Obras completas ou movimentos de peças de autores modernos e brasileiros,

englobando diferentes formações instrumentais.

Obras para: flauta, clarineta e saxofone: Repertório: bastante numeroso e versátil,

podendo cobrir todos os estilos da música popular, especialmente o chorinho; material

Page 181: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

180

impresso para piano, violão e canto é facilmente utilizado.

Obras completas ou movimentos de peças de autores modernos e brasileiros,

englobando diferentes formações instrumentais.

Obras para cordas: violino, viola, violoncelo e contrabaixo: Repertório: bastante

indicado para estilos mais melódicos; material impresso pouco disponível, necessitando

de arranjos ou adaptações.

Obras completas ou movimentos de peças de autores modernos e brasileiros,

englobando diferentes formações instrumentais;

Obras para trombones, trompa, trompete: Repertório: indicado para estilos mais

movimentados; material impresso pouco disponível, necessitando de arranjos ou

adaptações.

Obras completas ou movimentos de peças de autores modernos e brasileiros,

englobando diferentes formações instrumentais.

Fonte: Quadro elaborado a partir das informações contidas em UFSJ (2008).

Na UFRJ não há ementas que mencionem a música popular. Apenas a música folclórica é

abordada em disciplina própria (Folclore Nacional Musical I e II). Ainda que uma música popular

autorizada figure nos currículos, as disciplinas que compõem a formação musical do licenciando

são organizadas tendo como referência a música erudita ocidental européia notada53

.

Outro indício da centralidade da escrita musical como conhecimento oficial pode ser

observado na obrigatoriedade da disciplina Percepção Musical no curso de Música Popular da

UFMG (cf. a ementa da disciplina no Quadro 14).

Mesmo a música popular, caracterizada por prescindir da notação musical em suas

práticas cotidianas, ao adentrar o campo acadêmico submete-se ao conceito oficial de música.

Como entender, então, os princípios de seleção e de distribuição deste conhecimento oficial? Para

Apple (1995, p. 59, grifo no original):

O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum

modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de

uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo

acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e

concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um

povo.

______________ 53

Este assunto será trabalhado com mais profundidade na chave de análise ―seleção e distribuição do conhecimento‖.

Page 182: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

181

Afirma ainda que esta tradição seletiva opera de modo que o capital cultural que

contribuiu para o surgimento e o domínio contínuo por parte de grupos e classes poderosas é

transformado em conhecimento legítimo, sendo usado para criar as categorias pelas quais se lida

com os alunos. Neste mesmo sentido, Silva indica que:

Nesse processo de ―tradição seletiva‖, as relações assimétricas entre classes e

grupos conflitantes atuam para valorizar um determinado tipo de conhecimento e

desvalorizar o de outros, para incluir as tradições culturais dos grupos e classes

dominantes entre os tipos de conhecimento digno e válidos de serem

transmitidos e para excluir as tradições culturais de classes e de grupos

subordinados. A definição daquilo que é considerado como sendo o

conhecimento, e particularmente, como sendo o conhecimento escolar, nunca é

um ato desinteressado e imparcial. É sempre o resultado de lutas e conflitos

entre definições alternativas em que uma delas conseguiu se impor. (SILVA,

1990, p. 61, grifo no original)

A política do conhecimento oficial exprime o conflito em torno daquilo que alguns vêem

simplesmente como descrições neutras do mundo e outros, como concepções de elite que

privilegiam determinados grupos e marginalizam outros. Em música, práticas culturais de elite

são privilegiadas e selecionadas como conhecimento válido, em detrimento de outras práticas

musicais.

A música erudita européia é uma prática cultural historicamente ligada à elite, uma vez

que sua produção esteve ligada ao prazer aristocrático e vinculada àquilo que a aristocracia

legitimava como prática musical adequada: o gosto da elite. O músico artista, segundo Elias

(1995), irá se desvencilhar deste gosto aristocrático e tomar as rédeas da liberdade de criação,

ditando ao público o seu gosto. Entretanto, a fruição desta prática cultural permaneceu ligada à

elite: o hábito de frequentar concertos e de dispensar uma quantia significativa de dinheiro à

aquisição de gravações de qualidade. Embora ligado, de certa forma, ao capital econômico, esta

elite é, antes de tudo, uma elite cultural, dotada de habitus culturais próprios e de posse de

elevado capital cultural.

Em essência, da mesma forma que há uma distribuição relativamente desigual de

capital econômico na sociedade, também há uma distribuição da mesma forma

desigual de capital cultural. Nas sociedades industriais avançadas, as escolas

desempenham um papel crítico em dar legitimação a categorias e formas de

conhecimento. O próprio fato de que certas tradições e o ―conteúdo‖ normativo

Page 183: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

182

sejam construídos como conhecimento escolar é evidência irrefutável de sua

legitimidade. (APPLE, 2006, p. 83, grifos no original)

As escolas, portanto, legitimam o capital cultural de determinado grupo social,

selecionando-o em seus currículos. E sua distribuição, por conseguinte, se dará de forma

desigual. Giroux e Simon (1995) registram que

[...] o discurso dominante ainda define a cultura popular como o que sobra após

a subtração da alta cultura da totalidade das práticas culturais. Ela é vista como

banal e o insignificante da vida cotidiana, e geralmente é uma forma de gosto

popular considerada indigna de legitimação e acadêmica ou alto prestígio social.

(p. 97)

A alta cultura musical, representada pela música erudita européia, é selecionada para o

currículo dos cursos de música em detrimento da cultura popular. Para Bourdieu (1992), isto

corresponderia à noção de arbitrário cultural: o valor atribuído à cultura legítima é arbitrário, não

sendo fundamentado em nenhuma razão objetiva, universal.

Segundo Nogueira e Nogueira (2002), a conversão de um arbitrário cultural em cultura

legítima, para Bourdieu, só pode ser compreendida quando se considera a relação entre os vários

arbitrários em disputa em uma determinada sociedade e as relações de força entre os grupos ou

classes sociais presentes nessa mesma sociedade. Desta forma, a capacidade de legitimação de

um arbitrário cultural corresponderia, numa sociedade de classes, à força da classe social que o

sustenta. Entretanto esta legitimidade da cultura selecionada pela instituição escolar só pode ser

garantida na medida em que seu caráter arbitrário e socialmente imposto é dissimulado.

A elite cultural apresenta uma forma de relação com o que podemos chamar de consumo

de cultura que é determinado por habitus ligados às famílias e às formas de vida destas famílias.

Estes habitus serão determinantes no acesso que os alunos terão à cultura distribuída pela escola.

Entretanto, como afirmado por Nogueira e Nogueira (2002), a escola precisa ignorar a

distribuição desigual de capital cultural na sociedade e, ao fazê-lo, distribuindo o conhecimento

legítimo considerando a todos como iguais, a escola reproduz esta disparidade cultural:

Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os

mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos

conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos

Page 184: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

183

critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes

classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais

desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e em deveres, os

sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da

cultura. (BOURDIEU, 2008, p. 53)

As provas de habilidades específicas exigidas para o ingresso nos cursos de Música

conferem aos calouros a certificação de igualdade perante a notação musical: além de uma prova

prática do instrumento, há uma prova de solfejo e leitura rítmica à primeira vista, que verifica e

assegura uma condição mínima para o ingresso no curso.

Como estas provas não têm assegurado um domínio mínimo da leitura musical54

, alguns

cursos têm optado por incluir em seu currículo uma disciplina de caráter nivelador, como pode

ser observado no projeto pedagógico da UFMS o caso da disciplina Introdução à Música (cf.

ementa no Quadro 18).

A ementa da disciplina deixa clara a ligação estreita entre Música e Grafia musical: a

introdução à música tem como conteúdos centrais a grafia musical e as regras básicas de leitura

nos diversos sistemas.

Entretanto, Bourdieu (2008) mostra que ainda assim o acesso a esta cultura oficial será

desigual, uma vez que é marcado pelas diferenças da herança cultural. É verdade que poucos têm

acesso à cultura musical erudita – a música não é trabalhada regularmente na educação básica até

mesmo em escolas particulares, e o acesso a esta música é uma possibilidade muitas vezes

excluída do cotidiano da grande maioria da população.

Neste sentido, crianças oriundas de um meio menos favorecido terão acesso a uma cultura

restrita, muitas vezes limitada à seleção feita pelos meios de comunicação de massa. Este contato

restrito com a cultura será determinante no acesso ao conhecimento oferecido pela escola.

A escola, aqui representada pela universidade, trabalha com um gosto de elite,

aristocrático, distante, portanto, do cotidiano da população. Bourdieu (2008, p. 54) fala de

produtos de um sistema voltado para a transmissão de uma cultura aristocrática em seu conteúdo

______________ 54

Deve-se observar que, à época do Instituto Nacional de Música, havia outros cursos oferecidos pelo próprio

instituto que capacitavam o estudante ao ingresso no curso superior (curso básico e geral). Hoje observa-se uma

carência destes cursos, esta preparação fica a cargo de escolas especializadas e os candidatos ao vestibular têm

apresentado deficiências no domínio da teoria musical básica. Alguns cursos vêm buscando solucionar o problema

oferecendo cursos de capacitação de extensão. O problema que tem ocorrido é a necessidade de preenchimento das

vagas oferecidas pelo curso superior para evitar o fechamento do curso, o que causa uma queda do nível de

exigência.

Page 185: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

184

e espírito, produtos estes que os educadores se inclinam a desposar os seus valores, com mais

ardor talvez porque lhe devem o sucesso universitário e social:

É uma cultura aristocrática e sobretudo uma relação aristocrática com essa

cultura, que o sistema de ensino transmite e exige. Isso nunca fica tão claro

quanto nas relações que os professores mantêm com a linguagem. Pendendo

entre um uso carismático da palavra como encantamento destinado a colocar o

aluno em condições de ―receber a graça‖ e um uso tradicional da linguagem

universitária como veículo consagrado de uma cultura consagrada, os

professores partem da hipótese de que existe, entre o ensinante e o ensinado,

uma comunidade lingüística e de cultura, uma cumplicidade prévia nos valores,

o que só ocorre quando o sistema escolar está lidando com seus próprios

herdeiros. (BOURDIEU, 2008, p. 55 – 56)

Esta mesma analogia pode ser feita com a linguagem musical. A notação musical é

entendida como veículo de uma cultura consagrada, preservada pelos conservatórios, que os

professores tratam como se fosse compartilhada por todos, não só seu significado, mas a também

a relação com estes significados. Esta certeza é (ou deveria ser) garantida pela certificação

concedida aos alunos pela prova de habilidades específicas e, se não, pelas disciplinas como a

Introdução à Música.

A questão envolvendo um currículo de licenciatura em música se agrava quando

pensamos no ensino de música voltado para a educação básica, que vive um processo de

democratização do seu acesso. Esta massificação da escolarização implica em problemas com

uma forma de ensino que se destina a um pequeno grupo de herdeiros:

Nota-se, evidentemente, que um sistema de ensino como este só pode funcionar

perfeitamente quando se limite a recrutar e a selecionar os educandos capazes de

satisfazerem às exigências que se lhe impõem objetivamente, ou seja, enquanto

se dirija a indivíduos dotados de capital cultural (e da aptidão para fazer

frutificar esse capital) que ele pressupõe e consagra, sem exigi-lo explicitamente

e sem transmiti-lo metodicamente. A única prova de que ele possa realmente se

ressentir não é, como se vê, a do número, mas a da qualidade dos educandos. O

ensino de massa, do qual se fala tanto hoje em dia, opõe-se, ao mesmo tempo,

tanto ao ensino reservado a um pequeno número de herdeiros da cultura exigida

pela escola, quanto ao ensino reservado a um pequeno número de indivíduos

quaisquer. De fato, o sistema de ensino pode acolher um número de educandos

cada vez maior – como já ocorreu na primeira metade do século XX – sem ter

que se transformar profundamente, desde que os recém-chegados sejam também

portadores das aptidões socialmente adquiridas que a escola exige

tradicionalmente. Ao contrário, ele está condenado a uma crise, percebida por

Page 186: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

185

exemplo como de ―queda de nível‖, quando recebe um número cada vez maior

de educandos que não dominam mais, no mesmo grau de seus predecessores, a

herança cultural de sua classe social (como acontece quando as taxas de

escolarização secundária e superior das classes tradicionalmente escolarizadas

crescem continuamente, caindo a taxa de seleção paralelamente), ou que,

procedendo de classes sociais culturalmente desfavorecidas, são desprovidos de

qualquer herança cultural. (BOURDIEU, 2008, p. 57 – 58)

Ora, a música aprendida nos cursos de licenciatura , que já não fazia parte da vida da

maioria dos alunos do curso superior, também não integra o cotidiano da grande massa que

adentra os portões da escola. É necessário, pois, perguntar, de que música estamos tratando? Que

música queremos trabalhar nas escolas?

Young (2007) nos auxilia nestas reflexões apresentando diferenciações entre o

conhecimento e o conhecimento escolar, mostrando que as questões educacionais sobre o

conhecimento se referem a como o conhecimento escolar é e deve ser diferente do não-escolar,

assim como a base em que é feita essa diferenciação. Para este autor, a escolaridade oferece o

acesso a um conhecimento especializado, incluído em diferentes domínios.

Neste sentido: que música deve ser selecionada para integrar o conhecimento escolar (e

aqui estamos pensando tanto no conteúdo da escola básica como no conteúdo da formação

superior de professores para a escola básica)?

Este mesmo autor apresenta outra questão importante para a reflexão sobre a seleção

curricular:

Para crianças de lares desfavorecidos, a participação ativa na escola pode ser a

única oportunidade de adquirirem conhecimento poderoso e serem capazes de

caminhar, ao menos intelectualmente, para além de suas circunstâncias locais e

particulares. Não há nenhuma utilidade para os alunos em se construir um

currículo em torno da sua experiência, para que este currículo possa ser validado

e, como resultado, deixá-los sempre na mesma condição. (YOUNG, 2007, p.

1297)

Young nos ajuda a refletir sobre a questão da seleção do conhecimento legítimo ao

mostrar que o currículo não deve se restringir à música do cotidiano, entretanto, esta não pode ser

excluída do currículo escolar em favor de uma música tida como culta, erudita. Ao passo que a

música erudita também não deve ser excluída do currículo, pois a escola pode ser o único lugar

onde os indivíduos poderão ter contato com este tipo de música.

Page 187: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

186

É necessário, pois, pensarmos em músicas, no plural – como propõe Penna (2010), e nas

formas de mediação destas músicas com os seres humanos. Ou seja, é preciso pensar em

estruturar o currículo musical de forma que permita aos indivíduos a condição de fazer

julgamentos e desenvolver um pensamento crítico sobre música – ou melhor, sobre músicas.

Não é uma questão de ―ou‖, como Dewey (2010) trata no livro Experiência e Educação,

mas uma questão de ―e‖. Não é excluir uma ou outra música/prática musical como não-escolar e

legitimar determinada cultura musical. É permitir o desenvolvimento de formas de pensar estas

músicas, estas práticas. Não é selecionar o conhecimento dos poderosos, mas o conhecimento

poderoso.

Entretanto, a despeito de tudo isso, a tradição musical escrita européia e ocidental ainda é

a base do currículo dos cursos de graduação em música, definindo os princípios de seleção e

distribuição de conhecimento não só no ensino superior, mas também na educação básica.

Para Green (2003), a centralidade da música erudita ocidental nos currículos pode ser

explicada a partir do conceito de ideologia, entendida como um conjunto de idéias, valores e

suposições que tendem a reificar e legitimar relações sociais (GREEN, 2003, p. 7).

Várias posições ideológicas acerca do valor da música floresceram durante os séculos

XIX e XX. Estas posições sugeriam, em geral, que o maior valor possível surge quando, à

música, podem ser atribuídas certas propriedades como universalidade (como a capacidade da

música de expressar a condição humana); eternidade (significando que a música tem valores que

nunca morrerão); complexidade (p.e., em harmonia, contraponto, forma ou exigências técnicas

necessárias para a performance); e originalidade (rompimentos com a convenção para se

estabelecer novas normas estilísticas que influenciarão futuras gerações).

Green (2003) considera que a atribuição e valorização destas propriedades podem ser

vistas como centrais às construções ideológicas sobre música, não porque são falsas ou

imprecisas, mas porque envolvem reificação e legitimação.

No que tange à reificação, a idéia de que uma peça de música é universal ou eterna,

envolve a sugestão de que a música deve ter um apelo imutável, inevitável e natural a todos os

seres humanos, independentemente de quem são, onde ou quando eles vivem. O valor da música

é, portanto, reificado, ou entendido como uma ‗coisa‘ que existe independentemente do mundo

social.

Page 188: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

187

Com relação à legitimação, tais propriedades envolvem uma legitimação dos pontos de

vista dessas pessoas que fazem as reivindicações:

Por exemplo, se uma peça de música é tida como valiosa por ser ‗universal‘ ou

‗eterna‘, então isto implica no fato de que o valor da música deve ser

independente de quaisquer interesses das pessoas que a valorizam. De fato, a

música deve ser tão boa, que seria sempre boa para qualquer pessoa, em

qualquer situação social, e em qualquer período histórico. Isto, por sua vez,

significa que as pessoas que valorizam a música o fazem não porque podem

ganhar alguma coisa fazendo isso, e não porque estão em uma posição especial

que os autoriza a valorá-la; mas, pelo contrário, porque estão preocupados com o

valor da música para todas as pessoas, uma preocupação que vai além de seus

próprios interesses. Logo, suas opiniões são legítimas55

. (GREEN, 2003, p. 7 –

8, grifos no original, tradução nossa)

A música erudita ocidental é tida como o único estilo de música realmente valioso, e só

ela possui as características de universalidade, eternidade, complexidade e originalidade.

Entretanto, Green (2003) argumenta que, no final do século vinte, outras vozes surgiram

reclamando o valor da música popular, do jazz, da música de outros povos. Entretanto estas vozes

não contradisseram os padrões de avaliação dos partidários clássicos, mas procuraram aplicar a

estas músicas as mesmas propriedades antes depositadas apenas na música erudita. Assim,

independentemente da origem e da direção dos argumentos (se para os clássicos, se para os

populares), eles permanecem ideológicos na medida em que envolvem reificação e legitimação.

Autonomia é outro conceito importante trazido à baila por Green (2003) na discussão

sobre o valor musical. Quando as pessoas utilizam a palavra ‗autonomia‘ em relação com a

música, eles querem dizer que a música é muito valiosa, e que evoluiu de forma logicamente

ligada às formas e processos do estilo musical da época em que a música foi composta, sem

qualquer conexão com algumas contingências como ‗fazer dinheiro‘ ou ‗ser popular‘.

A música popular e outras músicas não eruditas estão abertamente e orgulhosamente

dependentes de tais fatores sociais para sua produção e modos de consumo. Nesta perspectiva,

______________ 55

―For example, if a piece of music is claimed to be valuable for being ‗universal‘ or ‗eternal‘, then this implies that

the music‘s value must be independent of any interests of the people who value it. Indeed the music must be so

good, that it would always be good, for any people in any social situation at any historical period. This in turn,

means that the people who value it do so, not because they can gain anything from doing so, or not because they

are in a special position from which to value it; but on the contrary, because they are concerned beyond their own

interests, with the music‘s value for all people. Therefore, their views are legitimate.‖

Page 189: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

188

Adorno criticou asperamente a música popular e o jazz, que ele considerava fundamentalmente

como tipos de música inferiores e até prejudiciais:

Para ele [Adorno], estas músicas não são nem universais, eternas, complexas ou

originais; elas também carecem de autonomia. Por todas estas razões, elas

encorajam as pessoas a regredir para um estágio de desenvolvimento anterior,

infantil. Isto se dá porque, ao invés de um trabalho autônomo e progressivo com

a lógica musical independentemente de preocupações comerciais, elas repetem

várias vezes os mesmos padrões velhos e cansativos a fim de venderem-se para

um ouvinte que anseia por familiaridade. Ao mesmo tempo, para parecerem

variadas, elas acrescentam algumas diferenças superficiais aos velhos padrões,

enganando as pessoas ao fazê-las pensar que estas diferenças são novas e

frescas. Assim, as pessoas são ―alimentadas‖ pela mídia de massa com uma dieta

limitada e repetitiva, enquanto imaginam estarem recebendo algo variado. Para

Adorno, bem como para outros contemporâneos dele como Marcuse, uma ‗dieta‘

desta natureza ajudou a perpetuar as relações sociais, porque induziu a uma

‗consciência de massa‘ (um tipo de ‗falsa consciência‘), que impediu as pessoas

de pensarem independentemente e de desafiarem a organização social56

.

