ensino-aprendizagem de matemÁtica para alunos...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO CHRISTIANE MILAGRE DA SILVA RODRIGUES Orientadora: Prof.ª Dra. Jussara Martins Albernaz ENSINO-APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA: COMO APRENDE O SUJEITO COM SÍNDROME DE DOWN? VITÓRIA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

CHRISTIANE MILAGRE DA SILVA RODRIGUES

Orientadora: Prof.ª Dra. Jussara Martins Albernaz

ENSINO-APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA PARA ALUNOS COM

DEFICIÊNCIA: COMO APRENDE O SUJEITO COM SÍNDROME DE DOWN?

VITÓRIA

2013

CHRISTIANE MILAGRE DA SILVA RODRIGUES

ENSINO-APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA PARA ALUNOS COM

DEFICIÊNCIA: COMO APRENDE O SUJEITO COM SÍNDROME DE DOWN?

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Educação do

Centro de Educação da Universidade Federal do

Espírito Santo, como requisito de avaliação, na

linha de Diversidades e Práticas Educacionais

Inclusivas.

Orientadora: Prof.ª Dra. Jussara Martins

Albernaz.

VITÓRIA

2013

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Setorial de Educação,

Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Rodrigues, Christiane Milagre da Silva, 1978- R696e Ensino-aprendizagem de matemática para alunos com

deficiência : como aprende o sujeito com Síndrome de Down / Christiane Milagre da Silva Rodrigues. – 2013.

167 f. : il. Orientador: Jussara Martins Albernaz. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade

Federal do Espírito Santo, Centro de Educação. 1. Aprendizagem - Matemática. 2. Educação inclusiva. 3.

Down, Síndrome de. I. Albernaz, Jussara Martins. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.

CDU: 37

AGRADECIMENTOS

Muitos deveriam aparecer nesta lista de agradecimentos, e mesmo não citando seus nomes

quero expressar minha gratidão por fazerem parte da minha vida. São colegas de trabalho,

amigos e pessoas não tão próximas, mas que me incentivaram, ajudaram ou simplesmente

torceram por mim.

A Deus, por ser o Doador e Mantenedor da minha vida.

A meus pais, especialmente minha mãe, que diante de todas as dificuldades não abriu mão de

minha educação.

A meu esposo Adriano e filha Larissa, pela paciência, compreensão e ajuda incondicional.

Às minhas irmãs, cunhados e sobrinhos pela presença constante e alegria oferecida quando

precisava.

À minha irmã Christina, pelas leituras atentas e considerações preciosas que permitiram que

este trabalho não fosse solitário.

Aos professores Carlos Eduardo Ferraço, Edna Castro de Oliveira, Hiran Pinel, Rogério

Drago e Sonia Lopes Victor pelo incentivo e ensinamentos que muito contribuíram para

minha formação.

À professora doutora Jussara Martins Albernaz que me orientou neste trabalho me fazendo

perceber o que por muitas vezes não conseguiria sozinha.

Às alunas que fizeram parte desta pesquisa e à Escola que me recebeu com tanta

receptividade.

RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo ampliar a compreensão do processo de ensino e

aprendizagem da Matemática para alunos com síndrome de Down inscritos nos últimos anos

do Ensino Fundamental, assumindo as características de um estudo de caso colaborativo. Os

sujeitos centrais foram duas alunas dos últimos anos do Ensino Fundamental de uma escola

pública municipal de Serra - ES. Alice, de 16 anos, cursava a 7ª série, e Bárbara com 13 anos

o 6º ano. Cada uma delas era acompanhada por uma estagiária que cursava Pedagogia. A

pesquisa procurou identificar e avaliar seus conhecimentos lógico-matemáticos, analisou o

processo de ensino e aprendizagem de Matemática empregado, as limitações das alunas e suas

potencialidades. Buscou estratégias para levá-las à aprendizagem desta disciplina, e

estabeleceu relações para a construção de conhecimentos matemáticos que lhes permitisse

compreender e transformar o seu dia a dia. A coleta de dados foi realizada através da

observação participante, diário de campo, memórias analíticas, análise documental e áudio

gravação. Para o embasamento teórico nos apoiamos principalmente em Vigotski e

D’Ambrósio. Realizamos um período exploratório em que as alunas foram observadas em

suas aulas e nos demais espaços escolares. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com

profissionais que trabalhavam com essas alunas, com seus responsáveis e com elas mesmas. A

sondagem mostrou que as alunas não possuíam conhecimentos numéricos elementares

trabalhados nas séries iniciais, não eram alfabetizadas e interagiam pouco com professores e

colegas na sala de aula. Elas foram acompanhadas durante quatro meses, nas quatro aulas

semanais de Matemática, quando foram exploradas atividades que visavam melhorar seu

desempenho matemático, independentemente do conteúdo relativo à série cursada. Houve

avanços, ainda que tímidos. O trabalho apontou para formas de realizar um ensino mais

efetivo da Matemática na Educação Inclusiva, proporcionando à Escola (re)construir uma

prática pedagógica que favoreça o desenvolvimento de habilidades imprescindíveis à

competência do aluno com síndrome de Down.

Palavras-chave: Aprendizagem Matemática; Educação Inclusiva; Síndrome de Down.

ABSTRACT

The goal of this research was the enlarge of the teaching and learning process of mathematics

to Down syndrome students enrolled at the last years of Fundamental Education, assuming the

characteristics of a collaborative case study. The man subjects were two finalist Fundamental

students from a public school at Serra - ES. Alice, 16 years old, coursing 7th grade and

Barbara 13 years old cursing 6th grade. Each one of them were accompanied by a Pedagogy

intern. The research sought to identify and evaluate their logic-mathematics knowledge,

analyzed the teaching and learning process of Mathematics, the students limitations and their

potentials. Sought for strategies to bring them this subject learning, and established

relationships for mathematics knowledgeable constructions that allowed the comprehension

and transform daily life. The data collection was performed through observation, field diaries,

analytics memories, documental analyses and audio recording. We supported our theoretical

foundation mainly based on Vigotski and D' Ambrosio. We performed an exploratory period

in which some students were observed in class and at school facilities. Semi-structured

interviews were performed with professionals who worked with these students, their

responsible and with the students themselves. The survey showed that the students did not

have elemental numerical knowledge worked on initial grades, they were not literate and had

few interactions with teachers and classmates in class. They were observed during four

months, in the four weekly classes which activities that had as an objective develop their

mathematic knowledge, were explored regardless the subject given by each grade.

Development were seen although steel shy. The paper revealed forms to perform a more

effective teaching of Mathematics in Inclusive Education, providing a (re) building a

pedagogical practice by the school on the benefit of the development of essential skills to a

student competence with Down syndrome.

Keywords: Learning Mathematics; Inclusive Education; Down syndrome.

LISTA DE SIGLAS

AEE – Atendimento Educacional Especializado.

APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.

CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil.

CNE/CEB – Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica.

EJA – Educação de Jovens e adultos.

EMEF – Escola Municipal de Ensino Fundamental.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

ITS - Sistema Tutorial Inteligente.

NEE – Necessidades Educacionais Especiais.

ONG – Organização não governamental.

PNEE – Política Nacional de Educação Especial.

PPP – Projeto Político Pedagógico.

SAEDE/DM – Serviço de Atendimento Educacional Especializado/Deficiência Mental.

SD – Síndrome de Down.

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Jogo UNO.............................................................................................................103

Figura 2 – Números e Letras em E.V.A.................................................................................104

Figura 3 – Jogo das Cartas.....................................................................................................109

Figura 4 – Quebra-cabeça......................................................................................................113

Figura 5 – Jogo das Laranjeiras.............................................................................................116

Figura 6 – Jogo da pescaria....................................................................................................117

Figura 7 – Dominó.................................................................................................................122

Figura 8 - Jogo das Cartas......................................................................................................123

Figura 9 – Numerais em E.V.A..............................................................................................124

Figura 10 – Dominó dos Bichinhos.......................................................................................126

Figura 11 – Atividades da prova de Bárbara..........................................................................128

Figura 12 - Jogo das Laranjeiras............................................................................................129

Figura 13 – Jogo da Pescaria.................................................................................................130

Figura 14 – Quebra-cabeça....................................................................................................130

SUMÁRIO

RESUMO...................................................................................................................................v

ABSTRACT..............................................................................................................................vi

LISTA DE SIGLAS................................................................................................................ vii

LISTA DE FIGURAS............................................................................................................viii

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................12

2 TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL..................................................................15

2.1 ORIGENS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL..........................................................................15

2.2 A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL E AS LEGISLAÇÕES ATUAIS.....................19

2.2.1 LEGISLAÇÃO.................................................................................................................19

2.3 A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.................................25

3 BASE TEÓRICA..................................................................................................................28

3.1 A PERSPECTIVA SÓCIO HISTÓRICA...........................................................................28

3.2 ORIGENS DA MATEMÁTICA E SEU ENSINO..............................................................35

3.2.1 O ENSINO DA MATEMÁTICA AO LONGO DO TEMPO..........................................36

3.2.1.1 O ensino da Matemática para pessoas com deficiência intelectual........................38

3.2.1.2 O ensino da Matemática no Brasil.............................................................................38

3.2.2 O ENSINO DA MATEMÁTICA NA ATUALIDADE E NOVAS ABORDAGENS

TEÓRICAS...............................................................................................................................43

3.3 A ETNOMATEMÁTICA....................................................................................................46

3.4 PRÁTICAS CURRICULARES NO ENSINO DA MATEMÁTICA.................................51

4 A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E A SÍNDROME DE DOWN.................................55

4.1 REGISTROS HISTÓRICOS SOBRE A SÍNDROME.......................................................56

4.2 CARACTERÍSTICAS FÍSICAS........................................................................................58

4.3 EXPECTATIVAS DE DESENVOLVIMENTO..................................................................62

5 REVISÃO DE LITERATURA............................................................................................66

6 METOLOGOGIA................................................................................................................80

6.1 A ESCOLHA DOS SUJEITOS E DO CAMPO DE PESQUISA.......................................82

7 DOS ESTUDOS PRELIMINARES AOS DADOS ANALISADOS.................................85

7.1 O CAMPO DE PESQUISA................................................................................................85

7.2 MINHAS PRIMEIRAS IMPRESSÕES.............................................................................90

7.2.1 RELATOS SOBRE O AMBIENTE FAMILIAR DAS ALUNAS...................................93

7.2.2 OS PRIMEIROS CONTATOS COM ALICE E BÁRBARA..........................................95

7.3 MINHAS IMPRESSÕES FINAIS......................................................................................96

7.3.1 A APRENDIZAGEM DE ALICE..................................................................................101

7.3.2 A APRENDIZAGEM DE BÁRBARA..........................................................................118

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................132

8.1 ALICE...............................................................................................................................133

8.2 BÁRBARA................................................................................................... ....................134

8.3 AS ALUNAS.....................................................................................................................135

REFERÊNCIAS....................................................................................................................138

APÊNDICES..........................................................................................................................144

APÊNDICE A - Questões orientadoras para entrevista realizada com os professores,

coordenadora, pedagoga e estagiárias das alunas sujeitos da pesquisa...................................144

APÊNDICE B – Questões orientadoras para entrevista realizada com Alice e Bárbara (sujeitos

da pesquisa) ...........................................................................................................................145

APÊNDICE C – Autorização de entrevista e de áudio gravação concedidas.........................146

APÊNDICE D – Autorização da Escola.................................................................................147

APÊNDICE E – Autorização dos pais ou responsáveis..........................................................148

ANEXOS................................................................................................................................149

ANEXO A – Desenho de Alice...............................................................................................149

ANEXO B – 1ª prova de Alice................................................................................................150

ANEXO C – 2ª prova de Alice................................................................................................153

ANEXO D - Prova de Recuperação de Alice.........................................................................157

ANEXO E – 1ª prova de Bárbara............................................................................................159

ANEXO F – 2ª prova de Bárbara ...........................................................................................162

ANEXO G – Cronograma.......................................................................................................166

12

1 INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos a Educação passou por um período de reformas. Na Educação Especial tais

reformas alteraram sua definição, redefiniu-se o público a qual se destina esta modalidade e a

sua organização no que se refere aos serviços para os sujeitos da Educação Especial.

Sabemos que a questão do normal e do anormal é relativa e o deficiente é quem a cultura diz

ser, o que traz grandes desafios para a implantação de uma política educacional na perspectiva

da educação inclusiva. Estes “se tornam evidentes mesmo quando estão cumpridas as

exigências que os programas e projetos explicitam: salas reduzidas, acompanhamento em

salas de recursos, adequação do espaço escolar, formação de professores, acolhimento da

escola, etc.” (KASSAR, 2011, p. 75).

É preciso, portanto, transpormos esses desafios e olharmos para além do que está sendo feito.

É preciso fazer bem e para isso é preciso realizar pesquisas sobre o tema.

Nesse sentido, o meu interesse em pesquisar sobre a Educação Especial vem desde 1997, ano

em que tive a primeira experiência como professora das primeiras séries do Ensino

Fundamental numa turma na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, com

alunos com deficiência. A abordagem do tema naquela época era bem diferente da atual.

Estavam sendo dados os primeiros passos para se chegar à educação inclusiva nos moldes que

temos hoje. Nessa época, mesmo trabalhando em uma escola especializada, onde a minoria

dos alunos também frequentava a escola regular, sempre me inquietou o fato desses alunos

terem potencial para aprender, mas nem sempre serem vistos como sujeitos capazes,

respeitando, é claro, o seu tempo e suas singularidades.

Minha formação em Matemática me fez ir além, pois percebi que no ensino desta disciplina,

possibilitar a educação aos alunos com deficiências e transtornos globais do desenvolvimento1

é muito importante. É preciso buscar reflexões a partir de práticas pedagógicas e encontrar

pressupostos teóricos e metodológicos que possam permear o “fazer pedagógico”.

A Matemática está presente em diversas situações do nosso dia a dia, e é utilizada de forma

tão natural, que nem mesmo percebemos. Na educação de alunos sujeitos da Educação

Especial, esta se apresenta, na maioria das vezes, de forma mecânica e desvinculada do

cotidiano dos mesmos.

1 A partir da PNEE (2008) os sujeitos da Educação Especial são os alunos com deficiência, transtornos globais

do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

13

Constata-se que em Educação Especial são poucos os que discutem sobre a Educação

Matemática e sendo o ser humano uma totalidade indissolúvel, a Matemática deve ser

discutida, repensada e ensinada considerando ser ela um dos instrumentos necessários à

integração social e, consequentemente à cidadania.

Partindo disso, acredito ser fundamental uma discussão acerca do tema da inclusão escolar

com o olhar voltado para o direito que o sujeito da Educação Especial tem de aprender.

Trazemos então como objetivo ampliar a compreensão do processo de ensino e aprendizagem

da Matemática para o aluno com a síndrome de Down (SD) inscrito nos últimos anos do

Ensino Fundamental, procurando atender mais especificamente os seguintes objetivos

específicos:

Investigar o processo de ensino aprendizagem de Matemática, as limitações e

potencialidades dos alunos investigados com síndrome de Down;

Identificar e avaliar seus conhecimentos lógico-matemáticos;

Propor estratégias para levar estes alunos à aprendizagem desta disciplina;

Discutir a relação estabelecida com o aluno na construção de conhecimentos

matemáticos como meio para compreender e transformar o seu dia a dia.

Para atingir os objetivos fixados, autores da corrente sócio histórica servirão de suporte

teórico a essa investigação. Os autores escolhidos abordam questões mais gerais sobre o

processo de ensino e aprendizagem e/ou questões relacionadas mais especificamente ao

ensino de Matemática e a aprendizagem de crianças com deficiências.

Para melhor compreensão do trabalho apresentado, o mesmo foi dividido em capítulos, que

ora apresentamos de maneira sucinta.

Neste primeiro capítulo apresentamos a justificativa, o problema e os objetivos da pesquisa.

No capítulo 2 apontamos fatos históricos e legais a respeito da Educação Especial.

O capítulo 3 apresenta a abordagem teórica que embasa este trabalho, mostrando, entre outras

coisas, as origens da Matemática, bem como a maneira como tem se dado o ensino desta

disciplina na atualidade para todos os alunos e mais especificamente para aqueles com

deficiência.

14

No capítulo 4 são apresentadas as características e potencialidades dos sujeitos com síndrome

de Down.

O quinto capítulo analisa as pesquisas desenvolvidas que abordam o ensino de Matemática

para alunos com síndrome de Down.

No capítulo 6 a metodologia de trabalho é apresentada, e o campo escolhido para desenvolver

a pesquisa é descrito.

No capítulo 7 apresento os resultados encontrados a partir do desenvolvimento da pesquisa.

Encerro com o capítulo 8 apresentando as considerações finais.

Começaremos abordando o surgimento, a evolução e a consolidação da Educação Especial ao

longo da história.

15

2 TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Optamos, neste capítulo, por apresentar os fatos históricos de forma cronológica.

Esclarecemos, desde já, que a Educação Especial passou por diferentes fases, desde nenhum

tipo de assistência até a perspectiva da Educação Inclusiva. E entendemos que os diferentes

momentos da Educação Especial estão presentes até hoje, pois dependendo da região e do

contexto, esses vários momentos acontecem concomitantemente.

2.1 ORIGENS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Ao falarmos em Educação Especial, pode-se destacar que o médico francês Jean-Marc

Gaspard Itard (1774-1838) foi reconhecido como pioneiro neste campo, sendo denominado,

na época, como médico pedagógico. A partir de sua experiência inaugural, ao desenvolver um

processo educativo com Victor2 – o selvagem de Aveyron, ocorrida no início do século XIX,

inicia-se a educação de pessoas “anormais”. Segundo Banks-Leite & Galvão (2000, p. 59)

Itard se apoiou nos saberes do Iluminismo, em particular nas ideias filosóficas de Condillac3

(1714-1780), para pensar a educação de Victor. Tais ideias eram prevalecentes e se

coadunavam bem com o espírito revolucionário da época da primeira República. Entretanto,

as autoras ressaltam que a “filiação rigorosa a tais saberes, impediu-o de considerar como

importantes as novidades que surgiam na relação com Victor; a postura adotada por Itard não

permitiu um remanejamento de suas práticas face ao garoto.” (BANKS-LEITE & GALVÃO,

2000, p. 59). Ou seja, havia certa inflexibilidade na forma como exercícios e práticas eram

propostos a Victor. No entanto, a maneira como Itard frequentemente procedia em suas

intervenções o faz um precursor da Psicologia e da Pedagogia Experimental, pois

Descreve minuciosamente o estado em que se encontra um determinado sentido; elabora meios para desenvolvê-lo criando estímulos que permitirão

despertar ou tornar esse sentido mais aguçado; avalia os resultados obtidos e,

por fim, aponta as dificuldades encontradas.” (BANKS-LEITE & GALVÃO,

2000, p. 64).

2 Victor era um menino, que, provavelmente, ao nascer foi abandonado pelos pais num bosque. Quando tinha por

volta de onze ou doze anos, depois de algumas fugas, entrou por conta própria numa casa de Saint-Sernin –

França. Ali foi pego, passou por alguns cuidados até ser levado para Paris, onde ficou sob os cuidados de Itard.

3 Condillac foi considerado por muitos o filósofo mais notável do iluminismo francês.

16

Vale ressaltar, que no início do século XIX, quando Itard realizava sua experiência com

Victor, não havia práticas de educação coletiva generalizadas e o preceptorado era o modelo

dominante. O modo como ele descreve, em seus relatórios, sua relação com Victor sugere-nos

que a ideia moderna de que a afetividade é um catalisador da aprendizagem é desconhecida

para este educador, porém, com base em sua concepção, identificava, nas emoções, potente

estimulador da inteligência.

Por séculos, os adultos refletiram a respeito da educação, que deveria visar à transformação de

um real infantil num modo ideal de existência adulta. Porém, Itard e outros médicos

pedagogos do século XIX passam a inverter a direção da intervenção educativa. Passam a

considerar desejável a busca de se tornar real um ideal de natureza. Desse modo, “Jean Itard é

um verdadeiro pioneiro daquilo que chamamos o discurso (psico) pedagógico hegemônico na

atualidade”. (BANKS-LEITE & GALVÃO, 2000, p.109).

Caiado et al (2011, p. 23) nos alertam para os possíveis equívocos de Itard que devem ser

analisados com base no conhecimento pedagógico que construímos ao longo desses últimos

200 anos. No entanto, é necessário admitir que sua postura fosse considerada científica

naquela época. Além disso, Itard promoveu com seu trabalho junto a Victor uma ruptura

inaugural, que pode ser considerada a fundação da Educação Especial para pessoas com

deficiência, e, suas experiências nos deram base para avançarmos e aprimorarmos nossos

conhecimentos quanto a essa área de estudo.

Segundo Silva (2006, p. 11) é possível identificar que o período que antecede o século XX é

marcado por atitudes sociais de exclusão educacional de pessoas com deficiência, porque eles

eram considerados indignos ou incapazes de receber uma educação escolar. Apesar dos

estudos científicos da época tentarem demonstrar as possibilidades de tratamento da

deficiência, predominavam as concepções filosóficas de marginalização e segregação dessas

pessoas.

Fazendo uma rápida análise da trajetória da Educação Especial, observa-se, de acordo com

Kassar (2011, p. 62), que no Brasil, em países da Europa e da América em geral, o

atendimento educacional direcionado às pessoas com deficiências foi construído

separadamente da educação oferecida à população que não apresentava diferenças ou

características explícitas que a caracterizasse como “anormal”. A Educação Especial se

tornava um campo específico, muitas vezes desassociada da educação comum. “Esta

separação se materializou na existência de um sistema paralelo de ensino, sendo que o

17

atendimento de alunos com deficiência ocorreu de modo incisivo em locais separados dos

outros alunos”. (KASSAR, 2011, p. 62).

Por volta de 1905, acreditava-se que a separação de alunos “normais” e “anormais” traria

benefício para todos no processo educativo. “A preocupação em identificar “normais” e

“anormais” foi difundida na ciência médico pedagógica de vários países.” (KASSAR, 2011, p.

63). A prática de identificação de possíveis alunos “anormais” era solicitada ao professor para

organização de salas de aula homogêneas. Kassar (2011, p. 64) ressalta que contrariando a

tendência da época, os estudos de Basílio de Magalhães concluíram que a convivência de

crianças anormais e normais era benéfica, tanto emocional quanto economicamente.

“A organização das classes especiais públicas e o encaminhamento para instituições

especializadas ocorreram a partir da justificativa científica de separação dos alunos “normais”

e “anormais”.” (KASSAR, 2011, p. 65).

Apesar de registros da existência de matrículas de alunos com deficiências em escolas

privadas e estaduais desde o final do século XIX (1887), no país, a organização de instituições

especializadas foi referência para o atendimento a essas pessoas.

Na história da educação brasileira a separação foi constituindo-se como preferência e não

exceção. Partindo do pressuposto de adequação dos espaços segregados e com escassas

escolas públicas no país, durante a primeira metade do século XX, pais e profissionais que

lidavam com pessoas que apresentavam deficiências passaram a se organizar e formar

instituições privadas de atendimento especializado. Muitas decisões da política da Educação

Especial são frutos de pressões dessas associações.

Em 1932, Helena Antipoff 4

(1892-1974) criou a Instituição Pestalozzi de Minas Gerais, o que

influenciou as ações ligadas à educação em todo o país. “À época, as crianças deveriam ser

agrupadas seguindo critérios estabelecidos pela aplicação de testes de inteligência.”

(KASSAR, 2011, p. 66).

Na década de 50 começaram a surgir as primeiras escolas especializadas e as classes

especiais. A Educação Especial se consolidava como um subsistema da Educação Comum.

4 Helena Antipoff era de origem russa e aplicou, no Brasil, os conhecimentos adquiridos na Universidade de

Genebra, na Suíça. Veio para o Brasil a convite do governo de Minas Gerais.

18

Na década de 1960 emergiu o conceito de excepcionais5, e até os anos de 1980 falarmos em

excepcional, significava incluir outros perfis ligados, por exemplo, a transtornos psíquicos e à

superdotação.

Nos anos 70, com o surgimento da proposta de integração, os alunos com deficiência

começaram a frequentar as classes comuns. A Teoria do Capital Humano passa a ser

incorporada na Educação Especial, e a implantação de serviços de educação e tratamento

adequados para “tornar uma pessoa útil e contribuir para a sociedade”, evidenciavam a

preocupação com a relação custo-benefício direcionando a política educacional. Kassar (2011,

p. 70) relata que Mel Ainscow, consultor da UNESCO, fez um histórico da Educação Especial

no mundo e afirmou que nos anos 1970 mudanças importantes ocorreram em muitos países,

que culminaram com as proposições atuais, inclusive difundindo o conceito de “necessidades

educacionais especiais (NEE)6”.

Nas décadas de 80 e 90, a proposta de inclusão, propõe que os sistemas educacionais passem

a ser responsáveis por criar condições de promover uma educação de qualidade para todos e

fazer adequações que atendam às necessidades educacionais especiais dos alunos com

deficiência.

Rodrigues & Abramowics (2011, p. 21) nos alertam que foi só a partir da década de 1990, que

a referência à diversidade passou a ser cada vez mais presente no contexto político brasileiro,

motivada pela pressão internacional de cumprimento dos acordos internacionais de combate

às desigualdades raciais, de gênero e outras, e também por um contexto interno de intensas

reivindicações.

A proposta de uma educação inclusiva hoje, segundo Souza (2011, p. 141) compreende uma

escola que atenda todos os alunos independentemente das suas diferenças. Alunos com

deficiência frequentam atualmente, em grande número, as classes comuns.

5 O termo surgiu por iniciativa da psicóloga Helena Antipoff, quando crianças eram, até então, rotuladas com

termos pejorativos, visando uma adoção de um termo neutro, utilizado em relação a todas as crianças que de

alguma forma fugissem da norma, precisando de atenção especial.

6 Foi a elaboração do Relatório Warnock, na Inglaterra, em 1978, que difundiu o conceito de “necessidades

educacionais especiais”.

19

2.2 A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL E AS LEGISLAÇÕES ATUAIS

A proposição política na década de 1990, no Brasil, tanto para a educação como para a

Educação Especial, tinha como princípios a democracia, a liberdade e o respeito à dignidade.

De acordo com Garcia & Michels (2011, p. 107), a Educação Especial orientava sua ação

pedagógica por princípios específicos, quais sejam: normalização, integração,

individualização, interdependência, construção do real, efetividade dos modelos de

atendimento educacional, ajuste econômico com a dimensão humana e legitimidade. Dentre

esses, o princípio da integração foi apresentado como organizador da política para a área.

Conforme Kassar (2011, p. 70), Ainscow (1995) apresentou um levantamento realizado na

década de 1980 em 58 países, em que foi verificado que a organização da Educação Especial

dava-se predominantemente em escolas especiais separadas, que atendiam um número

reduzido de alunos. A partir dessas informações, o relatório da UNESCO indicou que as

necessidades de educação e formação da maioria das pessoas deficientes não podiam

satisfazer-se unicamente em escolas e centros especiais.

Percebemos que a Educação Especial brasileira foi estruturada ao longo do século XX sobre

poucas instituições públicas e uma rede paralela de instituições privadas.

“No início do século XXI, a política de Educação Especial assume uma perspectiva inclusiva,

estabelece uma relação mais definida com a Educação Básica e inicia um processo de

proposições com a Educação Superior.” (GARCIA & MICHELS, 2011, p. 114).

É importante salientarmos, no entanto, que essa evolução histórica não se dá de forma linear e

organizada como tentamos aqui retratá-la. É perpassada por muitos acontecimentos que, ora

representavam avanços, ora retrocessos. Outro ponto a destacar é que paralelamente à

evolução histórica, seguiam-se construções de documentos e inserções de leis, decretos,

ementas e resoluções que respaldavam todas essas mudanças.

2.2.1 LEGISLAÇÃO

Amparado pelos princípios legais, o aluno portador de deficiências, na sua condição de

cidadão (art. 1º, alínea II), e no gozo do direito da Constituição Federal (1988) que diz que

todos são iguais perante a lei, independentemente de origem, raça, sexo, cor ou idade (art. 3º

alínea IV), tem garantidos direito à educação (art. 6º), promoção de sua integração à vida

comunitária (art. 203, alínea IV), acesso e permanência nas escolas (art. 206, alínea I),

20

inclusive, nas classes regulares de ensino (art. 208, alínea III). Portanto, a educação, direito de

todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da

sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205). Cabe aos poderes públicos das

diferentes esferas federativas definirem diretrizes, objetivos, metas e estratégias de

implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos

níveis, etapas e modalidades (art. 214).

Foi, entretanto, a Declaração de Salamanca, que ocorreu em 1994, o que, a rigor, alicerçou a

implantação da Educação Inclusiva no Brasil. Segundo muitos intelectuais da área, tal

declaração substituiria o fundamento integracionista pelo inclusivista. A Declaração enuncia

que diante do alto custo em manter instituições especializadas as escolas comuns devem

acolher todas as crianças independente de suas condições físicas, intelectuais, sociais,

emocionais, linguísticas ou outros. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e

superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população

nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, e crianças de

outros grupos desvantajosos ou marginalizados. No contexto desta Estrutura, o termo

"necessidades educacionais especiais" refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas

necessidades educacionais especiais se originam em função de deficiências ou dificuldades de

aprendizagem. Parte-se da ideia de que escolas devem buscar formas de educar tais crianças

bem sucedidamente. Isto levou ao conceito de Escola Inclusiva.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394, de 20 de dezembro

de1996 trata a Educação Especial em capítulo específico. Em seu artigo 1º descreve educação

como aquela que abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na

convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos

sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. No capítulo 05

defende, para os efeitos desta Lei, que essa modalidade de educação escolar é dever do Estado

e deve ser pública, gratuita e ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para

educandos portadores de necessidades especiais (art. 58). E ainda que os sistemas de ensino

assegurem aos educandos com necessidades especiais currículos, métodos, técnicas, recursos

educativos e organizações específicas, para atender às suas necessidades (art. 59). Esta Lei

propõe a adequação das escolas brasileiras para atender satisfatoriamente a todas as crianças.

A partir de sua promulgação, diferenças étnicas, sociais, culturais ou de qualquer outra ordem

passam a ser foco do discurso de inclusão escolar. “Esse discurso toma corpo no país, de

21

modo que profissionais que atuavam na Educação Especial passam, pouco a pouco, a utilizar

o termo “inclusão” no lugar da bandeira da “integração”.” (KASSAR, 2011, p. 71).

No decorrer dos anos 2000, o Estado brasileiro, passou a implantar uma política denominada

de “Educação Inclusiva”. O Governo Federal, desde 2003, “opta pela matrícula dessa

população em salas comuns de escolas públicas, acompanhado (ou não) de um atendimento

educacional especializado, prioritariamente na forma de salas de recursos multifuncionais.”

(KASSAR, 2011, p.72). Tal política tem sido implantada explicitamente desde então.

A Resolução CNE/CEB 02/2001 institui as Diretrizes Nacionais para a educação de alunos

que apresentem necessidades educacionais especiais, na Educação Básica, em todas as suas

etapas e modalidades (art. 1º). Devem os sistemas de ensino matricular todos os alunos,

cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades

educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade

para todos (art. 2º). Entende-se por educação especial, modalidade da educação escolar, um

processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços

educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar,

suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a

garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos

que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da

educação básica (art. 3º). Utilizou em seu artigo 5º a terminologia “alunos com necessidades

especiais”, que são definidos como todos aqueles que apresentarem dificuldades de

aprendizagem, com ou sem correlação com questões orgânicas. Mas, tal definição abriu o

foco de atenção para uma diversidade de sujeitos fora das características de atuação da

Educação Especial no Brasil.

Em 2008 dá-se a homologação do documento Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva. Interessante notar que, temos neste documento um resgate

histórico e uma análise crítica a respeito da legislação referente à Educação Especial.

Este documento considera a educação especial como modalidade de ensino e não mais como

ensino diferenciado no ensino regular. Ela se caracteriza por meio do atendimento educacional

especializado (AEE), oferecido como apoio e complemento específico segundo a necessidade

de cada aluno, sem impedi-lo de frequentar, na idade própria, ambientes comuns de ensino em

estabelecimentos oficiais. Essa diretriz contempla aspectos gerais para a educação escolar das

pessoas com necessidades educacionais especiais (NEE). Define que o público-alvo da

22

Educação Especial são os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e

com altas habilidades/superdotação.

O documento orientador Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva alterou, no que diz respeito a alunos com deficiência, a compreensão acerca da

população a ser atendida pela Educação Especial, já que anteriormente, era considerado com

deficiência aquele aluno que apresentasse dificuldades de aprendizagem. Conforme segue no

documento,

[...] considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de

longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na

escola e na sociedade. (BRASIL, 2008).

Percebe-se um abandono da ideia de Educação Especial como uma proposta pedagógica, para

centrar-se na disponibilização de recursos e serviços. Garcia & Michels (2011, p. 110)

destacam que o decreto 6571/2008, que aparece logo depois do documento orientador

supracitado, nem mesmo menciona o termo Educação Especial, promovendo uma substituição

pelo termo “Atendimento Educacional Especializado”.

A Resolução 04/2009 institui as diretrizes para que o Atendimento Educacional Especializado

possa operar. Estabelece que os sistemas de ensino devam matricular os alunos com

deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas

classes comuns do ensino regular (art.1º). Temos aqui uma delimitação e especificação do

público-alvo da Educação Especial detalhando cada uma das categorias mencionadas. Para

fins destas Diretrizes em seu artigo 4º, considera-se público-alvo do AEE:

I – Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo

de natureza física, intelectual, mental ou sensorial.

II – Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor,

comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias

motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome

de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação.

III – Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um

potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e

criatividade. (BRASIL, 2009).

O Decreto 7611/2011 revoga o decreto 6571/2008, mas confirma o público-alvo da Educação

Especial como sendo as pessoas com deficiência, com transtornos globais do

desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação. Reforça ainda a garantia de

23

serviços de apoio especializado voltado a eliminar as barreiras que obstruam o processo de

escolarização desses alunos. No atual decreto as “escolas especiais” têm a possibilidade de

ofertar o AEE não suplementando ou complementando o ensino, mas também substituindo,

recebendo para isso subsídios do Governo.

Hoje temos em algumas Escolas salas de Recursos, que deveriam ter um espaço organizado

com materiais didáticos, pedagógicos, entre outros equipamentos e principalmente os

profissionais com formação para o atendimento às necessidades educativas especiais. Esse

atendimento deve ser realizado no contra turno preferencialmente na mesma unidade escolar,

porém o que encontramos, na maioria das vezes, é um quadro oposto. Outro fator que

dificulta esse trabalho é que a mesma sala de recursos, conforme o cronograma de

atendimento acaba atendendo, muitas vezes, alunos com altas habilidades/superdotação,

dislexia, hiperatividade, déficit de atenção ou outras necessidades educativas especiais, que

não integram o público alvo da Educação Especial.

Os princípios para organização das Salas de Recursos partem da concepção de que a

escolarização deve ser propiciada a todos os alunos, inclusive àqueles com necessidades

educacionais especiais. Outro ponto a destacar, é que muitas de nossas escolas geralmente são

antigas, sem acessibilidade, o que leva em alguns casos à desativação de uma determinada

sala de aula, para se transformar em uma Sala de Recurso.

Vale lembrar que este atendimento não pode ser confundido com reforço escolar ou mera

repetição dos conteúdos programáticos desenvolvidos na sala de aula, mas se constitui de um

conjunto de procedimentos específicos mediadores do processo de apropriação de

conhecimentos.

O professor da Sala de Recursos (formado em Pedagogia/Educação Especial) deve atuar,

como docente, nas atividades de complementação ou suplementação curricular específica que

constituem o atendimento educacional especializado. Outro profissional que poderia atuar de

forma colaborativa com o professor da classe comum para a definição de estratégias

pedagógicas que favoreçam o acesso do aluno com deficiência ao currículo e a sua

intervenção no grupo seria o psicopedagogo7.

7 Acreditamos que qualquer outro profissional da Educação com perspectiva inclusivista poderia atuar de forma

colaborativa favorecendo o acesso do aluno com deficiência ao currículo. Precisamos romper com o modelo

clínico que ainda permeia o ambiente educacional.

24

“A política proposta tem alcançado seus objetivos. No entanto, faz-se necessário olhar dentro

da escola e identificar diferentes desafios.” (KASSAR, 2011, p. 73).

A partir do que discorremos acima, e apoiados em Kassar (2011, p. 76), podemos, de forma

sucinta, supor que um “sistema educacional inclusivo” seja aquele que garanta o acesso ao

estabelecimento educacional (garanta a matrícula e a permanência do aluno) e que ofereça,

quando necessário, atendimento educacional especializado para complementar ou suplementar

o atendimento escolar (oferecido prioritariamente em salas de recursos multifuncionais).

Percebemos também que, a política educacional atual impele a outras práticas escolares

diferentes das construídas historicamente. Porém, a tensão que Kassar (2011, p. 76) apresenta,

baseada nos estudos de Avelino, Brown e Hunter (2007), permanece: “os governos devem

responder à globalização com uma política social orientada para o corte de gastos (eficiência)

ou para a proteção do bem-estar das pessoas (compensação).” (AVELINO, BROWN E

HUNTER, 2007 apud KASSAR, 2011, p. 76). Dentre outras coisas, segundo a autora,

percebe-se as preferências do Governo Federal pela formação de educadores no sistema de

multiplicadores do ensino inclusivo à distância, visando otimizar os recursos e atingir o maior

número de pessoas possível. As preocupações econômicas teriam sido determinantes para

adoção de políticas em outros momentos da história da educação brasileira, como parecem

estar presentes agora.

