energias químicas no cotidiano: madeira, carvão e hulha a madeira · foram usadas na confecção...

13
Energias químicas no cotidiano: madeira, carvão e hulha A madeira O combustível natural mais utilizado pela humanidade ao longo de milhares de anos foi, sem dúvida, a madeira. Na forma de lenha ou convertida em carvão vegetal, a madeira nos serviu como fonte de calor nos dias frios, consumida em fogueiras, lareiras, fornos e fogões para preparo de alimentos, além de fornecer energia luminosa. Locomotiva a vapor. A água é fervida em uma caldeira, que usa lenha ou carvão como combustível. A força do vapor sob pressão é que movimenta o veículo. Muitas florestas dos continentes europeu e norte- americano foram queimadas para movimentar locomotivas. Disponível em: <http://pixabay.com/pt/alemanha-trem-estrada-de-ferro-95947/>. Acesso: 30 out. 2013. A partir do século 17, as máquinas a vapor das locomotivas e fábricas intensificaram ainda mais o consumo de lenha até a substituírem por carvão mineral, petróleo e, mais modernamente, por motores elétricos. Ainda hoje, muitas padarias e pizzarias usam a lenha como combustível para seus fornos. O típico churrasco gaúcho não utiliza carvão, mas madeira. Devido à proibição e maior fiscalização nos grandes centros urbanos, o consumo de lenha de florestas nativas ou do cerrado diminuiu muito, sendo comum a utilização de pedaços de madeira de mobiliário antigo, madeira rejeitada da construção civil e de outras atividades, gravetos e galhos de árvores urbanas e até madeira de reflorestamento, como o eucalipto. A prática de queimar madeira já foi considerada uma atividade normal nos milênios e séculos passados. Com a difusão das ideias preservacionistas, muito rapidamente essa prática passou a ser considerada ecologicamente condenável. No entanto, com a expansão da prática do reflorestamento, “queimar madeira”, ou, melhor, “gaseificar e queimar a biomassa de uma floresta artificial” passou a ser uma atividade “ecologicamente correta”. Afinal, este carbono lançado na atmosfera não é proveniente de combustíveis fósseis, como o do petróleo ou do carvão mineral, mas já estava na atmosfera há no máximo uma década e foi armazenado com o crescimento da planta. No lugar de onde foi retirada a madeira, nova floresta será plantada, renovando o ciclo, ou seja, é uma energia “renovável”.

Upload: phungque

Post on 09-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Energias químicas no cotidiano: madeira, carvão e hulha

A madeira O combustível natural mais utilizado pela humanidade ao longo de milhares de anos foi, sem dúvida, a madeira. Na forma de lenha ou convertida em carvão vegetal, a madeira nos serviu como fonte de calor nos dias frios, consumida em fogueiras, lareiras, fornos e fogões para preparo de alimentos, além de fornecer energia luminosa.

Locomotiva a vapor. A água é fervida em uma caldeira, que usa lenha ou carvão como combustível. A

força do vapor sob pressão é que movimenta o veículo. Muitas florestas dos continentes europeu e norte-americano foram queimadas para movimentar locomotivas.

Disponível em: <http://pixabay.com/pt/alemanha-trem-estrada-de-ferro-95947/>. Acesso: 30 out. 2013.

A partir do século 17, as máquinas a vapor das locomotivas e fábricas intensificaram ainda mais o consumo de lenha até a substituírem por carvão mineral, petróleo e, mais modernamente, por motores elétricos. Ainda hoje, muitas padarias e pizzarias usam a lenha como combustível para seus fornos. O típico churrasco gaúcho não utiliza carvão, mas madeira.

Devido à proibição e maior fiscalização nos grandes centros urbanos, o consumo de lenha de florestas nativas ou do cerrado diminuiu muito, sendo comum a utilização de pedaços de madeira de mobiliário antigo, madeira rejeitada da construção civil e de outras atividades, gravetos e galhos de árvores urbanas e até madeira de reflorestamento, como o eucalipto.

