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Ensino de literatura no Brasil letramento, história e documentos norteadores Mayra Geovana da Costa Bonetti (UEM) Resumo: O presente artigo tem como objetivo discutir as mudanças no ensino de literatura no Brasil durante o século XX e início do século XXI e como se propõe seu estudo na contemporaneidade. Para tanto, analisar-se-ão os documentos norteadores para o ensino de português e literatura no Ensino Médio a nível nacional (Parâmetros Curriculares Nacionais, Parâmetros Curriculares Nacionais + e Orientações Curriculares Educacionais para o Ensino Médio) a partir da perspectiva dos conceitos de leitura literária e letramento literário. Objetiva- se, também, verificar a existência de documentos estaduais nas regiões Sul e Sudeste do país de modo a compará-los com a documentação nacional e averiguar quais suas propostas em relação ao ensino da literatura e se estes são coerentes com as perspectivas de leitura literária e ensino propostos por teóricos das áreas, tais como Hansen (2005), Zilberman (1999; 2010), Kleimann, (2004) e Paulino (2008). Palavras-chave: Ensino de literatura; leitura literária; letramento. Resumen: El presente artículo tiene como objetivo discutir los cambios en la enseñanza de literatura en Brasil durante el siglo XX e inicio del siglo XXI y cómo se propone su estudio en la contemporaneidad. Para esto, se analizarán los documentos orientadores para la enseñanza de portugués y literatura en la Enseñanza Media a nivel nacional (Parâmetros Curriculares Nacionais, Parâmetros Curriculares Nacionales + y Orientações Curriculares Educacionais para o Ensino Médio) a partir de la perspectiva de los conceptos de lectura literaria y letramento literario. Se pretende también verificar la existencia de documentos estaduales en las regiones Sur y Sudeste del país para compararlos con la documentación nacional y averiguar cuáles sus propuestas en relación a la enseñanza de la literatura y si éstos son coherentes con las perspectivas de lectura literaria y enseñanza propuestos por teóricos de las áreas, tales como Hansen (2005), Zilberman (1999; 2010), Kleimann, (2004) y Paulino (2008). Palavras-chave: Enseñanza de literatura; lectura literaria; letramento. Introdução De seletas aos Parâmetros Curriculares Nacionais, o ensino da literatura nas escolas de ensino médio passou por grandes mudanças, ao mesmo tempo em que na prática escolar poucas mudanças sejam perceptíveis. A princípio, as obras literárias eram compostas por compilações com trechos de obras (quase sempre portuguesas) e lidas com o intuito de ensinar aos educandos a arte da retórica e do ler bem. Hoje em dia, estão presentes nas escolas livros didáticos também com trechos de obras consideradas canônicas. Nos últimos dois séculos, houve a promulgação de leis regulamentadoras do ensino básico e a uniformização dos conteúdos escolares. Neste contexto, no início do século XXI, surgem documentos complementares à LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), como os Parâmetros Curriculares Nacionais, Parâmetros Curriculares Nacionais + Ensino

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Page 1: Ensino de literatura no Brasil letramento, história e ... · Magda Soares, por sua vez, define o letramento como “o estado ou condição de indivíduos ou de grupos sociais de

Ensino de literatura no Brasil – letramento, história e documentos norteadores

Mayra Geovana da Costa Bonetti (UEM)

Resumo: O presente artigo tem como objetivo discutir as mudanças no ensino de literatura no

Brasil durante o século XX e início do século XXI e como se propõe seu estudo na

contemporaneidade. Para tanto, analisar-se-ão os documentos norteadores para o ensino de

português e literatura no Ensino Médio a nível nacional (Parâmetros Curriculares Nacionais,

Parâmetros Curriculares Nacionais + e Orientações Curriculares Educacionais para o Ensino

Médio) a partir da perspectiva dos conceitos de leitura literária e letramento literário. Objetiva-

se, também, verificar a existência de documentos estaduais nas regiões Sul e Sudeste do país

de modo a compará-los com a documentação nacional e averiguar quais suas propostas em

relação ao ensino da literatura e se estes são coerentes com as perspectivas de leitura literária

e ensino propostos por teóricos das áreas, tais como Hansen (2005), Zilberman (1999; 2010),

Kleimann, (2004) e Paulino (2008).

Palavras-chave: Ensino de literatura; leitura literária; letramento.

Resumen: El presente artículo tiene como objetivo discutir los cambios en la enseñanza de

literatura en Brasil durante el siglo XX e inicio del siglo XXI y cómo se propone su estudio en

la contemporaneidad. Para esto, se analizarán los documentos orientadores para la enseñanza

de portugués y literatura en la Enseñanza Media a nivel nacional (Parâmetros Curriculares

Nacionais, Parâmetros Curriculares Nacionales + y Orientações Curriculares Educacionais

para o Ensino Médio) a partir de la perspectiva de los conceptos de lectura literaria y letramento

literario. Se pretende también verificar la existencia de documentos estaduales en las regiones

Sur y Sudeste del país para compararlos con la documentación nacional y averiguar cuáles sus

propuestas en relación a la enseñanza de la literatura y si éstos son coherentes con las

perspectivas de lectura literaria y enseñanza propuestos por teóricos de las áreas, tales como

Hansen (2005), Zilberman (1999; 2010), Kleimann, (2004) y Paulino (2008).