(GREEN, 2003, p. 9, grifos no original, tradução nossa)

Devemos ressaltar o fato de que tanto a visão de Adorno, como as propostas da

musicologia tradicional mensuram o valor das músicas comparando-as com a música erudita, ou

seja, tendo a música erudita em perspectiva como conhecimento oficial.

Neste sentido, a musicologia tradicional não é necessariamente adequada para o estudo da

música popular, uma vez que é estruturada a partir da, pela e para a música erudita. A

musicologia desenvolveu um vocabulário rico e sofisticadas aproximações para a compreensão

das qualidades musicais, como harmonia e forma, que são particularmente pertinentes no

contexto da música erudita ocidental. Entretanto, tanto o vocabulário quanto as aproximações não

apresentam a mesma riqueza de entendimento em relação a qualidades como ritmo, timbre,

______________ 56

―For him [Adorno], these musics were neither universal, eternal, complex or original; they also lacked autonomy.

For all these reasons, they encouraged people to regress to an earlier, infantile, stage of development. This was

because, instead of autonomously and progressively working through musical logic independently of commercial

concerns, they repeated the same, tired old patterns over and over again in order to sell themselves to a listenership

that craved familiarity. At the same time, so as to appear varied, they added superficial differences to these old

patterns, deceiving people into thinking that these differences were new and fresh. Thus people were being ‗fed‘ a

limited, repetitive diet through the mass media, whilst imagining they were receiving something varied. For

Adorno, as well as for others of his contemporaries such as Marcuse, a ‗diet‘ of this nature helped to perpetuate

social relations, because it induced a ‗mass consciousness‘ (a type of ‗false consciousness‘), which prevented

people from thinking independently and challenging the social organization.‖

Page 190: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

189

textura, inflexões rítmicas e de altura, manipulações do som gravado, que são mais significativos

para a música popular, por exemplo.

Além disso, a musicologia tende a ter a música notada (partitura) como seu objeto de

estudo; e muitos dos parâmetros nos quais ela foca, como harmonia e forma, coincidem com

aspectos que são relativamente fáceis de serem grafados. Novamente, a música popular, bem

como outros tipos de música, requer uma aproximação diversa, porque, em muitos casos, ela é

transmitida oralmente e, desta forma, tanto a performance quanto a gravação – distintas de

qualquer notação – devem ser tidas como objetos de estudo.

Além de tudo o que já foi exposto, a musicologia lidou, nos últimos séculos, com um

cânone de ―obras primas‖ que foram consideradas como os maiores exemplos de valor musical.

Green (2003) ressalta que estas ―obras primas‖ apresentam uma série de características em

comum, como: todas elas estão notadas, todas foram publicadas na forma impressa, todas são

vistas como inovadoras em relação à era em que foram compostas, e todas foram escritas por

homens ocidentais. Mais uma vez, características que não se aplicam, necessariamente, à grande

parte das músicas populares. Entretanto, se estas características não são percebidas em alguma

música, os musicólogos irão assumir que falta-lhes valor.

Da mesma forma, os métodos tradicionais de estudo da música erudita não são adequados

para as ―outras‖ músicas. O que nos mostra que os currículos, ao perpetuarem determinadas

disciplinas como ―conteúdo específico‖ da área musical, excluem a música popular – ou melhor,

as músicas não eruditas – do contexto educativo: estão perpetuando uma ideologia que torna a

música erudita hegemônica.

Mais do que isto, inculcam nos alunos (e, portanto, futuros professores) formas de pensar

música que privilegiam a música erudita como a verdadeira música, conferindo-lhe valor.

O que isso significa é que o estudo da música clássica tem contribuído para a

crença de que esta música é a única baseada em harmonia, melodia e outros

parâmetros notáveis; que é sempre registrada na forma escrita; que é sempre e

progressivamente inovadora e complexa, composta individualmente por um

homem e assim por diante. O ponto relevante sobre esta crença, no que diz

respeito à ideologia, é que mesmo que ela não represente uma reflexão

inteiramente precisa sobre a música clássica, ela não prejudica a sua reputação:

na verdade, contribui para a reputação desta música como altamente valiosa. É,

Page 191: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

190

portanto, parte integrante da avaliação ideológica da superioridade da música

clássica57

. (GREEN, 2003, p. 11 – 12, tradução nossa)

Ademais, a música popular e as outras músicas carecem de apoios financeiros oferecidos

amplamente à música erudita, como subsídios do governo, apoios de estudos universitários e até

de sociedades civis: ―ironicamente, a aparente autonomia da música erudita tem, de fato,

dependido pesadamente de diferentes tipos de apoio financeiro58

‖ (GREEN, 2003, p. 12, tradução

nossa).

O estudo da percepção musical, focado na partitura (notação), mesmo no curso de música

popular já foi demonstrado anteriormente como um componente curricular que fortalece a

hegemonia da música erudita grafada. Entretanto, outras disciplinas como Análise Musical,

Contraponto, Harmonia, Evolução da Linguagem Musical, Orquestração, História da Música – e

o caráter obrigatório destas disciplinas em todos os projetos analisados demonstra como o campo

vem sendo estruturado e, por conseguinte, estruturando as percepções sobre o que conta como

música legítima.

Mesmo em projetos que admitem certa flexibilidade na escola das disciplinas a serem

cursadas (como é a característica dos projetos pedagógicos da UFMG e UFRJ) apresentam a

Percepção Musical sempre como obrigatória e as outras disciplinas relacionadas acima, com o

status de ―optatória‖, ou seja, entre o rol de disciplinas que devem ser obrigatoriamente

escolhidas pelo aluno para a integralização do curso (estas características poderão ser melhor

observadas posteriormente quando tratarmos da distribuição do conhecimento).

Esta ideologia ―legitima o ilegitimável‖ estruturando a formação musical básica de modo

a permitir o arbitrário cultural: tudo está arquitetado para que os alunos aceitem a superioridade

da música erudita ocidental notada, uma vez que, a partir desta estrutura de formação, começam a

acreditar que falta valor à música de seu cotidiano. E a força desta ideologia pode ser observada

ao levarmos em consideração a hegemonia da música erudita ocidental notada como

______________ 57

―What it does mean, is that studying classical music has contributed to the appearance that classical music is only

based on harmony, melody and other notable parameters; that it is always fixed in notated form; that it is always

progressively innovatory and complex, individually composed by men, and so on. The relevant point about this

appearance with reference to ideology, is that even though it may not represent an entirely accurate reflection of

classical music, it does not harm the reputation of classical music: in fact it contributes to the reputation of

classical music as highly valuable. It is therefore part and parcel with the ideological evaluation of classical

music‘s superiority. 58

―ironically, the apparent autonomy of classical music has actually relied heavily on this sort of financial support‖

Page 192: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

191

conhecimento oficial legitimado, como cultura comum, apesar da força das mudanças de

comportamento musical na sociedade contemporânea.

4.3 A SELEÇÃO E A DISTRIBUIÇÃO DO CONHECIMENTO ESTRUTURADAS E

ESTRUTURANTES DE/POR UMA IDEOLOGIA DE SUPREMACIA DA MÚSICA

ERUDITA

Esta área está delineada pela comparação dos diferentes perfis do egresso de cada um dos

cursos compulsados. A seleção dos conhecimentos estará, logicamente, ligada ao perfil do

profissional que se deseja formar.

Em primeiro lugar, apresentamos o que dizem as DCN Música (2004) sobre o perfil do

graduado em Música:

O curso de graduação em Música deve ensejar, como perfil desejado do

formando, capacitação para apropriação do pensamento reflexivo, da

sensibilidade artística, da utilização de técnicas composicionais, do domínio dos

conhecimentos relativos à manipulação composicional de meios acústicos,

eletro-acústicos e de outros meios experimentais, e da sensibilidade estética

através do conhecimento de estilos, repertórios, obras e outras criações musicais,

revelando habilidades e aptidões indispensáveis à atuação profissional na

sociedade, nas dimensões artísticas, culturais, sociais, científicas e tecnológicas,

inerentes à área da Música. (BRASIL, 2004, p. 2)

Por sua vez, deve-se levar em consideração as competências necessárias para a formação

do professor de educação básica listadas pelas DCN (2002) específicas para tal (cf. Capítulo II, p.

119).

Nesta perspectiva, o perfil do egresso delineado pelo Projeto Pedagógico do Curso de

Licenciatura em Música da UFRJ é assim apresentado:

[...] o egresso do Curso de Licenciatura em Música deverá ser um professor

músico, capacitado pedagogicamente para atuar na Educação Básica, bem como

em outros espaços de atuação que hoje se apresentam na sociedade, tais como

projetos sociais, escolas livres de música e outros. Esse perfil encontra respaldo

nas diretrizes para os Cursos de Formação de Professores para a Educação

Básica, que preconiza uma formação mais ampla, ou seja, que vá além dos

muros das escolas, que vá além dos conteúdos e práticas específicos a serem

ensinados nas diferentes etapas da Educação Básica e que vá além dos espaços

Page 193: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

192

escolares estritos (artigos 5º. 6º. e 7º. das Diretrizes Curriculares Nacionais para

Formação de Professores para a Educação Básica, em Nível Superior).

Objetiva-se, assim, um perfil condizente com um futuro profissional capacitado

teórica e praticamente, possuidor das diferentes ―competências referentes ao

domínio de conteúdos a serem socializados, aos seus significados em diferentes

contextos e sua articulação interdisciplinar‖ (artigo 6º das Diretrizes Curriculares

Nacionais para Formação de Professores para a Educação Básica, em Cursos

Superiores). (UFRJ, 2008, p. 14, grifos no original)

A primeira questão que pode ser ressaltada é a intenção de se formar um ―professor

músico‖. Esta definição é bem definida por Jardim (2008) como ―músico professor‖ e guarda

suas raízes no Conservatório/Instituto Nacional de Música, cujo diploma do Curso Superior

conferia o grau de ―Professor‖, como se pode notar pelos artigos n. 273 e 274 do Decreto 19.852

de 11 de abril de 193159

:

Art. 273. A habilitação no curso Superior de Canto e Instrumento dá direito ao

diploma de Professor, e no de Composição e Regência , em (sic) de Maestro.

Art. 274. Os diplomas conferidos pelo Instituto, acrescidos das exigências

determinadas no Regulamento, asseguram preferência, em igualdade de

condições, para o provimento nos cargos do magistério e são títulos que

habilitam, legalmente, ao exercício do professorado particular. (BRASIL, 1931,

s.p.)

Como pode ser observado, este diploma do Instituto Nacional também autorizava a

docência nas escolas de educação básica, como o diploma do Curso de Licenciatura oferecido

pela Escola de Música da UFRJ nos dias de hoje. Aliás, o perfil do egresso desta instituição prevê

uma ―ampla‖ formação, com vistas à capacitação de um profissional bastante polivalente:

músico, professor da escola regular, professor de ONGs e de escolas específicas de Música. Neste

sentido, um profissional com grandes potencialidades de inserção nos mais diversos ramos do

mercado de trabalho.

No caso do curso de Licenciatura em Música da UFMG, com Habilitação em Educação

Musical, o texto que propõe a reforma curricular (UFMG, 1999) afirma que a Licenciatura

procura combinar uma formação musical mais ampla e menos focada no domínio apurado de um

instrumento com uma preparação didática mais intensa. De acordo com o documento, não é

______________ 59

Decreto que incorpora o Instituto Nacional de Música à Universidade do Rio de Janeiro.

Page 194: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

193

proposta uma formação radicalmente diferente do bacharelado, mas o que ocorre é uma

―adequação do currículo às exigências do mercado de trabalho específico que o licenciado em

música encontrará na sua vida profissional‖ (UFMG, 1999, p. 7).

O projeto pedagógico do curso afirma que sua vocação é contribuir para a democratização

do acesso à música como área de conhecimento. E apresenta como perfil do egresso:

Domínio dos conhecimentos específicos de música e pedagogia, aliados a uma

formação cultural ampla que o capacite para uma prática artística e de ensino da

música, em diálogo com a cultura brasileira e as aspirações da sociedade.

(UFMG, 2001a, p. 19)

A diferença mais marcante entre o perfil proposto pela UFMG e o proposto pela UFRJ é a

tentativa de rompimento com a idéia de ―músico professor‖. Aliás, no próprio documento de

reforma curricular, a Escola de Música da UFMG se revela preocupada em romper com a herança

conservatorial. A proposta de reformulação curricular do Curso de Graduação em Música da

UFMG inicia sua exposição indicando uma conscientização da necessidade de superação do

modelo conservatorial:

A inserção da Escola de Música no âmbito da Universidade Federal de Minas

Gerais (1962) e o abandono da antiga denominação de Conservatório Mineiro

de Música (1972) foram modificações cujos efeitos não se limitaram a uma

simples alteração do status da instituição. Hoje é possível analisá-las como

elementos provocadores de um processo de profunda reforma no seu

funcionamento, fruto de uma mudança de mentalidade e de uma nova

conscientização do significado da música para a sociedade. Merecem ser

destacados nesse processo o questionamento da idéia de ―Conservatório‖ – ou

seja, da idéia de uma instituição voltada predominantemente para o culto dos

valores passados – e a conseqüente abertura de novas possibilidades de atuação

para a Escola. Paralelamente a isso, iniciou-se também a superação da estreita

concepção que vê a música como uma atividade isolada, sem raízes e sem

compromissos com a realidade e que, dentro desses limites, acha suficiente

propiciar aos alunos um aprendizado centrado única e exclusivamente no

domínio de técnicas específicas, negligenciando a formação de uma visão crítica

e abrangente das implicações socioculturais de sua prática. (UFMG, 1999, p. 2,

grifos no original)

O texto da reforma curricular informa que buscou superar um modelo conservatorial que

vinha sendo seguido pela instituição desde o seu surgimento:

Page 195: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

194

Graças a esse modelo – presente, reconheça-se, na quase totalidade dos cursos

de música na Universidade brasileira – constituiu-se um currículo e uma

dinâmica do ensino que sempre privilegiaram a formação de intérpretes solistas,

numa perpetuação do ideal romântico importado da Europa do século XIX.

(UFMG, 1999, p. 3)

O documento apresenta como consequências desta prática:

o fato de a instituição desprezar a maioria para, dentro da lógica do

―solismo‖, voltar-se apenas para a exceção, ou seja, para os alunos que

emergem da média por dominarem de forma extraordinária um instrumento

musical;

a concentração excessiva numa única forma de expressão e num

determinado repertório, ignorando outras diferentes possibilidades de

constituição da linguagem musical. (UFMG, 1999, p. 2 – 3, grifo no

original)

Neste sentido, o documento aponta a necessidade do oferecimento de um conjunto mais

diversificado de opções de percurso para os alunos, sendo incompreensível, por exemplo, que a

música popular continue afastada da Escola de Música.

Além disso, o documento ressalta que este processo ainda não foi concluído, bem como o

processo de inserção da Escola de Música à Universidade, uma vez que nem a Universidade

adaptou-se bem às muitas especificidades que a Música tem em relação às demais áreas do

conhecimento, nem tampouco a Escola de Música integrou-se à Universidade em todos os seus

aspectos.

Pode-se perceber também que esta tentativa de rompimento com o modelo conservatorial

é marcada pela ausência de uma formação instrumental aprofundada e da permissão da presença

da música popular. Entretanto, a música popular parece ser utilizada como ferramenta para a

aquisição de conhecimentos próprios da cultura erudita, como a notação, harmonia, estruturação.

Pois as propriedades inerentes à música popular e ao seu aprendizado – como o ―tocar de

ouvido‖, a ausência da figura do professor, a hegemonia da prática sobre a teoria (GREEN, 2002)

– permanecem não contemplados nos documentos curriculares. A música popular aparece como

um conteúdo, mas suas práticas não são exploradas, submetendo-a às práticas eruditas

tradicionais.

É interessante reforçar aqui que as práticas da música popular não se ajustam muito bem à

forma e organização escolares: o conteúdo a ser aprendido é sugerido pela prática, pelos alunos,

Page 196: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

195

pela situação; o professor não direciona a aprendizagem, é apenas um consultor, alguém que está

à disposição para auxiliar no processo que está sendo desenvolvido. Isto difere profundamente

das práticas eruditas tradicionais, de forte enquadramento, onde conteúdo, técnicas de ensino –

portanto, o poder – se encontra nas mãos do professor.

A música popular contemplada apenas como ferramenta revela uma tentativa de

contextualização do ensino, de ponte para o conteúdo tradicional. Entretanto, o tradicional ainda

detém a hegemonia das práticas, observadas no enquadramento forte. A música popular é

enquadrada na estrutura ideológica que mantém a supremacia da música erudita.

A segunda diferença que pode explicitada tendo em vista os dois perfis apresentados é o

fato de a UFMG não ser específica quanto ao lócus de atuação de seu egresso. A UFRJ, por sua

vez visa capacitar para a educação básica, além possibilitar outras opções de atuação. É uma

formação também ampla, mas percebe-se certa ênfase na preparação para a escola regular.

A UFSJ será ainda mais específica: irá separar em duas modalidades a formação para a

escola regular e a formação para o conservatório (e demais locais onde ocorra o ensino

instrumental). São elas: a Licenciatura em Música com Habilitação em Instrumentos ou Canto e a

Licenciatura em Música com Habilitação em Educação Musical.

Com relação ao perfil do egresso das habilitações em instrumentos, o documento afirma

que:

O perfil do profissional formado pelo Curso de Música da UFSJ vem atender a

uma demanda específica criada pela sociedade local, que necessita não somente

de educadores musicais, mas de músicos instrumentistas e cantores, bem como

de professores de toda uma variedade de instrumentos como cordas, sopros,

metais, piano, violão e canto, que se fazem presentes e atuantes nos diversos

tipos de manifestações musicais da Cidade de São João del-Rei e da região. Por

essa razão, optou-se por iniciar o curso oferecendo as habilitações em

Instrumento ou Canto, que possuem uma ênfase significativa numa formação

versátil e intermediária entre os cursos tradicionais de Licenciatura em Música e

os cursos de Bacharelado, somando a sólida formação pedagógica dos primeiros

às práticas do ―fazer musical‖ dos segundos. (UFSJ, 2008, p. 31)

Este perfil assemelha-se ao da UFRJ, próximo da imagem do músico professor: uma

―formação intermediária entre os cursos tradicionais de Licenciatura em Música e os cursos de

Bacharelado‖.

Page 197: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

196

Com a criação da habilitação Educação Musical, o curso pretende atender à demanda

criada pelas Leis 9.394/1996 e 11.769/2008, que colocam novamente a música como conteúdo

obrigatório nas escolas regulares. O perfil do egresso desta habilitação aproxima-se do ―professor

de música‖, definido por Jardim (2008), estando mais próximo do perfil proposto pela UFMG.

A habilitação em Instrumento ou Canto pretende formar um profissional versátil,

habilitado a atuar nas áreas da educação musical, do ensino de instrumento ou canto e

performance.

A habilitação em Educação Musical possui um núcleo curricular comum às demais

habilitações, mas sua proposta privilegia o aprofundamento do núcleo pedagógico do projeto.

Essa habilitação formará um profissional apto a atuar em espaços formais e não-formais60

de

ensino musical.

Percebe-se, portanto, que o curso está levando em consideração as demandas da sociedade

local: existe a necessidade nacional de formação de professores de música para a escola básica,

mas também há uma demanda por profissionais – licenciados – aptos a lecionarem nos

conservatórios. A universidade opta por direcionar a formação dos professores de modo a

contemplar as necessidades inerentes a cada tipo de atuação.

De acordo com o projeto pedagógico, o Curso de Música da UFSJ tem como objetivo

geral:

[...] capacitar professores na área de educação musical, para atuar com atitude

científica, consciência crítica, ética e responsabilidade social, em diversos

espaços formais e não formais de ensino, mais especificamente, na rede de

ensino fundamental e médio, e em instituições de ensino específico de música,

integrando sua prática ao seu entorno, visando o desenvolvimento cultural,

social e econômico, em âmbitos locais, regionais e nacionais. (UFSJ, 2008, p.

36)

E como objetivos específicos:

______________ 60

Para Libâneo (2007, p. 88-9), a educação não-formal é intencional, com baixo grau de estruturação e

sistematização. Por outro lado, a educação formal é caracterizada por um ensino também intencional, mas

sistemático, envolvendo uma preparação didático-pedagógica. Esta última pode, segundo o autor, ocorrer em

espaços institucionalizados ou não.

