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1 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: LEITURA DE GÊNEROS DISCURSIVOS DIVERSOS PARA A INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE Maria de Fátima Cruvinel 1 RESUMO: A função da disciplina Língua Portuguesa na escola de educação básica, para muito além da decodificação linguística, é envolver o aluno nas praticas sociais de leitura e escrita, proporcionando-lhe a construção dos sentidos que circulam na sociedade, consequentemente influindo em sua subjetividade. Assim, espera-se, no processo de letramento, que o educando alcance o nível da interpretação nas atividades de leitura realizadas na escola, prática sem a qual lhe será dificultada a condição de leitor competente. Para que o ato de ler possa se realizar como movimento de interpretação, os enunciados precisam ser reconhecidos e compreendidos em sua perspectiva discursiva, ou seja, como materialidade linguística elaborada mediante certa determinação histórica e ideológica. Essa percepção implica necessariamente a compreensão das condições de produção e recepção do texto, a saber a posição social, histórica e cultural de autores e leitores, a configuração própria do gênero discursivo, entre outros. A presente comunicação tem como propósito refletir sobre a leitura como prática discursiva, mediante a análise e a recepção, por alunos de ensino médio, de alguns textos pertencentes a gêneros discursivos diversos. PALAVRAS-CHAVE: Língua portuguesa, Discurso, Leitura. I. Considerações iniciais Iniciar uma reflexão sobre o ensino de Língua Portuguesa, especialmente se inserida em evento que tem como tema a prática pedagógica determinada por forças que se opõem: as dificuldades próprias do cotidiano escolar e a realização do profissional da educação, seria bastante difícil sem considerar o quadro de desempenho dos estudantes de escolarização básica, que se tem mostrado bastante negativo. O enunciado “Alunos concluem ensino fundamental sem ler nem escrever direito”, título de matéria publicada no Jornal O Popular no ano de 2008, certamente não sofrerá grande variação se novamente encabeçar matéria do gênero. O foco da notícia recai sobre a situação de alunos de 6º a 9º anos, e a constatação é a de que eles não sabem ler e se atrapalham 1 Professora do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás (Cepae/UFG). [email protected]

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ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA:

LEITURA DE GÊNEROS DISCURSIVOS DIVERSOS

PARA A INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE

Maria de Fátima Cruvinel1

RESUMO: A função da disciplina Língua Portuguesa na escola de educação básica, para muito

além da decodificação linguística, é envolver o aluno nas praticas sociais de leitura e escrita,

proporcionando-lhe a construção dos sentidos que circulam na sociedade, consequentemente

influindo em sua subjetividade. Assim, espera-se, no processo de letramento, que o educando

alcance o nível da interpretação nas atividades de leitura realizadas na escola, prática sem a qual lhe

será dificultada a condição de leitor competente. Para que o ato de ler possa se realizar como

movimento de interpretação, os enunciados precisam ser reconhecidos e compreendidos em sua

perspectiva discursiva, ou seja, como materialidade linguística elaborada mediante certa

determinação histórica e ideológica. Essa percepção implica necessariamente a compreensão das

condições de produção e recepção do texto, a saber a posição social, histórica e cultural de autores e

leitores, a configuração própria do gênero discursivo, entre outros. A presente comunicação tem

como propósito refletir sobre a leitura como prática discursiva, mediante a análise e a recepção, por

alunos de ensino médio, de alguns textos pertencentes a gêneros discursivos diversos.

PALAVRAS-CHAVE: Língua portuguesa, Discurso, Leitura.