Apesar do aparato legal de que goza a Educação Inclusiva e das teorias igualitárias que dão

cobertura ao processo, a Educação Inclusiva ainda se encontra em sua fase embrionária.

Em se tratando de uma visão mais científica da Educação Inclusiva, onde um dos aspectos

básicos, o quantitativo, deve ser visto a luz de uma pesquisa que envolve, sobretudo, coleta de

dados, podemos concluir que as classes regulares de ensino necessitam, ainda, de melhores

estruturas para atingirem o padrão aceitável de desempenho.

É importante também ressaltarmos que “se por um lado o Governo Federal traçou as políticas

que objetivaram a integração das pessoas com necessidades especiais, por outro, delegou aos

Estados, Municípios e às ONGs, as medidas que assegurariam tal política.” (GARCIA &

MICHELS, 2011, p. 108).

Percebe-se, assim, que não é suficiente se apoiar na legislação para que a educação de pessoas

com deficiência se concretize. Precisamos contribuir colocando à disposição nosso fazer de

educador.

25

2.3 A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Paralelamente aos movimentos construídos em âmbito nacional no delineamento de diretrizes

para a implementação de políticas públicas de Educação Especial, na perspectiva da inclusão

escolar, encontramos iniciativas também nas esferas municipais e estaduais.

O Governo do Estado do Espírito Santo, pela via da Secretaria Estadual de Educação, vem,

em colaboração com profissionais da educação e com a Universidade Federal do Espírito

Santo, instituindo as Diretrizes da Educação Especial da Educação Básica e Profissional na

Rede Estadual de Ensino, cujo objetivo é:

[...] a implementação de uma política de educação especial para subsidiar o

Sistema Estadual de Ensino do Estado do Espírito Santo buscando a organização de escolas que atendam a todos os alunos sem nenhum tipo de

discriminação/exclusão; escolas estas que valorizem as diferenças como

fator de enriquecimento do processo educacional, transpondo barreiras para a aprendizagem e a participação com igualdade de oportunidades.

(VITÓRIA, SEDU, 2008, p. 6).

Jesus et al (2010, p. 65) nos apresentam, a partir de um estudo realizado no Estado do Espírito

Santo, que a matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais por deficiência se

materializa em todo o Estado, seja pela via das instituições especializadas, seja nas escolas da

rede municipal ou estadual de ensino.

Os autores ainda afirmam que embora nem todas as especificidades sejam contempladas e

nem todos os alunos estejam incluídos nessas instituições, há uma grande variação nas formas

de atendimento.

A partir de depoimentos chegam à conclusão de que de norte a sul do Estado há, também,

espaços denominados salas de recursos que apoiam esses alunos no processo de

aprendizagem. Há uma pluralidade de estruturação desses espaços, pois, em um mesmo

município ou até em uma mesma escola, há alunos que somente são atendidos nesses espaços,

outros têm suas especificidades trabalhadas no contra turno, outros, ainda, fazem uma

dobradinha entre a sala de aula e a sala de recursos. Muitas vezes, a necessidade e/ou

condição do aluno é que determina como ele será atendido nesse espaço.

No Estado também existe o trabalho de professores itinerantes. Esses profissionais,

geralmente, percorrem várias escolas levando esse trabalho especializado. Não há vínculo

com uma única escola e onde estiver o aluno, o professor leva esse atendimento. Esse trabalho

26

é realizado no contexto da escola em alguns casos em sala de aula, outros na sala de recursos,

no horário de aula, no contra turno, bem como em espaços “improvisados” pela escola.

Outra realidade observada no Estado do Espírito Santo é a contratação de estagiários para

acompanhamento dos trabalhos desenvolvidos com os alunos que apresentam necessidades

educacionais especiais. Muitas vezes, esses futuros educadores, ainda em processo de

formação, acabam por se responsabilizar pelo atendimento educacional desses sujeitos,

principalmente, quando efetivada a matrícula de alunos com maiores comprometimentos.

Jesus et al (2010, p. 67) ainda salientam que atualmente há, na escola, um espaço denominado

sala multifuncional que se configura como outra forma de atendimento. Por incentivo do

Ministério da Educação, muitas escolas públicas municipais e estaduais receberam/receberão

recursos financeiros e pedagógicos para instrumentalização desses espaços para que os

professores realizem atendimentos especializados com os alunos que necessitam de um

acompanhamento mais específico, para além dos recebidos em sala de aula, conforme

estabelecido pelo Decreto 6.571, de 11de setembro de 2008.

Como podemos ver, não dispomos de uma única política de atendimento no Espírito Santo.

O Estado é um mosaico, com diferentes formas de atendimento. Às vezes, no

mesmo município, essas diferentes ações se coadunam. A organização dos

municípios e Superintendências Regionais de Educação e a disponibilidade de serviços e profissionais sinalizam para um momento híbrido, no que tange

à perspectiva teórica dominante. (JESUS et al, 2010, p. 68).

Conforme relatos dos profissionais envolvidos no estudo, outra forma de atendimento são os

serviços prestados por instituições especializadas que ora se configuram como a única política

de atendimento (principalmente para os alunos com maiores comprometimentos) e divide os

atendimentos com a escola de ensino comum.

A partir dessas análises, podemos perceber que, no Espírito Santo predominam os vários

serviços como forma de atendimento e como política de Educação Especial na perspectiva da

inclusão escolar. Ainda se faz presente uma forte dependência dos trabalhos realizados pelas

instituições especializadas. No entanto, políticas vêm se instituindo no interior de cada

município para que alunos com processos diferenciados de escolarização tenham seu lugar na

escola. “Parece-nos que a presença de alunos com necessidades educacionais especiais por

deficiência vem disparando esses movimentos, pois vemos a instituição de ações, criação de

serviços e envolvimento de diferentes profissionais que propõem políticas em ação.” (JESUS

et al, 2010, p. 71).

27

Isso, a nosso ver, configura-se como um movimento muito interessante, porém não podemos

deixar de ressaltar que apesar da legislação vigente, e de sua aplicação através de recursos e

implantação de serviços, existem questões que vão além das questões práticas.

Precisamos destacar a dificuldade de trabalhar com as questões da Educação Especial, nos

últimos anos do Ensino Fundamental. Há maior dificuldade do professor de Educação

Especial na articulação com os professores regentes que ministram as várias disciplinas que

compõem esse segmento, pois essa articulação se torna mais morosa, depende muito do

professor regente, que muitas vezes não reconhece no aluno com deficiência a possibilidade

de aprendizagem, ou que ao reconhecer, não sabe o que fazer e acaba achando que é

impossível ensinar a esse aluno.

Essa realidade se apresenta de forma ainda mais marcante no ensino da Matemática, julgada,

muitas vezes uma disciplina elitista e excludente, que apenas um número pequeno de

indivíduos consegue dominar. Os autores com os quais esse trabalho vai dialogar não

compartilham dessa opinião, como será apresentado adiante, mas pode-se compreender que

essa concepção ligada a uma abordagem tradicional do ensino da Matemática, marca a forma

como esta disciplina vem sendo trabalhada nas escolas regulares junto aos alunos com

deficiência, e mais especificamente com os que apresentam a síndrome de Down.

Passaremos agora a apresentar as principais teorias que vão embasar nosso olhar

investigativo.

28

3 BASE TEÓRICA

3.1 A PERSPECTIVA SÓCIO HISTÓRICA

Em linhas gerais a perspectiva sócio histórica procura construir algo que deve refletir o

indivíduo em sua totalidade, articulando os aspectos externos com os internos, considerando a

relação do sujeito com a sociedade à qual pertence.

A abordagem vigotskiana é largamente conhecida como abordagem sócio histórica do

desenvolvimento humano. Vigotski, dentre outros conceitos, trabalha com o de mediação na

relação homem/mundo e com o papel fundamental do contexto cultural na construção do

modo de funcionamento psicológico dos indivíduos. A contingência histórica, a especificidade

cultural e a particularidade do percurso individual são componentes essenciais da teoria

vigotskiana. “O homem (todo e qualquer ser humano) não existe dissociado da cultura.”

(OLIVEIRA, 1992, p. 104).

Falar da perspectiva de Vigotski é falar da dimensão social do desenvolvimento humano.

Como salienta Oliveira (1992, p. 24) Vigotski tem como um de seus pressupostos básicos a

ideia de que o ser humano constitui-se enquanto tal na sua relação com o outro social. A

cultura torna-se parte da natureza humana num processo histórico que, ao longo do

desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do homem.

“Suas proposições contemplam, assim, a dupla natureza do ser humano, membro de uma

espécie biológica que só se desenvolve no interior de um grupo cultural.” (OLIVEIRA, 1992,

p.24).

A autora reforça que na sua relação com o mundo, mediada pelos instrumentos e símbolos

desenvolvidos culturalmente, o ser humano cria as formas de ação que o distinguem de outros

animais. Para ela,

Os conceitos são construções culturais, internalizadas pelos indivíduos ao

longo de seu processo de desenvolvimento. Os atributos necessários e

suficientes para definir um conceito são estabelecidos por características dos elementos encontrados no mundo real, selecionados como relevantes pelos

diversos grupos culturais. É o grupo cultural onde o indivíduo se desenvolve

que vai lhe fornecer, pois, o universo de significados que ordena o real em categorias (conceitos), nomeadas por palavras da língua desse grupo.

(OLIVEIRA, 1992, p. 28).

29

Vigotski chama de conceitos "cotidianos" ou "espontâneos", os conceitos desenvolvidos no

decorrer da atividade prática da criança, de suas interações sociais imediatas. Distingue esse

tipo de conceito dos chamados "conceitos científicos", que são aqueles adquiridos por meio

do ensino, como parte de um sistema organizado de conhecimentos, particularmente

relevantes nas sociedades letradas, onde as crianças são submetidas a processos deliberados

de instrução escolar. (OLIVEIRA, 1992, p. 31).

Assim, conforme Oliveira (1992, p. 32) pode-se remontar a origem de um conceito

espontâneo a um confronto com uma situação concreta, ao passo que um conceito científico

envolve, desde o início, uma atitude 'mediada' em relação a seu objeto.

Embora os conceitos científicos e espontâneos se desenvolvam em direções opostas, os dois

processos estão intimamente relacionados. É preciso que o desenvolvimento de um conceito

espontâneo tenha alcançado certo nível para que a criança possa absorver um conceito

científico correlato. (OLIVEIRA, 1992, p. 32).

Os conceitos científicos, por sua vez, fornecem estruturas para o desenvolvimento ascendente

dos conceitos espontâneos da criança em relação à consciência e ao uso deliberado.

Quando definimos conceitos para as crianças, devemos ter em mente que essas só darão

sentido aos mesmos, se estes fizerem parte de suas lembranças concretas. “O material

sensorial e a palavra são partes indispensáveis à formação de conceitos.” (VIGOTSKI, 2005,

p. 66).

O autor reforça que a formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que

todas as funções intelectuais básicas tomam parte.

Conforme Vigotski (2005, p. 67), um conceito não é uma formação isolada, fossilizada e

imutável, mas uma parte ativa do processo intelectual, constantemente a serviço da

comunicação, do entendimento e da solução de problemas.

Um conceito, para Vigotski (2005, p. 104),

É mais do que a soma de certas conexões associativas formadas pela

memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e complexo

de pensamento que não pode ser ensinado por meio de treinamento, só

podendo ser realizado quando o próprio desenvolvimento mental da criança já tiver atingido o nível necessário.

30

O crescimento intelectual da criança, portanto, “depende de seu domínio dos meios sociais do

pensamento.” (VIGOTSKI, 2005, p. 63).

“Os conceitos se formam e se desenvolvem sob condições internas e externas totalmente

diferentes, dependendo do fato de se originarem do aprendizado em sala de aula ou da

experiência pessoal da criança.” (VIGOTSKI, 2005, p. 108). Mesmo os motivos que levam a

criança a formar os dois tipos de conceitos são diferentes. A mente se depara com problemas

diferentes quando aprende os conceitos na escola e quando procura seus próprios recursos.

As proposições de Vigotski acerca do processo de formação de conceitos nos remetem à

discussão das relações entre pensamento e linguagem, à questão da mediação cultural no

processo de construção de significados por parte do indivíduo, ao processo de internalização e

ao papel da escola na transmissão de conhecimentos de natureza diferente daqueles

aprendidos na vida cotidiana. (OLIVEIRA, 1992, p.23).

Vigotski introduziu uma perspectiva histórica na compreensão de como o pensamento se

desenvolve e do que é, na verdade, o pensamento. Mas ao mesmo tempo propôs um

mecanismo por meio do qual a pessoa se torna livre de sua própria história. A teoria do

desenvolvimento de Vigotski é, entre outras coisas, uma descrição dos muitos caminhos

possíveis para a individualidade e a liberdade do indivíduo.

Demonstra também que existe um sistema dinâmico de significados em que o afetivo e o

intelectual se unem. “Cada ideia contém uma atitude afetiva transmutada com relação ao

fragmento de realidade ao qual se refere.” (VIGOTSKI, 2005, p. 9). Há, segundo o autor, uma

trajetória que vai das necessidades e impulsos de uma pessoa até a direção específica tomada

por seus pensamentos, e o caminho inverso, a partir dos seus pensamentos até o seu

comportamento e a sua atividade.

Dentre os aspectos mais difundidos e explorados da abordagem de Vigotski, está o papel dos

instrumentos e símbolos, culturalmente desenvolvidos e internalizados pelo indivíduo, no

processo de mediação entre sujeito e objeto de conhecimento. (OLIVEIRA, 1992, p. 75).

As investigações de Vigotski mostram que o desenvolvimento de todas as operações mentais

que envolvem o uso de signos acontece em quatro estágios. Focaremos no quarto estágio que

ele chama de “crescimento interior”. Nesse estágio, “as operações externas se interiorizam e

passam por uma profunda mudança no processo. A criança começa a contar mentalmente, a

a

31

usar a “memória lógica”, isto é, a operar com relações intrínsecas e signos interiores.”

(VIGOTSKI, 2005, p. 58).

Na fase inicial das operações com o uso de signos, o esforço da criança depende, de forma

crucial, dos signos externos. “Através do desenvolvimento, porém, essas operações sofrem

mudanças radicais: a operação da atividade mediada como um todo começa a ocorrer como

um processo puramente interno.” (VIGOTSKI, 2007, p. 56).

Vigotski (2007, p. 80) demonstra que o curso do desenvolvimento da criança caracteriza-se

por uma alteração radical na própria estrutura do comportamento; a cada novo estágio, a

criança não só muda suas respostas, como também as realiza de maneiras novas, gerando

novos “instrumentos” de comportamento e substituindo sua função psicológica por outra.

O aprendizado das crianças começa muito antes de elas frequentarem a escola. “Qualquer

situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história

prévia.” (VIGOTSKI, 2007, p. 94). O autor deixa claro, no entanto, que o aprendizado como

ocorre na idade pré-escolar difere do aprendizado escolar, que está voltado para a assimilação

de fundamentos do conhecimento científico, mas ainda assim não deixa de ser aprendizado.

Aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da

criança. O aprendizado deve ser combinado de alguma maneira com o nível de

desenvolvimento da criança. Mas não podemos nos limitar meramente à determinação desses

níveis de desenvolvimento, se o que queremos é descobrir as relações reais entre o processo

de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado.

Surge aqui o conceito que Vigotski chama de zona de desenvolvimento proximal. A partir

deste conceito determinamos pelo menos dois níveis de desenvolvimento. O primeiro nível

pode ser chamado de nível de desenvolvimento real, que é o nível de desenvolvimento das

funções mentais da criança, que define funções que já amadureceram, os produtos finais do

desenvolvimento. O segundo nível é o nível de desenvolvimento proximal, que define aquelas

funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação.

Sendo assim, a zona de desenvolvimento proximal

É a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma

determinar através da solução independente de problemas, e o nível de

desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais

capazes. (VIGOTSKI, 2007, p. 97).

32

A zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu

estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido

através de desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de maturação. Pois “o

estado de desenvolvimento mental de uma criança só pode ser determinado se forem

revelados os seus dois níveis: o nível de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento

proximal.” (VIGOTSKI, 2007, p. 98). Aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje

será o nível de desenvolvimento real amanhã. Assim, este conceito nos capacita a entender

que o bom aprendizado é aquele que se adianta ao desenvolvimento.

Vigotski (2007, p. 100) ressalta que o aprendizado humano pressupõe uma natureza social

específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles

que as cercam. Assim, é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento

das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas. “O processo

de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado.”

(VIGOTSKI, 2007, p. 103).

O autor apresenta como resultado de uma série de investigações (VIGOTSKI, 2005, p. 126),

que a criança adquire certos hábitos e habilidades numa área específica, antes de aprender a

aplicá-los consciente e deliberadamente. Nunca há um paralelismo completo entre o curso do

aprendizado e o desenvolvimento das funções correspondentes.

“Para se criar métodos eficientes para a instrução das crianças em idade escolar no

conhecimento sistemático, é necessário entender o desenvolvimento dos conceitos científicos

na mente da criança.” (VIGOTSKI, 2005, p. 103). Simplesmente ensinar de forma direta os

conceitos é impossível e será infrutífero.

É durante o início da idade escolar que as funções intelectuais superiores adquirem um papel

de destaque no processo de desenvolvimento.

A atenção, que antes era involuntária, passa a ser voluntária e depende cada

vez mais do próprio pensamento da criança; a memória mecânica se

transforma em memória lógica orientada pelo significado, podendo agora ser usada deliberadamente pela criança. (VIGOTSKI, 2005, p. 112).

Vigotski (2007, p. 104) reforça que cada assunto tratado na escola tem a sua própria relação

específica com o curso do desenvolvimento da criança, relação esta que varia à medida que a

criança vai de um estágio para outro. “Todas as matérias escolares básicas atuam como uma

na

33

disciplina formal, cada uma facilitando o aprendizado das outras.” (VIGOTSKI, 2005, p.

128).

Na aprendizagem das matérias escolares a imitação é indispensável. Vigotski (2005, p. 129)

ressalta o fato de que toda criança pode fazer muito mais com o auxílio de outra pessoa. O que

a criança é capaz de fazer hoje em cooperação, será capaz de fazer sozinha amanhã. Os

conceitos da criança se formam no processo de aprendizagem em colaboração com o adulto.

Muitos teóricos ignoram as necessidades das crianças, que inclui tudo aquilo que é motivo

para a ação. Porém, Vigotski (2007, p. 108) alerta que se ignorarmos as necessidades da

criança e os incentivos que são eficazes para colocá-la em ação, nunca seremos capazes de

entender seu avanço de um estágio do desenvolvimento para outro, porque todo avanço está

conectado com uma mudança acentuada nas motivações, tendências e incentivos.

Vigotski vê o aprendizado como um processo profundamente social, e para implementar o

conceito de zona de desenvolvimento proximal na instrução, os educadores devem observar

que o ensino representa o meio através do qual o desenvolvimento avança, ou seja, os

conteúdos socialmente elaborados do conhecimento humano e as estratégias cognitivas

necessárias para sua internalização são evocados nos aprendizes segundo seus níveis reais de

desenvolvimento.

Outro conceito que abordaremos, a partir de Vigotski, é o conceito de defectologia. O autor

define a defectologia como ramo de saber sobre desenvolvimento qualitativo de crianças

anormais, da diversidade de variedade de tipos deste desenvolvimento.

Vigotski (1997, p. 12) destaca que a criança em cada fase do desenvolvimento apresenta uma

peculiaridade quantitativa, um organismo específico da personalidade, então, da mesma

forma, a deficiência da criança apresenta-lhe um tipo de desenvolvimento qualitativamente

diferente, peculiar.

O autor ainda afirma precisamente (VIGOTSKI, 1997, p. 34) que, para que a criança

deficiente possa alcançar o mesmo que a normal, corresponde usar meios absolutamente

especiais.

Segundo Vigotski (1997, p. 46) as perspectivas são abertas ante um professor quando ele sabe

que o defeito é não só uma falta, uma deficiência, uma fraqueza, mas também uma vantagem,

um manancial de força e habilidades, que existe em certo sentido positivo. Nesta oposição

34

entre a deficiência dada organicamente e desejos, fantasias, ou seja, as tendências psíquicas

para compensação dela estão implícitas os pontos de partida e as forças de todo o ensino.

Neste sentido, para Vigotski (1997, p. 48), o defeito é não só uma fraqueza, mas uma força.

Nesta verdade psicológica se encontra o alfa e o ômega de educação social de crianças com

deficiências.

Vigotski (1997, p. 134) afirma que para a educação da criança mentalmente retardada é

importante saber como ela se desenvolve. Não é importante a falha em si, a falta, o déficit, o

defeito próprio, mas a reação que nasceu na personalidade da criança, durante o processo de

desenvolvimento, em resposta a dificuldade que a faz tropeçar e derivada desse fracasso. A

criança mentalmente retardada não é feita apenas de defeitos e deficiências, seu corpo é

reestruturado como um todo. Sua personalidade vai sendo equilibrada como um todo e vai

sendo compensada pelos processos de desenvolvimento da criança.

Vale lembrar, que estamos usando aqui palavras de um trabalho que é datado. Hoje não mais

usamos o termo retardado mental para nos referirmos a pessoas com deficiência mental ou

deficiência intelectual. Vigotski (1997, p. 201) mostra-nos que à época de seus escritos, o

nome comum de retardado mental tendia a designar todo o grupo de crianças que

relativamente ao nível médio, estava atrasada em seu desenvolvimento e no processo de

ensino aprendizagem manifestava incapacidade para manter o ritmo da maioria dos

estudantes. Na realidade, Vigotski considerava essa definição complexa em termos de sua

composição, pois a natureza do retardo poderia ser extremamente diversificada.

Neste contexto, Vigotski (1997, p. 141) nos afirma que para julgar corretamente as

possibilidades de desenvolvimento e o nível real de desenvolvimento de uma criança atrasada

é necessário ter em conta não só o que posso dizer, mas o grau em que eles podem entender.

Mas podemos entender dentro dos limites da nossa compreensão, o que é muito mais do que

nós sabemos exprimir.

Segundo Góes (2000, p. 11), Vigotski entende que os processos humanos têm começo nas

relações com o outro e com a cultura, e são essas relações que devem ser investigadas ao se

examinar o curso de ação do sujeito. Tais pressupostos são compatíveis com uma abordagem

do ensino da Matemática denominada Etnomatemática, surgida recentemente, em

contraposição a abordagens mais tradicionais desta disciplina.

35

Pensando nisso, abordaremos, a seguir, resumidamente a evolução histórica da Matemática8,

disciplina que pretendemos explorar neste estudo, por acreditar, baseados na abordagem sócio

histórica que orienta essa pesquisa, que a ideia geral da origem e do ensino de Matemática,

pode fornecer elementos fundamentais para a análise da situação atual da Educação

Matemática, mais especificamente, o ensino desta disciplina aos alunos com deficiência.

3.2 ORIGENS DA MATEMÁTICA E SEU ENSINO

A Matemática passou por muitos momentos qualitativamente diferentes durante o seu longo

desenvolvimento. Teve suas primeiras manifestações ligadas diretamente às necessidades

práticas impostas pelo contexto social.

Nos primeiros tempos, o homem vivia da caça, da pesca e da coleta de sementes, frutos e

raízes. Surgiria, então, a magia como forma de preencher a “lacuna criada pelas limitações da

técnica” (BERNAL (1969) apud MIORIM, 1998, p. 5) necessária à produção de alimentos.

Mas a magia dava o impulso inicial no caminho das representações e das relações entre as

formas, consistindo no primeiro passo do caminho que levaria ao simbolismo gráfico e à

escrita.

No período seguinte desenvolveram-se a agricultura, a domesticação e criação de animais e a

fabricação de novos instrumentos e armas. As pinturas desse período mostram representações

esquemáticas, em que eram bastante utilizadas simetrias e congruências.

O agrupamento de várias aldeias daria origem à cidade. Os governantes, responsáveis pela

administração das questões básicas da comunidade sentiram, rapidamente, a necessidade de

registrar as transações realizadas. Inicialmente, os registros não passavam de uma coleção de

traços para representar a quantidade, e de um desenho ou símbolo para representar o objeto.

Aos poucos, entretanto, foi criada uma escrita. As técnicas digitais e corporais, existentes

desde o período primitivo, foram as primeiras a ser utilizadas. Contudo, a partir de certo

momento, essas técnicas se tornaram insuficientes para a realização de alguns cálculos cada

vez mais complexos.

Foi a limitação dessas técnicas que levou à utilização de pedras como auxiliares para a

8As ideias centrais aparecem no livro “Introdução à História da Educação Matemática” de Maria Ângela Miorim

(1998).

36

realização dos cálculos, o que culminou com o surgimento de algum tipo de ábaco.

Nos tempos antigos, em que os sacerdotes governantes obtinham os progressos científicos, a

Matemática começou a desenvolver-se junto com a astronomia e a medicina. Foi considerada

uma das ciências nobres. E assim até hoje temos, para a sociedade em geral, a Matemática

como algo difícil, inatingível, complicado e elitista, o que tem muito a ver com a forma como

ela é ensinada.

A evolução histórica do ensino da Matemática é, assim, outro aspecto a ser considerado.

Diferentes abordagens se sucederam ao longo do tempo. Dentre as mais atuais pode-se

destacar a Etnomatemática, desenvolvida por D’Ambrósio (1932) que servirá de

embasamento teórico a este trabalho.

3.2.1 O ENSINO DA MATEMÁTICA AO LONGO DO TEMPO

No início, o ensino dos conhecimentos matemáticos esteve associado à sua produção. Mas, à

medida que tais conhecimentos eram ampliados e as condições sociopolítico-econômicas se

transformavam, esse ensino começava a ter um desenvolvimento independente.

O ensino dos conhecimentos matemáticos começou a acontecer de maneira intencional no

período das antigas civilizações orientais. Possuía um caráter essencialmente prático. Era

reservado apenas aos membros de uma classe privilegiada.

A mudança de perspectiva dos estudos matemáticos, surgida com o nascimento da

Matemática racional e atribuída à filosofia clássica grega, trouxe como consequência a

priorização dos estudos teóricos e a desvalorização das aplicações práticas.

Foi nesse período que, pela primeira vez, a Matemática passou a ser considerada um elemento

fundamental para a formação dos indivíduos e incluída em um ciclo normal de estudos.

Os sofistas9, entretanto, associavam esse valor às necessidades de retórica. Todos os que

quisessem ser bons oradores deveriam conhecer ao menos alguns elementos básicos da

Lógica e da Matemática.

A proposta platônica reforçou ainda mais o valor formativo da Matemática por seu “poder” de

desenvolver o pensamento humano, o seu raciocínio. Mas apesar de considerar a Matemática

importante para o desenvolvimento de todos os indivíduos, em seus níveis mais elevados se

9Primeiros filósofos do período socrático.

37

destinava apenas a alguns poucos privilegiados, os “melhores espíritos”, os “mais talentosos”.

Essas características da Matemática e de seu ensino permaneceram durante o período

helenístico e o romano, apesar da crescente valorização dos estudos literários acarretar uma

redução do espaço destinado aos estudos matemáticos.

A Matemática que se desenvolveu na Grécia ressurgiria associada às aplicações práticas, às

artes produtivas, às artes mecânicas.

As novas necessidades impostas pelo contexto sociopolítico-econômico, que exigia respostas

práticas e aplicadas, foram os norteadores dessa “Moderna Matemática”. Como nos diz

Denise Najmanovich (2001, p. 67),

O conhecimento matemático é o modelo exemplar, o horizonte de sentido

que guia os pensadores no caminho da construção do espírito moderno. Galileu

10 (1564 – 1642) foi um dos mais populares divulgadores dessa “nova

sensibilidade”, outorgando uma alta prioridade à teoria, aos princípios e às

demonstrações matemáticas.

A antiga separação existente entre as “artes práticas” e as “artes cultas” se intensificou, e o

ensino da Matemática começou a assumir feições diferentes. Por um lado, um ensino ligado à

“arte culta”, interessado na formação das classes dirigentes e privilegiando os estudos

clássicos. Por outro lado, um ensino voltado para o desenvolvimento das “artes práticas”,

destinado aos membros de uma nova classe emergente – a burguesia.

Esses dois tipos de ensino, desenvolvidos em diferentes tipos de escolas, com características e

objetivos próprios, prosseguiram até o final do século XIX, quando se tornou impossível essa

convivência.

Dentro da tensão estabelecida entre a “nova Matemática” e a ciência dos antigos _ um ensino

sendo desenvolvido nas escolas técnicas de nível médio e nos cursos superiores técnicos,

outro nas escolas de tipo secundário e nas universidades _, é que estariam as raízes do

Primeiro Movimento para a Modernização do Ensino da Matemática.

Nessas condições, com o novo modo de ver as ciências, a Matemática, segundo Najmanovich

(2001, p. 69) foi enriquecida com elementos como o sistema de numeração hindu e notação

posicional, que por lhe outorgar grandes vantagens operativas foi rapidamente aproveitada

10

Físico, Matemático e Astrônomo, fez a descoberta da lei dos corpos e enunciou o princípio da Inércia. Foi um

dos principais representantes do Renascimento Científico dos séculos XVI e XVII.

38

pela nova classe mercantil.

Ainda, segundo a autora, “na ciência a mentalidade moderna se expressou através da

padronização e reificação dos sistemas de representação matemática, e o estabelecimento da

experiência controlada como modalidade de interrogação da natureza”.

Temos, portanto, que a Matemática forneceu à ciência moderna o “instrumento de análise, a

lógica da investigação, e o modelo de representação da estrutura da matéria”. (SANTOS,

2001, p. 63).

3.2.1.1 O ensino da Matemática para pessoas com deficiência intelectual

Quanto ao ensino da Matemática para pessoas com deficiência, mais ainda os que tinham

deficiência intelectual, pouco se sabe a respeito, visto que os mesmos muitas vezes eram

escondidos pelos familiares, deixados em asilos, hospitais ou orfanatos e não tinham acesso à

escola. Os poucos relatos que temos mostram que quase todos os materiais de apoio para

trabalhar com a Matemática, foram primeiro criados para trabalhar com crianças deficientes e

depois foram introduzidos na escola comum.

Um dos pioneiros na educação de pessoas com deficiência intelectual foi o médico pedagogo

Edouard Séguin (1812 - 1880). Em 1838 ele obteve expressivo sucesso no ensino de um

menino deficiente intelectual, que em dezoito meses entre outras coisas, aprendeu a contar.

Ele projetou e fabricou uma grande variedade de jogos para potencializar seu trabalho com os

alunos.

Anos mais tarde, Maria Montessori (1870-1952) afirmou que devia a quase totalidade de seus

materiais a ele, mesmo não os utilizando conforme as proposições de seu criador. Os materiais

produzidos por ela para serem utilizados no ensino da Matemática para alunos considerados à

época como desequilibrados são um dos primeiros que se tem registros. Partindo do trabalho

com crianças deficientes, foi aplicando a mesma metodologia em crianças com

desenvolvimento normal, posto que desde o início, foi reconhecido que a diferença entre elas

se devia tão somente a um atraso maior ou menor no estágio do desenvolvimento cognitivo.

3.2.1.2 O ensino da Matemática no Brasil

No Brasil, a proposta de modernização do ensino da Matemática na escola secundária

encontrou algumas resistências para ser implantada.

39

Essa resistência se deveu, especialmente, aos defensores da escola clássica humanista.

Num primeiro momento o ensino da Matemática teve que lutar para conseguir que suas várias

áreas fossem consideradas importantes para a formação geral do estudante. Num segundo

momento, lutou para modernizar seus conteúdos.

O ensino brasileiro foi, durante mais de duzentos anos, dominado quase exclusivamente pelos

padres da Companhia de Jesus. Defendia-se uma educação baseada apenas nas humanidades

clássicas. Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, o sistema educacional brasileiro

praticamente desmoronou.

A partir de 1772, porém, foram criadas as chamadas “aulas régias”, que, apesar de

representarem um retrocesso em termos institucionais, proporcionaram a modificação dos

conteúdos escolares, principalmente por meio da introdução de novas disciplinas, tais como a

Aritmética, a Álgebra e a Geometria. “Foi, portanto, apenas ao final do século XVIII que a

paisagem escolar do Brasil inclui as matemáticas”. (SILVA, 1959, p. 209).

Ainda na primeira metade do século XIX, as aulas avulsas das disciplinas matemáticas

existiam em um número bastante reduzido e, além disso, eram pouco frequentadas,

geralmente porque não faziam parte do currículo tradicional.

Durante todo o período colonial e imperial, foram criadas escolas para atender, entre outras

demandas, à preparação específica de determinado tipo de ensino superior. Como as

exigências eram ainda em grande parte restritas aos estudos humanísticos, as disciplinas

matemáticas ficariam, na maior parte das vezes, limitadas ao estudo da Aritmética e da

Geometria.

Em 1837, pela primeira vez, foi apresentado um plano gradual e integral de estudos para o

ensino secundário, no qual os alunos eram promovidos por série, e não mais por disciplinas.

As matemáticas _ Aritmética, Geometria e Álgebra _ tiveram seu lugar garantido e

apareceram em todas as oito séries do curso. Nesse primeiro plano de estudos, a Aritmética

compareceu nas três primeiras séries; nas duas séries seguintes estudava-se a Geometria, na

sexta série, a Álgebra, e, nas duas últimas séries, reservavam-se respectivamente seis e três

lições para a Matemática.

Em todas as várias reformas pelas quais passariam os planos de estudo, durante o período

imperial, as matemáticas _ com a inclusão da Trigonometria _ estiveram sempre presentes,

40

variando apenas a quantidade de horas destinadas ao seu ensino e, em alguns momentos, a

profundidade de seu conteúdo.

Na República, todo o sistema educacional brasileiro passou por uma profunda reforma do

ensino. Na proposta apresentada, foram reservados sete anos para o ensino secundário.

Na parte relativa ao ensino de Matemática estiveram contempladas todas as partes que

compõem tanto a Matemática abstrata como a Matemática concreta.

Foram feitas várias reformas, até que se chegou a uma nova proposta educacional, que surgiu

através do que ficaria conhecido como o Movimento da Escola Nova.

Entre as ideias básicas das correntes pedagógicas modernas tínhamos o “princípio da

atividade” e o “princípio de introduzir na escola situações da vida real”. De uma “Matemática

do quadro-negro”, passaríamos a uma “Matemática de atividade”.

Segundo Roxo (1940) apud Miorim (1998, p. 92), em 1928 foi proposta a modificação dos

programas de matemáticas, com a unificação do curso em uma disciplina única sob a

denominação de Matemática.

A partir de 1931, as disciplinas matemáticas apareciam englobadas sob o título de

Matemática, nas cinco séries que compunham o curso fundamental, com três aulas por

semana em cada série, e, no curso complementar, apenas aos candidatos à matrícula nos

cursos de Medicina, Farmácia e Odontologia: com quatro aulas por semana, em apenas uma

das duas séries que compunham o curso; e, para os candidatos aos cursos de Engenharia ou

Arquitetura, nas duas séries do curso, sendo seis aulas por semana em cada série.

O objetivo do ensino da Matemática deixava de ser apenas o “desenvolvimento do

raciocínio”, mas incluía, também, o desenvolvimento de outras “faculdades” intelectuais,

diretamente ligadas à utilidade e aplicações da Matemática.

Para que esses objetivos pudessem ser alcançados, era necessário que fossem observados: um

ensino direcionado segundo o grau de desenvolvimento mental, que se baseasse no interesse

do aluno, que deveria partir da intuição e apenas aos poucos ir introduzindo o raciocínio

lógico, que enfatizasse a descoberta, e não a memorização.

A proposta também sugeria a eliminação de “assuntos de interesse puramente formalístico”,

41

de “processos de cálculos desprovidos de interesse didático” e a introdução do conceito de

função e noções do cálculo infinitesimal.

Não é difícil imaginar que uma proposta tão inovadora, encontrou muitas resistências para ser

implantada.

O primeiro ataque veio dos professores que, em geral, não se sentiam seguros para trabalhar a

Matemática de uma maneira tão diferente daquela que estavam habituados. Essa situação se

agravou pelo fato de quase inexistirem, inicialmente, livros didáticos que contemplassem as

ideias modernizadoras.

O maior problema enfrentado pela Modernização, entretanto, veio da forte resistência

apresentada pelos defensores do ensino clássico.

Com relação ao ensino da Matemática, as maiores críticas foram dirigidas ao excesso de

assuntos, ao sistema de ciclos e à eliminação de sua apresentação lógica.

Convém também destacar o surgimento de um outro movimento reformista. Segundo Burigo

(1989), o “Movimento da Matemática Moderna”, foi um movimento de renovação do ensino

da Matemática que se difundiu no Brasil no início dos anos 60. Propunha a substituição do

uso de técnicas de cálculo complicadas, pela ênfase na compreensão da natureza lógica das

operações.

O primeiro estudo sistemático produzido sobre o movimento da Matemática Moderna no

Brasil foi a Tese de Doutorado de Beatriz D’Ambrósio (1987). Nesse trabalho, tal movimento

é enfocado como processo de transferência de projetos curriculares elaborados em países

industrializados para países do terceiro mundo.

Porém, Albernaz (1993, p. 20) entende que a discussão sobre a necessidade de reformular o

ensino da Matemática era antiga, relatando que o Movimento da Matemática Moderna foi

proposto por doutores da área de Matemática de Universidades Europeias e Norte-Americanas

nos anos 1960 e 1970, em especial pelo grupo Bourbaki da França, que empolgou toda uma

geração de matemáticos e educadores, contagiando os demais países. Sofreu, porém, críticas

contundentes em todos os países que o adotaram, sobretudo na França, de onde foi banido do

ensino fundamental nos anos 80. Já as propostas surgidas no Brasil nos anos 70, elaboradas

por professores de Matemática brasileiros tiveram características próprias. Segundo Albernaz

(1993, p.21),

42

Tudo indica que herdamos dos países mais desenvolvidos algumas

características da chamada “matemática moderna”, embora conservando nosso ensino mais próximo do tradicional, numa justaposição que reúne os

defeitos de ambos os modelos.