Page 198: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

197

formar profissionais com competência musical e pedagógica para atuar de

forma articulada em escolas de ensino regular (Educação Básica), bem como em

escolas de ensino específico de música;

oportunizar aos futuros docentes uma vivência de formas diversificadas

de ação artístico-musical e pedagógica, dando ênfase ao trabalho

interdisciplinar,

preparar os educadores musicais para desenvolver projetos

interdisciplinares nas escolas, integrando a música às demais formas de

manifestação artística, bem como outras áreas de conhecimento e vivências do

ser humano.

oferecer oportunidades de aprofundamentos teórico e prático a partir do

exercício docente;

incentivar a reflexão sobre a própria formação docente por meio da

análise e questionamento da relação dialética entre teoria e prática;

respeitar e valorizar a identidade cultural dos alunos, incentivando e

promovendo a criatividade, a produção individual e coletiva e participando com

criatividade do seu desenvolvimento pessoal e social;

desenvolver práticas de educação holística por meio de abordagem

sistêmica de compreensão relacional do ser humano consigo mesmo, com o

meio social e sua cultura;

capacitar o profissional para desenvolver projetos de pesquisa nas áreas

pedagógico-musicais, tendo como meta o aprimoramento geral da área e a

criação de ações pedagógicas adequadas a uma região historicamente rica em

tradições seculares de ensino e prática musical, como é o caso de São João del-

Rei e região.

atender a uma demanda de músicos e professores de música atuantes mas

não titulados, como professores de Conservatórios Estaduais de Música, mestres

de Bandas de Música, regentes de coros e orquestras e professores da rede de

ensino fundamental e médio;

viabilizar o desenvolvimento musical e técnico-instrumental (e vocal) dos

alunos, possibilitando-lhes a atuar como instrumentistas e cantores, em

contextos e formações musicais variadas, como orquestras, coros, bandas de

música, conjuntos de diversos estilos e gêneros musicais.

viabilizar projetos de pesquisa interdisciplinares, relacionando a

performance e o ensino musical a várias áreas do conhecimento presentes na

UFSJ, como a Pedagogia, a Musicologia Histórica, a História, a

Etnomusicologia, a Filosofia, a Sociologia, a Psicologia, a Literatura, o Teatro, a

Neurociência e a Educação Física, visando a compreensão, a difusão e o

desenvolvimento cultural das áreas mencionadas. (UFSJ, 2008, p. 36 – 37)

Como perfil do egresso, o curso espera que as predisposições iniciais, identificadas no

processo seletivo para o ingresso no mesmo, sejam potencializadas no âmbito das competências

para atuação efetiva na área, mobilizando conhecimentos, habilidades e atitudes adequadas,

desenvolvidas durante a sua realização.

Como objetivo geral, o Curso de Licenciatura em Música da UFMS visa formar

Licenciados em Música, habilitados em Educação Musical, capacitados para a atuação no campo

Page 199: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

198

da educação musical. De forma mais específica, objetiva interagir com os diversos segmentos da

sociedade; fomentar a prática musical, dentro e fora da Universidade; difundir variados

repertórios e estilos musicais; difundir o conhecimento científico; difundir e documentar a cultura

regional; propiciar a oferta de referenciais teóricos básicos que instrumentalizem os acadêmicos

para atuarem de forma criativa em situações diversas; oportunizar o ensino, pesquisa e extensão

universitária articulados com as demandas sociais; estimular uma postura ativa na busca e

construção dos espaços sociais para a definição de seus próprios caminhos e ressignificações de

suas práticas; desenvolver posturas críticas que ofereçam aos acadêmicos chances de trabalhar,

interagindo como sujeitos conscientes do seu papel na construção da história; e fomentar a

atuação e a manutenção de grupos musicais, vocais ou instrumentais (UFMS, 2011).

O perfil do egresso é assim delineado:

O perfil esperado do egresso do Curso de Música – Licenciatura – Habilitação

em Educação Musical/CCHS é de que ele demonstre capacitação para a

apropriação do pensamento reflexivo, da sensibilidade artística, da utilização de

técnicas composicionais, do domínio dos conhecimentos relativos à manipulação

composcional de meios acústicos, eletro-acústicos e de outros meios

experimentais, e da sensibilidade estética através do conhecimento de estilos,

repertórios, obras e outras criações musicais, e revelando habilidades e aptidões

indispensáveis à autação profissional na sociedade, nas dimensões artísticas,

culturais, sociais, científicas e tecnológicas, inerentes à área da música. (UFMS,

2011, p. 12)

Não deixamos de observar que este perfil é uma cópia exata do perfil desejado do

formando do curso de Graduação em Música apresentado no Parecer CNE/CES 0195/2003 (cf. p.

3).

O documento afirma que, além do perfil acima descrito, o curso pretende formar um

profissional que atenda de imediato as principais carências existentes no mercado de trabalho.

Para tal, são desejáveis as seguintes características:

domínio dos conteúdos e das metodologias a serem ministradas nos

diferentes espaços de educação musical;

conhecimento na área musical: ler e executar partituras, cantar e tocar

algum instrumento, com razoável habilidade técnica, bem como ter condições de

reger grupos musicais diversos;

Page 200: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

199

conhecimento na área pedagógica: conhecer e pautar sua prática em

princípios didáticos, fundamentados nos referenciais teórico-metodológicos da

educação musical;

autonomia e criatividade para as diversas situações pedagógicas,

utilizando-se de seus conhecimentos musicais e pedagógicos para atuar de forma

transformadora;

postura crítica e instigadora, buscando através da prática de pesquisa,

respostas às questões de sua realidade. (UFMS, 2011, p. 12)

O curso pretende que seus egressos revelem as competências e habilidades de:

interagir com as manifestações culturais da região, sem perder a visão da

totalidade, contribuindo para a organização, incremento e desenvolvimento

da música, posicionando-se como alguém comprometido com a produção e

difusão de conhecimento, nas dimensões artísticas, culturais, sociais,

científicas e tecnológicas;

conhecer, interagir e produzir conhecimento musical através de uma prática

pedagógica na visão de aprendizagem como assimilação crítica do

conhecimento;

ministrar aulas nas escolas da rede pública e particular, no âmbito do ensino

fundamental e médio; instituições ou quaisquer campos onde houver

possibilidades de projetos sociais e pedagógicos na área da educação

musical;

ministrar aulas de música práticas e/ou teóricas, nos mais variados espaços

onde haja a educação musical, incluindo a formação de grupos musicais

vocais e instrumentais;

compreender e dominar os elementos da linguagem musical e suas relações

compositivas, utilizado esses elementos para criar e improvisar música,

quando a atividade didática assim o requerer;

expressar-se musicalmente através do instrumento musical de sua escolha,

incluindo-se aí a voz, dominando para isto as habilidades técnicas;

ensinar rudimentos da execução instrumental, com enfoque na musicalização

do aluno, oferecendo contudo sólido embasamento técnico e interpretativo;

levar seus acadêmicos a reflexões conscientes e livres de preconceitos, da

realidade musical do país, região e local, formando assim ouvintes com

melhor senso crítico, e menos vulneráveis aos impactos causados pela

indústria cultural sobre a cultura regional. UFMS, 2011, p. 13)

Citando, em seguida, as habilidades e competências mínimas sugeridas pelo Parecer

CNE/CES 0195/2003 (cf. p. 4).

Percebemos novamente a presença do ―músico professor‖ associado ao ―professor de

música‖. O Curso de Música da UFMS define os conteúdos específicos de música, relacionando-

Page 201: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

200

os à leitura e execução da partitura em instrumentos à escolha do aluno, com ―razoável habilidade

técnica‖. Nota-se uma alusão clara à centralidade da música notada, e ao domínio instrumental.

O perfil do egresso da UFMS aproxima-se da concepção polivalente de profissional

proposta pela UFRJ, direcionando seus egressos não somente para a educação básica, mas para

todos os espaços de ensino musical (formais e não-formais).

A flexibilidade curricular, caracterizada pela possibilidade de permitir ao aluno o desenho

de seu percurso curricular é bastante forte nas propostas da UFMG e da UFRJ. A UFSJ apresenta

também opções de percurso, embora de maneira não tão marcante quanto nas duas primeiras. A

UFMS, por sua vez, apresenta grande rigidez de percurso curricular, com poucas disciplinas

optativas – o que pode ser explicado pelo seu reduzido número de professores. Esta flexibilidade

nos remete à liberdade e à responsabilização individual: a oferta é igual para todos, o fracasso é

decorrente, pois, da escolha de cada um.

Em suma, percebe-se uma multiplicidade de perfis do egresso dos cursos de Licenciatura

em Música analisados. Esta multiplicidade está ligada às categorias de profissionais propostas por

Jardim (2008): músico professor, professor de música e uma terceira formada pela associação das

duas primeiras, um ―músico professor de música‖.

Existe uma ligação com a formação instituída pelo Conservatório, que vê o músico como

o professor ideal de música, compreendendo música como música prática, associada à música

erudita ocidental notada. Esta é uma atualização da concepção do mestre de ofício: o máximo

conhecedor da sua arte que ensina seus discípulos. Seguindo esta lógica, o músico é o mais

indicado para ensinar música.

A figura a seguir esquematiza a distribuição de conhecimentos proposta pelas DCN

Música (2004) e DCN Licenciatura61

(2002):

______________ 61

Apenas para facilitar a leitura, vamos nos referir às DCN para a Formação de Professores para a Educação Básica

de DCN Licenciatura.

Page 202: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

201

Figura 2 – DCN Música (2004) e DCN Licenciatura (2002)

Page 203: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

202

Este esquema servirá de base para o estudo da distribuição de conhecimento proposta por

cada instituição.

A Escola de Música da UFRJ projetou seu currículo na forma de módulos, abrangendo

três campos básicos de formação do licenciando:

Módulo I : Música;

Módulo II : Pedagogia;

Módulo III : Estudos Complementares

O Módulo I (1.020 horas) contempla os campos de conhecimentos sugeridos nas

Diretrizes Curriculares para os Cursos de Música (Práticas Interpretativas, Composição,

Regência). O Módulo II (Pedagogia) abrange a formação de competências pedagógicas de cunho

mais geral e também mais específicas, como a Metodologia do Ensino da Música. Com carga

horária de 1.170 horas, acrescidas das 400 horas de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado,

contempla conteúdos e práticas voltados para a formação de professores de música.

O documento enfatiza os seguintes aspectos deste módulo, baseados nas DCN

Licenciatura (2002):

integração entre teoria e prática, tanto dos conteúdos musicais quanto dos

pedagógicos;

equilíbrio entre os conteúdos específicos e pedagógicos, objetivando a

formação de professores competentes, tanto musicalmente quanto

pedagogicamente;

distribuição do estágio ao longo do curso e abrangendo um leque

diversificado de práticas musicais e pedagógicas e de situações diferenciadas

de Educação Musical;

articulação do estágio, enquanto prática, com os conteúdos teóricos e com

atividades docentes já exercidas;

indissociabilidade da pesquisa do processo de formação docente. (UFRJ,

2008, p. 16)

O projeto pedagógico mostra que o curso não pretende subordinar-se ao mercado de

trabalho, o que não implica em desconhecê-lo. Visando à formação de professores efetivamente

preparados para enfrentar a constituição plural da sociedade e da cultura, o documento afirma que

serão abrangidas ao longo do curso:

Page 204: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

203

[...] diferentes concepções de música e diferentes práticas e gêneros musicais

(―populares‖ e ―eruditos‖, música escrita e de tradição oral, etc.); contextos

educacionais formais e informais (rede de Educação Básica, pública e privada,

creches, projetos sociais, organizações não governamentais, etc.); e alunados de

diferentes faixas etárias e de diferentes características sócio-culturais. Com isso

pretende-se concretizar uma prática de ensino rica e plural. (UFRJ, 2008, p. 16,

grifos no original)

O currículo não compreende as práticas de ensino previstas na legislação como

correspondendo a uma disciplina com este nome, mas como sendo absorvidas nas atividades

práticas, bem como nas atividades de Prática de Ensino de Estágio Curricular Supervisionado.

Entende que o conjunto denominado Prática como Componente Curricular também deve

contemplar a articulação teoria-prática, estando, neste projeto, distribuído nas disciplinas, de

maneira flexível e criativa, com um mínimo de 420 horas, em atividades articuladas, sobretudo,

com o conjunto Metodologia do Ensino da Música e com o conjunto Prática Instrumental, com

atividades coletivas e aplicadas.

O Módulo III (360 horas + 200 horas de Atividades Acadêmico-Científico-Culturais),

intitulado Estudos Complementares, prevê ―o enriquecimento de conteúdos e experiências, e,

sobretudo, a preparação de um docente capaz de gerar respostas através da pesquisa‖ (UFRJ,

2008, p. 13).

Os conteúdos e práticas integrantes dos diversos módulos não estão concebidos,

necessariamente, de forma sequencial – à exceção daquelas que tiverem pré-requisitos, que serão

objeto de sequenciamento obrigatório. O documento enfatiza a importância do contato do aluno

com a figura de um Orientador Pedagógico, para que ele auxilie o aluno a delinear, dentro dos

limites propostos pelo currículo, seu próprio percurso.

Os eixos articuladores de teoria e prática, previstos nas DCN Licenciatura (2002) estão

expressos nos três módulos que configuram o currículo, de acordo com o texto do projeto

pedagógico.

O projeto prevê ainda a realização de uma Pesquisa Monográfica (a ser desenvolvida a

partir do quinto período); e a realização de práticas como componentes curriculares (420h) e de

Prática de Ensino de Estágio Supervisionado (400h), do primeiro ao oitavo semestre;

devidamente acompanhados e avaliados.

Page 205: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

204

Existem disciplinas e requisitos curriculares complementares (RCCs) que são de caráter

obrigatório e perfazem um total de 1.540 horas, incluindo Prática de Ensino e Estágio

Supervisionado em Música, cuja carga horária mínima obrigatória é de 400 horas.

As disciplinas/RCCs optativas dividem-se em de escolha restrita e de escolha

condicionada. As primeiras são divididas em quatro grupos: Musicologia, Harmonia, Prática

Instrumental e Prática Vocal. Os alunos deverão cursar, em cada grupo, disciplinas de sua escolha

que perfaçam a carga horária mínima determinada para cada grupo, perfazendo ao menos um

total de 660 horas. Já as disciplinas/RCCs optativos de escolha condicionada são escolhidas

dentre disciplinas/RCCs listados para esse fim, perfazendo ao menos um total de 60 horas.

Estão previstas ainda Atividades Acadêmico-Científico-Culturais, com carga horária

mínima obrigatória de 210 horas e disciplinas/RCCs de livre escolha, com carga horária mínima

obrigatória de 510 horas62

.

A proposta da UFRJ procura uma síntese entre as duas diretrizes curriculares, dedicando

especial atenção às DCN Licenciatura (2002). Como diferencial, o projeto pedagógico aponta a

participação do licenciando como co-autor de sua estrutura curricular, sempre em consonância

com a orientação acadêmica.

A UFMG também prevê esta participação do licenciando na construção de seu percurso

curricular. Os conhecimentos selecionados foram organizados da seguinte forma:

Conteúdos da Licenciatura: Habilitação em Educação Musical: as disciplinas

pertencentes ao Núcleo Fixo e ao Núcleo Específico, pois neles é desenvolvida a base

do conhecimento musical e os saberes em torno da pedagogia geral e musical;

Conteúdos correlatos: as disciplinas que compõem grupos de disciplinas por áreas de

conhecimento em música, que são ofertadas como optativas.

Conteúdos complementares: as disciplinas e atividades em outras unidades da

Universidade, dentro da Flexibilização Curricular, que integralizam créditos como

Formação Complementar;

Conteúdos integrativos: as atividades acadêmicas que promovem a integração

discente/sociedade, como projetos de extensão (Programa Viva Música, Projeto

Cariúnas, Centro de Musicalização Infantil da UFMG, Coral de Trombones, dentre

______________ 62

Há uma discrepância entre a carga horária prevista no projeto pedagógico (de 2008) e na matriz curricular (2009) –

no primeiro, o texto afirma ser de 3150h a carga horária total do curso de Licenciatura enquanto que no segundo, a

carga horária total é de 2980h. Tal fato deve ser decorrente de possíveis ajustes/reformas realizadas na matriz.

Questionados por e-mail sobre o fato, não houve resposta por parte da coordenação e colegiado do curso.

Page 206: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

205

outros); participação em eventos promovidos pela UFMG (Semana do Conhecimento,

UFMG Jovem) e participação em eventos culturais e artísticos na comunidade

acadêmica e geral;

Avanço de conhecimento: as disciplinas e atividades voltadas para a Iniciação Científica,

Monitoria e Iniciação à Docência.

Estes conteúdos são trabalhados em Atividades Acadêmicas Curriculares que

correspondem a aulas, atividades em grandes grupos (Grandes Grupos Instrumentais, Prática de

Repertório Coral), atividades orientadas, seminários, projetos de ensino, de pesquisa e extensão,

participação em eventos, trabalho de conclusão de curso e estágio curricular. As atividades

acadêmicas curriculares estão organizadas em:

a) Disciplinas obrigatórias de núcleo fixo (NF) e do núcleo específico (NE) no Curso de

Música

b) Disciplinas Optativas

c) Formação complementar aberta

d) Atividades geradoras de créditos

e) Formação livre

As 400 horas de prática previstas pelas DCN Licenciatura (2002) estão distribuídas em

diversas disciplinas na estrutura de música. O documento faz a ressalva de que a música,

diferentemente de outros cursos de Licenciatura, é rica no aspecto da prática como componente

curricular.

As 400 (quatrocentas) horas de estágio são compartilhadas entre a Escola de Música e a

Faculdade de Educação. O estágio ocorre tanto em escolas especializadas de música (nos dois

primeiros semestres) e nas escolas do ensino básico (dois últimos). O projeto pedagógico

apresenta a seguinte justificativa para tal:

Ocorre que a especificidade do ensino de música aliada à indefinição da lei a seu

respeito no ensino básico e profissional tem uma séria repercussão no mercado

de trabalho, onde o ensino regular de música está concentrado em escolas

especializadas. O ensino básico não tem nenhuma política clara para com esta

atividade. Portanto consideramos fundamental que o licenciado em música,

possa cumprir estágio nas duas situações, e assim esteja apto a articular sua

competência no confronto com o mercado de trabalho. Nos dois primeiros

semestres, seu estágio será realizado em escolas especializadas de música e nos

dois últimos em escolas do ensino básico. Neste momento estará interagindo

Page 207: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

206

com as outras áreas da Licenciatura em projetos interdisciplinares. (UFMG,

2001a, p. 21)

As 1800 (mil e oitocentas) horas de conteúdos de natureza científico-cultural estão

contempladas nas disciplinas e atividades do curso. Sendo o currículo de música flexibilizado,

além das disciplinas de núcleo fixo e específico, aproximadamente 34% dos créditos serão

integralizados em disciplinas optativas.

As 200 (duzentas) horas de outras formas de atividades serão contempladas pelas

Atividades Geradoras de Crédito, segundo as normas estabelecidas pelo colegiado para sua

avaliação.

Além das disciplinas de caráter obrigatório (que abrangem uma formação básica musical,

pedagógica e músico-pedagógica), o aluno deverá cursar disciplinas optativas do próprio curso de

Música, que foram reunidas em cinco grupos de acordo com o seu conteúdo. De acordo com a

proposta de reforma curricular, estes grupos dialogam, sem coincidir integralmente, com os

chamados campos de conhecimentos sugeridos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para

estarem presentes nos cursos de Música em todo Brasil. São eles:

a) Grupo 1 – Estruturação da Linguagem Musical – inclui as disciplinas relacionadas aos

elementos constituintes da música como linguagem.

b) Grupo 2 – Teoria e Pesquisa em Música – inclui os conhecimentos que abordam a

música a partir da sua inserção na cultura e do seu relacionamento com a história das

idéias e das artes em geral.

c) Grupo 3 – Música de conjunto e práticas interpretativas – compreende as disciplinas

que tratam do domínio e da literatura dos instrumentos e da vivência musical em

conjunto.

d) Grupo 4 – Música e Pedagogia – inclui não só as disciplinas que tratam da pedagogia

dos vários instrumentos, mas também as que investigam os fundamentos psico-

pedagógicos e as metodologias da educação em Música.

e) Grupo 5 – Música e Tecnologia – compreende as disciplinas que abordam os novos

meios de composição musical, as novas técnicas de gravação e reprodução sonora, os

princípios acústicos e a relação geral que a música trava com a tecnologia.

O Colegiado do curso definiu números mínimos de créditos optativos que os alunos

devem cumprir em cada grupo. Cabe ressaltar que o Grupo 4, relativo à pedagogia musical,

equivale a 28% destes créditos optativos. Todo o restante é dedicado aos conhecimentos ligados à

prática e teoria musicais.

