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Pedro Gasparini Vicentini

Ensaio Sobre a Cultura no Século XXI - Redes e RuasCentro de Cultura e Comunicação/Brás

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito

para graduação.

São Paulo

2015

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Vicentini, Pedro Gasparini. Ensaio sobre a Cultura no séc. XXI: Redes e Ruas – 2015 81 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015.

Referências: f. 78 a 81.

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SUMÁRIO

- Introdução .......................................................................................06 - (1) Caminhos da Cultura ..................................................................08 - (2) Brasil: Cultura no Século XXI ......................................................30 - (3) Centro de Cultura e Comunicação/Brás .....................................59 - Conclusão ........................................................................................73 - Referências ......................................................................................78

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Eu estou convencido que essa era digital que a gente vive, é rito de passagem da era econômi-ca, século XX, era da economia, pra era cultural. E a era econômica era o tempo do crescimento da economia como metáfora da saúde nacional, ou seja, o país vai bem quando seu produto interno bruto está crescendo. E tudo que cresce indefinidamente é tumor maligno, num corpo orgânico, aquilo que cresce e não para de crescer é tumor maligno, é câncer, câncer social. É isso que está acontecendo. A era econômica propõe o câncer da sociedade e a era cultural propõe uma nova visão de como co-locar as questões humanas, como pensar. Eu estou convencido também que os partidos políticos não entendem nada daquilo que interessa no sentido de avançar. Partido pensa em quatro anos, eleição em quatro anos, tudo em módulos de quatro anos. Não dá pra mudar o mundo pensando em quatro anos, nós estamos em um momento, muito, muito…outro. A direita e a esquerda são dimensões que escapam da possibilidade de entender através desses ângulos de visão, direita e esquerda, o que que é a complexidade do século XXI e das relações humanas. Assim como nós queremos futebol arte pós Dunga, nós queremos também política-arte, que se volte para o mundo onde a autoestima e a alegria das pessoas se levante. Claudio Prado1

1 PCULT-SP - www.youtube.com/watch?v=Ob30PB7KoxA

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Tem uma cultura digital brasileira sim, eu acho que tem sim, e é o seguinte: O Brasil é um país colaborativo, é um país de colagens, que foi feito na base do remix. O Brasil é o remix total. É onde isso se dá de uma forma cultural extremamente interessante. Eu descobri isso quando fui tentar explicar o que é um mutirão para os gringos. Pega um europeu e tenta explicar o que é um mutirão. Ele não en-tende a possibilidade de um grupo de pessoas irem construir a casa do outro no domingo, na favela, por troca de uma caipirinha, de uma cerveja e de uma feijoada. E eles passam o dia enchendo a laje do outro e trabalhando com o outro e isso é uma curtição. Essa ideia de curtir, de que o mutirão seja elemento de curtição, de alegria, dentro de uma situação de favela onde a escassez é a essência, essa transformação química da escassez em alegria é a internet prenunciada, é a cultura da colaboração prenunciada. Por isso quanto bateu aqui no Brasil as pontas dessa realidade, dessa nova realidade co-laborativa, que estava começando a nascer no mundo, ela encontra um terreno extremamente fértil, e isso explica por exemplo o fenômeno das lan-houses e a demanda que já existe hoje por uma política de banda larga. O Brasil tem uma cara...A internet é tropicalista essencialmente, ela elimina, ela junta coisas que não eram juntáveis antes, que não se juntavam de forma alguma. A cultura brasileira é a convergência das culturas do mudo, portanto é “interneteira”.

Claudio Prado2

2 Fórum Tv’s Públicas - www.youtube.com/watch?v=2tLXZJ6SC28

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Introdução

Este ensaio é fruto da união das vivências externas da faculdade com as de dentro do ambiente acadêmico.

Há cerca de dois anos, mais precisamente a partir das grandes manifestações que bal-ançaram o país em 2013, entrei em contato com diversas pessoas e movimentos culturais que ajudaram a compor minha visão atual, ou melhor, minhas visões sobre o mundo e todas suas complexidades.

Aproveito para selar também meus agradecimentos à todas as pessoas que fizeram parte desse processo, nas trocas, compartilhamentos e afetos vividos, principalmente a to-dos do coletivo Fora do Eixo. Não vou citar nomes porque a gratidão aqui, é coletiva.

Como bem apontado por Claudio Prado, vivemos uma época de transformações in-tensas. Transformações essas, que se dão principalmente no campo da informação e da cir-culação dela. Da circulação da riqueza simbólica e, portanto, da circulação, lá na ponta, da riqueza material. Uma verdadeira mutação sociológica, antropológica, política, econômica, de dimensão inimaginável, em grande parte graças ao advento da internet.

A “Era Cultural” traz consigo muitas histórias e boa parte ainda está por vir. Neste contexto de transformações, é inevitável pautar a importância do papel do Brasil do Remix, do Brasil de todas as culturas, no embate dos desafios civilizatórios que a humanidade deve enfrentar.

Este trabalho é resultado de todas essas vivências e de tudo que pude absorver delas. Através dele, procuro elucidar principalmente, a importância das políticas públicas para a Cultura, implementadas no Brasil nesses primeiros quinzes anos de século XXI e todos os seus desdobramentos, compondo também uma visão atual sobre o cenário político-cultural do país.

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O objeto, decorrente de toda essa reflexão e da intersecção de todos esses processos com a cidade de São Paulo e suas cicatrizes urbanas, é o Projeto Arquitetônico do Centro de Cultura e Comunicação no bairro do Brás, produto de toda concepção teórica e apresentado ao final do ensaio.

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1 - Caminhos da Cultura

Esse capítulo tem como base a leitura do livro Cultura no Mundo Líquido Moderno de Zygmunt Bauman, filósofo, humanista e sociólogo polonês. A obra foi publicada pela primei-ra vez em 2011 e o autor segue escrevendo até hoje.

Bauman inicia esta obra dizendo que na hierarquia das culturas, não se pode mais estabelecer prontamente a distinção entre a elite cultural e aqueles que estão abaixo dela a partir dos antigos signos: frequência regular a operas e concertos; entusiasmo, em qualquer momento dado, por aquilo que é visto como “grande arte”; hábito de torcer o nariz para “tudo que é comum”. Como uma canção popular ou um programa de TV voltado para o grande público. (BAUMAN, 2011, p.7)

Em outras palavras, frequentar espetáculos music-ais distantes do povo (como música de concerto ou Jazz), torcer o nariz para tudo o que é comum ou odiar pro-gramas populares de TV, não elevam estas pessoas à uma elite intelectual.

Esta nova concepção de cultura vai de encontro ao pensamento do sociólogo francês Pierre Bourdieu, escri-to trinta anos atrás. Fazendo uma leitura da época, Pierre analisa que as obras de arte destinadas ao consumo es-tético apontavam, assinalavam e protegiam as divisões entre as classes, marcando e fortalecendo legivelmente as fronteiras que as separavam. Assim como: o importante não eram tanto seus conteú-dos ou suas qualidades inatas, mas suas diferenças sua intolerância mútua e o veto à sua resistência inata, imanente, a relação entre superiores e subordinados. (BOURDIEU, 1979).

Figura 1 : “Elite Cultural”

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Na obra La Distincion: A Social Critique of the Judgemente of Taste de Pierre Bourdieu, publicada em meados de 1980, a cultura aparecia como um mecanismo de segregação social conscientemente destinado a exaltar as diferenças de classe para a manutenção do status quo. (BOURDIEU, 1979). Notamos que na visão do sociólogo francês, a cultura agia como uma força socialmente conservadora. O significado de cultura, tal como descoberto e docu-mentado por Bordieu na época, estava distante do conceito de Cultura elaborado e introduz-ido na linguagem comum no terceiro quartel do século XVIII (Iluminismo).

Segundo o conceito original, a “cultura” seria um agente da mudança, do status quo, e não de sua preservação: ou, mais precisamente, um instrumento de navegação para orientar a evolução social rumo a uma condição humana universal. Apontar um objetivo e uma direção para futuros esforços. O nome “cultura” foi atribuí-do a uma missão proselitista, planejada e empreendida sob a forma de tentativas de educar as massas e refinar seus costumes, e assim melhorar a sociedade aproximar “o povo”, ou seja, os que estão na “base da sociedade”, daqueles que estão no topo. (BAUMAN, 2011, p. 12).

Segundo o apaixonado pronunciamento de Mattew Arnold em seu famoso livro, Cul-ture of Anarchy, “A cultura busca eliminar as classes, generalizar por toda parte o melhor que se pensa e se sabe, fazer com que todos os homens vivam numa atmosfera de luz e doçura”. (ARNOLD, 1869, p. 20 apud BAUMAN, 2011, p. 12). Ou em Literature and Dogma, “ A cultura é a fusão dos sonhos e desejos humanos com a labuta daqueles dotados de disposição e ca-pacidade de satisfaze-los”. (ARNOLD, 1873, p.35 apud BAUMAN, 2011, p.12).

O termo “cultura” surge na sociedade como uma missão em prol dos menos herdados na recém-criada sociedade burguesa. Este conceito chamava os educadores a cultivar as almas dos muitos que deveriam ser objetos de ensino. Neste passo da história, estava mais

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do que segregada a divisão do conhecimento/cultura. Havia a polaridade protetores/prote-gidos, supervisores/supervisionados, educadores e educados, entre outras.

A intenção declarada dessa classe era a educação, o esclarecimento, a elevação e o eno-brecimento de le peuple recém entronizado no papel de cidadão, do recém-criado État-na-tion (Estado-Nação), aquela junção de nação recém-formada que se alçava a condição de Estado com o novo Estado que aspirava ao papel de curador, defensor e guardião da nação.

O “projeto iluminista’ conferiu à cultura (com-preendida como algo semelhante ao cultivo da ter-ra) o status de ferramenta básica para a construção de uma nação, de um Estado e de um Estado-nação – ao mesmo tempo confiando essa ferramenta às mãos da classe instruída. (BAUMAN, 2011, p. 14).

Bauman adverte que, neste período, o crescimento econômico também resultou no crescimento populacional e na exclusão dos indivíduos excedentes. A tática utilizada pelos Estados-nações foi a de procurar novos territórios, além de suas fronteiras; territórios estes capazes de absorver esta população que não era mais acomodada dentro de seu país de ori-gem. A possibilidade de colonizacão de amplos domínios revelou-se um estímulo poderoso à ideia iluminista de cultura e deu à missão proselitista uma nova dimensão, potencialmente global. Agora, a missão da cultura tinha outros interesses, era esquecida a visão de “esclare-cimento do povo” e forjava-se o conceito de “missão do homem branco”, assim como o con-ceito de “salvar o selvagem do seu estado de barbárie”. (BAUMAN, 2011, p. 14).

Em pouco tempo, surgiria a teoria evolucionista que promoveria o mundo “desenvolvi-do” ao status de perfeição inquestionável, devendo ser esta imitada e ambicionada pelo restante do planeta.

A teoria cultural evolucionista atribui à so-ciedade “desenvolvida” a função de converter os

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demais habitantes do planeta. Todas as suas ini-ciativas e realizações futuras foram reduzidas ao papel destinado a ser desempenhado pela elite da metrópole colonial perante seu próprio “pop-ulacho” metropolitano. (BAUMAN, 2011, p. 15).

Em vez de esforços, cruzadas ou missões do passado, a cultura agora se assemelhava a um dispositivo homeostático, protegendo o Estado-nação de mudanças, afim de manter o navio no curso correto.

Em suma a cultura foi transformada de estimulante em tranquilizante, de arsenal de uma revolução moderna em repositório para a con-servação de produtos. (BAUMAN, 2011, p. 15).

Em meio a essas funções, ela foi capturada, imobilizada e registrada em La Distinction, de Bordieu. Assim ele captou a cultura em seu estágio homeostático, a cultura a serviço do status quo, da reprodução monótona da sociedade e da manutenção do equilíbrio do siste-ma, pouco antes da perda de sua posição, perda inevitável e que se aproximava depressa.

Essa perda de posição foi resultado de uma série de processos que constituiriam a transformação da modernidade de sua fase “sólida” para a “líquida”. Expressão usada por Bauman para denominar o formato atual da condição moderna, descrita por autores como “pós-modernidade”, “modernidade tardia”, “segunda modernidade” ou “hipermoderni-dade”. O que torna “líquida” a modernidade é a sua constante modernização, compulsiva e obsessiva. Assim como os líquidos, nenhuma das formas consecutivas de vida social é capaz de manter seu aspecto por muito tempo. (BAUMAN, 2011).

Pelo menos na parte do planeta em que os apelos da cultura são formulados e trans-mitidos, avidamente lidos e debatidos com paixão, a cultura logo perdeu sua função de serva de uma hierarquia social que se reproduz a si mesma.