Adiante, após diversos exemplos ela esclarece:

Da matemática moderna herdamos certa fachada estruturalista e formalista e um pseudo-rigor com a linguagem. Da matemática tradicional conservamos

o vício de transmitir aos alunos técnicas de cálculo repetitivas para a

resolução de exercícios numéricos e algébricos de valor educativo e prático duvidoso. (ALBERNAZ, 1993, p.22).

Os debates de âmbito nacional acerca da necessidade da renovação do ensino de Matemática

nos níveis elementar e médio – e particularmente no secundário – tiveram início antes da

divulgação e do desenvolvimento do Movimento da Matemática Moderna no Brasil. A partir

de sua introdução, no entanto, esse debate foi fortemente polarizado pela bandeira desse

movimento.

Observando o crescimento e solidificação do Movimento da Matemática Moderna no Brasil,

percebe-se que a presença de matemáticos era considerada muito mais importante na

divulgação da Matemática Moderna do que a presença de pedagogos, psicólogos ou

sociólogos. Ou seja, era dada ênfase na qualidade da Matemática a ser ensinada mais do que

na adequação de uma proposta pedagógica aos alunos.

Em termos da metodologia, a influência mais importante foi a de Dienes11

(1916), uma

proposta polêmica surgida no seio do Movimento da Matemática Moderna, mas, ao mesmo

tempo, crítica em relação à ênfase dominante no movimento de reformulação dos programas.

Como um elemento da crescente valorização social do ensino secundário de Matemática,

surgia a figura do educador matemático: o profissional que se dedica ao ensino da Matemática

não só como atividade diária, mas como objeto de estudo e reflexão, de divulgação, de debate

organizado; e que é reconhecido socialmente como um especialista na área. O papel antes

desempenhado por alguns poucos professores universitários e de escolas normais, ampliava-se

para os professores mais ativos do ensino secundário e elementar.

11

Matemático húngaro, que elaborou um método para exercitar a lógica e desenvolver o raciocínio abstrato.

43

E assim, o papel do professor tem mudado profundamente nas últimas décadas, sendo cada

vez mais exigente fazer com que as aulas de Matemática possam contribuir para a vivência

dos alunos no seu dia a dia.

3.2.2 O ENSINO DA MATEMÁTICA NA ATUALIDADE E NOVAS ABORDAGENS

TEÓRICAS

De acordo com Araújo & Santos (2011), a disciplina Matemática tem sido historicamente

desenvolvida segundo concepções predominantemente tradicionais. Baseados em Zanchet

(2001), ressaltam que as concepções tradicionais se apoiam em práticas educativas marcadas

pela repetição e pela valorização da linguagem simbólica da disciplina.

Neste contexto, a Matemática torna-se pouco significativa aos estudantes

tanto pelo uso frequente e, às vezes exclusivo, da linguagem formal quanto

pela exclusão do contexto social dos alunos que, frequentemente, se reportam a ela como “cheia de fórmulas” e “sem sentido.” (ZANCHET,

2001 apud ARAÚJO & SANTOS, 2011).

Para a autora, essas concepções são oriundas dos cursos de formação inicial de professores de

Matemática, que, ainda atrelados a uma formação positivista, apresentam a concepção de que

a disciplina “é um conhecimento pronto e acabado, restando ao professor dominá-lo e

transmiti-lo.” (ZANCHET, 2001 apud ARAÚJO & SANTOS, 2011).

Araújo & Santos (2011) nos alertam de que a ‘típica aula de matemática’ constitui-se assim

em um modelo de transmissão de conteúdo, determinado à priori em uma grade curricular,

que, muitas das vezes, mostra-se desarticulada da vivência e bagagem cultural dos estudantes.

Concordo com D’Ambrósio (1986, p. 9) quando diz que havia, e ainda há,

Educadores matemáticos que veem a Matemática como uma forma privilegiada de conhecimento, acessível apenas a alguns especialmente

dotados, e cujo ensino deve ser estruturado levando em conta que apenas certas mentes, de alguma maneira “especiais”, podem assimilar e apreciar a

Matemática em sua plenitude.

Mas a questão que deve ser colocada é: a que Matemática estamos nos referindo? Pois ao

mesmo tempo em que não podemos negar que há mentes mais inclinadas para a Matemática,

assim como há mentes mais inclinadas para outras áreas de estudo, também não podemos

negar que há diferentes manifestações matemáticas, igualmente válidas, assim como há várias

modalidades de inteligências igualmente respeitáveis e cultiváveis no sistema escolar. É

função

44

função essencial do professor entender essas várias modalidades de Matemática e de

inteligência e coordená-las adequadamente na sua ação pedagógica.

Observa-se, por parte dos professores, uma tentativa de adequação do discurso às teorias

educacionais mais atuais. Sabe-se, no entanto, que as práticas nem sempre são compatíveis

com o discurso. Neste sentido, Freire (1996, p. 41), diz que o professor precisa se mover com

clareza na sua prática. Precisa conhecer as diferentes dimensões que caracterizam a essência

da prática, o que pode torná-lo mais seguro no seu próprio desempenho.

Ainda, segundo o autor, as qualidades ou virtudes absolutamente necessárias à prática e à

experiência educativa,

São construídas por nós no esforço que nos impomos para diminuir a

distância entre o que dizemos e o que fazemos. Este esforço, o de diminuir a

distância entre o discurso e a prática, é já uma dessas virtudes indispensáveis – a da coerência. (FREIRE, 1996, p. 38).

Então, “não posso apenas falar bonito sobre as razões ontológicas, epistemológicas e políticas

da Teoria. O meu discurso sobre a Teoria deve ser o exemplo concreto, prático, da teoria. Sua

encarnação.” (FREIRE, 1996, p. 27).

Além das diferentes concepções de ensino e das práticas educativas relacionadas à

Matemática, Garnica et al (2004) consideram que as discussões avançam também sobre

campos como as estratégias e os recursos de ensino e o contexto no qual são desenvolvidos.

Também é essencial trabalharmos pela concepção de uma Educação Matemática que não

desvincule prática e teoria. Exatamente por conta dessa necessidade de vinculação, a

variedade de enfoques metodológicos é bem-vinda.

A partir de um questionário aplicado a professores do ensino fundamental e médio,

aleatoriamente escolhidos, de escolas públicas e privadas de 12 municípios do Estado do

Espírito Santo, através de e-mail e contatos pessoais pudemos perceber que muitos

professores atuais ainda não conseguiram se “desprender” de práticas pedagógicas

tradicionais, o que os leva a privilegiar o cálculo como principal recurso. Outros, porém,

apesar de iniciarem suas aulas com uma exposição de conteúdo, possuem pressupostos

teóricos diferentes, visto que tal exposição pode se dar, por exemplo, a partir de uma

problematização que é associada ao assunto, dicas para que o aluno deduza o tema a ser

trabalhado ou até mesmo, partindo de exercícios para construir o conceito matemático.

Baseados nestes resultados, identificamos que a maioria dos professores de Matemática

45

pesquisados, independente de sexo e idade, possuía licenciatura específica, sendo que a

realizaram na modalidade presencial, e em instituição pública federal. É importante destacar

também que a maioria dos profissionais pesquisados têm especialização e experiência em sala

de aula.

Considerando os pressupostos teóricos implícitos na prática pedagógica destes professores,

também a maioria se considera como construtivistas e tradicionais simultaneamente,

justificando isso pela sequência do seu trabalho pedagógico de sala de aula, que de um modo

geral, parte da exposição do conteúdo, passando pela realização de exercícios de fixação

diversos, e culminando com uma avaliação após um tempo estipulado.

As atividades apresentadas aos alunos são bem diversificadas, indo de questionários,

vídeo/DVD/TV, informática (blog, e-mail, programas diversos), jogos, debate, seminários e

gincana, a dramatização. Porém, apesar de tal diversidade, o uso do livro didático ainda

sobressai.

A maioria destes profissionais diz que programam e executam todas as atividades de sua aula,

mas, ao mesmo tempo, relatam que imprevistos da escola (comemorações cívicas, ensaios,

apresentações...), a falta de colaboração e desinteresse dos alunos, são fatores que fazem com

que não se executem as atividades programadas.

Foi observado também, que os professores alegam elaborar instrumentos de avaliação que

permitem levantar hipóteses sobre o processo de aprendizagem dos alunos e compreender

suas facilidades e dificuldades e registram o desempenho dos seus alunos regularmente com o

objetivo de acompanhar sua aprendizagem. Dizem ainda, que utilizam os resultados da

avaliação para reformular a sua prática pedagógica.

Não podemos menosprezar o fato de que a prática do professor vai influenciar diretamente na

escolha do que vai ensinar aos seus alunos. Portanto, pelo dito acima, não é a falta de

conhecimento teórico, experiência ou planejamento que define como será a ação pedagógica

dos professores. É algo que vai além de sua formação acadêmica, é uma opção pessoal.

Precisamos, porém, mudar a ênfase do conteúdo e da quantidade de conhecimentos que o

aluno adquira, para uma ênfase na metodologia que desenvolva atitude, capacidade de

matematizar situações reais, capacidade de criar teorias adequadas para as situações mais

diversas.

46

De acordo com Paulo Freire (1996), a preocupação antes de tudo deve ser incentivar o aluno a

antes e ao mesmo tempo em que entende uma operação matemática, entender que ele é um ser

“matematicizado”. Ao mesmo tempo em que ensinam os conteúdos matemáticos, os

professores devem incentivar seus alunos a se reconhecerem como matemáticos, pois quando

se viabiliza a convivência com a Matemática facilita-se sua compreensão. Não se trata de

fazer simplismo, mas de tornar simples.

Paulo Freire (1996) ainda corrobora com a ideia de que o papel do professor é diferente hoje,

afirmando que o ponto de partida para o ensino não deve ser a visão do professor quanto a

determinado assunto, mas sim a visão do aluno, para que este aprenda mais e melhor.

Portanto, ensinar não é transmitir conteúdo, mas descobrir junto ao aluno caminhos que levem

à descoberta deste conteúdo.

No que decorremos até aqui, pudemos observar que, a Matemática, por si só, passou por

diversas mudanças desde seu surgimento bem como também, sobre a maneira como era

ensinada. É motivo de alerta nos atentarmos para o fato de que se há uma resistência quanto

ao que ensinar ou como ensinar essa disciplina, isso se agrava quando falamos no ensino da

mesma para os sujeitos da Educação Especial.

Neste sentido, trazemos como opção de metodologia de ensino da Matemática: a

Etnomatemática.

3.3 A ETNOMATEMÁTICA

Nas palavras de D’Ambrósio (1993, p. 5) a etnomatemática “é a arte ou técnica de explicar,

de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais”. O autor admite que toda atividade

humana resulta de motivação proposta pela realidade na qual está inserido o indivíduo através

de situações ou problemas que essa realidade lhe propõe, diretamente, através de sua própria

percepção, ou indiretamente, mediante propostas de outros.

Falando do ensino de Matemática, o que justifica sua presença nas escolas? Podemos

justificar usando as razões que D’Ambrósio (1993, p. 16-19) menciona: por ser útil como

instrumentador para a vida, como instrumentador para o trabalho, por ser parte integrante de

nossas raízes culturais, porque ajuda a pensar com clareza e a raciocinar melhor, por sua

própria universalidade, por sua beleza intrínseca como construção lógica, formal.

47

“Muito pouco do que se faz em Matemática é transformado em algo que possa representar

um verdadeiro progresso no sentido de melhorar a qualidade de vida. Muito da Matemática

que se faz, é insuficiente para atacar alguns dos problemas básicos que afetam a humanidade”.

(D’AMBRÓSIO, 1986, p. 22).

O autor ainda destaca que o quanto um indivíduo aprende na escola é de menor importância,

de muito menor importância do que a capacidade que ele adquiriu de aprender coisas novas

quando devidamente motivado.

Neste sentido, “a adoção de uma forma de ensino mais dinâmica, mais realista e menos

formal, mesmo no esquema de disciplinas tradicionais, permitirá atingir objetivos mais

adequados à nossa realidade.” (D’AMBRÓSIO, 1986, p. 25).

Teríamos necessidade de uma revisão curricular com a introdução de novos enfoques visando

os valores correspondentes ao ensino de Matemática. Porém, não vemos alteração profunda

no modo como são conduzidas as escolas.

Há uma mudança fundamental, que é a aceitação universal do conceito de

educação de massa, mas o ataque da problemática da educação é praticamente o mesmo, baseado num ideal de fazer melhor o que gerações

anteriores fizeram. Adotando qualquer das teorias modernas de

aprendizagem, mudando currículo, inventando novas metodologias e utilizando tecnologia educacional estamos sempre focalizando a educação na

esperança de que as crianças aprendam, que as crianças se comportem de um

certo modo, e que as crianças ajam de acordo com um certo modelo. (D’AMBRÓSIO, 1986, p.32).

Neste contexto, D’Ambrósio (1986, p. 33) insiste no quadro de profunda mudança social,

política, econômica e comportamental que estamos atravessando, mesclado com mudanças

não menos profundas da ciência e da tecnologia, e a resultante necessidade de questionar os

valores morais que necessariamente desempenham papel fundamental nessa mescla.

Matemática, e consequentemente Educação Matemática, é parte desse complexo.

Queremos destacar assim um ponto fundamental: o fato da Matemática ser uma linguagem

(mais fina e precisa que a linguagem natural) que permite ao homem comunicar-se sobre

fenômenos naturais. Consequentemente, “ela se desenvolve no curso da história da

humanidade desde os "sons" mais elementares, e, portanto intimamente ligada ao contexto

sociocultural em que se desenvolve.” (D’AMBRÓSIO, 1986, p. 35).

48

Isto nos conduz a atribuir à Matemática o caráter de uma atividade inerente ao ser humano,

praticada com plena espontaneidade, resultante de seu ambiente sociocultural e

consequentemente determinada pela realidade material na qual o indivíduo está inserido.

Assim, D’Ambrósio (1986, p. 39) chama a atenção para o estado atual do nosso

conhecimento, de nossa análise, de nossa crítica sobre os determinantes socioculturais na

Educação Matemática, que talvez seja uma das causas fundamentais dos resultados

desastrosos, e até mesmo negativos, do ensino de Matemática.

Pensando nisso, vamos nos dirigir atenciosamente e de modo direto ao que hoje se denomina

prática de ensino desta disciplina.

A prática de ensino em geral é uma ação pedagógica que visa o

aprimoramento, mediante uma multiplicidade de enfoques, da ação

educativa exercida no sistema educacional de maneira mais direta e característica, qual seja a forma por excelência dessa ação, isto é, o trabalho

na sala de aula. (D’AMBRÓSIO, 1986, p. 37).

A prática de ensino nos leva a buscar a melhor maneira de atingir um determinado fim,

visando o aperfeiçoamento moral e político dos praticantes da ação, mediante o manejo de

conhecimentos gerais, que é a mesma interpretação do conceito de ação dada por D’Ambrósio

(1986, p. 40). E é assim que também a entendemos. Acreditamos que escolher a melhor

maneira para que o sujeito aprenda é o diferencial.

A incorporação de etnomatemática à prática de Educação Matemática exige a liberação de

alguns preconceitos sobre a própria Matemática. É preciso nos livrarmos de ideias que

pensem a Matemática para poucas mentes, até o ponto de ser ela a disciplina escolar que se

apresenta como maior responsável pela deserção escolar, por inúmeras frustrações e em

última instância pela manutenção de uma estratificação social inaceitável, ou pelo menos

injusta. “Mas os marginalizados pelos processos de avaliação não são, obstante, praticantes da

matemática no seu dia a dia. São matematicamente funcionais, ou melhor dizendo,

etnomatematicamente funcionais”. (D’Ambrósio, 1986, p. 42).

A passagem do conhecimento mecânico de efetuar operações ou manipular algoritmos para a

efetiva utilização desses algoritmos em situações de contextos diversos pode ser obtida

mediante um mecanismo de estilo. No entanto, D’Ambrósio (1996, p. 44) destaca que o ponto

que parece de fundamental importância e que representa o verdadeiro espírito da Matemática

é a capacidade de modelar situações reais, codificá-las adequadamente, de maneira a permitir

a utilização das técnicas e resultados conhecidos em outro contexto.

49

Verificamos então que o resultado da aprendizagem é um permanente modificar da realidade.

O indivíduo cria modelos que lhe permitirão elaborar estratégias de ação.

Se necessária for a existência de escolas, sua ação seria essencialmente proporcionar ambiente para que a realidade, na qual está imersa a criança na

chamada experiência escolar, lhe permita vivenciar, conhecer modelos que

serão por elas utilizados na criação de seus próprios modelos. (D’AMBRÓSIO, 1986, p. 51).

A interpretação de currículo, de acordo com D’Ambrósio (1986, p. 61) é a estratégia para a

ação educacional. Ação inteligente significativa é a resultante disso e que traduzida em ação

educacional leva-nos a considerar métodos, objetivos e conteúdos, que são, solidariamente, as

componentes do currículo. Devemos levar em consideração que a dinâmica curricular está

presente na sala de aula apesar do currículo de Matemática ser decidido de forma bastante

conservadora. Continuamos a tentar encobrir o fato de que a Matemática está intimamente

ligada à realidade e à percepção individual dela.

Uma abordagem aberta à Educação Matemática, ou seja, voltada para situações realmente

reais, com atividades orientadas, motivadas e induzidas a partir do meio, nos leva ao que

chamamos de etnomatemática e que restabelece a Matemática como uma prática natural e

espontânea.

O pensamento que se reflete na totalidade da educação,

Visa dar a mesma matemática para todos, supondo, primeiramente, que todos estejam capacitados a absorver igualmente bem essa forma de conhecimento,

[...] e, em segundo lugar, que esse conhecimento [...] se encaixa na estrutura

mental que tem a matemática projetada nela. (D’AMBRÓSIO, 1993, p. 32).

Assim teremos grupos de indivíduos com maior ou menor rendimento em certo tipo de

Matemática. O que deve ser necessariamente evitado é a valorização, no sistema escolar, de

um tipo de Matemática em detrimento de outros. Aí entra a etnomatemática. “Nesse contexto,

o que seria um problema do sistema educacional, que é o querermos saber se uma criança está

recebendo exposições de conteúdos diferentes de outra como consequência de raça, classe

social ou sexo, é falso.” (D’AMBRÓSIO, 1993, p. 32).

Como salienta D’Ambrósio (1993, p. 33) já é tempo de restabelecer o enfoque humanístico à

educação geral, à educação para todos e, portanto, à Matemática para todos.

Acredito que a etnomatemática é uma abordagem interessante e plausível dentro da pesquisa

que ora proponho. A fim de conhecermos melhor essa proposta, enfatizo algumas

características:

50

1. É limitada em técnicas, uma vez que se baseia em fontes restritas. Por

outro lado, seu componente criativo é alto, uma vez que é livre de regras formais, obedecendo critérios não relacionados com a situação.

2. É particularística, uma vez que é limitada no contexto, [...].

3. Opera através de metáforas e sistemas de símbolos que são relacionados psicoemocionalmente, embora a matemática opere com símbolos que

são condensados de forma racional. (D’AMBRÓSIO, 1993, P. 34).

Quando nos colocamos perante a pergunta: "Por que ensinar Matemática?", devemos estar

cientes de que a resposta deve ser encontrada num contexto sociocultural, procurando situar o

aluno no ambiente do qual ele é parte, dando-lhe instrumentos para ser um indivíduo atuante e

guiado pelo momento sociocultural que ele está vivendo.

Não quero menosprezar a dificuldade que se apresenta em realizar tais mudanças, pois nós

todos fomos educados com esse material, com essa atitude. É necessária, pelo menos, uma

geração para outra atitude. Mas é nossa responsabilidade começar um processo em direção à

mudança, e esta deve acontecer num espaço onde se apresenta o “ensino de massa, numa

escola em todos os seus níveis, aberta a todos, realmente todos, bem ou mal dotados, capazes

ou incapazes, de todos os níveis sociais.” (D’AMBRÓSIO, 1986, p. 91).

Vivemos em tempos de inclusão escolar, e a inclusão chega para romper com a pedagogia

tradicional, questionando a concepção de modelos ideais de alunos. “O trabalho pedagógico

deve basear-se na aprendizagem em interação com a diversidade e complexidade do ambiente,

focalizando nas possibilidades dos indivíduos.” (MILANESI, 2012, p. 21).

Essa valorização da cultura nas atividades educativas também é abordada por Vigotski, que

teria sido o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-

se parte da natureza de cada pessoa. No entanto, a cultura não é pensada por Vigotski como

um sistema estático ao qual o indivíduo se submete, mas é vista

Como uma espécie de "palco de negociações" em que seus membros estão

em constante processo de recriação e reinterpretação de informações,

conceitos e significados. Ao tomar posse do material cultural, o indivíduo o torna seu, passando a utilizá-lo como instrumento pessoal de pensamento e

ação no mundo. Envolve também a construção de sujeitos absolutamente

únicos, com trajetórias pessoais singulares e experiências particulares em sua relação com o mundo e, fundamentalmente, com as outras pessoas.

(OLIVEIRA, 1992, p. 80).

Vigotski também desenvolveu estudos sobre a deficiência. Hoje, há uma intensa inserção de

alunos com deficiência nas escolas regulares, mas a mera inserção do aluno deficiente em

classe comum não pode ser confundida com a inclusão. Para haver, de fato, um sistema não

51

excludente, é fundamental que todos os profissionais da escola aceitem e se disponham a

participar desse processo.

O ensino-aprendizagem de Matemática é muito importante para que essa inclusão se efetive,

pois é uma disciplina que facilita a comunicação, uma vez que “signos e palavras constituem

para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de contato social com outras pessoas.”

(VIGOTSKI, 2007, p. 18).

3.4 PRÁTICAS CURRICULARES NO ENSINO DA MATEMÁTICA

Os direitos dos sujeitos da Educação Especial estão amplamente garantidos por lei. Existem

também diversos acordos voltados para a Educação Inclusiva. No entanto, essas

determinações, apesar de justas, são motivo de preocupação para os professores de

Matemática, uma vez que dentro da realidade das faculdades, sabemos que os cursos de

licenciatura, em geral, não habilitam os futuros professores para trabalhar com esses alunos; a

Matemática é uma das matérias que tem maior índice de reprovação nas escolas; e existe uma

dificuldade maior, a falta de preparo do professor, para o ensino da Matemática para alunos

que são sujeitos da Educação Especial.

Um dos desafios da Matemática é trazer esses alunos para o ensino, despertando seu interesse

pela disciplina. Sabemos que a vivência do aluno é única e seu conhecimento também passa

por uma adequação curricular. Segundo este princípio os alunos deverão ser ensinados de

acordo com suas necessidades individuais.

Infelizmente, a realidade que temos hoje não é muito diferente do que tínhamos nos tempos

remotos, onde já havia relatos e concordância sobre a falta de aprendizagem dos alunos com

deficiência. Em um de seus relatórios, Itard comenta que “esses indivíduos não foram

suscetíveis de nenhum aperfeiçoamento bem acentuado; por certo porque se quis aplicar à

educação deles, sem consideração com a diferença de seus órgãos, o sistema comum do

ensinamento social.” (BANKS-LEITE & GALVÃO, 2000, p. 126).

De acordo com Caiado et al (2011, p. 29) a deficiência não é tanto definida pela diferença

constatada e vista como insuperável em relação à normalidade, mas muito mais por um limite

interior ao qual o educador se fixa no começo do processo ensino-aprendizagem. A relação

pedagógica pode ter um papel limitador em relação ao aluno, ou, ao contrário, dar espaço para

52

que ele construa suas aprendizagens. As ideias preconcebidas a respeito das deficiências e das

suas supostas limitações podem gerar no professor uma baixa expectativa em relação à

capacidade de aprendizagem de seu aluno.

Muitos são os questionamentos com relação aos conhecimentos que o professor da escola

regular precisa para dar conta de incluir alunos com deficiência em sua classe.

Embora o encaminhamento teórico-metodológico de cada professor, no exercício da docência,

reflita seu desenvolvimento profissional, incluindo-se aí, sua formação, concepção, prática

pedagógica, crenças, subjetividade, o que faz com que cada fazer pedagógico seja único,

existem algumas orientações, referentes ao trabalho com esses alunos, que podem favorecer o

processo de ensino e aprendizagem especialmente no que diz respeito ao ensino de

Matemática.

É necessária a postura de reflexão sobre a prática, pois ao refletir sobre sua ação, o professor

tem a possibilidade de transformá-la. E “manter a sintonia entre a teoria e a prática é um

aspecto a ser valorizado na Educação”. (CAIADO et al, 2011, p. 31).

Considero como D’Ambrósio (1986, p. 14), que muito mais importante do que estudar

detalhes do currículo ou de metodologia dentro de uma filosofia de ensino de Matemática,

abstrata, e ditada por tradições culturais distantes, é examinarmos questões como o porquê

estudar ou ensinar Matemática ou como fazer com que essa Matemática que ensinamos tenha

uma influência mais direta na melhoria da qualidade de vida dos alunos.

Araújo & Santos (2011) nos alertam para o fato de que o conhecimento matemático em cursos

construídos de maneira padrão, segundo grades curriculares e práticas pedagógicas

historicamente estabelecidas, é planejado e destinado a turmas homogêneas, como se elas de

fato existissem e, nesse sentido, não contempla as especificidades dos alunos. Cursos assim

estabelecidos consideram os alunos segundo aspectos gerais como faixa etária e nível de

conhecimento esperado para a série ou ciclo que ocupam. E, se já deixam muitas lacunas na

educação regular, que dirá na inclusão escolar, momento em que a heterogeneidade se

apresenta ainda mais evidente.

Rodrigues & Abramowics (2011, p. 16) ainda reforçam que

A busca por uma educação de qualidade é hoje inextricavelmente

relacionada aos desafios de oferecer estratégias educacionais adaptadas aos

contextos das vidas dos alunos, no conteúdo e na forma. De fato, a ambição

53

de Educação para Todos não pode se realizar se o direito à educação é

compreendido como imposição curricular, ou se o aprendizado é restrito à educação formal em detrimento da capacitação geral e de um

desenvolvimento frutífero.

Sabemos que “não são poucas as vezes nas quais um contínuo processo de estigmatização se

inicia a partir de um diagnóstico contundente produzido dentro e fora da escola.” (FREITAS,

2006, p. 28). Porém, o que buscamos aqui é pensar, como nos diz Silva (2000, p. 74), em uma

pedagogia e um currículo que não se limite a celebrar a identidade e a diferença, mas que

busque problematizá-la.

Em geral, os conteúdos são desenvolvidos ao longo do período de escolarização, seguindo

essa lógica da acumulação, um nível após o outro, e partindo daquilo que é considerado

simples para o complexo. Os conteúdos são “dados” em uma sequência pré-determinada e,

muitas vezes, de forma isolada uns dos outros. A importância das conexões entre o currículo e

a vida se expressa na necessidade de integrar as aprendizagens da criança no grupo. Deve-se

evitar que o aluno faça repetições sem sentido do mesmo exercício e sem compreensão do

problema proposto naquela situação.

Sendo assim, podemos concordar com Souza (2011, p. 142) quando diz que a educação dos

sujeitos público-alvo da Educação Especial só será compreendida como formação humana e

como direito se for pensada a partir deles próprios e para ser exercida por eles, bem como se

for assegurado o acesso aos conhecimentos produzidos historicamente pela sociedade.

O ideal da Educação Inclusiva é que o rendimento escolar, tanto quantitativo, quanto

qualitativo, do aluno em processo de inclusão escolar seja real, espontâneo e, sobretudo

prazeroso. Mas, a inclusão é falha no ponto quantitativo, o que pode se tornar um fator de

exclusão para o aluno com deficiência, pois o fato desse aluno não conseguir um rendimento

compatível com o de seus colegas, pode se transformar em um sentimento de inferioridade,

contrariando a Inclusão Escolar. Ou seja, a inclusão é eficaz como instrumento de integração

sociocultural, mas cognitivamente necessita de novas abordagens.

Enfim, se de um lado temos subsídios legais para a educação inclusiva e estudos que abordam

os mais variados aspectos quanto à inclusão, de outro temos professores que se questionam a

todo o momento quanto à inclusão dos sujeitos da Educação Especial e um histórico de ensino

da Matemática que é predominantemente tradicional. Estes extremos, por assim dizer,

deveriam ser motivo mais que suficiente para nos motivar a buscar estratégias para avaliar e

refletir sobre como se dá o desempenho e o interesse dos sujeitos da Educação Especial na

54

aprendizagem de Matemática, já que independente da cobertura que tudo isso dá ao processo,

ainda precisamos de uma concretude no que diz respeito ao melhor aproveitamento das

potencialidades do aluno.

Como nos diz D’Ambrósio (1986, p. 14), “a solução tem que ser encontrada por nós, a

solução deverá ser autenticamente nossa”.

55

4 A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E A SÍNDROME DE DOWN

Começamos enfatizando que esse trabalho não aborda a síndrome, mas sim alunas. Estas

alunas têm cromossomos dispostos de maneira especial e esta disposição ocasiona a síndrome

de Down. Pessoas assim apresentam características físicas próprias e uma limitação cognitiva.

Quando a ênfase recai sobre a síndrome, pode parecer que aqueles que a possuem são muito

semelhantes entre si e que constituem uma “categoria” claramente definida. Todavia, quando

a síndrome é colocada em segundo plano possibilitando que elas se libertem dessa categoria

para serem vistas como sujeitos, torna-se evidente que elas são marcadamente diferentes entre

si. Crianças com síndrome de Down diferem muito entre si quanto à sua comunicação,

desenvolvimento motor, socialização e habilidades de vida diária.

Aqui apresentaremos algumas informações a respeito daqueles que por tanto tempo foram

rotulados e difamados como “mongoloides” não educáveis e incompetentes. Isso os manteve

excluídos de muitos programas e atividades benéficos, inclusive o acesso à escolarização.

Nosso objetivo principal nessa parte do texto é proporcionar uma visão panorâmica,

sublinhando os mais importantes estágios de desenvolvimento. Independentemente do que

aqui será apresentado, reafirmamos que o sucesso dessas alunas/sujeitos da pesquisa

dependerá da interação positiva entre todos os envolvidos em seu processo de ensino-

aprendizagem. Não cabe a nós enquanto professores, nos preocuparmos só com o

conhecimento da deficiência, mas nos preocuparmos com o como que a pessoa com

deficiência se constitui como sujeito histórico-cultural.

Vimos nas últimas décadas avanços marcantes nos serviços oferecidos à criança com

deficiência. O público, em geral, está vivenciando um novo processo de conscientização.

Novos programas e serviços estão sendo estabelecidos por lei para orientação e apoio em

benefício das famílias e dessas crianças, do nascimento até a vida adulta. Assim nós, como

educadores, devemos trabalhar para garantir sua continuidade.

Murphy (1999, p. 25) destaca que as imagens e percepções estereotipadas que as pessoas

possuem sobre a síndrome de Down é de que são indivíduos desajeitados, com dificuldades

de comunicação, com aparência diferente, com cabeças grandes e deformadas, a quem falta o

potencial para reagir com os outros, e que não conseguem reconhecer os membros da família

e responder com amor e afeição a eles.

56

Canning (1999, p. 20), no entanto, declara que a criança com síndrome de Down faz quase

tudo que a criança que não possui a síndrome faz, mas em ritmo mais lento.

Sempre que possível, a criança com deficiência deve participar das atividades e oportunidades

disponíveis para crianças não deficientes, da sua faixa etária. Alguns pais questionam se seu

filho deve frequentar uma classe regular em vez de um programa para crianças com

necessidades especiais. Há considerável debate entre profissionais e pais sobre o papel da

Educação Especial e sobre como a criança aprende melhor. A filosofia da escola, bem como as

habilidades dos profissionais envolvidos, representam fatores importantes na decisão sobre os

planos escolares para a criança. Toda criança com deficiência deve ter oportunidades de

interação com crianças de idade cronológica compatível que não têm deficiência, na escola,

no bairro, ou em grupos de atividades da comunidade. Isso é benéfico tanto para a criança

com deficiência como para a outra.

É importante que as expectativas dos pais sejam tais que eles possam trabalhar dentro de casa

no sentido de um crescente desenvolvimento de habilidades para uma vida independente.

Como outras crianças, a com deficiência precisa aprender a se tornar responsável por si

mesma e se ajustar às necessidades dos outros.

4.1 REGISTROS HISTÓRICOS SOBRE A SÍNDROME

Pueschel (1999, p. 45) declara que embora não haja consenso sobre o surgimento da síndrome

de Down, supõe-se que no decorrer da história biológica e da evolução da humanidade,

ocorreram numerosas mutações de genes e modificações cromossômicas. Assim, muitas

doenças genéticas e desordens cromossômicas conhecidas, inclusive a síndrome de Down,

provavelmente ocorreram em séculos e milênios anteriores.

O registro mais antigo da síndrome de Down “deriva das escavações de um crânio saxônico,

datado do século VII, apresentando modificações estruturais vistas com frequência em

crianças com síndrome de Down.” (PUESCHEL, 1999, p. 45). No entanto, apesar das

conjecturas históricas, nenhum relatório bem documentado sobre pessoas com síndrome de

Down foi publicado antes do século XIX.

De acordo com Pueschel (1999, p. 48) a primeira descrição de uma criança que se presume

tinha síndrome de Down foi fornecida por Jean Esquirol em 1838. Em 1846 Edouard Seguin

57

descreveu um paciente com feições que sugeriam a síndrome de Down, denominando-a de

“idiotia furfurácea”. Em 1866, Duncan registrou uma menina com características próprias da

síndrome. No mesmo ano John Langdon Down publicou um trabalho no qual descreveu

algumas das características da síndrome que hoje leva o seu nome. Ao reconhecer nas crianças

afetadas uma aparência de algo oriental, Down criou o termo “mongolismo” e chamou a

condição, inadequadamente, de “idiotia mongoloide”. Hoje sabemos que as implicações

raciais são incorretas.

Segundo o autor, após 1866, nenhum registro de síndrome de Down foi publicado por cerca

de uma década, até que J. Frase e A. Mitchell descreveram, em 1876, pacientes com essa

condição, denominando-os de “idiotas Kalmuck”. Eles merecem o crédito por terem fornecido

numa reunião em Edimburgo, em 1875 o primeiro relato científico da síndrome de Down.

No início do século passado, muitos relatórios médicos foram publicados descrevendo

detalhes adicionais de anormalidades encontradas em pessoas com síndrome de Down e

discutindo várias causas possíveis. No início dos anos 30, alguns médicos suspeitavam que a

síndrome de Down pudesse ser resultado de um problema cromossômico. Porém, apenas

quando os novos métodos laboratoriais tornaram-se disponíveis, em 1956, é que se descobriu

que ao invés dos 48 cromossomos previamente presumidos, havia 46 cromossomos em cada

célula humana normal. Isso levou Lejeune em 1959 a descobrir que crianças com síndrome de

Down têm um cromossomo 21 extra, ou seja, encontrou três cromossomos 21 em cada célula,

o que originou o termo trissomia 21. Geneticistas detectaram que além deste, havia outros

problemas cromossômicos em crianças com síndrome de Down, como translocação e

mosaicismo.

Estima-se que em 20% a 30% dos casos, o cromossomo 21 extra resultou da divisão celular

falha no espermatozoide e que em 70% a 80% dos casos o cromossomo extra vem da mãe.

Aproximadamente 95% das crianças com síndrome de Down têm como anormalidade

cromossômica a não disjunção, ou seja, os dois cromossomos não se separam como se espera

durante a divisão celular normal.

Em outros 3% a 4% de crianças com síndrome de Down, o número total de cromossomos nas

células é 46, mas o cromossomo 21 extra está ligado a outro cromossomo. É a translocação.

Em aproximadamente um terço dos casos um dos pais é “portador”.

58

O mosaicismo geralmente ocorre em torno de 1% das crianças com essa desordem. É

considerado como sendo resultado de um erro em uma das primeiras divisões celulares.

Encontram-se algumas células com 47 cromossomos e outras células com o número normal

de 46 cromossomos. “Vários autores relataram que algumas crianças com síndrome de Down

do tipo mosaicismo apresentam traços menos acentuados de síndrome de Down e que seu

desempenho intelectual é melhor do que a média para as crianças com trissomia 21.”

(PUESCHEL, 1999, p. 61).

Independentemente do tipo é sempre o cromossomo 21 o responsável pelos traços físicos

específicos e a função intelectual limitada, observados na grande maioria das crianças com

síndrome de Down.

“A síndrome de Down ocorre uma vez de cada 800 a 1100 nascimentos.” (MURPHY, 1999, p.

25). Uma vez que um casal tenha um filho com trissomia 21, o risco de outro filho nascer com

síndrome de Down é de cerca de 1 em 100.

Pueschel (1999, p. 67) relata que até o presente, não se sabe o que faz com que as células se

dividam incorretamente e por que os cromossomos não se separam devidamente. Porém, um

fator bastante conhecido já a algum tempo é o de que a ocorrência da síndrome de Down está

associada com a idade avançada da mãe. O risco de ter um filho com anormalidade

cromossômica dobra a cada dois anos e meio, aproximadamente, após os 35 anos de idade da

mulher.

4.2 CARACTERÍSTICAS FÍSICAS

A aparência e as funções de todo ser humano são determinados, principalmente, pelos genes.