Page 208: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

207

A UFSJ, por sua vez, afirma em seu documento que a formação profissional do licenciado

em música tem um caráter complexo, uma vez que envolve a formação e integração de áreas

distintas e correlatas. Nesse sentido, com base nas Diretrizes Curriculares para os Cursos de

Música, organizou-se a estrutura curricular do curso em sete Campos de Conhecimento:

Por essa perspectiva, o profissional licenciado deve apresentar, para cada campo

de conhecimento, um determinado grupo de conhecimentos, habilidades,

atitudes e comportamentos que serão mobilizados, juntamente com conteúdos de

outros campos de conhecimento, para a construção das competências. (UFSJ,

2008, p. 39)

Os campos de conhecimento que agrupam as competências a serem desenvolvidas no

curso são os seguintes:

1. Campo de Conhecimento Instrumental e Vocal: competências para se expressar

musicalmente de forma prática por meio de um instrumento ou do canto, alcançando um

nível simbólico e artístico de discurso musical, com repertório adequado para tanto,

cobrindo vários estilos musicais, desde o erudito e seus períodos de época até o popular

e o folclórico.

2. Campo de Conhecimento Composicional: competências para compreender a

linguagem musical em sua sintaxe, estrutura e dimensão simbólica, modificando-a de

forma racional e intuitiva, em situações de criação, improvisação musical, elaborando

arranjos e transcrições, almejando um nível simbólico e artístico de criação e de

discurso musical;

3. Campo de Conhecimento dos Fundamentos Teóricos: competências para

compreensão e ação sobre a linguagem musical tanto em suas relações formais

intrínsecas, sua sintaxe, estrutura e dimensão simbólica quanto em suas relações

extrínsecas, como sua dimensão histórica e cultural, contextualizando os referidos

aspectos entre si;

4. Campo de Conhecimento da Formação Humanística: competência para

compreensão, reflexão e contextualização, baseada em fundamentos filosóficos,

científicos e históricos, que habilita o licenciado para um exercício fundamentado e

consciente da profissão. Contribui para a compreensão do papel da arte e da música na

história da cultura ocidental e, principalmente, para a construção de uma identidade

nacional e regional, dispondo de recursos e conhecimentos para integrar a experiência

musical à construção e manutenção dessa identidade. Compreende também o

desenvolvimento da consciência e da prática do autodesenvolvimento como sujeito,

integrando as experiências, conhecimentos e estratégias de estudo e aprendizado no seu

desenvolvimento pessoal e profissional;

Page 209: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

208

5. Campo de Conhecimento Pedagógico: competências de ação e de compreensão dos

processos de ensino e aprendizagem musicais, relacionados ao desenvolvimento da

compreensão da linguagem musical e ao desenvolvimento instrumental e vocal,

vivenciado na Prática de Formação e no Estágio Supervisionado;

6. Campo de Conhecimento de Integração: competências para a conexão da teoria com

a prática;

7. Campo de Conhecimento da Pesquisa: competências para a análise, crítica e

investigação metodológica na busca de novos caminhos para a Educação Musical, para

a valorização da cultura nacional e local, para a preservação do um patrimônio histórico

cultural local e para a difusão da música como forma legítima de conhecimento e

identidade cultural do homem.

A proposta curricular do curso de Licenciatura em Música da UFSJ se diz centrada na

docência da educação musical básica, e pretende formar o educador capaz de pensar e

desenvolver a prática, a existência humana, a educação, a escola e o saber historicamente

produzido.

Sob essa perspectiva, a proposta de currículo do curso de Licenciatura em Música tem

como objetivo a formação do docente para o ensino da música em nível da educação básica; a

gestão do trabalho pedagógico, incluindo o planejamento, a execução e a avaliação de projetos

músico-educacionais na escola e em outros espaços educativos; e a compreensão do universo da

cultura e da produção do saber e a inserção crítica dos alunos nesse universo.

Baseados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Licenciatura (2002), o

projeto pedagógico segue a carga horária indicada:

I. 400 horas de prática de formação, como componente curricular, vivenciadas ao longo do

curso;

II. 400 horas de estágio curricular supervisionado, a partir do início da segunda metade do

curso;

III. 1.800 horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural;

IV. 200 horas para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais.

As práticas de formação, ou práticas de ensino, são definidas no projeto pedagógico como

[...] um processo de investigação-interpretação-explicação de uma determinada

realidade educacional-pedagógica concreta, quer seja em espaços educativos

formais ou não-formais. Constitui-se como espaço social de construção de

conhecimentos, saberes e sujeitos e mantém uma relação orgânica com o estágio

Page 210: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

209

supervisionado, com base comum, eixos e temáticas do currículo. (UFSJ, 2008,

p. 70)

Dessa forma, a prática de formação no curso de Música da UFSJ, como componente

curricular, está dividida, além da orientação de monografia, em três modalidades de ―Oficinas‖,

que se completam mutuamente como formas integradoras de atividades artísticas, científicas e

pedagógicas. Nesse sentido, as Oficinas se desenvolvem em laboratórios das diversas realidades

profissionais, similares às que o aluno poderá encontrar em sua vida profissional, como

atividades de caráter vivencial, interativo e reflexivo da prática, numa metodologia multi e

interdisciplinar.

Com um total de 420 horas, as Práticas de Formação do Curso de Música da UFSJ, assim

se configuram:

Figura 3 – UFSJ – Práticas de Formação por modalidade. Fonte: UFSJ, 2008, p. 71

As Oficinas Pedagógicas, comuns a todas as habilitações, têm a proposta de funcionar

como laboratórios de vivências didático-musicais, oferecendo ao aluno oportunidades de

vivenciar situação de ensino e aprendizagem musical e instrumental/vocal.

Já as Oficinas de Performance, específicas para a Habilitação em Instrumento ou Canto,

caracterizam-se como ―laboratórios de performance musical‖, que têm como objetivo simular

vivências e situações variadas de performance musical. As Oficinas de Performance possibilitam

Page 211: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

210

aos alunos uma oportunidade de desenvolvimento de habilidades de reconhecimento e controle

dos processos afetivos, cognitivos, psicomotores e comportamentais envolvidos na performance

musical. Tais processos se relacionam a uma série de atividades tanto de aprendizado, incluindo a

prática diária do instrumento ou canto, quanto de situações de performance musical propriamente

dita.

As Oficinas de Projetos, comuns a todas as habilitações, são caracterizadas no projeto

pedagógico como práticas de seminário de pesquisa, fórum de debates e apresentação de projetos,

palestras de pesquisadores, práticas de reflexão científica, atendendo demandas específicas dos

projetos de estágios supervisionados, projetos artístico-culturais, pesquisa na web, práticas de

grupos de estudos e, principalmente, o trabalho de conclusão de curso. Essas Oficinas cumprem a

função de integrar teoria e prática ao campo de conhecimento da pesquisa.

O Trabalho de Conclusão de Curso ou Monografia configura-se como um trabalho

obrigatório e individual, escrito e aprofundado sobre um só assunto, resultado do estudo

científico de um tema, ou de uma questão mais específica sobre determinado assunto, elaborado

de forma descritiva e analítica, na qual a reflexão é a tônica principal.

O projeto pedagógico do Curso de Licenciatura em Música da UFSJ entende o Estágio

Supervisionado como ―uma participação progressivamente atuante em atividades de prática e de

ensino musical em diversos ambientes formais e não formais de ensino‖ (UFSJ, 2008, p. 77).

Fazem parte desses ambientes as escolas das redes pública e particular de ensino regular, escolas

de educação infantil, educação especial e escolas especializadas de música, como os

conservatórios, as orquestras, bandas de música e corais.

Os estágios ocorrem a partir do terceiro período, justifica-se esta escolha ―pela

especificidade do Curso de Música, que recebe muitos alunos já atuantes profissionalmente e têm

como campos possíveis de estágio os mais variados ambientes de ensino e aprendizagem

musicais‖ (UFSJ, 2008, p. 77).

O projeto pedagógico prevê duas dimensões para o Estágio Supervisionado: a dimensão

estritamente Pedagógica e a dimensão Artístico-Pedagógica. Com relação à primeira dimensão, o

documento apresenta:

Em sua dimensão Pedagógica, o estágio supervisionado caracteriza-se como

período de observação e atuação didático-musical progressiva, em escolas

regulares ou especialistas de música e em agremiações musicais nas quais façam

Page 212: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

211

presentes atividades de prática e de ensino musical, vocal e instrumental. (UFSJ,

2008, p. 78)

É desejável que o estágio supervisionado progrida de uma situação de observação para

uma situação de atuação efetiva do aluno-estagiário em atividades de ensino musical de vários

tipos, desde aulas de musicalização, apreciação musical, aulas de instrumento ou canto, condução

de grupos de canto coral, conjuntos instrumentais e outras atividades. O projeto pedagógico

afirma ser ―desejável‖ pois compreende que a realidade das escolas muitas vezes faz com que o

estagiário vá direto para uma atuação efetiva, pois não há professores de música no ambiente

escolar a ser observado.

A previsão é que nos dois primeiros semestres (terceiro e quarto períodos), é desejável

que o aluno realize estágio de observação em escolas especialistas de música, uma vez que,

nessas instituições, o ensino musical dispõe de aulas específicas de música, oferecendo melhores

referenciais didáticos. São lócus potenciais de realização destes estágios os próprios cursos de

extensão da UFSJ e o Conservatório Estadual.

Os dois semestres seguintes (quinto e sexto períodos) corresponderiam a uma fase

intermediária do estágio, para a qual é desejável que o aluno procure oportunidades de

progressiva atuação pedagógica, tanto em escolas especializadas de música quanto em escolas

públicas ou particulares da rede regular de ensino, uma vez que o aluno estará progressivamente

definindo suas áreas de interesse e trabalho dentro da educação musical, bem como seu perfil de

atuação pedagógica. Nestes semestres também serão realizadas observações e registros de

práticas docentes da educação não-formal, segundo opção do estagiário, em creches, educação

indígena, organizações não-governamentais, educação de jovens em situação de risco, clínica

para portadores de necessidades especiais, com o objetivo de elaboração de propostas de

implementação de educação musical nessas áreas.

Nos dois últimos semestres do curso, é desejável que o aluno procure oportunidades de

atuação pedagógica em escolas públicas ou particulares da rede regular de ensino, uma vez que

esse é um importante campo de trabalho em expansão, o que possibilitará um futuro

encaminhamento profissional do aluno naquela mesma instituição.

Em sua dimensão artístico-pedagógica, a UFSJ compreende ser importante dedicar uma

porcentagem da carga horária do estágio supervisionado a uma atividade que tenha como objetivo

dar oportunidade ao aluno de integrar, em situação de apresentação ou de performance musical,

Page 213: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

212

várias facetas do futuro profissional, como o intérprete, o músico-instrumentista (ou cantor), o

educador e difusor cultural, além do educador humanista e democrático, consciente de seu papel

social e engajado numa proposta de levar um bem cultural diferenciado a vários espaços da

sociedade, muitos deles carentes desse tipo de cultura:

Além de instituições tradicionais de ensino, essa variação do estágio

supervisionado poderá ser realizada em instituições diversas, como hospitais,

creches, asilos, organizações não governamentais (ONGs) de fins sociais,

indústrias etc. Trata-se, portanto, de uma atuação que irá ampliar a futura

atuação profissional do estagiário na sociedade, envolvendo espaços culturais

mais amplos, mas não menos importantes do que a própria sala de aula. (UFSJ,

2008, p. 80)

Para esta modalidade de estágio supervisionado, o projeto pedagógico prevê 25% da carga

horária total do estágio, ou seja, 100h.

O projeto pedagógico entende por Atividades Complementares a Iniciação Científica,

participação em eventos científicos e acadêmicos, participação em projetos de extensão,

envolvimento em trabalhos multidisciplinares ou de equipe, participação em atividades culturais

e/ou artísticas, cursos de idiomas e/ou informática, atividades de monitoria e gestão ou

representação estudantil. Estas devem totalizar 200h e serão computadas de acordo com um

regulamento específico.

Os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural são divididos em unidades

curriculares obrigatórias e optativas. As unidades curriculares do tipo obrigatórias constituem um

núcleo comum de conteúdo curricular científico-cultural obrigatório a todas as habilitações, que

se diferenciarão, quando necessário, para atender ao itinerário de formação específico de cada

habilitação. Sobre a carga optativa:

No caso das unidades curriculares do tipo optativas, elas visam oferecer ao aluno

a possibilidade de um currículo mais personalizado, no qual ele pode adequar

sua formação a um perfil particular de musicista e educador, vinculando

conhecimentos complementares em qualquer um dos campos de conhecimentos

mencionados anteriormente. Por essa razão, o aluno terá o direito à livre escolha

dentre as que forem oferecidas. (UFSJ, 2008, p. 87- 88)

Page 214: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

213

Estas unidades curriculares estão relacionadas aos sete campos do conhecimento

explanados anteriormente. São oferecidas Habilitações em Canto Lírico, Canto Popular, Violão,

Piano, Violino, Flauta Transversa, Viola, Violoncelo, Clarineta e Trombone, além da Habilitação

em Educação Musical.

A organização curricular da proposta da UFMS, por sua vez, está baseada nos seguintes

princípios:

Na primeira série, as disciplinas são direcionadas à fundamentação histórica e filosófica

da educação, além do nivelamento das competências musicais dos alunos;

Na segunda e terceira séries, concentram-se disciplinas de análise musical e as disciplinas

ligadas à história da música, as quais, de acordo com o documento, permitirão ao aluno

uma melhor compreensão da Linguagem Musical, e por conseguinte, o desenvolvimento

de um conhecimento mais aprofundado nesta área;

Permeia todo o currículo a ênfase dada à pesquisa e a preocupação com a realidade atual,

interferindo diretamente na prática pedagógica do acadêmico; este fato fica evidente, de

acordo com o projeto pedagógico, nas disciplinas de prática de ensino e no estágio

supervisionado;

As disciplinas, consideradas práticas, priorizam a pesquisa individual, podendo resultar

em produções individuais ou coletivas;

A última série do curso foi pensada para oferecer possibilidades plenas de integração dos

acadêmicos com a vida educacional e cultural da região;

A improvisação musical e composição de caráter pedagógico devem ser praticadas

durante todo o curso;

As aulas teóricas – ―sumariamente importantes para a prática musical e pedagógica‖

(UFMS, 2011, p. 14) - acontecem sempre referendando a prática e buscando reflexões que

aprofundem e agreguem valor aos conteúdos.

As disciplinas são divididas em Conteúdos de Formação Geral e Profissional, Conteúdos

Básicos, Conteúdos Específicos, Conteúdos de Formação Pedagógica, Conteúdos de Dimensão

Prática e Disciplinas Complementares Optativas.

Os Estágios Supervisionados são realizados exclusivamente na educação básica, e as

práticas de ensino, como se pôde observar, são compreendidas como disciplinas do currículo. O

projeto pedagógico da UFMS entende as práticas de ensino como um eixo articulador entre os

conhecimentos teóricos e práticos, que proporciona a interação dos conteúdos das demais

disciplinas do currículo, permitindo ao acadêmico vivenciar situações ligadas ao magistério e

mais especificamente ao ensino de música (UFMS, 2011, p. 43). Nestas disciplinas, os

acadêmicos são envolvidos em atividades focadas em referenciais teórico-metodológico ligados à

Page 215: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

214

educação musical, nas quais são incentivadas e exigidas pesquisas e relatórios de leitura. Através

da organização de Seminários, os alunos são levados a ministrar conteúdos diversos,

compartilhando seus conhecimentos e sua experiência com os colegas, além de se auto-avaliarem

e avaliarem a atuação do restante da turma.

O projeto pedagógico considera como Atividades Complementares:

estágio não-obrigatório (desde regulamentado e validado pela COE);

projetos de pesquisa, monitoria, iniciação científica, projeto de extensão,

módulos temáticos, seminários, simpósios, encontros, fóruns, congressos,

conferências, excursões, visitas, etc;

disciplinas oferecidas por outros departamentos da UFMS e outras

Instituições de Ensino que desenvolvam os conteúdos do Curso de Música;

participação em palestras, oficinas e exposições artísticas;

cursos, mini-cursos e workshops relacionados às áreas da cultura e da

música;

participação em apresentações musicais, tanto como espectador como

instrumentista;

participação como produtor e/ou apresentador de programas de rádio na

área de música, envolvendo a produção e criação musical (jingles, spots, criação

de trilhas musicais, entre outras);

publicação de artigos em revistas especializadas e colunas de jornais;

participação em ações sociais (atividades desenvolvidas em asilos,

creches, hospitais, presídios, etc);

relatório de filmes e peças teatrais com ênfase à parte musical (trilha,

efeitos sonoros, etc.), sugeridos pelos professores do Curso de Música/CCHS.

resenhas de livros e textos, sugeridos pelos professores do Curso de

Música/CCHS; (UFMS, 2011, p. 45)

De acordo com o documento, outras Atividades Complementares poderão ser

consideradas a critério do Colegiado de Curso do Curso de Música, de acordo com o

Regulamento das Atividades Complementares.

É interessante, para os fins deste estudo, citar as considerações finais do projeto

pedagógico, que problematiza a questão da formação do instrumentista e a formação do

professor:

O presente projeto propõe um Curso de Música que atenda às demandas do

mercado e que contribua para o desenvolvimento cultural, especialmente, de

Mato Grosso do Sul. O que implica, inevitavelmente, no aprimoramento da

qualidade técnica e artística dos músicos que vivem e trabalham na região.

Page 216: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

215

Atualmente, a maioria dos instrumentistas atuantes são também professores e

por isso uma dicotomia paradoxal se instaura: caso os músicos optem por um

estudo acadêmico como instrumentistas (Bacharelado), não poderão – de acordo

com a LDB – lecionar, e caso optem pelo curso de Licenciatura, não terão a

formação técnica e instrumental que lhe tornariam excelentes em seus

instrumento/Canto, perdendo mercado para outro.

Diante disso, a problemática se agrava, quando consideramos a necessidade de

articulação entre atuação musical e atuação pedagógica. Enquanto muitos

músicos profissionais, por necessidades de sobrevivência, desenvolvem

atividades pedagógicas, outros, também por necessidade, conciliam suas

atividades pedagógicas com execuções instrumentais diversas, contribuindo para

o incremento das atividades culturais e artísticas da cidade e do Estado. Nesse

sentido, este Curso busca - a despeito de ser uma Licenciatura - dar consistente

formação nas áreas da execução instrumental, regência e análise musical.

(UFMS, 2011, p. 45 – 46)

O curso posiciona-se no limiar da formação do músico professor e do professor de

música, tendo em vista ―demandas do mercado‖. Parece considerar a modalidade Licenciatura

apenas para possibilitar, aos egressos, uma certificação legal que os permitam lecionar – não

importando o lugar.

A distribuição dos conhecimentos nas propostas da UFRJ e UFMG apresentam certo

equilíbrio de carga horária entre a oferta de disciplinas musicais e pedagógicas (incluindo-se aí as

músico-pedagógicas). A UFMS apresenta clara predominância das disciplinas relacionadas à

teoria da música; enquanto a UFRJ, por sua vez, uma tendência à predominância de disciplinas

que envolvem a prática musical.

Apesar disto, é possível localizar as disciplinas musicais (de caráter prático e teórico) no

foco da estruturação curricular. As DCN Licenciatura (2002) são, em certa medida, responsáveis

pelo aumento da carga horária das disciplinas de caráter pedagógico, instituindo as 400h de

Prática de Ensino e as 400h de Estágio como obrigatórias. Também é necessário observar que o

equilíbrio observado nas propostas da UFRJ e UFMG pode ser quebrado facilmente com as

disciplinas optativas de escolha livre por parte dos alunos. A oferta de disciplinas musicais (de

caráter prático, principalmente) compõe a grande maioria de disciplinas optativas oferecidas

pelos cursos. Tal fato nos faz reafirmar que a prática musical e os estudos teóricos musicais

continuam sendo o grande pilar das propostas curriculares analisadas.

As diferentes propostas atendem às diretrizes nacionais, buscando uma ligação entre seus

documentos curriculares e as demandas/especificidades locais. Apesar disso, os documentos não

Page 217: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

216

deixam claro se e como são contempladas as manifestações musicais – populares ou não –

específicas de cada região.

A formação musical, de caráter específico, apresenta-se com uma estrutura muito

semelhante nas propostas analisadas. Todos pensam esta formação a partir de disciplinas que

trabalham a notação musical associada à percepção auditiva, disciplinas de prática instrumental,

vocal e de regência, além de disciplinas que ‗pensam‘ a música, que informam a prática musical.