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Liberada das obrigações impostas por seus cri-adores e operadores, obrigações originarias de seu papel na sociedade, de início missionário e depois ho-meostático, a cultura agora é capaz de se concentrar em atender as necessidades dos indivíduos, resolv-er problemas e conflitos individuais com os desafios e problemas da vida das pessoas. Não estamos aqui fa-lando de uma mudança ou modificação de paradigma; é mais exato falar de um começo de uma era pós-para-digmática na história da cultura. A modernidade líquida é a arena de uma batalha constante e mortal travada contra todo tipo de paradigma e, na verdade, contra todos os dispositivos homeostáticos que servem ao con-formismo e a rotina, ou seja, que impõem a monotonia e mantém a previsibilidade. (BAUMAN, 2011, p. 17).

Hoje a cultura consiste em ofertas, e não em proibições, em proposições, não em normas. Como Bourdieu observou a cultura agora está engajada em fixar tentações e es-tabelecer estímulos, em atrair e seduzir, não em produzir uma regulação normativa, nas relações públicas e não na supervisão policial, em produzir, semear e plantar novos desejos e necessidades, não no cumprimento do dever.

Se há alguma coisa para a qual a cultura hoje desempenha papel de homeostato, esta não é a con-servação do estado atual, mas a poderosa deman-da por mudança constante. (BAUMAN, 2011, p. 18).

Em contrapartida Bauman enfatiza um aspecto ruim da modernidade líquida que é a economia voltada para o consumo, que se baseia no excedente de ofertas, no rápido envel-hecimento e no definhamento prematuro do poder de sedução, fazendo com que a cultura

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da modernidade líquida não tenha um “populacho” a ser esclarecido e dignificado, contu-do, clientes a seduzir. Sua função passa a ser mais a satisfação de necessidades existentes, mas da criação de outras, ao mesmo tempo que mantém as necessidades já absorvidas ou

permanentemente incompletas. Sua principal preocupação se torna a evitar o sentimento de satisfação em seus antigos objetos e encar-gos, agora transformados em clientes, e, de maneira bem particu-lar, neutralizar sua satisfação total, completa e definitiva, o que não deixaria espaço para outras necessidades e fantasias novas, ainda inalcançadas.

A partir daí há uma dissertação sobre a questão da moda e da utopia nos dias atuais. Para o autor a moda multiplica e intensifica as distinções, diferenças desigualdades, discriminações e deficiências que ela promete suavizar. O anseio de um sentido de pertencimento a um grupo ou aglomeração e o desejo de se distinguir das massas, de possuir um senso de individualidade e originalidade, o sonho de pertencimento e o sonho de independência, a necessidade de apoio social e a demanda de autonomia, o desejo de ser como todos os outros e a busca de singularidade. Ou, se olharmos esse conflito de outra perspectiva, o medo de ser diferente e o medo de perder a individualidade, ou da solidão e da falta de isolamento. (BAUMAN, 2011).

Segundo texto publicado em Zur Psychologie der Mode: Sociologische Studie de Georg Simmel, “A moda é uma forma de vida particular que procura garantir o acordo entre uma tendência no sentido da igualdade social e outra no sentido do isolamento individual”. (SIM-MEL, 1992, p. 87 apud BAUMAN, 2011, p.25). Logo faz com que as atuais marcas de distinção se tornem comuns, vulgares e triviais. Mesmo o menor lapso de atenção pode produzir efeitos opostos aos pretendidos: a perda da individualidade.

Figura 2: Perda da Identidade

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A moda é um dos principais motores do pro-gresso, ou seja, o tipo de mudança que diminui, di-fama e, em outras palavras, desvaloriza tudo aqui-lo que ela deixa atrás de si e substitui por algo novo. O progresso em suma, passou do discurso da mel-horia compartilhada da existência para o discurso da sobrevivência pessoal. (BAUMAN, 2011, p. 27).

Uma vez que os esforços coordenados do mercado de consumo fizeram com que a cultura fosse subjugada pela lógica da moda, torna-se necessário, para ser uma pessoa e ser visto como tal, demonstrar a capacidade de ser outra. As pessoas se apegam a roupas, com-putadores e celulares de ontem e isso significa uma catástrofe para uma economia cuja condição de sobre-vivência é o descarte rápido e cada vez mais abundan-te, na lata do lixo, dos bens comprados e adquiridos, uma economia cuja coluna vertebral é a remoção do lixo.

Em seguida Bauman questiona o conceito de utopia. Alega que a fuga para permanecer fiel à moda e continuar a segui-la, semanticamente falando, é o oposto da utopia, contudo, em termos psicológicos hoje ela se manifesta como seu único substituto dis-ponível. Pode-se dizer que é a nova e atualizada inter-pretação de utopia adaptada as demandas da nossa sociedade de consumidores, desregulamentada e individualizada. A ideia de felicidade numa condição segura permanente por meio de continua mudança de costumes é hoje a própria encarnação da utopia. Utopia adequada a uma sociedade de “caçadores” e uma utopia que agrada uma versão “privatizada” e “individualizada” do velho sonho de “boa sociedade”, ou

Figura 3: Consumismo

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seja, um ambiente hospitaleiro à humanidade e seus integrantes e capaz de garantir essa condição humana. (BAUMAN, 2011)

Como Blaise Pascal, observou séculos atrás, “As pessoas procuram ocupações urgen-tes e opressivas que as impeçam de pensar em si mesmas, e por isso estabelecem como alvo um objeto atraente que possa encanta-las e seduzi-las. As pessoas querem fugir à necessi-dade de pensar sobre sua condição infeliz. É por isso que preferimos a caçada à captura”. (PASCAL, 1996, p.68 apud BAUMAN, 2011, p.30). A caçada de um coelho põe fim a qualquer agitação, aumentando a expectativa. O único método de amenizar a frustração é planejar e

iniciar imediatamente a próxima aventura.

Será esse o fim da utopia? Em certo sentido, sim. O pensamento utópico do início da modernidade inspi-rava-se no desejo de uma trégua em relação ao caos de eventos que incapacitava e que criava medo, no sonho de chegar ao fim de uma corrida de obstáculos, com dificuldades insuperáveis e a um nirvana situado do outro lado da linha de chegada, onde o tempo não se move e cuja ultrapassagem esta vetada a história. Não há porem espaço na vida de um caçador para um momento em que possa dizer com certeza que a tarefa foi cumprida, em que a única expectativa é o descanso e o prazer ilimitado em meio ao produto acumulado das pilhagens. Numa sociedade de caçadores, a expectativa do fim da caca não é sedutora, mas aterrorizante. Seria um momento de falha pessoal. (BAUMAN, 2011, p. 30).

Se a vida da caça é a utopia de nossa época, ela também é em contraste com suas antecessoras, a utopia de uma aventura sem fim. Na ver-dade, uma estranha utopia. Suas antecessoras foram seduzidas pela expectativa do fim da estrada e do trabalho, enquanto a utopia dos caçadores é um sonho em que estrada e o tra-

Figura 4: Utopia

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balho jamais terminam. Não é o fim da jornada que estimula o esforço, mas sua infinitude. Em contraste com as utopias do passado, a utopia da modernidade liquida, dos

caçadores, a utopia da vida girando em busca da moda, permanentemente elusiva, não dá sentido à vida, seja esse sentido autentico ou falso. Só ajuda a banir da nossa cabeça a questão do significado da existência. Tendo transformado a jornada existencial numa série infindável de medidas egoístas, fazendo de cada episódio vivenciado uma introdução ao próximo da série, ela não oferece a oportunidade de considerar sua direção ou o significado da vida como tal.

Quando uma oportunidade finalmente se apre-senta, ou seja, nos momentos que se abandona o modo de vida dos caçadores ou que dele se é excluído, em geral é tarde demais para que a reflexão influencie o curso da vida de uma pessoa ou daqueles à sua volta. É tarde de-mais para se opor ao modelo de vida existente, e decer-to para qualquer questionamento de seu sentido capaz de produzir resultados práticos. (BAUMAN, 2011, p. 32).

Em seguida o autor discorre sobre as profundas con-sequências da influência da globalização e das migrações, parte integrante da modernidade e da modernização, nas culturas.

Divide as migrações em três fases. A primeira foi a emigração de cerca de sessenta milhões de pessoas da Eu-ropa, a única área em processo de modernização. Em todo o planeta naquela época, para terras vagas. O que restasse das populações nativas depois dos assassinatos em massa e das epidemias também em massa se tornaria, para os recém-chegados, outro caso de “cultivo” a ser enfrentado

Figura 5: Colonialismo

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da mesma forma já tentada em seus países de origem por sua própria elite cultural, “cultivo” como status de “missão do homem branco”.

A segunda leva foi a ida de populações nativas para terras dos colonialistas que re-tornavam a terra natal após o declínio de seus impérios coloniais. Estabeleceram-se em ci-dade nas quais deveriam ajustar-se a única visão de mundo e ao único modelo estratégi-co disponível até então transformando-se em minorias, em objetos de cruzadas culturais e missões proselitistas.

A terceira fase da migração moderna, hoje em ple-no curso e ganhando forca é a era das diásporas. Con-duzida pela lógica de redistribuição global dos recursos vivos e das chances de sobrevivência peculiar ao atual estágio de globalização. A migração atual difere das an-teriores no fato de que nenhum pais hoje é exclusiva-mente lugar de imigração ou de emigração. Não mais determinados de forma inequívoca pela herança do passado imperial/colonial, os caminhos da migração são abertos e reabertos. Essa última fase da migração aplica um ponto de interrogação no vínculo entre identidade e nacionalidade, entre o indivíduo e seu lugar de habi-

tação, entre sua vizinhança física e sua identidade cultural.A vida de muitos europeus, talvez da maioria, hoje é vivida numa diáspora. A arte de

conviver com a diferença tornou-se um desafio cotidiano. Ao contrário do passado, a reali-dade de viver na estrita proximidade de estranhos parece algo que chegou ora ficar, assim, exige que se desenvolvam ou se adquiram habilidades que possibilitem a coexistência diária como modos de vida diferentes dos nossos. A noção de “direitos humanos” é em última análise, o direito a diferença.

As relações culturais não são mais verticais, mas horizontais, nenhuma cultura pode exigir ou ter direito à

Figura 6: Refugiados Sírios

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subserviência, à humilhação ou à submissão a qualquer outra simplesmente em decorrência de uma presum-ida superioridade ou de um caráter progressivo. Hoje os modos de vida flutuam em direções diferentes e não necessariamente coordenadas, entram em contato e se separam, aproximam-se e se distanciam, abraçam-se e se repelem, entram em conflito ou iniciam um intercâm-bio de experiências e serviços. (BAUMAN, 2011, p. 39).

O imigrante não tem escolha senão aceitar o destino de ser outra minoria étnica nos pais que os recebeu, para os nativos. Espera-se, tanto de uns quanto de outros, que encon-trem maneiras de lidar com realidades desfavoráveis, sobre as quais não tem controle.

A intima proximidade de aglomerações etnica-mente estrangeiras dissemina hábitos tribais na popu-lação local, e o propósito das estratégias insinuadas por esses hábitos é o isolamento compulsório, guetificante, dos elementos estrangeiros, o que, por sua vez, aumen-ta os impulsos defensivos das populações de imigrantes, sua propensão ao estranhamento e ao fechamento em círculos próprios. Tendências no sentido de separação e do isolamento surgem dos dois lados, acrescidos de de-bates e descontrole apaixonado. (BAUMAN, 2011, p. 41).

Embora esse estado de coisas seja recorrente jamais surgem formuladores de políticas públicas genuinamente interessados em pôr fim a situação, prejudicial a todos, muito menos em se dedicar a sério a eliminação de suas fontes. É a famosa política do “dividir para gov-ernar”, que autoridades de todas as épocas tem buscado concretizar sempre que se sentem ameaçadas pelo acúmulo e concentração de queixas e ressentimentos.

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Quando os pobres discutem com os po-bres, o rico tem todo o motivo para esfre-gar as mãos de alegria. (BAUMAN, 2011, p. 43).

A facilidade de movimento da elite no “es-paço dos fluxos” como define Manuel Castells, em The Information Age: Economy, Society and Cul-ture, depende em grande medida da incapacidade ou falta de disposição dos “nativos” para agir sol-idariamente. Quanto mais discordantes são suas relações e mais dispersos os nativos, mais numer-osas e mais fracas suas facções em guerra, maior a paixão que investem em enfrentar seus também frágeis oponentes das vizinhanças, menor é a chance de que cheguem a se unir e a juntar forças. E ainda menos provável que venham a fazê-lo para evitar uma retaliação. (CASTELLS, 1999).

Parece que fragmentar o espaço público, sobrecarregando-o de conflitos é a própria infraestrutura política exigida pela nova hierarquia de poder global para a pratica do não engajamento. Para que não haja coisa alguma com que se preocupar, os gerentes da ordem global precisam de uma abundância de inquietação local.