Como as crianças com síndrome de Down herdam os genes tanto da mãe quanto do pai, elas

se parecerão, até certo ponto, com os pais em aspectos como estrutura corporal, cor de cabelos

e olhos, padrões de crescimento (embora em ritmo mais lento). Crianças com síndrome de

Down apresentam muitas características em comum e se parecem um pouco entre si, devido o

cromossomo extra 21 se encontrar nas células de toda criança com essa síndrome.

Os parágrafos seguintes descrevem, a partir de Pueschel (1999, p. 79-82), as características

físicas da criança com síndrome de Down. Embora algumas características ocorram com

grande frequência e sejam consideradas típicas da síndrome, deve ser enfatizado que se trata

59

de fatores menores e que estes, no geral, não interferem no funcionamento da criança nem a

tornam menos atraente.

A cabeça da criança com SD é um pouco menor. A parte posterior é levemente achatada, o que

dá uma aparência arredondada à cabeça. As moleiras são muitas vezes maiores e demoram

mais para se fechar. Em algumas crianças pode haver áreas com falhas de cabelo.

O rosto apresenta um contorno achatado. Geralmente o osso nasal é afundado.

Os olhos são geralmente normais quanto ao formato. As pálpebras são estreitas e levemente

oblíquas. Muitas crianças com SD têm problemas de visão.

As orelhas são pequenas, e a borda superior da orelha é muitas vezes dobrada. Os canais do

ouvido são estreitos. De 60% a 80% apresentam déficit auditivo de leve a moderado.

A boca é pequena. O céu da boca é mais estreito. A erupção dos dentes de leite é geralmente

atrasada. As mandíbulas são pequenas. Sua língua é demasiadamente grande.

O pescoço pode ter uma aparência larga e grossa.

As mãos e os pés tendem a ser pequenos e grossos e o quinto dedo é muitas vezes levemente

curvado para dentro. Em cerca de 50% das crianças com SD, uma única dobra é observada

atravessando a palma em uma ou em ambas as mãos. Os dedos dos pés são geralmente curtos.

Na maioria das crianças há um espaço grande entre o dedão e o segundo dedo, com uma

dobra entre eles na sola do pé. Muitas têm pés chatos por causa da frouxidão dos tendões.

A pele é geralmente clara e pode ter uma aparência manchada durante a primeira infância ou

pode ser áspera quando mais velhas.

É preciso enfatizar que nem toda criança com SD exibe todas as características anteriormente

citadas.

Nesse contexto, trazemos a discussão sobre o movimento de cirurgia plástica em crianças com

síndrome de Down. Carvalho et al (p. 12), mencionam em seu artigo, um casal britânico que

deseja plástica para filha com Down. Os pais da menina de dois anos querem submetê-la a

uma cirurgia plástica para ajudar a criança a "sentir-se mais aceita pela sociedade" e a

"aumentar sua autoestima".

60

De acordo com eles, a decisão sobre o procedimento cirúrgico de correção das deficiências

físicas causadas pela síndrome será tomada se, ao atingir os 18 anos, a menina for tratada de

maneira injusta por causa de sua aparência, especialmente se, ao tentar conseguir um trabalho

que poderia fazer, for rejeitada. É uma questão de autoestima.

Segundo Carvalho et al (p. 12), este não é o primeiro caso sobre cirurgia plástica em crianças

com síndrome de Down a chamar a atenção da imprensa britânica. Em 1998, a história da

menina Georgia Bussey, que aos cinco anos já havia sofrido três cirurgias plásticas, gerou

polêmica depois da exibição de um documentário na televisão britânica. Os pais de Georgia,

também afirmaram que "só queriam o bem para a filha" ao decidir submeter a criança às

cirurgias. A primeira encurtou a língua da menina para que ela parasse de aparecer para fora

da boca, a segunda removeu uma porção de pele das pálpebras para evitar a aparência

associada à síndrome e a terceira fixou suas orelhas para trás evitando que aparecessem

demais.

A Associação de síndrome de Down do Reino Unido questiona a vontade dos pais em

submeter os filhos ao procedimento cirúrgico, "com todo o desconforto e riscos que a cirurgia

envolve". "Esconder a deficiência de uma criança pode confundir não apenas a sociedade,

mas a própria criança". "A sociedade precisa aprender a aceitar as pessoas com a síndrome de

Down pelo que elas são", afirmou um porta-voz da instituição. (Apud CARVALHO, et al, p.

12-13).

Podemos, a partir desta afirmação, pensar se os pais querem realmente aliviar o preconceito

da sociedade para com seus filhos ou se são eles próprios que não conseguem lidar com o fato

de seus filhos serem portadores dessa síndrome.

Becking (1991) apud Barion (p. 7), menciona que em muitos países, a cirurgia plástica facial

em crianças com síndrome de Down é realizada aproximadamente na idade de 5 anos. Há

cirurgias-padrão, como: redução da língua, aumento do músculo nasal ou osso malar e

redução do lábio inferior.

Lopes & Moura destacam que a cirurgia plástica tem sido indicada para o tratamento de

pessoas com síndrome de Down com a finalidade de eliminar algumas características próprias

da síndrome. Essa cirurgia consiste em implante de silicone no queixo e bochechas,

cantoplastia lateral e glossectomia parcial (redução da língua), e que foi relatada, a partir da

int

61

intervenção, melhora na respiração bucal, cialorréia, protusão lingual, fala, mastigação e na

deglutição.

A cirurgia plástica tem por vezes sido defendida e realizada em crianças com síndrome de

Down, com base no pressuposto de que pode reduzir as características faciais associadas à

síndrome, portanto, diminuindo o estigma social, e levando a uma melhor qualidade de vida.

Apesar de haver essa discussão, a cirurgia plástica em crianças com síndrome de Down é

incomum, e continua a ser controversa. Pesquisadores descobriram que para a reconstrução

facial, embora a maioria dos pacientes relatasse melhora na fala da criança e em sua

aparência, avaliadores independentes não podiam discernir prontamente uma melhora.

Len Leshin, médico e autor do site ds-saúde, afirmou: "Apesar de estar em uso por mais de 20

anos, ainda não há uma grande quantidade de evidências sólidas em favor do uso da cirurgia

plástica em crianças com síndrome de Down”.

O National Down Syndrome Society EUA emitiu uma "Declaração de Posição sobre Cirurgia

Plástica para Crianças com Síndrome de Down", que afirma que "A meta de inclusão e

aceitação é o respeito mútuo, baseado no que somos como indivíduos, não como nós

olhamos".

Enfim, depois de vislumbrarmos posições contrárias e a favor da cirurgia plástica em crianças

com síndrome de Down, podemos enfatizar que a síndrome não se resume a características

físicas, mas também causa deficiência mental, além de estar associada a outras condições

como doenças cardíacas, leucemia e mal de Alzheimer em crianças.

Não podemos fechar os olhos para estas pessoas. Não podemos fingir que não existem como

sugerem os pais ao desejar que sua aparência seja modificada através de cirurgia plástica. É

preciso encarar o problema e lutar para que essas pessoas tenham uma vida digna e seus

direitos respeitados. Dentre esses direitos, podemos incluir também o direito de se submeter a

uma plástica, se o próprio quiser e não os pais submetendo filhos a esses procedimentos

cirúrgicos que oferecem riscos às suas vidas.

Além disso, temos muitos exemplos no mundo de pessoas com síndrome de Down que fazem

parte da vida política de seu País, praticam surfe, futebol, natação, ioga, culinária, são

escritores, estrelam em novelas e filmes, e que o fazem apresentando suas características

físicas. Só para citar alguns exemplos temos o filme "Colegas", de Marcelo Galvão, no Brasil

62

que é o primeiro filme protagonizado por atores Down (2013); o documentário "Meu olhar

diferente sobre as coisas" que é pioneiro por ser protagonizado, produzido e até filmado por

sete pessoas com síndrome de Down de Florianópolis, Brasil (2013); Angela Bachiller que é a

primeira vereadora com síndrome de Down na cidade de Valladolid na Espanha (2013); a

nadadora Kelly Antunes, de 30 anos, que vai disputou o Campeonato Mundial de síndrome de

Down, que aconteceu dos dias 15 a 23 de novembro de 2013, na Itália; e em Brasília – Brasil,

o relançamento do livro “Liane, mulher como todas”, de Liane Collares no dia 02 de março de

2013 que apresenta a publicação de um relato intenso e emocionado sobre a vida da gaúcha de

49 anos, que tem síndrome de Down.

4.3 EXPECTATIVAS DE DESENVOLVIMENTO

Embora crianças com SD demonstrem atraso em todas as áreas de função biológica,

apresentam progresso constante em seu desenvolvimento global. Zausmer (1999, p. 116)

indica que embora necessárias a qualquer criança, a exposição direta aos estímulos e às

experiências de vida não bastam, frequentemente, para modificar significativamente os

padrões de aprendizagem de crianças com SD.

Devido ao processamento mais lento de informações, pode demorar mais para se obter sinais

de curiosidade e iniciativa na criança com SD. Entretanto, com ajuda adequada, a

aprendizagem ocorre de fato, embora em ritmo mais lento.

Quanto maior a facilidade com que se realiza a tarefa, maior a eficiência. Para a criança com

SD “é importante vivenciar desde muito cedo o maior número possível de padrões de

movimentos prazerosos e eficientes.” (ZAUSMER, 1999, p. 119). Assim, de acordo com a

autora, é essencial auxiliar a criança com SD, desde muito cedo, a desenvolver, entre outras

coisas, os interesses e habilidades necessárias à realização de uma variedade de atividades

físicas e recreacionais.

Assim como é importante favorecer o desenvolvimento de crianças com SD, uma experiência

positiva na escola exerce um papel muito importante nas suas vidas durante os anos de

formação.

Neste contexto, Canning (1999, p. 171) destaca que a criança com SD pode aprender uma

infinidade de coisas na escola. Entre 3 e 5 anos de idade apresentam uma larga abrangência de

63

desenvolvimento. Cada criança pode se beneficiar da interação social, de disciplina moderada,

trabalhar as habilidades da vida diária, praticar coordenação motora grossa e fina, aprender a

viver com diferentes tipos de pessoas e comportamentos. Ao entrar na escola as crianças se

encontram em pleno processo de desenvolvimento e crescimento, de acordo com suas

próprias capacidades de maturação e desempenho.

É fundamental que haja interação frequente entre profissionais da escola e pais, pois isso

auxilia a transferir o que é realizado na escola para o lar. “As crianças criadas num ambiente

que não é nem excessivamente permissivo nem superprotegido, mas no qual se respeitam os

direitos do outro, não devem ter muita dificuldade em aceitar a disciplina na escola.”

(PUESCHEL, 1999, p. 179).

Uma questão que deveríamos propor poderia ser: A escola está pronta para receber a criança

com SD? Será preciso que a escola se adapte às suas habilidades e necessidades especiais. Os

professores precisam estar disponíveis para aprender sobre os problemas das crianças para

auxiliá-las o mais efetivamente possível. Qualquer criança que tenha deficiência merece

respeito e é educável. O que está debilitado não é a condição do sujeito de aprender, mas

nossa condição em ensinar.

A escola deve oferecer uma oportunidade para as crianças envolverem-se em relacionamentos

com os outros e deve oferecer “uma base fundamental de vida, encorajando o

desenvolvimento de habilidades acadêmicas básicas, habilidades físicas, independência em

sua vida diária e competência social bem como de linguagem.” (PUESCHEL, 1999, p. 181).

Acerca disso, o autor apresenta que aspectos como, realizar uma tarefa na hora que aquilo

deva ser feito, dar-se bem com as pessoas e saber onde encontrar uma resposta, são talvez

habilidades mais importantes que saber ler, escrever e fazer contas.

Fredericks (1999, p. 185) alerta para o fato de as crianças com deficiência deverem ser

atendidas na escola do seu bairro, porque é muito mais difícil conseguir boa interação e

desenvolver amizade com crianças do bairro se a criança com deficiência frequenta uma

escola que é diferente daquela de seus pares do bairro.

Todos esperamos que o reconhecimento do valor da pessoa com SD não seja só da “boca para

fora”, mas que lhe seja oferecida uma posição na qual se respeitem seus direitos e privilégios

como cidadão de uma sociedade democrática, na qual se preserve, verdadeiramente, sua

dignid

64

dignidade humana, inclusive no que tange ao direito de aprender, e aqui especificamente

aprender Matemática.

Sendo assim, uma pergunta que poderíamos nos fazer é: Como a síndrome de Down poderia

afetar o conhecimento matemático dos indivíduos que nascem com tal desajuste de natureza

genética?

Gomes (2011, p. 11) relata que estudos realizados têm atestado que crianças com síndrome de

Down (SD) apresentam uma memória de capacidade auditiva de curto prazo mais breve, o

que dificulta o acompanhamento de instruções faladas, porém, apresentam habilidades de

processamento e de memória visual mais desenvolvida, o que nos leva a confirmar que essas

crianças se beneficiarão de recursos de ensino que utilizem suporte visual para trabalhar as

informações.

Segundo a autora, esse conhecimento e/ou raciocínio lógico-matemático vem se mostrando

mais aprimorado entre os sujeitos com SD, fato que pode ser justificado a partir do acréscimo

do número de alunos com essa síndrome no processo de inclusão no ensino regular, dando

oportunidade a esses de aprender Matemática.

O professor de Matemática que tem em sua sala de aula alunos com SD deve elaborar seu

planejamento a partir do nível desse aluno, com base no conhecimento de sua realidade

concreta. Os conteúdos ministrados podem seguir ou não uma sequência evolutiva. O material

concreto deve ser usado, pois este permite a abstração de forma descontraída, respeitando seus

limites particulares ocasionados, entre outras coisas, pela síndrome.

Yokoyama (2012, p. 36) ressalta que as crianças ditas “normais”, com “desenvolvimento

típico”, geralmente desenvolvem a habilidade de contagem, por volta dos 5 ou 6 anos de

idade, por meio de suas experiências e interações sociais, brincadeiras e jogos com amigos.

“Em geral, as próprias circunstâncias do cotidiano já propiciam situações em que há a

necessidade de contagem, e as crianças vão adquirindo esta habilidade aos poucos.”

(YOKOYAMA, 2012, p. 36). Em contraste, sabe-se que as crianças com SD, em sua maioria,

têm muita dificuldade com relação a habilidades matemáticas, mais do que em outras áreas do

conhecimento.

Sabemos que a escola deve potenciar nestas crianças as competências essenciais para a sua

vida diária. Isso traz à tona a ideia de competências da Matemática funcional, que podem ser

definidas como

65

Um conjunto de saberes e de capacidades que possibilitam ao aluno a

intervenção na sociedade através da abordagem de situações problemáticas da sua vida quotidiana potenciando o domínio de conceitos e de utilização de

instrumentos distintos. (SILVA, 2012, p. 26).

Concordo com Kato & Boursheid (2009, p. 20) quando dizem que a inclusão requer não

apenas o respeito ao direito de igualdade, mas, sobretudo, da diferença dos aspectos físicos,

psicológico e intelectual e singularidade de cada aluno no aprender.

66

5 REVISÃO DE LITERATURA

Analisando estudos produzidos na área de interesse desta pesquisa, pudemos perceber que não

é grande o número de trabalhos voltados para a temática geral que envolve pesquisa sobre o

ensino para alunos com síndrome de Down. Quando o tema é o ensino de Matemática o

número de trabalhos ainda é mais reduzido, o que nos leva a considerar a relevância desta

dissertação. Destacamos também que existem muitas publicações que apresentam o mesmo

conteúdo, porém os autores e/ou títulos são diferentes, dando uma falsa ideia de maior

quantidade de produções. O que apresentamos como revisão de literatura, são trabalhos que

contemplam o ensino de Matemática para alunos com deficiência intelectual, mais

especificamente aqueles com síndrome de Down.

Começamos nossa busca pelo site do PPGE – UFES onde não encontramos trabalhos que

tratam especificamente do tema abordado aqui. Existem pesquisas que tratam do ensino de

Matemática, porém nenhuma aborda o ensino-aprendizagem no que diz respeito a alunos com

síndrome de Down. Em seguida, procuramos em outros sites específicos de divulgação de

dissertações, teses e artigos científicos, mas, ainda assim, há pouco material que aborde

Matemática e síndrome de Down simultaneamente. Percebemos que as pesquisas a respeito

dos sujeitos com síndrome de Down estão concentradas, em sua maioria, na área médica.

Ainda salientamos que não foi possível identificar uma instituição que se destaque com

contribuições sobre o ensino-aprendizagem de Matemática para alunos com síndrome de

Down. Para melhor organização optamos por apresentar os trabalhos encontrados

cronologicamente, salvo o último, que por abordar deficiência intelectual de forma mais

ampla, foi adicionado ao final do capítulo. Foram analisados 10 artigos, 2 monografias, 2

dissertações e 1 tese, totalizando 15 trabalhos.

Dentre as produções encontradas, apresentamos o trabalho de Ballaben et al (1994) que teve

como objetivo criar um programa que auxiliasse a construção do pensamento lógico, visando

o alcance do estágio das operações concretas e o desenvolvimento cognitivo em crianças com

síndrome de Down, com as idades entre 7 e 10 anos. Para tanto as autoras selecionaram

atividades que auxiliavam na construção das noções de conservação de quantidades,

correspondência termo a termo, seriação e classificação, recorrendo a dois tipos de avaliação:

individual, composta de provas piagetianas clássicas, e em grupo, composta de observações

sistemáticas. Essa pesquisa foi realizada numa classe do Centro de Desenvolvimento Integral,

escola sem fins lucrativos mantida pela Fundação Síndrome de Down de Campinas - SP.

67

Dentre os resultados alcançados, as autoras destacam que a avaliação individual com provas

piagetianas não foi um instrumento adequado para os sujeitos da pesquisa, pois a situação de

prova gerava insegurança e desconforto, o que não permitiu que o resultado fosse uma

expressão da realidade. Outro aspecto importante foi o da linguagem. A avaliação nesse tipo

de atividade exige uma série de respostas verbais das crianças, o que por suas especificidades,

também prejudicou os sujeitos. A avaliação em grupo, no entanto, mostrou-se de grande

eficácia, permitindo às autoras ter uma visão mais detalhada do desenvolvimento do

pensamento lógico das crianças.

Após a aplicação do programa, as pesquisadoras perceberam, através do desempenho de cada

sujeito nas avaliações, que a maioria das crianças avançou e estava a caminho de atingir o

período operatório.

Destaco agora um artigo de Fávero & Oliveira (2004) que desenvolveram um estudo de caso,

contendo três fases, com foco em uma criança com síndrome de Down (SD) incluída em

classe regular na Rede Oficial de Ensino do Distrito Federal, cursando a terceira série e

encaminhada ao atendimento psicopedagógico. O sujeito tinha 10 anos de idade quando o

estudo se iniciou e não apresentava distúrbios de linguagem.

O artigo analisou o desenvolvimento de suas estruturas lógico-matemáticas, particularmente

aquelas referentes à lógica do sistema numérico. Primeiro, avaliaram-se as competências

matemáticas do aluno com SD e as suas dificuldades. Depois, desenvolveu-se uma

intervenção psicopedagógica, cujas sessões, registradas em vídeo e analisadas, explicitaram a

sequência das ações do sujeito, o significado destas ações em relação às suas aquisições

conceituais e a importância da mediação nesse processo. Finalmente, ele foi reavaliado.

Ficou evidenciado que a intervenção psicopedagógica possibilitou a construção de novas

estruturas cognitivas e a ampliação dessas estruturas em competências a serem utilizadas na

resolução das situações-problema; possibilitou uma modificação global no pensamento lógico

do indivíduo e o desenvolvimento do pensamento metacognitivo; foi valiosa como

procedimento de pesquisa, pois tanto evidenciou as particularidades do desenvolvimento na

aquisição do conhecimento como gerou dados para a avaliação da intervenção e para o

aconselhamento de pais e professores.

O estudo de Ariza & Tudela (2005) realizado em Jaén – Espanha analisou o efeito do uso de

multimídia na aprendizagem de conteúdos matemáticos e sua generalização para indivíduos

68

com síndrome de Down. Dois grupos de crianças foram instruídos, com diferentes

metodologias de ensino na contagem e cardinalidade. Enquanto um grupo trabalhava com

multimídia, o outro fez com a metodologia tradicional de lápis e papel. Após o processo de

aprendizagem, ambos os grupos foram avaliados através de uma tarefa que simulava uma

situação de compra. Os resultados sugeriram um efeito claro da metodologia permitindo a

multimídia em generalizar conceitos e habilidades básicas de contagem em crianças com

síndrome de Down.

O objetivo principal deste trabalho foi explorar as possibilidades do computador como

ferramenta de ensino para auxiliar na disseminação posterior de conhecimentos e

competências matemáticas. Especificamente, ele incide sobre o conteúdo e a quantidade de

contagem, considerados a base fundamental sobre a qual se assenta muito da posterior

aprendizagem lógico-matemática.

O estudo incluiu 18 crianças com síndrome de Down que frequentavam a SD Association

"província de Jaén." No início, começaram a trabalhar com 23 crianças, depois apenas 10

crianças estavam disponíveis no grupo experimental (sete meninos e três meninas), com idade

média de 6,3 anos e 8 no controle (três meninos e cinco meninas), com idade média de 6,8. A

atribuição de temas para os grupos foi aleatória.

Essas crianças foram escolhidas por não terem adquirido, nenhum deles, o domínio do

conteúdo de quantidade, depois de analisar as competências curriculares. Uma comparação

dos dois grupos antes de iniciar os programas de ensino confirmou que não houve diferenças

significativas entre eles em qualquer um dos testes. A variável independente foi o tipo de

instrumento utilizado no processo de ensino (computador versus experimental). O possível

efeito dessa variável foi avaliado por um grupo de mídia e tarefas de generalização.

Durante o processo de ensino foram realizados um total de 15 sessões de treino que diferiram

nos dois grupos. Todas as sessões, tanto a avaliação e o treinamento, foram realizadas

individualmente e seguiram o mesmo procedimento. As crianças de ambos os grupos foram

avaliadas sete vezes durante as diferentes fases de ensino e aprendizagem. No entanto, só

foram consideradas no estudo duas das avaliações: a primeira (inicial), que permitiu

identificar a ausência de diferenças significativas entre os dois grupos antes do início do

treinamento, e a última (generalização), duas semanas após o término do período de ensino.

69

Em todas as sessões de testes, a ordem de apresentação de provas e de estímulos foi

contrabalançada entre os indivíduos. A ideia foi a de evitar os efeitos da fadiga e as sequências

de aprendizagem.

O principal objetivo do trabalho foi estudar a possível facilitação de recursos de informática

na aprendizagem de Matemática, inclusive em pessoas com SD. Os resultados encontrados

endossam a hipótese, mostrando a eficácia da multimídia na aquisição deste tipo de conteúdo.

Embora o desempenho dos dois grupos fosse semelhante em todas as tarefas antes do início

do ensino, o grupo de crianças que aprenderam usando material multimídia apresentou

melhora substancial após o período de treinamento, uma alteração que não foi observada

pelos autores no grupo de ensino que usou caneta e papel. Assim, o uso dos meios de

comunicação parece facilitar a aquisição de competências matemáticas simples, o que seria

muito importante, tanto do ponto de vista acadêmico como social.

Em outro artigo Bruno et al (2006), apresentam os resultados de um estudo realizado por uma

equipe interdisciplinar em Tenerife na Espanha sobre a aquisição de conceitos lógico-

matemáticos de alunos com síndrome de Down. O grupo envolvia professores, pedagogos e

psicólogos da Associação dos trisomic 21 Tinerfeña e professores da Universidade de La

Laguna, dos departamentos de Análise Matemática (área de Educação Matemática) e Física

Fundamental e Experimental, Eletrônica e Sistemas.

O trabalho do grupo teve como objetivo geral, em primeiro lugar, refletir sobre o ensino e a

aprendizagem de Matemática nos níveis de ensino primário e secundário, e em segundo lugar,

criar ferramentas para design de chips e materiais multimídia que facilitassem o ensino e a

aprendizagem da Matemática para pessoas com síndrome de Down.

Por isso, trabalharam com alunos de 5 a 26 anos de idade que frequentavam a Associação,

integrados em escolas primárias e secundárias, e seguindo o currículo de diferentes níveis de

ensino, bem como alunos que, por causa da idade não estavam em escolas, mas continuavam

a sua educação. Nessa associação, entre outras atividades, os alunos recebiam aulas de reforço

em disciplinas diferentes.

O instrumento utilizado na pesquisa foi um tutorial inteligente projetado para reforçar

conceitos matemáticos em pessoas com síndrome de Down. O tutorial tinha quatro fases:

lógica (classificação, seriação, correspondência um a um e quantificadores); conceituação de

número; adição e subtração com um dígito; adição e subtração com números de dois dígitos.

70

Foi estudada a dificuldade destes conceitos e a resposta dos alunos a aspectos técnicos do

tutorial.

Em relação à aprendizagem matemática de alunos com síndrome de Down, a metodologia não

diferiu do que se aplicava a crianças sem deficiência. Assim, atividades de Matemática foram

baseadas em situações cotidianas muito perto deles, no uso de materiais concretos, papel e

lápis, bem como software.

A pesquisa previa ajustes no conteúdo matemático para ensinar às crianças com síndrome de

Down. Começaram com o currículo do jardim de infância, que incluía habilidades lógicas,

comparando quatro delas, e analisando as diferentes dificuldades, e a relação dos sujeitos com

o ambiente de computação.

O tutorial se adaptava às características de cada aluno e aprender os números estava associado

a situações e a resolução de problemas específicos e as atividades se conectavam diretamente

às que eram trabalhadas com materiais concretos e com lápis e papel. Havia o cuidado com o

vocabulário e expressões usadas devido a problemas de linguagem que caracterizavam as

pessoas que participaram do estudo. As atividades tinham diferentes formatos de apresentação

e tentavam mostrar o mesmo conceito de diferentes maneiras, pois uma característica da

população de Down é a tendência a refugiar-se em comportamentos repetitivos e automação

de comportamentos aprendidos, o que lhes dá confiança.

Foram analisadas no artigo as respostas de 13 alunos com síndrome de Down, sete deles

integrados em salas de aula no nível primário. Os outros seis estavam em fase de

alfabetização. As razões pelas quais estes não estavam na escola comum eram diferentes: ou

deixaram as escolas em uma idade precoce, ou já tinham uma idade avançada.

Os dados foram coletados em várias sessões gravadas durante aulas de reforço escolar na

Associação. Os resultados mostraram que as dificuldades variavam conforme a atividade. Foi

percebido também que os alunos com síndrome de Down poderiam adquirir e aperfeiçoar

habilidades lógicas já na maturidade, especialmente se continuassem a sua educação.

No que diz respeito ao uso do computador, os resultados destacaram o fato de que nenhum

estudante foi autônomo. Houve uma grande variabilidade de condutas, mas a maioria teve

dificuldades no manuseamento do mouse, precisando de ajuda dos professores. Enfim, os

resultados indicaram que os alunos com síndrome de Down podiam adquirir certa

compreensão de conceitos lógico-matemáticos.

71

Analisamos, também, a pesquisa de Bukowitz & Slibernagel (2006), que investigou o

problema de dificuldades no aprendizado da Matemática em todos os níveis da vida escolar,

inclusive da Matemática acessível aos deficientes visando a almejada inclusão social. A

pesquisa de caráter qualitativo se sustentou em investigação bibliográfica e observação

participante, em uma instituição de ensino especializada, e no espaço de um projeto voltado

para pessoas com todo tipo de deficiência, inclusive indivíduos com síndrome de Down, da

cidade de Petrópolis – RJ. A coleta de dados foi feita por meio de oficinas realizadas com os

alunos. Entrevistas semiestruturadas com alunos, pais e/ou responsáveis, funcionários e com

profissionais que realizavam a mediação pedagógica também foram instrumentos utilizados.

Numa primeira etapa, a pesquisa foi realizada junto aos alunos da Associação Pestalozzi

(Instituição 1) e numa turma de recreação do Projeto Eficientes (Instituição 2), ambos em

Petrópolis, por um período de quatro meses e meio, em 2006. Foram anotadas observações

sobre quais estratégias pedagógicas eram adotadas para que fosse desenvolvido o

conhecimento matemático dos sujeitos com síndrome de Down nestas instituições. Também

foram objeto de análise as aulas, os momentos de recreação, a relação entre a escola e os pais,

as funções desempenhadas pelos funcionários pertencentes aos dois ambientes citados. Os

dados foram analisados tendo por base a delimitação de quatro categorias: capacitação

docente, o papel da família, concepção de Matemática e capacitação profissional.

A partir da contribuição de alunos com Down, professores, familiares, especialistas no

atendimento aos alunos trissômicos e da própria intervenção da pesquisadora, foi possível

obter sinais reveladores de quanto é possível a aquisição do conhecimento matemático e como

isso pode auxiliar os sujeitos com a síndrome de Down, em seu processo de desenvolvimento

e de inclusão social.

Foi comprovado também que a ludicidade, no ensino da Matemática, pode favorecer o

desenvolvimento dos portadores da síndrome de Down.

Observou-se que nas instituições pesquisadas, estes alunos costumavam ser submetidos quase

que exclusivamente à exposição oral dos conteúdos e a exercícios de fixação, tarefas

infantilizadas e descontextualizadas. Os alunos trissômicos eram tratados, portanto, como

“eternos especiais” que não tinham muito a aprender ou que não sairiam da fase da infância.

No entanto, em decorrência das interações entre os alunos e o ambiente, estes foram muito

além do que era esperado, atingindo um desempenho que pode ser considerado “normal”.

72

Embora a pesquisa tenha se realizado em uma instituição de ensino não regular, a crítica a

práticas pouco eficientes observadas nesse ambiente não difere muito do observado em outros

estudos realizados com alunos que apresentam essa síndrome, incluídos em escolas regulares.

Em sua monografia, Bourscheid (2008) teve como objetivo analisar como ocorria o processo

de ensino-aprendizagem da Matemática para alunos com síndrome de Down em contexto de

inclusão em uma escola regular. Foram utilizadas como técnicas de coleta de dados a

observação e sua intervenção junto a uma aluna com síndrome de Down da 8ª série do Ensino

Fundamental da Escola Municipal Ivete Lourdes de Arenhardt na cidade de Sorriso – MT no

contexto escolar, focando as situações de ensino-aprendizagem da Matemática, bem como

entrevistas semiestruturadas realizadas com o professor de Matemática e com a referida aluna.

A autora ressaltou que quando o ensino era proposto de forma a usar material concreto e

resolução de problemas com situações reais, a aluna com síndrome de Down conseguiu

aprender e fazer uso desses conhecimentos em seu dia a dia.

Tudela (2008) analisou como os materiais multimídia (texto sequencial e hipertexto, gráficos,

imagens, vídeos, sons, música, jogos computacionais, entre outros) oferecem uma série de

possibilidades de apoio a aprendizagem de conteúdos matemáticos básicos em indivíduos

com síndrome de Down. Neste artigo, apontou que ferramentas simples podem oferecer várias

opções de resposta às dificuldades encontradas em sala de aula.

Concluiu dizendo que o computador pode criar um instrumento útil, interativo e facilitador,

onde os indivíduos com SD podem desenvolver plenamente suas habilidades, devido

principalmente a duas razões: o ambiente do computador suporta todos os sistemas simbólicos

e a interação com o sistema simbólico é flexível e multissensorial.

Kato & Boursheid (2009), por sua vez, fizeram um estudo comparativo em uma escola

regular, questionando, diante dos resultados do desempenho em Matemática de alunos sem

deficiência intelectual, se também era possível ao aluno com síndrome de Down aprender

conceitos e operações Matemáticas e utilizá-las em seu dia a dia, com o uso de uma

metodologia de ensino significativa, que entrelaçasse o conhecimento científico e a prática de

atividades corriqueiras.

As autoras apresentaram um panorama do ensino de Matemática, caracterizaram o aluno com

síndrome de Down e indicaram metodologias de ensino para esses alunos (material concreto,

resolução de problemas, tecnologias da comunicação, jogos, etc.).

73

Consideraram ao final do trabalho, que as dificuldades do aluno com síndrome de Down para

o aprendizado da Matemática estavam relacionadas não só à sua limitação cognitiva, mas

também, ao modo como a Matemática era proposta pelo professor. Concluíram que o aluno

podia aprender, desde que lhe fossem oferecidas as condições pedagógicas adequadas, como

qualquer outro aluno.

Kato & Bourscheid (2009a) apresentam ainda, outra pesquisa de cunho qualitativo, do tipo

estudo de caso onde investigaram o processo de ensino aprendizagem da Matemática de uma

aluna com síndrome de Down, da 5ª série do ensino fundamental de uma escola pública do

Município de Sorriso/MT.

Os dados foram coletados através de observações no ambiente de estudo, e entrevistas

realizadas com o professor de Matemática, a mãe e com a aluna em questão.

Esta pesquisa permitiu concluir que a aluna com síndrome de Down foi capaz de compreender

os conceitos e as quatro operações matemáticas, reconhecê-las e aplicá-las no seu dia a dia.

No artigo de Groenwald et al (2010), destacamos os resultados de uma pesquisa qualitativa,

mediada pela aprendizagem do software Sistema Tutorial Inteligente (ITS), gerador de

sequências de atividades as quais reforçam os conhecimentos lógico-matemáticos das séries

iniciais do Ensino Fundamental, com alunos com síndrome de Down (SD). O objetivo foi

identificar os eixos convergentes na aprendizagem matemática de alunos com SD. Foi

realizada uma comparação entre dois alunos com SD, um do estado do Rio Grande do Sul

(aluno A) e outro de Itabuna, na Bahia (aluno B).

O Aluno A tinha 21 anos à época, iniciou seus estudos na APAE de São Leopoldo/Rio Grande

do Sul, depois foi matriculado na escola regular e após transferiu-se para uma Escola

Especial, em São Leopoldo. Aos 15 anos voltou a frequentar a escola regular, na rede

municipal de ensino, sendo matriculado no 4º ano do Ensino Fundamental. Em 2008 concluiu

o Ensino Fundamental, nessa escola. Durante o tempo que estudou na escola municipal

frequentou a sala de recursos em NEE do município. Na época do fechamento da pesquisa

estava no mercado de trabalho, atuando como empacotador, em um supermercado.

O Aluno B tinha 29 anos, estudou na Rede Regular de Ensino Particular até o 5º ano do

Ensino Fundamental. No período da pesquisa não frequentava a rede regular de ensino, pois

com esta idade teria que estudar no noturno na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e por

moti

74

motivo de segurança a família não permitia, mas ainda continuava vinculado a APAE de

Itabuna/Bahia.

Com o Aluno A foram realizadas oito sessões de uma hora-aula de duração em 2008, uma vez

por semana durante as aulas de Inglês ou de Educação Física. Com o Aluno B foram

realizadas quatro sessões de 1 hora, em 2008, na sala de Inclusão Digital, da APAE de

Itabuna, que lhe era familiar, com a presença da professora e da pesquisadora, que observaram

e realizaram as atividades com os alunos investigados, utilizando o software ITS.

Além de ter investigado as dificuldades em Matemática que alunos com NEE-SD

apresentavam, através do software ITS, a pesquisa visava contribuir para um melhor

entendimento de como os professores poderiam agir, para reforçar a aprendizagem de

conceitos matemáticos. Segundo os autores, deve-se regularmente, fazer uma retomada dos

conteúdos já estudados, pois é através do reforço que pessoas com essa síndrome conseguem

acumular conhecimentos.

Destacaram ainda que só será possível atingir o objetivo educacional se os professores

desempenharem o papel de mediadores, acompanhando e sugerindo atividades, ajudando a

solucionar dúvidas, estimulando a busca de novos conhecimentos.

Isso requer, segundo os autores, um acompanhamento individualizado, fora da sala de aula,

para lidar melhor com situações do cotidiano que exigem Matemática.

Admitimos a necessidade de um acompanhamento individual para garantir a aprendizagem,

porém entendemos diferentemente dos autores, que tal trabalho pode ser realizado no contexto

de sala de aula, opinião essa compartilhada pelos demais autores já analisados. Nosso desafio

enquanto professores é justamente buscar meios para que os sujeitos da Educação Especial

possam ser atendidos em suas individualidades, mas com o coletivo da sala de aula. Isso, no

entanto, não nos impede de analisar pesquisas em diferentes instituições que recorrem a

estudos individualizados, pois algumas dessas técnicas podem ser incorporadas ao ensino

regular.

O documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

(2008) também defende a inclusão desses alunos em classes regulares, apoiando-se em

diferentes pesquisas, quando diz que “as atividades desenvolvidas no atendimento

educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não

sendo substitutivas à escolarização”.

75

Outro estudo analisado, Andrade et al (2010), trouxe como objetivo em seu artigo caracterizar

o desenvolvimento das noções de classificação e seriação em crianças com síndrome de

Down. Este trabalho foi realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em

Síndromes e Alterações Sensório-Motoras do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e

Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São

Paulo (SP), Brasil.

A amostra foi constituída por 15 crianças com SD, com idade cronológica entre 5 e 13 anos,

localizadas no período pré-operatório do desenvolvimento cognitivo e atendidas em terapia

fonoaudiológica na instituição em que o estudo foi realizado. A organização dos grupos

obedeceu ao índice de inteligência não verbal para habilidades cognitivas obtido com a

aplicação do Primary Test of Nonverbal Intelligence, que fornece a correspondência à idade

mental, divididas em três grupos igualitários, cujas médias foram de 3,4 anos para o grupo 1,

de 4,3 anos para o grupo 2 e de 5,4 anos para o grupo 3. As crianças foram submetidas a

provas de classificação, com materiais não figurativos e figurativos, e de seriação, com

conjuntos de canecas e de bastonetes de tamanhos diferentes e escalonados. As sessões foram

filmadas e os sujeitos avaliados individualmente em sessões diferentes para classificação e

seriação, sem ordem previamente estabelecida.