Esta formação específica guarda, em si, a estrutura disciplinar institucionalizada pelo

conservatório e que foi inserida na universidade com a anexação do Instituto Nacional de Música,

como se pode notar na figura a seguir:

Page 218: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

217

Figura 4 – Formação Musical

Page 219: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

218

Há, com certeza, pequenas diferenças individuais nas propostas, mas a estrutura de

formação está mantida. E apesar de haver disciplinas que se relacionam com práticas de

música popular (como Arranjo e Improvisação, por exemplo), esta estrutura apresenta uma

ligação estreita com a música notada ocidental européia. Como discutido anteriormente, é

uma estrutura que predispõe à seleção cultural deste tipo de música, e à crença da

superioridade desta seleção frente às outras manifestações musicais/culturais. Estas ocupam

uma posição periférica nos currículos, em caráter de concessão, de curiosidade, de

conhecimento do exótico.

Desta forma, já é possível detectar a presença de uma matriz conservatorial que tem

perdurado nos currículos e criado nos estudantes disposições que (re)produzem uma ideologia

ligada à hegemonia do valor da música erudita. Além disso, a formação do músico professor

apresenta-se como proeminente nas propostas curriculares analisadas, embora seja forçoso

admitir que, à exceção da UFMS, existe uma crescente preocupação com a formação

pedagógica dos licenciandos.

4.4 A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS CONHECIMENTOS: MÚSICA X EDUCAÇÃO

De acordo com Shulman (2005), entre todas as categorias de conhecimento listadas

para a formação do professor, o conhecimento didático do conteúdo adquire um interesse

particular porque identifica o corpo de conhecimentos próprios para o ensino, uma vez que

representa o amálgama entre o conteúdo específico e o pedagógico.

Para a análise da profissionalização dos conteúdos do currículo de formação de

professores observaremos, de maneira especial, os conhecimentos específicos de música, os

conhecimentos pedagógicos gerais e os conhecimentos didáticos da música, e as tensões que

se estabelecem entre eles. Estas tensões sendo analisadas a partir dos conceitos de

classificação e enquadramento propostos por Bernstein (1990).

Os conhecimentos específicos de música apresentam uma estrutura disciplinar

semelhante, embora varie o caráter destas disciplinas quanto à sua obrigatoriedade (se

obrigatórias, optativas com escolha obrigatória, etc.).

Em geral se estruturam de acordo com as DCN Música (2004): estudos que

particularizam e dão consistência à área de Música, abrangendo os relacionados com o

conhecimento instrumental, composicional e de Regência (cf. Figura 2).

Page 220: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

219

As práticas instrumentais variam de acordo com o perfil do egresso de cada curso. A

UFRJ baseia sua estrutura curricular na formação do educador musical e do músico, com uma

sólida formação musical. Dessa forma, a formação instrumental ocorre durante todo o curso.

A UFSJ, na Habilitação em Instrumento/Canto, tem como foco a preparação do músico

professor, logo, a prática instrumental ocorre também por todo o curso. Na Habilitação em

Educação Musical, os licenciandos cursam disciplinas de Teclado, Violão e Flauta Doce

como instrumentos musicalizadores (isto é, como ferramentas próprias para a Educação

Musical) além de Percussão. Neste caso, a performance instrumental também perpassa todo o

curso, mas diluída em diferentes instrumentos. Não há, portanto, a escolha de um instrumento

principal, ao qual os estudantes dedicarão seus esforços para a aquisição / desenvolvimento de

domínio técnico.

A UFMG, cujo curso de Licenciatura procura combinar uma formação musical mais

ampla e menos focada no domínio apurado de um instrumento com uma preparação didática

mais intensa, apresenta em sua estrutura 4 semestres obrigatórios de Instrumento

Complementar. A UFMS, por sua vez, cujo curso busca – ―a despeito de ser uma Licenciatura

– dar consistente formação nas áreas da execução instrumental, regência e análise musical‖,

oferece 4 semestres de Instrumento Harmônico e 4 semestres de Instrumento Melódico, mas

existem Práticas Instrumentais optativas para os oito semestres do curso. Logo, a prática

instrumental está presente em todo o curso, com a possibilidade de escolha de um instrumento

principal.

Todos os cursos oferecem disciplinas de Introdução à Regência, Canto Coral e

Técnica Vocal. Da mesma forma, todos os cursos oferecem disciplinas de Percepção Musical,

História da Música, Harmonia, Arranjo e Análise.

Os conteúdos de formação pedagógica geral são também bastante semelhantes nos

projetos pedagógicos compulsados, com pequenas variações:

Page 221: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

220

Figura 5 – Conhecimentos Pedagógicos Comuns

O Quadro 23, a seguir, discrimina as disciplinas de formação pedagógica geral de cada

projeto pedagógico analisado:

Page 222: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

221

Quadro 23 – Disciplinas de formação pedagógica geral

UFMG UFMS UFRJ UFSJ (Habilitação em

Instrumento ou Canto)

UFSJ (Habilitação em

Educação Musical)

Didática de Licenciatura* Fundamentos de

Didática*

Didática* Didática, Avaliação e

Teorias Pedagógicas*

Didática, Avaliação e

Teorias Pedagógicas*

Política Educacional* Políticas Educacionais* Políticas Educacionais e

Organização da Educação

Básica no Brasil*

Políticas Educacionais e

Organização da Educação

Básica no Brasil*

Psicologia da Educação –

Aprendizagem e Ensino*

Psicologia do

Desenvolvimento e

Aprendizagem*

Psicologia da Educação* Psicologia da Educação I e

II*; III**

Psicologia da Educação I e

II*; III**

Sociologia da Educação* Fundamentos

Sociológicos da

Educação*

Sociologia da Educação I*

e II**

Sociologia da Educação I*

e II**

Educação Especial*

Filosofia da Educação no

Mundo Ocidental*

Filosofia da Educação** Filosofia da Educação**

Educação Brasileira*

Educação e Comunicação

II*

Educação e Arte** Arte e Educação** Arte e Educação**

LIBRAS*

Fonte: UFMG (2001); UFMS (2011); UFRJ (2009); UFSJ (2008).

Page 223: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

222

Com relação aos conteúdos didáticos do conhecimento didático musical, as diferenças

são bastante marcantes, como pode ser observado no Quadro 24 que se segue:

Page 224: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

223

Quadro 24 – Disciplinas de formação pedagógica musical

UFMG UFMS UFRJ UFSJ (Habilitação em

Instrumento ou Canto)

UFSJ (Habilitação em

Educação Musical)

Didática da Educação

Musical

Didática da Música I e II* Didática da Musicalização I

e II*

Didática da Musicalização I

a IV*

Didática do Instrumento Metodologia do Ensino

Instrumental (Teclado,

Percussão, Violão, Flauta

Doce)**

Didática do Ensino do

Instrumento ou Canto*

Didática em Música

Educação Musical na

Rede Regular

Folclore Musical e

Cultura Popular

Folclore Musical

Brasileiro**

Folclore Musical

Brasileiro**

Metodologia da Educação

Musical I e II

Fundamentos da

Metodologia do Ensino

da Música*

Metodologia do Ensino

da Música I a IV*

Oficina Pedagógica I e II Oficina Pedagógica I a III* Oficina Pedagógica I a V*

Prática Pedagógica em

Música

Prática de Ensino em

Música I a VIII*

Projeto de Ensino

Psicologia da Educação

Musical

Psicologia da aprendizagem

e da performance musical**

Psicologia da aprendizagem

e da performance

musical**

Sociologia da Educação

Musical

Introdução à Sociologia

da Música*

Tópicos em Música e

Pedagogia

Tópicos Especiais do

Ensino da Música

(Teclado, Violão)**

Tópicos Especiais em

Música e Pedagogia**

Tópicos Especiais em

Música e Pedagogia**

Page 225: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

224

UFMG UFMS UFRJ UFSJ (Habilitação em

Instrumento ou Canto)

UFSJ (Habilitação em

Educação Musical)

Regência de Corais

Escolares I e II**

Regência e Pedagogia do

Canto Coral Infantil**

Regência e Pedagogia do

Canto Coral Infantil*

Formação de Conjuntos

Escolares**

Fundamentos da Educação

Musical*

Fundamentos da Educação

Musical*

Educação Musical e

Tecnologia A e B**

Educação Musical e

Tecnologia A e B**

Pedagogia do Ensino

Instrumental em Grupo A e

B**

Pedagogia do Ensino

Instrumental em Grupo A e

B**

Pedagogia da Performance

na Educação Musical**

Pedagogia da Performance

na Educação Musical**

Fonte: UFMG (2001); UFMS (2011); UFRJ (2009); UFSJ (2008).

Page 226: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

225

O curso de Licenciatura em Música da UFRJ demonstra uma classificação fraca entre

os conteúdos musicais e os pedagógicos, relação esta que pode ser observada nas várias

disciplinas que tratam de conteúdos didático-musicais, como as obrigatórias: Fundamentos da

Metodologia do Ensino da Música, Metodologia do Ensino da Música (I, II, III e IV) e

Didática da Música (I e II). Além destas, a instituição oferece as optativas: Regência de

Corais Escolares, Formação de Grupos Escolares e Metodologia do Ensino Instrumental. As

disciplinas revelam uma preocupação com a didatização dos conteúdos específicos musicais e

uma atenção especial às práticas musicais na escola regular.

O curso de Licenciatura em Música da UFMG apresenta também uma fraca

classificação entre os conteúdos musicais e pedagógicos, demonstrada nas disciplinas que

tratam dos conteúdos didático-musicais: Didática da Educação Musical, Educação Musical na

Rede Regular, Sociologia da Educação Musical, Psicologia da Educação Musical, Oficina

Pedagógica (I e II) e Metodologia da Educação Musical. Além das optativas: Didática do

Instrumento, Expressão Corporal na Educação (I e II) e as disciplinas reunidas com o nome

Tópicos em Música e Pedagogia.

O curso de Licenciatura em Música da UFSJ possui também uma fraca classificação

entre os conhecimentos musicais e pedagógicos, talvez um pouco mais forte que as

observadas nos cursos da UFRJ e da UFMG pelo caráter optativo da maioria das disciplinas

que tratam dos conteúdos didático-musicais. As obrigatórias comuns para as duas habilitações

(em Instrumento/Canto e em Educação Musical) são: Fundamentos da Educação Musical e

Didática da Musicalização I e II. As optativas comuns são: Educação Musical e Tecnologia

(A e B), Pedagogia do Ensino Instrumental em Grupo (A e B), Tópicos Especiais em

Pedagogia da Música, Psicologia da Aprendizagem e da Performance Musical e Pedagogia da

Performance Musical. A Habilitação em Instrumento/Canto oferece como obrigatórias a

Didática do Instrumento, enquanto que a Habilitação em Educação Musical oferece as

disciplinas Didática da Musicalização III e IV.

O curso de Licenciatura em Música da UFMS é o que apresenta a classificação mais

forte entre os conhecimentos musicais e pedagógicos: não há disciplinas que se dedicam aos

conteúdos didático-musicais. Estes conteúdos parecem ser trabalhados nas disciplinas

práticas, intituladas pelo projeto pedagógico como Práticas de Ensino em Música.

Estas características são condizentes com os perfis do egresso apresentados pelos

projetos pedagógicos: a UFRJ preocupa-se com a formação do educador musical e do músico,

de maneira semelhante à UFMG e à UFSJ. Esta última prefere separar aquele que irá ser

Page 227: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

226

professor do seu instrumento e aquele que será um educador musical mais voltado para a

educação básica. A UFMS, por sua vez, apresenta um projeto pedagógico condizente com a

idéia de enfatizar a prática musical.

As práticas de ensino obrigatórias de acordo com as DCN (2002), também receberam

atenção diversificada. Na UFRJ, as 400 horas estão distribuídas pelas disciplinas e RCCs ―[...]

em atividades articuladas, sobretudo, com o conjunto Metodologia do Ensino da Música e

com o conjunto Prática Instrumental, com atividades coletivas e aplicadas‖ (UFRJ, 2008, p.

17). Na UFMG, as 400 (quatrocentas) horas de prática estão distribuídas em diversas

disciplinas na estrutura curricular.

Na UFMS, a estrutura curricular prevê disciplinas de Prática de Ensino de Música. É

nestas disciplinas que deverão ocorrer a abordagem de todos os conteúdos didático-musicais.

A UFSJ dá um tratamento diferenciado às práticas, entendo-as não apenas como práticas de

ensino, mas como práticas de formação. Estas práticas estão distribuídas na estrutura

curricular, além da orientação de monografia, em três modalidades de ―Oficinas‖, que se

completam mutuamente como formas integradoras de atividades artísticas, científicas e

pedagógicas. Estas oficinas são como laboratórios das diversas realidades profissionais,

envolvendo performance, pesquisa e atividades de ensino.

Chama a atenção também o estágio obrigatório. Na UFMS, a escola regular é o único

lócus possível para a realização do estágio, diferentemente das outras três universidades,

aonde é permitido estagiar também em escolas específicas de música. Na UFSJ, na habilitação

em Instrumento/Canto, é até possível dedicar 100 horas do estágio para apresentações

públicas, entendendo isso como prática da profissão de músico.

4.5 COMPARANDO: TRADUÇÕES E IMPLICAÇÕES DO HABITUS CONSERVATORIAL

Como se pôde observar, há diferenças quanto aos conteúdos profissionalizantes

direcionados à atuação como professor de música, mas não quanto à atuação do músico. A

formação do músico é bastante semelhante e a UFSJ é quem melhor trabalha com essa

diferença, ao separar sua licenciatura em duas modalidades de formação. A UFMS, por sua

vez, é quem apresenta o projeto pedagógico mais próximo do currículo coleção, com uma

classificação forte entre conteúdos musicais e pedagógicos. Nesta universidade, o fato de a

escola regular ser o único lócus de realização de estágio revela um paradoxo com sua

organização curricular, que privilegia a formação do músico.

Page 228: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

227

No perfil dos egressos dos cursos analisados, observa-se a multiplicidade de espaços

para os quais os licenciandos são formados: projetos sociais, escolas especializadas,

conservatórios, educação básica. É interessante que o curso eleja um foco de formação, como

o fez a UFSJ, para que esta se dê de maneira mais sólida. Pois é bastante difícil formar um

professor de instrumento que seja também apto a atuar na educação básica, uma vez que são

duas atividades que se diferenciam em demasia. Da mesma forma, a preocupação com a

escola regular deve estar presente em todos os cursos, pois, por mais que o licenciado em

música com habilitação em instrumento/canto tenha sido preparado para ser um músico

professor, o título de licenciado o habilita a ocupar a função de professor de música nas

escolas de educação básica.

A tensão entre Música e Educação reflete a idéia de campo de lutas, proposta por

Bourdieu. Quando o Conservatório institucionalizou a formação do músico (e,

consequentemente, a formação do músico professor), percebe-se, no campo artístico, uma

conversão de estratégias do campo educativo: a (re)produção do campo artístico (dos agentes

que integram o campo artístico) se dará nos moldes do campo educativo. O campo artístico

apropria-se da forma e organização escolar, organizando a formação de seus agentes em

disciplinas, utilizando-se da organização do tempo escolar, do percurso escolar, e do papel

desempenhado por agentes próprios do campo educativo – professores e alunos. O capital que

se encontra em jogo é a música erudita ocidental notada – cujas estratégias de aquisição se

adéquam perfeitamente à forma e organização escolar.

Quando o Instituto Nacional de Música é incorporado à Universidade, a formação de

músicos e de professores de música passa a ser objeto do campo educativo. O capital cultural

em jogo continua a ser a música erudita ocidental notada, cuja posse é convertida em capital

social (verniz cultural e diploma).

Ocorre daí uma problemática: a formação do músico (agente do campo artístico) se

dará nos cursos de Bacharelado em Música. Este músico será também o agente responsável

pela formação de outros músicos, assumindo a função de músico professor. A formação do

professor de música se dará em cursos de Licenciatura, formação de um agente próprio do

campo educativo, cuja atuação se dará nas escolas regulares.

Decorre deste entendimento que a formação do professor de música deve ater-se às

necessidades do campo educativo, o que nos remete ao vocacionalismo próprio da ideologia

neoliberal. Entretanto, o espaço escolar desenvolveu, ao longo da sua história, uma doxa com

relação à presença da música: esta é vista como um verniz cultural, como ferramenta para a

Page 229: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

228

aquisição de outros conteúdos (higiene, civilidade, civismo, disciplina, coordenação motora,

matemática, partes do corpo, etc) e como ornamentação das festas escolares.

Por outro lado, a formação do músico também desenvolve uma doxa, ligada à

superioridade da música erudita ocidental notada e suas propriedades (universalismo,

complexidade, eternidade, originalidade e autonomia). Desta doxa decorrem nomos de

formação, próprios do campo artístico. Estas propriedades atribuídas à música erudita se

encaixam perfeitamente na concepção do liberalismo elitista brasileiro da década de 1930 que

via a universidade como lócus de transmissão da ―alta cultura‖. Também esta doxa encontra

força nas críticas à concepção ―formativa‖ da educação superior: o papel da universidade

ligado à educação, não se limitando ao contexto de atuação profissional, também próximo das

idéias de ―alta cultura‖.

Além destas duas concepções temos uma visão ideal do ensino de música, atenta às

necessidades de contextualização, ao discurso musical dos alunos, à concepção de músicas

(atenção à diversidade cultural), à visão do professor de música como mediador entre estas

musicas e seres humanos – como um agente que visa à emancipação do gosto das pessoas às

vicissitudes das mídias e da cultura de massas. O professor de música como agente que

conduz à compreensão da(s) música(s) como arte, como manifestação social, como prática e

processo humanos, como cultura. Um agente que permite às pessoas escolherem o que gostam

a partir de um repertório musical amplo e variado, sem hierarquização, sem uma civilização

do gosto. Esta é a visão que tem sido defendida pela área da educação musical, representada,

no Brasil pela ABEM (Associação Brasileira de Educação Musical).

Estas três concepções têm mantido pouco diálogo. Observa-se que a ideologia

neoliberal provoca uma necessidade de vocacionalismo, de aproximação com o trabalho – ou

seja, da aproximação entre formação de professores de música e seu lócus de atuação: as

escolas. As escolas, com suas práticas e concepções incorporadas repelem o músico com suas

próprias práticas e concepções incorporadas. As instituições formadoras de professores de

música convertem, para o campo educativo, formas de se pensar a formação do professor de

música (e mesmo de se pensar a música), que são próprias do campo artístico – que, por sua

vez, afastam seus formados do espaço escolar.

Percebe-se que o perfil ideal, pensado e discutido pela área de educação musical,

encontra grande resistência para sua implementação. O que nos leva a acreditar que existem

habitus próprios da formação artística que têm impedido a aproximação entre professores de

Page 230: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

229

música e escolas, entre música e educação; ao mesmo tempo que fortalecido doxas e nomos

das escolas com relação à música e suas funções em seu espaço.

As diretrizes curriculares não prescrevem uma formação musical, apenas se referem a

uma formação específica em música. Entretanto, as semelhanças entre as diferentes

interpretações no que se refere a esta formação musical nos leva a pensar em uma matriz

comum de percepções sobre a formação musical e, por conseguinte, do professor de música.

A prática da construção curricular pode revelar, desta forma, concepções arraigadas

sobre músico, professor, música e educação. Esta prática nos permite esboçar o conceito de

um habitus de formação do músico professor que não se adapta à realidade escolar e que

impede a concepção de projetos democráticos para a música e os cidadãos. O conceito de

habitus proposto por Bourdieu é um conceito chave nesta compreensão, uma vez que nos

permite compreender estas concepções não como práticas engessadas, repetições de modelos

arcaicos. Mas como práticas históricas que se encontram em constante atualização, mantendo,

entretanto, características incorporadas e acumuladas ao longo de sua história, sendo

reeditadas ao passo que o campo é reeditado, reeditando-o.

Assim, o Conservatório não é reproduzido na universidade, mas re-produzido,

produzido de novo, atualizado. O Conservatório e a visão da formação do músico, próprios do

campo artístico, têm influenciado nas formas de agir, pensar, perceber, conceber música e

educação, práticas musicais e práticas educativas. O que nos conduziu a esboçar um conceito

que tenta explicar estas dificuldades, este movimento de refração entre o campo artístico e o

campo educativo: a idéia de um habitus conservatorial.

As três áreas de comparação eleitas como lentes para o estudo dos projetos

pedagógicos selecionados permitiram a identificação das traduções do habitus conservatorial

nas prescrições curriculares para as Licenciaturas em Música. Este habitus, que denominamos

como conservatorial, sendo produto e produtor da história deste campo, vem influenciando a

elaboração curricular dos cursos de graduação em Música e, no caso específico das

licenciaturas, dificultando a inserção da disciplina/conteúdo no âmbito da escola regular. Isso

por auxiliar na construção de barreiras para a compreensão da música como fenômeno social,

atualizando uma ideologia musical erudita.

