ensino da musica num mundo modificado

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  • 8/13/2019 Ensino Da Musica Num Mundo Modificado

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    Artigo disponvel em http://www.atravez.org.br/ceem_6/mundo_modificado.htm

    O ENSINO DA MSICA NUM MUNDO MODIFICADO

    H.J.Koellreutter

    Exemplar datilografado com alteraes manuscritas do prprio autor (07p.)

    Os cursos de msica na Universidade, que tm por objetivo formar jovens para atividades

    profissionais, para as quais no h mercado de trabalho na vida nacional, so umdesperdcio, vos e inteis."

    Um tipo especfico de sociedade condiciona um tipo especfico de arte, porque a funo daarte varia de acordo com as intenes e as necessidades da sociedade, porque o sistemasocial, o sistema de convivncia inter-humana governado pelo esquema de condies

    econmicas; porque das necessidades objetivas da sociedade que resulta a funo da arte.

    A sociedade brasileira -em termos de histria, uma sociedade que est comeando a firmar-se- uma sociedade que, apesar de suas caractersticas peculiares, se integra cada vez maisno desenvolvimento scio-cultural que se estende pelo mundo todo e em que o nmero cadavez maior de mquinas passa a assumir um papel no mais de trabalho fsico, mas, em vezdisso, passa a atuar em funes no-fsicas. Refiro-me s chamadas mquinas cibernticasde pensamento, computao, robs, etc. No h dvida de que, tambm, a sociedadebrasileira ser uma sociedade de massa, tecnolgica e industrializada.

    Durante essa fase de desenvolvimento scio-cultural, a tecnologia penetra na realidade do

    mundo psico-espiritual do homem, criando novas categorias de pensamento lgico eracional, acontecimento cujas ltimas consequncias ainda no podem ser previstas.

    Nesta sociedade, o conceito de representao da arte, como objeto de ornamentao de umaclasse social privilegiada, como um status-smbolo na vida privada de uma elite social noenvolvente, no mais relevante.

    Nesta sociedade, pelo contrrio, a arte torna-se essencial existncia do ambientetecnolgico e transforma-se no instrumento de um sistema cultural que enlaa todos ossetores deste mundo, construdo pelo homem, contribuindo para dar-lhes forma e expresso.Os sistemas de comunicao, de economia e de tecnologia, de linguagem e de expresso

    artstica, misturam-se uns aos outros, mergulhando num nico todo.

    A arte converte-se em fator preponderante de esttica e de humanizao do processocivilizador. Estou convencido de que apenas a transformao da arte em arte ambiental e,portanto, em arte funcional, pode prevenir o declnio de sua importncia social.

    Por sua vez, o artista torna-se consciente de que a sua funo uma funo social, no maisamplo sentido do termo, porque as realidades profissionais da sociedade de massa,tecnolgica e industrializada, so incompatveis com o conceito tradicional do artista, ouseja, o "gnio" que permanece distante da sociedade.

    Dentro desta nova sociedade, encontramos, no entanto, vrios campos de atividades quepodem ser desenvolvidas, estendidas, desdobradas e ativadas atravs de msica aplicada.

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    No campo da educao em geral, no campo do trabalho, na medicina, nos setores deplanejamento urbano, na administrao, nas relaes inter-humanas, na terapia ereabilitao social, enfim, nestes e em outros setores da vida moderna, a msica aplicadapode fazer-se presente, de uma forma dinmica e produtiva.

    O objetivo desta inter-ao arte/civilizao deveria ser o de intensificar certas funes daatividade humana, ou em outras palavras, "humaniz-las" com o auxlio da comunicaoesttica, funcionalmente diferenciada.

    No tocante msica, ou melhor, educao pela msica, a mais importante implicaodesta tese na sociedade moderna a tarefa de despertar, na mente dos jovens, aconscincia da interdependncia de sentimento e racionalidade, de tecnologia e esttica. Nofundo, isto representa desenvolver a capacidade dos jovens para um raciocnio globalizante eintegrador.

