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  • ENSAIOS HE

    SOCIOLOGIA E LITTERATURA

  • SYLVIO ROMERO D A A ( AI) KM IA B R A S I L E III A

    ENSAIOS D E

    SOCIOLOGIA E LITTERATURA

    RIO DE JANEIRO

    l i . G A R M E R , L I Y R E I R O - E O I T O R 71 7i , Rua do Ouvidor, 71 e 7:t

    1901

  • O ILECKELISMO EM SOCIOLOGIA

  • ILECKELISMO EM SOCIOLOGIA

    i ponto geralmente assentado em biologia, ao

    menos como tal sciencia interpretada pelos se-ctrios do dar\vinismo,a existncia de um princi-pie, elevado categoria de lei fundamental, de que o desenvolvimento embryonario do indivduo recapitula a evoluo da espcie. Ao primeiro desenvolvimento chama-se onlogenese e ao se-gundo phylogenese. que em melhor portuguez se deveria dizer ontogenesis e phylogenesis.

    A famosa lei assim formulada por Hckel : Ontogenesis est summarium phylogeneseos;

    tanlo integrius. quanto hereditate palingenesis conservatur, tanto minus integrum, quanlo adap-tatione cenogenesis introducitur. Isto em vulgar e ao p da letra quer significar : A ontogenese a recapitulao da phylogenese, tanto mais com-pleta quanto conserva-se pela herana a palin-gnese, e tanto menos perfeita quanto se introduz pela adaptao a cenogenese.

    Sabe-se que as idias darwinianas tm sido applicadas historia, lingstica, ao direito,

  • , sociologia em geral, e basta lembrar os 3 de Bagehot, Scheffle, Lilienfeld, Le Bon, rneau, Ihring, Spencer, Schleicher, para :cer que tal tentativa tem sido uma realidade au menos felizmente repetida. ,re ns sufficiente abrir qualquer escripto co de Tobias Barreto, de Arthur Orlando, >vis Bevilqua,de Martins Jnior para vr que i passo nos falam elles de uma ontogenese e gnese do direito, de uma ontogenese e de ahylogenese da sociedade.

    seu profundo estudo da Evoluo emo-l e mental do homem, apreciando a falta de chronismo que se nota entre as duas evo-s na psychologia de certos individuos e fun-exactamcnle na doutrina da ontogenese

    ;niana escreveu Tobias Barreto : O que se va nos individuos, d-se lambem nos povos, considerados em si mesmos, quer compa-uns com os outros.

    se v que no preciso sair do Brasil para que ha perto de vinte annos j se falava na

    :ao da lei fundamental da biologia a aptos histricos e sociolgicos. tentativa, pois, no nova, e, ainda mais,

    IOS parece acertada no exaggero em que a im. A formula da supposta lei em sociologia a alguns esta : Cada povo que se desen-recapitula as phases anteriores da evoluo

    pecie humana. tros formulam-na deste modo : Sempre que

  • 5 a eivilisao se desloca de uma regio para outra e o grupo civilisado se pe em contacto e fuso com gentes em perodos inferiores de cultura, a historia volta a sculos atraz e passa a recapitular summariamente as phases passadas da historia da humanidade.

    A primeira formula mais genrica ; porm demasiado vaga, e no nos diz em que grupo, em que ramo, em que raa da espcie humana que se deve procurar o typo exemplar da evoluo. A segunda synthese trata do deslocamento da eivilisao de um centro para outro e da fuso de grupos humanos em estdios vrios de cultura ; refere-se, portanto, apenas a casos restrictos no abarca a eivilisao em geral, e, quando muito, pode aspirar a ser uma vista genrica da historia da colonisao, especialmente moderna, a datar, no mximo, da idade mdia.

    A pr-historia, a alta antigidade, os perodos das civilisaes originaes e autochtones lhe esca-pam. 0 especlaculo curiosissimo da historia dos Egypcios, Assyrios, Babylonios. Phenicios, Ghins, Judeus, Gregos, Persas e Romanos seria inexpli-cvel dentro dos moldes da segunda rformula da decantada lei, cujo imprio ficaria em rigor limi-tado s conquistas dos brbaros na Europa e s dos Portuguezes. Hespanhes, Francezes, Ingle-zes e Hollandezes na America, Occeania, sia e frica.

    Qualquer que seja, porm, a estensoquese lhe d, a applicao da repetio abreviada scio-

  • 6 logia no nova. velha idia presentida em vrios autores e systemas, e chavo constante entre certos sectrios do evolucionismo.

    E nem se pdecomprehender esta doutrina sem explicitamente admittir a idia de phases diversas na evoluo e ao mesmo tempo acreditar, desde que os vrios povos e raas existentes no se acham no mesmo grau de cultura, na idia da repetio dessas phases da parte dos mais atra-zados.

    Para qualquer se convencer disto, no precisa ir muito longe. Basta abrir os livros consagrados pelo transformista Letourneau evoluo da pro-priedade, da famlia, do casamento, da religio, do direito, da moral, da poltica e da arte. Em todos elles a idia capital a do ponto de partida uniforme em qualquer daquellas creaes e a repetio dos mesmos esladios evolutivos em todas ellas, por todas as raas humanas. Pretende con-seguir a prova desse resultado com o emprego do melhodo comparativo applicado sociologia, e a que chama methodo ethnographico, e abre o prefacio da Evoluo da Propriedade com estas palavras : Dans ce volume comme dans les pr-cdents.je me suis inspire d'une fcondemthode, Ia seule qui puisse clairer les origines sociologi-ques. J'entends parler de Ia mthode elnographi-que, eonsislant tenir les races infrieures de Vhumanil actuelle, comme les vivants reprsen-lants de nos primilifs anclies. Je na i point ici juslifier celte manire de proceder; elle est Ia

  • \ base mme de Ia sociologie volulive, puisqu'elle permet d'tudier de visu Ia srie des tapes so-ciales englouties dans 1'abyme du passe.

    Grce elle et par laplus scientifique des incan-tations, les sicles les plus lointains resussitent en chair et en os. le passe devient le prsenl et lob-servateur peut scruter simultanmenl les phases suecessives. que les peuples les plus civiliss ont mis des cycles chronologiques parcourir.

    Com esta idia, e nesle propsito,,o galhatdo transformista francez, o intrpido materialista traductor de Hackel tem accumulado uma dzia de grandes volumes, onde a repetio da historia torturada em todos os sentidos.

    No somente Letourneau que d testemunho desse dogma de sua escola : elle por certo muito exagerado, porm no est s), ao contrario no faz mais do que repetir Spencer, Tylor, Lubbock, Morgan, S. Maine, Mac-Lennan e cem outros. At espritos mais sbrios e ponderados, como R. Dareste nos seus Estudos de historia do direito, partem do mesmo ponto e so guiados pelas mes-mas idias

    Escreve este : II est legitime de prsumer, jusqu preuve contraire, que les divers peuples ont sitivi Ia mme route et passe par les mmes degrs. (P. X.)

    Ou melhor nesta passagem ainda mais signifi-cativa : Et d'abord un fait que les travaux modernes ont mis dans tout son jour est Ya/finit pour ne pas dire Yidentit, des diserses legisla-

  • 8 tions primitives. La philologic a montr paradmi-rables dcouvertes Forigine commune de Ia plu-

    pari des langues europennes, qu elle a su ratlacher aux anciennes langues. mortes aujourd'hui, de Finde et de Ia Perse. Plus troil encore est Ia parente des diverses lgislalions. Non seulement elles onl toutes subi des transformations analo-gues, mais elles se reproduisenl souvent les unes les autres, trait pour trait, et presque mot pour mot, travers les plus enormes distances de lieu, et les plus longs intervalles de temps, alors quau-cun emprunt direct n'a jamais t possible. en sorte que pour expliquei- celte ressemblance qui ne saurait tre fortuite, il faut ncessairement admeltre ou que les deux peuples avaient une origine et, par suite, une liadition commune, ou que les mmes causes ont parlout produit les mmes effets. (P. IX.)

    Eis ahi a idia da repetio dos mesmos phcno-menos espirituaes entre os mais diversos povos preconisad pelo ponderado Daresle, sem o menor \islumbrede duvida. Conhecedor destes e doutros Inclos congneres, o notvel escriptor G. Tarde, que tambm evolucionista, posto que o seja enlarguecendo, no sem razo, o conceito da evoluo, G. Tarde, que tambm sectrio das repeties na historia, tanto das explicveis pela hereditariedade, como das que se determinam melhor pela imitao, dando mais elasterio a estas, a respeito das quaes escreveu at um livro inteiro (Les Lois de VImitalion), G. Tarde, que

  • 9 um evolucionista polygenista, para tudo dizer numa palavra, refere-se continuamente noo que vimos exposta por Letourneau e Dareste, qual uma espcie de lugar commum da escola, cujos exageros impugna neste ponto : Ce que je combats, c'est Thypothse sans preuvc que, malgr Ia dissemblance des races et des circons-tances, toutes les socits ont eu le mme point de dparl et suivent ou tendent suivre normale-ment Ia mme srie de phases.

    Contra esta unidade e uniformidade radical, geralmente aceita, que elle se levanta : Ce que je repousse c'est un transformisme unili-ninaire. Ou mais adiante, falando das invenes : Seulement Tuniformit d'volution exige, en outre, que les mmes inventions aient d, Ia longue, apparaitre partout, ei partout dans le mme ordre. Cest cet ordre invariable que je nie, et non cetle rapparition invitable. Mais nitido ainda, dando conta da opinio da escola no que toca ao ponto de partida da historia : Sans Fombred'une preuve, sice n'est de cellesque peut fournir une observation superficielle, on est par-venu acrediter 1'ide priori que 1'tat social primitif, le point de dpart suppos du progrs est identique chez tous les sauvages.

    intil multiplicar os tpicos em que este autor, em seu interessante livro As Transforma-es do Direito, se refere ao exagerado monoge-nismo da cultura, que certo grupo dos philoso-phos evolucioiiistas ensina por imitao ao

    1.

  • 10 monogenismo das espcies animaes. dogma fun-damental da doutrina em biologia. Uma inter-pretao mais vasta do systema, pelo que diz respeito ao homem e eivilisao, chegou de ha muito a admittir o polygenismo destes. - G. Tarde acha-se neste numero, do qual faze-

    mos tambm parte, como j declarmos na His-loria, da Litteralura 'Brasileira, e, por isso, falando do transformismo unilinear, escreve ainda este trecho, que nos convm citar : II se per-suade trop aisement qu'volution signifie non pas seulement produetion de phases suecessives accomplies suivant les lois de Ia mcanique et de Ia logique; mais encore reproduetion en exem-plaires multiples de phases prdtermines, ana-logues aux ages suecessifs d'un individu vegetal ou animal.

    Ahi est exaclamente a coisa : os sectrios da ontogenese reproduetora da phylogenese em sociologia acham-se perfeitamente, e de accordo com suas prprias idias, no ponto de vista dos que ensinam a reproduco das phases sociaes por modo anlogo ao que se passa na biologia com os veyetaes e animaes. Como se est a notar, portanto, tal doutrina no nova, no d'agora, no uma originalidade recente e nunca vista, e para o crer basta vr que G. Tarde a discute longamente, como uma extravagncia de trans-formistas exagerados e impertinentes.

    Mas so consideraes de ordem muito geral estas que deixamos feitas at agora. Se descermos

  • , 11 a estudar o assumpto sob um as|)eclo mais spe-cial; ainda mais segura dever resultar a convic-o em todos.

