ensino de educaÇÃo financeira na matemÁtica … · professor, livro do aluno e caderno do aluno....
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ENSINO DE EDUCAÇÃO FINANCEIRA NA MATEMÁTICA
ESCOLAR
Amarildo Melchiades da Silva
Universidade Federal de Juiz de Fora
Marcelo Bergamini Campos
Universidade Federal de Juiz de Fora
Márcio Carlos Vital
Universidade Federal de Juiz de Fora
Resumo:
Esta Sessão Prática, dirigida principalmente a professores do 2º e 3º ciclos do Ensino Básico,
tem por objetivo discutir a inserção da Educação Financeira como parte da formação
matemática de estudantes nesta etapa de escolarização. Apresentamos, em um primeiro
momento, uma análise da estratégia brasileira de Educação Financeira. A proposta foi elaborada
pelo governo em atendimento às recomendações da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nas ações brasileiras, constatamos a presença marcante
de instituições financeiras e o foco no uso de produtos e serviços financeiros. Diante da
percepção de pontos emblemáticos nesta proposta e percebendo a necessidade de produção de
material voltado para uso em sala de aula, desenvolvemos tarefas caracterizadas por serem
situações problemas ligadas ao cotidiano dos alunos. O processo de elaboração, aplicação em
sala de aula e análise dos resultados obtidos tomou como referencial teórico o Modelo dos
Campos Semânticos proposto por Romulo Campos Lins. Finalmente, apontamos para a
necessidade de um aprofundamento de discussões e pesquisas sobre o tema na comunidade de
educadores matemáticos.
PROPOSTA DE TRABALHO
A proposta desta sessão prática é discutir a inserção da Educação Financeira como parte
da formação matemática de estudantes do ensino básico. Para isso, tomamos como
ponto de partida uma breve análise da gênese da proposta brasileira de Educação
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Financeira que foi elaborada em atendimento às recomendações da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Com efeito, o programa de trabalho da OCDE incluiu, para o biênio 2003-2004, um
projeto intitulado Financial Education Project (Projeto de Educação Financeira) que
nasceu do interesse dos países membros da organização em educar financeiramente seus
cidadãos.
O Brasil iniciou a participação neste projeto seguindo uma tendência mundial. Em
2007, o governo formou um grupo de trabalho com representantes do governo, da
iniciativa privada e da sociedade civil para desenvolver a Estratégia Nacional de
Educação Financeira (ENEF). Em 2010, ela foi instituída pelo governo brasileiro
através de um decreto.
A ENEF propõe que a educação financeira seja inserida no sistema de ensino a fim de
que as crianças e adolescentes, desde cedo, tenham contato com o assunto. O objetivo é
educa-los para lidar com o uso do dinheiro de maneira consciente de modo a
desenvolver hábitos e comportamentos desejáveis.
O ponto de partida, no Brasil, para o desenvolvimento de ações práticas para a escola
foi a produção de um documento intitulado Orientações para Educação Financeira nas
Escolas elaborado sob a coordenação do Instituto Unibanco, uma instituição financeira
particular.
O primeiro material voltado para a sala de aula atendeu o projeto piloto e foi
direcionado a estudantes do Ensino Médio1, sendo este constituído pelo Livro do
Professor, Livro do Aluno e Caderno do Aluno. O projeto piloto teve duração de três
semestres letivos, de agosto de 2010 até dezembro de 2011. Neste primeiro momento, a
avaliação englobou somente o Ensino Médio e foram observados 891 escolas e 26981
alunos, com 13745 alunos no grupo de controle e 13236 alunos no grupo de tratamento,
em seis estados brasileiros.
Nossa revisão de literatura sugere que qualquer proposta de implementação do ensino
de Educação Financeira deve passar pela compreensão do que significa uma pessoa
educada financeiramente. Este é, em nosso entendimento, o ponto central quando se
pensa na formação de estudantes.
1 O Ensino Médio brasileiro tem três anos de duração. É a etapa final da formação básica dos estudantes
que têm geralmente entre 14/15 e 17/18 anos de idade.