I. Considerações iniciais

Iniciar uma reflexão sobre o ensino de Língua Portuguesa, especialmente se inserida em

evento que tem como tema a prática pedagógica determinada por forças que se opõem: as

dificuldades próprias do cotidiano escolar e a realização do profissional da educação, seria bastante

difícil sem considerar o quadro de desempenho dos estudantes de escolarização básica, que se tem

mostrado bastante negativo. O enunciado “Alunos concluem ensino fundamental sem ler nem

escrever direito”, título de matéria publicada no Jornal O Popular no ano de 2008, certamente não

sofrerá grande variação se novamente encabeçar matéria do gênero. O foco da notícia recai sobre a

situação de alunos de 6º a 9º anos, e a constatação é a de que eles não sabem ler e se atrapalham

1 Professora do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás (Cepae/UFG). [email protected]

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com a escrita, apresentando graves problemas de coesão e coerência, além dos óbvios erros de

ortografia. Não haverá mudança positiva a curto prazo, já o sabemos, tampouco o teor da matéria é

novidade, principalmente para os profissionais da educação, mas a notícia incomoda bastante, por

nos escancarar uma realidade sobre a qual não apenas temos conhecimento de longa data, mas

também pela qual nos sentimos responsáveis.

Esse profundo mal-estar deve-se em parte ao sentimento de responsabilidade mas,

sobretudo, à percepção de que uma alteração positiva na educação pública brasileira demanda muito

mais do que nosso desejo, empenho ou compromisso, malgrado alguns pesquisadores justificarem o

mau desempenho dos alunos brasileiros com o despreparo didático do professor (CARNOY, 2009),

o que em parte pode ser uma das causas, e já houve um certo movimento nessa direção, com o

aumento significativo da carga horária destinada à prática de ensino e ao estágio. Particularmente,

incomodam os depoimentos dos estudantes sobre suas dificuldades em língua portuguesa, o que um

aluno ilustra com uma comparação com matemática: “É tanto número que não entra na minha

cabeça, né? Mesmo assim acho o Português muito mais difícil” (ALUNOS, 2008, p. 2).

Impossível não considerar essa declaração, antes de definir um projeto curricular, um

programa de disciplina ou mesmo desenvolver uma breve reflexão sobre a aprendizagem escolar.

Talvez já seja hora de exigirmos um novo formato para a educação, que pressuponha uma mudança

estrutural significativa, o que seguramente depende de investimentos nas várias instâncias que

compõem a educação escolar, incluindo a formação do professor. Este, para além da licenciatura

plena, precisa estar aparelhado de livros, jornais, revistas, impressos ou virtuais, bens culturais para

aos quais ele deve dedicar tempo em sua jornada de trabalho, se quiser deles usufruir e se utilizar,

visando uma prática docente coerente com seu tempo e com a realidade cultural do grupo social ao

qual se dedica.

A pergunta que aflige o professor com maior frequência diz respeito ao que ele pode fazer

para que seus alunos obtenham melhor desempenho, no caso em questão, ampliem satisfatoriamente

sua competência comunicativa. A leitura será o ponto de convergência das possibilidades que

comporão a resposta para uma prática pedagógica que poderá amenizar o quadro de insucesso

apresentado pela escola. A ênfase na leitura é o que tem sido reafirmado como procedimento

fundamental para o ensino-aprendizagem da língua materna e para outras disciplinas do currículo,

bem como para a vida extramuros escolares. O enfoque aqui pressupõe um relativo domínio, pelos

alunos, do código escrito, e minhas considerações pautar-se-ão na defesa de que os enunciados

dados a ler chamem a atenção dos leitores, notadamente pela heterogeneidade dos gêneros

discursivos que circulam na sociedade e a significam.

Fundamentada em uma compreensão discursiva de linguagem, esta proposta parte da

concepção de leitura e interpretação como produção de sentidos pelo leitor, com base na discussão

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de categorias como texto e discurso. Os conceitos de dialogismo e gêneros discursivos, tomados de

Bakhtin (1995; 1997), refletem a compreensão de linguagem como resultado da relação entre

interlocutores que, em situação de interação e conflito, produzem sentidos. Também constitui apoio

teórico dessa proposta a compreensão de linguagem como um murmúrio infinito de vozes da

história, do que decorre a concepção de texto como um discurso que tem sua singularidade, mas que

é parte integrante de um discurso maior e coletivo, a história da época em que é produzido. Não se

trata apenas de abordagem de enunciados ou textos, mas de discurso, o que pressupõe a inserção da

exterioridade como elemento constitutivo dos sentidos. Para falar com Orlandi (1999), trata-se da

compreensão de discurso como palavra em movimento, como prática de linguagem.