Palavras-chave: Enseñanza de literatura; lectura literaria; letramento.

Introdução

De seletas aos Parâmetros Curriculares Nacionais, o ensino da literatura nas escolas de

ensino médio passou por grandes mudanças, ao mesmo tempo em que na prática escolar poucas

mudanças sejam perceptíveis. A princípio, as obras literárias eram compostas por compilações

com trechos de obras (quase sempre portuguesas) e lidas com o intuito de ensinar aos

educandos a arte da retórica e do ler bem. Hoje em dia, estão presentes nas escolas livros

didáticos também com trechos de obras consideradas canônicas.

Nos últimos dois séculos, houve a promulgação de leis regulamentadoras do ensino

básico e a uniformização dos conteúdos escolares. Neste contexto, no início do século XXI,

surgem documentos complementares à LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional),

como os Parâmetros Curriculares Nacionais, Parâmetros Curriculares Nacionais + Ensino

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Médio e as Orientações Curriculares Educacionais para o Ensino Médio que objetivam guiar

os professores quanto ao que e como deveria ser o ensino básico. Tais documentos apresentam

um pequeno guia para todas as matérias do currículo base, dentre elas, a literatura.

O ensino da literatura, embora remeta aos gregos, é bastante complexo e controverso,

uma vez que não possui uma aplicação prática na vida dos estudantes e também à sua

complexidade. Afinal, o que é literatura? O que pode ser chamado de leitura literária? E texto

literário? No percurso deste texto, observaremos que existem diferentes concepções do que

pode ser considerado texto literário e até mesmo leitura literária – com a ajuda das concepções

de letramento, e como tais estudos determinam o que deve ser estudado nas escolas brasileiras.

A partir desses estudos, propõe-se relacionar a história da escola secundária no Brasil,

especificamente o desenvolvimento da matéria língua portuguesa a partir do século XIX com

as concepções de ensino de literatura nos documentos nacionais do século XXI, a fim de

verificar se existiram mudanças ou evoluções na concepção de literatura nas escolas

secundárias, além de verificar a existência de outros documentos de esferas estaduais, com o

intuito de compará-los com os primeiros, de modo a averiguar quais seriam suas propostas e

quais suas diferenças em relação àqueles.

Sobre letramento e leitura literária na escola

Os estudos sobre letramento, no Brasil, são relativamente jovens e têm como um de

seus propósitos “separar os estudos sobre o ‘impacto social da escrita’ dos estudos sobre

alfabetização” (KLEIMAN, 2004, p. 15-16). Atualmente, por não ser um termo dicionarizado,

existem diversas definições para o termo ‘letramento’. Para Ângela Kleiman, o letramento é

“um conjunto de práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e como tecnologia,

em contextos específicos para objetivos específicos” (KLEIMAN, 2004, p. 18). O letramento,

por essa perspectiva, está relacionado tanto ao ato de escrever quanto ao de ler e pode ocorrer

entre qualquer grupo social, ou individualmente, por alguém que faça uso da língua escrita para

alcançar um objetivo. Pode-se concluir, portanto, que as práticas de letramento não ocorrem

exclusivamente no ambiente escolar, como crê boa parte da sociedade, nem tampouco, consiste

na alfabetização. Esta, embora possa ser classificada como um tipo de prática de letramento, é

apenas uma dentre várias outras. Kleiman afirma que

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O fenômeno de letramento, então, extrapola o mundo da escrita tal qual ele é

concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os

sujeitos no mundo da escrita. Pode-se afirmar que a escola, a mais importante

das agências de letramento, preocupa-se não com o letramento, prática social,

mas com apenas um tipo de prática de letramento, qual seja, a alfabetização,

o processo de aquisição de códigos [...]. Já as outras agências de letramento,

como a família, a igreja, a rua – como lugar de trabalho –, mostram

orientações de letramento muito diferentes. (KLEIMAN, 2004, p. 20 - grifos

do autor).

Magda Soares, por sua vez, define o letramento como “o estado ou condição de

indivíduos ou de grupos sociais de sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas

sociais de leitura e de escrita, participam competentemente de eventos de letramento”

(SOARES, 2002, p.145 - grifos do autor). Neste caso, os participantes dos eventos de

letramento (eventos sendo considerados como o local em que a situação de letramento ocorre)

são capazes, efetivamente, de participar ativamente deles, ou seja, “têm as habilidades e

atitudes necessárias para uma participação ativa e competente em situações em que práticas de

leitura e/ou de escrita têm uma função essencial” (SOARES, 2002, p. 146). Partindo deste

pressuposto, pode-se pensar em como ocorre a leitura no âmbito escolar, especificamente a

leitura de textos literários.