A prática de queimar madeira já foi considerada uma atividade normal nos milênios e séculos passados. Com a difusão das ideias preservacionistas, muito rapidamente essa prática passou a ser considerada ecologicamente condenável. No entanto, com a expansão da prática do reflorestamento, “queimar madeira”, ou, melhor, “gaseificar e queimar a biomassa de uma floresta artificial” passou a ser uma atividade “ecologicamente correta”. Afinal, este carbono lançado na atmosfera não é proveniente de combustíveis fósseis, como o do petróleo ou do carvão mineral, mas já estava na atmosfera há no máximo uma década e foi armazenado com o crescimento da planta. No lugar de onde foi retirada a madeira, nova floresta será plantada, renovando o ciclo, ou seja, é uma energia “renovável”.

Quimicamente

Existem tantos tipos de madeira quanto de árvores no mundo. Não existe uma madeira exatamente igual à outra, nem mesmo da mesma árvore. Isso porque as características físicas e químicas da madeira variam de espécie para espécie, de árvore para árvore, de uma estação do ano para outra, dos nutrientes disponíveis no solo, da base para o topo, da casca para o cerne etc.

As madeiras “nobres” ou “de lei” como aroeira, carvalho, pinus, peroba, jacarandá, ipê, candeia, mogno e muitas outras são madeiras mais densas, mais resistentes à degradação ambiental. Elas foram muito usadas por nossos antepassados como colunas e vigas dos casarões das fazendas centenárias. Ainda de pé, elas exibem em seus interiores os móveis robustos, de madeira grossa e pesada com os quais foram decoradas. Outras peças de madeiras nobres foram usadas na confecção de delicados instrumentos musicais, pela sua sonoridade e durabilidade. Até os dias de hoje, elas reproduzem com excelência as melodias renascentistas, em apresentações de grande valor artístico e cultural. Até hoje desconhecida, a técnica do luthier italiano Antonio Stradivari (1644-1737) nunca foi igualada, fazendo um violino stradivarius legítimo ser arrematado em leilão por 11,2 milhões de euros, como em junho de 2011.

A madeira é um material nobre, pois contém uma série de substâncias orgânicas complexas, além das inorgânicas como sais minerais, obtidas em complexas reações bioquímicas que ocorreram durante a vida da árvore que a gerou. Para efeito de simplificação, pode-se mencionar três grandes “classes” de substâncias orgânicas que formam a madeira: a celulose, as hemiceluloses e as ligninas. E, como inorgânicas, diversos sais minerais absorvidos do solo. Dissemos “grupos” de substâncias, porque as hemiceluloses são várias, e as ligninas também são uma grande variedade de substâncias.

Celulose A substância mais importante da madeira é um “açúcar” ou “carboidrato” de cadeia carbônica longa, a celulose. Pode parecer estranho chamar a madeira de “açúcar”, mas é isso mesmo. A celulose é um polímero de um isômero da glicose (C6H12O6), mais especificamente da β-D-glucose, cujos carbonos 1 e 4 se ligam por ligação covalente glicosídica, sendo que um átomo de oxigênio fica intermediário entre eles.

Moléculas de β-D-glucose ligadas, formando uma “camada” de celulose. Disponíveis em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cellulose-2D-skeletal.png e

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cellulose-Ibeta-from-xtal-2002-3D-balls.png>. Acesso em: 24 out. 2013.

O monômero β-D-glucose (C6H12O6) é a unidade molecular que se liga a outras moléculas iguais, formando a grande molécula da celulose, um polímero. No entanto, existem várias “camadas” ou “planos” de celulose sobrepostos, ligados por ligações intermoleculares do tipo “ligações de hidrogênio” ou “pontes de hidrogênio”.

Esse tecido vegetal, formado de “macromoléculas” de celulose, não pode ser degradado em nosso sistema digestivo, pois não possuímos as bactérias intestinais nem as enzimas capazes de quebrá-lo novamente em moléculas menores. Assim, como a celulose está presente na membrana das células vegetais − mas não são digeridas − essas fibras de celulose percorrem o tubo digestivo sem alterações. Porém, conseguem estimular o peristaltismo (movimentos intestinais) favorecendo a digestão de outras substâncias.

