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João Pedro Bento Folhas Escola Secundária de D. Duarte Concurso: Rómulo de Carvalho O Engenho na Região Centro Engenhos da Quinta dos Salgueiros

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Page 1: Engenhos da Quinta dos Salgueiros - Universidade de Coimbra · Do ponto mais alto do sistema saía uma trave de madeira que na ponta formava a canga, sendo esta ... Na Quinta dos

João Pedro Bento Folhas

Escola Secundária de D. Duarte

Concurso: Rómulo de Carvalho

O Engenho na Região Centro

Engenhos da Quinta dos Salgueiros

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Introdução

Este trabalho insere-se no projeto de Verão promovido pelo Centro Ciência Viva sediado no

Departamento de Física da Universidade de Coimbra, cujo patrono é o Professor Rómulo de Carvalho,

entusiasta da ciência mostrando, enquanto professor, que a Física estava presente no nosso dia-a-dia.

Este projeto foi apresentado com intenção de ocupar os tempos livres dos jovens, fazendo com que

observassem, investigassem o funcionamento de Engenhos e a sua utilidade para o homem. Toda a

tecnologia que hoje possuímos foi fruto de alterações de instrumentos rudimentares construídos no

passado. A este propósito o Professor Rómulo de Carvalho escrevera:

"O presente é construído sobre o passado. Na Ciência como na vida. " (...) em todos os tempos

houve homens que observaram a Natureza e que, pouco a pouco, deram resposta às suas interrogações.

O que então foram descobrindo comunicaram aos seus filhos, e os filhos aos netos, e os netos

aos bisnetos, ou por boca ou por escrito, e assim pelos tempos fora. Cada geração de homens que

aparece no Mundo tem à sua disposição tudo quanto os homens antes deles pensaram e descobriram.

Podem até os novos repensar o que os seus antepassados já tinham pensado e acharem que estavam

erradas as respostas que eles deram.

Então procurarão dar respostas melhores, e assim sucessivamente"

Extraído de “A intervenção pedagógica de Rómulo de Carvalho no ensino da Física e na divulgação do conhecimento científico” Para os físicos e amigos d a física. w w w . G A Z E T A D E F Í S Í C A. S P F. PT

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Quinta dos Salgueiros

Nos arredores de Coimbra, situada na freguesia de Antanhol, a Quinta dos Salgueiros pertence

à minha família há várias gerações. Neste terreno praticava-se agricultura de sustento, cultivava-se em

grande parte milho. Este era utilizado tanto na alimentação humana como na alimentação dos animais,

além do milho também todo o tipo de produtos agrícolas da região: batatas, feijões, favas etc.

A água era essencial para as culturas de regadio e uma preocupação constante na altura das

culturas. Um poço com água numa terra, era uma riqueza.

A Quinta dos Salgueiros possuía dois poços unidos por uma mina. Do poço principal a água era extraída

com um engenho (nora). Em invernos chuvosos o nível freático atingia cotas superiores. Este excesso de

água era drenado através da mina para o poço secundário atingindo este também um nível de água

considerável. A água do poço secundário era retirada por um engenho rudimentar (cegonha), para regar

as culturas. O terreno localizado ao lado poço secundário possuía um tanque onde a água extraída pela

nora era conduzida através de uma caleira existente no muro limítrofe da propriedade sendo

armazenada no tanque para, posteriormente, ser utilizada nas culturas agrícolas aí praticadas.

Engenhos

Engenho (nora) - As noras possuem uma haste horizontal (3) acoplada a um eixo vertical (1) que por

sua vez está ligado a um sistema de rodas dentadas (2).

Figura 1 – Parte de um Engenho ainda existente na minha aldeia

Do ponto mais alto do sistema saía uma trave de madeira que na ponta formava a canga, sendo esta

engatada ao cachaço do animal e este girava à volta do poço fazendo rodar a roda horizontal, sendo

essas rotações transmitidas à roda vertical através de uma engrenagem dentada. Nesta roda estava

pendurada a corrente de alcatruzes (4) que, como é lógico, era de diâmetro variável, de acordo com a

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profundidade do poço. Os alcatruzes desciam de boca para baixo, mergulhavam e subiam cheios de

água.

Um dado curioso era o facto de os recipientes terem um buraco no fundo

ou três como no alcatruz representado na figura 2. O proprietário do

engenho representado na figura 1 referiu que os furos nos alcatruzes

tinham como finalidade fazer o seu despejo quando o engenho não estava

a servir e impedir assim que apodrecessem mais rapidamente. Muitos

ficavam mergulhados na água e durante o inverno tinham que ser

desmontados para não se deteriorarem.

O movimento da nora era acionado pela tração animal. As formas de

energias que estão inerentes a este sistema começam com a energia

química dos alimentos que o animal ingere e que depois é convertida em

ATP. Esta forma de energia era utilizada no movimento do animal que

provocava a rotação da haste criando energia mecânica, fazendo assim

com que os alcatruzes fossem buscar a água ao fundo do poço, depois regressavam e quando atingiam a

posição mais elevada começavam a verter a água numa caleira. Esta podia ser diretamente utilizada no

regadio ou armazenada num tanque. O ciclo de ida e volta dos alcatruzes ao fundo do poço para retirar

água mantém-se enquanto for fornecida energia mecânica.