    H, muito que a formao do ambiente deixou de ser um problema tecnolgico. Uma grandeparte dos problemas que devem ser encontrados e solucionados surge dentro da rea doplanejamento educacional e esttico. Uma vez abatida a megalomania da sociedadecapitalista megalomania esta que resulta da prosperidade e da f no progresso tecnolgico-,a sociedade capitalista estar apta a descobrir que o descaso da nossa sociedade em relaos foras destrutivas ambientais, obriga, finalmente, a modificaes, tambm, nos setoresesttico-tecnolgicos e esttico-sociais.

    Na sociedade moderna, de massa, tecnolgica-industrial, a arte torna-se um meio depreservao e fortalecimento da comunicao pessoa-a-pessoae de sublimao damelancolia, do medo e da desalegria, fenmenos que ocorrem pela manipulao bitolada dasinstituies pblicas e se tornam fatores hostis comunicao. Ela transforma-se numinstrumento do progresso, do soerguimento da personalidade e de estmulo criatividade.

    Como instrumento de libertao, a arte torna-se um meio indispensvel de educao, pelofato de oferecer uma contribuio essencial formao do ambiente humano. Assim, atravsde sua integrao na sociedade, a arte torna-se um trao central da sociedade moderna,desde que, por meio desta sua integrao, ela vena sua alienao social e sobreviva suacrise.

    Por volta de 1920, Mondrian, um dos primeiros pintores construtivistas, que viveu naprimeira metade do presente sculo, escreveu o seguinte: "O futuro dir que haver umtempo em que seremos capazes de renunciar a todas as artes como as compreendemos

    hoje; pois, ento, a beleza, alcanando a maturidade ter chegado a uma realidade tangvel.

    Quando o homem conseguir realizar em si o equilbrio dos contrrios; quando conseguir

    afastar o sentido trgico da vida e quando a arte estiver perfeitamente integrada na vida, ela

    deixar de existir, pois tudo ser arte".

    Na sociedade moderna, a arte, como arte funcional, envolve o homem e deixa sua marca navida diria. No se trata, de forma alguma, de uma atitude indiferente quanto suaexistncia ou no. Ela ser fator necessrio e decisivo, uma parte integrante da civilizao.

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    Somente um tipo de educao e ensino musical capaz de fazer justia essa situao:aquele que aceita como funo a tarefa de transformar critrios e idias artsticas numa novarealidade resultante de mudanas socais. Surgir um tipo de ensino musical para otreinamento de musicistas que, futuramente, devero estar capacitados a encarar sua artecomo arte aplicada, isto , como um complemento esttico aos vrios setores da vida e daatividade do homem moderno. Acima de tudo, musicistas que devero estar preparados paracolocar suas atividades a servio da sociedade.

    Em outras palavras seria este um tipo de ensino musical, cujas categorias de treinamento,contedo e padres de instruo, iriam proporcionar uma relao mais autntica entre oestudo e as realidades da vida profissional e que, basicamente, visaria preparar os jovensmsicos para uma carreira de real relevncia na sociedade em que vivemos.

    Acontece que a situao do ensino musical entre ns carece, em primeiro lugar, de umaanlise e, talvez, de uma reflexo com respeito s condies sociais do pas. Poucos so osque, ao analisar as contradies e conflitos que surgem entre o aprendizado do estudante demsica e a realidade profissional, entre a iluso das ambies artsticas e a adaptaoirrefletida s exigncias das atividades musicais, tiram concluses para uma reformulaoadequada do ensino musical.

    Falando em contradies, ao refiro-me ao resultado da conservao infecunda e obstinada decategorias tradicionais de preparao, instruo e formao, de currculos e critriosestticos e artsticos que, em conseqncia das transformaes econmicas, polticas esociais, h muito tornaram-se obsoletas e anacrnicas. So poucos os que analisam arealidade social do pas e orientam o aluno, elucidando-o, com franqueza e honestidade,sobre a existncia ou inexistncia de chances profissionais, sobre as possibilidades eimpossibilidades da profisso que os esperam.