Quatro “planos” ou “camadas” de celulose ligados por “ligações de hidrogênio” (linhas pontilhadas). Os anéis são unidades de β-D-glucose (C6H12O6).

Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cellulose_strand.svg>. Acesso em: 29 out. 2013.

Outros carboidratos

O amido – outro tipo de carboidrato longo – é de fácil digestão, sendo o constituinte principal dos alimentos energéticos como pães, bolos, massas em geral, além de estar presente no arroz, feijão e raízes como a batata. É na forma de amido que as plantas armazenam energia.

O glicogênio é também um polímero da glicose, porém uma espécie de “amido animal”. Nosso corpo armazena energia de fácil acesso, na forma de glicogênio, no fígado e nos músculos, coletando a glicose que circula no sangue. O organismo não armazena muito glicogênio, e se há mais carboidratos na nossa alimentação do que a nossa capacidade imediata de convertê-los em energia, eles são armazenados na forma de gordura.

Existem vários outros carboidratos que fazem parte de nossa alimentação, como:

Sacarose: açúcar comum, presente na cana-de-açúcar e na beterraba, cujas moléculas são dissacarídeos, ou seja, formadas por duas moléculas de glicose unidas. A sacarose é uma das principais fontes de biocombustíveis, convertida em etanol por fermentação.

Frutose: monossacarídeo das frutas.

Lactoses: dissacarídeo presente no leite, formado por galactose e glicose.

Maltose: dissacarídeo do malte e da cevada, formada por duas moléculas de glicose; produzida no nosso corpo por decomposição do amido.

Obs.: Existem muitos outros carboidratos, com cadeias carbônicas de vários tamanhos. Todos esses açúcares possuem isômeros, que são variações da cadeia carbônica, formando moléculas de estrutura um pouco diferente, com a mesma fórmula molecular. Além disso, os monossacarídeos com seis carbonos são isômeros entre si, com a mesma fórmula C6H12O6. Os dissacarídeos também são isômeros entre si, com a fórmula C12H22O11.

Se nós não conseguimos digerir celulose, os cupins, ao contrário, possuem bactérias intestinais que produzem as enzimas necessárias à sua degradação, sendo verdadeiras “pragas”, tanto em ambiente rural como urbano, corroendo a madeira das portas, janelas, móveis, quadros etc. Por outro lado, algumas espécies de árvores têm as suas defesas contra os cupins. Além de muito mais densa que a maioria das madeiras, a aroeira-do-sertão, por exemplo, possui uma proteína, a lectina, capaz de inibir a ação das enzimas dos cupins, matando-os.

Leia a reportagem no link abaixo, que trata da descoberta das qualidades da aroeira-do-sertão, madeira resistente aos cupins. Ela está sendo testada para

fabricação de inseticida específico contra esses insetos.

http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2011/03/madeira-que-cupim-nao-roi

Hemiceluloses

Na parede das células vegetais, associado à celulose, existe um outro grupo de polissacarídeos, as hemiceluloses, cujos constituintes são cinco “açúcares”, sendo três hexoses (glucose, manose e galactose) e duas pentoses (xilose e arabinose). Esses monômeros podem se ligar de formas variadas, constituindo diferentes tipos de polissacarídeos. Mas, o grau de polimerização é bem menor que o da celulose, formando cadeias carbônicas que variam de 100 a 200 unidades de açúcar, apenas.

Um dos vários tipos de hemicelulose.

Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Hemicellulose.png>. Acesso em: 29 out. 2013.

Ligninas

Além da celulose e das hemiceluloses, o tecido lenhoso de uma árvore contém outra “classe” de substâncias importantes. A lignina é um polímero ou macromolécula, cuja proporção varia de 15 a 36% da massa da madeira, e a formação é concluída a partir da morte de célula vegetal, constituindo um importante tecido de resistência.