No século XIX, a escolarização torna-se obrigatória e a primeira coisa que o aluno deve

aprender é a ler, contradizendo Schopenhauer, que dizia que “Quando lemos, outra pessoa

pensa por nós: só repetimos seu processo mental” (SCHOPENHAUER apud ZILBERMAN,

p.72). Zilberman afirma que “rejeitar a leitura é, portanto, rejeitar a escola. Ou pelo menos, a

leitura promovida pela escola, aquela que transmite ‘um assunto exteriormente e por meio de

sinais’” (ZILBERMAN, 1999, p. 73). A estudiosa também afirma que ao analisarmos o modo

de ensino da leitura e da literatura propostos desde o início do século XIX no Brasil, é possível

compreender Platão e Schopenhauer, os quais eram contra a leitura. Os livros da época

propunham a leitura oral como forma de aprendizado da leitura, pressupunha-se que a imitação

era a melhor forma de aprender como escrever bem. Em 1931, é criado o Ministério da

Educação e a matéria escolar passa a se chamar Português, cujos objetivos seriam

“proporcionar ao estudante a aquisição efetiva da língua portuguesa, habilitando-o a exprimir-

se corretamente, comunicando-lhe o gosto da leitura dos bons escritores e ministrando-lhe o

cabedal indispensável à formação do seu espírito bem como a sua educação literária”

(ZILBERMAN, 1999 p. 77). O professor deveria, de acordo com estes objetivos, utilizar a

leitura, principalmente dos textos literários para ensinar todo o resto do conteúdo de Português.

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A ideia era que a leitura destes textos resultaria na memorização do aluno e na assimilação de

como um bom texto deve ser escrito.

Desde então a literatura é ensinada na escola valendo-se dos mesmos autores e sempre

com o mesmo objetivo: despertar/preparar o leitor para leituras posteriores, para depois da

escola. Zilberman, no entanto, aponta que desde seu início não se consegue – de fato – ensinar

a literatura, porque a literatura, pelos preceitos da Estética da Recepção e do Efeito de Jauss e

Iser, é um ato dialógico em que o leitor deve ser ativo e participante, deve participar de forma

efetiva de sua interpretação, não ser um receptor passivo.

Para a professora, os equívocos no ensino da literatura talvez estejam em “[a Poética]

colocar-se de modo normativo diante dos textos literários, a que facultou sua circulação pela

escola [...] mas, esgotada, deu lugar às vanguardas que, sob várias formulações, produziu

criações destinadas a escandalizar o público” (ZILBERMAN, 1999, p.82). A autora segue

afirmando que vanguardas e escola, por hora, são termos inconciliáveis. Aquelas, por não

seguirem os moldes da literatura canônica acabam criando confusões, por isso a permanência

dos mesmos textos e autores nesta, mas que teóricos como Jauss já estão propondo uma

“metodologia de trabalho que libere a obra das amarras [...] que a escola o condenou”

(ZILBERMAN, 1999, p. 88). Para Zilberman, portanto, o erro da escola está em ignorar a

relação entre texto e leitor e o preenchimento de lacunas que cada um pode realizar, o que é

uma pena, pois neste aspecto, quem perde é a escola.

Hansen (2005), por sua vez, no artigo Reorientações no campo da leitura literária,

afirma que a leitura é sempre feita a partir de um lugar na sociedade, ela é feita considerando-

se que quem lê, ocupa um lugar social e cultural, reiterando que até o ler bem ou ler mal são

frutos culturais. Ele explana que talvez um dos motivos do “Nosso interesse pela leitura literária

é, talvez, um índice do nosso desejo de descobrir como atuam em nós as formas de dominação

do corpo escrito pela lei do outro, uma vez que é justamente este o tema nuclear da ficção que

vale a pena ler” (HANSEN, 2005, p.13).

O autor acredita que as falas sobre a leitura são pautadas em relação à divisão do

trabalho intelectual, ou seja, existem vários campos teóricos para estudar um texto literário,

mas cada um o analisará de forma distinta. Para provar seu ponto, cita Paul Valéry que diz que

“Compreender consiste na substituição mais ou menos rápida de um sistema de sonoridades de

durações e de signos por outra coisa, que é, em suma, uma modificação ou uma reorganização

interior da pessoa a quem se fala” (VALERY apud HANSEN, 2005, p.14). Hansen promove

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duras críticas ao conceito atual de ficção e ao conceito amplo daquilo que se considera

“literário”, de arte, e culpa a indústria cultural e àqueles que mesmo em universidades aprovam

textos que, em sua concepção, não são dignos de ser chamados literários, devido a seu caráter

óbvio e raso, reprodutor daquilo que o leitor espera ler. Embora com suas críticas, na concepção

do teórico, a ficcionalidade é um dos fatores que conferem ao texto seu caráter literário. Estes

textos possuem uma intencionalidade gratuita, são moldados apenas pelo aspecto da ficção.

Maria Graça Paulino (2008), por sua vez, destaca que cada tipo de leitura é feita de uma

maneira, não se pode ler um texto literário da mesma maneira como lemos uma receita de bolo

ou uma notícia. As leituras são feitas de acordo com os objetivos e objetos de leitura. Por isso

mesmo, para a autora, o mero contato com o texto literário não garante uma leitura literária. Se

este texto é utilizado para uma análise gramatical, a leitura feita será sistemática, não literária.

A autora questiona então o que seria a leitura literária, e afirma que é perigoso tentar defini-la

sem considerar a “complexidade dos processos histórico-sociais nela envolvidos” (PAULINO,

2008, p. 61). Para se aproximar de uma resposta, a pesquisadora utiliza-se de perspectivas

diferentes como a da Teoria Literária (majoritariamente a Estética do Efeito de Iser), a

sociologia dos indivíduos e a teoria da complexidade. Ela afirma, grosso modo, que existem

diferentes formas de leitura, a leitura literária depende de vários processos, tais como a

condição social e histórica do leitor, conhecimento estético sobre os textos literários, além de

habilidade cognitiva para compreendê-lo. Esses elementos não são facilmente mapeáveis,

portanto, definir em um único termo a leitura literária é arriscado. O que a autora afirma, porém,

é que a leitura literária é relevante atualmente, pois é através deste conhecimento, não apenas

pela leitura de textos informativos, é que o status quo da sociedade pode ser mudado.