II. Propostas para práticas de leitura

O objetivo é possibilitar aos alunos-leitores a observação de que os sentidos dos textos

resultam de um jogo armado na engrenagem estrutural dos enunciados e ao mesmo tempo nas

relações que esses enunciados estabelecem com o que se encontra fora deles. Para tanto, são

propostas atividades de leitura e compreensão que visem à observação dos “mecanismos intra e

interdiscursivos de constituição de sentido do texto” (FIORIN, 1998, p.125), a fim de contribuir

para o desempenho dos alunos, no que se refere à compreensão e à produção de textos.

Paralelamente, o interesse é também levá-los a observar as “verdades” que circulam na sociedade,

constroem a história e, consequentemente, constituem os sujeitos.

Para esse fim, são usados como objeto de leitura e interpretação os diversos discursos que

circulam na sociedade. Além de textos do gênero literário, materiais linguísticos muito presentes

nas aulas são os recolhidos na mídia escrita, incluindo-se os do discurso publicitário. Essa variedade

facilita o contato do aluno-leitor com os diferentes gêneros responsáveis pela instauração dos

sentidos de uma sociedade, entre eles os que mobilizam ideias pela associação entre linguagem

verbal e não-verbal.

São apresentados a seguir alguns exemplos de textos e perspectivas de abordagem

desenvolvidas em sala de aula.

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Texto 1

LOURENÇÃO, L.; CUVERO, F. Disponível em:

<http://www.cabecadecuia.com/drops/search/?q= aposentadoria>. Acesso em: 6 ago. 2009.

O enunciado, uma propaganda de previdência privada da instituição financeira Banco Real,

traz em sua composição a inconfundível imagem de Fidel Castro, em cena em que é flagrado num

aceno de mão. O anúncio da Lew'Lara\TBWA apropria-se de um fato histórico para a composição

da peça publicitária, veiculada logo após a notícia, em fevereiro de 2008, de que o presidente

cubano se desligaria da vida pública. Aguçada pelo dado da realidade, a poderosa máquina

publicitária tira partido da renúncia do renitente comandante, associando-a ao plano de previdência

do anunciante. Mas de que relações de sentido o autor do anúncio lança mão para armar a trama

discursiva do texto, sugerir os sentidos pretendidos e fisgar o leitor-consumidor?

Para alcançar sua força enunciativa, o anúncio deve ser lido em sua riqueza de detalhes: a

fotografia escolhida mostra Fidel em gesto emblemático, o aceno de mão como saudação militar, o

que é reforçado pela sua farda, incluindo o quepe, símbolo de sua autoridade e força. Inserido no

conjunto do anúncio, o gesto alcança duplo sentido: pode ser interpretado como saudação mas

também como despedida. Assim, mantém-se a imagem de um homem forte, que não será

desmerecido por aposentar-se, tal como o consumidor quer ser visto. Ou seja, o produto anunciado

oblitera qualquer conotação negativa que a ideia de aposentadoria possa carregar. A legenda da

foto, “ex-ditador cubano”, questionável para muitos, indicia a posição política e ideológica dos

criadores da peça e do anunciante, mas tem efeito afirmativo para o anúncio, uma vez que agrega à

ideia de aposentadoria os sentidos de resistência e poder.

O enunciado verbal, que se coloca no mesmo plano da imagem, explora a prolongada

duração do governo castrista em Cuba: “Pode demorar, mas um dia você vai ter que pensar na sua

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aposentadoria”. Essa frase faz referência ao produto anunciado, naquilo que ele propõe ao cliente,

um plano de contribuição a longo prazo, e também opera um efeito de sentido que sustenta a

“verdade” inconteste de que um dia, ainda que seja num futuro distante, todos terão de se subjugar à

passagem do tempo e à condição de inatividade rentável. São esses sentidos que estabelecem a

associação entre o plano de previdência anunciado e a resistência/afastamento de Fidel Castro. O

gênero cumpre sua função persuasiva junto ao consumidor, independentemente da filiação

ideológica que este ocupe.