Era normal verem-se trilhos em volta dos poços com noras, pois a tração que os animais exerciam, fazia

com que houvesse desgaste de terreno criando os trilhos. Estes trilhos reduziam o atrito facilitando o

andamento dos animais.

Na Quinta dos Salgueiros, a nora era movida por vacas de trabalho, que se deslocavam de olhos

vendados, para evitar que se desorientassem, pois muitas vezes andavam à volta do poço sem ninguém

a guiá-los.

Observemos a nora com olhos de cientista:

A primeira coisa que nos chama a atenção é o conjunto de rodas de formas diferentes que fazem parte

das engrenagens que vão mover a corrente de copos (alcatruzes) que vão ao fundo do poço e retiram a

água.

O conjunto de rodas dentadas que estão assinaladas com (2) é designado de sistema de cónicas.

Este sistema é usado para mudar a rotação e a direção da força. É de

notar que os eixos de rotação deste sistema são perpendiculares. Os

conjuntos cónicos de dentes helicoidais têm transmissões mais

suaves e silenciosas.

O animal que tocava a nora era preso a um eixo perpendicular ao

que está indicado na figura com o número (1).

O eixo assinalado com o número (3) está ligado, por meio de raios, a

um sistema cilíndrico em cuja face lateral é colocada uma corrente

de alcatruzes.

Na figura observamos, ainda, uma roldana fixa (5).

Dizem as pessoas mais idosas que o movimento deste sistema

produzia um ruído muito característico e que contribuía para tornar

mais suave o trabalho árduo do cultivo da terra.

Figura 2 – Alcatruz que se

prendia na roda do engenho

(4)

Figura 3 – Engrenagens

cónicas

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Cegonha - aparelho rudimentar composto por um poste vertical, enterrado na terra, encimado por

uma forquilha, onde se fixava, num eixo, uma vara, funcionando de alavanca interfixa. Numa das

extremidades desta vara era pendurada na vertical outra vara, fina e comprida, possível de ser segura

entre as mãos. Esta por sua vez tinha uma argola onde se pendurava o balde que se mergulhava na

água; na outra extremidade da vara era colocado um contrapeso

fixado, normalmente, uma pedra ou mais. A massa do

contrapeso era calculada de modo a que não fosse difícil levantá-

lo quando se descia o balde vazio, mas que na situação inversa,

fosse suficiente para ajudar a retirar o balde cheio de água até à

superfície, facilitando assim o trabalho do homem.

O professor Rómulo de Carvalho numa das suas aulas de Física

ter-se-ia servido da cegonha, como exemplo, para explicar, aos

seus alunos, que se tratava de uma máquina simples, alavanca

interfixa, um sólido alongado e rígido (vara) que pode girar à

volta de um ponto de apoio, designado por fulcro (forquilha).

Comparando a alavanca interfixa com a cegonha podemos

relacionar os seguintes elementos:

Figura 5 – Correspondência entre os elementos constituintes de uma cegonha e uma alavanca interfixa

O ponto de apoio que fica entre o objeto que se quer levantar (ponto de resistência) e o ponto onde se

exerce a força (ponto de potência).

A resistência (R), exercida pelo peso do objeto, e a potência (P), força necessária para a relação: R × Br =

P × Bp

Br - braço de resistência – é o comprimento entre o ponto de resistência e o ponto de apoio;

Bp - braço de potência – é o comprimento entre o ponto de potência e o ponto de apoio.

A cultura e o tratamento do milho

O milho era cultivado em abundância porque se podia utilizar na alimentação

dos animais e do próprio homem. O milho tinha de passar por vários tratamentos antes

de poder ser consumido entre quais a apanha, o descamisar. De seguida o milho era

espalhado em eiras para secar. Depois de secas as espigas eram malhadas para que o

grão se soltasse, este trabalho era efetuado por grupos de homens munidos de malhos

de madeira, este trabalho veio posteriormente a ser facilitado com a invenção da

debulhadora manual, com engrenagens de modo que movendo a manivela as espigas

colocados no tabuleiro inclinado iam sendo debulhadas. O grão separava-se do carolo.

Figura 4 – Cegonha existente no Choupal

Figura 6 - Debulhadora

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O milho, depois de bem seco, era guardado em grandes arcas.

De acordo com as necessidades, algum dele, constituía a ração dos animais da quinta e outra

parte era reduzida a farinha em moinhos de água, também abundantes na freguesia.

A farinha depois era utilizada na confeção de pão de milho (broa).

Figura 6 – Restos de um dos moinhos e respetivo rodízio com aproximadamente 300 anos.

Conclusão

Este trabalho permitiu que conhecesse alguns equipamentos outrora utilizados na Quinta dos Salgueiros

para retirar água do subsolo.

A nora é um dos muitos exemplos da utilização da roda que foi uma grande, se não a maior invenção da

humanidade criada na pré-história e que perdura até aos dias de hoje. Com o passar do tempo e com a

descoberta dos metais e de outros materiais, as rodas foram tomando formas diferentes de acordo com

o avanço da tecnologia.

Tanto a nora como a cegonha caíram em desuso com o aparecimento dos motores de rega a petróleo e

posteriormente movidos a eletricidade.

Bibliografia

http://meioseculodeaprendizagens.blogspot.pt/2010/03/gaivotas-e-noras-de-alcatruzes.htm

http://paisagens-diversas.blogspot.pt/2009/05/nora.html

http://jeffoliveira.blogspot.pt/2008/10/engrenagem.html