Sobre a história da Literatura na escola

No livro História da Educação no Brasil de Otaíza de Oliveira Romanelli, a autora

apresenta um panorama da educação no Brasil abrangendo em sua pesquisa desde a vinda dos

jesuítas da Companhia de Jesus ainda no século XVI até o final dos anos 80 do século XX.

Naquela época apenas uma parcela ínfima da população tinha acesso à escola (somente filhos

homens de donos de terras e senhores de engenho - e mesmo entre esses, apenas os que não

fossem os primogênitos).

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Neste contexto surgem os primeiros colégios jesuíticos, destinados aos estudos das

ciências humanas, das letras e das ciências teológicas. No início da escolarização, os estudos

básicos eram destinados para a população em geral, os secundários para os homens das classes

dominantes e o superior era exclusivamente eclesiástico. Nos séculos seguintes, quando extinta

a Companhia de Jesus no Brasil no século XVIII, e, consequentemente, as escolas coordenadas

por eles, a base curricular escolar continuou, porém, sendo a mesma, atravessando todo o

período do Brasil Colônia até o início da República.

Um dos motivos para que não houvesse alteração nos currículos escolares, segundo

Romanelli, é o surgimento dos pequenos burgueses brasileiros (classe intermediária que surge

a partir do crescimento do mercado interno brasileiro). Como esta classe não tinha grandes

posses, acabava buscando nos títulos acadêmicos o prestígio destinado aos latifundiários, no

entanto, como eram estes que controlavam os sistemas de ensino por serem os políticos, a nova

classe acabava se adequando e buscando a educação por eles fornecida, a qual havia sido

relegada à administração de cada província no caso da educação primária e secundária, o que

fez com que surgissem várias escolas privadas e poucas públicas. Além disso, o caráter

propedêutico do ensino secundário fez com que sua obrigatoriedade não existisse por um longo

período. No fim do século XIX, quando o estudo secundário passa a ser obrigatório para o

ingresso nas universidades é que há maiores investimentos em educação, mas ainda assim,

quase exclusivamente voltada para a elite. A partir de 1930, com a reforma do ensino é que o

acesso à escolarização fica mais fácil e organizado, embora se mantivesse um cunho humanista.

Já no início dos anos 70, tornam-se recorrentes as escolas técnicas profissionalizantes, as quais

passam a ser válidas para o acesso ao ensino superior.

A partir deste panorama geral do ensino no Brasil, evidencia-se que durante a maior

parte da colonização do Brasil, o ensino era destinado a poucos e este ensino não era voltado

àquilo produzido no país. As escolas eram voltadas ao ensino de Latim e Retórica e a língua

portuguesa só passa a ser obrigatoriamente utilizada na Colônia após o decreto de Marquês de

Pombal, em 1758, e, como a linguagem era vista como inerente ao ser humano, os estudos de

língua portuguesa não existiam.

Ao estudar o ensino de Português especificamente, temos os estudos de Marcia Razzini,

que pesquisa a formação do ensino secundário brasileiro, mais especificamente a trajetória do

ensino de língua portuguesa com o intuito de analisar o livro Antologia Nacional de Fausto

Barreto e Carlos de Laet e como este influenciou o ensino de literatura no país. Durante esse

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processo, a pesquisadora levantou vários dados relevantes sobre a história da disciplina

português e conseguiu estabelecer algumas fases para o ensino desta matéria, bem como

mapear a formação do currículo escolar brasileiro baseando-se no currículo do Colégio Pedro

II – instituição modelo para todo o território nacional.

Um dos tópicos ressaltados por Razzini é que, inicialmente, tanto nas legislações quanto

nos programas de ensino secundários, os “Exames Preparatórios” são grandes influenciadores

na trajetória do ensino secundário brasileiro. No ano de 1831, nas Academias de Direito de São

Paulo e de Olinda, foram instituídas as “Aulas Preparatórias”, as quais tinham como função

ensinar os conteúdos básicos necessários para a formação acadêmica. Estes exames, geralmente

aplicados pelas faculdades em que se queria ingressar, eram a única exigência para a entrada

no ensino superior. Os primeiros cursos secundários serviam, portanto, como uma ponte para

que as elites brasileiras conseguissem frequentar as universidades. Estes cursos geralmente

eram fracionados, pois por não serem obrigatórios, os estudantes frequentavam apenas aquelas

matérias que lhes ajudariam a passar nos preparatórios para o curso escolhido.

O estudo secundário brasileiro era meramente preparatório, tanto é que em alguns liceus

não existiam cadeiras das disciplinas que não fossem cobradas nos exames de ingresso à

Universidade. A situação escolar do país permaneceu assim até 1931, quando foi implantada a

reforma Francisco Campos que estabelecia um currículo básico para o ensino secundário e este

passou a ser a base para os exames vestibulares.