O “papel de pão” e o “papelão” possuem um maior teor de lignina, por isso, apresentam maior resistência mecânica e coloração mais escura. Por outro lado, o papel mais rico em lignina é menos resistente à oxidação, amarelando mais rapidamente, como é o caso do papel de jornal e, por isso, a indústria do papel promove muitos esforços em várias etapas para a retirada do máximo de lignina possível, clareando-o e tornando-o mais resistente à ação do tempo.

As ligninas são uma classe de polímeros de fórmulas variáveis, conforme a espécie da madeira, composta de monômeros aromáticos fenólicos (anel benzênico ligado a uma hidroxila, “OH”).

A ilustração representa um dos tipos de lignina. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Lignin_structure.svg>. Acesso em: 24 out. 2013.

O processo de branqueamento do papel não é fácil. A retirada da lignina exige muitos ataques químicos e lavagens com substâncias agressivas para degradar a lignina original, o que gera um rejeito líquido bastante tóxico, rico em organoclorados (que são cancerígenos), clorofenóis, ácidos fenol-carboxílicos, ácidos dicarboxílicos e outros. Inúmeros estudos têm sido feitos para o aproveitamento das substâncias orgânicas presentes nesse líquido, diminuindo os problemas ambientais causados pelo seu descarte.

Recentemente, muitos estudos têm sido feitos para o aproveitamento da lignina da cana-de-açúcar para a produção de etanol secundário, que não é derivado do açúcar da cana, mas do seu “bagaço”.

Outras substâncias inorgânicas da madeira

As árvores absorvem diversos compostos inorgânicos do solo, solubilizados em água, que passam a fazer parte de sua seiva e de seus tecidos úmidos. Como são iônicos, pode-se generalizá-los na categoria de sais minerais, e citar os elementos ou íons mais comuns, embora a proporção deles vá depender também da composição química do solo de cada região, continente etc.

Para determinar a presença desses minerais, a maneira mais simples é a análise das cinzas da madeira, uma vez que os elementos classificados como metais presentes na forma de cátions reagem com o oxigênio formando sólidos que constituem as cinzas.

Nas madeiras dos climas temperados, estas cinzas são predominantemente constituídas por óxidos de potássio (K+1), de cálcio (Ca2+) e de magnésio (Ca2+); enquanto que nas madeiras tropicais podem ocorrer em maior quantidade outros elementos como o ametal silício (Si). Se considerarmos as pequenas quantidades, muitos dos metais e dos ametais da classificação periódica dos elementos (tabela periódica) podem ser encontrados, dependendo da capacidade de absorção das raízes, de sua solubilidade em água, e de sua presença no solo da região, como sódio (Na+1) e ferro (Fe+2 e Fe+3). Mas, as cinzas totais de uma amostra de madeira qualquer dificilmente supera 1,2% da massa seca da madeira.

O carvão vegetal A “carbonização” de qualquer substância orgânica gera um “carvão”. Mas, o que é a “carbonização”? Se aquecermos uma substância orgânica (ou o organismo animal ou vegetal) em ausência de oxigênio, não haverá uma “queima”, propriamente dita, mas uma espécie de “cozimento”, concentrando o elemento químico carbono e eliminando boa parte dos demais elementos para a atmosfera.

A queima completa de uma substância orgânica, que contenha apenas carbono, hidrogênio e oxigênio, por exemplo, produz exclusivamente gás carbônico (CO2) e água (H2O). Se o oxigênio estiver em quantidade moderada no ambiente, a queima incompleta pode gerar também monóxido de carbono (CO) e água.

No caso do carvão, que é constituído quase que totalmente por carbono, as queimas completa e incompleta vão formar dióxido e monóxido de carbono, respectivamente:

Queima completa do carbono do carvão (libera mais energia): C(carvão) + O2 (g) CO2 (g) ∆H = - 393,5 kJ

Queima incompleta do carbono (libera menos energia): C(carvão) + ½ O2 (g) CO (g) ∆H = -110 kJ

Quando a queima produz uma fumaça escura, está sendo produzida a fuligem, que é carbono puro (C), que simplesmente não foi queimado. É comum vermos saindo fuligem dos escapamentos dos carros a diesel ou de motores mal regulados. A fuligem é constituída de moléculas de atomicidade variada, sendo algumas de 60 carbonos. No entanto, se um motor de

carro joga fuligem pelo escapamento, é sinal de que parte do carbono não está sendo queimado nem mesmo de forma incompleta; outra parte está sendo convertida em monóxido de carbono (queima incompleta); e pequena parte em dióxido (queima completa). Ou seja, além de poluição, está havendo perda de energia e desperdício de combustível.