Como critérios de participação no estudo foram considerados: ter o diagnóstico de SD por

trissomia simples do cromossomo 21; estar em boa saúde físico clínica e ter acompanhamento

pediátrico e audiológico periódico; ter audição social normal; estar no período pré-operatório

de desenvolvimento cognitivo, de acordo com o proposto pela Epistemologia Genética; estar

em atendimento fonoaudiológico na instituição há pelo menos um ano. Foram excluídos os

sujeitos que apresentavam outras patologias associadas e cardiopatia congênita que necessitou

de intervenção cirúrgica.

Para a avaliação da noção de classificação, inicialmente foram entregues os blocos lógicos

com a solicitação de que fossem organizados da maneira que cada participante quisesse. Se a

criança não realizasse qualquer atividade, o pesquisador poderia sugerir o uso de algum

critério de classificação (por forma, tamanho ou cor). Da mesma maneira, se a criança não

apresentasse espontaneamente o uso de dois critérios simultâneos, o pesquisador poderia

intervir e apresentar um elemento que favorecesse tal realização. Quanto aos materiais

figurativos, foi feita a solicitação de que fossem organizados da maneira como a criança

quisesse. Para a avaliação da noção de seriação, inicialmente foram entregues três canecas

76

com tamanhos claramente diferenciados, com a solicitação de que fossem colocadas uma

dentro da outra. Posteriormente, eram introduzidos novos elementos. O mesmo foi realizado

com bastonetes de madeira de tamanhos escalonados, para formar uma "escada".

Em sessão diferente das anteriores, foi aplicado o Primary Test of Nonverbal Intelligence, que

fornece um índice não verbal de diferentes habilidades cognitivas. A equivalência de idade do

teste é denominada "idade mental" e é descrita em anos e meses, após a conversão da

pontuação bruta em idade corrigida, segundo a idade cronológica da criança.

As provas foram aplicadas por duas fonoaudiólogas, alunas do curso de especialização, sob a

supervisão de duas fonoaudiólogas com experiência no atendimento dessa população e na

metodologia empregada. Todas as avaliações foram filmadas e registradas nos protocolos

específicos.

Para a classificação foram considerados, em ordem de evolução na aquisição, os tipos e suas

respectivas habilidades componentes.

Para a seriação, também por ordem de evolução na aquisição, foram considerados os tipos e

suas respectivas habilidades componentes.

Foram feitas análises intra e intergrupos que apontaram o caráter evolutivo e cumulativo das

noções de classificação e seriação. Foi verificado que as crianças estudadas seguiram a

mesma ordem de aquisição observada no desenvolvimento típico.

Esta pesquisa analisou as possibilidades de um trabalho de Matemática com alunos com a

síndrome de Down, ainda que a temática se afaste da adotada no presente estudo, apontando

algumas técnicas possíveis de serem adotadas no ensino regular.

Já no trabalho de conclusão de curso de Licenciatura Plena em Matemática, Gomes (2011)

avaliou métodos utilizados e levantou questões relacionadas ao processo de ensino-

aprendizagem da Matemática do aluno com síndrome de Down em contexto de inclusão

social em uma escola especializada.

Foi realizada uma visita à APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) em

Campina Grande – PB para verificar quais eram os métodos utilizados no ensino matemático

para os alunos com síndrome de Down, através de questionários voltados para o corpo

docente e observações do meio escolar.

77

Concluiu genericamente que a técnica que produzia melhores resultados para a aquisição de

conceitos básicos matemáticos era a de utilização de materiais concretos como material

dourado, barras vermelhas e azuis e blocos lógicos.

O próximo estudo que convém citar é a tese de doutorado de Yokoyama (2012), que considera

a evolução do conceito de número natural, e mais especificamente a quantificação de

conjuntos discretos de até 10 elementos, por crianças e adolescentes com síndrome de Down.

Um total de oito crianças e adolescentes com idades entre 5 e 19 anos, participaram do estudo,

que empregou métodos associados ao Design Experiments e foi dividido em duas etapas que

envolveram um professor pesquisador e um estudante.

A metodologia de pesquisa foi desenvolvida por Paul Cobb12

e colaboradores. Suas principais

características foram o intervencionismo, dentro de um determinado ambiente educativo, a

interação e a criação de recursos educativos para o ensino e aprendizagem da Matemática.

Na primeira etapa, o foco principal foi a elaboração de duas atividades que serviram de base

para a construção de um entendimento mais profundo de números naturais. As atividades

foram projetadas para funcionar como organizadores genéricos para a construção de uma

imagem conceitual associada à quantificação que servisse como raiz cognitiva para a

elaboração do conceito de número.

A segunda fase da experiência envolveu uma análise pormenorizada das interações de três dos

participantes.

Este trabalho, desenvolvido na APAE – RJ, mostrou que conceitos e procedimentos foram

modificados, relacionados e interagiram entre si de forma a ampliar a imagem conceitual de

número.

Silva (2012) desenvolveu uma dissertação de Mestrado em uma escola de ensino básico de

segundo e terceiro ciclos do concelho de Sintra – Portugal que envolveu dois alunos com

síndrome de Down que frequentavam o 5º ano de escolaridade e dois professores de Educação

Especial que atendiam cada um deles em uma sala de aprendizagens funcionais. O estudo

objetivava analisar atividades transversais (não diretamente relacionadas a Matemática

trabalhada em sala de aula) facilitadoras do processo de ensino-aprendizagem dos alunos, na

área de Matemática.

12 Professor de Educação Matemática na Universidade de Vanderbilt - EUA.

78

Metodologicamente, utilizou a investigação ação, combinando-a e articulando-a a outras

técnicas de pesquisa como a observação naturalista, análise documental e entrevista.

Verificou-se positividade da intervenção no desenvolvimento de raciocínio nos alunos e que

as atividades funcionais permitiram aos alunos não só o desenvolvimento das competências

matemáticas mencionadas no Currículo Nacional mas também o desenvolvimento da

autonomia, do respeito pelas opiniões dos colegas e da argumentação face ao processo de

resolução. Salientaram que a saída do espaço de uma sala de aula comum para uma sala de

atividades funcionais com os meios materiais e humanos que esta oferece, potencializa e torna

exequíveis as aprendizagens mencionadas.

Com a investigação puderam afirmar que as existências de “espaços” físico temporais que dão

direito à diferença são muito importantes, pois verificaram que os diferentes ambientes de

aprendizagem ajudam os alunos a conhecerem os diversos tipos de problemas e a

desenvolverem os processos matemáticos que os ajudam a serem alunos que usam a

Matemática em situações reais.

Pode-se perceber que algumas pesquisas já realizadas, muitas das quais fortemente

relacionadas entre si, podem servir de apoio para o trabalho aqui proposto. Os trabalhos

analisados, portanto, têm em comum o fato de proporem atividades diferenciadas para o

ensino de Matemática a alunos com síndrome de Down e observar o efeito que provocam.

Alguns analisam também práticas inadequadas utilizadas em instituições de ensino. Todos

concluem que o portador de síndrome de Down pode aprender os conceitos básicos de

Matemática e utilizá-los em atividades do seu dia a dia, desde que se empregue uma

metodologia de ensino adequada.

Optamos também por citar outro estudo, que não envolve diretamente alunos com síndrome

de Down, por considerar que pode trazer contribuições sobre a forma de ensinar alguns

conteúdos de Matemática a alunos com deficiência intelectual. Trata-se de uma dissertação de

Mestrado de Souza (2009) que apresenta um estudo envolvendo um grupo de três alunos com

deficiência intelectual, que frequentavam paralelamente escolas regulares públicas e uma

Escola Especial, e participaram da exposição de um trabalho na Feira Catarinense de

Matemática de 2007.

Ana, de nove anos, frequentava na escola regular, o 3ª ano (2ª série do ensino fundamental),

atendida pela professora Bia; Maria, de quatorze anos estava na 6ª série do ensino

79

fundamental e o professor de Matemática era Mário; João de onze anos estava na 4ª série do

ensino fundamental, de uma escola multisseriada, em que a professora era Joana.

O trabalho foi desenvolvido durante um ano letivo, pela turma do SAEDE/DM13

, sob

orientação da professora Vera, graduada em pedagogia com especialização em Educação

Especial. Os conhecimentos matemáticos abordados foram variados: formas geométricas,

números naturais e sistemas de medidas e monetário, baseados em um tema, a tartaruga, com

auxílio de materiais concretos.

Nesta pesquisa buscou-se verificar a presença, nos diferentes contextos escolares frequentados

pelos sujeitos, de indícios de fatores que favorecessem a socialização e a aprendizagem

Matemática. Os fatores estavam ligados a processos afetivos/sociais, motivacionais,

cognitivos e a relações psicossociais geradas a partir deles. Primeiramente, estabeleceu-se

contato com os responsáveis pelo Laboratório de Matemática da Universidade Regional de

Blumenau, para se obter informações e documentos a respeito dos trabalhos que participaram

da Feira Catarinense de Matemática, de 1985 a 2007. Verificou-se, em 2004, o surgimento de

uma nova categoria de participação, chamada de Educação Especial. O foco do estudo passou

a ser, então, os trinta e dois trabalhos inscritos nas Feiras Catarinenses de Matemática nesta

categoria do ano de 2004 ao de 2007. Estabeleceram-se, então, alguns critérios de seleção de

uma amostra que tornasse possível realizar a pesquisa. Apenas dez instituições satisfaziam os

critérios estabelecidos, tendo sido escolhida como campo de pesquisa apenas uma delas

frequentada por três alunos em situação de inclusão escolar, devido à facilidade de realização

de visitas periódicas para analisar a participação dos sujeitos da pesquisa na elaboração de

trabalhos para a feira.

Os dados coletados e sua análise revelaram que em todo o processo houve o desenvolvimento

de relações psicossociais favoráveis, oportunizando reais chances de inclusão escolar para

estes alunos, auxiliando em sua interação social e a aquisição de conhecimentos nos diferentes

contextos da escola regular e da escola especial.

A dissertação supracitada mesmo sem analisar diretamente alunos com síndrome de Down,

traz um número mais amplo de conceitos matemáticos e informações sobre o aprendizado

ligado à maneira como o conteúdo é trabalhado, o que também nos auxiliou no presente

estudo.

13 Serviço de Atendimento Educacional Especializado/Deficiência Mental.

80

6 METODOLOGIA

Na perspectiva sócio histórica, inaugurada por Vigotski o objetivo clássico é o de focalizar

fatos, mas sem perder de vista a conservação de toda riqueza do objeto. O objeto de estudo é o

homem. Diante dele o pesquisador não pode se limitar ao ato contemplativo. Vigotski

considera que todo conhecimento é sempre construído na inter-relação das pessoas, por isso,

vê a pesquisa como uma relação entre sujeitos.

Por sua vez, na pesquisa qualitativa com enfoque sócio histórico “não se cria artificialmente

uma situação para ser pesquisada, mas se vai ao encontro da situação no seu acontecer, no seu

processo de desenvolvimento”. (FREITAS, 2002, p. 27). Aqui, Freitas (2002, p. 21) aponta

que uma forma de fazer ciência pode ser encontrada na pesquisa qualitativa desenvolvida a

partir de uma orientação sócio histórica. Enfatiza nessa abordagem a compreensão dos

fenômenos a partir de seu acontecer histórico no qual o particular é considerado uma instância

da totalidade social. O método da pesquisa seria muito importante, pois reflete sempre o olhar

que se tem das questões a serem estudadas.

D’Ambrósio (1993, p. 78) corrobora tais ideias, destacando ainda que a etnomatemática é

uma metodologia que busca retraçar e analisar os processos de geração, transmissão, difusão e

institucionalização do conhecimento.

A metodologia dessa pesquisa foi pensada a partir dessa perspectiva. Trata-se de um estudo de

caso colaborativo envolvendo duas alunas com síndrome de Down do Ensino Fundamental

Final de uma escola pública municipal de Serra - ES. À época da pesquisa, Alice14

tinha 16

anos e cursava 7ª série, e Bárbara15

com 13 anos cursava o 6º ano, ambas moradoras do

mesmo bairro em que a Escola se situa.

O estudo de caso é definido por Michel (2009, p. 53) como sendo a investigação de casos

isolados ou de pequenos grupos, com o propósito básico de entender fatos, fenômenos sociais.

É uma técnica utilizada em pesquisas de campo com o objetivo de compreender o sujeito da

pesquisa em seus próprios termos, ou seja, no seu próprio contexto. Exige estudo aprofundado

a fim de se reunir o maior número de informações sobre o objeto de interesse.

14 Nome fictício. 15 Nome fictício.

81

A limitação deste método está no fato de que conclusões dele extraídas não poderão ser

generalizadas, mas considero que será de extrema importância a mudança que proporcionará

aos sujeitos diretamente envolvidos.

Este estudo teve uma análise qualitativa, pois precisávamos de um método que fosse além do

que estava escrito nas leis, que permitisse olhar diretamente e ouvir tirando o máximo sobre a

realidade.

Como nos diz Michel (2009, p. 19), “os fenômenos da área de ciências sociais se manifestam

de forma mais qualitativa do que quantitativa”. Assim, a análise qualitativa é fundamental

nessa pesquisa, “pois necessita de uma avaliação robusta e consistente de seus termos, ao

invés da comprovação matemática ou estatística de suas realidades”. (MICHEL, 2009, p. 20).

A autora destaca ainda, que este tipo de pesquisa considera que existe uma relação dinâmica,

particular, contextual e temporal entre o pesquisador e o objeto de estudo. Necessita, portanto

de uma interpretação dos fenômenos à luz do contexto, do tempo e dos fatos. “Na pesquisa

qualitativa, a verdade não se comprova numérica ou estatisticamente, mas convence na forma

de experimentação empírica.” (MICHEL, 2009, p. 37). O pesquisador participa, compreende e

interpreta.

Neste tipo de estudo a coleta de dados pode assumir diferentes formas, como observação

direta, diário de campo, análise documental, memórias analíticas, gravação, etc., visando

analisar, sistematizar, contextualizar e encontrar ligações e distanciamentos entre os dados

coletados, o cotidiano escolar e os aportes teóricos utilizados.

Michel (2009, p. 66) define observação como

Técnica de coleta de dados que utiliza os sentidos na obtenção de

determinados aspectos da realidade; consiste não apenas em ver e ouvir, mas

também em examinar fatos e fenômenos que se deseja estudar; permite perceber aspectos que os indivíduos não têm consciência, mas manifestam

involuntariamente.

A observação, de acordo com Michel (2009, p. 66) pode ser do tipo intensiva, que envolve o

contato direto com a fonte e o uso de entrevistas semiestruturadas, em que o entrevistado tem

liberdade para desenvolver sua resposta na direção que considerar adequada. Ela pode ser

articulada com a observação assistemática e não participante para recolher e registrar

diretamente fatos da realidade e para tomar contato com a comunidade estudada. E pode

também recorrer à observação sistemática e participante que se realiza com condições

82

controladas, onde o pesquisador se incorpora ao grupo para responder aos propósitos da

pesquisa.

Também encontramos como ferramenta para ajudar a coletar os dados o diário de campo, que

é um registro contínuo da pesquisa em virtude de estar no trabalho de campo.

Como salienta André & Lüdke (1986, p. 38-39) outra técnica metodológica é a análise

documental, que pode complementar as informações obtidas através de outros procedimentos.

Os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas

evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador.

As memórias analíticas segundo Moreira & Caleffe (2006, p. 64) são interpretações indutivas

emergentes enquanto ainda estamos executando o trabalho de campo.

Ainda podemos contar com a gravação durante a entrevista, que “tem a vantagem de registrar

todas as expressões orais, imediatamente, deixando o entrevistador livre para prestar toda a

sua atenção ao entrevistado.” (ANDRÉ & LÜDKE, 1986, p. 36). “O gravador tem contribuído

bastante no registro não só das palavras, como também dos silêncios, vacilações, tons de voz

do narrador, que posteriormente contribuem para a análise do conteúdo.” (MARTINELLI,

1999, p. 91).

Neste estudo essas diferentes técnicas de coleta de dados foram utilizadas.

6.1 A ESCOLHA DOS SUJEITOS E DO CAMPO DE PESQUISA

Para a realização da pesquisa, foram entrevistadas simultaneamente as duas responsáveis pela

Gerência de Educação Especial do Município de Serra – ES, com a finalidade de

contextualizar o Município quanto à sua experiência com Educação Especial, profissionais

envolvidos, público atendido, serviços oferecidos e proposta política. Na oportunidade,

selecionamos junto à Gerência, a escola de ensino fundamental onde seria desenvolvida a

pesquisa, a fim de otimizar tempo e conseguir maior diversidade de sujeitos.

É importante determinar os focos da investigação e estabelecer os contornos do estudo, pois

nunca será possível explorar todos os ângulos do fenômeno num tempo razoavelmente

limitado. De acordo com André & Lüdke (1986, p. 22) a seleção de aspectos mais relevantes e

83

a determinação do recorte é “crucial para atingir os propósitos do estudo de caso e para chegar

a uma compreensão mais completa da situação estudada.”.

Em contato por telefone com a Diretora da Escola marcamos uma conversa para apresentar a

proposta de trabalho, onde obtivemos a autorização para a realização do mesmo. Junto a ela

definimos os sujeitos da pesquisa baseados no critério de que seriam alunos do Ensino

Fundamental II que estudassem no mesmo turno. A princípio fariam parte da pesquisa três

alunas com síndrome de Down. Na semana seguinte ao contato uma das alunas pediu

transferência por motivo de mudança. Então seguimos com duas alunas/sujeitos da pesquisa.

Também solicitamos à Diretora informações relativas à Escola para podermos contextualizá-

la na pesquisa. Foi-nos encaminhado o PPP da Escola, e a partir deste documento

caracterizamos a mesma.

Dentro da própria concepção de Estudo de Caso que pretende não partir de uma visão

predeterminada da realidade, mas apreender os aspectos ricos e imprevistos que envolvem

uma determinada situação, “a fase exploratória se coloca como fundamental para uma

definição mais precisa do objeto de estudo.” (ANDRÉ & LÜDKE, 1986, p. 22).

Então, para sondagem das reais necessidades, foi realizado um período exploratório com

observação de uma aula de cada disciplina16

que as alunas cursavam em suas respectivas

séries. Nessas aulas foi observado seu comportamento e sua interação com os demais colegas,

com suas estagiárias e com o professor regente. Nesse período, também as observamos nos

horários de entrada, recreio e saída da escola.

Na oportunidade, realizamos entrevista semiestruturada com as alunas, seus professores,

estagiárias, coordenadora e pedagoga.

Na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma atmosfera de influência

recíproca entre quem pergunta e quem responde. “A grande vantagem da entrevista sobre

outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada,

praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos.” (ANDRÉ &

LÜDKE, 1986, p. 34).

16 As disciplinas cursadas são arte, ciências, educação física, geografia, história, inglês, matemática, português.

84

Após as entrevistas assistimos novamente a uma aula de cada disciplina para observarmos se

a reflexão produzida por ocasião da entrevista poderia ter trazido mudanças no

posicionamento desses profissionais quanto às alunas.

Marcamos juntamente com a professora de Educação Especial uma reunião com os

responsáveis pelas alunas Alice e Bárbara, a fim de esclarecer a pesquisa e obter informações

adicionais a respeito da vida extraescolar das mesmas, visando um conhecimento melhor de

suas limitações, hábitos e potencialidades.

Para a realização desse primeiro momento, nos apoiamos em Freitas (2002, p. 28) que ressalta

que para buscar compreender a questão formulada é necessária uma aproximação para

familiarizar-se com os sujeitos a serem pesquisados.

As alunas foram retiradas de sala para realizar algumas atividades na sala de Educação

Especial para sondarmos o que as mesmas sabiam de Matemática. A professora de Educação

Especial acompanhou esse momento, aproveitando para fazer também sua sondagem, visto

que era recém chegada na Escola.

A partir desse primeiro contato, percebeu-se a necessidade de intervenção mais efetiva. Para

tanto, foram realizadas durante quatro meses observações participativas em todas as aulas de

Matemática das duas alunas, a saber, quatro aulas por semana nos meses de maio, junho,

julho, e agosto de 2013.

Meirieu (2006, p. 53) destaca a necessidade de acompanhar as pessoas, pegando-as onde elas

se encontram. Aponta a necessidade da exigência junto aos alunos. Acompanhando de perto

os mesmos, são percebidas questões que emergem e possíveis aberturas culturais, que podem

ser aproveitadas como temáticas a serem desenvolvidas como saberes escolares.

85

7 DOS ESTUDOS PRELIMINARES AOS DADOS ANALISADOS

Apresentamos aqui algumas informações coletadas através de documentos oficiais e

entrevistas sobre o trabalho com a Educação Especial no Município de Serra e na Escola

escolhida, assim como observações e intervenções realizadas junto aos sujeitos da pesquisa.

7.1 O CAMPO DE PESQUISA

Serra é um município do Estado do Espírito Santo pertencente à região da Grande Vitória.

Limítrofe à capital situa-se ao norte da mesma. De acordo com o censo populacional

do IBGE de 2010, a Serra tem 409.324 habitantes, ocupando o posto de segundo município

mais populoso do Estado. Possui 64 EMEFs (Escolas Municipais de Ensino Fundamental) e

64 CMEIs (Centros Municipais de Educação Infantil), totalizando 128 Unidades de Ensino.

Isso dá um total de 65007 alunos. Dentre esses, 1329 são deficientes, sendo 134 na Educação

Infantil e 1195 no Ensino Fundamental.

Os alunos que frequentam as Unidades de Ensino do Município de Serra – ES são, em sua

maioria, de classe médio-baixa, geralmente moradora do próprio bairro onde a escola está

situada e dificilmente têm apoio e acompanhamento familiar, já que muitos são filhos de pais

separados e/ou são “criados” por outros familiares. Há também a situação onde, devido

condições financeiras deficitárias, os responsáveis pelos alunos têm uma longa jornada de

trabalho, deixando os filhos sob sua própria responsabilidade e muitas vezes sendo este o

responsável pelos irmãos mais novos. Alguns apresentam muitas dificuldades em assimilar

conteúdos propostos nas respectivas séries e disciplinas específicas, bem como têm resistência

em aceitar normas internas quanto à convivência escolar.

Em entrevista com as responsáveis pela Gerência de Educação Especial do Município, cujas

falas se complementavam, tivemos a informação de que não há documentação específica

oficial que parta do Governo Municipal a respeito do atendimento educacional para os

sujeitos da Educação Especial. Há tentativas de estruturar políticas que atendam

especificamente determinadas deficiências. Em 2008/2009 começou-se a pensar numa política

para surdos. Atualmente trabalham baseados na Legislação Nacional em vigência e a Gerência

discute a questão do laudo servindo como orientador para atendimento aos alunos nas salas de

recursos. No entanto destacam que o laudo muitas vezes acaba dificultando o processo, e que

estão analisando se há a possibilidade de avaliar cada caso pessoalmente.

86

Há registros de atendimentos a esses alunos antes do ano 2000, porém o formato não era o

atual, visto que a legislação da época dava abertura para que os alunos fossem atendidos pelos

professores de Educação Especial no próprio turno sendo retirados da sala de aula em alguns

momentos. As professoras gerentes ainda ressaltam que o público-alvo desde então mudou.

Eram apenas 15 professores especialistas por volta do ano 2002, sendo dez para deficiência

mental, três para deficiência visual e dois para surdez, para atender em torno de 50 escolas.

Por volta de 2004/2005 os professores especialistas em deficiência intelectual se dividiam

prestando atendimento em duas escolas. A partir de 2008, por causa da Lei, o Município

fechou seu público-alvo que antes era aberto, ou seja, eram atendidos alunos que não

configuravam como sujeitos da Educação Especial. No colaborativo, o professor da Educação

Especial dava apoio para lidar com os alunos que não faziam parte do público-alvo. A partir

de 2009, com a questão do laudo, percebeu-se um aumento e/ou diminuição dos sujeitos.

Aumento porque esses alunos foram todos matriculados em escolas regulares, e diminuição

porque alguns alunos que eram atendidos pelos professores especialistas não teriam mais este

espaço pela delimitação do público-alvo da Educação Especial. Em 2011, de acordo com as

entrevistadas, a legislação retira os professores especialistas das salas de aula regulares. Hoje

são 35 salas de recursos que funcionam em escolas polos, para atender aos alunos no contra

turno, com uma realidade, como mencionada acima, de 128 escolas.

O número de estagiários em 2004 era de 2, para dois alunos cadeirantes. À época da pesquisa

eram 427 estagiários, o que tornava a Gerência de Educação Especial, segundo as

responsáveis, um setor de estágio, pela mão de obra barata. Isso tem se apresentado como

uma política do Município. Existem mais ou menos 90 professores especialistas, sendo que

destes, 34 são efetivos, 23 para deficiência mental, 2 para alunos com deficiência visual, 5

para deficiência auditiva e 4 para altas habilidades/superdotação. Nas palavras da professora

responsável pela Gerência, “temos um número de estagiários razoável, e um número de

professores insuficiente”. Acrescentam o fato de que os atuais professores, em sua maioria,

são especializados e não especialistas.

No último concurso que o Município ofereceu, foram ofertadas 23 vagas para professor

especialista e 10 passaram, sendo 5 para deficiência mental, 1 para deficiência visual e 4 para

altas habilidades/superdotação. Na configuração em que hoje se apresenta o Município, tem-

se menos da metade dos professores especialistas necessários. Atualmente, há a necessidade

hh

87

de 32 especialistas para deficiência visual, 32 para deficiência intelectual e 20 para deficiência

auditiva.

A função dos estagiários que é fazer a mediação entre o professor e o aluno, segundo as

responsáveis pela Gerência da Educação Especial do Município, tem se perdido, porque os

mesmos são tidos pelos familiares, e também pelos professores como os responsáveis pelo

aluno. E estes por sua vez, tem se colocado numa relação muito íntima com o aluno e com sua

família, a ponto de perderem o foco do motivo de sua presença na sala de aula. Quanto a

atuação dos estagiários nas unidades escolares, o Departamento de Ensino - Educação

Especial orienta:

A/o estagiária/o deverá cumprir 4h (quatro horas) diárias na unidade escolar; Acompanhar os alunos com deficiência que precisam de ajuda para realizar

atividades (também extraclasse), sob orientações da /o professor/a regente e

/ou/ pedagoga/o escolar; Participar do plano de aula diário junto a/o professor/a regente;

Oferecer apoio a unidade escolar como um todo, integrando o seu quadro de

pessoal, disponível para atender aos alunos dentro do seu turno de atuação sob a orientação do professor/a regente ou pedagogo/a. (MIRANDA &

SANTANA, 2011, p. 151).

As entrevistadas destacaram que apesar de ser a minoria, existem experiências muito

gratificantes de exemplos de inclusão proporcionados por professores em parceria com seus

respectivos estagiários. Ressaltam também que à medida que as séries vão avançando a

dificuldade em trabalhar com os professores é maior, pois existe uma grande resistência por

parte destes em aceitar que o professor especialista entre em sua sala de aula propondo

atividades dentro de uma disciplina que não é de sua área específica. Em contrapartida, essas

profissionais percebem que muitas vezes o professor regente se sente sozinho, pois além dos

alunos com NEE existem aqueles com riscos sociais que também exigem um trabalho

diversificado. Reconhecem que os estagiários, dentro de suas possibilidades, buscam trabalhar

com os alunos de forma a que alcancem aprendizagem.

Os cegos e surdos são os sujeitos que melhor são atendidos no Município, o que não ocorre

com os alunos com deficiência mental, porque muitos são considerados autossuficientes e não

têm direito nem mesmo ao estagiário.

As representantes da Gerência de Educação Especial mostraram-se bastante preocupadas

quanto à criação de políticas públicas, com a implementação, de fato, da inclusão dos sujeitos

da Educação Especial, e com a formação inicial e continuada dos professores regentes e

especialistas. Apontaram que quando o professor deixar de pensar em suas angústias para

88

pensar que seu aluno, sujeito da Educação Especial tem potencialidades e condições de

aprender, talvez não o que ele quer, mas certamente algo que para o aluno será importante,

então a inclusão se efetivará.

A falta de informatização do Município e falta de Legislação própria têm dificultado os

trâmites para que se tenha um trabalho mais específico e eficaz.

Ressaltamos que o fato do Município não ter Legislação própria a respeito da Educação

Especial, não é isolado. Pois de acordo com Milanesi (2012, p. 120)

No âmbito dos municípios, o que se percebe, de maneira geral, é que esses repetem, nos dispositivos municipais, o que está disposto na legislação e nos

documentos normativos do governo federal, acrescentando algumas

especificidades que diz respeito à localidade a qual se refere.

Quanto à Escola selecionada, pudemos obter informações através do PPP (Projeto Político

Pedagógico) através do qual a caracterizamos. O Bairro em que se localiza, surgiu a partir de

um conjunto residencial, cujas casas começaram a ser ocupadas em agosto de 1982. Hoje o

Bairro possui cerca de 13 mil habitantes.

Em 1983 foi inaugurada a primeira escola que tinha 6 salas de aula, e atendia a alunos de 1ª a

4ª séries.

No mesmo ano, foi detectada que a escola não atenderia a toda a demanda, e,

consequentemente houve necessidade do seu funcionamento em 3 turnos diurnos e 1 noturno.

Para tentar solucionar a situação da comunidade, o Governo do Estado construiu mais 6 salas

de aula, que foram colocadas em funcionamento em 1985 e a escola então, passou a atender

da Alfabetização até ao Ensino Médio, funcionando dessa forma, até o momento quando a

Secretaria de Educação do Estado remanejou todos os alunos de 1ª à 8ª séries para outra

Escola Estadual de um bairro próximo.

A assembleia de moradores, determinou como prioridade do orçamento participativo, que os

recursos da comunidade fossem utilizados para a construção da Escola. Assim, o

estabelecimento de ensino foi inaugurado e iniciou seu funcionamento no ano letivo de 2008.

A Escola veio atender aos anseios da comunidade, que já não contava com o ensino

fundamental no bairro. Recebeu seu nome em homenagem a uma professora itinerante,

moradora do bairro desde 1982, que atuava como professora de pessoas com necessidades

Edu

89

educacionais especiais visuais, em escolas da rede estadual e posteriormente no Instituto

Braille, em Vitória - ES.

As famílias dos alunos desta Escola têm em sua maioria quatro membros e uma renda mensal

familiar média de R$ 1020,00. As profissões são as mais variadas, aparecendo com maior

frequência a profissão do lar. Predomina quanto ao grau de instrução dos pais o Ensino

Fundamental completo e das mães Ensino Médio completo. A maioria dos alunos reside com

a mãe e não ficam sozinhos durante o dia, sendo que é ela quem lê os comunicados realizados

pela Escola, e acompanha o aluno em suas lições.

A maior parte dos responsáveis diz só ter tempo para os filhos à noite, mas consideram sua

participação na Escola satisfatória, registrando que participam das reuniões de pais,

comparecem se solicitados e às vezes comparecem a eventos promovidos pela Escola.

Declaram também que esperam que a Instituição prepare seus filhos para a Faculdade.

Há 62 funcionários diretamente ligados ao ensino-aprendizagem dos alunos, sendo 48

professores regentes, 5 coordenadores de turno, 4 pedagogas, 1 diretora, 3 auxiliares de

secretaria e 1 secretária. Deste total, 35 atuam no turno vespertino (turno escolhido como

horário para a pesquisa).

Tem salas espaçosas, contendo por sala, em média, 25 alunos do 1ª ao 5º ano, e 35 alunos do

6º ano a 8ª série (modelo transitório de distribuição de turmas, com denominações diferentes);

possui quadra poliesportiva; salas de arte, ciências, informática, vídeo, educação especial;

auditório e biblioteca. No turno vespertino há dois coordenadores e duas pedagogas que se

dividem pelos níveis de ensino (Fundamental I e II). Os alunos se apresentam uniformizados,

entram e saem por um portão lateral. Ao entrar, formam fila na quadra de esportes e são

encaminhados para a sala de aula. Na hora do recreio, merendam no refeitório e saem para o

pátio. Há um recreio às 15h para as turmas de 1º ao 5º ano, e outro às 15h30min para as do 6º

ano a 8ª série, de 20 minutos cada. A hora-aula é de 50 minutos.

Há 18 turmas do 1º ao 5º ano, e 14 turmas do 6º ano a 8ª série, distribuídas igualmente nos

turnos matutino (07h às 11h30) e vespertino (13h às 17h30). A maioria dos alunos está na

faixa etária compatível com a série, havendo alguns com necessidades educacionais especiais

(NEE).

90

A Escola possui atualmente 930 alunos, 20 com NEE. Do montante, 451 estão no turno

vespertino, sendo que 4 possuem síndrome de Down, deficiência abordada diretamente neste

trabalho.

7.2 MINHAS PRIMEIRAS IMPRESSÕES

No período17

em que estive na Escola realizando as primeiras observações, por meio de um

estudo exploratório, percebi que era bem organizada.

As alunas pareciam ser vistas por todos como membros da escola, embora não fossem tratadas

como iguais. Suas respectivas turmas eram tranquilas no quesito comportamento.

A aluna Alice, de 16 anos, na 7ª série, nos pareceu mais dependente da estagiária e também

mais infantilizada em comparação com a aluna Bárbara, de 13 anos, frequentadora do 6º ano

(antiga 5ª série). Em contrapartida, Alice interagia muito mais com os professores, demais

funcionários da escola e colegas. Ambas tinham o acompanhamento de uma estagiária que é

estudante de Pedagogia, e sentavam-se ao lado delas durante as aulas, nas carteiras da frente.

Alice não formava na quadra como os demais alunos. Entrava e esperava de mãos dadas com

a estagiária, que a turma viesse da quadra para entrar na sala junto com eles. Isso se repetia

voltando do recreio. Não estava alfabetizada, não conhecia números e nem cores e sua

participação na aula se limitava a responder à chamada. Tudo o que precisava a estagiária lhe

fornecia, desde o caderno à merenda na hora do recreio. Tinha uma relação muito carinhosa

com a estagiária, que estava no 3º período do curso de Pedagogia e a acompanhava a mais ou

menos um mês e meio, e parecia vê-la mais como uma amiga do que como professora.

Bárbara formava na quadra e entrava com os demais colegas da turma. A estagiária a

aguardava na sala de aula. Observei que sempre andava procurando os cantos onde pudesse se

encostar ou segurar na parede ou no corrimão. Demonstrava muito afeto pela estagiária, que

cursava o 4º período de Pedagogia e a acompanhava desde maio do ano anterior, ou seja, mais

ou menos há 10 meses, mas a ausência da mesma parecia deixá-la mais desinibida e mais à

vontade para interagir com os colegas. A respeito do seu conhecimento escolar, a estagiária

relatou que no ano passado (2012) tinha avançado na escrita e leitura, reconhecimento de

números, dentre outras coisas, porém no retorno às aulas deste ano (2013) a aluna já tinha

17 11 dias.

91

esquecido o que havia aprendido. Durante o recreio permanecia sentada e quieta e quem

pegava sua merenda era a estagiária.

Quanto à observação das aulas, constatamos que o comportamento das alunas não se

diferenciava com a mudança de professor e/ou de disciplina. De maneira geral elas não

participavam das aulas, se limitando a realizar atividades aleatórias que não se relacionavam

ao conteúdo ministrado, propostas pelas estagiárias. Prestavam atenção ao que era explicado

pelas estagiárias, e não pelos professores. Os professores, também, quando queriam se

comunicar com as alunas (raras vezes), se dirigiam às respectivas estagiárias.

Ressalto que embora meu foco tenha sido a aprendizagem das alunas, não poderia deixar de

mencionar em alguns momentos as atitudes dos demais sujeitos presentes no ambiente de

investigação e que indiretamente também fizeram parte desta pesquisa. Ressalto em especial a

falta de diálogo do professor de Matemática comigo e seu pouco interesse pela aprendizagem

de Alice e Bárbara.

Convém, no entanto, registrar que os professores, em sua maioria, eram bem dinâmicos,

oferecendo boas explicações e exercícios. Interagiam bastante com os demais alunos da sala, e

estes participavam frequentemente das discussões.

As alunas investigadas, porém, tinham um único caderno “montado” pelas estagiárias com

atividades de 1ª série, que elas se limitam a copiar com letra de forma. A maioria das

atividades era relativa a Português e Matemática.

Com relação à documentação referente a essas alunas, analisamos relatórios deixados pelas

professoras de Educação Especial dos anos anteriores. Até o momento do fechamento do

período exploratório (abril de 2013) não havia começado o AEE (Atendimento Educacional

Especializado) daquele ano. Os relatórios eram superficiais, relatando aprendizagens e

comportamentos das alunas, mas o que estava escrito não era confirmado pela observação

realizada, nem mesmo pelas estagiárias que acompanhavam as alunas. Também tivemos

acesso aos laudos médicos de ambas, contendo apenas o diagnóstico de síndrome de Down.

A sala de recursos não possuía o arcabouço necessário para atender aos alunos com NEE.

Eram poucos os jogos ali presentes, sendo que a maioria priorizava o ensino de português,

mais especificamente a alfabetização. Havia 2 computadores, mas com poucas e limitadas

atividades para os alunos, já que a sala não dispunha de internet, que existia em outros

ambient

92

ambientes da escola. Perde-se, assim, em nossa opinião, um importante aliado para o

aprendizado destes alunos.