Antes disso, porém, o Colégio Pedro II, na então capital Rio de Janeiro, já era

considerado como modelo de formação secundária. Inaugurado em 1838, a instituição serviria

como modelo para todas as outras escolas do Império, porém, mesmo com sua importância,

pautava sua base curricular nos exames preparatórios. Mesmo assim, seu prestígio era tanto

que seus alunos não precisavam realizar os exames preparatórios para ingressar em nenhuma

das universidades do território brasileiro desde que possuíssem o diploma de “Bacharel em

Letras” (para receber tal título o aluno deveria frequentar todo o curso secundário, situação que

pouco acontecia). Ainda assim, como apenas em 1871 o exame de Português passa a ser

obrigatório para todos os cursos superiores (o decreto é de outubro de 1869, no entanto, passa

a ser aplicado apenas dois anos depois), é neste momento que os cursos preparatórios, liceus e

até o Colégio Pedro II começam a aumentar a carga horária da disciplina, antes só estudada no

primeiro ano.

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Ao analisar especificamente a disciplina Português, Razzinni estabelece uma divisão

em quatro fases: a primeira entre 1838 e 1869, abrangendo todo o período anterior à inclusão

do português nos exames preparatórios (só se estudava o português no 1º ano). Na literatura

era dado mais peso aos autores portugueses do que brasileiros e a leitura destas obras

(compilações vindas direto de Portugal) eram utilizadas mais para a prática retórica; a segunda,

de 1870 a 1889, que, com a entrada da matéria português nos exames de ingresso dos cursos

superiores, provoca o aumento da carga horária da matéria e seu ensino no 1º, 2º e 3º ano.

Inicia-se o incentivo da leitura cronológica inversa das obras literárias e também o início dos

estudos de autores brasileiros; a terceira fase, entre 1890 e 1930, que exclui os exames de

Poética e Retórica do currículo escolar e aumenta a importância do português. Também nesta

fase ocorre o aumento da presença de escritores brasileiros nos livros didáticos utilizados no

colégio modelo bem como a adoção de menos livros de seletas literárias e mais livros de

gramática da língua; e por último, a partir de 1931, quando do desaparecimento dos exames

preparatórios e o estudo de Literatura é incorporado ao currículo de português em 1942.

Neste breve histórico é possível perceber que nem sempre o estudo da literatura foi

considerado importante nas escolas secundárias brasileiras. Quando o estudo era feito, era para

servir como modelo para os futuros escritores, assim como eram determinadas pelos

professores do Pedro II quais autores eram bons e valiam a pena ser lidos (em geral, a partir da

segunda fase, os livros utilizados no Pedro II eram produzidos pelos professores da instituição).

O estudo dessas obras, geralmente seletas literárias, focava a cópia de trechos como forma de

ensino de ortografia, ou, como já dito anteriormente, modelos de escrita e retórica a serem

copiadas. Após algum tempo, são acrescentados dados biográficos e contextualização histórica

das obras. Essas produções deram origem aos atuais livros didáticos de literatura.

Regina Zilberman, afirma que esses livros possuem um vínculo profundo com o

“mundo das letras”,

Determinando uma espécie de obra que se torna padrão para todas as áreas do

conhecimento. Isto é, o livro didático pertence à literatura, nasceu para

difundi-la sob suas várias formas – seja como modalidade singular da

expressão, exemplo de uso bem acabado da língua, e maneira de ser e falar a

ser imitado – e, por causa disso, converteu-se no paradigma repetido em

outros campos do saber (ZILBERMAN, 2010, p. 173).

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Porém, embora a utilização de livros didáticos seja uma forma eficiente de ensino, no

que concerne ao ensino de literatura, a autora acredita que o problema é que a literatura perde

suas características intrínsecas e acaba “miniaturizada na condição de texto” (ZILBERMAN,

2010, p.186), ou seja, perde-se o contato com o objeto da literatura, o livro, para que se tenha

o contato apenas com o texto – ou parte dele, o que, por sua vez, reforça o caráter elitista do

consumo de literatura.

Essa metodologia do ensino da literatura no Brasil não teve grandes alterações até a

década de 1970, época da ditadura militar. Neste período, foram expandidas as escolas técnicas,

que eram frequentadas pelos grupos mais pobres da população para que fornecessem mão de

obra mais qualificada, necessária ao surto industrial da época. A partir deste momento, as

disciplinas de história, geografia, filosofia e português tiveram sua importância minimizada e

o ensino de literatura não tinha outra razão além dos exames vestibulares. É a partir do fim da

década de 80 e início dos anos 90 é que ocorrem maiores mudanças nos planos educacionais

nacionais e, no ano 2000, são publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),

documento guia para o ensino em todos os níveis básicos no país.

Sobre os documentos nacionais de ensino no Ensino Médio - Literatura

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) é um documento criado durante a

segunda metade dos anos 90 e publicado no ano 2000. Ele tem como objetivo a reformulação

do ensino como forma de acompanhar as mudanças mundiais, que já não são as mesmas dos

anos 70 e 80, e que exigem “a aquisição de conhecimentos básicos, a preparação científica e

a capacidade de utilizar as diferentes tecnologias relativas às áreas de atuação” (BRASIL,

2000a, p. 5). Para o Ensino Médio, é proposta uma formação geral, que proporcione a

capacidade de “pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a capacidade de

aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício de memorização” (BRASIL, 2000a, p.