    A idia de uma reproduco da historia das metrpoles pelos povos novos dellas originados, isto , o lado mais srio e possvel da supposla recente lei fundamental da sociologia, acha-se quasi pelas mesmas palavras em autores vrios. O facto revelado pelo incomparavel Sumner Maine, nos seus magnficos Estudos sobre a his-toria do Direito, onde cila a respeito do caso Palfrey, Herbert Adams, Erving Elting, Mclville Eggteslonve Lewis Wilhelm, que se occuparam tudos da colonisao dos Estados Unidos.

    O ultimo L. Wilhelm, como nol-o affirma S. Maine, diz positivamente * Les colonies ten-daient reproduire non FAngleterre du temps des Sluarts (o tempo da colonizao), mais cell du temps du ro Jean et de Ia grande Charte.

    E Sumner Maine, admittindo o facto, escreve, com sua serenidade habitual, esta palavras que se encontram na traduco franceza de seu admi-rvel livro : Cest un fait trs remarquable que dans FAmrique du Nord, les premiers immi-grants anglais, qui appartenaient surtout, on le sait, Ia classe des Yeomen, se soient organiss dabord spontanment n communauts de village pour se livrer Fagriculture. E', at certo ponto, uma espcie de reproduco reversiva, no ha contestar. Mas isto ravainente acontece e s> de passagem. G. Tarde, que tambm os conhece,

  • - 12 a despeito de se oppr, como j mostrmos, mania da uniformidade dos transformistas mono-genistas, ficou abalado neste ponto e o declarou expressamente : A' bien des gards, il faut en convenir, les colonies sont une rtrogradation. On vvoit renaitre des procedes de culture abandonns depuis longtemps dans Ia mre patrie ; ou des inslitutions disparues de celle-ci, comme Fescla-vage, ou mme parfois Ia composition pcuniaire pour crimes.

    Cila, neste assumpto, e nesta ordem de idias, alm de S. Maine, o jurista italiano Loria, sectrio das recapitulaes abreviadas na historia e autor de um livro Analisidelia propriet capitalista, a que o escriptor francez faz grandes gabos.

    Mas, ento, j hora de perguntar, onde a novidade, recentemente imaginada, de tal sup-posta descoberta, quando Lewis Wilhelm, Sumner Maine, Loria e Tarde, entre outros, falam nella, e H. Spencer formula um dos seus casos com o nome de lei ,da helerochronia social, como se ter de ver dentro em pouco ?

    No tudo ; devemos mostrar agora como e por que se originou a idia da repetio e mais particularmente da recapitulao abreviada na historia.

    II

    A evoluo humana, tomada cm seu conjunto, tem atravessado cyclos diversos ; no padece duvida.

  • 13 Cada um dos ramos em que se pde dividir a

    sciencia social lhe tem assignalado differenles perodos.

    Mvlhologos, crticos de religio, estheticos, lin-gistas,economistas, littera tos,ethnologos,anthro-pologistas, philosophos, todos, a uma, tm sus-tentado, cada qual em sua especialidade, que os vrios grupos humanos ho passado fundamen-talmente pelos mesmos estdios nas diversas formas de seu desenvolvimento.

    D'ahi surgiu a idia de que a evoluo social se repete, no sentido de atravessar ella phases correlatas entre as varias raas e naes, o que s , at certo ponto, verdade numa accepo muito geral e feitas muitas reduces, como se ha de ver no final deste escriplo.

    Os mythologos e crticos de religio foram os primeiros que notaram o parallelismo, a repetio analgica dos mythos e das idias religiosas entre as diversas raas humanas. D'ahi as trs grandes phases do animismo ou naturalismo feilicisla, do polytheismo e do monotheismo, que Turgot, Bur-din e Saint-Simon delles aprenderam e a que juntaram, para a evoluo da sciencia e da philo sophia, as duas phases da metaphysica e do expe-rimentalismo positivo, idias estas repetidas por A. Comte, que, com ellas, formulou a sua celebre lei dos Ires estados, a qual no foi por elle dada, veja-se bem, como verdadeira s para a raa aryana e sim para todos os povos existentes e por existir.

  • 14 E, quando o philosopho ensina que ainda hoje

    todo o homem na infncia um theologo, a comear pelo mais completCfeiticismo, passa na mocidade a.ser um metaphysico e, s mais tarde, que chega a altingir positividade das crena% e idias ; que vem a ser isto seno que elle pro-fessava ser o desenvolvimento ontogenetico, pra falar como Haeckel.umarecapilulao da evoluo da espcie?

    Seguiram-se aos mythologos os lingistas, que, na sua sciencia, sustentaram terem todas as ln-guas passado ou tenderem a passar pelo mono-syllabismo, agglulinao, flexo, e finalmente analytismo.

    Os economistas deram-nos os perodos do indus-trialismo caador, pastor, agricultor, manufactu-reiro e mecnico.

    Sempre foi isto;ensinado como lei repetida por lodosos povos das mais desencontradas raas.

    Os ethnologose anthropologistas, insistindo em varias repeties, tm sido accordes em dar, tam-bm como lei geral, os perodos dapedra lascada, da pedra polida*do bronze e do ferro.

    Os estheticos e litteratos ensinam ler sido o desenvolvimento das artes e das letras sempre an-logo entre os povos, seguindo as 'mesmas phases e dando lugar a repeties peridicas, como a do sculo de Augusto, que foi, pensam, uma repe-tio da evoluo grega ; o Renascimento, que foi uma repetio da phase clssica ; o Romantismo, que foi uma resurreio da intuio mcdievica;o

  • 13 -Naturalismo que tem sido uma volta s idias de Diderot, e, sempre assim, a repetio como principio bsico das artes e lilleraluras.

    Osjuristas no ficaram inaclivos, e, nos seus curiosos trabalhos de jurisprudncia ethnogra-phiea e comparada, sustentam, a p firme, que o direito tem tido por toda a parte, entre os mais distanciados povos, a mesma evoluo, atraves-sando idnticas phases como se uns copiassem dos outros, tanto no direito civil, como no penal e no processual. A propriedade communal, a famlia como unidade social, o talio, a compo-sio monetria, os conjuradores, o ptrio poder, a tutela da mulher, e, antes de tudo isto, a pro-miscuidade tribal, so, segundo elles, outros tantos factos que se reproduziram por toda a parte. Assim, sempre e sempre, cada um dos ramos em que se divide a sciencia sociolgica, partindo todos em commum da idia da identi-dade dos processos humanos por toda a parte, tm sustentado, como conseqncia lgica, a identi-dade dos periodos fundamentaesda evoluoentre todos os povos e raas, e apresentado o thema desse phenomeno repetido dentro da respectiva esphera.

    No foi s isto ; a psychologia, na sua passagem para a. sociologia, pelo rgo de Comte, quando este disse, como j vimos, que todo indivduo reproduz summariamente os vrios estdios da espcie, theologico, metaphysico epositivo, e pela bocca de Lilienfeld. quando este ensinou a mesma

  • - 16 coisa, no que elle chama a embryologia social, a psyehologia, dizemos, no prtico da sociologia, repisou igual doutrina ; cumprindo notar que esses pensadores no se deixaram quedar nos limites dos estudos psychologicos e estenderam suas affirmativas ao terreno social.

    Era preciso, porm, queaphilosophia mostrasse o quadro geral da repetio sociolgica. J not-mos que o citado Comte, sob o seu ponto de vista, estabeleceu como universal a sua lei dos Ires estados. Hartmann, sob o influxo de suas prprias doutrinas, estatuiu tambm uma triada universal e isto : perodo em que se pensa ser poSsivel a felicidade na terra, periodo em que ella differida para outro mundo, periodo em que considerada dependente do progresso cosmologico. Spencer, num sentido muito geral, diz que vamos do regi-men militar para o industrial; Tocqueville sus-tenta que da aristocracia para a democracia.

    Tarde, joven pensador dos mais ajuizados da moderna gerao franceza, foi, neste assumpto, alm de todos, ampliando-os a seu modo, e declarou ser a repetio, no uma simples, lei sociolgica, seno uma lei universal, que tem trs aspectos : physico ou vibratrio, biolgico ou here-ditrio e social ou imitativo.

    E' um evolucionista sui generis, que se distingue dos outros em relegar a hereditariedade para o dominio da biologia, no lhe reconhecendo larga msse na esphera social, onde o processo prprio da repetio , a seu vr, desempenhado princi-

  • - 17 palmenle pela imitao. Chaquc progrs du savoir, escreve elle, lend a nous fortifier dans Ia conviction que toutes les similitudes sont dues des rptitions. II y aurait, je crois, dvelopper cette proposition gnrale dans les trois suivantes:

    1. Toutes les similitudes qui s'observent dans le monde ehimique, phvsique, astronomique (atomes d'unmmccorps. ondes d'unmme rayon lumineux, couches concentriques datlracliou dontchaque globe celeste est le foyer, etc.) ont pour unique explication et cause possible des mouvemenls priodiques et principalement vibra-toires;

    '2." Toutes les similitudes. dorigine vivanle du monde vivant, rsultent de Ia transmission hr-ditaire, de Ia gnration soit intra, soit extra-organique. Cest par Ia parente des cellules, et par Ia parente des espces quon explique aujour-dhui les analogies ouhomologies de toutes sortes releves par 1'anatomie compare entre les espces et par 1'histologie entre les lments corporels;

    3. Toutes les similitud.es, d'origine sociale, qui se remrquent dans le monde social sont le fruit direcl ou indirect de Fimilalion sous toutes ses formes, imitation coutume ou imitation mode, imitation sympathie ou imitation obissance, imitation inslruction ou imitation ducation, imitation nave ou imitation rfl-chie, etc.

    Levado por estas idias, que so no fundo ver-dadeiras, chegou o moo philosopho a esta defi-

  • - l,x

    nio da sociedade : Une collection d'tres ei\' tant qu'ils sont en train de s'imiter entre eux ou en tant que, sans s'imiter actuellement, ils se ressemblent ei que leurs traits communs sont des copies anciennes d'un mme modele.

    Onde os outros evolucionistas, repetimos, falam em hereditariedade, processo biolgico, este fala principalmente em imitao, processo sociolgico,' fundado, certo, no primeiro. Eis a differena.

    Qualquer fora social, qualquer tendncia, ou seja crena ou desejo, atravessa no seu desdobra-mento trs phases universaes: o periodo de inicio e difficuldade em que tem a lutar com as tendn-cias oppostas; poca de victoria e expanso ; finalmente, momento de exhauso diante de novos impulsos e novas tendncias.

    Este autor, como se est a vr, no se limitou a indicar a repetio na sociologia e na historia; estendeu-a ao mundo physico e biolgico. Ah , porm, no fez mais do que insistir em conheci-das idias da physica, da astronomia, da chimica, da geologia, da biologia e da sciencia social. J sabamos serem as mesmas por toda a parte as leis destas scieneias.

    J sabamos que os princpios do movimento, os da affinidade, os da vida e os da cooperao humana so os mesmos em todo o mundo.

    J sabamos, por exemplo que a astronomia, nas suas ousadas induccs. d a mesma e igual evoluo a todos os corpos celestes, que, saidos da primitiva nebulosa, vo passando pelos esta-

  • 19 dos d sol ou globo luminoso e radiante, de terra ou corpo solidificado e habitavel e de lua ou astro exhausto, sem atmosphera, sem vida.