Essa filosofia apoia tendências separatistas tor-nando assim ainda mais difícil qualquer tentativa de es-tabelecer seriamente um diálogo multicultural, a única atividade que poderia reduzir ou superar como um todo a fragilidade atualmente crônica dos poderes convocados a concretizar a mudança social. (BAUMAN, 2011, p. 45).\

Figura 7: Muro - Faixa de Gaza

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Bauman discorre também sobre o conceito de multiculturalismo e pluralismo cul-tural e deixa claro que há uma linha tênue e dual na interpretação e uso dessas palavras. Usar desses conceitos para assumir uma diferença étnica, comportamental, que não abre espaço possível para o diálogo, ou seja, somos assim mesmo e não vamos mudar, algo guetificante, que assume a derrota e assume a divergência entre as singularidades, pode ser extrema-mente prejudicial. Porém o uso e compreensão do multiculturalismo e da diversidade das culturas como combustível de uma utopia possível e comum é muito inteligente e sofistica-do. (BAUMAN, 2011).

Fred Constant em Le multiculturalisme, observou que: “As pessoas têm o direito de ser diversas e também tem o direito de ser indiferentes a diversidade dos outros, o direito de ser diferente e o direito de ser indiferente a diferença”. (CONSTANT, 2000, p.89 apud BAUMAN, 2011, p.58). Mas observemos que, enquanto o direito à diferença é garantido aos outros, o direito à indiferença, é amplamente usurpado pelas mesmas pessoas que dão esse direito às outras. Quando a tolerância mútua se combina com indiferença mútua, comunidades culturais podem viver na maior proximidade, mas raras as vezes falam uma com a outra, se o fizerem, não será pelo telefone, mas pela via do cano de uma arma, já que qualquer palavra em voz alta, nessas condições, é uma evidencia de violação do acordo.

Sobre essa diferenças nas interpretações, uma delas supõe, por assim dizer, a solidarie-dade dos exploradores: enquanto todos nós sozinhos ou em conjunto, estivermos engaja-dos na busca da melhor forma de coexistência humana e desejarmos todos nos beneficiar de nossas descobertas, mesmo que sigamos rotas diferentes, encontremos possibilidade diversas no caminho e retornemos da expedição com experiências distintas e, portanto, dif-erentes soluções, não devemos considerar nenhuma delas inútil a priori, nem descarta-las apenas porque são diferentes da nossa solução. Inevitavelmente preferível. A variedade das proposições não deveria nos causar embaraço, cada nova proposição que se acresce a essa variedade deveria ser bem-vinda.

Significa apenas que admitimos nossa aptidão para dar opiniões absolutas ou formular sentenças de-

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finitivas. Concordamos que a utilidade e o valor ver-dadeiros de proposições concorrentes só podem ser estabelecidos no curso do multidiálogo, no qual todas as vozes sejam admitidas e em que todas as compara-ções e justaposições possíveis sejam feitas de boa-fé e com boas intenções. Em outras palavras, o reconhe-cimento da diferença cultural, para finalidade deste argumento, é o início, e não o fim da questão, o pon-to de partida de um longo processo político cuja con-clusão não é fácil, mas que talvez seja útil, benéfico até, para todos os envolvidos, portanto, um processo que vale a pena empreender. (BAUMAN, 2011, p. 59).

Já a outra interpretação se baseia na ideia alternativa da diferença cultural, ou seja, se os participantes presumissem que cada diferença existente merece sobreviver e florescer simplesmente em razão de sua diferença.

Segundo Jurgen Habermas, se concordarmos que o reconhecimento das diferenças entre culturas é o ponto de partida correto para um debate racional sobre o compartilha-mento dos valores humanos, devemos então concordar também que o regime constitucional é um arcabouço capaz de abrigar esse debate. Lembrando que uma sociedade é inconcebível sem a autonomia de seus membros, tal como uma república é inimaginável sem que os dire-itos dos cidadãos estejam profundamente desenvolvidos e sejam respeitados. (HABERMAS, 1993).

Isso não resolve o conflito entre os direitos da comunidade e os do indivíduo, mas ilumina o fato de que, sem as práticas democráticas de indivíduos livremente autodetermi-nados, é impossível enfrentar o conflito de maneira adequada, muito menos ter a esperança de resolve-lo. Como diz Habermas:

Uma teoria dos direitos, corretamente compreen-dida, requer uma política de reconhecimento que proteja

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a integridade do indivíduo nos contextos da vida em que se forma sua identidade. Tudo que se exige é efetivação coerente do sistema de direitos. Há pouca probabilidade de isso ocorrer, claro, sem movimentos sociais e lutas políticas. O processo de efetivar direitos está de fato im-plantado em contextos que exigem esses discursos como componentes importantes da política - o debate sobre uma concepção comum do que seja uma forma de vida boa e desejada, capaz de ser reconhecida como autentica. (HABERMAS, 1993, p. 125 apud BAUMAN, 2011, p. 63).

Universalidade e respeito aos direitos reais dos cidadãos são as precondições para qualquer política de reconhecimento sensata. Vale acrescentar que a universalidade da es-pécie humana é o marco em relação ao qual se deve avaliar toda política de reconhecimento sensata.

A universalidade da espécie humana não se opõe a pluralidade das formas de vida humanas. A pe-dra de toque de uma humanidade realmente univer-sal é a capacidade de aceitar essa pluralidade e fazer dela uma forca do bem, possibilitando, estimulando e mantendo uma discussão permanente sobre uma con-cepção comum de bem-estar. (BAUMAN, 2011, p. 64).

Porém o autor diz ter o entendimento que, a consciência da natureza imprevisível do destino e da incerteza das expectativas na luta pela comunidade humana, certamente des-encoraja os participantes dessa luta e restringe sua autoconfiança, mas também pode mobi-lizá-los para um esforço ainda maior.

Uma das possíveis respostas a essa incerteza é a ideologia do fim de todas ideologias e a prática do não

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engajamento, outra reação ao estado de incerteza, ig-ualmente plausível, porém mais promissora, é a con-vicção de que a busca de uma humanidade comum e os esforços que ela exige nunca foram tão necessários e tão urgentes quanto agora. (BAUMAN, 2011, p. 64).

Então o autor cita a opinião de Amin Maalouf sobre as reações das “minorias étni-cas”, ou seja, dos imigrantes, às pressões culturais conflitantes a que são submetidos no país em que foram viver. A conclusão de Maalouf é que, quanto mais os imigrantes perceberem que as tradições de sua cultura original são respeitadas no pais de adoção, e quanto menos eles forem desprezados, rejeitados, amedrontados, discriminados e mantidos a distância em decorrência de sua identidade diferente, mais atraente lhes vão parecer as opções culturais do novo país e menor será o apego à distinção. (MAALOUF, 2006 apud BAUMAN, 2011, p. 65).

As observações de Maalouf são de importância fun-damental para o futuro do diálogo intercultural. Elas confir-mam nossas suspeitas de que há uma relação estrita entre a falta de ameaça percebida, por um lado, e o “desarma-mento” do tema das diferenças culturais, por outro. Isso é consequência da superação das iniciativas no sentido da separação cultural e da concomitante disposição a partici-par da busca de uma humanidade comum.

O sentimento de ameaça e incerteza fazem com que as diferenças atinjam um status de materiais de construção para trincheiras e plataformas de foguetes. A “defesa da comunidade” tem prioridade sobre qualquer outro dever.

Compartilhar a mesa com estranhos, frequentar lugares conhecidos como residência e domí-nio de forasteiros, para não falar de romances e casamentos com parceiros de fora dos lim-ites da comunidade, tornam-se marcas de traição e justificativa para o exílio e a violência.

Figura 8: Guerrilheiros

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As comunidades que funcionam nessa base tornaram-se, acima de tudo, os meios de maior reprodução de divisões e do aprofundamento da segmentação e da alienação. O sentimento de segurança e a autoconfiança dele resultante, por outro lado, são os inimigos das comunidades com mentalidades de gueto e das barreiras de proteção por elas erguidas. O senso de segurança transforma o oceano terrivelmente poderoso que separa o “nós” do “eles” numa piscina atraente e convidativa.

Um sentimento de segurança de ambos os lados da barricada é condição especial para o diálogo entre culturas. Sem ele, a chance de que as comunidades se abram as outras e iniciem um intercâmbio, enriquecen-do-se pelo reforço da dimensão humana de seus vínculos, é débil, para dizer no mínimo. Com ele, por outro lado, as expectativas para a humanidade são promissoras [...] Nenhum dos lados nas guerras em cursos entre “eles” e “nós” pode ter seriamente a expectativa de que sua se-gurança, há tanto tempo perdida e tão ansiada, ira vol-tar após a vitória, em vez disso, quanto mais todos eles se ocupam conjuntamente do planejamento de futuros choque no campo de batalha multicultural, mais fáceis e rendosos se tornam como alvo das forças globais, as únicas capazes de lucrar com o fracasso da trabalhosa construção da comunidade humana e do controle hu-mano conjunto de sua própria condição e das circun-stancias que a conformam. (BAUMAN, 2011, p. 67).

Em seguida Bauman corta para a França especificamente, citando o envolvimento do Estado francês com as artes, que havia começado mais cedo que na maioria dos países euro-peus, sob o patrocínio dos reis e da nobreza. No século XVI, Francisco I chegou a estabelecer uma oficina estatal para a produção de tapeçarias, e mais de um século depois, Luís XIV deu

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um passo decisivo em direção as formas modernas de patrocínio da arte pelo Estado, ao fundar o teatro real, bem como uma série de academias para desenvolver as artes e educar os artistas.

O conceito francês de Culture apareceu como um nome coletivo para os esforços do governo no sentido de promover o aprendizado, suavizar e melhorar as maneiras, refinar o gosto artístico e despertar necessidades espirituais que o público até então não possuía, ou não tinha consciência de possuir.

A “cultura” francesa, na fase inicial, era uma noção um tanto messiânica, sinalizava intenções proselitistas: esclarecer, abrir os olhos, converter, refinar, aperfeiçoar. Desde o começo, a vocação messiânica foi apropriada pelo Estado, ou talvez confiada a ele.

Depois da abolição da monarquia francesa, o gov-erno revolucionário absorveu a missão, completando a ideia de esclarecimento e cultura com ambições que não haviam ocorrido aos governantes dinásticos. O propósi-to de missão tornou-se então: reconstruir a sociedade a partir de seus alicerces, criar o novo homem, resgatan-do o povo de um abismo de séculos de ignorância e su-perstição, em suma, implementar um novo modelo de sociedade e de individuo, laboriosa e cuidadosamente formulado. O conceito de cultura tornou-se um apelo a ação e um grito de guerra. (BAUMAN, 2011, p. 91).

Uma série de tentativas breves e esporádicas de institucionalizar e codificar a curadoria estatal da atividade da cultura já ocorrera no passa-do, mas foi só em 3 de fevereiro de 1959, sob a Presidência de Charles de Gaulle, que se estabeleceu um Ministério da Cultura, ao que parece, per-manente (Denominado oficialmente em 1997 como Ministère de la Cul-ture et de la Communication, em português: Ministério da Cultura e da Figura 9

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Comunicação). De Gaulle nomeou para ocupar a primeira vez esse ministério André Malraux. André desejava que a cultura fosse parte da futura gloria do país e que a cultura fran-

cesa pudesse irradiar-se para o resto do continente, tornando-se um modelo admirado e copiado. Para ele a cultura conferiria prestigio e gloria, em âmbito mundial ao pais que pa-trocinasse seu próprio florescimento cultural.

Malraux rejeitava enfaticamente qualquer tarefa de natureza pedagógica, em particular a ideia de impor a noção opções artísticas ou cânones de preferência cultural. Ao contrário de seus antecessores, não estava interessado em impor modelos ou gostos elaborados no “no topo”, escolhidos por autoridades, nem em aplicar nas oficinas e nos ateliês dos artistas conteúdos e formas selecionados. Estava mais preocupado em dar oportuni-dade para os criadores produzirem, para os artistas re-finarem sua arte, para todos os demais se associarem intimamente tanto com uns quanto com os outros. Fala-va de pôr a cultura a disposição de todos não a serviço da decoração da vida burguesa. (BAUMAN, 2011, p. 93).

Os sucessores de Malraux seguiram a rotina por ele estabelecida dirigindo a socie-dade para um reconhecimento de uma multiplicidade de opções culturais e para adoção do pluralismo cultural como principal peculiaridade da cultura francesa, assim como fonte gloria apoiada e reforçada pelo patrocínio do Estado como seu principal objetivo. O lema da pluralidade cultural e da diversidade artística continuou a ser um guia para a política cultural do país.