5). Nesta perspectiva, o documento organiza o currículo por áreas de conhecimento

(Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas

Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias), para que os conteúdos possam ser

estudados de forma interdisciplinar e contextualizada. Todas as áreas de conhecimento devem

englobar quatro eixos estruturais: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver e

aprender a ser.

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Nos PCNs específicos de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, “a linguagem é

considerada como capacidade humana de articular significados coletivos em sistemas

arbitrários de representação, que são compartilhados e que variam de acordo com as

necessidades e experiências da vida em sociedade” (BRASIL, 2000a, p. 19). No que concerne

especificamente aos conhecimentos de Língua Portuguesa para o Ensino Médio, a proposta é

que não haja a divisão entre Língua e Literatura, esta última nem é tratada especificamente no

documento. O documento apenas propõe a extinção do costume de se ensinar a literatura pela

perspectiva histórica, ele deve estar integrado à área de leitura, ou seja, a leitura dos textos

literários deve ser feita, mas é considerada um tipo de leitura equivalente às de outros tipos e

gêneros. No terceiro tópico, porém, embora não seja dito explicitamente que este é o papel da

literatura no Ensino Médio, o documento afirma que é papel da Língua Portuguesa

Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal, relacionando

textos/contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura, de

acordo com as condições de produção/recepção (intenção, época,

interlocutores participantes da criação e propagação de ideias e escolhas)

(BRASIL, 2000b, p.20).

Embora tal processo de leitura possa ser aplicado em quase todos os gêneros textuais,

também se aproxima da leitura literária, portanto, pode-se concluir que os PCNs ainda abordam

a literatura, apenas não a separam como matéria escolar independente.

Os PCN+ Ensino Médio (2002), por sua vez, procuram apresentar de forma

sistematizada como deve ser o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio, e, assim como

seu predecessor, não faz divisão entre a matéria Português e Literatura. Já na apresentação do

documento, há a afirmação que

Entre seus objetivos centrais está o de facilitar a organização do trabalho

escolar na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Para isso,

explicita a articulação das competências gerais que se deseja promover com

os conhecimentos disciplinares e seus conceitos estruturantes e apresenta,

ainda, um conjunto de sugestões de práticas educativas e de organização dos

currículos, coerentes com essa articulação (BRASIL, 2002, p. 7).

Já quando fala especificamente do ensino de Língua Portuguesa, afirma em sua

introdução que “cabe ao ensino médio oferecer aos estudantes oportunidades de uma

compreensão mais aguçada dos mecanismos que regulam nossa língua, tendo como ponto de

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apoio alguns dos produtos mais caros às culturas letradas: textos escritos, especialmente os

literários” (BRASIL, 2002, p. 55). Assim como os PCNs do ano 2000, embora não estabeleça

uma divisão entre matérias, os PCN+ consideram o texto literário o ponto de partida para o

ensino neste nível de escolarização. Adiante no documento, através de breve exemplo de como

deve ser trabalhado o texto literário na escola, o documento afirma que

A leitura do texto literário – e a consequente percepção dos recursos

expressivos de que se vale o autor para constituir seu estilo – mobiliza uma

série de relações: entre texto e contexto sociocultural de produção e recepção;

entre escolhas do autor, temáticas abordadas, estruturas composicionais e

estilo, apenas para citar algumas. [...] A leitura da obra literária poderá assim

fazer muito mais sentido para os estudantes, pois passa a ser entendida não

como mero exercício de erudição e estilo, mas como caminho para se

alcançar, por meio da fruição, a representação simbólica das experiências

humanas (BRASIL, 2002, p. 58).

A partir deste trecho, é possível perceber que há preocupação do documento (muito

maior do que nos PCN), com o ensino da literatura. Tal concepção está bastante próxima

daquelas apresentadas no início deste artigo, apresentadas por Zilberman e Paulino. Embora

sem uma sessão exclusiva, em quase todos os tópicos dos Conceitos e competências gerais a

serem desenvolvidos são feitos comentários sobre como a literatura deveria ser trabalhada em

sala de aula.

Em outro documento, de 2006, o Orientações Curriculares para o Ensino Médio, o

próprio documento se apresenta como necessário, pois

A demanda era pela retomada da discussão dos Parâmetros Curriculares

Nacionais do Ensino Médio, não só no sentido de aprofundar a compreensão

sobre pontos que mereciam esclarecimentos, como também, de apontar e

desenvolver indicativos que pudessem oferecer alternativas didático-

pedagógicas para a organização do trabalho pedagógico, a fim de atender às

necessidades e às expectativas das escolas e dos professores na estruturação

do currículo para o ensino médio (BRASIL, 2006, p. 8).

Sendo assim, o que se espera deste documento, são alternativas distintas daquelas já

apresentadas pelos PCN e PCN+, como ele próprio propõe. Dentre os três, este é o primeiro

documento que traz o ensino da literatura separado do da Língua Portuguesa. A justificativa

para essa separação é que, por “incorporarem no estudo da linguagem os conteúdos de

Literatura, passaram ao largo dos debates que o ensino de tal disciplina vem suscitando, além

Page 12: Ensino de literatura no Brasil letramento, história e ... · Magda Soares, por sua vez, define o letramento como “o estado ou condição de indivíduos ou de grupos sociais de

de negar a ela a autonomia e a especificidade que lhe são devidas” (BRASIL, 2006, p. 49). No

decorrer do capítulo, porém, existem alguns trechos discutíveis.