    J sabamos, por outro lado, que a seriao das pocas dacrusta terrestre repetida por todaella, e que a recapilulao ontogonetica dos perodos da evoluo philogenelica,falando como Ilaeckel era verdade corrente em toda a biologia e em toda a parte.

    O autor da-s Leis da imitao,da Lgica social e das Transformaes do direito alargou apenas o circulo das idias, levando resolutamente, como o tm feito outros, para a sciencia social o que se diz das sciencias anteriores, e esse quid a repe-tio. Em tal sentido convm ler as suas obras, nomeadamente na melhor dellas o excellente capi-tulo intitulado La rplition universelle.

    J o povo tinha um presenlimento dessas ver-dades, quando dizia, como diz a cada passo, que a historia se repele, e os philosophos quando affir-maram que as leis do espirito humano so as mesmas em todas as epocrs e por toda a parle.

    .V vista desta exposio, torria-se muilo duvi-dosa a originalidade da lei sociolgica que nos pretendem agora inculcar, quer no seu sentido genrico e at certo ponto admissvel, quer no mais peculiar e inacceitavel.

    Xo tudo, entretanto, ainda: temos coisa melhor. 0 prprio'Tarde, e com elle todos os pretendidos innovadores, no, fez mais, neste ponto, do que ter sido antecipado pelos evolucio

  • - 20 ; nistas em geral e particularmente por II. Spencer, onde tudo aquillo j estava dito e muito bem dito repetidas vezes.

    Sabe-se que a doutrina evolucionista em geral e particularmente na ramificao spenceriana, funda-se em leis que se applicam ao universo inteiro.

    Conhecem-no os que leram os Primeiros Prin-cpios.

    Se oarchi-philosopho,comolhechamavaDarwin, depois daquella obra fundamental, deu um salto para a biologia e passou depois psychologia, sociologia e finalmente moral ; se elle no des-creveu a evoluo inorgnica, se no tratou da astrogenia e da geogenia, porque, como elle mesmo se expressa, o tempo lhe faltava, e a evo-luo orgnica e super-organica lhe despertavam mais interesse. Xo systema, porm, ha perfeito encadeamento de todas as leis, e a sociologia, por exemplo, firmada na biologia onde a famosa lei da reproduco ontogenetica tem o seu domnio prprio. Dest'arte;- na Inlroduco sciencia social, depois de tomar apoio na physica e na chimica para provar que o caracter de todo aggregado determinado pelos caracteres das unidades que o compem, passa biologia e lembra Ia vrit gnrale,. que les unils qui composent tous les germes des plantes ou des animaux, ont une tendence reproduire le type de Fagrgat primordial .

    Spencer faz, em seguida, a applicao desse

  • 21

    principio ao estudo das sociedades inferiores e superiores a no deixar nada a desejar. E no s isto; nos Princpios de Sociologia volta rigoro-samente ao assumpto, indica as leis das recapi-tulaes e repeties abreviadas na biologia e faz, note-se bem, dellas applicao sciencia social.

    Transformista como , no se esquece at de citar a lei ontogenica da heterochronia de Haeckel!...

    E, coisa curiosa, o nico ponto de suas obras em que nos lembramos de ter encontrado o nome do grande naturalista allemo. Ora, essa lei, como a formulou o sbio transformista de Jena, sabem no todos, um dos casos da ontogenese, a repe-tio antecipada de rgos no animal. Mas oua-mos o philosopho britannico. Depois de estabelecer que os rgos dos animaes e das sociedades tm arranjos internos dispostos segundo o mesmo principio; que a formao dos rgos sociaes segue curso anlogo formao dos rgos num corpo vivo; que no indivduo e na sociedade taes analogias chegam ao ponto de se dar em ambos o mesmo contraste notado entre o modo original e primitivo do desenvolvimento orgnico e social e um modo que se lhe substue mais recentemente, escreve elle : De mme que, dans Fembryon d'un animal suprieur, on vOt des parties importantes de divers organes apparaitre hors de 1'ordre pri-mitif, par anticipatiori pour ainsi dire, de mme, pour le corps en general, il arrive que les organes entiers qui, dans Ia srie de phnomnes de Ia

  • 22

    gense primitive du type, ont apparu relativement tard, viennent relativement tt dans 1'volulion de 1'individu. Celipal te anticion, que le professeur Haickel a appelle hlrochronie, se manifeste par 1'apparition rapide du cerveau dans Fembryon du mammifre, quoique dans le vertbr infrieur il n'y ait jamais de cerveau ; on Ia voit encore dans Ia segmentation de Ia colonne vertbrale avanl Ia formation du canal alimentaire, quoique dans le proto-vertbr, alors mme qu'il possde un appa-reil alimentaire complet, il n'y ait que de 1'aibles traces de Ia segmentation, qui peut tre Forigine d'un axe vertebral.

    Le changement analogue d'ordre dans fvolu-tion sociale se rvle nous par Ia formation de socits nouvelles qui hritent des habitudes con-firmes qui existaient dans les socits anciennes. Par exemple, aux tats-Unis, dans le Far-West, une ville dont les rues et le plan ne sont qiFbau-chs a dj des htels, une glise, un bureau de poste, alors quil y a peine un petit nombre de maisons bties; une ligne de chemin de fer par-court les solitudes des prairies en attendanl Ia colonisation.

    Spencer ensina, portanto, ad instar do qu se passa no mundo biolgico, por elle invocado, no s que os organismos sociaes novos recapilulam e reproduzem as mesmas phases e metamorphoses dos organismos sociaes que os geraram, como ainda que naquelles organismos novos se verifica a lei parallela da repetio accelerada e anteci-

  • pada, a que ILeckel deu o nome de heterochronia. Qual o valor, porm, dessas leis'? Xo passam

    de generalisaes que s tm certa dose de ver-dade no caso especial e nico da comparao de povos coloniaes em face daquelles que os geraram. Mas so syntheses que, na amplitude que lhes prestam alguns exagerados, so puramente falsas por mais de uma face.

    Assim, pois, temos provado que a chamada lei da recapitulao abreviada da historia no nenhuma novidade, seno velha noo ensinada por muita gente, cracteristicamente por todos os evolucionistas, maxim os de typo darwiniano, at com excesso, quer pelos monogenistas, como Letourneau ; quer pelos polygenistas, como Tarde ; quer pelos que no se occupam com a unidade ou pluralidade do ponto de partida do homem, como Spencer; quer, finalmente, por simples analistas, como S. Maine, L. Whilhem e outros.

    E o que havemos at este ponto escripto, no que diz respeito preteno de inculcar como nova essa doutrina, que Lilienfeld dizia haver encorporado ao que elle mesmo chamou embryo-logia social, parece-nos mais que sufficiente para provar ante os espritos sensatos que tal pre-teno desarrazoada, porque o supposto achado j tem cabellos brancos, quer no sentido gen-rico, quer no peculiar de uma imitao da ontoge-nese e phylogenese dos bilogos.

    Insistiremos, porm, para de uma vez dissipar as duvidas de quem quer que ainda tenha a lem-

  • - 24

    branca de suppor-se autor dessa velha noo. Temos, neste intuito, ainda a indicar nada menos de trs socilogos que falam nitidamente nessa doutrina. Abramos o livro de Guilherme de Greef, lente da Universidade Livre de Bruxellas, intitu-do Sociologie gnrale lmentaire, pag. 88 e leiamos : Dans Ia formation des socits nou-velles, Vontogenese reproduit Ia phylognse; cetle rcapitulation est naturellemenl abrge. Elle est galement modifie par des phnomnes dlilro-chronie, d'aprs lesquels certaines institutions suprieures sont constitues avant Ia formation mme des lments et des fonctions qu'elles sont destines coordonner.

    Haver nada mais claro neste mundo? No estar ahi a lei da ontogenese social ou recapitu-lao abreviada dos factos sociaes, ao lado da lei parallela da helerochronia dos ditos Tactos?

    Nada mais positivo e terminante. Em seu curioso livro Le Transformisme social,

    de Greef insiste no assumpto, em cerca de trinta ou quarenta passagens diversas.

    Abramol-o e, verbi-gratia, pag. 419 e veja-mos : Au point de vue sociologique, il y a aussi lieu de tenir compte de Ia loi biologique que l'on-tognse reproduit Ia phylognse; celte loi est Ia confirmation de 1'volution ou du transformisme aussi biologique que social.

    Passa o autor, no intuito de explicar a famosa lei, a referir-se s leis anteriores da hereditarie-dade e da variabihdade, e chega a estes dizeres :

  • Toutes ces considrations. toutes ces lois gn-rales erspciales sont, sous reserve de cerlaines circonstances plus complexes et plus spciales, applicables Ia sociologie. II faut y ajouter Ia loi d'htrochronie, signale dj par Spencer, etc. Passagens destas avultam no correr de todo o livro, tendo o autor peculiar cuidado em distin-guir sempre o que elle constantemente chama Ia rcapitidation abrge, expresso at certo ponto pleonastica, da loi d'htrochronie, que lhe paral-lela, porm differenle, por constituir um caso mais especial da ontogenese.

    Os dois livros citados do professor belga so de 1894 e 95: nias tem o cuidado de lembrar que Ia loi de rcapitulation abrge, elle a tomou de em-prstimo a Sctueffle, cuja obra fundamental de sociologia de 188. e a Bordier,' cujo livro de 1887, ambos, portanto, bem anteriores s interes-santes reivindicaes recentissimas.

    Pelo que diz respeito a Schaeffle, cuja obra no temos presente, mas conhecemos por muitas e variadas criticas que lhe tm sido feitas, sabemos que foi talvez quem primeiro applicou rigorosa-mente as doutrinas darwinianas sociologia e no podia esquecer um dos pontos capites do systema : a repetio abreviada.

    E effectivamente, no ponto que debatemos, de Greef, nas paginas que lhe consagra, affirma que tambm elle ensina que : Les colonies reprodui-sent avec une marche plus acclre, avec plus dintensit, sur une tendue plus considrable. les

  • 2fi stades parcourus par les civilisations de haute culture; cest Ia reproduction de Ia phylogns& par l'ontogenese. *

    Tudo isto irrecusvel; e nem se pode com-prehender que um transformista, applicando o systema sciencia social, caisse no inexplicvel equivoco de abandonar neste terreno um dos pon-tos mais srios de suas prprias doutrinas, disse-mos ns, e de facto tal esquecimento no se deu.

    Desde I8f>8 Schoeffle conhecia a recente cha-mada 7e/ fundamental da sociogenid e da historia: a reproduco abreviada dos factos avitos nas sociedades oriundas de outras mais velhas.

    Bordier, que igualmente um transformista s direitas, no desconheceu a pretendida lei.

    Referindo-se a elle, escreveu de Greef: D'aprs lui aussi, dans les socits 1'onlognse reproduit Ia phylognese.

    Effectivamente, temos diante de ns a obra do illustre mestre francez La vie des socits, e delia se torna extraordinariamente claro que tam-bm elle j tinha ha muitos annos adivinhado a estranha novidade que havia de nos vir encher recentemente de pasmo. O irreverente francez teve a semceremonia de nos falar em ontogenese no s na biologia e psycholo/jia, como ainda na sociologia.

    Depois de expor a doutrina naquelles dois pri-meiros domnios, escreve elle : Les socits vo-luent de mme, et Vontognie ou le dveloppement individuel de chacune d elles n'est aulre que Ia

  • rduction de Ia phylognie des socits, c'esl--dire des phases successives par lesquelles ont passe toutes les socits dans Ia srie des temps. . (Pag. 321.)