Intencionalmente, o texto do anúncio foi apresentado em sala de aula sem que a imagem da

foto fosse revelada, a fim de testar o nível de informação dos alunos e sua percepção do jogo

enunciativo e ideológico do texto. Para isso, explorou-se o conhecimento, por parte dos alunos, de

alguma notícia recém-veiculada que pudesse ser relacionada à ideia de aposentadoria. Outro dado a

ser analisado diz respeito ao veículo ou suporte que propaga o texto, observando o perfil do

consumidor que o anunciante pretende alcançar, considerando, portanto, as condições de recepção

do discurso. Associado ao primeiro texto, e também com o propósito de explorar um gênero de

outro campo discursivo, mas que mobiliza sentidos em torno da mesma figura pública, o ex-

presidente cubano, pode-se apresentar a charge seguinte.

Texto 2

MARIOSAN. O Popular. Goiânia, 9 ago. 2006. Opinião, p. 8.

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Inserida no domínio discursivo jornalístico, a charge é um gênero que se apresenta como

um tipo opinativo, muitas vezes posicionada junto aos editoriais e por isso funcionaria como uma

espécie de editorial gráfico (MARINGONI, 1996). Configurada na relação palavra/imagem, sua

função é criticar, com humor, fatos ou situações sociais e políticos, daí pressupor, em muitos casos,

saberes prévios do leitor. Na charge “Cuba libre”, espera-se do leitor um conhecimento de mundo

referente à representação do sistema de governo adotado em Cuba, pelo menos à época da

publicação do texto, e as implicações que disso decorrem, especialmente no que diz respeito à

relação deste país com os Estados Unidos. As charges de cunho político quase sempre são datadas,

mas certamente muitas ficam como registro de uma época, como é o caso desta em análise. Importa,

na proposta de leitura, observar que o chargista mobiliza algumas representações cristalizadas dos

dois países – Fidel Castro e o charuto, por um lado, sintomaticamente dispostos à esquerda; a Coca-

Cola, por outro – numa referência evidente ao ponto nevrálgico da relação entre esses países, o

embargo econômico imposto a Cuba pelos Estados Unidos.

O humor resulta da irônica síntese efetuada no título: “Cuba libre”, nome de um drinque

feito à base de rum e bebida de cola; na charge, a Coca-Cola, universalmente conhecida e apreciada,

e signo paradigmático do poderio norteamericano. Cuba seria livre por não se subjugar ao regime

capitalista? O charuto sendo apagado pela bebida e a expressão facial do comandante cubano

corroboram essa possibilidade de interpretação. Levantados os dados e os implícitos do texto, resta

interpretar a posição do autor, não deixando de considerar o gênero de seu texto.

Texto 3

Glauco

GLAUCO. Faquinha. Folha de S. Paulo. São Paulo, 6 jun. 2007. Ilustrada, p. 9-9.

A tira tem como protagonista Faquinha, um garoto de rua que sobrevive, como pode, às

adversidades dos grandes centros urbanos. O texto permite a compreensão de que a cena retrata

personagens que representam grupos sociais urbanos em situação de oposição – dois garotos de rua,

do tipo que ganha a vida fazendo malabarismos (observem-se as bolas nas mãos dos dois meninos),

e um garoto que se encontra dentro de um carro importado.

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O objetivo com a leitura dessa tira é observar de que recursos lança mão o autor, que são

recorrentes no gênero, especialmente quando se trata de humor crítico, para produzir sentidos.