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Observamos ainda que um programa de Educação Financeira voltado para o sistema de
ensino não deve ser reduzido ao tratamento de finanças pessoais ou um curso pensado
para atender demandas emergenciais. De fato, há muitos temas relevantes que devem
encontrar espaço para tratamento no sistema de ensino e que podem chamar a atenção
dos alunos como, por exemplo, as questões sociais relacionadas ao dinheiro, o impacto
do consumismo sobre o meio ambiente ou ainda a ética na relação com o dinheiro.
Além disso, a falta de cursos voltados para a formação de professores para lecionar
Educação financeira pode vir a ser um problema para a inserção do tema na escola.
Outro ponto da ENEF que nos causa preocupação e precisa ser amplamente analisado é
a participação de instituições financeiras, em particular dos bancos particulares, na
elaboração da proposta. Esta participação pode ser constatada em vários países do
mundo e também no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, currículos e material
didático são preparados por profissionais ligados a bancos e estão voltados a preparar os
alunos para que sejam bons consumidores de produtos bancários e futuros investidores.
Em muitos casos, o ensino do tema na escola fica a cargo de pessoas que não são
professores, mas funcionários dessas instituições.
Percebendo a necessidade de ampliar e aprofundar os estudos sobre o tema, diversas
pesquisas estão sendo desenvolvidas junto ao Programa de Pós-Graduação em
Educação Matemática da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora/MG –
Brasil.
Inserido neste programa, em Campos (2012), sinalizamos a possibilidade de abordar a
Educação Financeira como um tema transversal no currículo de Matemática da
Educação Básica. Com efeito, a proposta interage com os temas presentes na atual
estrutura curricular da Matemática escolar brasileira: aritmética, álgebra, geometria e
tratamento da informação.
Ao analisarmos a possibilidade de tratamento transversal, verificamos ainda as
potencialidades do tema do ponto de vista da aprendizagem matemática dos alunos. Em
situações de consumo podemos utilizar diferentes estratégias de cálculos: exato,
aproximado, escrito ou mental. Na elaboração de um orçamento mensal, por exemplo, é
feita uma projeção ou estimativa de gastos. Os valores apresentados nem sempre são
fixos ou exatos. Podemos gastar mais do que estava previsto com um determinado item
e menos com outro. Portanto, estamos diante de uma situação em que existe a
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necessidade de utilização de estimativas e de cálculos aproximados. Segovia & Rico
(1996) lembram ainda que, ao utilizarmos estimativas, podemos empregar números
mais simples obtidos através de arredondamentos. Este procedimento contribui com o
uso de estratégias de cálculo mental.
Situações envolvendo o dinheiro também contribuem para a análise da razoabilidade
dos valores encontrados. Ao encontrar uma resposta que não seja coerente com os dados
da situação apresentada, os alunos podem rever e analisar os cálculos efetuados ou
estratégias utilizadas.
Diante da perspectiva, elaboramos um conjunto de tarefas que foram aplicadas em uma
turma do sexto ano do Ensino Fundamental2.
Antes de apresentar estas tarefas, sentimos a necessidade de elucidar alguns aspectos do
Modelo dos Campos Semânticos, referencial teórico que orientou o processo de
elaboração e a análise dos resultados obtidos a partir da aplicação destas tarefas. Em
particular, focamos na produção de significados dos estudantes.
A noção de significado é central na teoria e deve ser entendida nos seguintes termos:
significado é o conjunto de coisas que efetivamente se diz a respeito de um objeto no
interior de uma atividade. (LINS & GIMENEZ, 1997). Produzir significados é produzir
ações enunciativas a respeito de um objeto no interior de uma atividade (SILVA, 2013).
Lins destaca a importância de investigação da produção de significados quando diz que
o aspecto central da aprendizagem – em verdade, o aspecto central de toda cognição
humana – é a produção de significados (LINS, 1999, p. 86).
Destacamos ainda que o Modelo dos Campos Semânticos fornece sustentação teórica
para que não somente pesquisadores, mas também professores dentro das salas possam
fazer uma leitura do que as pessoas dizem. A proposta do modelo é o desenvolvimento
de uma leitura plausível almejando reconhecer as legitimidades envolvidas. Assim, o
professor não deve verificar apenas uma resposta apresentada. É preciso dar voz ao
aluno procurando reconhecer a lógica com que opera ou as justificativas que apresenta
quando apresenta uma tomada de decisão.