A respeito das entrevistas realizadas com os profissionais que atuavam junto às alunas,

destacamos a fala generalizada de que estas estavam na Escola como meras expectadoras,

para interagir, socializar, conviver, passar o tempo, já que a função da Escola de ensinar não

estava sendo alcançada. Nas palavras do professor de Matemática: “Em minha opinião elas

estão se socializando, convivendo com pessoas da idade delas porque concretamente, em

termos de aprendizagem é complicado”. Porque, segundo ele, “as alunas não tem condições

intelectuais para acompanhar a turma”.

Todos os profissionais da escola viam as estagiárias como babás, acompanhantes ou

cuidadoras. Afirmavam não saber lidar com as especificidades das alunas e que não tiveram

em sua Formação Acadêmica discussões a respeito de alunos com deficiência, deixando a

cargo das estagiárias as atividades a serem trabalhadas. Consideravam ainda que Alice e

Bárbara não teriam condições de aprender como seus colegas de sala, pois seu

desenvolvimento ou sua deficiência não permitiria.

Aqui há uma questão interessante a ser colocada. Quando o professor pensa que o aluno não

aprende por uma questão biológica, ele acaba restringindo sua ação docente. Se pensamos que

o problema está no aluno e que ele não aprende, não precisamos fazer nenhum esforço no

momento que este se mostra resistente a uma aprendizagem. É como se dissesse: “Ufa! Ele

não aprende porque tem uma síndrome específica”.

Não apenas o professor, mas também a Educação Especial, vem se apoiando nessa ideia, a de

que os alunos devem aprender lá, em salas especiais, com professores especiais, com coisas

próprias para eles, porque aqui (na sala de aula regular) eles não aprendem.

Este trabalho vem na contramão de tudo isso. Queremos mostrar que os alunos sujeitos da

educação Especial também podem aprender aqui, no contexto de sala de aula, com o professor

regente, apoiado, é claro, por todos os recursos possíveis. Nessa perspectiva cabe ao professor

ajudar a transformar o que o aluno tem hoje em algo novo.

As estagiárias reafirmaram que não havia interação entre elas e os professores, e que poucos

se interessavam em saber o que as alunas estavam fazendo. Também não se sentiam

preparadas para trabalhar com essas alunas, mas quando foram designadas para acompanhá-

las procuraram se informar a respeito da síndrome e buscaram na internet, na maioria das

93

vezes, atividades que elas pudessem realizar. Acreditavam que seria possível adaptar o

conteúdo dado em sala pelos professores para que as alunas pudessem acompanhar as aulas,

mas não sabiam como, e, portanto, não o faziam.

Já com relação aos colegas de sala de aula, tanto Alice quanto Bárbara, eram recebidas de

forma carinhosa. Dentro de sala de aula havia pouca interação entre as alunas sujeitos da

pesquisa e os outros alunos, visto que estes precisavam prestar atenção à aula e cumprir com

suas atividades. Por isso raras são as vezes que algum colega chegava perto para saber o que

estavam fazendo. Porém, quando as estagiárias faltavam (isso ocorreu algumas vezes por falta

da ajuda de custo que recebiam para trabalhar ou porque precisavam se ausentar para realizar

provas da Faculdade), sempre algum colega se prontificava voluntariamente a se sentar ao

lado delas e ajudar no que fosse preciso. Nesse dia costumavam lhes dar uma folha para

desenhar, pintar, escrever seu nome, etc. Isso ocorria em ambas as turmas.

Durante as aulas de Educação Física e no recreio a interação das alunas com os colegas se

tornava mais visível. Os colegas se preocupavam e queriam sempre ajudar quando as

estagiárias não estavam por perto (para ir ao banheiro, beber água, jogar bola, etc.). Os alunos

as viam e lidavam com elas como se Bárbara e Alice não estivessem no mesmo nível

cognitivo deles, realizando atividades análogas as que observavam que eram feitas pelos

profissionais da Escola.

7.2.1 RELATOS SOBRE O AMBIENTE FAMILIAR DAS ALUNAS

Através de entrevista semiestruturada com os responsáveis das alunas, pudemos conhecê-las

melhor e saber como se portavam além dos muros escolares.

A mãe de Bárbara contou-nos que tomou ciência da deficiência da filha logo que esta nasceu,

sendo informada pela equipe médica do Hospital, e que estes deram a ela todas as

informações possíveis e necessárias, e também um encaminhamento para que procurasse a

APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais). Com 10 dias de vida, Bárbara

começou a frequentar a APAE do município de Vitória - ES, e ali permaneceu até os 8 anos de

idade. A mãe relatou seu estranhamento e resistência em deixar a filha em um lugar de

“selvagens18

”, mas depois de conversas com a psicóloga da Instituição, percebeu a

importância deste acompanhamento. Destacou que a deficiência não alterou em nada o seu

18 Palavra utilizada pela mãe ao ser entrevistada.

94

tratamento e convivência com a família. É muito querida por todos e a mãe entende que seu

comportamento é muito maduro para a sua idade.

Em sua ficha de matrícula foi registrado que Bárbara não possui NEE, mas a mãe relatou que

no ato da matrícula declarou que a filha era deficiente. Em 2009 foi transferida para a APAE

de Serra – ES e desde 2010 frequenta a Escola onde a pesquisa foi realizada. A mãe disse que

a aluna ainda é atendida na APAE duas vezes por semana para acompanhamento com

fonoaudióloga. Destacou uma melhora notável na aprendizagem de Bárbara desde que

começou a frequentar a Escola onde estuda atualmente.

Alice também apresenta em sua ficha de matrícula que não tem NEE. De acordo com a ficha,

não possui laudo, porém se é acompanhada por estagiária, significa que já apresentou o laudo,

pois é um pré-requisito da Prefeitura Municipal que o aluno demonstre, através do laudo, que

necessita de estagiária. Frequenta esta Escola desde 2009. Sua madrasta, em entrevista,

destacou que Alice mudou bastante, pois não ficava em sala e isso lhes causava muitos

problemas. Relatou que “cria” a aluna desde que esta tinha 5 anos de idade, após o

falecimento de sua mãe, e hoje convivem ao todo 9 irmãos (5 do primeiro casamento do pai

de Alice, 2 filhos de sua madrasta e 2 filhos do atual casamento). Alice é indígena e seus pais

eram primos de primeiro grau. Destacou a dificuldade em lidar com Alice, pois não tinha

experiência nenhuma com crianças especiais. Alice é muito carinhosa e respeitosa com os

membros da família e sempre foi muito saudável, e seus familiares não veem a deficiência

como dificuldade para suas relações.

Apesar de, na época de seu nascimento, sua família morar numa aldeia indígena no Município

de Aracruz – ES, Alice nasceu no hospital, onde logo foi diagnosticada como portadora de

síndrome de Down e desde então foi encaminhada à APAE do Município onde residia,

instituição esta que frequentou até os 10 anos de idade. Quando mudou para o Município de

Serra passou a frequentar esporadicamente a APAE deste Município por motivos financeiros

(falta de dinheiro para a passagem), e depois a abandonou, pois segundo a assistente social da

Instituição, não haveria mais atendimento clínico para a aluna, visto que já estava com 11

anos.

Em casa auxiliava nas tarefas domésticas sempre sob orientação e dentro de atividades que

não proporcionassem perigo. Era limitada em se cuidar e, de acordo com a madrasta, tinha

pouca noção do que era certo ou errado. Sua irmã de 15 anos sempre estava com ela, e era

responsável por acompanhá-la em suas atividades e auxiliá-la no que fosse preciso.

95

Sua madrasta afirmou que a deficiência a impedia de aprender, e que ela devia ter outra

deficiência além da síndrome de Down, pois outros com a mesma síndrome aprendiam.

7.2.2 – OS PRIMEIROS CONTATOS COM ALICE E BÁRBARA

Alice e Bárbara têm bastante comprometimento na fala, e quando interrogadas, não

elaboraram respostas condizentes com o que lhes foi perguntado. Pareciam repetir o que lhes

era falado. Não foi possível saber o que de fato conheciam sobre Matemática através da

entrevista. Usamos, para tanto, algumas atividades.

A partir de atividades informais realizadas na sala de recursos, percebemos que Alice não

sabia escrever seu nome, não tinha noção de temporalidade, dias da semana. Desconhecia o

nome de seus professores, quais disciplinas tinha. Não conhecia os números nem as letras,

apresentados com material emborrachado. Mas nos deu pistas de que os algarismos e letras

não lhe eram totalmente estranhos. Denominou o algarismo 4 como letra A, o 1 como 7.

Copiava os numerais, com exceção dos 6, 9 e 4 (tentativas que resultavam em representações

incompreensíveis). Copiava palavras simples propostas. Não contava em sequência, nem

relacionava a quantidade com os números falados.

Já Bárbara demonstrou ter noção dos dias da semana (recitou-os corretamente), apesar de não

saber dizer qual era a data atual. Escreveu seu nome com um pouco de dificuldade. Não soube

quais aulas tinha e nem o nome dos professores. Com dificuldade identificou os numerais de 0

a 9 e escreveu seus símbolos. Não sabia ler, a não ser algumas palavras que havia decorado,

nem escrever os nomes dos algarismos (sua representação alfabética). Não relacionava o

número de objetos de uma coleção simples a um símbolo adequado. Não lia os nomes dos

números, mas parecia reconhecer algumas letras que ativavam em sua memória o nome já

conhecido dos numerais. Contou os números em sequência e agrupou cubinhos apresentados

em quantidades predefinidas (até quatro), com bastante dificuldade.

Algo a salientar novamente é que as informações coletadas através dos relatórios e das

entrevistas eram desencontradas. Ora se dizia que as alunas eram alfabetizadas, ora que não

sabiam ler; dizia-se inicialmente que conheciam os números, e logo depois não mais os

conheciam, entre outras coisas.

As observações realizadas na sala de aula após entrevista com os professores mostraram,

também, que não houve mudança de atitude destes para com as alunas, porém minha presença

96

levou a que fossem, pelos menos observadas, já que antes me pareciam, de alguma maneira,

despercebidas e invisíveis na Escola.

7.3 MINHAS IMPRESSÕES FINAIS

Durante os quatro meses de observação colaborativa, pude perceber o quão distante estamos

do ideal pregado pela Educação Inclusiva que segundo Jesus & Vieira (2011, p. 96) é onde

busca-se garantir que a diferença humana não seja assumida como sinônimo de desigualdade,

que processos excludentes abram espaço para ações participativas e que se instituam

propostas educacionais que valorizem as possibilidades de cada um e o desenvolvimento

humano. Milanesi (2012, p. 51) ainda reforça minha percepção ressaltando a discrepância

entre o discurso oficial no país e a realidade de muitas escolas.

A LDBEN em seu artigo 24 alínea c nos garante que independente de escolarização anterior,

mediante o grau de desenvolvimento do aluno, este pode ser matriculado em série ou etapa

adequada, mas indiferente a isso, o que vemos são alunos matriculados em determinada série

levando em consideração preponderantemente suas idades. Sendo assim, parece que nos

acomodamos, enquanto profissionais da Educação, a ver os alunos que possuem algum tipo

de deficiência passarem de uma série a outra sem assimilarem o mínimo necessário, não para

aprovação, mas para sua existência e sobrevivência com um mínimo de independência.

Fechamo-nos e pregamos a todo o momento que “assim diz a lei”, e nem ao menos nos

atentamos ao malefício que muitas vezes causamos a esses alunos que dizemos estar em

processo de inclusão.

Isso também é reforçado pela resolução 02/2001 em seu artigo 4º onde diz que a Educação

Especial considerará as situações singulares, os perfis dos estudantes, as características

biopsicossociais dos alunos e suas faixas etárias e se pautará em princípios éticos, políticos e

estéticos de modo a assegurar:

I - a dignidade humana e a observância do direito de cada aluno de realizar

seus projetos de estudo, de trabalho e de inserção na vida social; II - a busca da identidade própria de cada educando, o reconhecimento e a

valorização das suas diferenças e potencialidades, bem como de suas

necessidades educacionais especiais no processo de ensino e aprendizagem,

como base para a constituição e ampliação de valores, atitudes, conhecimentos, habilidades e competências;

97

III - o desenvolvimento para o exercício da cidadania, da capacidade de

participação social, política e econômica e sua ampliação, mediante o cumprimento de seus deveres e o usufruto de seus direitos.

E ainda em seu artigo 8º inciso II, a mesma resolução diz que as escolas devem distribuir os

alunos com necessidades educacionais especiais pelas várias classes do ano escolar em que

forem classificados, de modo que essas classes comuns se beneficiem das diferenças e

ampliem positivamente as experiências de todos os alunos, dentro do princípio de educar para

a diversidade.

Neste contexto D’Ambrósio (2006, p. 28) nos diz que

Ainda se insiste em colocar crianças em séries de acordo com idade, em

oferecer numa mesma série o mesmo currículo, chegando ao absurdo de se

propor currículos nacionais. E ainda maior absurdo de se avaliar

homogeneamente grupos de indivíduos.

Infelizmente, posso assim dizer, isso tem acontecido, pelo menos em parte, no caso das alunas

sujeitos desta pesquisa. São meninas que sempre frequentaram a escola comum e parecem que

iniciaram seus estudos há pouco tempo. Digo isto porque ao realizar uma sondagem sobre os

seus conhecimentos matemáticos pude perceber que praticamente nada lhes foi ensinado desta

disciplina no decorrer das séries estudadas. Hoje, Alice está na 7ª série com 16 anos e Bárbara

no 6º ano com 13 anos e ambas possuem conhecimentos matemáticos equivalentes a alunos

que frequentam a Educação Infantil. Podemos dizer que ainda se encontram em nível de

alfabetização. E se não sabem é porque em algum momento alguém deixou de ensiná-las. Não

quero questionar aqui os motivos variados pelos quais os profissionais que tiveram a

oportunidade de trabalhar com elas não cumpriram seu papel principal, mas fato é que esse

erro pode demorar a ser reparado, e talvez seja tarde para a obtenção de respostas mais

positivas.

Vigotski (1997, p. 149) reforça que o ensino deve ser realizado, quando diz que embora

crianças mentalmente retardadas precisem estudar por mais tempo, embora elas aprendam

menos do que crianças normais, embora, finalmente, é-lhes ensinado de outra maneira,

aplicando os métodos e procedimentos especiais, adaptados às especificidades de seu estado,

devem estudar o mesmo que todas as outras crianças, receber a mesma preparação para a vida

futura para que, em seguida, possam participar dela, até certo ponto com os outros.

A Escola em que estudam se coloca em um papel passivo e de pouco empenho em mudar a

realidade das alunas, observando-as de longe. O poder público e a gestão escolar se omitem e

98

não cobram resultados. A essas alunas não são aplicadas as mesmas sansões, regras e

imposições que aos demais alunos. Entram e saem quando querem. Portam-se em sala de aula

como lhes convêm sem a mínima interpelação dos professores e estagiárias, pois seu

comportamento não é questionado e muito menos o seu aprendizado ou execução de tarefas

escolares.

Concordo com Vigotski (1997, p. 36) quando diz que a escola deve não só adaptar-se às

insuficiências da criança, mas também lutar contra elas, superá-las. É preciso observar a

peculiaridade e singularidade dos meios utilizados na escola e seu caráter criativo e buscar

uma escola não de débeis mentais que se esforçam para que não se adaptem ao defeito, mas

onde os alunos tenham condições para superá-lo.

Não podemos nos esquecer também que quando falamos das séries finais do ensino

fundamental, fica mais difícil abordar o tema Educação Especial e até mesmo trabalhar com

alunos em processo de inclusão, pois a articulação com os professores das variadas disciplinas

é mais morosa, e dependente destes. Muitas vezes o professor regente não reconhece o aluno

com deficiência como aquele aluno que aprende, e isso cria um problema de aceitação. E

mesmo quando o professor reconhece o aluno como capaz, não sabe como agir para despertar

nele a aprendizagem e acha que é tudo impossível e muitas vezes não confia na mudança de

práticas pedagógicas para atender a esses alunos.

O que foi acima relatado também evidencia de certa forma o não cumprimento da lei, pois o

artigo 8º da resolução 02/2001 em seu inciso I nos garante que as escolas da rede regular de

ensino devem prever e prover na organização de suas classes comuns “professores das classes

comuns e da educação especial capacitados e especializados, respectivamente, para o

atendimento às necessidades educacionais dos alunos.”

Milanesi (2012, p. 108, 111) reforça a ideia de que os professores do ensino comum precisam

ter formação que perpasse pela Educação Especial, porém, ressalta que a falta de formação

específica ou a falta de orientações por parte de profissionais da saúde não pode ser motivo de

impedimento para a inclusão escolar.

“Ao começar a aula, o professor tem uma grande liberdade de ação. Dizer que não dá para

fazer isso ou aquilo é desculpa. Muitas vezes é difícil fazer o que se pretende, mas cair numa

rotina é desgastante para o professor.” (D’AMBRÓSIO, 2006, p. 104).

99

Vigotski (1997, p. 132) afirma que não é possível revelar o retardo mental com determinações

puramente negativas. Não é possível contar com o que falta à criança, mas é necessário ter a

noção, ainda que seja a mais confusa, do que elas possuem, do que são.

Estávamos convencidos de que a deficiência não impedia a aprendizagem de Alice e Bárbara.

A abordagem sócio histórica afirma que o sujeito se faz na interação com o outro. Então, se de

pronto temos a ideia de que o aluno é limitado por conta da deficiência, isso pode trazer a

ideia do impossível. Sabe-se que a deficiência impõe limites e certo comprometimento na

realização de algumas atividades. O que não podemos fazer é atribuir a esse

comprometimento a não aprendizagem do sujeito. Ou seja, nem tudo que Alice e Bárbara

deixaram de aprender até hoje, foi por conta do seu comprometimento, mas foi porque não

tiveram a oportunidade de aprender.

Neste sentido, Vigotski (1997, p. 241) questiona o critério de que, quanto menos tem o

menino, muito menos precisa de educação. Ele afirma que se a criança atrasada é valorizada à

medida que merece seu progresso com a ajuda de uma educação especialmente organizada dá,

de fato, resultados mais significativos e tangíveis que a educação infantil normal. Portanto, a

desproporção entre os esforços empenhados e os resultados obtidos na educação de crianças

com retardo profundo acaba por ser fictícia e fundada em uma ilusão. Na realidade, grandes

esforços educacionais exigidos por crianças com retardo profundo são compensados pelos

resultados também grandes, se uma correta avaliação é tomada como base. Em vez de

dependência errônea, que parece ser direta entre o grau de retardo e a necessidade para a

educação, a ciência contemporânea propõe o princípio da dependência inversamente

proporcional entre essas duas grandezas.

Afirma ainda que o menino atrasado, embora o atraso ai esteja, precisamente por causa de seu

atraso, pode e deve ser educado.

Estou ciente de que o fato das alunas, sujeitos da minha pesquisa já serem adolescentes

tornava a abordagem pedagógica mais complexa por conta das várias formas de interação

pedagógica que tiveram anteriormente. Vale ressaltar que apesar de ambas terem passado por

instituições especializadas, tiveram experiências diferentes, inclusive familiares e passaram

por processos diferenciados de aprendizagem. Tudo isto constituiu essas alunas, a forma como

aprenderam, o porquê que não aprenderam e seu longo processo escolar.

Os sistemas funcionais de aprendizagem de uma criança, ainda que semelhantes aos de outra, não podem ser tomados como idênticos. Há que se

100

considerar as peculiaridades históricas e sociais de cada momento, mais

especificamente as condições e oportunidades que se colocam para cada uma delas, pois, a depender dos instrumentos de pensamento disponíveis a cada

criança, suas mentes terão, por consequência, estruturas diferentes.

(PALANGANA, 2001, p. 135).

Para dar início a uma intervenção e testar minha hipótese de que elas podiam aprender

busquei junto ao professor de Matemática das alunas os conteúdos previstos para a partir daí

começar meu planejamento. Partia da ideia de que adaptaria o conteúdo ministrado pelo

professor de Matemática às turmas das alunas, para que estas tivessem a oportunidade de

aprender o que seus colegas estavam aprendendo. Logo, no entanto, percebi que isso não seria

possível, pois lhes faltavam conhecimentos básicos para a aprendizagem de conceitos

matemáticos abordados na disciplina. A resolução 02/2001 em seu artigo 8º inciso III garante

que as escolas podem

Flexibilizar e fazer adaptações curriculares que considerem o significado

prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao

desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais

especiais, em consonância com o projeto pedagógico da escola, respeitada a frequência obrigatória.

Então, deixei de lado o ideal e passei a fazer o real e possível. Iniciei com cada uma delas o

processo de ensino da Matemática, desde o estudo dos algarismos, sua escrita, sequência

numérica, relação de quantidade, raciocínio lógico, grandezas e medidas entre outros

conceitos.

Comecei as observações no mês de maio de 2013 e as encerrei no mês de agosto do mesmo

ano.

O sistema de avaliação das alunas aconteceu no decorrer de todo o período de pesquisa e teve

por finalidade detectar a evolução de seu pensamento matemático. Constituiu-se de três

documentos compatíveis com a proposta avaliativa do professor para os demais alunos,

valendo 10 pontos cada um: uma pasta individual em que foram arquivadas as atividades

desenvolvidas com a finalidade de observar o desenvolvimento escolar dessas alunas, além de

duas avaliações escritas sobre os conteúdos estudados por elas. O professor regente concordou

em registrar as notas das alunas conforme as avaliações próprias desde que eu as elaborasse.

A todo momento “trocava ideias” com a professora de Educação Especial e com as estagiárias

das alunas. Isso permitiu que elas, que lidavam há mais tempo com as alunas, estivessem por

d

101

dentro de seus avanços e/ ou possibilidades, e que eu, que estava as conhecendo naquele

momento, não tivesse que descobrir tudo sozinha.

Para melhor expor e analisar os resultados encontrados destaco como foram as intervenções e

respostas de cada aluna em separado. Não relato cada aula, mas no espaço de cada mês

ressalto aquilo que considerei mais relevante do ponto de vista da aprendizagem das alunas,

datando apenas algumas das observações registradas no Diário de Campo. Apesar de todas as

dificuldades os relatos que serão apresentados evidenciam que houve um grande avanço,

mostrando que qualquer um que se dispusesse a ensiná-las colheria os louros de sua

aprendizagem.

Buscamos, assim, um caminho teórico-metodológico imerso no cotidiano escolar, em uma

abordagem micro etnográfica, que requer a atenção a detalhes e o recorte de episódios

interativos, sendo voltada para minúcias indiciais. Esta abordagem se insere na proposta da

etnografia e implica segundo Góes (2000, p. 10), a descrição ou reconstrução analítica do

cenário e das regras de funcionamento de um grupo cultural. Privilegia o como acontece.

7.3.1 A APRENDIZAGEM DE ALICE

No mês de maio comecei a observação colaborativa com Alice. Na primeira aula, o professor

de Matemática estava passando exercícios sobre operações com monômios. Como a aluna não

se encontrava na sala tive que ir buscá-la no pátio. Alice gostava de ficar com a turma da 8ª

série, pois tinha uma amiga muito querida lá, e como as pessoas da Escola eram muito

condescendentes com ela e Alice era cheia de vontades, ninguém a impedia de ficar na outra

sala. Quando consegui que entrasse para assistir à aula ofereceu muita resistência em me

deixar sentar ao seu lado. Solicitei que mudasse de lugar para não tumultuar a sala de aula,

pois sentava em frente ao professor, e ela se recusou. Não tinha noção de horários, nome de

professores ou disciplinas que cursava. Solicitei à estagiária que trabalhasse com ela essas

informações, pois considerava importantes para situá-la no ambiente escolar. Era resistente

em responder a questionamentos e em realizar as atividades solicitadas. Pedi que prestasse

atenção à explicação do professor regente, mas ela dispersava. Então decidi trabalhar com a

aluna a parte.

Alice tinha boa coordenação motora para copiar figuras, recortar e realizar colagens, mas

muita dificuldade para entender os enunciados que ouvia dos exercícios. Não reconhecia os

algarismos, sua escrita e nem a quantidade representada. Depois de um tempo, trabalhando

102

com jogos simples, figuras que representavam quantidades, etc., passou a reconhecer sem

dificuldades o algarismo 1 e sua quantidade, discriminando o seu nome dos demais. Solicitei

que escrevesse o algarismo 1 numa linha e ela o copiou, escrevendo exatamente embaixo do

algarismo que eu havia escrito na sentença. Percebi que o tipo de exercícios a que era

submetida a condicionara a isso. Depois de algumas intervenções entendeu o que era para ser

feito: o algarismo deveria ser escrito em outro local do papel fornecido. A aluna estava

condicionada a copiar, e assim que entregava as atividades ia logo copiando o título dos

exercícios independentemente da explicação. Muitas vezes era preciso escrever a resposta que

ela dava oralmente para que copiasse embaixo. Sempre que fazia uma pergunta Alice insistia

em dizer “não sei”, mesmo sabendo a resposta.

Diante dessas primeiras aulas, passamos a refletir sobre quais estratégias usar para efetivar

sua aprendizagem, buscando a aprendizagem de conceitos básicos para que Alice pudesse vir

a ter acesso ao conteúdo ministrado pelo professor regente.

O professor de Matemática insistia que a aluna não queria nada e que seria mais proveitoso

ensinar a um aluno com dificuldade de aprendizagem.

Alice muitas vezes era bem relutante em realizar as atividades e em alguns casos a presença

da estagiária atrapalhava, pois reforçava as “manias” da aluna. Pedia, então, que se retirasse

para tentar assegurar um melhor aproveitamento de Alice. A estagiária se mostrava indiferente

quanto ao acompanhamento das atividades. As que raramente “preparava” eram copiadas de

livros didáticos, e basicamente se limitavam a cobrir pontilhados e copiar letras, palavras e

números.

Apesar de sua resistência em realizar os exercícios, quando prestava atenção às explicações

Alice costumava fazê-los corretamente.

Deixei uma atividade para ser realizada em casa, que não retornou. Segundo a estagiária, a

aluna dava a outras pessoas todo papel que recebia.

No dia seguinte, ela se recusou a entrar em sala e a fazer as atividades. Percebi que

permanecia confundindo o algarismo 1 com as letras r, t, l, mas comecei a explorar os objetos

de seu material escolar, e quando pedia que separasse 1 objeto de cada coleção (de lápis,

cadernos, borrachas, etc.) ela atendia ao pedido. Mesmo sabendo o que era para ser feito, em

alguns casos ela se recusava a fazê-lo ou fazia de outra forma. Quando pressionada, também

se recusa a realizar as atividades.

103

Avançando para o numeral 2, conseguiu localizá-lo em um texto, mas o confundia com a letra

s, e não identificava a quantidade pedida.

Estava muito difícil avançar com o conteúdo, pois em alguns momentos parecia que Alice

nem me ouvia. Estava difícil encontrar alguma coisa pela qual se interessasse.

Numa determinada aula levei um jogo chamado UNO, onde jogamos baseadas na seguinte

regra: a pessoa deveria selecionar dentre as cartas que estavam na sua mão uma que tivesse o

mesmo número, símbolo ou cor da que foi jogada pelo adversário. Durante o jogo foram

sendo explorados os numerais que apareciam nas cartas (de 1 a 7). Alice entendeu as regras

sem maiores dificuldades, e sempre preferia jogar o mesmo numeral que já aparecera na carta

jogada anteriormente. Identificou o 1 e o 2, embora os confundisse um pouco com o 7 e o 5

respectivamente. Também pedi que separasse em outro momento todas as cartas com o 1 e

com o 2. Com o 1 não houve problemas e sempre que o número aparecia parava e me avisava

antes de separar a carta. Ainda apresentava dificuldade em localizar o 2, apesar de identifica-

lo na carta.

Figura 1 Jogo UNO

Fonte: a autora (2013)

Levei letras e números grandes de E.V.A. (material emborrachado) e formei o nome UM e

DOIS e coloquei abaixo dos respectivos algarismos. Nesse dia, a aluna não quis nem saber da

aula, pois estava aborrecida com a estagiária que não a deixou ficar na sala de uma amiga.

Saiu de sala correndo, se escondeu no pátio da Escola e depois de um tempo voltou à sala de

aula. Sua estagiária não se preocupou em Alice voltar à sala de aula e foi cumprir o horário de

seu recreio. Mesmo retornando à sala, não quis fazer nenhuma atividade que lhe propus.

Tentei argumentar de várias formas, comparando-a com os demais colegas, mas ela dizia que

era “neném” e que só faria as atividades se a deixasse ir até a outra sala. Acabou o período

sem que ela tivesse realizado os exercícios.

104

Figura 2 Números e letras em E.V.A.

Fonte: a autora (2013)

Mais uma vez Alice resistia em subir para a sala de aula e em participar das atividades

propostas. Nessa aula levei a história de Pinóquio. A aluna resistiu a princípio, mas depois

ficou atenta enquanto contava a história. No entanto, quando interrogada sobre questões

referentes ao que havia ouvido, não quis respondê-las, apesar de dar indícios de que

entendera. Na história busquei explorar, entre outras coisas, a ideia de 1 boneco de madeira.

Sugeri que a estagiária trabalhasse a interpretação do texto. A presença da estagiária fazendo

outras atividades não favorecia minha interação com a aluna.

A aluna não quis realizar as atividades propostas a partir da história mesmo depois de muita

insistência, e então pedi à estagiária para aplicá-las, o que fez prontamente. Alice começou a

dar algumas respostas, mas a estagiária deixava-a muito dependente, dizendo exatamente o

que e como fazer não deixando que ela pensasse antes de realizar os exercícios. Na atividade

de recortar e colar a estagiária passava a cola no papel, dava a tesoura na sua mão para que

recortasse o objeto que ela (a estagiária) havia selecionado e não o que a aluna deveria

escolher, na atividade de pintura indicava as cores que deveriam ser usadas, dentre outras

coisas. Por isso percebi que ela gostava de esperar que outros realizassem as atividades em

seu lugar, e talvez isso justificasse sua rejeição a meu respeito, já que, ao contrário da

estagiária, não atendia a seus pedidos neste sentido.

Aos poucos passou a aceitar minhas intervenções e depois de muitas e diferentes tentativas,

reconhecia o 1 e seu nome. Durante a realização das atividades fiz algumas intervenções e

comecei a trabalhar a ideia de contagem e adição, juntando algumas figuras. Nessa aula o

professor deu a média do 1º trimestre, e a aluna ficou com 18,0, a nota mínima sem ser

avaliada. Ao dar a nota o professor fez um sinal afirmativo para ela. (Diário de Campo,

21/05/2013).

Numa determinada aula, entreguei uma revista para que recortasse uma figura, mas como já

havia usado a mesma revista para localizar o algarismo 1, ficou procurando o algarismo ao

105

invés da figura. Com o tempo entendeu o que era pra fazer. Tinha boa noção de espaço e

limites de figuras, e quando pintava e saia do contorno do desenho, apagava o excesso com a

borracha.

Alice por várias vezes manteve um comportamento arredio, insistia em não responder o que

lhe era perguntado e se irritava quando eu não a deixava fazer o que queria. Nesse dia, em

especial, também resistiu à presença da estagiária que a acompanhava, pois sua estagiária

havia faltado. Sentou perto do quadro e foi preciso que o professor regente pedisse para sair.

Não quis identificar os numerais mostrados. Com um pouco de dificuldade inseri o algarismo

3, e esta o relacionou mostrando 3 dedos, apesar de o confundir com a letra B. Pedi que

fizesse uma colagem com papel picado, delimitando o algarismo 3 (testava sua noção de

limite físico do objeto escrito) e ela se animou. Contornou adequadamente o algarismo, mas

ao perceber que estava demorando demais, colou os papéis de qualquer maneira, não

mostrando muita preocupação com a organização da colagem.

Sempre que pedia para sair (ir ao banheiro ou beber água) o professor regente se dirigia a mim

como se eu fosse a responsável pela aluna. Ela já havia percebido isso e frequentemente se

dirigia diretamente a mim quando queria sair.

Um dia seus colegas de sala foram assistir a um filme na pracinha do bairro, e como a Escola

não havia enviado a seus pais o pedido de autorização de saída, a diretora sugeriu que fosse

com ela a sala de recursos multifuncionais. Perdemos uma das duas aulas desse dia, pois a

aluna se mostrou mais irreverente do que nas aulas anteriores e só queria brincar. Dispôs-se

apenas a realizar atividades orais e de pintura, envolvendo seu corpo, do tipo: quantos olhos,

quantas pernas, quantos narizes Alice tem? “Enrolou” o quanto pode.

Ao final do mês de maio ainda escrevia o 2 espelhado e não conseguia escrever o 3 sem

visualizá-lo.

No mês de junho foi realizada na escola a prova da Olimpíada Brasileira de Matemática das

Escolas Públicas, e a aluna não recebeu a prova para realizá-la. Ao final da aula o professor

entregou uma cópia a mim. Quando cheguei na sala neste dia, a estagiária se retirou e Alice

reclamou bastante, mas não mostrou resistência em fazer as atividades. Demonstrava vontade

de escrever seu nome, mas não sabia, então sempre que insistia eu escrevia e ela copiava

embaixo. Pedi para que a estagiária trabalhasse o nome com ela. Já estava reconhecendo os

algarismos 1, 2, e 3, e representava tais quantidades com os dedos, porém não identificava as

106

quantidades apenas olhando para as figuras. Neste dia, a atividade proposta era a de

identificar o número de objetos de uma coleção (do material escolar, por exemplo). Ela

contava e dava a resposta oral correta (de 1 a 3), porém, não relacionava tal resultado ao

algarismo correspondente. Levei outra história para contar (de João e Maria) para reforçar a

ideia e a representação do algarismo 2. Ficou inquieta andando pela sala e não quis ouvir,

apenas folheou o livro. Mesmo o professor regente chamando sua atenção, sentou-se em outro

lugar, se enrolou na blusa de frio, abaixou a cabeça e dormiu. Chamei Alice para andar um

pouco para que despertasse. (Diário de Campo, 04/06/2013).

Numa atividade de fazer bolinhas de papel para representar quantidades Alice disse não saber

fazer. Mostrei e logo depois ela começou a construí-las.

Introduzi, na aula seguinte, o algarismo 4 mostrando o numeral e seu nome. Fez a contagem

das coleções corretamente, de 1 a 4 (lápis de cor, tampinhas, palitos, etc.), mas não reconhecia

o algarismo que representava cada uma das quantidades obtidas. Parecia não entender que o

símbolo representava uma determinada quantidade. Foram propostas, então, atividades para

reforçar a representação escrita dos algarismos contados. Apresentava dificuldades, e com

ajuda passou a escrever os algarismos, mesmo que espelhados, e, em alguns momentos, se

recusou a escrevê-los. Fez questão de mostrar os exercícios realizados ao professor, que deu

um visto nas atividades e interagiu um pouco com ela, elogiando seu desempenho. Neste dia

ao chegar em sala Alice estava muito nervosa. Xingou-me, saiu de seu lugar e se negou a

sentar do meu lado. Disse que chamaria o coordenador, mas isso não surtiu efeito. Desci para

procurar a estagiária para pensarmos juntas no que poderíamos fazer, mas não a encontrei.

Nesse meio tempo Alice desceu para ir ao banheiro e quando voltou à sala já estava mais

tranquila. Começou a me mostrar algumas coisas e a puxar conversa, desviando a atenção dos

exercícios, mas direcionei as atividades a partir do que ia me falando e então pudemos realizar

as atividades propostas.

Ocorreu depois de dois dias de Alice de novo não querer fazer as atividades e nem se sentar

ao meu lado. Coloquei minha mesa de maneira que não pudesse se levantar e o professor

regente chamou a sua atenção. Mas indiferente a isso continuava sem querer ouvir o que lhe

falava. Depois de 20 minutos quando a estagiária voltava de seu recreio, Alice aceitou fazer os

exercícios direcionados por ela. Percebi que já identificava o 4 dentre os outros numerais e me

passava a impressão de saber muito mais do que pensávamos, pois quando a estagiária insistia

nas perguntas, ela acabava respondendo corretamente. Ao final da aula pediu que contasse a

107

história de João e Maria que havia levado à sala duas aulas antes. Explorei a ideia dos dois

irmãos. (Diário de Campo, 06/06/2013).

Quando me via, a aluna se tornava arredia e se negava até mesmo a olhar para mim. Também

não estava muito bem com sua estagiária, pois esta estava insistindo para que entrasse em

sala, se sentasse e fizesse os exercícios. Alice não se intimidava quando dizíamos, a estagiária

e eu, que se não fizesse as atividades chamaríamos sua madrasta, a pedagoga, a diretora ou o

coordenador. Inclusive, procuramos a pedagoga neste dia e ela disse que não poderia nos

atender pois tinha coisas mais importantes a fazer. Alice só se sentiu um pouco ameaçada

quando a estagiária disse que a levaria embora, pois segundo ela, a aluna gostava muito de

ficar na Escola. Alice ficava mexendo na bolsa, fazendo outras coisas e inventando vários

pretextos para não cumprir com as atividades. Ela não gostava de ser contrariada.

Independente destas questões, tinha boa oralidade e bastante conhecimento dos nomes de

animais e objetos, entre outras coisas. Apresentei o algarismo 5 mas apesar de não o

reconhecer, quando mostrei minha mão ela disse que havia 5 dedos. Pedi que os contasse e ela

errou o resultado contando. 1, 2, 3, 4, 15, ao invés de 5. A estagiária explicou que ela sempre

errava na contagem de cinco objetos. Novamente fez questão de mostrar ao professor as

atividades escritas realizadas.

Em outro dia dei a ela o livro de história “Os 3 porquinhos” com o objetivo de trabalhar com

o número três. Ficou satisfeita, folheou o livro, contou os porquinhos, e pediu que contasse a

história. Ficou atenta, mas não respondeu aos questionamentos do tipo: Quantas casas foram

derrubadas pelo lobo? Quantas ainda continuavam de pé? (Diário de Campo, 12/06/2013).