A pratica de apoiar o pluralismo cultural, segundo Bauman, alcançou o apogeu durante a presidência de Francis Miterrand, com Jack Lang no ministério. Num decreto de 10 de maio de 1982, inspirado por Miterrand e redigido por Lang, declarou-se missão fundamental do

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Ministério da Cultura seria possibilitar a todos os franceses cultivar a inovação e a criativi-dade, desenvolver seu próprio potencial criativo, demonstrar livremente seus talentos e se beneficiar do treinamento artístico de sua preferência. Para atingir esse objetivo, o decreto impôs às instituições do Estado o dever de apoiar iniciativas regionais e de grupos, assim como ajudar movimentos e praticar amadoras independentes e não institucionalizados.

O poder, as verbas e o know-how organi-zativo do Ministério da Cultura não se destina-vam a guiar tendências culturais e escolher en-tre elas, mas a aumentar o poder e patrocinar a auto-organização de iniciativas regionais que emer-gissem espontaneamente. (BAUMAN, 2011, p. 94).

Como disse Oscar Wilde: “A cultura é inútil, ou pelo menos assim parece, enquanto os supervisores tiverem o monopólio do estabelecimento das linhas de fronteira entre utilidade e inutilidade. Nesse sentido ela representa interesses e demandas das pressões particulares em oposição as pressões homogeneizantes do geral. ” (WILDE, 2003, p.1 apud BAUMAN, 2011, p.95)

Contudo como observamos um instante atrás, a preocupação das artes em esboçar al-ternativas imaginárias ao atual estado de coisas distingue-as como rivais do gerenciamento. Há, portanto, muitas razões para que o povo das artes e os administradores não se tolerem.

A cultura sofre prejuízos quando é planeja-da e administrada, no entanto, quando deixado por sua conta própria, tudo que é cultural ameaça não somente a possibilidade de causar algum efeito, mas também de sua própria existência. (ADOR-NO, 2011, p. 93 apud BAUMAN, 2011, p.98).

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Algo tem mudado nas últimas décadas em termos da situação da arte e de seus cri-adores: primeiro, a natureza dos gerentes e administradores hoje a cargo da cultura, ou que aspiram a essa posição, segundo, os meios que usam para difundi-la, o que trouxe enormes avanços. Porém, em contrapartida há um mercado de consumo cada vez mais forte com seus critérios. Preocupam-se com temas como a iminência do consumo, a iminência da satisfação e a iminência do lucro.

Criações culturais satisfazem, ou pelo menos deveriam satisfazer necessidades a longo prazo, para não falar das necessidades permanente e atemporais. O que acaba sendo a antí-tese do mercado de consumo, que favorece e promove o giro rápido e o intervalo de tempo mais curto possível entre uso e descarte, com o objetivo de fornecer a reposição imediata dos produtos que não sejam mais lucrativos.

Mas será que a cultura pode sobreviver à des-valorização do ser e ao declínio da eternidade, pos-sivelmente os tipos mais dolorosos de danos colaterais causados pelo triunfo dos mercados de consumo? Não sabemos nem podemos saber ainda a resposta a essa pergunta. São os clientes potenciais, ou mais precis-amente seu número, o conteúdo se suas contas ban-carias e o volume de crédito que dispõem que hoje decidem, conscientemente ou não, o destino dos pro-dutos culturais. A linha que divide a arte “bem-suce-dida” da malsucedida, pobre ou inútil é traçada tendo como referência as estatísticas de venda, a frequência e os lucros das exposições. (BAUMAN, 2011, p. 102).

A verdadeira função do Estado capitalista ao administrar a “sociedade dos produtores” era garantir um encontro continuo e frutífero entre capital e trabalho. Enquanto a verda-deira função do Estado ao presidir a “sociedade dos consumidores” é assegurar encontros

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frequentes e exitosos entre os bens de consumo e o consumidor. Do mesmo modo, o foco do “Estado Cultural”, um Estado inclinado a promoção das culturas, precisa concentrar-se em garantir e colaborar para o encontro permanente entre artistas e seu público.

No encontro entre os artistas e seu público é que as artes da nossa época são concebidas, gera-das, estimuladas e realizadas. É em nome desse tipo de encontro que iniciativas artísticas e performativas locais “face a face”, precisam ser estimuladas e apoia-das. Como tantas outras funções do Estado contem-porâneo, o patrocínio da criatividade cultural espe-ra urgentemente subsídio. (BAUMAN, 2011, p. 108).

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“Pensar cultura é fazer cultura”

Gilberto Gil1

“Gil dizia frequentemente que a cultura era vis-ta como a cereja do bolo, sempre foi a cereja do bolo, é um pouco pra enfeitar os processos, a cultura entra com um papel decorativo nos procedimentos, os ar-tistas são chamados em momentos de eleições, você bota em certos momentos algo simbólico para ficar-mos contentes em nossas casas, mas não há na ver-dade um investimento de que o desenvolvimento do país tenha uma dimensão de desenvolvimento cul-tural de potencializar as pessoas e os processos que as pessoas vivem em seus grupos de cultura, seus bairros, suas aldeias etc. e cabia a nós fazer isso.”

Juca Ferreira2

1 Jargão usado por Gil2 Palestra: Cultura pela Palavra. 25/07/2013

2- Brasil: Cultura no Século XXI

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“Enfrentamos desafios grandes. A primeira questão é que a cultura tem que ajudar a repensar a sociedade, não pode abrir mão de ser um reservatório de ideias, sonhos e utopias. Quando se pensa cultura e desenvolvimento, está se pensando em que modelo é esse que a gente está falando e como a cultura pode contribuir para o desenvolvimento de forma que não seja apenas reiteração do já conhecido, de definir que as regras do jogo que estão ai são as que devem ser aceitas, mas de certa forma de promover inquietações. ”

Marta Porto3

Saliento nesse capítulo das políticas públicas do Ministério da Cultura (MinC) durante o período das gestões Gilberto Gil e Juca Ferreira (2003-2010) que transformaram o país e são exemplos no mundo afora.

Momento que pode ser definido como um período de grande efervescência cultural no Brasil, quando as políticas públicas para o setor passaram por transformações radicais tanto

no plano conceitual quanto na forma de interação do governo com a sociedade civil. Com ampla defesa e promoção da diversidade cultural como marcos legais e como orientação central no desenho de políticas de inclusão social e de promoção do desenvolvimento.

Quando Gil assume o cargo fica clara que a essência de suas propostas se inspiravam no movimento tropicalista e antropofágico. Movimento que nasce da esfera pop local e da estrangeira, principal-mente do pop-rock e do concretismo. A tropicália era o espelho do sincretismo brasileiro, pois mesclava em um único caldeirão as mais diversas tendências, como a cultura popular brasileira e inovações ex-tremas na estética. Ela pretendia subverter as convenções, transgredir

3 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.br

Figura 10: Album Tropicália

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as regras vigentes, tanto nos aspectos sócio-políticos, quanto nas dimensões da cultura e do comportamento. Baseada no Movimento Antropofágico que surgiu na década de 1920, procurava ressignificar a atitude estético-cultural do país. Momento marcado pela publicação do Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade, em maio de 1928. A antropofagia oswaldiana podia ser vista como a metáfora do que deveria ser repudiado, assimilado e superado, em favor da independência cultural do País, propondo deglutir as estéticas que vinham de fora, digeri-las e posteriormente regurgita-las.

No artigo “O PT e a Política Cultural de Esquerda no Brasil: uma história acidentada” de Idelber Avelar, cria-se uma cronolo-gia baseada na relação entre a esquerda e as políticas culturais separadas em quatro fases, sendo que a quarta seria inaugurada pela gestão Gil/Juca: (1) a primeira seria o período dos Centros Populares de Cultura, na década de 1960, com o desenvolvimen-to da visão nacional-popular; (2) a segunda, o modelo Embra-filme, com o centrismo de agentes das esquerdas nas políticas da ditadura; (3) o terceiro momento seria marcado pela adesão ao mercado e às leis de incentivo à cultura, capitaneada pelos artis-tas de esquerda, algo mais recorrente nos anos 1990; (4) a quarta seria o “momento Lula”, no qual a visão antropofágica do tropicalismo chegaria ao Estado, desenhando um novo diagrama para as políticas culturais. (AVELAR, 2011 apud SAVAZONI, 2014, p 56).

Em 1968 os conceitos culturais do país efervesciam, criando assim um ambiente fértil para o nascimento da Tropicália. As classes médias naquele período combatiam a ditadura. Artistas e intelectuais mergulhavam nas derrotas do passado e se aprofundavam na luta por liberdade, direitos e igualdade. Caetano e Gilberto Gil, junto com Tom Zé e o maestro Rogério Duprat dos Mutantes, entre outros, impulsionaram movimentos culturais e a radicalização do comportamento.

Figura 11: Manifesto Antropófago

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O movimento, expresso no nome, fazia alusão ao nosso clima “quente” típico dos trópicos. Atmosfera esta que, ao longo da história, foi e ainda é, marcada por seu clássico paradoxo entre a exaltação da nossa exuberância única e o lamento deste clima ser justa-mente o entrave da nossa prosperidade, com base nas sociedades com climas “moderados”. Os artistas dessa vanguarda cultural usavam de propósito uma estética clichê do Brasil como o “paraíso tropical” em protesto a ditadura e a extrema carência social (DUNN, 2009).

Em seu discurso de posse, em janeiro de 2003, Gilberto Gil cunhou uma expressão que viria a ser uma das marcas simbólicas de sua gestão, citando o shiatsu do-in (técnica de massagem baseada na pressão dos dedos sobre pontos de energia vital do corpo) o novo ministro da cultura Gilberto Gil prometera fazer um “do-in antropológico” no corpo cultural do País, massageando pontos vitais momentaneamente adormecidos ou esquecidos.

[...] Para fazer uma espécie de “do-in” antro-pológico, massageando pontos vitais, mas momentan-eamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultur-al do país. Enfim, para avivar o velho e atiçar o novo. Porque a cultura brasileira não pode ser pensada fora desse jogo, dessa dialética permanente entre tradição e a invenção, numa encruzilhada de matrizes milenares e informações e tecnologias de ponta. (GIL, 2003, p.231).

Tal ideia baseia-se na concepção de que, antes de se voltar para as ausências e defi-ciências, é preciso apostar naquilo que já existe, na potência dos movimentos e expressões culturais que denotam formas de resistência e de criação, independentemente de ações do Estado. Em 2008, a posse de Juca Ferreira deu continuidade às políticas culturais em anda-mento, bem como essa mesma concepção.

Não cabe ao Estado fazer cultura, mas, sim, cri-ar condições de acesso universal aos bens simbólicos.

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Não cabe ao Estado fazer cultura, mas, sim, promover o desenvolvimento cultural geral da sociedade. Porque o acesso à cultura é um direito básico de cidadania, assim como o direito a educação, a saúde, a vida num meio ambiente saudável. Porque, ao investir nas condições de criação e produção, estaremos tomando uma iniciativa de consequências imprevisíveis, mas certamente bril-hantes e profundas, já que a criatividade popular bra-sileira, dos primeiros tempos coloniais aos dias de hoje, foi sempre muito além do que permitiam as condições educacionais, sociais econômicas de nossa existência, na verdade, o Estado nunca esteve à altura do fazer do nosso povo, nos mais variados ramos da grande ar-vore da criação simbólica brasileira. (GIL, 2003, p.230).

O povo faz cultura em qualquer condição, nas condições socais mais degradadas, em ambientes em que a violência predomina, em que qualidade das relações sociais são totalmente desgastadas. As pes-soas fazem cultura, porque cultura é uma necessidade básica, como é comida, saúde, meio ambiente saudável, e o que nos faz humano é justamente essa capacidade de simbolização, essa demanda. (FERREIRA, 2009).4

Nas gestões dos dois ministros a cultura deixou se der sinônimo de incentivo a pro-duções artísticas restritas ao usufruto das elites. Eles romperam com a visão da subalterni-zação das expressões culturais das camadas populares e com a mediação exclusiva do mer-cado na distribuição dos apoios, incentivos e patrocínios, isto é, com a ideia utilitarista de cultura como instrumento e como mero valor de uso. Assim visavam acabar com os velhos preconceitos responsáveis pela discriminação das práticas em “superiores e “inferiores” e 4 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.br

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pelo desprezo em relação a cultura de massas, à cultura popular e as manifestações ditas folclóricas.

Uso o termo “ditas folclóricas”, pois Gil trazia à tona um debate sobre essa questão que inclusive aparece em um trecho de sua fala de posse:

Ninguém aqui vai me ouvir pronunciar a pala-vra “folclore”. Os vínculos entre o conceito erudito de “folclore” e a discriminação cultural são mais do que estreitos. São íntimos. “Folclore” é tudo aquilo que, não se enquadrando, por sua antiguidade, no panora-ma da cultura de massa, é produzido por gente incul-ta, por “primitivos contemporâneos”, como espécie de enclave simbólico, historicamente atrasado, no mundo atual. Os ensinamentos de Lina Bo Bardi me preveni-ram definitivamente contra essa armadilha. Não existe “folclore”, o que existe é cultura. (GIL, 2003, p.230).