A proposta deste documento é que o ensino de literatura no ensino médio se justifica

porque não se pode estudar apenas aquilo que é útil ou aplicável no dia a dia, conceito coerente

com a concepção de literatura de Hansen, quem a concebe como texto inerentemente ficcional

e, portanto, sem aplicação prática no dia a dia. A literatura é, portanto, uma manifestação

artística que deve ser mantida, mesmo que não se saiba dizer bem o porquê. Para provar tal

ponto, o documento resgata a história da disciplina afirmando que na época dos estudos

humanistas questionar a presença da matéria seria impensável.

Para os estudos da literatura no ensino médio, o documento apresenta a seguinte

definição do que entende por literatura “arte que se constrói por palavras” (BRASIL, 2006,

p.52). O documento também afirma que os PCNs e os PCN+ não rompem com os estudos

tradicionalistas de literatura, entretanto, já observamos que esta afirmação não é

completamente verdadeira.

As Orientações Curriculares também apresentam um conceito de letramento literário,

que seria “o estado ou condição de quem não apenas é capaz de ler poesia ou drama, as dele se

apropria efetivamente por meio da experiência estética, fruindo-o” (2006, p. 55). A priori, a

leitura proposta por este documento é altamente especializada, não sendo feita, muitas vezes,

nem nos cursos de graduação em Letras. Além disso, a ideia é que a experiência literária ocorre

com o contato efetivo com o texto literário, mas já observamos, pela fala de Maria das Graças

Paulino, que o contato com o texto literário por si só não determina a experiência literária.

Para que haja a experiência literária, é necessário que o aluno consiga identificar nos

textos aquilo que lhe confere características literárias. Para que isso ocorra, alguns preceitos

presentes dos dois documentos anteriores são necessários, tais como a contextualização da

produção e a aproximação entre interlocutores, bem como o contato direto com a obra e não

com excertos presentes em livros literários. Logo, percebe-se que, embora existam três

documentos norteadores para o ensino da Língua Portuguesa e literatura e que se suponha que

cada um apresente uma perspectiva nova em relação ao anterior, os três são muito parecidos

em relação ao papel do professor e da literatura na escola.

Sobre a existência de diretrizes estatuais de ensino

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No estado do Paraná, nos cursos de Letras, além de serem estudados os documentos

nacionais para o ensino de língua portuguesa, também é estudado outro documento: As

Diretrizes Curriculares da Educação Básica, elaborado pela Secretaria de Estado de Educação.

A existência deste documento provoca a ideia de que haverá alguma diferença ou

especificidades em relação ao ensino neste estado que não são apresentadas nos documentos

nacionais, algo aceitável dada a dimensão do país. Mesmo assim, o que se observa é que

embora apresente outras teorias, tais como o Método Recepcional de Bordini e Aguiar, sua

proposta para o ensino de literatura é bastante vago e parecido com os dos documentos

nacionais.

A observação destas semelhanças fez com que surgisse o questionamento da existência

de documentos equivalentes ao do Paraná no restante do país. Para o início desta pesquisa,

verificou-se que todos os estados do sul e sudeste do país têm sua própria versão de documento

orientador de ensino. A respeito do ensino de literatura ou concepção de literatura, temos o

seguinte quadro:

Tabela: Documentos estaduais contemporâneos norteadores para o ensino de literatura (Sul e Sudeste) e seus

objetivos

Diretrizes

Curriculares

do Estado do

Paraná

2008

“O professor não ficará preso à linha do tempo da historiografia, mas fará a análise

contextualizada da obra, no momento de sua produção e no momento de sua

recepção (historicidade). Utilizará, no caso do Ensino Médio, correntes da crítica

literária mais apropriadas para o trato com a literatura, tais como: os estudos

filosóficos e sociológicos, a análise do discurso, os estudos culturais, entre tantos

outros que podem enriquecer o entendimento da obra literária” (PARANÁ, p. 76-

77).

Referencial

Curricular –

Rio Grande

do Sul

2009

“O professor não pode ensinar apenas os períodos e suas características, ou fatos da

história literária. Antes de dar relevo aos processos que caracterizam uma pretensa

“evolução literária”, interessa destacar a função constitutiva que cabe à literatura,

entre as demais artes e forças sociais de uma época, para a emancipação do humano.

Predomina então o leitor, ou a sua experiência estética, que decorre do contato direto

com o texto, sobre aspectos relacionados aos autores, às obras, aos gêneros ou aos

estilos, tradicionalmente contemplados nas histórias da literatura” (RIO GRANDE

DO SUL, p. 87).

Currículo

Básico

escola

estadual –

Espírito

Santo

2009

“1. Criar espaço para vivências e cultivos de emoções e sentimentos humanos, bem

como para experienciar situações em que se reconheça o trabalho estético da obra

literária, identificando as múltiplas formas de expressão e manifestações da(s)

linguagem(ns) para levar a efeito o discurso.

2. Favorecer a produção de lócus em que se compreendam as transformações

histórico-socio-culturais pelas quais o homem passa, por meio da linguagem

literária, de modo a pensar a complexidade do mundo real.

3. Promover o letramento múltiplo como ferramenta para o exercício da cidadania.

4. Possibilitar o conhecimento das escolas literárias, obras e autores, inclusive da

literatura capixaba” (ESPÍRITO SANTO, p. 68).