    Ser preciso insistir? Se a formula de Bordier, como a de Schseffle, como a de de Greef, como a de Spencer, como a de tantos e tantos outros, entre os quaes no se devem esquecer Le Bon, nem Letourneau, nem Lilienfeld, no a decantada lei que se levanta agora como obra original, ento j vemos que as idias perderam o valor e as pala-vras o sentido.

    A reincarnada lei j no tem nada de criana ; velho pensamento tornado errneo pclaestenso que lhe querem dar, s acceitavel em restrictissi-mas propores. No occorreria facilmente aos entendidos que ella resussi lasse agora como in-veno novssima, jamais presentida ou sequer sonhada.

    III

    Resta-nos agora mostrar que a supposta lei, especialmente como a pretenderam formular entre ns, no verdadeira.

    Escreveu-se ; Quando um povo civilisad pe-se em contado e fuso com um inferior, q historia volta ao seu ponlo de partida e passa a recapilu-lar summariamente as phases transadas da histo^ ria da humanidade.

    Xegamos; inexacto. Onde foi que j se deu essa maravilla"? Interroguemos a historia das colo-

  • 28 nisaes conhecidas, a datar da prpria antigi-dade. Carthago, toda gente o sabe, foi uma col-nia de Tyro. Em que foi a historia desta repetida pela outra ?

    A Phencia foi terra de gentes pacificas, com-merciaes, hospitaleiras; Carthago uma republica turbulenta, despotica, sedenta de presas, dada a tumultos e a lutas, organizadora de exrcitos mer-cenrios para a guerra e para a pilhagem.

    Onde a repetio? Marselha foi uma colnia de Gregos, fez um papel desgraado na velha histo-ria da Gallia, alliando se a Roma de preferencia, Roma, a inimiga da mi-patria e a conquistadora de seus irmos gaulezes. Em que repetiu ella a historia hellenica, a da Attica ou a de Lacedemo-nia? Recebeu, como Carthago recebera dos Phe-nicios, por certo, algumas das industrias e crea-es do gnio de seus antepassados, e nada mais. Repetir-lhes a historia isso no, isso nunca.

    Roma conquistou a Grcia; que historia ahi se reproduziu, a dos Eupatridas, ou a dos Quirites? Nenhuma.

    A cidade do Tibre imitou as bellezas das artes de sua nova provncia e mais nada. A historia, numa e noutra terra, continuou o seu curso; uniu proseguiu na decadncia, que j vinha de trs, e a outra continuou para diante na sua senda de conquistas.

    Apoderou-se do norte d'Africa. do Egypto, da Hespanha, da Gallia, da Britannia, da Asia-menor. Qual destes paizes lhe reproduziu a historia?

  • 29 Teria o Egypto voltado atrs, a rccapitular a.

    poca das primeiras dynastias? Teria voltado ao tempo dos reis pastores, pelo menos? E, se era a historia de Roma a que elle linha de recapitular, voltou esta ao tempo dos reis, ou ao tempo do direito das doze taboas? Nem uma coisa, nem outra.

    Dir-se-, porm, ahi no houve volta e recapilu-lao, porque os dois povos eram ambos cultos. o que nos ensina a decantada lei: mas que lei ento esta, que falha nos casos principaes e mais caractersticos?

    E na Gallia, na Ibria, na Britannia, habitadas por naes barbarizadas, realizou-se ella? Tambm no.

    Ali nenhuma historia entrou em via de retro-cesso e de recapitulao; nem a de Roma envere-dou por esse caminho, nem a daquelles povos to pouco.

    No s isto; sculos mais tarde deu-se a inva-so dos brbaros, que alastraram o imprio ro-mano, puzeram-se em contado e em fuso com -uas populaes. Que se viu ento?

    Voltou atrs a historia de Roma? Foi recapitulada a historia da Germania ? Xada disto. Produziu-se um phenomeno novo,

    o feudalismo, que, por imitao, de seus focos nativos a Lombardia e o centro da Gallia diffundiu-se pelo resto da Europa.

    Era elle romano? Xo. Era puramente germ-nico? Tambm no. Foi uma produco sui gene-

    2.

  • 30. - , ris, oriunda do conflicto das duas intuies.

    "Onde est aqui a repetio da historia? No na vemos : a evoluo complicou-se apenas

    e proseguiu no seu curso; eis tudo. Mas isto no basta.

    Veiu o tempo o*os grandes descobrimentos e iniciou-se a colonisao moderna. Portuguezes, Hespanhes, Inglezes, Hollandczes, Francezes encheram de feitorias e colnias a America, a frica, a sia,. a-Oceania; desses primeiros n-cleos passaram a senhqrear grandes territrios e constituram nalguns delies naes novas. Todas ellas aceitaram a lingua, as artes, as leis da mi-patria, seus costumes, suas tradies, como era natural. Qual dellas fez a historia da humanidade voltar atrs para a recapitular? Qual das colnias inglezas, todas to differentes entre si, reproduziu a Inglaterra em sua historia? Seria o Canad? Mas este tinha de se vr embaraado na famosa recapitulao, porque havia de ficar tolhido entre a reproduco da historia de Frana e a da Ingla-terra.

    Teria sido a colnia do Cabo, que ainda hoje est relativamente atrazada em comparao s suasirmans? Seria a Austrlia, com suas minas de ouro, que no existem na Gran-Bretanha, e com sua evoluo especial, que veiu a desandar num terrvel socialismo? Seriam os Estados Unidos, que tm a republica, que no ha na In-glaterra, a qual, em compensao, possue o par-lamentarismo, que ali no existe? Seria a ndia?

  • - 31 Esta, porm, no consta que tenha voltado ao periodo vedico, ou sequer poca das grandes epopas eyclicas, ou ao tempo do buddhismo, ou, ao menos, fase do Gro-Mogol.

    Taes confrontos podem ser feitos .entre a Hes-pana e as suas colnias, Portugal e as delle, a Frana e as suas prprias; e o mesmo se pde praticar para com a Hollanda. A mesma* coisa seria fcil fazer em relao Allmanha c Itlia modernas e s suas novssimas conquistas d'Africa. Em parte alguma nem se reproduziu a historia particular de qualquer desses povos, nem a historia em geral da humanidade. No consta em parte nenhuma que os europos conquista-dores tenham voltado ao periodo' da pedra ascada ou polida. Trouxeram as suas industrias, acei-taram, em pontos vrios, alguns artefactos e utenslios das industrias locaes, fundaram casa, edificaram cidades, produziram naes, argamas-saram povos : porm no passaram a recapitular uma evoluo j feita, da mesma frma que os cavallos e bois e todos os animaes domsticos, que trouxeram comsigo, no voltaram atrs na escala zoolgica e no entraram a reproduzir as phases do transformismo phyletico. O caso o mesmo.

    Os precipitados aplicadores da lei biolgica da ontogenese,que recapitula a phylogenese, socio-logia deveriam bem pensar nisto, que lhes escapa de todo. Elles nos falam de uma recapilulao abreviada da historia da humanidade...

  • 32 Qual , porm, no desenvolvimento geral das

    variadas raas humanas a que serve de modelo para a operao? Qual nessa esfera o lypo que possa servir de paradigma ? Qual a frma clssica que se deva reproduzir ?

    Encarar assim o problema, reduzil-o a seus termos mais prprios e procurar-lhe a soluo. Esta de todo contraria doutrina dos fanta-sistas.

    Dividam e subdividam elles, como quizerem, as raas humanas, quer as primitivas e pr-histo-ricas, quer as mais recentes e histricas, quer as modernas e actuaes. Se acreditam na universa-lidade de sua lei, esta deve-se ter applicado a todos os grupos humanos que existiram, como deve estar sendo applicada actualmente, como se ha de applicar no futuro.

    A historia, atendendo-se aos constantes con-tados dos povos entre si, desde dezenas de millenios, deve ter sido sempre e sempre uma serie extraordinria de repeties e recapitu-laes e dever sel-o cada vez a mais no porvir, visto que os contados e fuses vo sempre augmentando, medida que as invenes se espalham, a navegao progride, o commer-cio cresce e os povos tendem a se aproxi-mar.

    Ser, porm, isto que se nota? Xo cremos. Nas hordas primitivas da pr-historia quaes foram as que'se fundiram ou no ? Qual foi ahi a raa lypica, cuja historia teve de ser recapitulada ?

  • 33 Que sabem disso os sonhadores e como demons-tram neste ponto a sua lei ?

    Nos grandes povos militares e conquistadores dos comeos da phase histrica, quaes os que se mesclaram e quaes no ?

    Qual o que serviu de modelo e se viu reproduzir ? Foi o Egypto, que reproduziu a Assyria e Baby-lonia, ou estas a aquelle? Ou foi a Prsia, ou a ndia, ou a China? Todos estes povos sujeitaram gentes mais atrazadas. Qual delles retrocedeu e teve de recapitular a historia ? Perguntas que no tm, que no podem ter uma resposta; casos estes todos em, que a supposta lei nada tem que vr!...

    Xas hordas selvagens actuaes, que, segundo Lubbock, so o retrato dos homens primitivos, qual a que servir de typo s outras? Quaes as que se tm misturado e quaes no ? Que vale entre ellas a lei fundamental da sociogenia com que nos querem agora maravilhar? Xada.

    J tambm viram os leitores que no se pde ella applicar s modernas naes civilisadas. Os biologistas exagerados da sociologia deixam-se levar por falsas apparencias.

    S porque est provado que todo animal su-perior recapitula no embryo as phases avitas primitivas, elles precipitadamente concluem que o mesmo se deve dar na sociedade, sem reparar nas differenas capites entre os dois domnios.

    E assim que no reparam que o facto biolgico, que se d com o prprio homem, como animal, se

  • 34

    verifica quer haja quer no liaja cruzamento de espcies. D-se ou no cruzamento (onde elle possvel) entre duas variedades animaes ; d-se ou no cruzamento entre raas distantes da humanidade, o producto animal e o humano, no tmbryo, testemunham setnpie a lei da rcapi-tulao ontogenetica. Isto na biologia.

    Na sociologia, porm, sem recorrer fuso entre povos diversos de raa e distanciados de cultura, os nossos adversrios no podem nem sequer apontar vagos, longiquos vislumbres de sua lei... E a primeira antinomia grave que ella tem com a lei biolgica. Esta absoluta, e tanto melhor se verifica, quanto mais elevado o animal a que se refere, e mais extreme na sua linhagem ; faz maravilhas exactamente fora da hybridao. A inventada lei sociolgica s pdc longinquamente illudir, quando opera em productos cruzados, em casos de mesliamenlos; seu dominio, se ella fosse verdadeira, seria o da hybridao... Os seus autores no a do, no a podem dar, como applicavel ao desenvolvimento de um mesmo povo.

    No poderiam, sem absurdo flagrante, dizer que a historia da Inglaterra ou da Frana, ou da Allemanha, ou da Itlia recua de quando em vez, para recapitular-se abreviadamente..

    Entretanto, a lei biolgica nostra que todo homem daquelles paizes no sai fora de seu do-mnio fatal, isto , qualquer homem daquellas terras confirma os princpios da embryologia...

  • Esta primeira antinomia entre as duas, isto , entre a lei biolgica verdadeira, e a lei sociolgica falsa, j de si capital e instructiva. Depois, o transformismo, que o creador da lei em biologia, parte da idia defiiyda da unidade de origem de todas as frmas vivas, cuja evoluo conseguiu regularmente determinar ; de modo que ali sabe-se bem qual o ponto de partida, quaes os estdios intermdios, qual o ponto de chegada. Na historia humana no absolutamente assim-.