No contexto da globalização a questão da diversidade cultural tornou-se central. Con-tudo, para além da busca da afirmação de raízes nacionais, mostrou-se a importância da cul-tura como estratégia viável para rever, diversificar, promover e sustentar o desenvolvimento e a economia do país. Em 2007 no documento que traça diretrizes gerais para o PNC (Plano Nacional de Cultura) afirmava-se a intenção de estabelecer vínculos entre artes ciência e economia na perspectiva da inclusão e do desenvolvimento.

Ao longo da gestão do “músico- gestor” e sua equipe, com destaque para o secretário executivo que se tornaria ministro da cultura Juca Ferreira (2008/2010), eles desenvolveram a tese da política cultural nas três dimensões - simbólica, cidadã e econômica. Em linhas gerais elas apontam para uma nova compressão do papel do estado brasileiro, sobretudo como articulador da cultura nessas três dimensões. A simbólica é responsável pela elabo-ração do modo de ver e recriar o mundo, a cidadã como fato de interação social e a econômi-

Figura 12: Maracatu

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ca pela sua alta capacidade de produzir riquezas.Baseado no princípio de que o Estado não deveria ser re-

sponsável por fazer cultura e sim por incentivar iniciativas culturais existentes, por criar condições para o acesso a esses bens e auxiliar na sua veiculação, surge em 2004 o Programa Cultura Viva que tem os Pontos de Cultura como elemento principal dentro do processo. Tal iniciativa é tida como a principal ação do Minc nesse período e foi de extrema importância para a consolidação desse entendimento sobre a Cultura.

O Cultura Viva, entre outros, buscou exatamente isso, identificar aonde estava a produção cultural am-pla, popular, nas áreas mais remotas, no Nordeste, no Norte, nos quilombos, nas tribos indígenas, nas periferias das grandes cidades, enfim, todo um con-junto social importantíssimo do Brasil, responsável pelas características mais profundas do modo bra-sileiro de ser e ainda assim historicamente relega-da, sem possibilidades de estar à frente dos proces-sos de avanço da vida cultural do país. (GIL, 2009).5

As próprias comunidades periféricas, favelas, bairros populares etc. se articulando para ter aces-so a internet, para ter acesso a download, postar-em coisas, criarem seus blogs, entrar nesse campo extraordinário da comunicação nova que a internet propicia, quer dizer, os setores populares ganhan-do seu protagonismo nessas áreas. (GIL, 2009).6

5 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.br6 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.brw

Figura 13

Figura 14: Encontro dos povos indígenas

Figura 15: Ocupação Cultura Plebiscito

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Envolvendo comunidades pobres ou segmentos sociais mais vulneráveis, em especial a juventude urbana, periférica, universitária, jovens artistas, novos arranjos econômicos e produtivos, o plano de metas dos Pontos de Cultura se concretizou em editais públicos. Ten-do como eixo organizações da sociedade civil, localizadas em áreas com pouca oferta de serviços públicos e com atividade comprovada de pelo menos dois anos, pertenceria, a partir de então, aos ganhadores dos editais, a responsabilidade de desenvolver e fomentar ações culturais locais. Transformam-se, a partir de então, em Pontos de Cultura: entidade cultural ou coletivo cultural certificado pelo Ministério da Cultura. O Ponto de Cultura não tem um modelo padrão, nem de instalações, nem de atividades. Um aspecto comum é a transversal-idade da cultura e a gestão compartilhada entre o poder público e a sociedade civil. Nestes primórdios o edital ainda pressupunha como ação essencial em cada um dos Pontos de Cul-tura, a existência de um estúdio digital multimídia. A partir dessa parceria e com foco neste objetivo, passariam a receber recursos mensais de R$ 5 mil, por três anos. As verbas eram aplicadas na compra do “kit multimídia”: equipamentos de captação e edição de áudio e vídeo (câmera, microfone, mesa de som, etc.). Além, claro, de computadores ligados à Inter-net operando com software livre.

O Ponto de Cultura é a potencialização das ener-gias criadoras dos nossos cidadãos, bem como das ações que já são desenvolvidas pelas comunidades. No entan-to, os Pontos de Cultura não são destinados apenas para as culturas populares, apesar de as abrangerem tam-bém, mas pretendem promover um mapeamento e uma cartografa da imensa variedade de expressão da cultu-ra do nosso povo. Os Pontos de Cultura visam também à autonomia das comunidades, não se configurando como territórios estatais, mas, sim, como pontos de in-tersecção entre sociedade e Estado. Buscando a autono-mia dos Pontos de Cultura, além de recursos repassados

Figura 16

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pelo MinC para a criação e manutenção dos Pontos de Cultura, o programa também prevê a montagem de um pequeno estúdio multimídia que permita a produção low-cal de recursos multimídia e gravações. (TURINO, 2009).7

Como ressaltado por Eliane Costa em Jangada Digital, essa iniciativa do Ministério da Cultura passou a incentivar o potencial de transformação e as oportunidades culturais suscitadas pelo cenário das redes, representados pelas novas possibilidades de expressão e ressonância, pela emergência de formas ampliadas de compartilhamento, articulação, co-laboração e de acesso à informação e ao conhecimento. Tendo como conceitos fundadores autonomia, empoderamento, protagonismo e gestão em rede, o programa incentiva a apro-priação tecnológica sob a perspectiva de transformação e promove a experiência da gestão pública participativa no setor cultural. (COSTA, 2011).

Até Gil a cultura sempre havia sido fragmentada, a música dialogando com a música, o audiovisual com o audiovisual e Gil traz a união dos polos como um movi-mento social da cultura. As duas grandes iniciativas cri-adas por Gil, que ressignificaram o debate de cultura no Brasil, foram o Cultura Viva e a Cultura Digital; os pontos de cultura e o trabalho com cultura digital inseridos em setores que já estavam se organizando fizeram com que eles conseguissem criar um sistema hibrido de relação que era setorizado em certa medida, mas se globali-zava quando se pensava movimento. (CAPILÉ, 2013).8

Eu queria explicar um pouco o que é a cultu-ra digital do Ministério da Cultura e andar mais ou menos na contramão do que todo mundo falou. Todo

7 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.br8 Série de vídeos “Depois de Junho”. 2013: www.depoisdejunho.com

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mundo falou nessas horas e horas e horas, nesses múltiplos canais de produção nova, de onde vai vir e tal. O Gil insistiu na questão da inclusão digital, o Fer-nando Haddad disse que era “A TV que o povo ain-da não sabia que queria”, essa TV pública, inspirado conscientemente ou inconscientemente pelo jargão do Gil: “O povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe”. Que é uma fala do Gil, que o Haddad repetiu aqui e que é um norte do nosso trabalho. Le-var ferramentas do século XXI para comunidades que ainda vivem no século XIX, nos pontos de cultura, no sentido de fomentar nova produção. (PRADO, 2007).9

A cultura digital surge então, como um expoente nesse período, dentro das ações do Minc. É difícil de definir de onde surge esse termo. Há uma boa abordagem do André Lemos, professor da Universidade Federal da Bahia. Ele diz que o termo cultura digital surge com o início da microinformática, quando os computadores deixam de ser grandes maquinas de calcular e passam a ser maquinas utilizáveis pelas pessoas, virando maquinas de comunicar e também com o surgimento da web em sua interface gráfica, criando o que começa a se forjar como uma cultura, começando a ser usado o termo cultura digital. É um assunto muito diverso e um tema que é central para entender os desafios da democracia e da comunicação no século XXI. Não olhar para isso é não entender o que está acontecendo no mundo con-temporâneo e para onde as coisas estão indo.

Eu tenho impressão que estamos viven-do uma nova era civilizatória graças essa facili-dade da comunicação e facilidade que temos aces-so a informação. Comunicação e informação, isso

9 Vídeo - Fórum TVs Públicas. 2007: www.youtube.com/watch?v=IiID2lU_Mmg

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permite uma nova sociedade. (MIRANDA, 2009).10

Nas mais diversas estatísticas atuais, o Brasil vem sendo apontado como um país onde a apropriação das novas tecnologias de informação e comunicação se dá de maneira ex-tremamente significativa. O período em análise também foi marcado por uma ampla democ-ratização do acesso às novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), entre as quais o computador com acesso à internet e os aparelhos celulares, gerando mudanças nos hábi-tos de consumo, produção e circulação de comunicação e cultura, especialmente nas regiões consideradas periféricas. Durante a primeira década do século, o Brasil viveu um processo acentuado de popularização das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) e do acesso à rede mundial de computadores. Em 2000, o país tinha cerca de 10 milhões de computadores em uso. Em 2013, esse número passou para 119 milhões, o que configura três micros para cada cinco habitantes brasileiros. O número de cidadãos usuários de internet quintuplicou. Saiu de 7.5 milhões de usuários residenciais em 2002, para mais de 40 milhões em 2012. Em números absolutos, o país atingiu em 2012 o número de 94 milhões de pessoas com acesso à internet11.Essa popularização, aliada aos incentivos direcionados pelo Minc ala-vancou o surgimento de novas formas de organização, novos agentes culturais, coletivos e uma série de iniciativas inovadoras muito ligadas ao campo digital, movimentos conectando as redes e as ruas por todo o Brasil profundo, como o Fora do Eixo, coletivo criado no norte do País em meados de 2005, que depois se espalhou por todos os estados brasileiros.

O Fora do Eixo é uma rede colaborativa e de-scentralizada de trabalho constituída por coletivos de cultura pautados nos princípios da economia solidária, do associativismo e do cooperativismo, da divulgação, da formação e intercâmbio entre redes sociais, do re-speito à diversidade, à pluralidade e às identidades culturais, do empoderamento dos sujeitos e alcance

10 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.br11 Fonte: Ibope/Net ratings (SAVAZONI, 2014, p.64)

Figura 17

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da autonomia quanto às formas de gestão e partic-ipação em processos socioculturais, do estímulo à au-toralidade, à criatividade, à inovação e à renovação, da democratização quanto ao desenvolvimento, uso e compartilhamento de tecnologias livres aplicadas às expressões culturais e da sustentabilidade pauta-da no uso e desenvolvimento de tecnologias sociais.12

Em uma entrevista com Luiz Eduardo Soares, Pablo Capilé, um dos fundadores do cole-tivo, discorre sobre o Fora do Eixo:

O Fora do Eixo ele começa e ele é muito simples na real. Em busca de buscar soluções para os problemas que estavam colocados, a gente tinha que criar oportuni-dades, em cima das dificuldades criavam-se oportuni-dades. Éramos de Cuiabá, de Rio Branco no Acre, de Ma-capá, de Belém do Pará, de Fortaleza e entendíamos que precisávamos escoar de alguma forma aquela inteligên-cia periférica que tava colocada naquele Brasil profundo que queria gritar, queria se posicionar, mas não tinha visibilidade. Como fazer com que aquilo ali conseguisse em alguma medida se encontrar? Como encontrar um ambiente pra que essa inteligência fizesse essas inter-secções e que a partir dali pensasse novas soluções? En-tão começamos a pensar que a partir de novos repertóri-os para se pensar novas políticas, seria fundamental criar esses sistemas de escoamento dessas inteligências? Então a gente começa a apensar como trabalhar com as artes? Como fazer com que primeiro a música fora do eixo conseguisse circular? A arte fora do eixo conseguisse circular? E as nossas pequenas experiências começaram

12 http://foradoeixo.org.br/historico/carta-de-principios/

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a rodar de carro, as outras pequenas experiências, e começamos a pensar, que tipo de plataforma a gen-te tem que construir pra que esse fluxo seja contínuo?

E aí a gente cria três teses: Que a gente precis-ava aumentar a circulação desses processos e des-sas inteligências, que a gente precisava conseguir distribuir melhor os produtos derivados desses pro-cessos, e que a gente precisava conseguir difundir melhor essas ideias todas e construir veículos de co-municação capazes de difundir isso pelo Brasil inteiro. Então a gente queria colocar os artistas pra circular e os produtores e essa inteligências, a gente queria distribuir produtor e criar veículos de comunicação.