    Acontece que os nossos estabelecimentos de ensino musical ainda se orientam pelas normase pelos critrios em que estavam baseados os programas e currculos dos conservatrioseuropeus do sculo passado, revelando-se instituies alheias realidade social brasileira, nasegunda metade do sculo XX, e servindo, dessa maneira, a interesses que no podem seros interesses culturais de nossopas.

    Em sua maioria, as escolas de msica no passam de pretensas fbricas de intrpretes paraas promoes musicais de elite burguesa, o que significa, em termos de ensino musical,especializao uni lateral, aperfeioamento exclusivo das habilidades instrumentais epreparao de um tipo de musicista que v seu ideal na apresentao de um repertrioinmeras vezes repetido de valores assim chamados "eternos", estabelecidos pela elite.

    Diante da situao scio-cultural em nosso pas e, principalmente, diante das condiesscio-culturais em que vegeta a vida cultural das cidades do interior -situao marcada porgraves problemas de educao em geral,de informao, de desenvolvimento da capacidadefsica, intelectual e moral do ser humano, mas tambm de sade, de abastecimento ealimentao, de assistncia social e da escassez de muitos recursos de capital importncia-,o tipo de ensino musical da grande maioria das massas, torna-se inadequado, ftil e vo.

    necessrio levar-se em conta, tambm, as inovaes tecnolgicas que, aps a SegundaGuerra Mundial, comearam a revolucionara rea musical, quais sejam, o rdio, a televiso,

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    a reproduo de msica por meio de gravao em disco ou fita magntica, bem como adivulgao de msica por meio dos novos processos de impresso eletrosttica que, se, porum lado, modificaram fundamentalmente as condies de produo e consumo de msica,isto , o aspecto sociolgico da vida musical, por outro, ofereceram e continuam oferecendoum sem-nmero de novas profisses e atividades especializadas, para as quais aUniversidade poderia preparar o jovem.

    preciso ademais um programa de interiorizao cultural contnuo, ordenado, coerente emetdico para as cidades do interior. Para isso, seriam necessrios professores eeducadores especializados, que pudessem contribuir eficientemente para o crescimentodas culturas bsicas em desenvolvimento em quase todas as cidades do interior,conscientizando e estimulando os valores existentes nessas regies.

    Com tudo isso, no se deve esquecer que a rapidez com que evoluem as cincias e atecnologia em nosso tempo, dificilmente permite acompanhar o desenvolvimento e atransformao da mentalidade e dos hbitos intelectuais e psquicos dos nossos jovens, pois,desde cedo, estes chegam a conhecer e, principalmente, a viver fenmenos sociais emanifestaes culturais que so desconhecidos uma grande parte dos professores, por nopertencerem esfera de experincia destes ltimos. Refiro-me a certas atividades em grupo,a certos modos de procedimento e ao, e ao comportamento crtico dos jovens face a certasregras e costumes de conduta, considerados como vlidos pela maioria da populao adultae realizada, profissionalmente falando.

    Refiro-me "curtio" de jazz, bem como msica popular em geral, e ao interesse dosjovens pela improvisao e pela msica moderna, que alia o som ao rudo, que implica emnovos smbolos de grafia e notao, que requer um novo tipo de audio e percepo e negaquase todos os conceitos da esttica tradicional, linguagem musical, hoje em uso em todaparte do mundo, no cinema, na televiso, no teatro,etc... Linguagem que, por natureza,obriga o compositor a modific-la permanentemente e a inventar novos elementos sonoros,novos princpios de ordem e novos meios de notao que tm, cada vez menos, a ver comaquilo que se ensina nas escolas de msica. Os alunos esto sendo postos margem desseprocesso de evoluo pois, para a escola, a experincia dos jovens no relevante, o queobriga os alunos a compactuar com padres estipulados pela escola e tidos como corretos eadequados.