    No sabemos qual foi a raa primeva ; no conhecemos as phases de seu desenvolvimento ; no podemos ainda, apezar de todos os esforos, decidir se realmente foi um s o ponto de apa-rio do homem no planeta, ou mais de um; se houve uma s raa primordial, ou se houve di-versas ; nm possvel determinar a historia evolucionaldellas, se realmente ellas foram varias. Xesta incerteza, neste cahos, verdadeiramente uma phantasia virem falar-nos numa lei da repe-tio de um typo, que no se conhece e ningum sabe o que foi. uma segunda antinomia entre a lei biolgica de Fritz Mller e Haeckel e a socio-lgica de Lilienfeld, Schaeffle, Bordiere de Greef, e no deixa tambm de ser bem considervel e instructiva.

    Existe ainda outra disparidade capital a apontar entre os dous domnios.

    Sabe-se no ser somente o homem que se rene e vive em sociedade. Ha muitos outros animaes sociaveis, e, para conhecel-os com sufficiente indi-

  • 36 viduao, bastante lr a obra excellente de Espinas Les socits animales.

    Pois bem : a historia de qualquer indivduo daquelles que formam as alludidas sociedades. biologicamente considerada, coisa conhecida, estudada, determinada. i

    J o mesmo no acontece nem com a biographia individual de cada um dos ditos animaes, social-mente considerada, nem com a historia de cada um dos grupos que elles constituem, sociologica-mente considerada.

    E por que, mesmo tratando-se de animaes, uma coisa a sua biologia, outra a sua sociologia, se assim lictio falar? que um dos domnios mais definido, mais circumscriplo e mais capaz de ser pesquizado experimentalmente, e o outro muito mais complexo, mais suceptivel da interferncia de outros factores, que devem ter sua explicao ; mas essa j no a explicao biolgica, nem de coisa que vise apenas a parodiar os processos da biologia. Sc a lei, que temos estado a analysar, fosse real, mais do que nas sociedades humanas deveria ella verificr-se nas sociedades animaes. A historia destas deveria ser sempre a mesma serie de repeties abreviadas ; os chefes deveriam ler os mesmos destinos, o popu-lacho a mesma sorte.

    Xo sabemos se algum ousar affirmal-o diante da contradico dos fados, que dizem exacla-mente o contrario. uma terceira anlithese. que no deve ser desprezada, porque de valor.

  • 37 E, para voltar historia das sociedades huma-

    nas, se ha nellas recapitulafoes, porque so to differentes os destinos dos povos ?

    Por que motivo a historia dos Celtas to di-versa da dos Gregos, Romanos e Germanos ?

    Estes fundaram grandes imprios, ou republi-cas, crearam e desenvolveram notveis civili-saes. e aquelles, que andaram em contado e fuso com os outros, nada produziram de est-vel.

    Depois de destruir a eivilisao etrusca, de ameaar a prpria Roma de completa ruina, de devastar a Grcia e a sia anterior, nada cons-truiram de perduravel, vindo mais tarde a cair sob o domnio estranho. E so povos da mesma raa,so todos aryanos.

    Por que to diverso o destino dos Phenicios, dos Judos, e dos rabes, todos de raa semitica ? Os primeiros desapareceram sem deixar vestgios nem da lingua, os secundos existem disseminados por toda a terra, mas sem ptria, sem Estado seu ; os ltimos vivem ainda com lingua, insti-tuies e ptria, mas decados de seu fulgor medievico. ,

    Por que perdura a velha eivilisao da China e no existe mais a da Etruria, a do Egypto e a de Babylonia ?

    Por que desaparecem a olhos vistos os Polyne-sios, os indios da America e o mesmo no se d com os negros d'Africa?

    No estiveram estes em contado com altas

  • 38 civilisaes antigas e no o esto hoje com as grandes civilisaes novas ?

    Onde anda a famosa lei da ontogenese sociol-gica ? Que faz ella, que no vem uniformizar estas e outras contradices da historia, com que seria possvel encher um volume inteiro?

    O caso particular dos judos em extremo instructivo.

    Se fosse exacta a engraada lei, teramos a terra hoje cheia de repeties abreviadas da historia de Israel.

    Aqui o tempo dos patriarchas, ali a poca dos juizes; aqui Moyss e Josu, ali David e Salo-mo ; acol os prophetas com seus lyricos protes-tos tribunicios, mais alm os Machabeus, com sua grandiosa valentia... Que belleza! Que fulgor! Entretanto, como diversa a realidade ! Os^sabi-dos judos so hoje o mais cosmopolita dos povos. Do seu dinheiro a bons juros, e ainda no viram se a sua historia entrou em repetio recapitula-loria nalguma parte.

    Ainda mais interessante seria termos visto, em miniatura que fosse, reaparecer o sculo de Peri-cles, quando Gregos e Turcos se puzeram cm contado.

    E, todavia, nada, absolutamente nada !... A plstica no quiz reaparecer, nem a orchestrica nos deliciar com a belleza de corpos divinos. As encantadoras sophystrias no se quizeram repro-duzir, como se reproduzem o inverno e o vero, sol e a chuva.

  • 39 E seria um bello ensejo da eivilisao se reea-

    pitular... Ainda mais : no tem sido somente entre ns que se tenha laborado em laes illuses.

    0 notabilissimo professor de Bruxellas, que temos tantas vezes citado, e

  • - 40

    apenas os Ires casos seguintes, plenamente demonstrados pela historia, e bem diversos da loi de rcapitulalion abrge :

    1. A colnia repete, reproduz phenomenos que existem na mi-palria e os repete e reproduz, por os haver adoptado, como elles so exactamente na metrpole no momento do inicio da colonisa-o. E' assim que a Inglaterra, protestante, funda colnias tambm protesta ntes, nos Estados Unidos, na Austrlia, no Cabo da Boa Esperana, etc.; que a Hespanha e Portugal, calholicos, fundam colnias tambm catholica , no Mxico, Chile, Peru, Brasil, etc.

    Nenhuma destas novas formaes leve de voltar atrs, naespherareligiosa, aos perodos anteriores da evoluo.

    A Phenicia funda Carthago, Corintho funda Siracusa, republicas, como as ptrias originrias, sem que houvessem de voltar as novas colnias ao periodo anterior da realeza.

    O que se diz dos factos religiosos e polticos, d-se tambm com os phenomenos econmicos, lingsticos, artsticos, literrios, etc. Esta lei pode ser assim formulada: Toda a colonut reproduz a estructura poltica, econmica, reli-giosa, etc, da mi-palria, ao tempo em que se operou a colonisao.

    E' uma induco geralmente observada, e para a qual propomos o nome de lei de homochronia.

    2." Pde-se dar, porm, que os phenomenos reproduzidos, phenomenos existentes na mi-

  • 41

    ptria, sejam-no em ordem precipitada, sem guardar a successo normal, que se havia dado na metrpole.

    E' assim que certas aldeias tiveram, nos Esta-dos Unidos principalmente, jornaes, hotis, tele-phones, antes que possussem ruas regularmente abertas, etc.

    E' a generalisao a que Spencer, applicando a expresso inventada na biologia por Haeckel. chama lei de heterochronia.

    3. A colnia pde se antecipar e produzir phe-nomenos sociolgicos que ainda se no tm dado na mi-patria. E' o caso do Brasil, que faz a Republica que no existe em Portugal; separa a Igreja do Estado, coisa que tambm no existe em Portugal. O mesmo fazemos Estados Unidos, a Austrlia, e as Republicas hispano-americanas.

    Esta lei, como a primeira, no tinha um nome e propomos para ella o de lei deproterochronia.

    Ora, pois: taes so os factos at hoje observa-dos: homocronia, heterochronia, e proterochronia. So os trs casos nicos que a analyse descobre na vida das colnias em comparao das mis-patrias. No ha, no pode haver outros. E nenhum

    -delles a singularissima lei da recapitulao abre-viada, da ontogenese que reproduz summaria-mente a phylogenese, que Schaeffle, Bordier e de Greef dizem-se dar tarnbem na sociologia.

    E para mostrar que o no so, bastante ana-lysal-os em seu sentido.

    A lei de homochronia que nos ensina ?

  • Que as colnias, para o fim de acompanharem a vida poltica e'social das metrpoles, no voltam, no precisam voltar ao ponto de partida destas, como se tivessem de recomear a historia, e, bem ao contrario, adoptam de chofre as formas do tempo em que nascem.

    Ahi no ha volta ao passado : no existe, pois, recapitulao abreviada-.

    No tudo. A lei de heterochronia que nos est a ensinar?

    Que as colnias, no afan de acompanharem as mis-palrias, adoptart o que de bom l existe e o fazem s vezes tumultuariamente, importando coisas novssimas de parceria com as mais velhas, e, em certos casos, sem esperar que essas mais velhas se desenvolvam. E' claro que ahi no ha tambm nenhuma volta ao passado, e, portanto, no se d, no se pode dar a tal recapitulao abreviada.

    Que nos est a mostrar a lei de proterochronia! Que as colnias so at capazes de conseguir

    coisas que as mis-patrias nunca tiveram, por mais que as tenham muitas vezes aspirado, e s muito mais tarde viro a possuir. Longe de ser isto uma volta ao passado, para o repetir summa-riamente, justamente o contrario, um avano para o futuro, uma antecipao. No ha repetio abreviada ; ahi no se poder jamais encaixar a pilhria de Ia loi de rcapitulation abrge.

    Guilherme de Greef, neste ponto, vacillante, confuso e at errneo, dizemol-o com o respeito

  • 43 que nos merece esse vigoroso espirito que tem feito a sociologia avanar alguns passos.

    Elle, como fino analysta, reconhece os factos que deram lugar s trs leis de heterochronia, homochronia e prolerochronia, posto que no d os nomes a estas duas, no as distinga claramente e at confunda a ultima com a insustentvel loi de rcapitulation abrge.

    Vamos citar um trecho em que resume todos aquelles factos e commette infelizmente o erro que assignalamos : Nous avons signal des ph-nomnes htrochronie o les organes sociaux suprieurs semblent se former avant les plus simples. M. H. Spencer a donn comme exemple lacration danscertains territoires des tats-Unis, de banques, d'glises, d'offices postaux et tl-graphiques avant mme qifune agglomration humaine n'ait forme une cite. Ce sont l des faits plus extraordinaires en apparence qu'en ralit ; en dfinitive, ces institutions ne fonctionnent pas tant que Ia population ne leur a pa6 donn ce qui est indispensable leur vilalit. Voici des cas plus intressants: Sparte, Athnes, Rome, nous voyons les mmes rvolutions politiques, et sociales: patriarcat. monarchie, aristocratie, dmocratie, s'oprer, simultanment en Grce et en Italie, avec les mmes pripties ; Ia suite de ces rvolutions, des exodes se font, des colonies se fondent; jamais ces colonies ne rtrogradenl jusqu' Ia forme primitive; bien au contraire, elles adoptent d'emble hi forme Ia plus avance

  • 44

    de Ia mre-patrie. Ainsi Syracuse, colonie de Corinthe, ne connut pas Ia royaut ; il en fut de mme Milet et Samos, qui furent rgis par une aristocratie terrienne. (E' o que ns denomi-namos lei de homochronia.) Les emigres anglais et irlandais firent plus,ils ralisrent assez rapide-ment aux tats-Unis cette republique qu'ils navaient pu tablir chez eux, tout en passant rapidement par certaines formes intermdiaires, prparatoires. (E' o que ns appellidamos lei de prolerochronia.)