Entretanto, é possível perceber tentativas de rompimento com a tradição

conservatorial: atenção à música popular, preocupação com uma formação didático-musical,

atenção às necessidades da educação básica. Contudo, a presença desta tradição é ainda

marcante na estruturação dos currículos, influenciando principalmente a definição dos perfis

Page 231: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

230

dos egressos e a obrigatoriedade de determinadas disciplinas ligadas à prática e à teoria da

música erudita notada.

Como exemplo concreto e auto-declarado dessa situação, citamos Barbeitas (2002),

que afirma que o projeto pedagógico da UFMG procurou romper com a tradição

conservatorial. Nota-se uma maior preocupação com a formação didática, entretanto, várias

características conservatoriais permanecem inalteradas: retira-se o foco na formação em um

único instrumento, mas a performance continua sendo privilegiada no currículo (técnica

vocal, violão complementar, canto coral, música de câmara, instrumento complementar, entre

outros); a construção curricular baseada em disciplinas tradicionais como Percepção,

Harmonia, Contraponto, Análise, História da Música, entre outras; a música popular foi

admitida na academia, mas sempre submetida ao esquema de valoração delineado pelo

habitus conservatorial.

Não se pode negar que alterações foram feitas, como o abandono do estudo

cronológico da História da Música e sua abordagem por temas. Entretanto, numa análise mais

profunda, pode-se depreender desta reforma que a cronologia é algo que já é sabido pelos que

ingressam no curso, pressupondo uma formação anterior que, em muitos casos, não existe.

Curioso é perceber que, mesmo a UFMS não tendo relação direta com nenhuma

instituição conservatorial, seu projeto pedagógico demonstra de maneira mais acentuada a

presença do habitus conservatorial. A UFRJ, ao contrário, apesar de ligada ao primeiro

conservatório brasileiro, luta contra as tradições e se preocupa em situar o curso num contexto

social mais amplo.

Desta forma, confirmamos a hipótese inicial que se refere à existência de um habitus

próprio do campo artístico-musical passível de ser mapeado pela análise dos documentos

curriculares das Licenciaturas em Música: o habitus conservatorial.

Page 232: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

DA MÚSICA COMO FENÔMENO SOCIAL E SUAS IMPLICAÇÕES

CURRICULARES (ou NOTAS FINAIS)

Os objetivos deste estudo consistiram em mapear e analisar a presença de um habitus

conservatorial na construção de currículos de cursos de Licenciatura em Música no Brasil em

vigor após a publicação das Diretrizes Curriculares em 2004.

Para tal, orientados pela noção bourdieusiana de habitus entendida como história

incorporada, feita segunda natureza, procuramos descrever – de maneira interessada na

explicitação de disposições que foram incorporadas – o movimento histórico da música e da

constituição do seu ensino superior no Brasil. A partir deste estudo, observamos como uma

doxa conservatorial foi forjada e perpetuada pelas ações dos agentes com o passar do tempo.

O estudo das diretrizes curriculares nacionais para a graduação em Música e para a

formação de professores para o ensino básico também foi revelador, no sentido de que nos

permitiu observar quanto desta doxa conservatorial está presente nas prescrições oficiais e

quanto é resultado da interpretação dos agentes orientados por um habitus internalizado.

A revisão da bibliografia produzida sobre o assunto foi crucial para compreendermos

como a problemática das licenciaturas em música e das práticas conservatoriais vem sendo

estudadas na contemporaneidade. Assim, situamos nossos questionamentos e identificamos

como eles vinham sendo respondidos até então. Tanto a revisão bibliográfica como a análise

documental nos permitiram identificar os pressupostos ideológicos vigentes na área musical,

procurando desnaturalizar as práticas e observá-las como produtos de uma ideologia

incorporada.

Os quatro documentos selecionados para comparação permitiram a visualização de

uma matriz geradora: o conservatório incorporado e constantemente atualizado, e das

individualidades de manifestação de disposições conservatoriais – uma vez que cada

documento é diferente dos demais, ainda que uma essência comum fosse evidente.

Na incursão pelo movimento histórico do ensino musical no Brasil, em especial pelas

instituições de ensino, foi possível observar a constituição de dois campos distintos, mas

interrelacionados: o campo artístico e o campo educativo. De um lado, a formação de artistas

(profissionais e diletantes). De outro, os caminhos percorridos pela música na escola regular.

Dois caminhos diferentes, mas em constante cruzamento.

A música, na escola, acaba por assumir outras funções, mais ligadas ao lazer, ao

entretenimento, à ―higiene mental‖. Permanece, entretanto, como símbolo de civilização.

Page 233: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

232

A existência de dois perfis profissionais acaba por produzir tensões entre dois tipos de

cursos superiores de música disponíveis no Brasil: o Bacharelado e a Licenciatura. Num

primeiro momento, entende-se que o Bacharelado se destina a formar o músico: o especialista

(virtuose) em seu instrumento (ou voz), o compositor e o regente.

Do outro lado, tem-se a Licenciatura, destinada a formar professores de música para a

escola regular – que não tem, em sua estrutura, uma disciplina Música. Formava-se, desta

forma, um profissional para atuar num campo de trabalho praticamente inexistente –

praticamente porque a música estava diluída na Educação Artística e, posteriormente, nos

conteúdos da área de Arte.

Os licenciados, na procura de espaços mais salutares para o desenvolvimento de seu

trabalho, migram para outros lócus de atuação: escolas específicas, projetos sociais, por

exemplo. Mas, os músicos bacharéis – que também não encontravam um mercado de trabalho

promissor (afinal, ser concertista é uma profissão praticamente inviável no Brasil) – atuavam

como professores de seu instrumento.

A área de música passa a lutar por sua inclusão efetiva na educação integral dos

indivíduos e, com a Lei N. 11769/2008 alcança o status de obrigatoriedade – dentro do ensino

de Arte, e sem ser necessário ser formado para tal (de acordo com o veto presidencial).

Os alunos dos cursos de licenciatura ainda se recusam a ingressar na escola – terreno

inóspito para a concretização das práticas musicais aprendidas. Mas acabam por enfrentar este

desafio ―quando nada mais parece dar certo‖.

Entretanto, o ingresso na escola regular não é nada fácil, pois a música ainda não

ocupa um lugar consolidado no espaço escolar e, ainda que ocupasse, a ―música‖ da escola

não é a mesma ―música‖ que foi estudada no curso superior. É como se o curso superior em

Música se refugiasse numa realidade paralela (um campo artístico relativamente autônomo),

não ignorando o mundo lá fora, tal qual ele o é, mas, ainda assim, se ocupando de outras

práticas, de outras músicas.

É inevitável reconhecer que existe um confronto entre as práticas musicais do

cotidiano e as práticas musicais da universidade. O ensino de música mantém-se

profundamente ligado às raízes da tradição, às teias de sua história, ainda que conviva com

tentativas de inovação.

Não há problemas em se preservar tradições, em se dedicar à música erudita e ao seu

estudo. Paradoxalmente, na luta por uma diversidade musical, as universidades parecem ser

um refúgio seguro da música erudita – solapada na sociedade pela música popular. O

Page 234: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

233

problema surge quando tratamos de uma licenciatura em música, que, por definição, deveria

preparar professores para a realidade da escola regular. Que, por sua vez, também não está

preparada para receber professores de música e suas propostas de trabalho.

Ao analisar a constituição histórica deste cenário conflituoso, percebemos que, ao

longo do tempo, várias crenças foram forjadas e interiorizadas pelas pessoas e pelos sistemas

de ensino.

No campo artístico, a doxa conservatorial, incorporada nos agentes, acabou por criar

nomos de formação. Ainda que, segundo Elias (1995), em determinado momento da história

tenha se passado de arte de artesão para arte de artista, a formação do músico manteve os

moldes das oficinas artesanais, onde o mestre se ocupava da educação de seus aprendizes.

O Conservatório instituiu um modelo curricular, no qual a prática musical estava no

centro dos objetivos e, em torno dela, gravitavam todas as outras disciplinas que a pudessem

nutrir. A seleção do conhecimento elegeu a música erudita como conhecimento oficial,

estruturando o currículo para a apreensão de seus códigos, de forma a possibilitar a

conservação de sua prática.

Paralelamente, a escola foi caminhando em outra direção, construindo para si uma

doxa musical que atribuía à música outros papéis, mais ligados à ornamentação, ao lazer. Os

alunos traziam, para o interior das escolas, as suas práticas musicais – por vezes distante da

música erudita. Práticas cotidianas, ligadas à família e à mídia.

No final da década de 1990, são elaboradas Diretrizes Curriculares para os cursos de

graduação. Estes documentos enfatizam a necessidade de contextualização social do curso

superior, na perspectiva de formar trabalhadores aptos a encarar a realidade do mercado de

trabalho.

Ainda assim os currículos das Licenciaturas em Música permanecem distantes da

realidade musical das escolas regulares. Trazem toda uma estrutura carregada de história,

constituindo-se na materialização de práticas que refletem a interiorização da instituição

conservatorial. A contextualização social torna-se impraticável.

A análise das diretrizes curriculares permitiu-nos observar que também elas carregam

vestígios históricos da instituição conservatorial. O entendimento de música como prática é o

mais evidente. Entretanto, não há prescrições curriculares. Ao contrário, como supracitado, é

central a exigência de contextualização social.

O estudo comparado, por áreas, dos currículos selecionados evidenciou um consenso

na interpretação das diretrizes. As áreas de comparação selecionadas permitiram o

Page 235: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

234

desvelamento de matrizes de cultura que orientam a estruturação curricular. Além disto, os

projetos pedagógicos evidenciam as dificuldades de concepção do que seja o professor de

música, seus locais de atuação e, principalmente, a problemática oriunda do desejo de

preparar o licenciando para diferenciados locais de trabalho.

Uma mesma formação é pensada para esses diferentes locais. Uma formação

dessituada, descontextualizada – a não ser para a formação de professores de músicos

instrumentistas (eruditos, sem dúvida).

Por meio das áreas eleitas para a comparação dos projetos pedagógicos, identificamos

tensões entre quatro tipos de disciplinas: as específicas de música, relacionadas à prática

instrumental/vocal; as também específicas de música, mas relacionadas à teoria musical; as

disciplinas pedagógicas (de caráter geral e também as ligadas à pedagogia musical); e as

disciplinas não relacionadas à música ou à educação.

Estas tensões também têm origem no habitus conservatorial, que privilegia a

performance (e, consequentemente, mas em segundo plano, as disciplinas teórico-musicais).

Se o currículo tende a acreditar que o professor é o músico, as disciplinas pedagógicas

naturalmente ocupam um lugar menos privilegiado. Dentre elas, as relacionadas à educação

musical têm ainda um status melhor do que as que dizem respeito à escola regular – lócus de

um trabalho que os licenciandos preferem evitar.

Existe a consciência destes problemas, ao passo que reformas têm sido realizadas. Mas

as reformas são também produtos de disposições incorporadas, de uma ideologia musical

interiorizada. As reformas acabam por perpetuar a tradição, na tentativa de romper com ela.

Ao invés de transformar, as reformas acabam por conservar.

Carregado de uma ideologia musical própria dos conservatórios, o currículo das

licenciaturas destitui a música erudita de seu caráter socialmente situado, universalizando-a,

sacralizando-a. A música não é entendida como fenômeno social, mas como um conjunto de

obras míticas, puras, eternas. Os professores de música são preparados para perpetuarem este

sistema, ao invés de se constituírem como pesquisadores de cultura, da cultura dos seus

alunos.

O currículo acaba por tornar-se descontextualizado, uma ferramenta da sociedade para

a reprodução de seus valores eruditos, inquestionáveis. As práticas curriculares acabam por

comprovar a incorporação de um habitus, que aqui chamamos de habitus conservatorial. E,

mais além, transformam-se em instrumentos de inculcação deste habitus nas novas gerações

que passam pelo curso superior.

Page 236: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

235

Este habitus faz com que, embora seja premente a necessidade de mudanças e

reformas no ensino da música, a tradição seja mantida, a história seja perpetuada, as práticas

conservatoriais sejam efetivadas.

A manutenção de práticas conservatoriais não é novidade na área da educação

musical. Entretanto, com o conceito de habitus, nos armamos de um instrumento teórico que

nos permite explicar porque, apesar de todas as pesquisas já realizadas, essas práticas são

mantidas.

Mais do que um modelo que vem sendo reproduzido, temos uma matriz de práticas,

que orienta não somente sua reprodução, mas também as tentativas inócuas de reformas.

A consciência de um habitus conservatorial provoca uma série de inquietações sobre o

ensino de música, desnaturalizando verdades. Percebe-se um consenso sobre como se ensinar

música, como se estruturar um currículo para tal. Esta estrutura é reflexo da interiorização da

história da educação musical, em especial do conservatório: teoria musical (notação), prática

instrumental, estudo histórico das práticas musicais (não de todas, mas da música que vale a

pena), da complexidade de sua linguagem – aí inclusas a harmonia e a análise de suas

estruturas formais.

Para ensinar a música erudita, com toda a sua complexidade, é necessário um artista

que domine sua linguagem, seus códigos, os meios de sua produção. Neste caso, o professor

de música mais indicado é realmente o músico. Mas, e se começássemos a nos libertar das

amarras históricas do significado musical? A música que queremos nas escolas é somente a

música erudita? Somente porque não se trata de excluir a música erudita do repertório escolar

– esta música é também parte da história cultural dos seres humanos e, portanto, digna de ser

objeto de estudo, mas não é a única.

Quando nos questionamos sobre o que significa música, sobre o significado das

práticas musicais na sociedade, temos a oportunidade de vislumbrar outras práticas e outros

currículos possíveis. Currículos que não sejam alienantes, mas que possibilitem os estudantes

a mobilizar-se a desafiar as fronteiras institucionais e sociais. Que permitam a compreensão

da música como manifestação da experiência humana, uma vez que feita por seres humanos.

A prática curricular orientada pelo habitus conservatorial não tem respondido a estas

expectativas. O que não significa que seja ruim e deva ser descartada. É necessário, por outro

lado, conscientizar-se do senso prático que temos incorporado quando se trata de educação

musical. Assim, poderemos organizar melhor os cursos de licenciatura em música,

Page 237: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

236

repensando a seleção do conhecimento oficial, sua distribuição no currículo e, desta forma,

repensando a profissionalização dos conhecimentos.

Ao nos conscientizarmos que somos produtos da incorporação de uma ideologia

musical, temos a chance de nos emanciparmos do ciclo vicioso a que estamos submetidos.

Abre-se espaço para a pesquisa de novas possibilidades curriculares, não só para as

licenciaturas, mas também para o estudo da música popular, por exemplo. A noção de habitus

conservatorial nos convida a pensar em novas possibilidades, uma vez que desnaturaliza a

forma curricular vigente como a única possível.

É possível – e necessário – que continuem existindo cursos de aprofundamento nas

práticas da música erudita. Afinal, é uma música produto da história da humanidade.

Entretanto, é preciso refletir sobre outras possibilidades, outros objetivos, outras músicas.

A noção de habitus conservatorial permite, como propusemos ao longo deste estudo,

vislumbrar inúmeras possibilidades de pesquisa. O estudo das práticas de professores e alunos

no cotidiano dos cursos de música, da presença e ausência de vestígios deste habitus nas

representações de pessoas leigas – sem ligação direta com os cursos de música, da

manifestação deste habitus no interior das escolas regulares.

Ao conscientizarmo-nos de que a música é um fenômeno social, e que, por meio de

seu estudo podemos compreender os homens e mulheres que a produzem – e que dela são

produtos – encontramos novas diretrizes para a construção curricular.

Licenciatura em Música é uma terminologia que tem se mostrado muito ampla,

quando consideramos a música um fenômeno social. ―Música‖ não é uma coisa só, mas

várias. Ser professor de música significa mais do que ser professor de um instrumento

musical. Significa também inserir os indivíduos na compreensão de uma forma simbólica,

tipicamente humana. Significa mediar a interação entre indivíduos e as músicas presentes não

somente na sua história, mas em seu cotidiano. Significa ir além da ornamentação de festas

escolares, mas da compreensão do próprio ser humano.

Essa perspectiva minimiza a violência simbólica que as crianças têm sofrido ao entrar

em contato com o ensino tradicional de música. Violência simbólica que é permitida pela

adesão involuntária ao habitus conservatorial. A educação musical não deve, desta forma,

caracterizar-se por um arbitrário cultural, pela imposição de padrões e práticas culturais.

Antes disso, deve possibilitar a todos um engajamento ativo e consciente na conversação

musical.

Page 238: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

237

Será possível, pois, permitir que a música torne-se algo significativo na vida de

pessoas e de grupos, e, como nos ensina Swanwick (1994, 2003), uma forma de interpretação

do mundo e de expressão de valores, um espelho que reflete sistemas e redes culturais e que,

ao mesmo tempo, funciona como uma janela para novas possibilidades de atuação na vida.

Ensinar música passa a ter um sentido mais amplo, de permitir a todos o acesso a um

universo sonoro-musical. Universo este que não é limitado a determinadas práticas, nem as da

tradição, nem as práticas cotidianas dos alunos: a palavra de ordem passa a ser ampliar o

repertório, enriquecendo e informando as práticas.

Não é fácil despir-se de ideologias arraigadas, incorporadas. O primeiro passo para

evitar que o habitus conservatorial continue sendo destino nos processos de educação musical

é a sua conscientização. Conhecendo as disposições incorporadas que orientam nossas

práticas e nossa percepção, teremos mais chance na luta para democratizar o acesso à música,

não somente à erudita, mas a esta forma simbólica que expressa o indizível, que dá forma e

expressividade a materiais sonoros, agregando-lhes significado e valor. Educação Musical que

possibilite não a civilização do gosto, mas a escolha consciente da música que gostamos e

queremos ouvir.

Desta forma, indo ao encontro do significado etimológico de ―educar‖: do latim

educare, por sua vez ligado a educere, verbo composto do prefixo ―ex” (fora) + ―ducere‖

(conduzir, levar), que significa literalmente ‗conduzir para fora‘, ou seja, preparar o indivíduo

para o mundo. Educação Musical, neste sentido, significaria conduzir os alunos para além da

música que eles já conhecem, ampliando seu repertório, permitindo um engajamento na

compreensão dos mecanismos simbólicos de sua produção.

Antes de modificar o conservatório que existe em nossos currículos, em nossas

práticas, é preciso (re)conhecer o conservatório que vive em nós. É imperioso reconhecer que

o habitus é um dos princípios dentre outros de produção das práticas, sendo possível romper

com o ajustamento imediato do habitus ao campo, substituindo-o pela ―computação racional e

consciente‖.

Como o próprio Bourdieu (1990) nos ensina, o habitus não apenas pode ser

transformado (ainda que dentro de fronteiras definidas) pelo efeito de uma trajetória social

que conduz o indivíduo a posições distintas das iniciais; como também pode ser controlado

por meio do despertar da consciência e pela sócio-análise.

O primeiro passo é, contudo, reconhecer a existência deste habitus. É o que

procuramos explicitar neste relatório de tese. A questão não está respondida em definitivo,

Page 239: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

238

pelo contrário, ela abre espaço para novas investigações, que conduzam a um aprofundamento

empírico do conceito aqui esboçado. Apenas assim caminharemos para a desnaturalização,

desbanalização e des-essencialização das relações de dominação que são perpetuadas pelas

ações músico-educativas.

A conscientização de que somos produto e produtores de um habitus conservatorial,

permitirá, enfim, que as práticas de educação musical se desvinculem de suas arbitrariedades

históricas contingentes, essencializadas como a ordem natural das coisas; e permitam o

desenrolar de novas trajetórias no campo educativo-musical, resultado de estratégias

socialmente orientadas para a educação de todos.

“Todo sagrado tem seu profano complementar, toda

distinção produz sua vulgaridade e a concorrência pela

existência social conhecida e reconhecida, que subtrai à

insignificância, é uma luta de morte pela vida e pela morte

simbólicas. (...) O julgamento dos outros é o julgamento

derradeiro; e a exclusão social, a forma concreta do

inferno e da danação. É porque o homem é um Deus para

o homem que o homem é também o lobo do homem.”

PIERRE BOURDIEU

Leçon sur la leçon

De posse deste quadro de análise, intentamos construir alguns desdobramentos finais

tendo como fundamento dois aspectos centrais da Sociologia da Música enfatizados pela

inglesa Lucy Green (1997), a organização da prática musical e a construção social do

significado musical.