    Dando-me conta das dificuldades que encontraria uma reformulao do ensino musical, nostermos que acabo de expor, visualizo, para o aluno que visa uma profisso na rea musical,um programa de extenso a ser realizado na Universidade e, para o jovem que se interessapor atividades musicais sem pretender execut-las como profissional, um centroindependente de animao e criatividade musical, anexo ao conservatrio, ou atsubstituindo-o. Um verdadeiro ncleo de atividade ldica, de carter popular onde, de umlado, se faz e invente msica, sem limites ou restries, onde, em ltima anlise, aatividade, o processo, se torna mais importante do que o resultado, e por outro lado, seensina os instrumentos mais populares, apenas com os rudimentos da teoria musical, onde ojovem pode se dedicar prpria msica popular.

    O programa de extenso, a ser realizado pela Universidade, com vistas a formao e otreinamento de musicistas profissionais, constaria de seminrios livres, porm.

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    profissionalizantes em matrias funcionais na sociedade moderna. Por exemplo, poderiaconsistir nos seguintes cursos:

    l. Um seminrio de extenso a atualizao, para professores de educao artstica eeducadores que se servem da msica como meio; seria, preferencialmente, direcionado uma atividade profissional no interior;

    2. Um curso especializado de msica para o rdio, para a televiso, para o cinema e para oteatro, que se destinaria a compositores, arranjadores e msicos de orquestra e engenheirosde som;

    3. Um curso de msica para a publicidade e propaganda, que se destinaria a compositores,arranjadores e msicos de orquestra;

    4. Um seminrio de msica para a medicina e reabilitao social, um curso de preparao etreinamento, destinado a musicoterapeutas e coordenadores de programas de atividadesrecreativas e de terapia ocupacional;

    5. Um seminrio de msica no campo da recreao em geral e das atividades de lazer; umcurso de especializao, destinado a educadores, animadores, compositores, arranjadores,msicos de orquestra, etc..

    Cada um destes seminrios consistiria de uma matria principal e de uma srie de cursoscorrelatos, como por exemplo, treinamento auditivo (atualizado e especializado),

    terminologia, teoria da informao aplicada msica, anlise, esttica, sociologia da arte eimprovisao individual e coletiva.

    No entanto, no adianta reformular ou completar programas de ensino, se a didtica e ametodologia, na prtica, continuarem desatualizadas e se limitarem a transmitir osconhecimentos herdados, consolidados e freqentemente repetidas em aulas de doutoral efastidiosa atuao do professor.

    Este tipo de didtica deve ser gradativamente substitudo pelo mtodo pr-figurativo deensino, que orienta e guia o aluno, porm no o obrigando a sujeitar-se tradio, valendo-se do dilogo e de estudos concernentes aquilo que h, de existir ou pode existir,ou se receia

    que exista.

    Ensinar a teoria musical, a harmonia e o contraponto como princpios de ordemindispensveis e absolutos, ps-figurativo. Indicar caminhos para a inveno a criao denovos princpios de ordem, pr-figurativo.

    Ensinar que o aluno pode ler em livros ou enciclopdias, ps-figurativo. Levantar semprenovos problemas e levar o aluno controvrsia e ao questionamento de tudo que se ensina, pr-figurativo.

    Ensinar a histria da msica como conseqncia de fatos notveis e obras-primas do

    passado, ps-figurativo. Ensin-la, interpretando e relacionando as obras-primas dopassado com o presente e com o desenvolvimento da sociedade, pr-figurativo.

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    Ensinar a composio, fazendo o aluno imitar as formas tradicionais e reproduzir o estilo dosmestres do passado, mas, tambm, os dos mestres do presente, ps-figurativo. Ensinar oaluno a criar novas formas e novos princpios de estruturao e forma, pr-figurativo.

    No adianta somente apontar defeitos, clamar contra a inrcia e a falta de compreenso dasadministraes, ou contra a revolta da juventude. preciso remontar s causas e fazer valero direito que assiste aos nossos jovens. No adianta recorrer a mtodos fechados de ensino,que copiam o passado. Devemos, isto sim, elaborar e desenvolver mtodos que deixem ofuturo aberto.