Cuidado! A queima incompleta é bastante perigosa, pois alguém pode inalar a fumaça produzida, rica em monóxido de carbono (CO), que é venenoso. Muitas mortes provocadas por uso inadequado de lareiras ou de aquecedores improvisados de carvão já aconteceram e foram amplamente noticiadas. Querendo se aquecer nos dias mais frios, as futuras vítimas fecham as entradas de ar e as possíveis saídas das fumaças de suas casas, esquecendo-se de que é preciso ventilação para a queima completa e também para a própria respiração. Além disso, o monóxido de carbono não tem cheiro, nem cor; e entra na corrente sanguínea no lugar do oxigênio gasoso (O2), provocando a morte das células.

Para que transformar madeira em carvão?

A transformação da madeira em carvão é de interesse em diversas situações, uma vez que a queima da madeira libera grande quantidade de gases, mas na forma de carvão a fumaça é mais “limpa”, traz menos transtornos na sua utilização, gerando menos subprodutos indesejáveis. Além disso, o carvão é bem mais leve, mais fácil de transportar; e, o mais importante, consegue liberar mais calor por quilograma.

Se fizermos a “análise imediata” de uma amostra qualquer de carvão vegetal de eucalipto seco, teremos cerca de 20% de compostos voláteis a até 800ºC, menos de 1% de cinzas e cerca de 80% de carbono. Com maior teor de carbono que a madeira, sua “energia” está mais concentrada, por unidade de massa.

Um “ferro de passar roupa” a carvão – muito usado por nossos antepassados –

usado como peça de decoração, descansando sobre seu suporte. Disponível em: <http://pixabay.com/pt/carv%C3%A3o-vegetal-ferro-antigo-20484/>. Acesso em: 30 out. 2013

Carbonização da madeira

A carbonização “perfeita” seria aquela em que o “cozimento” concentrasse todo o carbono presente no material orgânico, na forma sólida de carvão, e liberando os demais elementos para o estado gasoso.

Porém, isso não acontece. O calor usado no cozimento da madeira não só “expulsa” os outros elementos para a forma de gases, mas também quebra muitas cadeias carbônicas longas em

cadeias pequenas, formando gases orgânicos com, no máximo, poucas dezenas de carbonos, enriquecidas com hidrogênio e oxigênio. Boa parte desses gases pode ser condensada por resfriamento, formando um “licor” escuro, rico em água e várias substâncias orgânicas fenólicas (anel benzênico com hidroxila, OH). Esse “licor” escuro é chamado “alcatrão”. Se não for condensado, os vapores do alcatrão se apresentam na forma de uma fumaça branca que sai do forno de carbonização, com forte odor característico, que pode ser sentido até a alguns quilômetros.

Além disso, o calor necessário para o “cozimento” é produzido pela queima de uma parte da própria madeira que se quer carbonizar, contida no forno de carbonização. Assim, uma parte do carbono é simplesmente queimada no processo e lançado na atmosfera, na forma de dióxido ou monóxido de carbono.

Forno de carbonização com porta e “baianas” abertas.

Forno fechado

Forno de carbonização pronto para ser “ligado”, cheio de madeira. Fotos cedidas por Greenpeace Brasil.

Disponíveis em: <http://photo.greenpeace.org/C.aspx?VP3=ViewBox_VPage&VBID=27MZV85J5ERA&IT=ZoomImageTemplate01_VForm&I

ID=27MZIFVNX2ZJ&PN=107&CT=Search>.