Então a gente coloca em 2005, 200 artistas pra circular, o cara do Acre foi toca em Cuiabá, o de Cuiabá foi toca em Goiânia, o de Goiânia em Uberlândia e o de Uberlândia em Belém, ao mesmo tempo a gente colocou os produtores locais pra irem pra esses lugares conhecer melhor essa realidades por que eles quase não tinham saído de sua cidade. Ai não existia mais lojas de cd no Brasil. As grandes lojas de departamento tinham incor-porado as lojas de cd. Então a gente tinha que criar uma forma de vender esses produtos, distribuir, fazer com que eles chegassem nas cidades e fazer banquinhas de distribuição e começamos a reunir materiais do Brasil in-teiro e distribuir nessas banquinhas. E os veículos oficias das cidades não divulgavam o que aconteciam nos out-ros estados por que mal divulgam o que acontecem nas próprias cidades. Acabam divulgando o que acontece no Rio de Janeiro, em São Paulo. Então como a gente não tinha nenhuma condição de saber o que tava aconte-

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cendo no Acre, então falamos não, também vamos criar veículos de comunicação e criamos webtvs, webradios e blogs que pudessem difundir essa história. Com um ano em 2006, duzentos artistas circularam, centenas de produtos foram distribuídos e vários blogs também se consolidaram. Em 2006 quando começamos foram duzentos artistas, em 2013 mais de trinta mil artistas circularam por essa plataforma. Em 2006 a gente tinha três ou quatro blogs, em 2013 a Mídia Ninja explodiu.

A gente começava um processo de formação den-tro das nossas casas coletivas. A casa coletiva também não foi um planeamento, era o que dava, não tinha din-heiro, tinha seis, sete pessoas, querendo fazer alguma coisa, mudamos para uma casa. E em meio ao proces-so em fluxo a gente viu que tinha uma experiência an-tropológica ali. E o que era uma pequena experiência de formação virou uma Universidade Fora do Eixo. Aí a gente criou uma moeda pra conseguir fazer com que as coisas circulassem e o que era uma pequena moeda virou cinquenta moedas espalhadas pelo Brasil e agente criou um Banco Fora do Eixo. Aí a gente começava a se articula politicamente com o Conselho Municipal de Cultura e isso virou o Partido Fora do Eixo, que não tinham pretensões eleitorais, mas era o que a gente chamava de simulacro.

Então resumidamente a gente começa com músi-ca. Tinha um estúdio de ensaios bancas queriam tocar, montamos um espaço pra elas tocarem, depois elas queriam se divulga montamos um núcleo de comuni-cação, ai elas queriam gravar, montamos um estúdio de gravação, ai elas queriam distribuir, montamos um selo. Aí não tinha dinheiro pra circular e elas queriam

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receber se não elas paravam de mobiliza politicamente, montamos um dinheiro. Aí as pessoas achavam que esse dinheiro era um dinheiro de banco imobiliário, aí fizemos uma parceria com a iniciativa privada e com o poder público, aí valorizaram esse dinheiro, só que a gente deu tanto dessa moeda que rolou um sub-prime, tinha tanta moeda na praça que a gente não tinha condições de pagar, ai que a gente se aproximou da economia solidária, ai que a gente entendeu las-tro, ai que agente começo a pensa “pô a gente precisa regular a distribuição se não a gente gera inflação, se não gera um capital especulativo” e ai foi avançando.

Tudo foi surgindo sem a gente necessariamente planejar os próximos dois, três anos, a gente brinca que a gente conseguiu na verdade estar no mesmo espaço tempo da nossa geração, a gente brinca que a gente criou um “trem” que não existia, a gente arranjou de certa forma uma solução pra disponibilidade do ativista. O nosso ativista tem 24h disponível, e ao mesmo tem-po o custo dele é muito baixo, por que é o custo dedi-cação, amor e paixão por aquilo que está fazendo, então quando ele se dedica a algo, ele não cobra muito por aquilo, por que a gratificação é fazer aquilo. Então em determinado momento a gente tem tempo disponível a baixo custo. Tudo isso acabou sendo construído pelo que a gente hoje diagnostica. Que é o que a gente chama de sistema de aceleração, sistema de disponibilidade. Como que a gente criou esse sistema de disponibili-dade na nossa rede? Então você tem lá, ativistas que tão disponíveis 24 horas por dia e que a gratificação é sua grande remuneração, é o tempo consciência, ele

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consegue ser consciente e ágil ao mesmo tempo. E é um tempo disponível que a esquerda da década de 80, a grande disputa dela era a redistribuição de renda, a gente começou a entender que talvez a grande dispu-ta do século XXI era a redistribuição de tempo. Então a gente conseguia ter um tempo disponível, e a gente poderia criar aplicativos do comum que poderiam ser utilizados por pessoas que não tinham tempo. Então a gente depositado o nosso tempo em alguns aplicativos que outras pessoas podem utilizar já que elas não têm esse tempo. Então a gente começa esse processo de redistribuição de tempo. E quando você não tem nada perder, porque você acredita muito fortemente naqui-lo e você tem tempo disponível para inventar novos lugares, é difícil você entender o que vai ser daqui três anos e é difícil até você explicar como chegou, porque não houve um planejamento, as coisas vieram aconte-cendo, porque o tempo disponível, somado a essa su-per-dedicação, gera um tempo consciente que dá uma clareza de um espaço de formação para as pessoas que tão ali dentro, que elas vão da construção de uma rede de festivais, à escoriação de uma grande rede de comu-nicação no Brasil, e ao mesmo tempo ao surgimento de uma Universidade de formação livre e a formatação de uma das maiores redes de economia solidaria e de moedas complementares no País. (CAPILÉ, 2013).13

O Fora do Eixo é uma de muitas novas formas de organização político/social/cultural que são impulsionadas a partir dos processos criados por Gil e Juca e hoje denominadas de coletivos. Podemos citar alguns que existem ou que já se desintegraram nesse constante 13 Série de vídeos “Depois de Junho”. 2013: www.depoisdejunho.com

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remix: Agência Popular de Cultura Solano Trindade, Barão de Itararé, Matilha Cultural, Ponte Jornalismo, Jornalistas Livres, Vaidapé, , Liga do Funk, Casa da Cultura Digital, Observatório das Favelas, CUFA – Central Única das Favelas, Intervozes, Existe Amor em SP, Pública – Agên-cia de Reportagem e Jornalismo Investigativo, Fluxo, Choque Cultural, Levante Popular da Juventude, Capão Cidadão, Outras Palavras, entre outros.

Temos a questão da formação dos coletivos. A coisa das massas, das multidões, essas grandes, médias e pequenas multidões que começamos a chamar hoje de coletivos né, que vão sendo formados na internet, na sociedade, e na nuvem, por conta das redes. O primeiro impacto é a rapidez com que esses coletivos podem se formar e a rapidez com que podem se informar e trans-formar informação, transformar posições iniciais em posições seguinte e etc. e etc. E como eles podem pro-cessar a visão do mundo, do entorno, que aquele núcleo maneja, enfim. Então a rede social da possibilidade que esses movimentos atuem com uma agilidade enorme de percepção, de interpretação, de visão epistemológica, de visão hermenêutica, de todas essas coisas, que dizer, dá a possibilidade de muita novidade, novidade semântica, muita. A dimensão semântica, a dimensão de signifi-cação do novo coletivo ganha, enfim, contornos e matiz-es extraordinários, diria que inimagináveis [...] A própria intenção política é submetida a um processo permanen-te de transformação. Antigamente o ativista, o militante, saía de casa com seus propósitos muito bem estabeleci-dos a partir de suas leituras e ia pra atuação na rua com aquilo na cabeça. E a possibilidade que aquilo se trans-formasse rapidamente em uma outra coisa, que aquilo

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tivesse uma fluidez semântica era muito pequena. Hoje em dia não, é bem possível que alguém vá pra rua, com um visão e uma intenção e duas horas depois saia de lá completamente transformado, por conta de tudo, por conta da profusão de informações, de meios circulantes, nos quais essas informações transitam. (GIL, 2012).14

O sociólogo Manuel Castells, na introdução de seu livro sobre os movimentos sociais contemporâneos, Redes de indignação e esperança, considera “muito cedo para elaborar uma interpretação sistemática e acadêmica sobre esses movimentos”. O que ele se propõe a fazer é, com base na teoria desenvolvida em seu livro anterior, Communication Power, lançar algumas hipóteses sobre os “novos caminhos de mudança social em nossa época”, a partir da ação dos movimentos sociais em rede. (CASTELLS, 2012, p. 22 apud SAVAZONI, 2014, p.42).

Para Castells, vivemos numa sociedade em rede:

Uma estrutura social construída em torno (mas não determinada por) redes digitais de comunicação. Eu entendo que o processo de formação e exercício das relações de poder é decisivamente transformado por esse novo contexto organizacional e tecnológico derivado da emergência das redes de comunicação digital globais, as quais consistem no fundamento sistema simbóli-co-processual de nossa época. (CASTELLS, 2012, p.22).

Na sociedade em rede, a cultura está, em geral, incorporada nos processos de comu-nicação, adquirindo uma centralidade social jamais vista. Ao mesmo tempo, o modo em que os diferentes atores programam a rede é um processo específico de cada rede.

14 Entrevista Revista Brasis – Ocupar, Resistir e Produzir na Rede. 2012: www.youtube.com/watch?v=AIdy8jYnnUU

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Se o poder é exercido programando/reprograman-do redes, o “contrapoder” se exerce utilizando dess-es mesmos dois mecanismos. (SAVAZONI, 2014, p.46).

Castells desenvolveu a definição do conceito de “auto comunicação de massas” para nomear esses processos de disputas de narrativas em rede. Com o surgimento da internet e seu conjunto de tecnologias e ferramentas característicos da era digital. Segundo ele surgem também redes horizontais de produção de conteúdo. A passividade da era da comunicação de massa abre espaço à pró atividade, onde cada um pode ser sua própria mídia, seja para publicar, como também para fazer circular suas publicações. Conquistando assim um protag-onismo até então restrito aos grandes meios de comunicação e/ou grupos políticos. Esse enx-ame de pessoas pró ativas conectadas pelas info vias de comunicação em rede, capazes de disputar espaços com as grandes redes corporativas, foi nomeado como “auto comunicação de massas”. Refere-se, portanto, a uma nova forma de comunicação específica da sociedade informacional. Centrada na articulação de redes horizontais, essa nova forma de comuni-cação, também possui uma nova arquitetura com uma nova dinâmica de forças. Consiste no potencial de participação dos novos atores sociais influenciarem, e até mudarem, as relações de poder das instituições e da sociedade. Aqui no Brasil estamos chamando este conceito de novas mídias livres e de resistência como um movimento de Midialivrismo. Movimento que pode ser entendido melhor a partir de um discurso de Ivana Bentes, que integra a equipe do atual Ministro da Cultura, Juca Ferreira, que volta à pasta em 2014 com a reeleição de Dilma Roussef, após um período de retrocesso nas políticas públicas para a cultura, marcado pela figura de Ana de Holanda. Bentes é hoje responsável pela Secretaria de Cidadania e Diversi-dade Cultural.

O que estamos chamando de Mídia Livre, Midial-ivrismo aqui no Brasil? Por que ela já tem uma história; recente no Brasil; já existe há muito tempo, mídia alter-ativa, mídia de resistência, mídia contra-hegemônica, vários nomes usados ao longo da história no Brasil; ao

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longo da ditadura militar também teve uma resistência no campo da mídia alternativa muito grande; O Pasquim, a mídia livre tem uma história no Brasil muito bacana.

Especificamente nos últimos anos no Brasil, se você pega 2013 por exemplo, a partir das manifes-tações, a produção de mídia livre explodiu de uma forma muito especial no Brasil e é um fenômeno bra-sileiro, estamos pesquisando em outros países, mas essa explosão dos coletivos de mídia, blogs, sites, é única no mundo. O Brasil tem uma cena de midialivris-tas muito grande que se constituiu nesses últimos 10 anos, que tem a ver com as políticas públicas pós gov-erno Lula, do aparecimento da internet, das redes soci-ais; onde as pessoas se apropriam da tecnologia para produzir mídia, fora das corporações e que tem a ver com um fazer cultural. Então a gente tem no Brasil a explosão da mídia ligada a grupos culturais muito es-pecíficos, mídia quilombola, mídia hip hop, mídia ligada ao funk, mídia índio, experiências interessantíssimas.