    Ceei semble une application de Ia loi nalurelle de rcapitulation abrge de Ia phylognse par 1'ontgnse. (Le Transformisme Social, page 458.)

    Tudo perfeitamente bem dito, menos que a lei que chamamos de prolerochronia se parea ou se possa confundir com a de recapitulao abreviada da phylogenese pela ontogenese, So leis perfei-tamente distinetas, sendo esta ultima somente ex-acta em biologia e infundada em sociologia. Gomo, por exemplo, affirmar que uma frma poli-ticaquenunca existiu em Portugal, e que ns aqui possumos, como a Republica e dez outras, seja uma recapitulao abreviada de coisa que l se lenha dado ? No se pde comprehender. E s vemos uma concluso a tirar : que a engenhosa lei de todas as da biologia exactamente a que menos se p>de applicar sociologia.

    Nem o patrocnio de Schaeffle, Lilienfeld, Boi-dier e de Greef a poder salvar.

  • As colnias so organismos muito mais compli-cados do que um simples embryo animal e no podem entre si laes phenomenos seguir os degraus de uma evoluo radicalmente idntica.

    Nesse, caso a sociologia seria intil ; a simples biologia daria conta de todos os factos.

    IV

    Tiremos, agora, as concluses de tudo que foi dito no presente escripto.

    A affirmativa, feita nos derradeiros tempos no Brasil, de ter sido neste paiz que pela vez primeira algum se lembrara de applicar sociologia a lei da phylogenese que se faz repetir abreviadamente pela ontogenese. no tem fundamento ; porque tal applicao no nova nem acertada na sciencia social.

    O que existe, o que se acha demonstrado o seguinte :

    1. Comparadas entre si raas de todo estranhas, mostram certo parallelismo analgico nas varias phases de seu desenvolvimento no direito, na mythologia, na religio, nos phenomenos pol-ticos, na moral, etc.

    coisa explicvel, nuns casos, pela identidade da natureza humana, fundamentalmente a mesma por toda a parte ; noutros casos, pela similitude dos meios geographicos em varias regies, capazes de excitar a produco das mesmas idias e ten-

    3.

  • 46 dencias ; noutros casos, finalmente, por imitao e adopo de concepes alheias ; pois certo (jue desde os mais remotos tempos os povos se relacionaram mais ou menos, conforme as pra-ticas e facilidades commerciaes;

    2." Povos de uma mesma raa, comparados entre si, mostram certa homologia no seu desenvolvi" mento, explicvel no s pelos motivos dados acima, como ainda mais pelo parentescocommum> que lhes constitue uma base idntica de indole ethnica ;

    3." Um povo, comparado com uma ou mais colnias que tenha lundado, mostra nestas a adopo de suas idias capites por homochronia, heterochronia, prolerochronia, leis que se no devem confundir com a illusoria recapitulao abreviada da historia ; sendo que aquellas trs leis verdadeiras se explicam por todos os motivos ale-gados nos dois casos anteriores, e ainda mais pela identidade orgnica entre as colnias e a mi" ptria ;

    4. Um povo, comparado comsigo mesmo, nos vrios momentos de sua prpria evoluo, pde aqui e ali passar por algumas similitudes, mais ou menos profundas; mas no se repete, desdo-bra-se. Eis tudo.

    1899.

  • I I

    A CLASSIFICAO DOS PHENOMENOS EM SOCIOLOGIA

  • I I

    CLASSIFICAO

    DOS PHENOMENOS EM SOCIOLOGIA. OU THtORIA DAS CREAES

    FUNDAMENTAES DA HUMANIDADE

    1

    Em nossos estudos e leituras de sociologia tnhamos notado a ausncia de qualquer tentativa de uma classificao completa dos phenomenos que so o objecto daquella sciencia. Procuramos, desde 1880, preencher similhante lacuna e, sob o titulo de Creaes fundamentaes e irreductiveis da humanidade, publicamos annos mais tarde no Jornal do Commercio, um artigo que, mutatis mulandis, reproduzimos em nosso livro Doutrina contra Doutrina, e, pouco depois, noutro que corre sob a denominao de Ensaios de Philosophia do Direito.

    Eis como se acha neste ultimo exposto o problema :

    E talvez o ponto central nestes assumptos, o onto culminante de nosso modo de ver na ma-

  • 50 teria. de vantagem extraordinria a sua eluci-dao, delineando e percorrendo lodo o campo das creaes que deixamos na epigraphe enun-ciadas. trabalho ainda no feito de conjuncto e com seriedade. Assim, ainda existe quem con-funda um dos termos com outro. Ainda agora vemos, por exemplo, os positivistas juntarem num s conceito o desenvolvimento da sciencia e o da religio, subordinando tudo aos dogmas desta ultima. Ainda hoje os materialistas de velho estylo acreditam que a sciencia est destinada a substi-tuir a religio. Ainda em nosso tempo muita gente suppe que a arte vai morrer, deixando o lugar sciencia ou industria. Estas e outras coisas anlogas correm por ahi afoitamente. Mas a idia capital aqui no s a determinao das creaes fundamentes do homem : principalmente mos-trar que entre si so irreductiveis.

    Immensa a vantagem desta analyse para a compreenso nitida dos phenomenos cultu-raes.

    Quem lanar um olhar perscrutador sobre o complexo das produces humanas que constituem a eivilisao, quem inquerir do modo pelo qual philosophos e historiadores tm procurado ex-plicar a formao e desenvolvimento das alludidas creaes, ter de vr que o esforo dos pensadores nesta esphera do saber tem se limitado em geral a indicar os factores da cultura e a sua marcha evolutiva. E nesta mesma ordem de indagaes, assim limitada e circumscripla, no possivcl

  • 51 dizer que tudo haja sido explicado c posto fora de duvida.

    Quaes sejam os factores, todos os factores influentes na marcha da eivilisao, e quaes te-nham sido as leis que hajam presidido a esse des-dobramento, so ainda hoje, em mais de um ponto, problemas abertos para espiritos reflexivos, que se no pagam com as imposies dos or-culos, nem com as arrogancias do fanatismo.

    E no s isto : ha um lado do assumpto que tem sido quasi geralmente descurado, talvez por o supporem de menor alcance.

    E este abandono tem-se mostrado prenhe das mais exquisitas aberraes, dando lugar a ter-rveis anomalias e quasi irradicaveis desacertos.

    Referimo-nos necessidade de fazer o quadro completo, traara carta, organisar definitivamente o schema do contedo mesmo da eivilisao, indi-cando, sem subterfgios, quaes sejam em defini-tiva as creaes fundamenlaes da humanidade, qual o ponto de partida de cada uma dellas, qual o seu alvo supremo, qual a sua evoluo at hoje, qual, finalmente, o caracter que lenha presidido ao desenvolvimento de todas.

    primeira vista parece isto coisa muito simples, e mais de um ingnuo julgara l de si para si que tem resposta cabal para estes as-sumptos e quaesquer outros problemas que se lhe deparem. E a arrogncia da credulidade, quando esta se impe em nome de um dogmalismo fechado, que no admitte rplicas e espalha sobre

  • 52 o pensament o o manto fnebre de mortferas ins-piraes.

    Mas no nos dirigimos aos fanticos, j inuti-lizados pelo pyrrhonismo systematico ; falamos aos espritos ainda emancipados da formidvel tutela, a todos aquelles que ainda esto livres da fatal molstia, no intuito de prevenil-os contra os assaltos da asphyxia mental. Vamos ver.

    A actividade humana, na serie dos muitos milnios em que se tem exercido sobre o planeta que nos serve de bero e de tmulo, parece ter sido inesgotvel em seus recursos, quasi infinita em seus effeitos, que primeira vista se furtam a uma determinao regular.

    Esta illuso, porm, desaparece, se attenlar-mos mais intensamente sobre o assumpto e lhe applicarmos o methodo de analyse e comparao.

    A multido de factos comea a assumir um certo descrimen; notam-se os caracteres que algunsdelles tm de commum com outros; fazem-se com cuidado as grandes series e estabelece-se a ordem onde parecia reinar o chos.

    Aps um exame desses, podemos affirmar, sem medo de errar, que cinco, apenas cinco, so as classes, as espcies diversas dos actos e pheno-menos culturaes, que constituem a eivilisao humana, como ella se tem desenvolvido desde os mais remotos tempos da prehistoria at aos dias de hoje.

    E chamam-se cilas : Religio, Arte, Sciencia (compreendendo Philosophia), Poltica (tomada

  • 53 no mais genrico sentido compreendendo Moral e Direito) e. finalmente, Industria.

    Taes so o que se pde chamar, como disse-mos, as creaes fundamentaes da humani-dade.

    Xo ha, no houve jamais um s phenomeno humano, um s producto de sua actividade, um s resultado da sua energia espiritual, emocional ou mental, que no pertena a uma qualquer des-sas classes.

    Faa por si mesmo o leitor a verificao ; pense em uma produco qualquer da cultura humana, hoje ou nos passados tempos; recorra historia ou psychologia e ha de ver que ter sempre diante de si ou umacreao religiosa,ou artstica, ou scientifica, ou poltica, ou industrial. E que aquellas cinco so hoje e tm sido sempre as attituiles diversas do homem, diante do enigma do universo e das necessidades do seu prprio destino.

    A sua psychologia desde os primordios lhe foi despertando aquellas posies fundamentaes, determinadas pelo espectaculo das coisas e pelas imposies da existncia. Aquelles aspectos capi-tes dos factos, dando origem ou estimulo s ten-dncias da alma humana, so a fonte de todo o progresso, porm histrica e psychologicamenle estas so independentes, queremos dizer, no se pde trocar ou substituir uma qualquer dellas por outra. So irreducliveis e so-n'o, porque partem de base espiritual diversa, dirigem-se a alvos dif-

  • 54

    ferentes, procurando realizar escopos distinctos e por caminhos tambm separados.

    A falsa compreenso dessa caracterstica fun-damental das creaes humanas tem sido a ori-gem de muitas theorias e doutrinas extravagantes. Por desconhecel-a que tem havido quem sup-ponha que a Arte pde morrer sendo substituda pela Religio, segundo uns, ou pela Sciencia, segundo outros; por esquecel-a que tem havido quem proclame a subordinao da Moral, da Arte, da Sciencia, Religio, como fazem os positi-vistas ; por olvidal-a que tem havido quem nos fale de uma Arte utilitria, como se uma ou outra pudessem e devessem trocar-se pela Industria. mister acabar com estes abusos, oriundos do des-conhecimento da verdadeira indole dos pheno-menos culturaes.

    A nossa these deixa-se provar por quatro ou cinco categorias diversas de ponderaes : a analyse psychologica, a natureza intrnseca de cad classe, a evoluo distincta de cada uma, consideraes ethnographicas, que mostram cada uma dellas como produclo mais aperfeioado de uma capacidade ethnica especial, finalmente o disparatado infallivel da confuso de uma ordem por outra. S muito rapidamente, nestas paginas, >ev possvel tratar de todos estes elementos do assumpto.

    A Sciencia em todos os tempos, hontem como hoje, no tem sido outra coisa seno o conjuncto dos esforos feitos pelo homem para explicar pelo

  • 55 raciocnio os phenomenos que se lhe deparam no universo.