<http://photo.greenpeace.org/C.aspx?VP3=ViewBox_VPage&VBID=27MZV85J5ERA&IT=ZoomImageTemplate01_VForm&IID=27MZIFVNXK6G&PN=108&CT=Search>. Acesso em: 26 out. 2013.

O forno de carbonização é geralmente de formato cilíndrico com cúpula − ou simplesmente uma cúpula − com 2 ou até 3 metros de altura no centro, construído com tijolos rústicos de barro, manufaturados nas proximidades da carvoaria. A única porta é usada para o acondicionamento das toras, mas é fechada com barro, antes de o forno ser “ligado”.

Há diversas aberturas nas laterais, de cerca de 20 cm de diâmetro cada uma, chamadas “baianas”. No início da carbonização, todas as “baianas” ficam fechadas, exceto uma, onde será “ligado” o forno, com fogo. No momento certo, ela é vedada com barro, ao mesmo tempo em que é aberta a “baiana” seguinte. Com a entrada de oxigênio deslocada, o fogo se desloca também e vai circulando o forno, na medida em que as “baianas” vão sendo sucessivamente abertas e fechadas. Durante esse ciclo, o calor produzido é armazenado na cúpula, que guarda a fumaça quente e que, por sua vez, vai descendo pelo forno, carbonizando o restante da madeira. Essa técnica é muito antiga, e é a mesma que continua sendo usada em todas as carvoarias do País.

Forno de carbonização do tipo cilíndrico, com cúpula.

Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carvoaria_em_Os%C3%B3rio_02.JPG>. Acesso em: 07 nov. 2013.

Siderurgia

O principal uso do carvão é como termo redutor na indústria siderúrgica. Além de fornecer o calor necessário para a reação (“termo”), o carbono do carvão “reduz” o número de oxidação do ferro iônico (Fe3+) do minério de ferro para ferro metálico (Feº).

Há milênios, os antigos ferreiros enterravam no chão o minério de ferro misturado com carvão em brasa; depois, usando foles, sopravam o ar para dentro do buraco, deixando uma pequena abertura para a saída da fumaça. Depois, fechavam as entradas e saídas, deixando descansar por alguns dias. Ao final do processo, desenterravam o ferro metálico do chão, que já estava frio e sólido, e o levavam para o processo de fabrico de utensílios como espadas, correntes, pregos etc.

Até hoje, o processo é praticamente o mesmo, mas, claro, em escala muito maior. Ao invés de um buraco no chão, a reação é realizada em um forno chamado “alto-forno”, cuja invenção é atribuída aos chineses da antiguidade. Diferentemente dos outros fornos que precisam receber calor de alguma fonte de energia, o alto-forno mesmo é que se “aquece”, ou melhor, é o carvão que é aquecido quando entra no forno e que, ao se transformar em brasa, fornece calor novamente para que o forno continue ligado. Por isso, o alto-forno funciona 24 horas por dia e

não pode ser desligado.

Camadas sucessivas de minério de ferro e de carvão são colocadas na parte alta. Essas camadas vão descendo, e o carvão é transformado em brasa, aquecendo também o minério de ferro. No alto-forno, há pouco oxigênio; por isso, o carvão em brasa é convertido em monóxido de carbono (CO) que, por sua vez, reage com o minério de ferro (Fe2O3), formando dióxido de carbono (CO2) e ferro metálico.

Páginas de um livro que mostra como era fabricado o ferro no século 19, já com uso de “altos-fornos”, com camadas sucessivas de minério e carvão adicionadas na parte alta.

Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Iron-Making.jpg>. Acesso em: 7 nov. 2013.

O carvão em brasa é convertido em monóxido de carbono.

C (carvão) + O2 (g) CO (g)

Depois, o monóxido reage com minério de ferro (óxido de ferro III ou outro mineral rico em ferro), produzindo dióxido de carbono e ferro metálico.