Page 14: Ensino de literatura no Brasil letramento, história e ... · Magda Soares, por sua vez, define o letramento como “o estado ou condição de indivíduos ou de grupos sociais de

“Relacionar textos literários a partir de concepções estéticas, estilo do autor e

contexto histórico-social, político e cultural; estabelecer relações entre eles e seus

distintos contextos, inferindo as escolhas de temas, gêneros, discursivos e recursos

expressivos dos autores” (ESPÍRITO SANTO, p. 75).

Currículo

Mínimo –

Rio de

Janeiro

2012

O ensino de literatura segue o sistema de divisão por escolas literárias. Ex. de

proposta sobre a Poesia no Arcadismo para o 1º Ano do Ensino Médio para o 3º

Bimestre:

“Relacionar os modos de organização da linguagem às escolhas do autor, à tradição

literária e ao contexto sociocultural da época.

- Reconhecer na preferência pelo soneto o resgate de formas e temas da Antiguidade

Clássica.

- Identificar aspectos estruturais da poesia quanto à estrofação, metrificação e

disposição das rimas” (p. 16).

Currículo do

estão de São

Paulo

2012

“O estudo da Literatura não pode ser reduzido à mera exposição de listas de escolas

literárias, autores e suas características” (SÃO PAULO, p. 28)

[...] nossa proposta para a disciplina Língua Portuguesa não separa o estudo da

linguagem e da literatura do estudo do homem em sociedade. (SÃO PAULO, p. 31)

Proposta

Curricular

de Santa

Catarina

2014

“as vivências com a Literatura no Ensino Médio, as quais precisam transcender a

vinculação biunívoca com o vestibular: ler e analisar apenas obras que as

universidades de prestígio indicam como ‘conteúdo de prova’. Seguramente um

percurso formativo que contemple a formação integral precisa criar condições para

que os sujeitos, em suas diferentes faixas etárias, vivenciem interações a partir dos

gêneros da esfera literária de modo que compreendam como a cultura humana da

qual são parte – em grupos mais específicos ou não – faculta-lhes interagir nessa

esfera e nela se enriquecem mutuamente. Formar o leitor de textos em gêneros do

discurso do campo da Literatura e, em alguns casos, contribuir para formar também

o escritor são processos que requerem essas vivências na escolaridade básica, esse

‘provar de interações que se estabelecem entre os sujeitos’ na esfera literária”

(SANTA CATARINA, p. 122).

Proposta

Curricular

de Minas

Gerais

s/d

“Com relação aos gêneros do domínio literário, vale lembrar que cabe à escola

mediar a leitura e a apreciação dos textos literários, a partir de categorias que

reconheçam a especificidade da recepção literária. [...] A compreensão da

especificidade do texto literário justifica porque ele não deve ser usado para outras

finalidades, além daquela de contribuir para formar leitores capazes de reconhecer

e apreciar os usos estéticos e criativos da linguagem.” (MINAS GERAIS, p. 82-83)

Tabela criada pela autora.

Na tabela acima, foram transcritos apenas alguns trechos para ilustrar como a matéria

literatura é concebida por cada um dos documentos. Todos eles apresentam uma estrutura

similar à dos PCNs e dos PCN+ Ensino Médio e apresentam referenciais teóricos norteadores

para suas propostas curriculares. Todos citam os PCNs e o usam como referência para sua

própria proposta, à exceção do Estado do Rio de Janeiro, que afirma que segue os preceitos dos

PCNs e apenas cria uma tabela com a sequência em que os conteúdos devem ser estudados.

Sendo assim, os estados pesquisados possuem propostas específicas para o ensino de

Literatura, em maior ou menor grau relacionadas aos documentos nacionais. Entre eles, apenas

o documento do estado do Espírito Santo demonstra preocupação com as literaturas marginais

e regionais. Embora haja a menção aos estudos culturais nos documentos dos outros estados,

Page 15: Ensino de literatura no Brasil letramento, história e ... · Magda Soares, por sua vez, define o letramento como “o estado ou condição de indivíduos ou de grupos sociais de

nenhum enfatiza o que deveria ser estudado em um núcleo tão abrangente de pesquisas. Já os

documentos de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais enfatizam a

importância dos estudos filosóficos, sociológicos e históricos para a compreensão dos textos

literários e a importância da literatura na formação humanitária do educando.

É evidente, após toda a pesquisa bibliográfica citada, que o estudo da Língua Portuguesa

e da literatura no Brasil acompanhou o próprio processo de evolução e mudanças do sistema

educacional nacional – assim como suas permanências. As críticas relacionadas ao trabalho

com periodização histórica, leitura de excertos e análises prontas são válidas e importantes,

mas os documentos norteadores para a educação básica já vêm tentando superá-las, propondo

leituras relacionadas a uma concepção mais humanista e social das obras literárias. Falta,

claramente, a unificação das concepções de ensino de literatura, letramento e leitura literário,

mas se compararmos as propostas atuais com as do século XIX, vemos que já houve avanços,

pelo menos na teoria. No entanto, essas mudanças nem sempre podem ser postas em prática,

visto que o objetivo do Ensino Médio brasileiro permanece sendo o de acesso à educação

superior – unicamente propedêutico, assim como no século passado.

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