Na aula seguinte fugiu e se recusou a entrar em sala. O coordenador foi avisado, mas

justificou suas atitudes dizendo que “hoje ela está muito difícil. Deixa pra lá”. Sugeri que

realizássemos as atividades no refeitório. Aceitou mas não cumpriu o combinado. Quando

falava, ela tampava os ouvidos.

Em outro momento Alice aceitou jogar dominó. Já conhecia o jogo e sabia as regras, apesar

de não se ater muito a elas. Pedi que dividisse as pedras uma a uma para que jogássemos, e ela

o fez não se importando com a quantidade que cada uma receberia. Jogamos, ela, a estagiária

e eu. Explorei as peças e as quantidades. Depois do jogo queria continuar “brincando”. Eu

disse que poderia jogar mais vezes depois de realizar as atividades escritas. Mesmo assim, não

quis realizar nenhuma das atividades propostas. Ainda não reconhecia os nomes dos numerais

e as quantidades que estes representavam. Enquanto isso o professor trabalhava com a turma

108

exercícios de fatoração. (Diário de Campo, 19/06/2013).

Estava muito difícil avançar no conteúdo e encontrar alguma coisa pela qual a aluna se

interessasse. Havia momentos que parecia que Alice nem me ouvia. Meu refrigério foi a

leitura de Vigotski (1997, p. 254) que dizia que a criança atrasada se distrai prontamente da

tarefa iniciada e sem finalizar, encontra satisfação na tarefa incompleta e inacabada de

solução. Não estava desistindo, apenas tomando fôlego.

Alice permanecia sem querer fazer as atividades. A estagiária até ameaçava deixá-la sem

recreio, mas em vão. Então, a estagiária começava a orientá-la e timidamente ia realizando as

tarefas. Indicava o que era para fazer, a figura para contar, o algarismo a colocar e as cores

para pintar, sem esperar que a aluna buscasse a resposta por ela mesma. Parecia que não tinha

paciência para esperar que a aluna encontrasse suas próprias respostas. Constatei que a aluna

não identificava qualquer diferença entre dois cenários apresentados (por exemplo, a

diferença nas cenas era uma nuvem no céu). Nesse dia novamente observei que identificava

prontamente os algarismos 1, 3 e 5, mas não conseguia realizar uma tarefa simples de ligar

algarismos aos seus nomes (por exemplo, 2 ao dois). Passei a ler os nomes para que

encontrasse os algarismos correspondentes. Teve muita dificuldade e não conseguia desenhar

coleções que tivessem as quantidades pedidas (por exemplo, 1 princesa)19

, mesmo gostando

de desenhar e o fazendo de forma compreensível, demonstrando boa coordenação motora. Na

2ª aula desse mesmo dia pedi que procurasse os algarismos que existiam em uma revista. De

início pareceu perdida, mas fui ajudando e com o tempo localizou os algarismos de 1 a 5. Não

reconheceu o 6, embora contasse objetos e os dedos das mãos corretamente até o 6. Frisei

todos os algarismos e a ordem de contagem usando algarismos grandes em E.V.A. Pedi que

fizesse o mesmo. Pedi, em seguida, que me entregasse alguns objetos numa determinada

quantidade. Ela percebia que precisava ir contando enquanto pegava os objetos, mas não se

atinha exatamente à quantidade pedida. O automatismo da contagem era ativado e a aluna

parecia se esquecer da quantidade solicitada. (Diário de Campo, 25/06/2013).

No dia seguinte ao entrar em sala não dei muito tempo para que me ignorasse. Fui

apresentando um jogo de cartas20

que adaptei para trabalhar com ela quantidade,

19 ANEXO A.

20 Jogo adaptado do livro Atividades ludo-educativas e aprendizagem da Matemática elementar de Albernaz,

Jussara Martins. Vitória: UFES/CP/PROEX/Faculdade de Estudos Sociais do Espírito Santo - Pio XII, 2001.

27p.

109

reconhecimento de algarismos, posições e relação de números e objetos. Poderiam jogar de 2

a 4 participantes. As cartas foram repartidas. Após se definir a ordem das jogadas o primeiro

jogador lançou os dois dados (um numérico – com números de 1 a 6 e outro com os quatro

naipes do baralho e duas faces lisas). Se tivesse a carta correspondente (número e naipe),

colocava-a na casa adequada, no tabuleiro. A face vazia levava o jogador a passar a vez para o

próximo participante. Quando acabavam as cartas de um participante, ele era o vencedor.

Empolgou-se e disse que o jogo era muito legal. Dividiu as cartas uma a uma corretamente

entre a estagiária, ela e eu. Não entendeu muito bem como deveria colocar as cartas no

tabuleiro e durante o jogo não quis dizer quais numerais iam surgindo, mas deu indícios de

que sabia. Jogou entusiasmada todo o tempo, mas não sei até que ponto absorveu os conceitos

trabalhados, pois não prestava atenção às intervenções que ia fazendo durante o jogo. Decidi

voltar a este jogo mais vezes. (Diário de Campo, 26/06/2013).

Figura 3 Jogo das Cartas

Fonte: a autora (2013)

Em outra aula, Alice pediu para ir ao banheiro e o professor se reportou a mim. Realmente

tratava a aluna de forma infantilizada, reforçando a cada momento que ela estava na Escola

apenas para passar o tempo. Ela levou um caderno velho de um de seus irmãos dizendo que

havia copiado a matéria para que ele desse o visto, e o professor sem relutar o fez. Alice

continuava sem reconhecer o numeral 6. Houve avanços, apesar de parecerem insignificantes

para os que observam de longe. Já se situava quanto às aulas que assistia e assim que eu

chegava se apressava em pegar o material de Matemática.

O mês de julho foi bem atípico. O professor estava de licença e seu substituto nem sequer

estranhou minha presença. A aluna não queria fazer as atividades, e a estagiária chamou a

pedagoga que disse a ela que iria ligar para sua madrasta. Diante dessa ameaça ela começou a

fazer os exercícios. Alice tinha facilidade em observar cenas e identificar quantidades pedidas

110

nas mesmas. Estava contando corretamente, mas não sabia responder se duas coleções

contendo o mesmo número de objetos tinham a mesma quantidade ou não. Não conseguia

escrever os numerais dados. Por exemplo, se pedia que escrevesse o numeral 3 ela não

conseguia fazê-lo, sem antes visualizá-lo. Parecia se esquecer do que havia aprendido

anteriormente. Dei-lhe um livro de “poesias matemáticas” e não querendo que eu lesse pediu

à estagiária que o fizesse. Esta foi mostrando as figuras que apareciam e Alice ia as

identificando.

Quando percebi que fazia a contagem correta até o 6, acrescentei o 7 à sequência trabalhada.

Pedi que dissesse o nome dos algarismos para os quais apontava e ela reconheceu apenas o 1.

No entanto, contou e separou a quantidade de palitos de fósforo que pedi. Quando visualizava

os numerais, os escrevia corretamente, respeitando inclusive limites de margens e linhas.

Percebi que não gostava de ser questionada. Quando o exercício podia ser feito sem

interpelações, ela se mostrava menos resistente. Nesta aula apresentei também o algarismo 8,

mas ela não o reconhecia. A estagiária ia mostrando as quantidades com os dedos e ela ia

contando. Quando eu mostrava ela não queria fazer e nem dava muita atenção. Percebia como

a relação afetiva entre Alice e sua estagiária era importante e facilitava muitas vezes as

intervenções com ela.

Numa determinada aula passei por uma situação bem desagradável. Alice não queria sentar

mesmo que a estagiária, o professor regente e o coordenador insistissem. O professor

substituto ficou irritado e repetindo que não podia fazer nada porque a aluna era deficiente,

mas a tensão foi tanta que em determinado momento ele gritou com ela e pediu que saísse de

sala. Ela não deu importância, e até um outro coordenador chegar permaneceu sem sentar e

sem fazer as atividades. Mesmo depois de ela estar mais calma, e lhe tivesse sido dada a

oportunidade de escolher qual atividade gostaria de realizar, de escolher os lápis de cor para

usar, ou seja, mesmo fazendo suas vontades, não quis realizar as tarefas. Depois que a

estagiária chegou do recreio, consegui que Alice fizesse uma atividade. Apresentei uma

coleção de objetos para me indicar quantos havia (até 8), Alice insistia em mostrar a

quantidade pedida usando os dedos das mãos. Isso reforçava minha interpretação de que ela

sabia bem mais do que aparentava saber.

O professor voltou da licença depois de uma semana. Ainda estava trabalhando com o

algarismo 8, mas Alice permanecia sem reconhecê-lo, ou pelo menos não respondia

corretamente a questões formuladas envolvendo esse número. A estagiária estava conduzindo

111

as atividades, mas não esperava Alice resolver os problemas por si mesma. Contava, mostrava

o que ela deveria pintar e com qual lápis de cor. Não realizava com êxito atividades aditivas

do tipo: desenhe bolinhas para que todas as peças de dominó fiquem com 8 (atividade

embrionária que antecede a compreensão do conceito de equação). Já dominava a sequência

numérica até 5 mas nem sempre conseguia ir além disso. Alice reclamou da quantidade de

exercícios. Nesta aula ela produziu razoavelmente porque a estagiária prometeu que lhe daria

chips e chocolate, mas ainda assim não deixou de fazer com que sua vontade prevalecesse,

escolhendo sempre o que preferia fazer, divergindo do que lhe era proposto.

Numa determinada aula, fomos à sala de recursos com Bárbara (a outra aluna, sujeito da

pesquisa) para jogar o jogo das cartas, referido anteriormente. Alice observava apenas o dado

com os naipes, sem se ater aos números. Após nossa interferência, levava em conta as duas

informações para preencher a cartela. Essa foi uma tentativa para a aluna se dedicar mais à

atividade, porém ela jogou um pouco e não quis mais. Neste dia sua turma realizou um

simulado. Como o professor de Matemática disse que a aluna não faria a prova, preparei uma

avaliação baseada no que tínhamos trabalhado durante esses meses e orientei a estagiária para

que a aplicasse. Ela foi orientada a apenas ler os enunciados e intervir o menos possível

podendo fazer anotações se achasse necessário. (Diário de Campo, 10/07/2013).

Voltando do recesso escolar de uma semana percebi que Alice manteve o mesmo

comportamento de resistência à execução das atividades. Quanto à avaliação21

fez todos os

exercícios com a ajuda da estagiária. O resultado me mostrou que a estagiária fez muito mais

do que orientar e o resultado da prova, a meu ver, não traduziu sua real aprendizagem. A

estagiária escreveu os números para que copiasse, acertou o que a aluna tinha errado, marcou

na tabela o que era para ser encontrado, entre outras coisas. De um total de 10 pontos a aluna

fez 9,6. Nas atividades realizadas depois, não reconheceu o numeral 8 e nem o 9, que haviam

sido trabalhados anteriormente. Percebi que não mais conseguia realizar contagens além do 4,

nem representar as quantidades sem visualizar os números, o que reforçou o que já pensava

sobre a realização da sua prova. Isso mostrou que a aluna parecia regredir em alguns

momentos e/ou não retinha aquilo que lhe era ensinado ou, o que na minha opinião era mais

recorrente, não queria responder ao que lhe era perguntado. Depois de algum tempo tentando

que fizesse os exercícios consegui que fizesse comigo ajudando. Levou as atividades para o

professor dar o visto. Ela estava mais atenta ao que acontecia na sala de aula. Percebia que ela

21 Anexo B

112

aguardava ouvir seu nome na hora que o professor fazia a chamada.

O professor de Matemática de Alice me chamou e pediu que o ajudasse a fazer um plano de

ensino para seus alunos com deficiência porque a pedagoga estava exigindo. Fiquei satisfeita

em ajuda-lo porque seria uma oportunidade para conversarmos a respeito. Mas a pedagoga

deixou de cobrar e não nos reunimos para fazer o referido planejamento.

Em outra aula a aluna não mostrou resistência em fazer as atividades, o que pode ser o

resultado do pirulito que levei para ela chupar (as contagens envolviam pirulitos). Nesse dia

demonstrou falta de habilidade em reconhecer e colocar números dados ordenadamente,

respeitando a sequência numérica e escrever os numerais. Ainda assim introduzi o numeral 0

explicando sua utilização para representar o conjunto vazio e formar numerais quando juntado

a outros algarismos, como na formação do dez. (Diário de Campo 24/07/2013).

Alice era um mistério para mim. Nunca soube se realmente não sabia ou se simplesmente não

queria me mostrar o que sabia.

Na aula seguinte não quis entrar na sala de aula. Aproveitei e fui com ela à sala de recursos

trabalhar no computador. Fizemos alguns jogos e percebi que Alice não tinha muita habilidade

em manusear o mouse e o teclado, mas apesar disso pareceu gostar bastante de mexer com o

computador.

Mostrei os algarismos 1 e 0 e expliquei que juntos formavam o número 10. Fizemos contagem

de 1 a 10 e ela contou razoavelmente. Mostrei também o nome DEZ, mas a aluna não prestava

atenção ao que falava ou mostrava. Na última aula deu muito trabalho para entrar em sala, e

só entrou depois que o professor regente interveio. Jogou o dominó dos bichinhos com a

estagiária. Distribuiu as peças corretamente entre as duas e entendeu as regras do jogo, mas

apesar disso não reconheceu os algarismos que apareciam nas peças e na contagem se

confundia um pouco quando ultrapassava o número 5. Em atividades de ligar pontos

demonstrava ter boa coordenação motora. À medida que ia reforçando com ela a contagem,

sua habilidade aumentava, mas ainda assim não registrava as quantidades sem visualizar antes

os algarismos, e mesmo quando os visualizava tinha dificuldades em escrever alguns deles

corretamente.

O mês de agosto chegou. Alice sabia que na aula de Matemática eu estaria presente, então

sempre colocava uma cadeira a mais ao seu lado para que me sentasse. Isso me deixou

satisfeita, pois me mostrava que já conseguia se situar quanto ao horário de suas aulas, e

113

também que sua resistência não era a mim, mas aos exercícios. Ela disse sentir a minha falta,

mas ainda assim não queria fazer as atividades. A estagiária conduziu a atividade de contagem

com a aluna, mas não esperava que contasse e se adiantava à aluna falando a quantidade e

mostrando qual número deveria escrever. Alice estava contando corretamente até 10, mas

ainda não registrava os números sem visualizá-los anteriormente.

Na semana de provas, as últimas aulas eram reservadas a provas de determinadas disciplinas

independente do horário das aulas regulares. Alice não recebeu provas para fazer, então a

acompanhei, pois seria aula de Matemática. Parece redundante, mas preciso registrar o fato de

que a aluna tem melhorado a contagem apesar de não registrar quantidades e nem reconhecer

os numerais. Dei a ela um livro de parlendas e ao lermos juntas fui destacando os numerais

que ali apareciam e quais as suas utilidades. Também formalizei a ideia de números naturais.

Jogamos um jogo denominado quebra-cabeça, que envolvia relacionar certas coleções de

objetos desenhados em retângulos de cartolina com os valores numéricos também

representados em cartolina (ver figura 4). Alice contou os objetos corretamente mas não

reconheceu os números, só o fazendo com a ajuda do mediador. Aproveitamos a atividade

para trabalhar a adição, pois em cada cartela os objetos eram agrupados em duas porções,

ligeiramente afastadas uma da outra. Expliquei a ela sobre os símbolos da adição (+ e =) e a

ideia de resultado. Registramos os resultados de cada peça do quebra-cabeça com os símbolos

da adição (tipo 4+2=6). Alice entendeu o registro, mas precisava visualizar os números antes

de escrevê-los. Entendeu também que a ideia de adição era juntar, ou como ela dizia “contar

tudo junto”. Mas, mesmo contando corretamente não relacionava a quantidade contada ao

numeral ou algarismo que a representava. Não reconhecia os nomes dos números e nem

escrevia os numerais de 0 a 10 em ordem.

Figura 4 Quebra-cabeça

Fonte: a autora (2013)

114

Chegou o dia de realizarmos a prova de Matemática22

junto a turma. Pensei que isso a

estimularia, mas ficou indiferente e não quis realizar nenhuma das atividades propostas na

avaliação. O fato da atividade valer nota ou a ideia de sair mais cedo como os colegas que iam

terminando a avaliação não fazia diferença nenhuma para Alice. Não é de se estranhar, pois

para quem mal conhece os algarismos, tirar uma nota realmente não faz nenhum sentido.

Ficou deitada o tempo todo, e quando o professor começou a liberar os alunos que iam

terminando, despertou e pareceu mostrar algum interesse em fazer a avaliação, mas foi apenas

ilusão, pois logo começou a andar pela sala e deixou as atividades de lado.

Tentei em outra aula que Alice fizesse a prova individualmente enquanto lia os enunciados.

Resistiu um pouco, mas foi fazendo. Questões simples como: desenhe bolinhas nos conjuntos

de acordo com os números das etiquetas, não eram respondidas corretamente. A aluna

representava os objetos, mas sem se ater ao número pedido. Confirmei, assim, dificuldades

consideráveis na compreensão dos números de 0 a 10. Limitou-se a fazer contagens e da

forma como as realizava, me levou a acreditar que havia decorado a sequência numérica, mas

esta ainda não fazia muito sentido para ela.

Fiz a correção da prova com a aluna que não deu muita importância ao fato de ter tirado 1,5

do total de 10,0. Fui destacando seus erros. Minhas observações mostraram a não

aprendizagem de importantes aspectos dos conceitos numéricos trabalhados, mas não a

incapacidade para aprendê-los. Isso não determinava o fim, mas um recomeço. Mesmo que

tenhamos que voltar aos conteúdos iniciais, precisamos continuar a ensiná-la.

Em outro momento tentei apresentar a ela alguns problemas ilustrados que envolviam a ideia

de subtração, para saber qual sua apreensão do assunto, mas Alice não absorveu as ideias

contidas nas situações apresentadas, ainda que as tenha apresentado com material concreto.

Alice prestava pouca atenção às atividades propostas, e mesmo com intervenções se mostrava

desatenta.

Ao realizar exercícios que envolvia quantidades, conseguia ir retirando objetos e contando, no

entanto, não parava a contagem no valor pedido. Dominava bem o número 1. Não mostrou

compreender bem a ideia de adição, entendendo apenas que esta envolvia “juntar e contar a

coleção de novo”. Alice tinha alguma habilidade em resolver exercícios por eliminação.

Apesar de copiar o que lhe pediam, tinha um pouco de dificuldade no traçado. A estagiária ao

22 Anexo C.

115

auxiliá-la na execução das atividades acabava fazendo por ela.

Como Alice tirou nota baixa na prova, chegou o dia de fazer a prova de recuperação23

. Na

execução dessa prova a estagiária estava presente, e chegou até mesmo a segurar na mão da

aluna para ajudá-la a fazer alguns desenhos. Foi enfática em mostrar seus erros. Sempre que

perguntava alguma coisa Alice me respondia com “não sei, morreu, idiota, acabou, esqueci,

etc.” Na execução da prova percebi que apesar de ter tirado 6 pontos do total de 10 não houve

melhora na aprendizagem dos conteúdos. O tipo de exercícios e a ajuda da estagiária

favoreceram para que tirasse tal nota. Não se trata aqui de desmerecer o que foi feito pela

aluna, apenas de ser fiel à realidade.

Após as avaliações do trimestre, a saber, duas provas escritas e análise das atividades

realizadas, a média da aluna foi 24,5 do total de 30,0, o que foi repassado ao professor de

Matemática. Isso é um indício de que quando ensinamos e avaliamos baseados naquilo que é

ensinado, os alunos com deficiência não precisam ter apenas a nota mínima exigida, mas

podem receber uma nota condizente com o seu trabalho.

Jogamos o jogo das laranjeiras24

(figura 5). A aluna tirava frutos da árvore, conforme o

número obtido no dado e preenchia uma cartela, apresentada ao lado, com as laranjas

colhidas. Ao final de alguns lances contou-se o número total de laranjas obtidas ou somou-se

os resultados parciais. Alice organizou perfeitamente as laranjas no lugar adequado, mas não

reconheceu os números que representavam as laranjas colhidas em cada lance. Após o jogo

fizemos a adição utilizando material concreto (palitos), e percebi que aos poucos começou a

absorver a ideia de adição. Melhorou bastante na contagem.

23 Anexo D.

24 Jogo adaptado do livro Atividades ludo-educativas e aprendizagem da Matemática elementar de Albernaz,

Jussara Martins. Vitória: UFES/CP/PROEX/Faculdade de Estudos Sociais do Espírito Santo - Pio XII, 2001.

27p.

116

Figura 5 Jogo das Laranjeiras

Fonte: a autora (2013)

Interessante ressaltar que antes de começar a trabalhar com Alice ela não participava de

nenhuma atividade que sua turma realizava. E a partir do momento que ela ficou em evidência

por causa da pesquisa, isso deixou de acontecer. Inclusive, ela até fez uma visita à fábrica de

chocolates Garoto – Vila Velha – ES juntamente com seus colegas.

Algumas aulas depois jogamos o Jogo da pescaria25

. Foram necessários três jogadores, que

jogaram um de cada vez. As casas localizadas no mar eram preenchidas com os peixes: de um

lado pretos e do outro, laranjas. Cada pescador só devia pescar peixes de sua cor. O peixão

possuía o direito de comer peixes de ambas as cores, conforme a cor sorteada. O jogo

terminava quando acabavam os peixes do mar. Ganhava quem pescava ou comia o maior

número de peixes. A aluna arrumou de acordo com as orientações, mas apesar de gostar do

jogo e entender as regras, continuava sem reconhecer os números (de 1 a 6) que saíam nos

dados ou não se limitava a tirar as quantidades pedidas (por exemplo: ela sabia que teria de

tirar 3 peixes mas ia contando e não parava no três, tirando mais ou menos peixes dependendo

da situação). Tentei trabalhar também as ideias de mais/menos, para que entendesse se havia

selecionado mais peixes do que fora pedido, mas ela não pareceu ter assimilado tal noção e

nem respondia às questões propostas a partir do jogo.

25 Jogo adaptado do livro Atividades ludo-educativas e aprendizagem da Matemática elementar de Albernaz,

Jussara Martins. Vitória: UFES/CP/PROEX/Faculdade de Estudos Sociais do Espírito Santo - Pio XII, 2001.

27p.

117

Figura 6 Jogo da pescaria

Fonte: a autora (2013)

Tentava seguir com as atividades, mas percebia que a aluna não avançava ou retrocedia, então

a todo o momento retomava conceitos trabalhados anteriormente. Num dia antes da aula de

Matemática a aluna ficou na sala de recursos brincando. Quando a chamei para ir à sala de

aula mostrou-se pouco resistente, mas não quis saber das atividades. Novamente retomei os

numerais 1 e 2. Era uma oportunidade para que Alice evoluísse.

Ao realizarmos atividades que envolviam esses algarismos, os reconheceu e copiava-os

corretamente, apesar de não relacionar suas respectivas quantidades. Também reconheceu o

nome UM, apesar de parecer que este nome não fazia sentido para ela. Ao apresentar

novamente os números 3 e 4, continuava sem reconhecê-los. Não posso dizer que Alice estava

estagnada, pois vinha aperfeiçoando a escrita dos algarismos e sua contagem. Ela não gostava

de responder a perguntas e fazia muito melhor os exercícios que não dependiam de

interpelações.

A estagiária quando ajudava Alice acabava “atropelando” seus pensamentos indicando os

resultados previamente. Nesse dia em especial ela demorou a chegar a sala, pois havia se

trancado na sala de recursos.

Dei a ela um quebra-cabeça para que montasse. Aos poucos foi encontrando as partes que

compunham o quadro, e a partir de algumas indicações que fiz, conseguiu montá-lo sem

maiores problemas. Nas atividades de contagem ainda não conseguia registrar as quantidades

sem uma pré-visualização dos numerais. Ainda confundia o numeral 4 com a letra A.

Ao retornar à Escola depois de um, dois e três meses respectivamente, do término do período

de observação, a aluna não apresentava nenhuma mudança quanto a seus comportamentos

e/ou novas aprendizagens. Alice me reconheceu e sabia por que estava na escola, mas não se

lembrava do meu nome.

118

Até o final do período da pesquisa era essa a condição de Alice. Pode parecer que não

aprendeu nada, mas pude perceber muitos avanços. Sua aprendizagem não se enquadrava em

nossos padrões ou no que seria esperado para uma aluna de 7ª série, mas o tempo que passei a

seu lado me fez perceber como somos impotentes e despreparados e quanto o aprender vai

além de decodificar símbolos. O professor está, muitas vezes, esperando uma mágica que

possa “fazer” com que o aluno aprenda, e em particular o aluno com deficiência, mas isso não

existe. Nem tudo funciona, e o que funciona nem sempre funciona do mesmo jeito.

Absolutamente não se trata de redescobrir teorias, não se trata de refazer

teorias. Simplesmente se trata de utilizar adequadamente as teorias

matemáticas já existentes para a solução de problemas de base em nosso desenvolvimento. (D’AMBRÓSIO, 1986, p.21).

Não podemos esquecer de que segundo Vigotski (1997, p. 241) a circunstância decisiva que

nos é apresentada quando falamos de educação das crianças com deficiência intelectual não é

a importância quantitativa, mas a avaliação qualitativa do significado do progresso em seu

desenvolvimento, que são causadas por influência de uma educação especialmente

organizada. Esta avaliação qualitativa satisfaz todos os problemas e a meu ver é a única que

poderá responder a nossas perguntas.

7.3.2 A APRENDIZAGEM DE BÁRBARA

Ao iniciar minhas observações com Bárbara no mês de maio, percebi que sempre estava

atenta ao que ocorria em sala de aula. Parava para prestar atenção na hora que o professor

estava fazendo chamada, ou chamando os alunos para olhar os cadernos. Este não levava em

conta sua presença, e isto para ela parecia ser decepcionante, pois quando o professor percebia

que havia chamado pelo nome de uma aluna com deficiência prosseguia sem insistir. Pedi que

prestasse atenção à explicação do professor, mas percebi que não conseguia acompanhá-la, e

decidi trabalhar com os numerais e sua relação de quantidade. Neste momento da pesquisa o

professor regente estava trabalhando potenciação com a turma.

Apontei para o algarismo 1 e para o seu nome (UM) e a aluna reconheceu apesar de não

relacioná-lo a sua quantidade. Também respondeu positivamente à quantidade de passarinhos

que aparecia em uma ilustração. Quando pedi que escrevesse o algarismo 1 em uma linha fez

uma cara de “desnecessário”. Não sabia o nome do professor e nem a qual aula estava

assistindo. Pedi à aluna que sentássemos atrás e ela prontamente atendeu. Solicitei à estagiária

que trabalhasse com a aluna a questão dos horários das aulas, nome dos professores e das

119

disciplinas. Como nesse dia tivemos duas aulas de Matemática, a aluna se mostrou desatenta e

cansada na segunda aula.

Entreguei uma atividade para ser realizada em casa e voltou em branco. Segundo a estagiária,

isso sempre acontecia. Encontrou com facilidade o algarismo 1 em jornais, apesar de

confundi-lo, às vezes, com as letras r e i. Tinha boa coordenação motora para contornar,

recortar e colar, mas tinha certa resistência em fazer esse tipo de atividade. Entregava a

quantidade de materiais escolares solicitada, mas quando pedia que pintasse o conjunto com 1

elemento discriminando-o de outras coleções que continham diversos elementos, não o fazia.

Reconheceu o algarismo 2 dentro de um texto, apesar de o confundir com a letra z. Não tinha

noção da quantidade 2. Quando era apressada Bárbara sempre pedia para esperar.

Sempre que sua estagiária faltava, outra estagiária a acompanhava.

Trabalhei com a aluna o jogo UNO sendo que a regra era jogar a carta com o mesmo número,

símbolo ou cor da carta anterior. Entendeu o jogo e reconheceu os algarismos 1, 2, 3, 4, 5 e 7.

Pedi que separasse todas as cartas com os algarismos 1 e 2. A princípio teve dificuldade de

localizar o 2, mas depois o fez. Mostrei os nomes UM e DOIS e pedi que localizasse quais

algarismos se referiam aos nomes e fez prontamente. Quando cheguei à Escola neste dia, a

estagiária estava com Bárbara na sala de recursos, porque segundo ela “a aluna não entendia

nada mesmo”.

Comecei a aula seguinte contando a história de Pinóquio. A aluna ficou atenta, mas quando

interrogada sobre questões da história, não soube responde-las. Explorei a ideia de 1 boneco

de madeira. Bárbara gostava muito de pintar e tinha ótima noção espacial. Sugeri à estagiária

trabalhar com ela a interpretação da história. Quando não entendia muito bem o enunciado de

um exercício, fazia questionamentos e dava exemplos para ver se era como ela pensava. Nesta

aula o professor deu a média trimestral da turma, e ela ficou com 18,0, nota mínima, sem ser

avaliada. Era bem dependente para se locomover pela Escola, e sempre que precisava ir ao

banheiro esperava e procurava a companhia de alguém. Identificava razoavelmente as

quantidades 1 e 2 e começava a entender a ideia de adição. (Diário de Campo, 20/05/2013).

O professor de Matemática de Bárbara era ríspido com os alunos. Na maioria das vezes não os

cumprimentava quando chegava em sala, e dava as aulas sempre mantendo os alunos sob

ameaças, chegando ao cúmulo de dizer que a nota poderia ser modificada dependendo de seus

comportamentos.

120

Mostrei os algarismos 3, 2 e 1. Reconheceu todos, e teve um pouco de dificuldade com o 2,

pois o confundiu com o 5. Misturei os algarismos e pedi que identificasse o 3. Mostrei

também a palavra TRÊS para que fizesse a relação com o símbolo. Ao pedir que escrevesse o

algarismo 3 o escreveu espelhado. Tinha certa resistência em fazer atividades de recorte que

exigiam coordenação motora fina, mas com um pouco de insistência mostrei como deveria

picotar o papel, e ela o fez. A princípio queria passar cola em cada pedacinho de papel para

cobrir o algarismo 3, mas depois que a orientei para que passasse a cola no numeral, entendeu

e seguiu as orientações. Ainda não compreendia bem o processo de contagem. Tinha muita

preocupação com a aparência final das atividades que realizava (queria colar cada pedacinho

de papel individualmente, pintava os objetos que apareciam na folha e escrevia com

capricho). Após algumas atividades, avançou um pouco na ideia de contagem e na

compreensão do conceito de quantidade. Já reconhecia e diferenciava letras de numerais.

No mês de junho comecei as observações com Bárbara contando a ela a história de João e

Maria. Ficou atenta, mas não respondeu aos questionamentos. Frisei na história o numeral 2 –

dois irmãos. Fazia bem os exercícios onde tinha que representar quantidades com algarismos.

Ligava corretamente a quantidade ao algarismo correspondente. Ainda não tinha a iniciativa

de contar para chegar à quantidade total. Reconhecia os algarismos 1, 2, 3 e 4, mas não sabia

ordená-los, quando eram apresentados abstratamente em E.V.A.

Bárbara se mostrava cada vez mais interessada nos meninos. Queria prestar atenção às

conversas de sala de aula, e muitas vezes parava de fazer as atividades por isso. No entanto,

parecia não se envergonhar por não acompanhar os conteúdos que os demais colegas estavam

estudando.

No dia seguinte pedi que contasse a quantidade de ovos que cada galinha desenhada na folha

havia botado, e ela tomou a iniciativa de registrar as quantidades sem problema nenhum.

Reconheceu o 4 dentre os outros algarismos. Gostava bastante de atividades que envolviam

pinturas e passou a identificar sem contar o conjunto com 4 elementos. Entendia muito bem

os enunciados dos exercícios. Contava corretamente até 4, mas quando o exercício exigia que

desenhasse a quantidade pedida ainda mostrava dificuldades. Passou a reconhecer o algarismo

5. Misturei os algarismos de 1 a 5 e pedi que os organizasse conforme contamos. Teve

dificuldade, e a incentivei a contar nos dedos para lembrar a sequência numérica. Reforcei

essa sequência, contando nos dedos, contando outros objetos e mostrando os numerais na

ordem. (Diário de Campo, 06/06/2013).

121

A aluna já sabia que para conseguir a quantidade podia contar. Contava até 5 sem problemas,

mas não relacionava o símbolo numérico a seu nome. Não sabia observar e identificar

semelhanças e diferenças em duas cenas, mesmo que eu fizesse perguntas específicas.

Percebia que Bárbara precisava ter mais atenção na execução das atividades. Depois de

algumas intervenções, pareceu-me que começava a entender que para desenhar determinada

quantidade precisava ir desenhando e contando simultaneamente. Continuava com muita

preocupação quanto a estética dos exercícios que realizava.

Dei a ela o livro de história “Os três porquinhos”. Folheou, contei a história, e ao interpela-la

começou a responder. Para este dia elaborei atividades escritas e questionamentos orais, a

partir da história, que envolviam os algarismos de 1 a 3. Ao escrever os algarismos tinha

muita preocupação com o seu contorno. Pedi depois que separasse determinadas quantidades

de palitos de fósforo, e ela não conseguiu por não se ater durante a contagem à quantidade

pedida. Fui mostrando que poderia ir contando cada palito até chegar ao número pedido, e

pareceu começar a entender. Não reconheceu o algarismo 6. Contei os palitos de fósforo até o

6, mostrei os dedos e ela passou a contar corretamente. Pedi que pegasse 6 lápis de cor e teve

dificuldade em ir pegando e contando ao mesmo tempo. Depois de algumas tentativas, fui

colocando os lápis enquanto ela contava corretamente. (Diário de Campo, 12/06/2013).

Na aula seguinte não reconheceu o algarismo 6 de imediato. Pedi que contasse os dedos das

mãos, mas não deu sequência à contagem. Contou até o 5 e recomeçou com o 1. Mostrei os

algarismos em sequência até o 6. Já identificava o 6 dentre os demais algarismos. Observava

cenas e retirava delas quantidades de objetos pedidas. Quando perguntava qual era a

quantidade total de uma coleção, precisava contar novamente, pois não relacionava tal valor

ao último número dito na contagem. Tentei sanar essa dificuldade mostrando os dedos e

pedindo que contasse para relembrar a sequência, mas ainda tinha dificuldade em reter a

sequência numérica. Percebi que quando tinha dúvidas ou não conseguia realizar uma

atividade desanimava e começava a dar desculpas para não realiza-la. Ao visualizar a mão,

sem contar sabia que possuía 5 dedos. Numa atividade que pedia para pintar determinada

quantidade de quadradinhos, ela não estava conseguindo. Então sugeri que fosse pintando e

contando, mas não o fez. Resolvi ir marcando a quantidade enquanto contava para depois

pintar, e tinha esperança de que ela fizesse a mesma coisa na próxima atividade deste estilo,

mas também não o fez. Escrevia e reconhecia os algarismos de 1 a 6 sem maiores

dificuldades. Resolvemos problemas envolvendo a adição onde desenhava as quantidades e

contava-as para saber o total. Não sabia escrever os nomes dos numerais. Dei a ela um livro

122

de poesias que envolvia números e lemos juntas. Tinha pouco conhecimento sobre coisas

gerais, nomes de objetos e animais, entre outras coisas. Ao final da aula o professor de

Matemática disse que eu deveria atender outro aluno da sala de Bárbara, pois ele era “meio

doido”. Respondi que essa não era a proposta. Infelizmente o professor regente não conseguia

perceber a importância e necessidade do trabalho que eu estava realizando com suas alunas.

A Escola estava nessa época realizando jogos interclasse, e algumas aulas de Matemática

deixaram de ser acompanhadas por mim, para que Bárbara pudesse assistir, juntamente com

sua turma, aos jogos. Não via problema nisso, mas pelo contrário, percebia que isso muito

contribuía para seu crescimento.

Alguns dias depois mostrei o algarismo 7 e ela o reconheceu. Também mostrei os

anteriormente estudados e só não reconheceu o 2. Contou corretamente quantidades de

objetos, porém ainda não considerava os dedos das duas mãos para contar em sequência. Fiz

algumas intervenções, mas ainda não surtiram efeito. A estagiária, como sugerido, dividiu

seus cadernos por disciplinas e a aluna já se situava melhor organizando seu material de

acordo com cada aula. Escrevia corretamente os numerais estudados e tinha bom domínio da

escrita sobre linhas. Contava corretamente, mas às vezes se perdia na sequência numérica, por

isso frisei bastante essa sequência mostrando os algarismos, contando objetos, dedos das

mãos, entre outras coisas. Nesta aula jogamos dominó. Pareceu-me que nunca tinha jogado

antes, e pelo que mencionou ao ver as peças, já as havia manipulado anteriormente, mas

apenas para fazer casinhas. Teve um pouco de dificuldade para dividir as peças entre nós duas

e também quanto às regras do jogo. Expliquei e demonstrei algumas vezes como se jogava e

aos poucos foi compreendendo. Durante o jogo explorei a quantidade de bolinhas de cada

peça. (Diário de Campo, 24/06/2013).

Figura 7 Dominó

Fonte: a autora (2013)

123

Na aula seguinte jogamos o jogo das cartas (Figura 8 abaixo), apresentado com dois dados

(um numérico e outro contendo os quatro naipes e duas casas vazias). Expliquei as regras e

pareceu ter entendido que devíamos preencher a cartela com as cartas que tínhamos na mão

(havia uma só posição na matriz para cada carta). Reconhecia os algarismos de 1 a 6, apesar

de apresentar um pouco de dificuldade quanto ao 2 e ao 6. Dividiu corretamente as cartas uma

a uma, para nós duas. No início pareceu não entender muito bem como localizar as cartas no

tabuleiro, mas aos poucos conseguiu perceber que tinha de levar em conta o valor numérico

(linha) e o tipo de carta ou naipe (coluna). Após algum tempo de jogo, de acordo com o que

saía nos dois dados já sabia se tinha ou não a carta em suas mãos.