2 O Ensino Fundamental brasileiro é dividido em dois segmentos. O Ensino Fundamental I, do primeiro
ao quinto ano e Ensino Fundamental II, do sexto ao nono ano. Os alunos matriculados no sexto ano têm,
em média, 10/11 anos de idade.
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Na elaboração das tarefas, entendemos que estas devem estimular a produção de
significados por parte dos alunos. Além disso, é parte de nosso propósito ampliar as
possibilidades de produção de diferentes significados. Eles devem ser objeto de atenção
dos alunos podendo possibilitar a negociação de novos modos de produção de
significados em sala de aula.
Os diferentes significados produzidos devem ainda contribuir com o professor
auxiliando a identificação da maneira de operar dos alunos, a lógica de suas operações e
a direção em que estão falando.
Observamos que é parte de nosso propósito possibilitar que vários elementos do pensar
matematicamente estejam em discussão, como a análise da razoabilidade dos resultados,
estimativas, tomada de decisão, a busca de padrões nas resoluções, o desenvolvimento
de estratégias de resolução de problemas. Os questionamentos apresentados devem
também propiciar vários caminhos de resolução. Não é nossa pretensão apresentar
problemas que, do ponto de vista matemático, possuam apenas uma resposta
considerada correta.
Além disso, pretendemos criar uma interação com o aluno através do entendimento de
que os significados produzidos por ele e/ou os significados oficiais da matemática são
um entre os vários significados que podem ser produzidos a partir daquela tarefa. Dessa
forma queremos permitir ao professor tratar dos significados matemáticos, junto com os
significados não-matemáticos que possivelmente estão presentes no espaço
comunicativo.
Vejamos as tarefas:
Tarefa 1 Cuidando da Mesada
Carlos e Ana são irmãos e ajudam seu pai na loja da família. Por esta ajuda, ele resolveu
dar uma mesada em dinheiro no valor de R$ 150,00 a cada um. Porém, eles devem
planejar como gastá-la, pois nenhum outro dinheiro será dado ao longo do mês e eles
deverão cuidar de seus próprios gastos.
Ajude-os a programarem o uso do dinheiro.
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Ana sugeriu a Carlos que fizessem os cálculos de quanto gastavam por semana. O
resultado você pode ver abaixo:
Ana:
Compras na cantina da escola (2ª a 6ª feira) ________________2,00 por dia = 10,00
Ônibus para a escola ( 2ª a 6ª feira) ida e volta _________________ 3,50 x 5 = 17,50
Saída aos sábados com as amigas ____________________________________ 15,00
Algumas compras na semana ________________________________________ 15,00
Cinema no domingo ______________________________________________ 10,00
Carlos:
Compras na cantina da escola (2ª a 6ª feira) _______________ 3,00 por dia = 15,00
Ônibus para a escola ( 2ª a 6ª feira) ida e volta ________________ 3,50 x 5 = 17,50
Balas e doces (3 vezes por semana)___________________________2,00 x 3 = 6,00
Saída aos sábados com a turma _____________________________________ 10,00
Aluguel de videogame _____________________________________________ 8,00
a) O dinheiro que Ana e Carlos receberão de mesada será suficiente para seus gastos
durante o mês, considerando que todas as semanas eles gastam a mesma quantia?
b) Que corte nos gastos semanais você sugere que deveria ser feito para eles gastarem
apenas o que ganham de mesada? Faça as contas.
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c) Quantos reais os irmãos economizariam se na ida e na volta da escola eles fossem a
pé com a mãe de seu amigo Tiago que mora na casa ao lado da sua?
Tarefa 2 Fazendo Economia
Quando Ana e Carlos estavam conversando, descobriram que cada um deles tinha
vontade de comprar algumas coisas, mas a mesada não seria suficiente. Ana quer
comprar um vestido novo e um celular, cujo valor total é R$ 150,00. A compra será para
seu aniversário que será daqui a 5 meses a partir da data da primeira mesada. Já Carlos
quer comprar um uniforme completo do seu time de futebol mais uma chuteira num
total de R$ 110,00 no mesmo período de tempo.
a) Quanto eles deverão economizar por mês para fazer as compras que desejam?
b) Que outros cortes nos gastos semanais eles poderiam fazer para conseguir
economizar este dinheiro todo o mês?