Para esta autora, a Sociologia da Música interessa-se por grupos sociais e suas

interfaces com a produção, distribuição e receptividade musicais. A esta área, Green (1997)

chama de ―organização da prática musical‖. Bourdieu (1982) também enfatiza a necessidade

de se enfocar esta área nos estudos sociológicos das relações estabelecidas numa economia

simbólica:

[...] uma análise interna da estrutura de um sistema de relações simbólicas só

consegue reunir fundamentos sólidos se estiver subordinada a uma análise

sociológica da estrutura do sistema de relações sociais de produção,

circulação e consumo simbólicos onde tais relações são engendradas e onde

se definem as funções sociais que elas cumprem objetivamente em um dado

momento do tempo. (BOURDIEU, 1982, p. 175)

Page 240: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

239

Assim, a produção, em música, envolve questões sobre como a música foi composta,

improvisada ou tocada; que outras atividades estão envolvidas; se a música é resultado do

trabalho individual ou coletivo de profissionais, amadores, adultos ou crianças; e os locais

onde ocorre esta produção.

A distribuição envolve as maneiras pelas quais os bens materiais circulam pela

sociedade, por meio de quem e quem tem acesso ao consumo: como a música alcança a

plateia; como é passada de geração em geração; e quem a transmite.

Com relação ao consumo, ou receptividade quando o gênero é cultural, questiona-se

como estes bens são usados, quem os usa e em que circunstância as pessoas escutam, dançam,

usam-na como som ambiente ou estudam-na; usam-na para trabalho ou distração; compram

gravadas em disco ou impressas em partitura; ouvem em apresentações ao vivo ou a fazem

eles próprios; usam-na em salas de concerto, em suas próprias casas, salões de dança, salas de

aulas, e quem usa e que música nesses distintos tipos de situação (GREEN, 1997, p. 27)?

Quanto ao significado musical, a investigação sobre os significados da música que

determinado grupo social produz, disbribui e consome, quais são estes significados e como

eles são construídos, mantidos e questionados conduziram Green (1997) a considerar dois

aspectos do significado musical, o inerente e o delineado.

O significado inerente lida com as formas através das quais os materiais sonoros (sons

e silêncios) são organizados uns em relação aos outros. É a sintaxe musical, ou o significado

inter e intra-musical: relações de início e fim, repetição, semelhança, diferença, ou qualquer

outra relação pertinente. Tais interrelações estarão imanentes em todas as peças, mas elas

poderão emergir das experiências anteriores do ouvinte, de um número de peças que juntas

formam um estilo, sub-estilo ou gênero.

O significado delineado se refere a conceitos extra-musicais ou conotações que a

música carrega que são sociais, culturais, religiosas, políticas ou de outra ordem. Elas podem

ser delineações coletivas, mas também podem ser individuais e únicas, associadas a um

momento particular da vida de alguma pessoa. Toda música carrega significados delineados

originários não somente do seu contexto de produção, mas também dos contextos de

distribuição e recepção. Nenhuma música pode ser concebida num vácuo social, toda música

que é tida como autônoma carrega a própria noção de autonomia como uma de suas primeiras

delineações.

Green (2006) reforça que a distinção entre os aspecos inerentes e delineados do

significado musical é puramente uma abstração teórica. Quando nos engajamos com a música,

Page 241: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

240

estes dois aspectos do significado são experienciados por nós como um todo. Nós não os

distinguimos, o que faz parecer, por exemplo, que as delineações sejam parte dos significados

inerentes, da própria obra musical. Neste caso, nossas respostas às delineações parecerão

inquestionáveis, imediatas, ou seja, não mediadas pela história e convenção, não construídas,

mas naturais, inquestionáveis e verdadeiras.

Isto colabora para os mitos – ideologia – em torno de uma obra de arte pura, autônoma

e autêntica. Como se a obra de arte (neste caso específico a música) fosse dotada de uma aura,

da forma como sugere Benjamin (1955, p. 3), ―uma figura singular, composta de elementos

espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante por mais perto que ela esteja‖.

Esta aura conferiria, portanto, à música, significados inquestionáveis e verdadeiros e

uma imponência e valores naturais. Tudo isto bastante ligado com a autenticidade, ―o aqui e o

agora‖ (BENJAMIN, 1955, p. 2), características atribuídas à música erudita.

Os aspectos do significado musical propostos por Green (1988, 1997, 2006) vem ao

encontro desta investigação. O habitus conservatorial acaba por inculcar nos indivíduos uma

estética de superioridade da música erudita baseada numa autonomia do contexto social,

desconsiderando delineações, e supervalorizando os significados inerentes a serem estudados.

Os currículos desenhados a partir desta matriz disposicional ao desconsiderar as

delineações, acabam por negar o contexto social do qual a música é um produto. Assim, os

currículos selecionam a música que é considerada obra de arte autêntica, dotada de uma aura

cujo maior valor é a autonomia do contexto social. E não problematizam a organização da

prática musical, negligenciando processos culturais que produzem significados e influenciam

a aproximação entre indivíduos e músicas.

Neste contexto a busca pela compreensão da origem dos problemas ocasionados na

conversão de ideologias próprias do campo artístico musical para o campo educativo a partir

da construção da noção de um habitus conservatorial, torna-se aqui nosso ‗último‘ exercício

na busca das notas finais desta pesquisa.

Para tanto consideramos que os Conservatórios de Música são instituições que atuam

como instâncias de conservação e consagração de obras musicais produzidas, divulgadas e

consumidas de acordo com leis próprias do campo artístico musical – que, no decorrer de sua

história, acabou incorporado nos agentes na forma de um habitus conservatorial.

O campo artístico tem seu processo de autonomização relativa iniciado, para Bourdieu

(1982), a partir dos séculos XVI e XVIII. A vida intelectual e artística começa, neste período,

Page 242: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

241

a se libertar da tutela da aristocracia e da Igreja – ―instâncias de legitimidade externas‖

(BOURDIEU, 1982, p. 100).

Tal fato acompanha o processo em que uma categoria socialmente distinta de artistas

ou de intelectuais e profissionais passa a levar em conta, cada vez mais exclusivamente, as

regras firmadas pela tradição propriamente intelectual e artística herdada do passado; e, além

disso, esta categoria torna-se cada vez mais propensa a liberar sua produção e seus produtos

de toda e qualquer dependência social.

De acordo com Bourdieu:

[...] o processo conducente à produção da arte enquanto tal é correlato à

transformação da relação que os artistas mantêm com os não-artistas e, por

esta via, com os demais artistas, resultando na constituição de um campo

artístico relativamente autônomo e na elaboração concomitante de uma nova

definição da função do artista e de sua arte (BOURDIEU, 1982, p. 101).

A música, entendida (legitimada) como sinônimo de música erudita, é, portanto,

concebida basicamente como ―a‖ expressão de arte ficando restrita, assim, à fruição no campo

estético. No entanto, como nos lembra Ikeda (2007, p. 1), além deste aspecto, o fazer musical

sempre se vinculou às mais variadas práticas, nas próprias comunidades ocidentais, assim

como em outras sociedades, fazendo-se presente nas atividades religiosas, nos momentos

solenes e de exaltação coletiva, no trabalho, na educação, nas expressões dramáticas e

coreográficas, servindo à demarcação identitária de pessoas, grupos e povos, e tantos vínculos

mais.

Ainda que um campo de produção cultural tenha conquistado uma autonomia quase

total em relação às forças e às demandas externas, como no caso das ciências mais puras, este

campo continua passível de uma análise propriamente sociológica. Uma legitimidade cultural

é sempre um arbitrário cultural dissimulado. Não é absolutamente autônomo da esfera social.

A abordagem sociológica torna-se ainda mais necessária quando o ensino da música é

levado – junto com todas as suas ideologias e seus habitus inculcados – para o interior das

escolas regulares. Dito de outra forma, quando o conservatório deixa de ser uma instituição de

conservação e consagração do campo artístico musical e passa a integrar o campo educativo.

Nesse sentido, ensinar música nas escolas é permitir o acesso de todos às

ideologicamente consideradas ―grandes obras musicais da humanidade‖, com vistas a uma

civilização e a um refinamento do gosto? Ou conduzir todos à compreensão das práticas

Page 243: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

242

musicais enquanto práticas sociais, propiciando, desta forma, uma compreensão do lugar que

os indivíduos ocupam nestas mesmas práticas e também no mundo?

Ainda sem arriscar uma resposta definitiva, e para iluminar um pouco mais o debate,

retomemos a questão dos significados musicais.

Os dois tipos de significado musical não coexistem em níveis idênticos, e nem sempre

estamos conscientes de ambos, ou ainda de algum deles. Segundo Green (1997, p. 29), ―é a

habilidade própria de cada um dos significados de se tornar obscuro que tem causado, até

certo ponto, toda discussão e desentendimento sobre música‖.

Nesta perspectiva, por meio de um exercício que envolve a compreensão de respostas

extremadas para cada aspecto dos significados musicais, Green aponta três aspectos que

delineiam o envolvimento com a música: a ambiguidade, alienação e celebração.

Com relação ao significado inerente, é possível obter respostas altamente afirmativas

quando estamos familiarizados com um estilo, ou determinada peça, cuja audição nos é

confortável e segura. Num outro extremo, quando não compreendemos nada, não estamos

familiarizados com o estilo, há o que a autora nomeia de repulsa. Já uma resposta afirmativa

ao significado delineado, ocorre quando nos identificamos com o sentimento expresso, que

nos apoia socialmente; quando nos identificamos com a música por que ela delineia a nossa

classe social, nossas vestes, nossos valores políticos, ou qualquer outra coisa. A resposta

negativa, contudo, ocorre quando percebemos que a música representa outros valores, sociais

ou políticos, dos quais discordamos, ou grupos sociais dos quais não pertencemos.

A ―celebração‖ ocorre quando experimentamos uma afirmação positiva oriunda de

ambos aspectos do significado musical, inerente e delineado. De maneira oposta, ocorre

―alienação‖ quando obtemos uma resposta negativa dos mesmos.

Quando há contradição entre as respostas oriundas de cada um dos aspectos do

significado musical, a sensação é de ―ambiguidade‖. Para Green (1997), não apenas nossas

respostas aos significados inerentes e delienados podem ser conflitantes, como também uma

pode suplantar e influenciar a outra:

Se por um lado possuímos delineações negativas para uma música, muito

dificilmente estaremos susceptíveis às afirmações dos seus significados

inerentes; e em alguns casos, predispostos a não nos familiarizarmos,

impossibilitando que a afirmação dos significados inerentes aconteça. (...)

Por outro lado, se não estamos familiarizados com um estilo de música, e

desse modo não-receptivo aos seus significados inerentes, estaremos também

predispostos a responder negativamente às suas delineações. (GREEN, 1997,

p. 32)

Page 244: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

243

Nesta perspectiva, o estudo da música erudita acaba por objetivar a celebração por

meio da compreensão dos significados inerentes de seu estudo sistematizado, gerando,

portanto, uma resposta afirmativa; ao mesmo tempo em que as delineações são cerceadas pela

idéia de autonomia (sendo ela própria, como Green mesmo nos mostra, uma delineação

primária) – meio pelo qual espera-se respostas afirmativas também quanto à participação em

uma atividade dotada de elevado valor estético e artístico.

Entretanto, não é isto que ocorre, pois os alunos já ingressam na universidade com

delineações bastante negativas em relação à música erudita: este tipo de música geralmente

não está presente em seu cotidiano, é sempre relacionada a algo chato e cansativo –

delineações ligadas a repostas negativas à não compreensão dos significados inerentes desta

música (cf. GREEN, 2006). Neste sentido, as delineações negativas conduzem a uma reação

de rejeição do estudo dos significados inerentes, o que acaba por gerar alienação.

E esta alienação acaba por ser reproduzida nas escolas regulares, pois os professores

formados por currículos influenciados por um habitus conservatorial acabam por perpetuar

estas relações entre indivíduos e os significados musicais.

Mas, a solução para isso é alterar a música oficial selecionada? Ao refletir sobre os

currículos das licenciaturas em música, precisamos nos perguntar: de que música estamos

falando? Ou melhor ainda, estamos falando da mesma música?

Música passa a ter um caráter polissêmico, como também ocorre com o conceito de

cultura. Ao tomarmos como pressuposto o conceito de cultura proposto por Williams (1992)

que a define como produtos e processos que impõem significado às práticas humanas,

consequentemente passamos a compreender que na palavra ―música‖ estão compreendidos

produtos e processos diversificados.

Entretanto, como observado na análise histórica e curricular realizada na presente

investigação, apenas um produto musical tem sido selecionado como oficial e,

consequentemente, o currículo é estruturado a partir de processos imanentes a este produto: a

música erudita.

Como procuramos demonstrar ao longo desta pesquisa , esta seleção é orientada pelo

habitus conservatorial entendido como uma ideologia própria do campo artístico que foi

incorporada nos agentes que passaram a atuar no campo educativo. Esta ideologia baseia-se

na superioridade da música erudita, ligada a uma suposta autonomia, a um vácuo social que,

contudo, não existe.

Page 245: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

244

Bourdieu e Darbel (2003) tratam desta interrelação entre os campos artístico e

educativo ao discutir a formação da competência artística e, de acordo com eles, os

mecanismos que agem no interior do sistema de ensino (em geral) para a exclusão e a

seletividade são os mesmos que agem no campo artístico, pois se trata de uma única e mesma

questão, o acesso a uma cultura erudita, formal, que não é dado a todos na sociedade.

A seleção curricular operada nas escolas pressupõe experiências culturais prévias,

trazidas pelos alunos de sua vivência familiar e cotidiana. Ao legitimar a música erudita –

ainda que com a intenção de democratizar o acesso a este tipo de música – a escola,

pressupondo uma familiaridade anterior, não oferece meios de compreensão desta música

(não democratizando, portanto, o acesso), meios de aproximação dos seus significados

inerentes, fortalecendo, desta forma, as delineações negativas e afastando ainda mais os

indivíduos das manifestações musicais eruditas.

O currículo orientado pelo habitus conservatorial faz da música erudita a única

referência, privilegiando e trabalhando apenas com seus significados inerentes. Tagg (2011),

num viés mais próximo da semiótica, afirma que a institucionalização do conhecimento

musical trata mais (se não apenas) de elementos poiéticos – ligados à produção musical – que

estésicos – ligados à recepção. Privilegia-se, portanto, apenas um aspecto da organização da

prática social da música, o que confere ao ensino um caráter bastante parcial e limitado.

Este autor, ainda nos mostra que uma competência poiética da música como

conhecimento – ou seja, a criação, concepção, produção, composição, arranjo, performance

etc. – é aprendido nos conservatórios e escolas de música. O conhecimento metamusical – que

corresponderia à teoria musical, análise, identificação e nomeação de elementos e padrões da

estrutura musical – é trabalhado amplamente nos departamentos de musicologia e também nos

conservatórios e escolas de música. Os departamentos de ciências sociais, por sua vez,

tratariam do metadiscurso contextual, ou seja, da explicação de como as práticas musicais se

relacionam com a cultura e a sociedade, incluindo abordagens da semiótica, acústica,

negócios em música, psicologia, sociologia, antropologia, estudos culturais.

Nenhum lugar, todavia, cuida de uma competência estésica, isto é, lembrança,

reconhecimento, distinção de sons musicais, assim como suas conotações e funções

culturalmente específicas. Esta, que seria ―a mais popular forma de competência musical‖

(TAGG, 2011, p. 10), está geralmente ausente das instituições de ensino. Dessa forma, para o

autor, a competência estésica parece ser um assunto extracurricular e não acadêmico.

Page 246: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

245

Green (1988, 1997, 2006) e Tagg (2011) estão praticamente construindo um mesmo

lugar de análise, qual seja, uma educação musical abrangente e socialmente significativa

deveria levar em consideração todos os aspectos da organização da prática musical (produção,

distribuição e consumo), bem como todos os aspectos do significado musical. Se quisermos

fazer da educação musical uma celebração, ou, de acordo com Tagg (2011, p. 10):

[...] se pensamos que a todas as pessoas deveria ser dado o direito de

entender como a música afeta suas ideias, atitudes e comportamento, e se

seguirmos as diretrizes educacionais básicas que dizem que os processos de

aprendizagem são mais efetivos quando calcados na experiência de nossos

alunos, então deveríamos incluir e utilizar sua ampla competência estésica

no nosso ensino de música.

As diretrizes curriculares nacionais falam de contextualizar, mas como fazê-lo se

assumimos que a música é boa por ser autônoma?Ao contextualizar o conhecimento musical

acabamos por nos confrontar com outro tipo de música presente no cotidiano da sociedade.

Uma música que é geralmente definida em oposição à erudita: a música popular. Mas como

definir ―música popular‖ e como incluí-la nos processos educativos musicais?

―Popular‖ confere à música uma relação de proximidade com o conceito de ―povo‖.

Mas, quem é o ―povo‖? Burke (2008) considera esta questão interrogando-se se o povo são

todos ou apenas quem não é da elite, alertando para o fato de que corremos sempre o risco de

cair numa homogeneização dos excluídos. Assim, pondera que talvez a melhor política seja

empregar os dois termos sem tornar muito rígida a oposição binária, colocando tanto o erudito

e o popular em uma estrutura mais ampla.

Canclini (2011) define o popular como o excluído:

[...] aqueles que não têm patrimônio ou não conseguem que ele seja

reconhecido e conservado; os artesãos que não chegam a ser artistas, a

individualizar-se, nem a participar do mercado de bens simbólicos

―legítimos‖; os espectadores dos meios massivos que ficam de fora das

universidades e dos museus, ―incapazes‖ de ler e olhar a alta cultura porque

desconhecem a história dos saberes e estilos. (p. 205, grifos no original)

Nesta mesma direção, Tinhorão (2006, p. 165) afirma que ―Como tudo o que envolve

o conceito genérico de povo, a expressão música popular tem-se prestado, nos últimos

duzentos anos, às mais desvairadas qualificações‖.

Page 247: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

246

Segundo esse autor, a música popular estaria ligada à idéia da existência de ―tradições

populares‖ paralelas à produção de cultura erudita ou oficial. Estas ―tradições populares‖

seriam as crenças, artes ou criações literário-musicais emanadas do chamado povo –

identificado como a gente das camadas baixas da população.

Em 1846, William John Thomas cunhou a palavra folklore, para se referir à existência

de um saber popular em evolução. Este folklore corresponderia ao testemunho de antigas

tradições ou às formas de saber espontâneo e vivo: heranças culturais encontradas entre o

povo que seriam estudadas pelos ―homens doutos da cidade como fenômenos ligados apenas à

gente do mundo rural‖ (TINHORÃO, 2006, p. 165).

Entretanto, com o aparecimento das modernas cidades contemporâneas do capitalismo

comercial e da produção manufatureira, a partir do século XVI, à existência de uma dualidade

de universos culturais (universo da gente do mundo rural x universo do moderno mundo

urbano) corresponderia não uma, mas duas músicas típicas do povo. Assim, Tinhorão (2006)

informa que, após a segunda guerra mundial, em meados do século XX, os temas de cultura

urbana começaram a merecer também a atenção dos estudiosos.

A música popular própria da gente rural estaria ligada às suas práticas coletivas de

vida, ao passo que a música popular urbana refletiria as regras de um individualismo burguês,

exemplificada na canção a solo, com acompanhamento pelo próprio intérprete.

A música folclórica sempre esteve presente nos processos de educação musical – em

especial àqueles direcionados à iniciação musical infantil. Várias metodologias ativas (Orff,

Kodály, e Villa-Lobos, no Brasil) debruçaram-se sobre o repertório folclórico na promoção de

vivências corporais dos parâmetros musicais. Há que se ter cautela, entretanto, para não

cairmos em um ―folclorismo‖ (PENNA, 2008, p. 96) no trabalho com a música popular

folclórica. Por ―folclorismo‖, se entende o congelamento e a fixação das práticas culturais, na

medida em que se trabalha com a idéia do ―típico‖, negando o dinamismo da cultura e caindo,

muitas vezes, em estereótipos. É preciso, pelo contrário, enfatizar o caráter vivo das práticas

culturais e artísticas, sem, mais uma vez, desconectá-las de seu contexto sócio-cultural.

Além disso, como o processo educativo é moldado por um habitus conservatorial, o

folclore acaba por tornar-se apenas um produto a ser tratado a partir de processos musicais

dominantes – os processos eruditos. Por exemplo, se tomarmos o trabalho de Villa-Lobos

com o material folclórico em seu Guia Prático para o Canto Orfeônico, será fácil observar

uma eruditização do popular, ou seja, ao material folclórico foi conferido um tratamento

erudito, legitimando-o e autorizando-o como música escolar. A música folclórica não foi

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247

trabalhada em sua essência, com seus processos; mas apenas como produto a serviço da

ideologia musical estabelecida.

Por outro lado, a música popular urbana se aproxima da discussão sobre as influências

da indústria cultural, problematizando a sua apropriação nos processos educativos.

Tinhorão (2006, p. 169) nos mostra que desde o seu início a música popular urbana

esteve ligada aos processos técnicos de produção e divulgação, o que a transformava desde

logo em um produto vendável.