    Sua arma , pois, o dito raciocnio com todos os seus recursos tomados ao methodo ; seu alvo, seu designio a realizao do verdadeiro. Pode assumir dois aspectos : 1., a explicao directa de uma ordem qualquer de phenomenos, cha-mando-se, neste caso, sciencia particular, e havendo tantas sciencias particulares quantas ordens fundamentaes de phenomenos existirem; 2., a intuio synthetica e geral das sciencias particulares e mais a apreciao de certas ques-tes que at hoje no constituram objectode uma sciencia particular, como seja a da critica do con-hecimento, chamando-se, neste caso, Philosophia. Em ambas as faces no renega nunca o seu desi-deratum da explicao racipnal dos phenomenos, e em ambas parte de cnaessidade psychologica, da predisposio espontnea, instinctiva de saber que aguilha a alma humana. Se procurarmos marcar os degraus diversos de sua evoluo, en-contraremos que, at hoje, atravessou quatro mo-mentos prncipaes, como conjuncto de sciencias particulares e outros tantos como* sciencia geral ou Philosophia. No primeiro caso, a sciencia comegou por um empirismo espontneo, que assi-gnala a posse das primeiras observaes sobre as coisas; passou a uma espcie de dynamismo gene-ralizado, que define a tendncia de explicar os phenomenos recorrendo a energias ou foras a elles inherentes; elevou-se depois a um realismo

  • 56 phenomenista, que consiste na tendncia, hoje ainda muito espalhada, de explicar os factos por uma espcie de physicismo geral, ou por meras descripes dos mesmos factos, sem a inquirio de causas; finalmente o evolucionismo naluralis-tico ou monismo, que est agora em plena flores-cncia.

    Como Philosophia, comeou por uma espcie de architectonica do universo, consistente nessa geral tendncia*de explicar o mundo pela aco de certos factores ou elementos ; passou a uma reaco que constituiu uma espcie de architecto-nica das idias, inaugurada pelos sophistas, por Scrates e Plato ; em seguida desenrolou-se a grande phase iniciada por Aristteles, que tentou a conciliao, entre as duas tendncias anteriores, estabelecendo o dualismo de que se desenvolve-ram vrios matizes; finalmente, a conciliao entre aquellas primitivas direces pela doutrina da immanencia ou monismo.

    A Philosophia, como, se v, est em uma phase em que se encontra plenamente com o espirito que reina nas sciencias particulares. Poder, porem, ella substituir Religio ou ser substituda por esta ? Absolutamente no.

    A Religio em todos os tempos, hontem como hoje, no foi em essncia outra coisa mais do que o peculiar estado d'alma diante do desconhecido, do ponto de partida de todas as coisas, das origens do universo e de seu ulterior destino, tudo isto em face do acanhado de nossos conhecimentos,

  • 57 que no podem prender em uma frmula a im-mensidade dos factos e nem suffocar o surto do sentimento diante do infinito, qualquer que seja o contedo que se possa ou deva dar a este con-ceito. Emquanto houver uma falha na explicao geral do universo, uma lacuna na sciencia e uma interrogao sem respota definitiva diante do homem, elle ha-de ser um animal religioso; por-que em sua alma tem de haver at l a vibrao especifica das emoes que constituem a religio-sidade.

    Mas a Religio, como contedo de idias, segue tambm a marcha da Religio como sentimento, queremos dizer, vai-se tornando uma questo intima e pessoal, dependente do grau de cultura do indivduo.

    Sua arma esse affecto especial, seu deside-ratum um estado da alma sui generis; sua idia capital o incognoscivel, isto , o infinito, o abso-luto, quaesquerque sejam, repetimos, as variaes que este conceito tenha experimentado ou venha a experimentar no curso da historia.

    A evoluo da Religio, to antiga, porm no mais antiga do que a do conhecimento, tem sido a seguinte : comeou por um naturalismo animista, passou ao polytheismo anthropomorphico, mais tarde ao monotheismo transcendental, e, por ulti-mo, ao incognoscivel, indeterminado, porm indis-pensvel.

    Ser possvel substituil-a pela Sciencia ou pela Arte ? Absolutamente no.

  • 58 A Arte, em todos os tempos, hontem como

    hoje, no tem sido outra coisa seno as effuses do sentimento e o brinco da imaginao diante do espectaculo das coisas e das peripcias da exis-tncia humana. Ou ella, por especial impresso, busque retratar a realidade da vida, como essa realidade em ns se produz, ou, fazendo selleco-das qualidades e caracteres fundamentaes das coisas, busque realizar por generalisao uma espcie de typo ideal, ou, reagindo contra aestrei-teza da realidade, procure o mais livremente pos-svel crear um mundo parte e superior, a Arte sempre o domnio do sentimentoeda imaginativa; tem por alvo supremo a realizao do bello.

    Seu fim no o verdadeiro como o da Sciencia, ou o til como o da Industria, ou o justo como o do Direito ou o bem como o da Moral. E nenhum destes a pode substituir.

    Sua evoluo, correspondendo, mais ou menos, s chamadas escolas clssica, romntica, realista e impressionista, pde ser figurada nos quatro momentos seguintes: syncretismoprimitivo, deter-minadamente nacionalista em suas principaes ma-nifestaes, representado especialmente na poesia pelo lyrismo; reaco contra o personalismo, dando entrada na Arte aos sentimentos das classes, representada na poesia especialmente pelo drama e pela comedia ; finalmente, co-p/trlicipao cada vez mais geral de todos, pela democracia, repre-sentada especialmente no romance moderno.

    Mas a Sciencia, a Religio e a Arte, com toda a

  • 59 sua variedade, no esgotam toda a profuso das creaes humanas ; restam-nos a vr as creaes da Politica e as da Industria.

    A expresso Politica aqui tomada no seu mais lato sentido para significar o conjuncto da aetivi-dade do homem naquella esphera, que constitue a sua Conducta como indivduo e como elemento social. E no mesmo sentido que se daria palavra poliologia ou demologia.

    Reconhecemos-lhe duas ramificaes distinctas c da mxima importncia; de um lado, todos aquelles actos da vida publica, que podem ser exigidos por uma coaco exterior, como diria von Ihering, e que constituem propriamente a esphera do Direito e, de outro lado, aquelles actos que no so exigiveis por uma coaco exterior e constituem a obrigao imposta ao homem por elle prprio, isto , o dominioda Moral. 0 primeiro a realizao do justo ; a segunda a pratica do bem.

    O primeiro funda-se na liberdade que se limita, como dizia Kant, para produzir a harmonia e a disciplina social; a outra funda-se, no no inte-resse, ou no til, ou na sgmpathia, ou no prazer, ou na compaixo, como o pretenderam systemas errneos ou incompletos ; mas sim na conscincia da identidade dos destinos humanos, como pensamos ns, dando-lhe uma base capaz de conciliar em synlhese ampla o individualismo com o altrusmo.

    Como ponto de partida e como alvo, a politica, tomada na dupla aco do Direito e da Moral, no

  • 6 0 * -se pde confundir nem com a Religio, nem com a Industria.

    Sua evoluo, tomando-a em um sentido gen-rico que abranja tanto o Direito como a Moral, tem atravessado as cinco phases seguintes : dis-perso primitiva e primitivo gregario ; coheso parcial pela tribu e pela famlia ; imprios con-quistadores e aggressivos; differenciao estvel em naes pela base ethnica; progresso da demo-cracia industrial.

    Se olharmos para a evoluo,tomando por base o Direito em sentido estriclo, poderemos acceitar a seguinte determinao de perodos que encon-trmos em HoltzendorlT : indistinco do direito privado e do direito publico; separao desses dois dominios; separao da vida ecclesiaslico religiosa e da polilico-social; separao da con-scincia industriale das communidades religiosas; separao entre a responsabilidade econmica do indivduo e a actividade econmica do Estado.

    A primeira phase obra dofamilismo primitivo e antigo ; a segunda, que tornou possvel a cons-tituio da propriedade territorial.privada, aco do direito romano ; a terceira acto das lulas christans da idade mdia ; a quarta producto da reforma do sculo XVI, que tornou a separar de todo as doutrinas da sciencia e da f ; a quinta o resultado da cultnra scientifica dos tempos modernos.

    Releva ponderar que o illustre sbio allcmo, ha pouco fallecido, em sua determinao dos

  • - 61 -perodos evolutivos da conscincia jurdica, indi-cou apenas os quatro ltimos termos da gradao acima citada. A primeira phase junta por ns, por julgar-mo-la indispensvel.

    Se olharmos a evoluo sob o ponto de vista da Moral estricta, teremos os seguintes estdios : utilitarismo emprico primitivo ; endemonismo religioso ou de recompensas de alem tvinulo; moral independente e evidente por si mesma, que deter-mina o bem pelo prprio bem, como uma produc-o essencial e especifica da conscincia da iden-tidade dos destinos humanos, base de toda a Moral, segundo nosso modo de pensar. Sempre e sempre, como se v, entre todos os ramos da humana actividade exisle a independncia que se origina da distineo dos desgnios e dos funda-mentos de cada um.

    A mesma coisa acontece com a Industria, ou conjuneto das creaes econmicas, que nos falta analysar.

    A Industria, em todos os tempos, hontem como hoje, no tem sido outra coisa mais do que o dis-pendio da fora do homem no intuito de produzir utilidades indispensveis sua prpria existncia.

    Pde, no seu desenvolvimento, a Industria passar do til indispensvel, que o seu alvo prin-cipal, e chagar at ao confortvel, e, ainda mais, at ao luxo, mas em todos os casos o seu principio dirigente sempre o mesmo e ella no se con-funde, nem pde substituir qualquer das outras creaes fundamentaes.

  • 62 Se a Arte, por exemplo, se fizer industrial,

    adulterar o seu prprio principio fecundante. O mesmo acontecer Religio, Moral, ao

    Direito, Sciencia. Se interpellarmos, como fizemos para com as

    suas companheiras, a evoluo, veremos que a Industria tambm no ficou estacionaria, tambm tem passado por diversos estados.

    Os principaes so os seguintes, segundo a clas-sificao j ha muito feita e que podemos adop-tar : phase da caa e da pesca no primitivo sen-tido ; perodo do pastoreio, tambm no clssico sentido ; periodo da agricultura, como industria -predominante; phase da manufactura propria-mente dita, e, por ultimo, o predomnio da pro-ducco fabril pelas machinas eapparelhos techni-cos.

    Qual , porm, a moralidade que se pde tirar de tudo isto ? a que ponto queremos chegar?

    A coisa muito simples, o leitor deve ter notado que essas creaes, que ns chamamos as funda-mentaes da humanidade, porque o conjuncto dei-las que constitue a eivilisao, so entre si inde-pendentes, como necessidade psychologica e como alvo a atlingir. To antiga uma quanto qualquer das outras podem todas prestar-se mutuo auxilio, porque o desenvolvimento do espirito humano harmnico e organicamente orientado. Mas este mutuo auxilio, que constitue a lei do consensus, no quer dizer indistineo de funees, nem con-fuso de predicados.

  • 63 E, por outro lado, e este o ponto final a que

    desejamosi chegar, va pelos ares a capciosa, a premeditada e mellisona doutrina positivista da sobordinao de toda a aclividade humana a qual-quer dogmatismo religioso.

    Taes foram as palavras que escrevemos, no in-tuito de dar uma classificao dos phenomenos sociolgicos, ou produces da cultura sob a de-nominao de creaes fundamentaes da humani-dade. Foi-nos mister repetil-as para se bem comprehender o que se vai seguir.