    O risco, o experimento, a negao das regras inveteradas e caducas, so elementosessenciais da atividade artstica. O passado um meio e um recurso, de maneira nenhumaum dever. O futuro, porm, .

    COMENTRIO

    Difcil imaginar um leitor que no se inquiete diante de um texto do professor e compositorKoellreutter. Primeiro, porque ele nos alerta. Para isto, desfaz-se de posturas cerimoniosascom a msica: desmistifica-a sem tirar-lhe a funo, a fora, o prazer e o mistrio.

    Faz dela uma ao presente possvel e uma ao futura necessria. Desmistifica tambm osartistas desdobrando sua possibilidades de ao e ampliando os sentidos de suas atividades.Segundo, porque ele nos provoca. Para isto, explicita suas indignaes mais profundas: osproblemticos planejamentos educacionais e estticos, a megalomania da sociedadecapitalista, a manipulao bitolada das instituies publicas e a irrelevncia com que a escolav e trata a experincia dos jovens. Terceiro, porque ele prope, sonha e nos desafia parapensar e agir.

    Como proposta, Koellreutter visualiza, diramos, uma interao quase orgnica entre arte ecivilizao. Esta inteno no pressupe, conforme sugere logo de incio, tratar a arte comoum mito que serviria para reforar fantasias e desejos de alguns. Tambm no pressupeuma interao uniarticulada entre arte e civilizao. A interao que Koellreutter defendepressupe que atividades, funes, contextos e condies diversas de preparar e instruirpara as artes que tambm so diversas.

    Como sonho, Koellreutter nos apresenta uma sociedade onde artistas estariam conscientesde que a sua funo uma funo social e imagina a arte como a dimenso que podehumanizar as inevitveis formas de penetrao tecnolgica no mundo psico-espiritual dosindivduos. Sonho ou utopia, nenhum de nos pode descartar uma dose disso (melhorvivermos amparados em alguns e impulsionados por muitos). Que a arte ser "sempre umfator necessrio e decisivo, uma parte integrante da civilizao" idia que parece, s vezes,um sonho. Mas Koellreutter transforma o sonho em aspirao e nos oferece, ao fazer isto,alguns desafios.

    Um primeiro desafio no novo; nem por isto deixa de ser importante: "despertar na mentedos jovens a conscincia da interdependncia de sentimento e racionalidade". Um outro,

    condio mais recente e no menos importante: despertar, tambm,a conscincia dainterdependncia entre "tecnologia e esttica".

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    Para enfrentar esses desafios, Koellreutter radical: s "um tipo de educao e ensinomusical e capaz de fazer justia esta situao..."

    Mesmo no sendo um texto recente e estando direcionado a uma realidade inerentementemvel -a educaco- alguns pontos da reflexo do professor permanecem vitais para asnossas discusses. Uma qualidade que sobressai na proposta de Koellreutter atransparncia e coerncia entre princpios e objetivos para o ensino musical que ele prope.Mesmo usando uma idia que nos dias de hoje freqentemente questionada -"a artefuncional" la forma como esta idia concebida confere a proposta uma honestidadepedaggica que tem sido rara em grande parte dois projetos institucionais e culturais queconhecemos. A clareza de na intencionalidade de uma proposta qualquer no significa,obviamente, que ela seja valiosa, possvel ou desejvel. Porm, esta clareza que permiteuma discusso mais democrtica, ou seja, que pe em aberto opes, caminhos e fins quese pretende atingir.

    Que as universidades ainda no esto respondendo, nem preparadas para responder(estariam preocupadas?) atual diversificao profissional para a qual os msicos poderiamdedicar -se, notrio..Que elas tm sido vitimas de seu prprio conservadorismo, tambm situao conhecida. Entretanto, este um lado da situao. Outro lado parte de umaobservao comum de que esta universidade tambm no tem recebido, de uma maneirageral, estes jovens to crticos e to interessados pela improvisao, pela msica moderna,ou pelas formas contemporneas de composio como imagina Koellreutter. No que estesjovens no existam. Talvez muitos deles estejam se profissionalizando independentementeda escolarizao formal e, certamente, muitos outros fogem desta universidade que jsabem no oferece o que eles procuram.