Então em 2013 vemos a emergência de um gru-po muito especial que foi a Mídia Ninja, tendo uma in-tervenção muito grande no pensamento, nas ações das manifestações de 2013; inúmeros coletivos; no Rio de Janeiro aqui teve um enxameamento, no auge de 2013, cerca de cem ou mais coletivos foram mapeados. Tam-bém surgem as redes de ódio, de difamação, de con-servadorismo, redes homofóbicas, racistas, ou seja, o Brasil está em disputa e esse campo de mídia livre é decisivo pra saber pra onde nós vamos; se esse pensa-mento conservador que emergiu de maneira muito ex-plicita e agora sem nenhum tipo de pudor nesse cenário,

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se ele se mantem, ou se agente disputa esses valores. É muito interessante, que não só os produtores de

mídia livre ligados a uma idéia de comunicação simples-mente, ou seja, vindo do campo da comunicação, que já existia; fazem essa disputa; como especialmente vocês, vocês são os novos midalivristas, pessoas que não nec-essariamente vieram do campo da comunicação, que tem atuação cultural das mais diversas, formação das mais diversas; tem aqui gente do Brasil todo né; uma diversidade muito grande de propostas, de pessoas, inclusive de plataformas, de linguagens; então essa ex-plosão das plataformas é muito singular e muito eviden-te pra quem ta trabalhando no campo da mídia livre. O Fabio Malini, pesquisador de Espirito Santo; fez uma pesquisa interessantíssima pós 2013 e percebeu que a junção desses pequenos grupos e coletivos de produção de mídia livre, forma hoje, o que podemos chamar da nova grande mídia; quando juntamos no enxame essa quantidade de grupos né, a gente ganha capacidade de ter a disputa narrativa. Quando a rede consegue essa onda de articulação, ou seja, uma rede que artic-ula de forma sincronizada uma campanha, uma ação, um valor, elas inundam as redes sócias e conseguem fazer a disputa narrativa. Então acho muito bacana ao longo aqui desse encontro a gente pensar o que é essa “grande mídia” como a gente consegue articular essas várias iniciativas que estão fragmentadas, dispersas, desarticuladas, isoladas, fragmentadas, em uma rede poderosa de disputa dos valores. Então o Mídialivrismo e Juventude aponta pro que a gente entende o que é o futuro da discussão dessa grande mídia. A discussão de

Figura 18: Montagem com gráfico de redes

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mídia é grande demais pra ficar nas mãos dos jornalis-tas ou comunicadores profissionais, ou que tem diploma de jornalista; isso já explodiu, a mídia somos nós, todo mundo que produz conteúdo relevante ou irrelevante, qualificado ou desqualificado, hoje atua e acaba ocu-pando esse lugar numa produção de discurso e de mídia.

Entendemos que o que se fala hoje nas grandes mídias, que disputam a narrativa sobre o Brasil, fazem com que o congresso aprove ou não, chantageia, tra-balha com uma disputa política, não só muito incidente, mas que funciona mesmo como um estado-mídia né. O noticiário de jornal da a temperatura hoje nas redes sociais , na televisão, mas discussões; a produção de mídia é equivalente a comoção quando o Brasil ainda acompanhava a novela das oito e discutia em rede na-cional; felizmente saiu da novela pra discussão políti-ca, com a mesma intensidade, com a mesma relação de ódio e amor; então a política está sendo discuti-da e todo e qualquer lugar e essa produção na mídia livre é decisiva nesse embate e nessa disputa dos va-lores, achamos um campo absolutamente estratégico.

E vocês vindo de vários grupos sociais distintos, que as vezes nunca tiveram uma relação com o esta-do ou com política pública, nunca entenderam direito como funciona esse negócio de estado aí ne, essa en-tidade meia caixa preta que ninguém sabe o que é. Então acho estamos num campo poderoso de enten-dimento e de incidência, eu acho que essa articulação toda da mídia livre tem capacidade de interferir na política de forma muito concreta. (BENTES, 2015).15

15 Abertura do Encontro de Midialivrismo e Juventude (15/05/2015)

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A Mídia Ninja, citada por Ivana, é um cole-tivo de comunicação independente (Narrativas Independentes Jornalismo e Ação) que é incuba-do dentro do Fora do Eixo e em certo ponto passa a andar com suas próprias pernas. Nas manifes-tações contra a tarifa do transporte público em 2013, foram decisivos na quebra narrativa contra a mídia hegemônica, que criminalizava os protestos, intitulando os manifestantes de vândalos, quando na verdade estavam injustamente sendo agredidos pelas forças repressivas da Polícia Militar. Em uma única transmissão online, diretamente de dentro das manifestações, chegaram a ter 200 mil pes-soas conectadas. O sucesso da iniciativa levou-os ao reconhecimento da mídia tradicional e vem sus-citando debates acalorados entre comunicadores, jornalistas, políticos e ativistas.

A Mídia Ninja emerge como uma nova forma de comunicação. Cobrindo os protestos através de trans-missões ao vivo via um celular nos permitiu ser invisíveis no meio dos protestos e algo mais, nos permitiu mostrar como era estar nos protestos, apresentar às pessoas de casa essa perspectiva subjetiva. E o mais importante que wa simplicidade do equipamento era nossa mentalidade. Não nos comportamos como uma mídia, competindo por notícias. Mas estávamos tentando encorajar as pes-soas, convidando pessoas e até ensinando-as como se tornarem sua própria mídia. Essa mentalidade tomou

Figura 19: Transmissão ao vivo

Figura 20: Manifestações Junho 2013

Figura 21

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conta dos jovens e se tornou numa espécie de Mídia Mainstream da mídia social. Tínhamos alguns milhares de seguidores na nossa página do Facebook e de repente chegamos aos 250 mil. Nossos posts e vídeos foram vistos por mais de 11 milhões de pessoas por semana.

Assim a Mídia Ninja evoluiu e se consolidou como o que esperávamos que se tornasse. Uma rede nacional de centenas de jovens que se organizam localmente para fazer a cobertura de algo, em questões sociais, relaciona-das aos direitos humanos e se expressando não apenas politicamente, mas jornalisticamente. Mas, há algo mais significativo aqui que acredito ser mais importante que minha experiência pessoal. Eu disse que a transmissão ao vivo poderia transformar a web em uma imensa rede de TV. Porém eu acredito que ela faz algo a mais, porque, depois de ver as pessoas usando-a, não só para cobrir coisas, mas como para se expressar e se organizar politi-camente, creio que a transmissão ao vivo pode transfor-mar o espaço virtual em uma arena política global, onde qualquer pessoa possa ter voz. (TORTURRA, 2014).16

No fundo, é isso o que está em jogo no tal movimento antiglobalização. Nele se manifesta uma

oposição enfática ao desmonte da coletividade, à privatização do saber, da produção de conhecimento e do bem comum. Entre seus vários ativistas destacam-se, por sua natureza bombástica particularmente eficaz, o movimento do software livre e o hacker. Sua oposição é ativa na esfera mais importante para o capital: a esfera da produção, da disseminação, da socialização e da organização do saber.

Voltando a cronologia do Minc, em 2008, Gilberto Gil pediu exoneração do cargo de Ministro da Cultura por motivos pessoais e foi sucedido, como dito, por Juca Ferreira, então 16 TED GLOBAL – Outubro de 2014 - www.ted.com/talks

Figura 22: Manifestações Junho 2013

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secretário-executivo do MinC. Ferreira deu continuidade à gestão de Gil, ficando no cargo até o fim do segundo mandato de Lula, em 2012. Com a eleição de Dilma Roussef para a presidência, foi escolhida, como citado anteriormente, Ana de Holanda para a pasta. A partir de então, o MinC passou por um momento de instabilidade política, especialmente no que diz respeito às políticas e ações mais progressistas dos anos anteriores. Em sua breve pas-sagem pela pasta, ficou claro um viés conservador por parte da ex-ministra com relação às duas gestões anteriores, ainda que fossem do mesmo partido.

Outros problemas ocorreram e o clima de instabilidade fortificou-se na gestão de Ana de Holanda, marcada por muitos conflitos com as redes e coletivos, acarretando o em sua substituição por Marta Suplicy na gestão da pasta em setembro de 2012.

É possível afirmar que, neste período de gestão Gil/Juca e sua retomada nos dias de hoje, com a volta de Juca Ferreira em 2014, houve uma mudança substancial no papel da pasta e no entendimento que esta passou a ter do que é cultura e do que são políticas cul-turais. Assim, o MinC elabora e implementa políticas com foco na pluralidade e ao mesmo tempo na singularidade, na melhor distribuição de recursos públicos e no empoderamento de setores historicamente marginalizados.

Ainda que seja discutível a questão de até qual ponto estes objetivos já foram ou não atingidos e o quanto serão, não há como negar que a proposição destes objetivos e tentativa de colocá-los em prática foi uma inovação no cenário das políticas culturais no Brasil.

Em 22 de julho de 2014 foi sancionada a Lei Cultura Viva, nº 13.018, que transformou a sua ação estruturante mais conhecida, os Pontos de Cultura, na Política Nacional de Cultura Viva - simplificando e desburocratizando os processos de prestação de contas e o repasse de recursos para as organizações da sociedade civil.

Os Pontos de Cultura, presentes em todos os estados brasileiros e em cerca de mil municípios, agora têm sua Lei própria, a Política Nacional de Cultura Viva. São mais de 3 mil Pontos de Cultura em todo o país, que reúnem em suas ações cerca de 8 milhões de pessoas, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

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São objetivos da Política Nacional de Cultura Viva:

• Garantir o pleno exercício dos direitos culturais aos cidadãos brasileiros, dispon-do-lhes os meios e insumos necessários para produzir, registrar, gerir e difundir iniciativas culturais;

• Estimular o protagonismo social na elaboração e na gestão das políticas públicas da cultura;

• Promover uma gestão pública compartilhada e participativa, amparada em mecanis-mos democráticos de diálogo com a sociedade civil;

• Consolidar os princípios da participação social nas políticas culturais; • Garantir o respeito à cultura como direito de cidadania e à diversidade cultural como

expressão simbólica e como atividade econômica; • Estimular iniciativas culturais já existentes, por meio de apoio e fomento da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;• Promover o acesso aos meios de fruição, produção e difusão cultural; • Potencializar iniciativas culturais, visando à construção de novos valores de cooper-

ação e solidariedade, e ampliar instrumentos de educação com educação; • Estimular a exploração, o uso e a apropriação dos códigos, linguagens artísticas e es-

paços públicos e privados disponibilizados para a ação cultural.17

Visto todo esse processo que se passou no país e fazendo uma leitura do contexto

atual, podemos dizer que vivemos um momento de intensas transformações e uma crise de dimensões globais que atinge os mais diversos setores e institucionalidades.

De 7 a 13 de dezembro de 2015, pensadores, ativistas, artistas, produtores culturais, gestores e agentes políticos de todo o mundo vão participar, no Rio de Janeiro, na Região Metropolitana e na Baixada Fluminense, do Emergências, projeto do Ministério da Cultura (MinC), por meio da Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural em parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF). A iniciativa é fruto de forte demanda dos movimen-17 http://www.cultura.gov.br/cultura-viva1

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tos sociais e está relacionado à conjuntura turbulenta vivida pelo país. “Emergências no sentido da necessidade imediata de ações que superem a crise e

façam frente ao retrocesso no campo dos direitos, e no sentido daquilo que está vindo à tona”, observa Ivana Bentes, Secretária de Cidadania e Diversidade Cultural (SCDC) do MinC, referindo-se ao surgimento de uma “verdadeira revolução sociocultural”, que, aliada à mu-dança tecnológica e às comunicações, viabiliza novos territórios culturais, novas formas de organização social e um novo mundo no campo da informação.

“O objetivo é pensar a cultura na centralidade das lutas pela ampliação dos direitos e entender as mudanças no campo da política, dos comportamentos, da economia, das artes. Debater a emergência de novos modelos de sociabilidade”, considera.

Outra questão em pauta são as novas estéticas políticas. Quais linguagens correspon-dem à forma de organização em redes e ruas? “Assim como o movimento estético-político construtivista surgiu com a Revolução Russa e maio de 68 trouxe novas formas de manifes-tação e comportamento, é interessante pensar sobre essas estéticas hoje”, observa Ivana. (BENTES, 2015).18

O objetivo é pensar a cultura na centralidade das lutas pela ampliação dos direitos e entender as mudanças no campo da política, dos comportamen-tos, da economia, das artes, e debater a emergência de novos modelos de sociabilidade. Trata-se de criar um território cognitivo e afetivo, um espaço de conex-ão e diálogos para viver e pensar as aventuras políti-cas do século XXI. A ideia é reunir coletivos, indivídu-os e redes que entendem que a mudança só virá a partir de uma transformação cultural e de mental-idade baseada no respeito à diversidade e em um re-encantamento da política. (EMERGÊNCIAS, 2015).19

.18 www.outraspalavras.net/blog/2015/11/04/emergencias-para-combinar-ativismo-e-cultura/19 www.emergencias.cultura.gov.br

Figura 23: Flyer Emergências

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“A cultura tem o papel absolutamente central, pri-oritário, pra transformar o ser humano que nasce sem in-formação, que vai recendo a informação ao decorrer da vida, num cidadão participante, envolvido, preocupado consigo, com os outros e com o ambiente em que vive.”

Danilo Santos de Miranda20

“Cultura não é arte, só arte, arte é uma par-te vital da cultura, é o oxigênio da cultura, mas a cul-tura vai além das artes. Num sentido antropológico, cultura são todos os fazeres, pensares, tudo aquilo que mexe com o imaginário, tudo aquilo que carrega essa marca da ação, da sociedade, do homem [...]”

Alfredo Manevy21

“A função da cultura e da educação é transformar cada um de nós em um sujeito que consegue conviver com outros.”