Figura 8 Jogo das Cartas

Fonte: a autora (2013)

No mês de julho Bárbara fez sua primeira prova de Matemática. Ainda não contava os dedos

das duas mãos seguindo a sequência numérica (depois de contar os dedos de uma mão e

chegar ao cinco, tornava a contar os dedos da outra mão começando do um), mas lembrava

dos algarismos aprendidos (de 1 a 8), apenas não reconhecendo de imediato o 2 (veja na

Figura 9 como os números foram apresentados). Sabia bem a ordem dos números e

discriminava os algarismos pedidos dos demais.

124

Figura 9 Numerais em E.V.A.

Fonte: a autora (2013)

Começava a entender que diante do pedido para pintar uma determinada quantidade de

figuras, algumas deveriam ficar sem ser pintadas. Registrava quantidades sem precisar

visualizar os algarismos. Já conseguia observar cenas e extrair delas as quantidades de objetos

pedidas. Apresentava ainda um pouco de dificuldade em representar os números 6, 7 e 8 com

os dedos das mãos, mas já dava sequência na contagem dos dedos das duas mãos.

Tentei de diversas maneiras que Bárbara relacionasse o símbolo à quantidade, mas ela

continuava não fazendo essa relação quando o símbolo era dado de antemão. Por exemplo:

apresentava o número 9 e pedia que me desse a quantidade de objetos de uma coleção que

correspondesse ao número apresentado e ela não conseguia fazê-lo. Apresentei o algarismo 9,

e apesar de aparentemente não reconhecê-lo, fez corretamente sua escrita e contou de 1 a 9.

Num determinado dia, pedi licença à professora de geografia para que Bárbara descesse até a

sala de recursos a fim de fazer uma atividade conjunta com Alice (outro sujeito da pesquisa),

pois era horário da aula de Matemática de Alice. Nesta aula jogamos novamente o jogo das

cartas e Bárbara teve o mesmo desempenho que anteriormente, ou seja, identificou os

numerais e as figuras e decidia se tinha ou não em suas mãos uma carta semelhante a que saía

nos dados, levando em conta o número e o naipe da mesma. A aluna, nesse dia, realizou uma

prova de Matemática elaborada por mim e aplicada por sua estagiária. (Diário de Campo,

10/07/2013).

Depois de uma semana de recesso a aluna retomou suas atividades sem dificuldades. Não

conseguiu terminar toda a avaliação26

dada no último dia de aula antes do recesso, mas

acertou boa parte das questões que fez. Num total de 10 pontos tirou 6,7. A prova comprovou

sua dificuldade em localizar quantidades a partir de valores dados previamente, porém

26 Anexo E.

125

reforçou que reconhecia bem os algarismos de 1 a 9 indicando as quantidades e relacionando

a maioria deles aos seus nomes. Bárbara juntava e contava corretamente duas coleções,

parando e recomeçando de onde havia parado sem precisar recontar a tudo a partir do

primeiro elemento. Apresentei o número 0, sua escrita e o que representava quanto à

quantidade. Apesar de não reconhecê-lo, entendeu o que representava e como podia ser usado

com os demais algarismos para formar outros números. Na sequência apresentei o número 10.

Bárbara tinha bastante autonomia na realização das atividades, bastando que eu lesse os

enunciados para que fizesse os exercícios sozinha inclusive interpretando o que era para ser

feito. Nesse dia dei a ela um pirulito, mas não interferiu em sua disposição de realizar as

tarefas. Ela disse que estava com “preguiça”. Reconhecia e contava de 0 a 10 e fazia o registro

dos numerais sem precisar visualizá-los previamente.

Expliquei a ela sobre os números naturais e sua utilização no nosso dia-a-dia. Li com ela um

livro de parlendas e à medida que os números iam surgindo fomos grifando e reforcei com ela

o que os números representavam em cada parte do texto. Também introduzi o conceito de

adição e entendeu que a ideia principal era juntar os dois grupos de figuras e contar o novo

grupo formado (começamos com a adição a partir de figuras desenhadas). Pelo fato de não ser

alfabetizada tinha dificuldades em relacionar os numerais aos seus nomes, mas trabalhei

algumas atividades neste sentido. Apesar de não ler, copiava qualquer coisa que lhe

apresentassem com muita facilidade utilizando a letra bastão. Tinha um censo de oportunismo

muito bom. Num exercício de ligar os algarismos a seus nomes, à medida que iam terminando

os nomes ia identificando por eliminação os próximos itens a serem ligados.

Jogamos o dominó dos bichinhos. Ela distribuiu as peças igualmente entre nós. Contava

corretamente e reconhecia os algarismos entendendo as regras do jogo. Apesar disso, não

retinha as quantidades previamente obtidas. Por exemplo, se perguntava quantos bois havia

numa peça, ela contava e me dizia, mas se em seguida fizesse novamente a pergunta, ela

precisava contar novamente para me responder. Não considerava que o último número dito na

contagem representava a quantidade total de figuras. Dei a ela uma revistinha sobre números

onde entre outras coisas reforcei a indicação de quantidades a partir dos números dados

previamente. Ainda estava com dificuldades para fazer essa relação, porém se o conjunto era

dado previamente, Bárbara não tinha problema em indicar a quantidade, inclusive, em

algumas situações, não precisava contar para saber a quantidade de objetos de um conjunto.

Ficou bem animada ao saber que a revista era sua. Não tinha dificuldades em escrever os

126

algarismos. Iniciamos a ideia de maior e menor quanto aos números aprendidos (um coleção

de quatro objetos concretos é maior do que a coleção de 3 objetos?). Pareceu que ela havia

entendido, mas em aulas posteriores verifiquei que não tinha uma exata compreensão do que

fora trabalhado.

Figura 10 Dominó dos bichinhos

Fonte: a autora (2013)

Ao final de julho ainda não relacionava o número à sua quantidade, ou seja, se lhe pedia para

que pintasse 8 figuras não era capaz de fazê-lo, mas conseguia relacionar a situação inversa,

quer dizer, se lhe mostrava 8 figuras, conseguia sem nenhum problema contar e representar

com o símbolo 8. Já relacionava alguns números aos seus nomes. Mostrei os algarismos e

frisei sua ordem na representação escrita e o fato de que o número à direita do outro é sempre

maior do que os que estão à sua esquerda.

Começamos o mês de agosto com a estagiária de Bárbara ausente. As demais estagiárias da

Escola se revezavam para acompanhá-la. Entreguei a ela um quebra-cabeça para encaixar a

quantidade com o numeral que a representava (figura 4 apresentada anteriormente quando

falamos do desempenho de Alice). Entendeu a proposta e relacionou perfeitamente as peças.

Contava corretamente e reconhecia os números de 0 a 10. Após jogarmos, fizemos os

registros das quantidades utilizando a adição, pois os desenhos em cada peça eram

apresentados em dois pequenos grupos. A aluna entendeu que juntando as quantidades

separadas dava o resultado total, como se contasse todas as figuras juntas. Teve um pouco de

dificuldade para registrar a operação, utilizando os símbolos (+ e =). Utilizamos os dedos das

mãos para realizar cada adição. Também teve um pouco de dificuldade e resistência em

mostrar as quantidades de cada peça com os dedos e contar a partir de um determinado

127

número (tendia a recontar as peças). Segundo Vergnaud27

o aluno que ainda não domina a

adição realiza a operação de união de dois conjuntos e torna a contar a coleção resultante

desta união. Neste caso ele não realiza ainda uma autêntica operação de adição.

Fizemos adições utilizando palitos de fósforo. Pedi uma quantidade e depois outra e perguntei

o total. Ainda tinha dificuldade em separar as quantidades, mas entendeu a ideia da adição.

Resolvia muito bem quando era realizada com imagens (cada número era entendido como o

cardinal de um conjunto concreto), mas ainda estava descobrindo como resolver contas que se

apresentavam apenas com números abstratos (por exemplo 2 + 3), não associados a um

conjunto específico.

Realizamos adições com números. Tentei trabalhar utilizando palitos de fósforo e riscos que

representassem esses números. Bárbara não conseguia representar as quantidades pedidas com

os palitos de fósforo e consequentemente tinha dificuldades em resolver as contas. Introduzi

também as propriedades, os nomes dos termos e sinais utilizados na adição. Comecei a

introduzir discretamente a ideia de subtração através de problemas de completar quantidades.

Tinha boa coordenação motora para contornar.

Segundo o calendário de provas da Escola, no dia reservado à Prova de Matemática28

Bárbara

fez uma prova elaborada por mim e baseada nos assuntos trabalhados anteriormente. Ficou

bem empolgada quando disse que faria uma avaliação. Fui orientando lendo os enunciados.

27 Notas de aula da Professora Jussara Martins Albernaz sobre o livro de Vergnaud, L’enfant, la mathématique et

la realité (1981).

28 Anexo F.

128

Figura 11 Atividades da prova de Bárbara

Fonte: a autora (2013)

Como Bárbara não havia terminado a avaliação em uma aula, continuamos a fazê-la na aula

seguinte. Ao corrigir a prova percebi que ainda não conseguia representar as quantidades

pedidas de forma abstrata utilizando figuras (por exemplo: desenhe bandeirolas representando

o numeral 3), observei dificuldade em manter a sequência numérica quando precisava

escrevê-la e também uma falta de compreensão quanto a ideia de qual número era maior do

que o outro. Apesar dessas dificuldades, no entanto, Bárbara reconhecia os algarismos

trabalhados, continuando a ter um pouco de dificuldade com o 2, contava sem problemas, e

utilizava boas estratégias para driblar algumas de suas dificuldades. Penso que a avaliação

poderia ter sido menor. Ao entregar à aluna a sua avaliação, fiz com ela a correção da mesma

destacando seus erros e acertos. De um total de 10 pontos ela fez 6 pontos. Sua média

trimestral foi 22,5. (Diário de Campo, 19/08/2013).

Baseada no resultado da avaliação continuamos a trabalhar com exercícios que envolviam

quantidades. Também passamos a realizar atividades que envolviam grandezas, e as operações

de adição e subtração. Sua estagiária retornou à Escola.

Consideramos o jogo das Laranjeiras uma boa opção para reforçar a questão da representação

de quantidade. Ao jogarmos, Bárbara contou corretamente, reconheceu os numerais que

apareciam nos dados, mas ainda não conseguia tirar da laranjeira as quantidades registradas

no dado para colocá-las sobre a folha de papel apresentada, que aparece na figura 12. Nesta

129

aula em especial, a aluna estava bem dispersa. Até mesmo na realização de exercícios que

tinha facilidade estava mostrando dificuldades. Realizava contornos de figuras com

facilidade. Neste dia o professor de Matemática aplicou prova de recuperação para sua turma,

e como ela não precisava fazer, continuamos com os exercícios.

Figura 12 Jogo das Laranjeiras

Fonte: a autora (2013)

Percebia que Bárbara ainda se mostrava confusa quanto à ordem dos números, e portanto

fizemos atividades para que isso fosse contornado. À medida que avançávamos, ela conseguia

lidar com a representação de quantidades de uma maneira mais tranquila, mas quanto à adição

e subtração ainda não entendia bem.

Levei-a, então, à sala de recursos para fazermos algumas atividades no computador, pois sua

sala estava passando por uma reforma e seus colegas foram para a sala de vídeo, onde não

havia possibilidade de acompanha-la. Me pareceu ter bastante convivência com a máquina,

pois não foi surpresa para ela os jogos apresentados e mostrou bom domínio do mouse, o que

facilitou a execução dos jogos (sete erros, quebra-cabeça, memória, etc.). Percebia que sempre

que chegava à sala Bárbara estava fazendo atividades que não eram da aula que estava

acontecendo. (Diário de Campo, 22/08/2013).

Algumas aulas depois, Bárbara foi premiada, juntamente com outros alunos da Escola, por ter

tirado boas notas no trimestre. Os alunos ganharam um passeio, e quando foram à sua sala

anunciar, seu nome não estava relacionado. Ciente do que se tratava reclamou com sua

estagiária, que intercedeu por ela, que tinha tirado boas notas, e a Escola a incluiu na lista.

Depois de algum tempo, jogamos o jogo da pescaria. Organizou-o adequadamente, entendeu

suas regras, reconheceu os números e contou corretamente, porém a ideia principal, que seria

retirar a quantidade de peixes obtida graças ao dado, ainda não havia sido assimilada por ela.

130

Figura 13 Jogo da Pescaria

Fonte: a autora (2013)

Entreguei-lhe depois um quebra-cabeça para que montasse. Foi agrupando aos poucos, mas

pareceu que não compreendia que as figuras isoladas faziam parte de um único quadro. Fui

falando sobre aspectos específicos dos grupos de figuras que havia montado, mas ainda assim

teve dificuldades. O não conhecimento de alguns objetos muitas vezes a atrapalhava na

realização de alguns tipos de atividades.

Figura 14 Quebra-cabeça

Fonte: a autora (2013)

Outros conceitos matemáticos precisariam ainda ser trabalhados, já que havíamos nos

dedicado quase que exclusivamente à questão numérica. Porém, o período de observações se

encerrara. Propus que a estagiária trabalhasse alguns conceitos, como posição relativa de

objetos, tamanho e espessura dos mesmos, figuras geométricas básicas, dentre outros. (Diário

de Campo, 29/08/2013).

Após um, dois e três meses em que estive afastada da escola, acompanhei a cada mês uma

aula de Matemática da aluna, onde pude perceber que os conhecimentos matemáticos de

Bárbara haviam se ampliado em algumas questões, como a distinção de sinais de igual e

diferente e algumas relações espaciais, porém em outros aspectos percebi que a falta de

131

atividades fizeram com que Bárbara perdesse o que antes já havia alcançado (comparação de

quantidades e adição de conjuntos, por exemplo). Ao retornar à Escola depois desse tempo,

Bárbara me reconheceu, lembrou meu nome e sabia o que minha presença representava.

Quantas surpresas agradáveis Bárbara me proporcionou. É maravilhoso lembrar o seu “ritual”

toda vez que fazia contagens, de como seus conhecimentos quanto a muitas coisas para além

da Matemática foram ampliados. Talvez não seja suficiente para aqueles que olham para estes

relatos, mas também não são suficientes para ela. Tenho certeza que pode ir muito mais longe.

Vigotski (1997, p. 142) diz que as quatro operações de aritmética que uma criança deficiente

domina é um processo muito mais criativo do que para uma criança sem deficiência. O que

para a criança “normal” seria dado quase como um “dom”, muitas vezes sem abordagens

especiais, para a criança com deficiência intelectual certas tarefas seriam bem difíceis,

demandando a superação de diversos obstáculos. O modo como se chega aos resultados tem,

aparentemente, um caráter criativo. E também como ele, penso que o mais essencial no

desenvolvimento de Bárbara foi justamente a superação de inúmeras dificuldades.

132

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como objetivo ampliar a compreensão do processo de ensino e

aprendizagem da Matemática para alunos com síndrome de Down inscritos nos últimos anos

do Ensino Fundamental, procurando identificar e avaliar seus conhecimentos lógico-

matemáticos, analisando o processo de ensino e aprendizagem da Matemática, as limitações

das alunas e suas potencialidades.

O trabalho assumiu as características de um estudo de caso colaborativo, tendo como sujeitos

centrais duas alunas dos últimos anos do Ensino Fundamental de uma escola pública

municipal de Serra - ES. Alice com 16 anos e cursando a 7ª série, e Bárbara com 13 anos

cursando o 6º ano.

Observamos que as alunas não possuíam conhecimentos numéricos elementares trabalhados

nas séries iniciais, não eram alfabetizadas e interagiam pouco com professores e colegas.

Estes as ajudavam, sobretudo durante o recreio e aulas de Educação Física, reproduzindo as

condutas que a Escola proporcionava às mesmas, como ajuda para se locomover pela Escola,

jogar bola, etc. Na falta da estagiária os colegas davam atividades para as alunas como

desenhos, escrever seu nome, copiar textos, entre outras.

Buscamos definir estratégias para levar estas alunas à construção de conhecimentos

matemáticos, como meio para compreender e transformar o seu dia a dia, apoiando-nos em

uma abordagem sócio histórica (Vigotski) e na etnomatemática (D’Ambrósio). Definiu-se que

elas seriam acompanhadas durante quatro meses, nas quatro aulas semanais de Matemática,

quando seriam exploradas atividades que visavam melhorar seu desempenho na referida

disciplina, independentemente do conteúdo relativo à série cursada.

Ao final da pesquisa, propusemos uma reunião com os responsáveis, professores regentes,

estagiárias, professora de Educação Especial, pedagoga, coordenadores e diretora das alunas

com a finalidade de discutirmos os resultados do trabalho desenvolvido, o que não foi

possível devido a Escola não ceder o tempo solicitado. Também deixamos na Escola, sob os

cuidados da professora de Educação Especial e das estagiárias das alunas, jogos matemáticos,

atividades escritas de Matemática e orientações de possibilidades para continuar explorando

essa disciplina com Alice e Bárbara, inclusive algumas atividades de geometria, de

reconhecimento de horas, etc., que não haviam sido trabalhadas, pois privilegiara as primeiras

noções numéricas. Retornamos ao final de cada mês subsequente, a saber, setembro, outubro

133

e novembro, para verificarmos os avanços e/ou retrocessos quanto aos conteúdos matemáticos

estudados pelas alunas.

Não podemos dizer que ao terminarmos a pesquisa houve uma mudança por parte da Escola e

dos profissionais diretamente ligados às alunas, mas também não podemos dizer que foi em

vão o período que ali passamos. De uma maneira ou de outra as alunas ficaram mais visíveis e

puderam mostrar que faziam parte efetiva do contexto escolar.

Para resumirmos a aprendizagem de Alice e Bárbara, apresentamos esse resultado

separadamente, entendendo que o conhecimento não é estático e considerando o que foi

apercebido no período da observação participante.

8.1 ALICE

Considerando alguns objetivos fixados, podemos dizer que Alice até o encerramento desta

pesquisa conseguia parcialmente associar a quantidade ao numeral correspondente, conhecia a

sequência numérica falada de 0 a 10, respeitando sua ordem crescente, escrevia numerais de 0

(zero) a 10 (dez) quando os visualizava, representava quantidades usando objetos, gravuras,

desenhos e materiais diversos, diferenciava números de letras e utilizava a contagem oral em

situações de necessidade, por iniciativa própria, comparava objetos usando critérios de

grandeza como grande/pequeno, maior/menor, grosso/fino, comprido/curto, alto/baixo, etc. e

explorava e identificava propriedades geométricas de objetos e figuras. Estabelecia relações

de capacidade, diferenciando o conceito de recipiente cheio ou vazio, identificava posição de

objetos (longe, dentro, fora, em cima, em baixo, etc.), percebia o que era pesado e leve e

contornava as faces planas dos objetos com total segurança.

Alice me mostrou que independente de sua deficiência tinha suas preferências e era capaz de

discernir quando alguma coisa lhe interessava, usando muitas vezes sua deficiência para

alcançar vantagens. Quanto à vida diária, pude perceber que tinha muitos casos para contar.

Convivia com muitas pessoas que acrescentavam a cada dia informações e conhecimentos que

Alice usava para manter seus diálogos e relacionamentos. Era uma aluna rebelde,

indisciplinada e que não via que a Escola poderia lhe proporcionar oportunidades para ter uma

vida melhor, mais independente. Mas isso não era de surpreender, pois no tempo em que a

acompanhei, ninguém da Escola ou de sua família parecia pensar o contrário. Constatei que

Alice era uma aluna como a maioria dos alunos de sua sala, que também pouco se

134

interessavam pelas atividades escolares.

Efetivamente sua aprendizagem poderia ser potencializada se sua família entendesse a

importância da Escola enquanto local de aprendizagem e se esforçasse para que a aluna

pudesse frequentar os serviços de apoio pedagógico oferecidos na sala de recursos; se a

Escola se colocasse como instituição de ensino e não apenas como meio de inserção social; se

os professores vissem Alice como aluna e não como deficiente. Enfim, se ela quisesse.

Em se tratando da documentação legal nacional, Milanesi (2012, p. 116) destaca que não

encontramos nenhum registro no que diz respeito a aprovação ou retenção dos alunos com

deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Mas

alheio a essa questão, o trabalho dos professores deve ser o de continuar com o ensino.

Precisamos assumir o quanto nossas posturas estão arraigadas no paradigma

técnico-científico nas instituições de ensino superior, o quanto nosso ensino

é mantenedor de abordagens que negam a diversidade e a diferença em

nossas salas de aula, o quanto trabalhamos de forma acrítica e isolada. (ALMEIDA, 2010, p. 203).

Alice tem muito a aprender e independentemente de sua resistência ela aprenderá se alguém

se dispuser a ensinar e despertar na mesma esse desejo.

8.2 BÁRBARA

Bárbara até o encerramento das observações havia alcançado os objetivos de associar a

quantidade ao numeral correspondente, escrevia os numerais de 0 (zero) a 10 (dez), sem

precisar visualizá-los, conhecia a sequência numérica até 10, respeitando sua ordem crescente,

diferenciava números de letras e utilizava a contagem oral em situações de necessidade, por

iniciativa própria. Conseguia parcialmente identificar o antecessor e o sucessor de numerais

até 10, representava quantidades recorrendo a objetos, gravuras, desenhos e materiais

diversos, representava conjuntos com poucos elementos, muitos elementos, unitários e vazios,

reconhecia se um conjunto tinha mais objetos do que outro, se apoiando sobretudo em

relações espaciais e admitia que dois conjuntos tinham a mesma quantidade

independentemente de sua disposição após proceder a contagem de seus elementos. Resolvia

situações problemas bem simples envolvendo a adição. Estabelecia relações de capacidade,

diferenciando o conceito de recipiente cheio e vazio, identificava a posição relativa de

objetos, percebia o que era pesado e leve, reconhecia que o relógio servia para marcar horas e

135

reconhecia alguns horários (horas exatas), identificava certas figuras, decidindo se eram iguais

ou diferentes, contornava as faces planas dos objetos. Parcialmente comparava objetos usando

critério de grandeza como grande/pequeno, maior/menor, grosso/fino, comprido/curto,

alto/baixo, etc. e explorava e identificava propriedades geométricas simples de objetos e

figuras.

A aluna se mostrou muito aplicada, interessada e disciplinada. Sabia exatamente o que fazia

na Escola e sempre que necessário não hesitava em reivindicar seus direitos. Quanto à sua

convivência com as demais pessoas, não se mostrava muito receptiva. Talvez por ser a única

criança na família sua relação com outras pessoas e o conhecimento de coisas gerais do

próprio quotidiano era bem limitado.

Aprendeu muito, mas pode aprender ainda mais. Estava sempre disposta a realizar as tarefas

apresentadas e atenta ao que lhe era ensinado. Sua aprendizagem poderia ser ainda maior se

sua família a levasse à sala de recursos no contra turno. Quanto à Escola e professores,

independentemente de suas ações, não muito favoráveis à aprendizagem de Bárbara, esta

continuará aprendendo, pois tem uma força de vontade incrível. Além disso tem uma

estagiária que busca efetivamente sua inclusão no sentido pleno da palavra.

Vigotski (1997, p. 243,244) nos lembra que devemos ensinar a criança com deficiência mental

não apenas para tocar, cheirar, ouvir e ver, mas para usar seus cinco sentidos, para dominá-los

e empregá-los racionalmente de acordo com seus fins. Ou seja, Bárbara não apenas aprendeu

alguns conceitos de Matemática, mas descobriu, acima de tudo, como usá-los em seu

benefício.

8.3 AS ALUNAS

Enfim, sabemos, conforme Milanesi (2012, p. 25) ratifica, que nem sempre os dispositivos

legais conseguem ser implementados na prática, visto a realidade complexa e dinâmica que

envolve os sistemas escolares.

Sabemos também que para que os objetivos específicos relacionados ao ensino sejam

cumpridos, “é necessário que professores do ensino comum e da Educação Especial se

envolvam, compartilhando um trabalho colaborativo e interdisciplinar, de modo a consolidar a

articulação entre os mesmos.” (MILANESI, 2012, p. 38). Neste sentido, cabe ao professor do

136

ensino comum o ensino das áreas do conhecimento, e, ao professor que prestará o AEE

complementar e suplementar esse ensino ao aluno, proporcionar recursos específicos e

conhecimentos que auxiliem na eliminação de barreiras a sua participação nas turmas do

ensino regular.

Vimos também que os estagiários, no município da pesquisa, são aqueles para quem os

professores e também familiares tem deixado a responsabilidade da educação dos alunos com

deficiência. Devemos, no entanto, nos alertar para o fato de que apesar da presença dos

estagiários muitas vezes favorecerem a frequência desses alunos nas escolas comuns, e

reduzir em alguns casos a demanda por ações de cuidados, que não são necessariamente de

cunho pedagógico, esses profissionais ainda não têm uma formação pedagógica completa e

não pode ser atribuída apenas a eles a escolarização dos alunos sujeitos da Educação Especial.

“A inclusão escolar requer outras formas de organização da escola, com compartilhamento de

responsabilidades por todos os atores envolvidos no processo educativo”. (MILANESI, 2012,

p. 127).

Então, se sabemos de tudo isso, o que falta para que as marcas da diferença de Alice e Bárbara

não as impossibilitem de assumir a própria identidade de alunas?

Muitas vezes nós professores estamos tão preocupados em descobrir métodos alternativos

para ensinarmos aos alunos com NEE, que não fazemos o que deveria ser feito com todos os

alunos, ou seja, ajudá-los a aprender. A inclusão depende do bom desenvolvimento da

Educação Regular. Não posso “construir” uma escola inclusiva de qualidade sem escolas

regulares de qualidade. É preciso pensar na qualidade da educação para todos. Isso pode

parecer difícil, e envolve recursos que demoram algum tempo para surtirem efeito, mas não é

impossível.

O grande problema da inclusão não está na legislação, mas em nossas atitudes, pois

continuamos a falar de “nós” e “deles”. Continuamos a pensar que as pessoas com deficiência

têm outros problemas, outras necessidades, e que é necessário tudo especial para eles. A

escola inclusiva não pode continuar pensando assim. Deve, portanto, desenvolver projetos em

que todos os alunos possam participar com suas diferenças, pois a mera presença dos alunos

com deficiência na escola não significa que são parte integrante da mesma.

Sabemos que há muitas outras questões que perpassam esse processo no qual Alice e Bárbara

estão envolvidas. As políticas públicas muitas vezes são falhas e não há formação consistente

137

para professores, por exemplo. Reconhecemos que todas essas relações interferem

diretamente no interesse do professor pelo sujeito da Educação Especial, que, na maioria das

vezes, é pequeno.

Considerando tudo isso, como analisar a aprendizagem de Alice e Bárbara?

Para saber se aprenderam Matemática, basta observarmos o que elas sabiam antes que as

observações colaborativas começassem. Então, baseados nas informações dadas no capítulo

anterior, elas aprenderam Matemática. Porém, toda aprendizagem é um processo criativo pois

cada um aprende de uma maneira. Então, cada uma aprendeu a sua maneira.

Conforme nos afirma Almeida (2010, p. 207), “em alguns momentos o pesquisador precisa,

mais do que falar, fazer, para mostrar que é possível”. E depois desse “fazer”, o que podemos

deixar de contribuição, a partir da experiência que tivemos ao ensinar Matemática para essas

alunas com síndrome de Down, é que a escolarização de pessoas com deficiência intelectual

pode ser atrasada, mas não patológica. Apesar de a deficiência intelectual requerer maior

adaptação do currículo e de metodologias, o que sabemos sobre o ensino para crianças sem

deficiência nos ajuda a ensinar as demais e vice-versa.

O que percebi durante as abordagens com Alice e Bárbara, é que o ensino de Matemática

tinha mais sentido para elas quando planejava e definia objetivos e tarefas a serem

trabalhados, priorizava determinados conteúdos em função das respostas que elas me davam,

utilizava material concreto, contextualizava as atividades, reforçava o que havia sido

trabalhado anteriormente, as motivava, individualizava o ensino e avaliava a partir do que

tinha sido proposto; mas nada disso deve ser muito diferente do processo de ensino

aprendizagem de todos os alunos.

Percebi também, que seria de extrema importância que ao ingressarem na escola os alunos

com deficiência tivessem uma avaliação de seus conhecimentos prévios sobre as várias áreas

de conhecimento e a partir disso fossem elaborados planos educativos individuais. Isso com

certeza mostraria aos professores por onde deveriam começar, o que talvez seja sua maior

dificuldade, e ao mesmo tempo daria aos alunos a oportunidade de mostrarem o que sabem e

principalmente que podem aprender muito mais.

Finalmente, como o aluno com síndrome de Down aprende Matemática?

A seu tempo, da mesma forma que os outros...

138

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144

APÊNDICES

APÊNDICE A - Questões orientadoras para entrevista realizada com os professores,

coordenadora, pedagoga e estagiárias das alunas sujeitos da pesquisa.

Como você vê as alunas?

O que elas sabem especificamente da sua disciplina?

O que elas têm condições de aprender?

O que elas estão fazendo na escola?

Há integração entre professor e estagiária?

O que você conhece sobre alunos com NEE? Teve alguma discussão sobre isso em sua

Formação?

145

APÊNDICE B – Questões orientadoras para entrevista realizada com Alice e Bárbara (sujeitos

da pesquisa).

Você tem interesse por quais disciplinas?

O que você sabe de Matemática?

O que acha da Matemática?

Você usa a Matemática no seu dia-a-dia, na sua vida?

146

APÊNDICE C – Autorização de entrevista e áudio-gravação concedidas.29

Autorização concedida pela pessoa entrevistada para divulgação de dados da entrevista e

áudio-gravação – Universidade Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-graduação em

Educação, na linha de Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas.

Orientadora: Professora Drª Jussara Martins Albernaz.

Orientanda: Christiane Milagre da Silva Rodrigues.

Ato de autorização

Pelo presente documento, eu

___________________________________________________________________________

Nome completo nacionalidade estado civil

___________________________________________________________________________.

Profissão cpf identidade

Declaro ceder a plena propriedade e os direitos autorais da entrevista e áudio-gravação que

prestei à pesquisadora Christiane Milagre da Silva Rodrigues, estudante de Mestrado do

programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, sob a

orientação da Prof.ª Dr.ª Jussara Martins Albernaz, na cidade de Serra em ____/____/_____.

Autorizo a utilizar, divulgar e publicar a mencionada entrevista e áudio-gravação no todo ou

em parte.

Estou ciente de que minha identidade será mantida em sigilo.

_______________________________________________

Local e data

_______________________________________________

Assinatura do entrevistado

29 Para o desenvolvimento deste documento de pesquisa, tomamos como base o APÊNDICE A da tese de Deane

Monteiro Vieira Costa intitulada A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos no Brasil e no Estado do

Espírito Santo (1947-1963): um projeto civilizador defendida no Programa de Pós-graduação em Educação na

Universidade Federal do Espírito Santo em 2012.

147

APÊNDICE D – Autorização da Escola30

Autorização da Escola

Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, solicito à Direção da Escola

__________________________________________ autorização para a realização da Pesquisa

O ensino-aprendizagem de Matemática para alunos com necessidades educacionais

especiais: como aprende o sujeito com síndrome de Down, de autoria da mestranda Christiane

Milagre da Silva Rodrigues, como recomendação para conclusão do Mestrado em Educação

do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Espírito

Santo (UFES).

O objetivo da pesquisa é avaliar como se dá o desempenho e o interesse do aluno com

síndrome de Down na aprendizagem da Matemática. Como instrumentos de pesquisa serão

utilizados observação direta, diário de campo, memórias analíticas e áudio-gravação.

Solicitaremos às famílias consentimento para participação das alunas na pesquisa com

esclarecimentos sobre o tratamento ético dos dados. Ao término da pesquisa os resultados

serão disponibilizados aos interessados durante e após a confecção do relatório final que será

apresentado na dissertação com possibilidade de publicação.

_____________________________________________________________

Nome CPF RG

Diretora da Escola

30 Para o desenvolvimento deste documento de pesquisa, tomamos como base o APÊNDICE A da tese de Larissa

Fabricio Zanin, intitulada Fotografia e interação: modos de apresentação do adolescente e da escola no

ciberespaço defendida no Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade Federal do Espírito Santo

em 2012.

148

APÊNDICE E – Autorização dos pais ou responsáveis31

.

Autorização dos pais ou responsáveis

Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresenta-se aos pais/responsáveis da

aluna/sujeito da turma _____ da Escola

_____________________________________________o projeto de Pesquisa O ensino-

aprendizagem de Matemática para alunos com necessidades educacionais especiais: como

aprende o sujeito com síndrome de Down, de autoria da mestranda Christiane Milagre da

Silva Rodrigues, como recomendação para conclusão do Mestrado em Educação do Programa

de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

O objetivo da pesquisa é avaliar como se dá o desempenho e o interesse do aluno com

síndrome de Down na aprendizagem da Matemática. Como instrumentos de pesquisa serão

utilizados observação direta, diário de campo, memórias analíticas e áudio-gravação. Não

haverá comprometimento da ação educativa, preservando, sobretudo, a integridade da aluna.

Os dados/resultados da pesquisa serão apresentados na dissertação e poderão ser utilizados em

livros e/ou artigos. Por isso solicitamos sua autorização por meio da assinatura deste

consentimento:

Eu, _____________________________________________________________, responsável

pela aluna _____________________________________________________, da turma _____

do Ensino Fundamental, da Escola

_________________________________________________, do turno vespertino, autorizo

sua participação no projeto de pesquisa intitulado O ensino-aprendizagem de Matemática

para alunos com necessidades educacionais especiais: como aprende o sujeito com síndrome

de Down, de autoria da mestranda Christiane Milagre da Silva Rodrigues (PPGE/UFES),

concordando com os procedimentos acima apresentados.

_______________________________________________

Assinatura RG

Serra, ___________________________________de 2013.

31 Para o desenvolvimento deste documento de pesquisa, tomamos como base o APÊNDICE B da tese de Larissa Fabricio Zanin, intitulada Fotografia e interação: modos de apresentação do adolescente e da escola no

ciberespaço defendida no Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade Federal do Espírito Santo

em 2012.

149

ANEXOS

ANEXO A – Desenho de Alice.

150

ANEXO B - 1ª prova de Alice

151

152

153

ANEXO C – 2ª prova de Alice

154

155

156

157

ANEXO D – Prova de Recuperação de Alice

158

159

ANEXO E – 1ª prova de Bárbara

160

161

162

ANEXO F – 2ª prova de Bárbara.

163

164

165

166

ANEXO G – Cronograma.

Mês (2013) Atividades

Fevereiro Entrevista com a responsável pela Gerência de Educação Especial do Município

de Serra – ES.

Março/Abril Apresentação do projeto de pesquisa para a diretora e a pedagoga e

solicitação formal para o desenvolvimento da investigação pretendida;

Reunião com o professor de Matemática das alunas com quem fizemos a

pesquisa;

Reunião com os pais para apresentação do projeto de pesquisa;

Visita geral em todos os ambientes da escola (primeira aproximação);

Coleta de dados da escola (aspectos físicos, administrativos e

pedagógicos);

Entrevista com a pedagoga e a coordenadora da escola, estagiárias,

professores e responsáveis pelas alunas/sujeitos da pesquisa;

Entrevistas com as alunas;

Coleta de dados, por meio da observação da sala de aula das alunas foco

da pesquisa, buscando destacar seu relacionamento com os professores,

estagiárias, colegas e demais profissionais;

Contatos iniciais com o dinamismo das salas de aula em que

desenvolveremos a pesquisa através de observação das aulas das oito

disciplinas que compõem a grade curricular das turmas onde as alunas

estão matriculadas;

Sondagem de conhecimentos de Matemática das alunas através de

atividades.

Maio Coleta de dados na sala de aula por meio de observação participante,

registro em diário de campo do desenvolvimento nas aulas de Matemática

das alunas foco da pesquisa.

Junho Coleta de dados na sala de aula por meio de observação participante,

registro em diário de campo do desenvolvimento nas aulas de Matemática

das alunas foco da pesquisa;

Reunião com a professora de Educação Especial e estagiárias das

alunas/sujeitos da pesquisa para avaliação do primeiro mês de observação.

167

Conversa com o professor de Matemática para organizar da avaliação das

alunas/sujeitos da pesquisa.

Julho Coleta de dados na sala de aula por meio de observação participante,

registro em diário de campo do desenvolvimento nas aulas de Matemática

das alunas foco da pesquisa.

Agosto Coleta de dados na sala de aula por meio de observação participante,

registro em diário de campo do desenvolvimento nas aulas de Matemática

das alunas foco da pesquisa;

Conversa com o professor de Matemática para repassar resultados da

avaliação das alunas/sujeitos da pesquisa;

Reunião com a professora de Educação Especial e estagiárias das alunas

foco da pesquisa para repassar orientações sobre procedimentos e

atividades para que estas continuem o trabalho com a Matemática.

Setembro Reunião com responsáveis, professores regentes, estagiárias, professora de

Educação Especial, pedagoga, coordenadores e diretora das alunas

sujeitos da pesquisa para retorno dos momentos de observação (não

realizada);

Retorno à escola para assistir a uma aula de cada aluna para avaliar como

estão quanto aos conteúdos matemáticos;

Análise dos dados coletados em campo.

Outubro Retorno à escola para assistir a uma aula de cada aluna para avaliar como

estão quanto aos conteúdos matemáticos;

Análise dos dados coletados em campo.

Novembro Retorno à escola para assistir a uma aula de cada aluna para avaliar como

estão quanto aos conteúdos matemáticos;

Registro dos dados coletados em campo.

Dezembro Registro dos dados coletados em campo.

Defesa da dissertação.