Tarefa 3 Grande Ideia
Carlos teve uma grande ideia para que eles pudessem aumentar sua renda. Na escola, a
direção fez uma rifa de uma cesta de café da manhã. O preço de cada bilhete era
R$ 8,00. Ele ficou sabendo que o valor da cesta era R$ 40,00.
Ele propôs que sua irmã desse a quantia de R$ 3,00 para comprar um bilhete e ele
entraria com os outros R$ 5,00. Caso ganhassem a cesta e conseguissem vender pelo
preço de R$ 40,00, eles dividiriam o dinheiro considerando o que cada um investiu.
a) Tente calcular quanto Carlos e Ana receberiam cada um se tudo que Carlos
programou acontecesse.
b) Você acha que a proposta de Carlos é uma grande ideia?
Tarefa 4 Fazendo o próprio orçamento
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Vamos fazer os cálculos de quanto você gasta ou gostaria de gastar por mês, como Ana
e Carlos fizeram? E depois disso apresente uma sugestão de quanto poderia ganhar de
mesada.
Observamos, finalmente, que a proposta de inserção da Educação Financeira no sistema
de ensino brasileiro está ainda em um estágio inicial e que existe a necessidade de
produção de material didático a ser utilizado em sala de aula.
Não identificamos, em nossos estudos, pesquisas sistemáticas produzidas sobre o tema e
voltadas para a sua inserção e seu ensino nas escolas a não ser aquelas direcionadas para
atender às demandas da OCDE. Por esse motivo, acreditamos que um campo fértil e
promissor de pesquisa esteja aberto e que existe um longo caminho de pesquisa a ser
desenvolvido no interior da comunidade de Educação Matemática.
REFERÊNCIAS
BRASIL/COREMEC. (2010a) Educação Financeira nas Escolas - Ensino Médio. Bloco 1.
(Livro do professor). COREMEC, GAP, UNIBANCO.
BRASIL/COREMEC. (2010b) Educação Financeira nas Escolas - Ensino Médio. Bloco 1.
COREMEC, GAP, UNIBANCO.
BRASIL/ENEF. (2011a) Estratégia Nacional de Educação Financeira – Plano Diretor da
ENEF. Disponível em:
http://www.vidaedinheiro.gov.br/Imagens/Plano%20Diretor%20ENEF.pdf. Acesso em: novembro de 2011.
BRASIL/ENEF. (2011b) Estratégia Nacional de Educação Financeira – Plano Diretor da
ENEF: Anexos. Disponível em:
http://www.vidaedinheiro.gov.br/Legislacao/Arquivo/Plano-Diretor-ENEF-anexos-1.pdf.
Acesso em: novembro de 2011.
CAMPOS, M. B. (2012) Educação financeira na matemática do ensino fundamental: uma
análise da produção de significados. 150p. Dissertação (Mestrado Profissional em
Educação Matemática) - UFJF, Juiz de Fora.
CAMPOS, Marcelo Bergamini. A educação financeira na matemática do ensino fundamental.
Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora – MG, 2012.
LINS, R. C., & GIMENEZ, J. (1997). Perspectivas em aritmética e álgebra para o século XXI.
Campinas, Brasil: Editora Papirus (Coleção Perspectivas em Educação Matemática).
LINS, Romulo Campos. Por que discutir teoria do conhecimento é relevante para a Educação
Matemática. In: Bicudo, M. A. V. (Org.) Pesquisa em Educação Matemática:
concepções e perspectivas. São Paulo: UNESP, p. 75-94, 1999.
SEGOVIA, Isidoro. e RICO, Luis. La Estimación en Medida. Uno Revista de didáctica de las
matemáticas, Barcelona, n. 10, p. 29-42, out. 1996.
SILVA, Amarildo Melchiades da; POWELL, Arthur Belford. Um programa de educação
financeira para a matemática escolar da educação básica. Anais do XI ENEM – XI
Encontro Nacional de Educação Matemática, Curitiba, 2013.
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