Oscar Vilhena Vieira22

20 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.br21 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.br22 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.br

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“Pensando em cultura no sentido de uma ed-ucação para a vida, integral, educação desse sujeito que está no mundo contemporâneo, da diversidade, da pluralidade, onde a questão dos diferentes, do diálogo e temporalidade que vivemos é de fundamental im-portância pra estar construindo esse sujeito, que é um sujeito critico, cidadão, participativo da sociedade.”

Maria Alice Setubal23

“É preciso garantir educação de qualidade e acesso pleno a cultura, pra desenvolvimento da condição humana, pro desenvolvimento individ-ual das pessoas, pra potencializar e qualificar as relações sociais, pra gerar valores e possibilidades que as novas situação que o século XXI vem criando.”

Juca Ferreira24

23 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.br24 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.br

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3 - Centro de Cultura e Comunicação/Brás

A intenção do projeto foi criar um ambiente de intersecção de ideias e pessoas que ser-visse cultural e socialmente os moradores e simpatizantes do Brás, servindo também como instrumento de quebra de preconceitos e acesso a novos repertórios. Um centro onde as pessoas permaneçam e usem seu tempo para criar, construir, crescer e se conscientizar. Tem como objetivo aproveitar ao máximo o potencial criativo da população e toda sua plurali-dade, permitindo-se ser ocupado pelas mais diversas culturas, incentivando a troca de con-hecimento livre com oficinas, debates, vivências, aulas públicas e toda atividade que vise o coletivo.

Em uma entrevista com Marcus Faustini, da Agência de Redes para Juventude ele falou que o grande o objetivo é criar ambientes, para encontros, criativ-idades, superação de preconceitos e tal e eu lembrei de Arquitetura e Urbanismo, pensando na concret-ização dos ambientes. As cidades são ambientes, que geralmente freiam, obstam, essas conexões, criam di-ficuldades como a imobilidade urbana, as extremas desigualdades e a conversa tem sido sobre o trânsito. Como facilitar o transito? Não de automóveis, mas o trânsito de informação e do diálogo, para que esses muros sejam derrubados, aproximando moradores, bairros, diferentes, experiências. (SOARES, 2013).1

1 Série de vídeos “Depois de Junho”. 2013: www.depoisdejunho.com

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Inicialmente foi feito um levantamento das vias principais do Brás e os principais fluxos de pes-soas da área, bem como os edifícios históricos da região. A partir disso foi pensado um plano urba-no com ciclovias e com um corredor verde (arbor-ização e alargamento de calçadas) que interligasse áreas importantes do bairro, tendo o Parque Dom Pedro II como um dos principais pontos de aces-so. Além disso, foram propostas transposições da linha férrea em certos locais, pois ela acaba sendo cerceadora dos fluxos entre área principal e seu en-torno. O projeto se localiza em uma das principais vias do plano urbano, que dá acesso ao parque, a Rua do Gasômetro, tendo fachadas também para a Rua da Alfandega e Rua Assunção.

A ideia com o projeto foi criar um ambiente a partir do entendimento das políticas culturais ad-otadas no Brasil e elucidadas no capítulo 2.

Para isso a troca contínua entre os polos cul-turais no projeto é essencial e a troca entre as pessoas é imprescindível. Visto isso foi pro-jetado uma implantação em que se ocupa o entorno, com um ambiente chamado de “Ateliê Contínuo”, onde se dá a constante mistura entre os setores culturais, em um enorme local de sinergia e produção livre, além de uma área para exposição de tudo que é produzido no espaço, enquanto o centro é aberto, formando uma ampla área externa para que ocorram as mais diversas atividades, desde a produção livre, servindo de anexo ao ateliê, como shows, palestras etc. No nível térreo também foi pensado como partido, um eixo de transposição da quadra, entre a Rua do Gasômetro e a Rua Assunção.

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O térreo tem pé direito duplo e apresenta também um refeitório e um mezanino que percorre grande parte do nível chamado de ”Layer de Observação” (laranja) que também dá acesso a um eixo de circulação vertical, formando um percurso que permite observar todas atividades dos mais diversos ângulos, fazendo com que diversas narrativas sejam criadas e com que sempre ocorra troca entre quem ocupa os ambientes, nem que sejam apenas de olhares.

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O projeto se desdobra em alguns polos: O primeiro andar é o complexo de Mídia/Cultura Digital/Redes. Conta com salas de tratamento fotográfico, estúdios de fotografia, ilhas de edição, salas de projeção e uma sala de mídia e redes que também integra um Fa-bLab (ponto de encontro entre profissionais e estudantes, makers e empresas, entusiastas e especialistas; oferecendo espaço, máquinas, ferramentas e todo o apoio necessário para o desenvolvimento de produtos e ideias, muito através da modelagem 3d, fresadoras etc.)

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O “Comunicação” no nome do projeto aparece, pois, o projeto além de incentivar a constante troca entre quem o ocupa, também incentiva todo esse universo ligado à mídia, cultura digital e redes, que é essencial para compreender os rumos na comunicação no sécu-lo XXI e insere o projeto de forma íntegra no espaço-tempo em que é idealizado.

Em nossa sociedade, o espaço público dos mov-imentos sociais se constrói como espaço híbrido entre as redes sociais da Internet e o espaço urbano ocupa-do: conectando o ciberespaço e o espaço urbano em uma interação incessante e constituindo tecnológi-ca e culturalmente comunidades instantâneas de práticas transformadoras. A questão fundamental é que este novo espaço público, o espaço interconect-ado entre o espaço digital e o urbano, é um espaço de comunicação autônoma. (CASTELLS, 2012, p.28).

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O segundo andar é o núcleo de Artes Cênicas. Conta com salas de dança, salas de teatro e performances e um auditório que é compartilhado entre os núcleos de dança e de música.

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O terceiro andar é dedicado à Música e conta com de salas para ensaio, salas para aula de música e estúdios para gravação e produção musical.

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Do ponto de vista formal, partindo do conceito de ocupação dos arredores do terreno e do centro livre, pensei em construir um edifico que mantivesse a fachada voltada para a Rua do Gasômetro alinhada com os lotes vizinhos, de forma que dialogasse melhor com o entorno, enquanto o outro lado, voltado para a Rua Assunção teria um escalonamento dos andares no sentido Rua Assunção – Rua do Gasômetro, a partir de um corpo mais longo de acesso no térreo, dialogando com as formas alongadas dos galpões vizinhos.

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“O desafio da democracia no século XXI é como lidar com todas essas diferenças, incorporar elas e per-mitir aí, o pleno desenvolvimento de uma personalidade tolerante, democrática e que se sente confortável em viv-er com aquilo que não é o seu normal de modo de vida.”

Oscar Vilhena Vieira2

2 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.br

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“A cultura tem a possiblidade de construir e tecer essa trama e trazer pra esse sujeito os sentidos da vida e um sentido de reconhecimento, de se sentir perten-cendo a uma sociedade, a um tempo, um espaço, a um tempo histórico e sendo reconhecido pelos seus pares, por aquela sociedade, como um sujeito quem tem algo a dizer, a produzir, contribuir pra esse momento histórico que ele está vivendo e a cultura é capaz de fazer isso.”

Maria Alice Setubal3

3 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.br

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“A nossa cultura tem que ser trans-egoica, trans-racial, pra unir tudo isso, dialogalmente, sem destru-ir nenhuma dimensão dessa diversidade, e o diálogo en-tre essas culturas é fundamental fazendo que a riqueza do todo ainda seja maior que a soma de todas culturas.”

Marcos Arruda4

4 Coleção de Vídeos Cultura Viva. 2009: www.vivaculturaviva.org.br

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Conclusão

A Cultura em toda sua complexidade, possibilidades e campos poderosos de inter-ações, pode ser compreendida como o paradigma do século XXI. O campo da Arquitetura e do Urbanismo, de forma uníssona, em suas múltiplas funções e objetivos, tem o compromis-so de acompanhar o tempo-espaço e potencializar processos evolutivos ao longo da história.

Não cabe ao Estado fazer Cultura, conforme dito anteriormente, mas é sua obrigação criar condições para este florescimento.

A construção do entorno da cidade é um prob-lema cultural, entendendo a cultura em seu senti-do mais amplo, que intervém na economia, na arte, na ciência, no pensamento, etc. A cultura é um mo-tor da economia. A arquitetura é um produto de nos-so tempo e a única maneira de ser atemporal é ser absolutamente temporal e que os edifícios reflitam a hora e o minuto em que foram pensados e con-struídos. (GAUSA, GUALLART, MULLER, 2001, p. 65).

Visto todo esse processo que o país passou e fazendo uma leitura do contexto atual, podemos dizer que vivemos um momento de intensas transformações e uma crise de di-mensões globais, que atinge os mais diversos setores e institucionalidades. Momento que surgem também as redes de ódio, difamação, conservadorismo, redes homofóbicas, racistas. O Brasil e o mundo estão, acima de tudo, passando por uma crise de valores.

O país possui dificuldades imensas em lidar com o dilema do público/privado. A apro-priação do espaço público pelo privado é inegável, como algo inerente ao sistema. Além dis-

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so, são muitos e muitos anos de propagação da política do medo e disseminação da “lógica do condomínio”.

Mesmo com as inovações no cenário das políticas culturais no Brasil, que foram de contramão a esses processos, ainda há muito trabalho a se fazer.

Podemos considerar também que a democracia é algo muito recente no país e que ainda estamos em construção.

Neste contexto, a criação de ambientes que potencializem as relações entre o espaço público, digital e urbano, as redes e as ruas, é fundamental neste momento.

Segundo o filósofo Vladimir Safatle devemos entender a vida social como um circuito de afetos. Ele conclui que o afeto que construiu nossos vínculos sociais, historicamente no Brasil, foi o medo. Há de se pensar se boa parte de nosso bloqueio político-social e nossa incapacidade de traçar novos futuros, não venha do fato que, o afeto que em larga medida construiu nossa sociedade, foi o medo. Neste contexto, a ideia de que viveríamos uma socie-dade que seria cada vez mais organizada a partir de um espectro de uma lógica do condomí-nio era perfeito para quem reproduz o medo. (SAFATLE, 2015).

Podemos entender a busca por projetos que apresentem térreos livres, que compon-ham misturas e sobreposições de funções e programas, espaços públicos qualificados e que proponham novas morfologias urbanas, como uma disputa política e de imaginário, uma disputa de afetos. Fruto de sociedades que vivem sob um sistema democrático e em um processo de cada vez mais acesso a informação, graças as novas tecnologias, necessitando cada vez mais de soluções coletivas para o contexto urbano. Fruto do entendimento que a cidade deve ser cada vez mais para as pessoas e para o bem-estar coletivo e não apenas uma malha urbana sujeita a todas as imposições do capital especulativo. Além disso, abre-se cada vez mais a discussão de novos meios de sustentabilidade econômica em novos espaços, a partir de projetos que apresentam novas tipologias e formas de ocupação, em sincronia com configurações inéditas de sociabilidade.

É necessário colocar a Cultura na centralidade e discutir a formulação de novas formas de interação. Criar novos ambientes para novos afetos. Novos espaços de incidência, conex-

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ão e diálogos, para viver e pensar os arquétipos deste século.Como dito, é inevitável pautar a importância do papel cultural do Brasil do Remix, de

uma raça de todas as raças, perante os desafios que a humanidade irá enfrentar nas próxi-mas décadas.

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Lista de Imagens

Ilustração pg. 08 - Fonte: upload.wikimedia.org

Ilustração pg.13 - Fonte: www.pinterest.com

Ilustração pg.14 - Fonte: vistelacalle.com

Ilustração pg.15 - Fonte: deviantart.net

Ilustração pg.16 - Fonte: upload.wikimedia.org

Fotografia pg.17 - Fonte: footynews.com.br

Fotografia pg.19 - Fonte: acremviagem.blogspot.com

Fotografia pg.23 - Fonte: nationofchange.org

Logotipo pg.25 - Fonte: www.cie-dca.com

Imagem pg.31 - Fonte: wikipedia.org

Fotografia pg.35 - Fonte: media.escola.britanica.com.br

Logotipo pg.36 - Fonte: observatoriodadiversidade.org.br

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Fotografia pg.36 - Fonte: flickr.com/midianinja

Fotografia pg.36 - Fonte: flickr.com/midianinja

Logotipo pg.37 - Fonte: fcgt.com.br

Ilustração pg.50 - Fonte: facebook.com/emergenciascultura

Fotografia pg.52 - Fonte: flickr.com/midianinja

Fotografia pg.52 - Fonte: flickr.com/midianinja

Logotipo pg.52 - Fonte: flickr.com/midianinja

Fotografia pg.53 - Fonte: flickr.com/midianinja

Flyer pg.56 - Fonte: uff.br

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