    II

    Bem claro est para ser lido nas linhas acima que, no s dvamos conta da lacuna que nos parecia existir na sciencia sociolgica no que diz respeito classificao exacta e completa de seus prprios phenomenos, como ainda procurvamos contribuir, por nossa parte, com alguma coisa que se aproximasse de uma soluo.

    Estavam as coisas neste p, quando, em 1895, nosso illustre amigo Dr. Arthur Orlando, um dos mais notveis espritos da Escola do Recife, to distincto quanto Clovis Bevilqua e Martins J-nior, nos deu noticia de igual reparo e igual esforo, praticados pelo mesmo tempo, da parte do professor Guilherme de Greef, de Bruxellas.

    Desconhecamos completamente os escriptos de to notvel pensador, que nos foram graciosa-

  • 64

    mente offertados por nosso amigo, e cuja leitura nos veiu reforar em nosso ponto de vista.

    De Greef chegou a resultados aproximados, mas no de todo idnticos. Sua classificao nos pa-rece lacunosa, por um lado, e redundante por outro. Alm disso elle estabelece uma ordem de successo e hierarchia entre os phenomenos abso-lutamente inadmissvel, a nosso vr.

    Estes, para ns, so coevos e irreductiveis. Ouamos, porm, o philosopho belga. Antes de tudo, cumpre advertir que de Greef

    tambm se antolhou a lacuna existente at nos maiores mestres da sociologia. Eis aqui as suas prprias palavras : Auguste Comte, H. Spencer et, leur suite, leurs disciples, tels que Littr ei de Roberty, ont conteste Ia possibilite et Futilil de classer hirarchiquement les divers phno-mnes sociauxdont Fexistenceestcependantind-niable; focuvre. que nous avons entreprise prou-vera suffisamment que, sans une pareille classifi-cation, une politique sociale mthodique est irra-lisable. Onpeut dire que c'est Ia mconnaissance de cette necessite qui rend si fragiles les dveloppe-ments de Ia partie du grand monument lev Ia philosophie des sciences par les deux illustres chefs de fcole positiviste en France et en Angle-lerre. Deux lacunes enormes, vritablesouvertures bantes par o penetre dans leur difice Fouragn intaphysique qui le fait vaciller sur sa base, sont Ia mconnaissance etFoubli presquecompletsdes deux ordres de phnomnes, les plus considera-

  • 65 bles peut-tre de Ia sociologie : les phnomnes conomiques et les phnomnes juridiques ; les premiers sont le fondement mme de Ia science sociale, les seconds en sont le couronnemenl. Si Comle et Spencer avaient suivi en sociologie Ia mthode quils ont employe avec tant de succs dans les sciences anlrieures ; si, par induction, ils avaient procede un dnombrement minutieux des phnomnes sociaux; si,ensuite, ils les avaient groups suivant leurs rapports communs ou dis-tinctifs de ressemblance ou de diffrence; si, enfin, ils en avaient tabli 1'chelle hirarchique, comme nous favons fait, en partant des plus sim-ples et des plus gnraux, pour finir par les plus complexes et les plus spciaux, il est certain qu'ils auraient combl ces lacunes fondamentales qui vicient fensemble de leurs vues sociologi-ques (1).

    J se v que andvamos com acerto quando dizamos no haverem ainda os phenomenos sociolgicos sido convenientemente classificados.

    Os grandes mestres tinham se limitado s ques-tes, importantssimas alis, de methodos, prin-cpios, leis, estructuras do mundo social, suas relaes com a biologia e psychologia, suas pha-ses evolutivas, e t c , deixando de lado, por impos-svel, a enumerao, determinao e classificao dos phenomenos mesmos que so o objecto preci-pito da sciencia.

    (1) Introduction A Ia Sociologie, lr'partie; Bruxelles, 1886; pag. 192.

  • - 66 Era preciso ser completamente, ou quasi,

    alheio a este gnero de estudos para pretender o contrario, como talvez ahi algum supponha.

    A classificao de G. de Greef a seguinte, hie-rarchizada nesta ordem :

    Phenomenos Econmicos, Phenomenos Genesicos, Phenomenos Artsticos, Phenomenos Scientificos, Phenomenos Moraes, Phenomenos Jurdicos, Phenomenos Polticos. So sete grupos que o philosopho dispe nessa

    ordem de generalidade descrescente e complexi-dade crescente, ainda neste ponto fiel aos ensina-mentos de Comte, que repelle noutros muitos casos.

    Tal classificao se nos antolha, como dissemos, lacunosa e redundante. E lacunosa, por no dizer nada, no dar conta dos phenomenos Religiosos, to considerveis no passado e ainda hoje. Como reaco talvez contra o terrvel clericalismo belgai o autor d'O Transformismo Social discorre da sociologia, como se entre homens jamais houvera existido uma coisa chamada a Religio. Os pheno-menos desta ordem so como inexistentes para elle. O absurdo evidente.

    E redundante, por outro lado, a sua classifica-o dos phenomenos sociaes, quando faz das rela-es genesicas uma classe parte. claro que, no sentido de funces physiologicas, taes rela-

  • - 67 -es tm entrada regular e prpria na biologia; e, no sentido social, ellas vo tomar posto adequado entre as relaes do direito e da moral. escu-sado dellas formar um grupo distincto e separado dos outros. E outro ponto que nos parece evi-dente.

    Xo tudo ; no achamos provada a doutrina do aparecimento successivo dos diversos grupos de phenomenos, a ponto de merecerem por esse mo-tivo ser classificados em serie hierarchizada, ao geito do que foi por A. Comte praticado para com as sciencias ; no podemos comprehender periodo algum da humanidade em que ella deixasse de ter qualquer sentimento religioso, e artstico, por minimo que fosse, qualquer dose de conhecimentos experimentaes, por empricos que fossem, quaes-quer relaes jurdicas e moraes, por limitadas que fossem, ao mesmo tempo que a no podemos comprehender fora das exigncias econmicas, por exguas que fossem.

    Xo ha lugar aqui para hierarchias quaesquer, nem para substituies possveis ou provveis.

    O mais que neste terreno se poder praticar distribuir por grupos os phenomenos sociaes, ou creaes fundamentaes e irreductiveis da huma-nidade, segundo a nossa expresso. Ser alguma coisa de anlogo ao que H. Spencer fez com as sciencias. Assim, as sete ordens de phenomenos de nossa classificao,'a que ficam elles reduzi-dos, desdobrando-se a Politica propriamente dita do Direito e da Moral:

  • ,68 Creaes Industriaes ou Econmicas, Creaes Religiosas, Creaes Artsticas ou Estheticas, Creaes Scientificas, Creaes Jurdicas, Creaes Moraes, Creaes Polticas,

    se podem distribuir em dois grandes grupos : creaes ou phemomenos attinentes a necessida-des praticas, por assim dizer materiaes da vida social, e creaes ou phenomenos attinentes a necessidades theoricas ou ideaes

    Desta arte teramos : Industria Direito. Moral . Politica Religio Arte . Sciencia

    Grupo prati<

    /

    Grui . jpo theorieo.

    E claro que tal distribuio de phenomenos, coevos, contemporneos em todas as phases do desenvolvimento social, no deve desconhecera interdependncia que todos elles mantm entre si, nem a irreductibilidade que devem conservar, e tm conservado de facto at hoje, a despeito de quaesquer pretenes illusorias e passageiras em contrario.

    1899.

  • I I I

    O DIREITO BRASILEIRO NO SCULO XVI

  • I I I

    O DIREITO BRASILEIRO NO SCULO XVI

    Albifurcao brasileira ou transplantaao do organismo jurdico-poltico portuguez para o Brasil Primeiros esboos do Estado no Brasil Factores mesologicos e etlmographicos do direito brasileiro.

    I Se bem comprehendemos o caracter da nao

    portugueza, representado especialmente no di-reito, isto , se conseguimos apprehender a fei-o predominante no gnio e na ndole daquelle povo, como a de uma nao mestiada, de forma-o politica recente, e, pois, sem forte originali-dade nativa, razo pela qual no portadora nos fastos da humanidade de uma eivilisao aut-noma e original; se no licito falar em uma philosophia, em uma arte, em uma religio, em uma jurisprudncia,em uma cultura portuguezas no mesmo gro e no mesmo sentido em que se fala, verbi-gratia, em uma philosophia allem, em uma arte grega, em uma religio hebra, em um direito romano, em uma eivilisao egypcia,

  • rabe, chineza, ou hinda ; se Portugal, no per-tence ao grupo dos grandes povos inventivos, esta caracterstica ainda mais exactamente cabe ao Brasil.

    Somos chegados ao ponto de nossa excurso histrica em que se destaca o phenomeno.que jul-gamos acertado chamar a bifurcao bmsileira, e assim designamos'a transplantaao do organismo juridico-politico portuguez para esta regio da America (1).

    A denominao no foi escolhida a esmo; foi determinada pela natureza intrnseca dacolonisa-o moderna, em essncia distincta da colonisa-o antiga, especialmente da romana.

    Os romanos no colonisaram no sentido estricto de palavra, no fundaram naes novas entre gen-tes selvagens, como fizeram, desde o tempo do Renascimento, portuguezes, hespanhes e ingle-zes em terras da frica, America e Oceania ; os romanos conquistaram povos mais ou menos cul-tos, a quem no deram o uso de seu direito, seno muito e muito tardiamente, a quem conservaram por sculos no estado ambguo, anmalo de gentes sem capacidade jurdica, no claro intuito de os forar completa sujeio, obrigando-os a se deixarem de todo assimilar (2).

    (1) Vide in Revista Brasileira nossos estudos relativos ;i historia do direito na antiga Hespanha e no velho Portugal.

    (2) Fustel .de Coulanges La Cite Antique, passim; F. Laurent Rome et les Bai bares, idem; Ihering Esprit du Droit Romain, idem.

  • t - /' A colonisao merderna seguiu outra rola : Os

    novos ncleos, dispersos nos v r ios pontos do globo entre selvagens, eram outros tantos brace-jamentos de uma mesma arvore nacional, de cujos ramos vpcndim as instituies da mi-patria, to pura e completamente coma na Eu-ropa.

    As Ordenaes A f/onsinas e pouco depois as Ma-nuelinas e algum tanto mais tarde as Philippinas tinham o mesmo emprego no Brasil que poderiam gosar em Portugal.

    O reino no possua trs categorias de direitos ; no manejava trs corpos diversos de legislao. um jus romanum, um jus latinum, um jus ila-licum, e mais tarde, um jus genlium, para os ir graduando na applicao, segundo as peripcias da politica e alternativas da necessidade.

    O direito era um s em Portugal e na America, circumstancia esta to simples, to fcil de ser apprehendida e que, entretanto, no tem sido con-venientemente ponderada. Dahi, a primeira razo de nossa falha de originalidade por esse lado. Xo tudo : o direito o s era o mesmo, como as leis que se destinavam ao Brasil eram feitas e elabora-das na metrpole ; l estavam seus rgos gerado-res; e,ainda mais, dela que vinham os funecio-narios e magistrados encarregados de as applicar, sem falar na grande poro daquelles que de l no sahiam e dalli mesmo geriam nossos neg-cios. Deste numero eram muitos e dos mais con-siderveis, como o rei, seus ministros e conse-

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    lheiros, os membros do Conselho da ndia, os do Conselho Ultramarino, os da Mesa de Conscincia e Ordens, os do Desembargo do Pao, os da Casa do Civel e da Supplicao, os da Rela