Trata-se do equívoco, muito utilizado como provocação do riso. Mas a tira deixa de ser engraçada à

medida que expõe uma dura realidade de muitas crianças brasileiras. O equívoco é instituído pela

incompreensão do garoto que não sabe o sentido da palavra pai, não porque tenha problemas de

incompetência linguística, mas por desconhecer o conteúdo da palavra, em razão da desagregação

familiar, situação tão recorrente na sociedade brasileira. Observe-se que entre os dois garotos de rua

há diferença na coloração da pele, o que desconhece a palavra pai tem o tom da pele mais escuro,

estaria em pior condição, dado nem um pouco gratuito na composição de sentidos dessa tira.

Texto 4

Este texto, um bilhete de entrada em espetáculo teatral, como se pode ver pelas marcas

impressas além dos dados linguísticos que naturalmente reportam o leitor ao gênero, interessa como

enunciado a ser lido e interpretado, em particular, por trazer na materialidade linguística do título do

espetáculo a antecipação do contexto da peça. A riqueza do projeto gráfico reside no jogo entre

forma e sentido, materializado no traço das letras que reproduzem as formas arquitetônicas do

Congresso Nacional brasileiro. Este é um dos espaços em que se passam as cenas que revelam o

verdadeiro caráter do marido da protagonista. A trama aborda, de forma crítica e irônica, como vem

indiciado no título, o comportamento inescrupuloso e ridículo de um parlamentar respeitado e

influente.

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III. Considerações finais

O fato é que estamos todos, integrantes de uma sociedade de cultura letrada, rodeados por

palavras, enunciados, discursos, que nos provocam a construir sentidos, lendo ou escrevendo. Esse é

o compromisso da disciplina Língua Portuguesa na escola de educação básica: proporcionar à

criança e ao jovem a percepção dos sentidos que circulam na sociedade. Dessa forma, acredita-se

que é possível desviar das perversões, apontadas por Fiorin (1998), como próprias do ensino de

língua materna no Brasil, que há muito já vem sendo criticadas, mas que ainda têm perdurado em

algumas práticas: 1) a de se ensinar mais metalinguagem que a língua, desconsiderando que ela é

“apenas mais uma ferramenta para levar o aluno a dominar os mecanismos linguísticos e não uma

finalidade em si mesma”; 2) a de que “as categorias da língua são ensinadas, sem que se explique

seu papel no funcionamento da linguagem”, sem levar em conta o papel dos vocábulos na

organização dos textos (FIORIN, 1998, p.124); 3) a de que “o ensino da leitura e da redação não se

fundamenta em teorias do discurso e do texto”, se debruça sobre o período, como se o texto fosse

uma grande frase ou uma soma de frases.

Por compreender que o discurso é jogo estratégico e polêmico, espaço em que saber e

poder se articulam – quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito reconhecido

institucionalmente – é que insistimos que a abordagem da língua na escola, em situação de ensino-

aprendizagem, se dê preferencialmente pelo viés discursivo.

Referências

ALUNOS concluem ensino fundamental sem ler nem escrever direito. O Popular. Goiânia, 11 ago. 2008. Cidades, p. 2-2. BAKHTIN, M. Gêneros discursivos. In: ______. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. _______. (VOLOCHINOV, V. N.). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 1995. CARNOY, M. Professores brasileiros precisam aprender a ensinar. Folha de S. Paulo. São Paulo, 10 ago. 2009. Cotidiano, p. 6-6. Entrevista. FIORIN, J. L. Notas para uma didática do português. In: BASTOS, Neusa Barbosa (Org.). Língua

portuguesa: história, perspectivas, ensino. São Paulo: EDUC, 1998. GLAUCO. Faquinha. Folha de S. Paulo. São Paulo, 6 jun. 2007. Ilustrada, p. 9-9. LOURENÇÃO, L.; CUVERO, F. Disponível em: <http://www.cabecadecuia.com/drops/ search/ ?q=aposentadoria>. Acesso em: 6 ago. 2009.

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MARINGONI, G. Humor da charge política no jornal. Comunicação & Educação. São Paulo: Moderna, 1996. MARIOSAN. Cuba Libre. O Popular. Goiânia, 9 ago. 2006. Opinião, p. 8. ORLANDI, E. P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2000.