CO (g) + Fe2O3 (s) CO2 (g) + Feº (l)

Recomendamos

Assista aos filmes disponíveis nos links a seguir para mais informações:

Funcionamento do alto-forno e fabricação ferro gusa:

http://www.youtube.com/watch?v=Mp8nsPLXqOg

O segredo das coisas – aço – parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=CMGe7yuCHqE

Carvoarias, desmatamento e condições de trabalho

Toda atividade siderúrgica é sustentada por outras duas atividades: a “mineração” para extração e beneficiamento do minério de ferro; e a “carvoeira”, realizada pelas “carvoarias”. Muitos dos grandes empreendimentos siderúrgicos são divididos em pelo menos três empresas distintas, do mesmo grupo empresarial, cada uma especializada em uma dessas atividades.

Nos países onde há disponibilidade de carvão mineral, este é o mais utilizado para siderurgia. Mas, no Brasil, disponibilidade de madeira para carvão vegetal sempre foi muito mais atrativa. Por isso, florestas inteiras e grandes extensões do cerrado brasileiro já foram derrubadas para produzir carvão vegetal para esse fim, ao longo de muitas décadas. Enquanto isso não constituía crime, milhares de hectares foram devastados. Hoje em dia, as grandes siderurgias investem muito em plantio e manutenção de grandes florestas artificiais de eucalipto, que são cortados entre 7 e 10 anos de idade, para serem carbonizados.

Flagrante de trabalho infantil em uma carvoaria; o garoto está fechando as “baianas” com barro. Foto cedida por Greenpeace Brasil.

Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/49620460@N02/4553849127/in/photolist-7WpEG8-7WsUUG-7WpEKz-7WsUQ7-dwu9JQ-9h9H9X-fhEgjZ-eDWB2s-96zoPD-cn5tr1-avvNmp-avvNsg-avyrM1-avysh5-avvNJR-avyrE9-avysbo-avvNeg-avvNvB-avys85-bZa7G3-

c39v9Q-8zqQdL-avyt6L-avvQkr-avytX1-avysYb-avytfb-avvQdM-avvPDH-avvPwx-avytCL-avytpm-avvPq4-avvPQK-avytTS-avvMTk-avyrh3-bXY4au-eLLCj1-eLLB89-eLzedn-dwoBPn-dwoC8H-dwoC9X-dwub79-dwuacA-dwoBYx-dwoCbp-dwoBRR-dwua7h>. Acesso em: 27 out.

2013.

Trabalhador de uma carvoaria, sem qualquer equipamento de

proteção.

Foto cedida por Greenpeace Brasil. Disponível em:

<http://photo.greenpeace.org/C.aspx?VP3=ViewBox_VPage&VBID=27MZV85J5ERA&IT=ZoomImageTemplate01_VForm&IID=27MZIFVNRF8V

&PN=97&CT=Search>. Acesso em: 29 out. 2013.

Mas, em regiões mais remotas do País, principalmente na região amazônica, muitas siderurgias já foram denunciadas por desmatamento ilegal. E o desmatamento não é a única denúncia. Há também acusações de emprego de trabalhadores sem registro, trabalho infantil, dívidas em direitos trabalhistas diversos, trabalho escravo e semiescravo, e não uso de equipamentos de segurança e de proteção ao trabalhador, especialmente capacetes, botas e máscaras contra pó de carvão e contra gases. Organizações não governamentais (ONGs) ligadas à defesa do ambiente e de direitos humanos vêm denunciando essas violações, e muitos processos já foram instaurados para investigação e julgamento dos culpados. Mas, essa situação está longe de ter uma solução definitiva, já que os órgãos de fiscalização dispõem de poucos fiscais, verbas e equipamentos. Além disso, em locais remotos as atividades de fiscalização estão ainda mais sujeitas à corrupção, como pagamentos de propina e suborno, ameaças de morte, atentados e até assassinatos consumados contra fiscais e denunciantes.

Vista aérea de desmatamento ilegal na Amazônia.

Imagem cedida por Greenpeace Brasil. Disponível em:

<http://photo.greenpeace.org/C.aspx?VP3=ViewBox_VPage&VBID=27MZV85J5ERA&IT=ZoomImageTemplate01_VForm&IID=27MZIFVNRL2T&PN=90&CT=Search>. Acesso em: 29 out. 2013.