    H, tambm, um grande nmero de jovens que no alimente desejos de uma formaouniversitria; ora porque j aderiram descrena social pelas nossas instituies2, oraporque no tiveram, no ensino bsico, formao suficientemente sria e humanstica paraestimul-los para o estudo das artes. Parte desta descrena pode ser explicada por umamudana sensvel do valor desta formao em relao aos valores capitalistas que temimpulsionado muito destes jovens -como o prprio Koellreutter admite. Tambm necessrio considerar que, desde a implantao do vestibular -com sua crescente imediatezde forma e contedo para aferio de conhecimentos- o grande ritual celebrativo do processode formao dos jovens passou a ser a entrada na universidade. Esta inverso de valorestem gerado, com freqncia, um decrscimo contnuo de esforo, interesse e prazer peloensino e pela aprendizagem. Reforando este ritual, paira uma noo de que todos osindivduos podem e devem ser bem sucedidos nos processos institucionais de formao. como se a formao (e titulao) universitria fosse uma condio "natural" na vida dosindivduos.

    Algumas discusses e propostas que pretendem refletir sobre estas situaes tm sidodesenvolvidas3e algumas contribuies para mudanas tambm esto sendo apresentadas.O acesso ainda limitado a formao universitria, seja pela misria educacional corri aeducao bsica -pblica e privada- seja pela misria social que retira da maioria a chancede dar continuidade sua formao escolar em nvel de terceiro grau , at agora, a maior emais grave questo.

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    A idia de um programa de extenso como o sugerido pelo professor Koellreutter no perdeusua validade. A liberdade com que estes programas podem se organizar e as alternativas deprogramao e reformulao com as quais poderiam dispor -dada a maior autonomia quetm em relao estrutura burocrtica e acadmica universitria- indicam as aes deextenso como forte caminho para experimentar a proposta-desafio do professor. Acreditoque j contamos com profissionais capazes de iniciar, com garra para enfrentar muitosobstculos, as linhas de formao que Koellreutter exemplifica atravs dos cinco programasde extenso que ele prope. Estes programas seriam, no mnimo para reforar mais umacrise que poderamos que enfrentar. Assim, Koellreutter tambm contribui par sua idia deque: Ser artista viver a crise, viver a crise constantemente, at o fim da vida, Amm4.

    NOTAS

    1) Refiro-me concepo de arte funcional como equivalente instrumentalizao depropsitos, meios e fins artstica em relao a outra atividade que passa a ser reconhecidacomo mais importante, necessrio ou til. Ao falar em "arte funcional ou "arte ambiental",entendo que Koellreutter concebe a arte como"sdita" de outras atividades e sim, comopodendo assumir seu poder e suas funes de transformar, criar e qualificar certasatividades.

    2) Sobre este tema ver, por exemplo: Fernandes,R.C,:Privado porm pblico - O terceirosetor na Amrica Latina. Rio de Janeiro, Relume-Dumar,1994.

    3) Ver, por exemplo; Fundao Cesgranrio: Anais do Simpsio Nacional sobre avaliaoEducacional: uma reflexo critica Rio, 1994; E.Durhanm e S.Schwatzman (org,): Avaliaono ensino superior, So Paulo: Edusp, 1992;M.Ludke e Z.Mediano (Coords.):.Avaliao naescola de 1 grau: uma anlise sociolgica, So Paulo; Papirus,1992.

    4) KOELLREUTTER, H.J.: A caminho da superao dos opostos. Msica Hoje - Revista dePesquisa Musical, n2, pp.07-25.NAPq e CPMC, Belo Horizonte UFMG,: 1995.

    Irene Tourinho, Educadora Musical e Professora do Departamento de Msica da Escola deComunicaes e Artes da Universidade de So Paulo (ECA/USP).