Este tipo de música ligou-se à democratização da imprensa, fato que pode ser

observado na publicação de folhetos vendidos nas ruas pelos cegos, que difundiam, em letras

de forma, os versos das cantigas que ora surgiam. Seguiram-se a isto o comércio de livretos,

partituras, rolos de pianola, discos perfurados, discos de gravação mecânica e elétrica, filmes

com som de leitura ótica, gravações em fios e fitas cassete, videotapes e em variados suportes

de CD de áudio e vídeo.

Alcançado este último estágio de música transformada em produto industrial

sonoro destinado ao lazer, não apenas se caracteriza definitivamente esta

música popular como criação típica da gente citadina, mas fica explicada

também a tendência à globalização dos próprios gêneros musicais lançados

sob seu influxo, como resultado necessário da alta concentração de capitais

na área da sofisticada tecnologia de sua produção. No plano cultural geral, é

claro, a conseqüência só pode ser o distanciamento cada vez maior entre as

duas músicas populares, acrescida da tendência ao progressivo sufocamento

dos sons regionais, por influência do modelo imposto pelos grandes centros

no processo de urbanização. (TINHORÃO, 2006, p. 169)

Isto acabou por conduzir à chegada de um tempo em que tal produto cultural da gente

das cidades, deixando de reger-se pelas leis da criação artística, passa a reger-se apenas pelas

leis do mercado.

A possibilidade de gravação dos sons a partir da invenção de Thomas Alva Edison

aprofundou as relações da música popular (agora como produto declarado da indústria

cultural) com os novos meios sempre renovados da difusão de sons. Da invenção do disco,

seguiu-se um vertiginoso avanço na difusão dos sons, culminando com o rádio e a TV que

exacerbaram o processo de mediação entre música popular, enquanto criação artística e seus

suportes materiais, enquanto produção industrial.

A música popular urbana passa a se caracterizar como produto de lazer e recreação

urbanos, próprio do cotidiano das pessoas e distante dos currículos escolares. A música do

povo rural, por sua vez, mantém-se presa a um modo de transmissão oral, tradicional,

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248

obedecendo a mecanismos próprios, ligados a processos de evolução sócio-cultural-religiosos

particulares de cada região. Esta última música continua, como dantes, a ser objeto de

investigação dos homens doutos das (univer)cidades, principalmente na área da

etnomusicologia; enquanto que a primeira vai ocupando também um lugar de interesse

acadêmico principalmente a partir da segunda metade do século XX.

Apresentam-se questões estéticas determinantes na (não) seleção curricular da música

popular urbana: ela seria destituída de valor, uma vez que própria da cultura massificada e

homogeneizadora.

Retomando a idéia de aura sugerida por Benjamin (1955), a ―reprodutibilidade

técnica‖ influencia na autenticidade da obra de arte, no seu ―aqui e agora‖, destituindo,

atrofiando a aura da obra de arte massificada. Como o autor mesmo coloca, ―mesmo na

reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora da obra de arte, sua

existência única, no lugar em que ela se encontra‖ (BENJAMIN, 1955, p. 2).

Sem esta aura de superioridade, esta música de massa influenciada pela evolução

tecnológica é destituída de valor e é considerada, portanto, indigna de figurar nos planos de

estudo. Questiona-se, inclusive, se estas músicas são realmente obras de arte, ou se passam a

ser apenas produtos descartáveis de consumo.

Bourdieu (1982) ao estudar o campo artístico identifica dois modos de produção de

bens simbólicos: o modo de produção erudita e a indústria cultural. É interessante ressaltar

que o autor não trata do modo de produção próprio do povo, uma vez que este sequer é

cogitado como obra de arte, mas como produto de práticas mais sociais do que artísticas. O

autor foca suas reflexões na oposição e na luta entre a produção erudita e a produção

massificada da indústria cultural.

O campo de produção erudita é, para Bourdieu (1982, p. 105), o sistema que produz

bens culturais (e os instrumentos de apropriação destes bens) objetivamente destinados (ao

menos a curto prazo) a um público de produtores de bens culturais que também produzem

para produtores de bens culturais. De outro lado, o campo da indústria cultural seria

especificamente organizado com vistas à produção de bens culturais destinados a não-

produtores de bens culturais (―o grande público‖) que podem ser recrutados tanto nas frações

não-intelectuais das classes dominantes (―o público cultivado‖) como nas demais classes

sociais.

O sistema da indústria cultural sujeita-se à lei da concorrência para a conquista do

maior mercado possível, enquanto que o campo da produção erudita tende a produzir ele

Page 250: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

249

mesmo suas normas de produção e os critérios de avaliação de seus produtos, e obedece à lei

fundamental da concorrência pelo reconhecimento propriamente cultural concedido pelo

grupo de pares que são, ao mesmo tempo, clientes privilegiados e concorrentes.

Reafirma-se, portanto, que os produtos da indústria cultural não são autônomos e,

portanto, são destituídos de valor. Além disso, esta desclassificação pode ser legitimada

quando se aplicam a estes produtos os critérios de avaliação próprios da produção musical

erudita, hegemônicos no campo artístico.

Além disso, como consequência da evolução tecnológica, a música internacional

começa a influenciar sobremaneira a música nacional e assistimos a uma invasão cultural,

expressão que remete desde logo para uma idéia de luta e de poder: ―alguém baseado na

superioridade de sua força penetra em território alheio, e aí se estabelece, originando a

consequente realidade da existência de um dominador e um dominado‖ (TINHORÃO, 2006,

p. 183).

É interessante ressaltar que a indústria cultural aliada à globalização, acaba por buscar

uma homogeneização estética da música urbana, traindo, portanto a autenticidade tão cara às

obras de arte. E é importante reforçar que não é uma ―mundialização‖, como se refere Ortiz

(2000, p. 7) que transcende ―os grupos as classes sociais e as nações‖. Curiosamente, a

chamada globalização que prevê a universalização através da adoção, pela indústria cultural,

de padrões médios alheios ao regional, legitima o inglês como língua oficial e propõe como

gêneros universais os oriundos sempre da cultura do país que fala esta mesma língua.

Enquanto produto comercial dependente de suportes criados pela tecnologia da área da

eletroeletrônica, a música oficial urbana será aquela que tiver uma ligação estreita com as

nações expoentes nesta tecnologia transformando-se em simples matéria-prima na

diversificada produção da indústria do lazer.

[...] quem tiver o maior poder de colocar no mercado mundial as suas ofertas

culturais terá, automaticamente, o poder de determinar quais gêneros ou

estilos deverão figurar como ―o novo‖, ―a moda‖, ―o atual‖. E, naturalmente,

se se tratar de música com letra, a própria língua em que será cantada.

(TINHORÃO, 2006, p. 185)

Esta homogeneização de gostos acaba por afastar ainda mais este tipo de música dos

currículos escolares, posto tratar-se de cultura de massa, disponível no dia-a-dia dos alunos e,

portanto, dispensável de figurar como tema de estudo. Voltamos novamente a questões de

ideologia, estética, formação de gosto e distinção.

Page 251: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

250

A classe média encontra-se favoravelmente aberta a tudo o que aparece com a

chancela de novo, moderno e atual, passando automaticamente a considerar estes produtos

como bons e desejáveis. Penna (2008, p. 89) comenta que os bens culturais tornaram-se

mercadorias e, assim, no caso da música, encontramos a repetição de fórmulas

composicionais, com pequenas variações para configurar uma novidade, mas uma novidade

que possa ser reconhecida como familiar, compreensível e significativa, e ao mesmo tempo,

―suficientemente ‗nova‘ para levar à compra do atual ‗sucesso das paradas‘‖.

É desta forma que a indústria cultural, que se dirige às camadas da população com

algum poder aquisitivo, acaba por naturalizar os processos ideológicos que envolvem a

difusão dos produtos culturais de massa.

Esta idéia de cultura de massa acabou por disseminar uma seletiva interpretação do

que é e não é importante para a história da música – e, mais além, para os currículos escolares.

A produção em massa é colocada em oposição à ―verdadeira arte‖. Apesar do conceito de

indústria cultural, pensado por Adorno, ser construído tendo como referência a superioridade

da música erudita (imbuído de um habitus conservatorial), é forçoso reconhecer que a própria

música erudita não passa ao largo desta indústria cultural.

Concordamos com Penna (2008, p. 89) quando esta afirma que embora sejam bem-

vindos estudos críticos sobre a indústria cultural, ―criar uma polarização entre ela e uma arte

dita ―verdadeira‖ ou ―superior‖ é uma atitude reducionista e improdutiva, que desconsidera,

inclusive o próprio processo histórico que cerca a produção artística‖.

Desta forma, ainda que a música popular urbana esteja imersa em processos também

ideológicos e que envolvem massificação e homogeneização de gostos e estilos de vida, não é

cabível negá-la ou excluí-la dos processos educativos, uma vez que esta música está presente

no cotidiano de praticamente todos os cidadãos brasileiros. Seria mais produtivo, portanto,

trabalhar a partir da realidade dos alunos e procurar desenvolver o seu senso crítico, tendo

como objetivo uma mudança na experiência de vida e, especialmente, na forma de se

relacionar com a música e com a arte no cotidiano.

Todavia, o fato é que, apesar disso, a elite – que detém o poder de seleção curricular e

de legitimação da cultura oficial – rechaça os produtos da cultura de massa a partir da

construção de pressupostos estéticos supostamente neutros – autônomos, autênticos –, que

validam a música erudita.

Ikeda (2007, p. 8) ressalta que, mesmo em sociedades não européias, o

estabelecimento de grupos de elite sempre estimulou práticas musicais exclusivas e distintas,

Page 252: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

251

diferenciadas dos demais setores, que foram impostas de forma hegemônica, como

paradigmas do fazer artístico exemplar. Refletindo, desta forma, questões de poder, capitais

em disputa num campo de lutas.

Torna-se fundante para a luta no interior do campo estabelecer parâmetros que

valorizem determinado capital. Aqueles em posição dominante definem, desta forma, o que é

ou não obra de arte; o que conta e o que não conta como música.

Regelski (2007, p. 3) afirma que a teoria da atitude estética substituiu a "beleza" pela

noção de "objeto estético‖, o que foi mais um caso de institucionalização da prática sócio-

musical da classe alta do Iluminismo do que uma imposição de critérios estéticos.

O ideal da Ilustração foi o homem galante, universalmente culto. A teoria da música

estava preocupada em permitir às pessoas educadas formar seus gostos, entender os termos

teóricos, com a finalidade de discutir sobre música com entendimento.

Essa neutralidade de pressupostos estéticos, perpetuada até hoje por meio da

incorporação do habitus conservatorial, é própria da tentativa modernista de criação de uma

cultura universal , ou mesmo do culto à aura sobrenatural das obras de arte.

No século XIX, se cunha, pela primeira vez, a expressão ―a arte pela arte‖, que

permitirá a sua legitimação institucional – afastando, portanto, todas as formas de arte

―maculadas‖ pela indústria cultural e por quaisquer outros fatores que corrompam a sua

autonomia.

A estética musical legítima é objeto de distinção, o que fica claro nas palavras de

Debussy (apud SCOTT, 1990, p. 388): ―a arte não é absolutamente para o uso das massas‖; e

de Schoenberg (apud SCOTT, 1990, p. 388): ―Se é arte, não é para todos, e se é para todos,

não é arte‖.

Muitos ignoram convenientemente o fato histórico de que mesmo tão tarde como no

período clássico as pessoas conversavam, se moviam, mantinham relações sociais durante os

concerto63

. A etiqueta dos concertos públicos tal e qual conhecemos hoje – que envolvem

características como permanecer quieto e em silêncio, concentrando-se apenas na música – foi

sendo incorporada pouco a pouco entre o mundo dos intérpretes profissionais. E não chegou a

ser institucionalizada até depois da metade do século XIX, quando os concertos públicos de

amadores foram suplantados por grupos profissionais e virtuoses. O paradigma da ―percepção

desinteressada‖ é, portanto, algo socialmente construído. Sua objetivação e prática é o

______________ 63

Cf. Regelsky (2007).

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252

resultado de processos históricos e não uma condição de critério estético (REGELSKI, 2007,

p. 5).

Forja-se, desta maneira, o sentido de que apenas uma resposta analítica conta como

compreensão da música enquanto obra de arte. Concordamos com Regelsky (2007) que isto

acaba por criar uma compreensão equivocada de que atender esteticamente à música é apenas

uma ação analítica, isto é, que o grau de profundidade do significado musical ou profundidade

estética é proporcional ao grau de claridade racional da análise. Assim, a melodia, harmonia,

ritmo, métrica, timbre, forma, são tomados como elementos independentes, autônomos, e cujo

conhecimento e percepção se propõem como necessários para uma resposta estética

inteligente.

A ideologia estética da arte legitimou-a como uma busca cujos objetivos são a

erudição e o elitismo – a distinção; e, portanto, a sacralização da cultura. Mas a

institucionalização da arte assegurou também a sua separação da vida (REGELSKI, 2007, p.

6).

Neste sentido, mais uma vez a música étnica e a música popular urbana são

desvalorizadas porque são populares e porque podem ser compartilhadas sem a necessidade

de condicionamentos intelectuais. Como ―bela arte‖, a música erudita é dirigida

especificamente à apreciação estética desinteressada e requer o gosto cultivado e a

compreensão do conhecedor, justificando a sua posição privilegiada nos currículos e,

consequentemente, a exclusão dos demais tipos de música desvalorizados.

Preocupa-nos não somente a exclusão das ―outras‖ músicas, mas a assimilação destas

músicas em processos eruditos já curricularizados – que tenderão, naturalmente, a

desvalorizá-las no interior da escola.

O habitus conservatorial garante aos currículos uma forma própria para o estudo da

música erudita ocidental que não é aplicável às músicas populares e étnicas – e até mesmo às

formas eruditas de música não ocidental. O trabalho com a cultura passa a lidar com produtos,

no plural, mas não com a pluralidade necessária de processos.

É mister, portanto, conscientizar-se de que os critérios de seleção curricular se

orientam por um habitus que privilegia apenas uma estética pretensamente autônoma que se

baseia apenas em significados inerentes da música erudita.

A inserção da música popular nos currículos acaba por levar consigo delineações

negativas dos professores com relação a esta música e a influenciar os alunos negativamente

ao submetê-la a uma forma de análise que não lhe é cabível. Nas palavras de Green (1988, p.

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253

57), ―[...] a música Pop, tendo sido relegada por longo tempo aos currículos menos sérios, não

comunicou facilmente sua própria importância educacional e não delineou um valor

intrínseco‖. Em alguns casos, os professores encaram o trabalho com a música popular como

um descanso do trabalho sério, ou, ainda, um ponto de contato com alunos menos motivados

musicalmente.

O valor delineado negativamente à música popular deve-se à negligência a suas

peculiaridades: não se pode aplicar a este tipo de música os mecanismos de estudo da música

erudita. Assim, o significado inerente da música popular passa a gerar uma resposta negativa

que, aliada às delineações já negativas acabará por resultar também em alienação.

Shepherd (1982) comenta que muitas vezes a análise da música popular preocupa-se

mais com a sociologia do que com a música. Desta forma, existe uma tentação de se analisar a

letra ao invés da música: as palavras podem ser reproduzidas e comentadas com relativa

facilidade e as rimas são mais bem compreendidas do que acordes.

Muitas vezes corremos este risco ao assumir a música popular apenas como mais um

produto: não a analisamos como música, não nos preocupamos com seus próprios

significados inerentes, mas nos concentramos em outros aspectos – mais próximos dos

significados delineados. É necessária, portanto, uma preocupação com significados inerentes

que sejam próprios da música popular (que não necessariamente correspondem aos

significados inerentes da música erudita) além de suas delineações, também importantes neste

processo.

Green (2006), Tagg (2011) e Shepherd (1982) estão de acordo no que diz respeito à

necessidade de uma sociologia – e processos de trabalho, estudo e ensino – cujas categorias

de análise sejam mais amplamente aplicáveis, desenhadas, numa primeira instância, de

categorias imanentes às próprias obras. Isso quer dizer que os processos próprios da música

erudita, a terminologia desenvolvida pela musicologia tradicional, não têm evoluído com a

finalidade de analisar a música popular em termos de categorias imanentes à própria música

popular.

Chega-se ao extremo de, como Green (2006) pode observar em suas pesquisas, a

música popular deixar de ser considerada popular por ter sido introduzida na escola. Neste

caso, alerta-nos a autora: a familiaridade dos alunos com a música de massa não é suficiente

para se engendrar uma experiência positiva em sala de aula.

Logo, depreende-se que não basta apenas inserir outro tipo de produto no trabalho

músico-educativo, mas é fundamental aproximar-se de novos processos.

Page 255: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

254

Ao ignorar os processos próprios da música popular, a sua inclusão nas práticas

educativas será insatisfatória, e provocará até mesmo um distanciamento dos alunos das

músicas que eles mesmos gostam .

Estas características dos processos informais de educação encontram severas

resistências ao adentrarem o espaço escolar. O enquadramento fraco destas práticas destoa do

controle que está nas mãos do professor – o mestre que é um exímio conhecedor de sua arte.

Ao tratar a música popular de maneira adequada, respeitando as suas próprias

necessidades, ligadas a práticas informais, obteremos uma resposta mais positiva com relação

aos significados inerentes deste tipo de música. O contrário do que é feito hoje quando se trata

a música popular a partir da pedagogia tradicional.

Green (2006) vai ainda mais longe, ao sugerir que estas práticas informais, quando

aplicadas no ensino da música erudita, acaba por aproximar os alunos deste tipo de música,

pois os libertam – ainda que momentaneamente – das delineações negativas que eles já trazem

consigo. Neste sentido, pressupostos negativos sobre a música erudita (velha e chata, por

exemplo) tornam-se mais fáceis de serem superados. As delineações são explicitadas como

contingências históricas, mais do que como partes fixas e imutáveis do significado musical.

Assim novas delineações tornam-se possíveis.

Segundo a autora, no caso da música popular – à qual os alunos já estão mais

inclinados – os significados inerentes tornam-se, por meio dos processos informais de

aprendizagem, mais facilmente disponíveis. As delineações não se afetam pelas chateações

típicas do ensino formal, da análise musical tradicional, mas acabam por estarem mais

próximas da realidade extra-escolar.

Já com relação ao trabalho com os significados inerentes da música erudita através das

práticas informais de aprendizagem, muitos alunos podem experenciar mudanças positivas em

suas respostas musicais – tanto inerentes quando delineadas.

Esta perspectiva levantada por Green (2006) vem reforçar que o ensino tradicional de

música está excessivamente relacionado com o produto, e pouco com o processo do fazer

musical.

Isto não significa abdicar dos processos e produtos tradicionalmente partícipes dos

currículos tradicionais. Significa apenas que ―uma vez que os ouvidos foram abertos, eles

podem ouvir mais e melhor. Quando eles ouvem mais, eles apreciam e compreendem mais‖

(GREEN, 2006, p. 115). Neste sentido, nós possibilitamos não somente respostas mais

Page 256: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

255

saudáveis somente à música, mas também aos significados sociais, culturais, políticos e

ideológicos que a música traz consigo.

Mas, para estarmos abertos a estas possibilidades é necessário conscientizarmo-nos de

que nossas percepções e ações são guiadas pela nossa história incorporada, em maior ou

menor grau.

Ao considerar a música popular (com seus significados inerentes e delineados) como

possibilidade de conhecimento escolar oficial, podemos evitar a violência simbólica e o

arbitrário cultural. Mais do que isso, conduzimos os alunos a uma celebração, a uma

participação consciente nos processos musicais. Do contrário, fortalecendo o habitus

conservatorial, estaremos cumprindo nossa tarefa de alienar os cidadãos, afogando-os em

ideologias de superioridade e privando-os da liberdade de decisão e crítica, de uma verdadeira

distinção.

A questão que se coloca é: a licenciatura em música não pode reger-se exclusivamente

por nomos próprios do campo artístico. Nomos que definem as regras para uma música ser

considerada obra de arte e, portanto, automaticamente autorizadas a figurar nos currículos. A

licenciatura em música deve orientar-se por uma função social da música, de aproximação

entre indivíduos e músicas, de compreensão de suas próprias práticas musicais como práticas

sociais.

Se a música popular massificada é ou não obra de arte, detém ou não uma aura de

autenticidade e valor, não deveria ser o que mais importa para a seleção curricular das

licenciaturas em música. Por outro lado, parece-me ser mais importante instrumentalizar as

pessoas para emitir seus próprios juízos de valor, emancipados de ideologias preconceituosas,

pretensamente a-sociais, essas sim homogeneizantes, massificadoras e alienantes.

Page 257: Ensino de Superior e as Licenciaturas Em

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