A hulha, o coque versus carvão vegetal Nos países do hemisfério norte, a hulha é uma importante fonte de energia, diferentemente do Brasil, onde até a palavra “hulha” é pouco conhecida. Isso acontece por um motivo muito simples: 97% das reservas de hulha do mundo estão concentradas no hemisfério norte, especialmente nos EUA, Rússia e Alemanha. As reservas da América do Sul e da África não chegam a 1% do total mundial.

A “hulha” é, simplesmente, um tipo de carvão mineral. Florestas antigas, de cerca de 250 milhões de anos, foram deixando suas árvores mortas sob a lama, que com o passar do tempo, foram secando, perdendo hidrogênios e oxigênios ligados às cadeias carbônicas, que foram

saindo na forma de água, concentrando o carbono no estado sólido. Essa transformação tão profunda, lenta, sob a ação da pressão do solo, leva a resultados semelhantes ao da carbonização do carvão vegetal, sem o uso do calor dos fornos de carbonização, formando um sólido com cerca de 80% de carbono. Apesar de ter a mesma origem vegetal primária, que é a madeira, o carvão mineral não é tão frágil quanto o carvão vegetal. Ele foi convertido em rocha, fossilizando-se e, por isso, é chamado de “carvão de pedra”.

A hulha é uma importante fonte de materiais para a indústria química. Como não foi submetida ao calor da carbonização, a hulha tem grande quantidade de compostos orgânicos voláteis, que são semelhantes ao alcatrão da madeira, mas com muito menos água. O “alcatrão de hulha” é obtido por aquecimento da hulha, fazendo vaporizar essas várias substâncias, que depois são condensadas. Em outras palavras, o alcatrão da hulha é um destilado, uma mistura de dezenas de hidrocarbonetos aromáticos (com anéis benzênicos), que são matéria-prima para a fabricação de outros compostos (plásticos, tintas, resinas, medicamentos etc.), como acontece no aproveitamento químico dos derivados do petróleo (petroquímica).

A fase aquosa desse destilado é muito rica em amônia (NH3) e derivados da amônia, como hidróxido de amônio (NH4OH) e alguns sais de amônio. A amônia é importantíssima para a fabricação de fertilizantes e explosivos, sendo um dos compostos-chave para a economia de qualquer país desenvolvido e independente.

A “destilação da hulha” não produz apenas o “alcatrão de hulha”, mas também gases de menor massa molecular e o “coque”.

Os gases são, principalmente, hidrogênio (H2), metano (CH4), dióxido de carbono (CO2), monóxido de carbono (CO), nitrogênio (N2) e outros gases em pequenas quantidades. Essa fração é denominada, nos países do hemisfério norte, de “gás de iluminação”, pois ela foi muito usada em lampiões a gás e na iluminação das ruas, nos séculos passados.

O “coque” é o resíduo sólido dessa destilação: um carvão mineral sem alcatrão, mais semelhante ao carvão mineral, porém bem mais resistente e duro. Seu teor de carbono é elevadíssimo, cerca de 97%. É na forma de “coque” que as siderurgias dos países do norte do planeta utilizam o carvão mineral em seus altos-fornos para a produção de ferro, uma vez que ele contém muito menos impurezas do que a “hulha”.

Assim, as principais diferenças entre a “hulha” e o carvão vegetal são: a hulha possui ainda muitos e importantes componentes voláteis e, sendo obtido de um processo mais longo, de milhões de anos, é um combustível fóssil; enquanto que o carvão vegetal é um combustível renovável, que pode ser “replantado” em florestas novas, de onde foi retirado. Do ponto de vista ecológico, o carvão vegetal pode ser considerado “energia limpa”, e o carvão mineral, “energia suja”, pois lança na atmosfera um carbono antigo, que estava armazenado no subsolo há muitos milênios, aumentando a proporção de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera atual. Desde o início da era industrial até o início da fase do petróleo, até 1950, o carvão mineral foi o principal responsável pelo lançamento de dióxido de carbono na atmosfera, pelo processo de industrialização dos países do norte.