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UNIVERSIDADE DE COIMBRA Energia e Interdependência A União Europeia e a Rússia no jogo energético europeu António José Ferreira Frazão 29-07-2011 Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra sob a orientação do Professor Doutor Rogério Leitão e da Professora Doutora Teresa Cierco.

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UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Energia e Interdependência

A União Europeia e a Rússia no jogo energético europeu

António José Ferreira Frazão

29-07-2011

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra sob a orientação do Professor Doutor Rogério Leitão e da Professora

Doutora Teresa Cierco.

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Universidade de Coimbra

Energia e Interdependência A União Europeia e a Rússia no jogo energético europeu

António José Ferreira Frazão

Estudante número: 2003009053 29-07-2011

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra sob a orientação do Professor Doutor Rogério Leitão e da Professora

Doutora Teresa Cierco. Coimbra, 2011

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Agradecimentos

Eu não pretendo dirigir muitos agradecimentos, uma vez que este processo de escrita

se revelou muito solitário. No entanto, não posso deixar de agradecer aos meus

amigos, aos meus colegas e aos docentes com quem discuti o tema aqui estudado e

que me ajudaram directa e indirectamente. Não irei referir nomes, mas quero que

saibam que estou-lhes muito grato por tudo, em especial pela paciência e pela

compreensão.

Não posso deixar de apresentar um pedido de desculpa à minha família pelas

inúmeras vezes em que acabei por não estar presente, apesar do seu constante apoio e

incentivo prestado ao longo deste trabalho e da minha vida em geral.

Agradeço aos meus orientadores, ao professor Rogério Leitão e à professora Teresa

Cierco, que se mostraram sempre disponíveis e que foram indispensáveis à

realização desta tarefa tão desgastante.

Resumo

É indiscutível a importância da energia para o quotidiano das nossas sociedades. A

produção e o consumo de combustíveis fósseis ainda são as principais fontes de

energia a nível mundial. O tema energético tem ocupado um lugar de destaque nas

relações internacionais, quer no plano das relações entre Estados, quer em termos de

desenvolvimento da reflexão académica na área. O presente estudo centra-se na

questão energética e na relação que ela estabelece entre produtor e consumidor.

Procurando estabelecer uma análise multidisciplinar, o presente estudo aborda as

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relações energéticas estabelecidas entre a Rússia (produtor) e UE (consumidor). Esta

análise explora a contribuição das teorias de interdependência e teorias realistas para

a compreensão das políticas energéticas europeias e russas. O estudo pretende

demonstrar que a interdependência existe, mas que os países são afectados de forma

diferente por elas e que os seus comportamentos estão por vezes melhor inseridos

num quadro de referência realista. No primeiro capítulo explicam-se os conceitos e o

modelo teórico da análise, as potencialidades e as limitações das correntes teóricas.

O segundo e terceiro capítulo abordam as políticas energéticas europeia e russa

respectivamente. No quarto capítulo, a análise incide no relacionamento dinâmico

entre os dois actores internacionais, articulando os principais acontecimentos em

matéria energética com o quadro de análise definido anteriormente.

Abstract

Energy is a fundamental request for the everyday activities of our societies. The

production and consumption of fossil fuels are still the main providers of energy

worldwide. The energetic issue has progressively occupied a prominent position in

international relations, not only in the relations between states but also in terms of the

academic debates over the topic. The present study focus on the energetic issue and

more specifically in the relation that is created between a producer and the consumer.

Seeking a multidisciplinary approach, the analysis focus on the energetic relations

established between Russia (the producer) and the European Union (the consumer).

We explore the contribution of the realist school and the theories of interdependence

in order to understand the Russian and European energetic policies. This study seeks

to prove that even though interdependence exists, the countries are affected

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differently by such interdependence and their behaviours are sometimes inscribed

under the realist approach. In the first chapter, we clarify the concepts used and we

present the contributions of the different theories to our analysis. The second and

third chapters deal, respectively, with the energetic policies of European Union and

Russia. In the fourth chapter, this study will focus on the dynamic relation between

the two actors through the articulation of relevant energetic events with the

previously defined frame of analysis.

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Índice

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1. INTERDEPENDÊNCIA NO SISTEMA INTERNACION AL ............................... 5

1.1 A INTERDEPENDÊNCIA COMPLEXA ............................................................................................. 11

1.2 O PODER E AS SUAS LIMITAÇÕES ................................................................................................ 17

1.3 A INTERDEPENDÊNCIA E O REALISMO ......................................................................................... 22

CAPÍTULO 2. A POLÍTICA ENERGÉTICA EUROPEIA ........ ................................................... 32

2.1 A DEPENDÊNCIA EUROPEIA ......................................................................................................... 33

2.2 A SEGURANÇA ENERGÉTICA ........................................................................................................ 41

2.3 A ESTRATÉGIA ENERGÉTICA EUROPEIA ....................................................................................... 48

CAPÍTULO 3. A SUPERPOTÊNCIA ENERGÉTICA .................................................................. 61

3.1 A NOVA RÚSSIA .......................................................................................................................... 64

3.2 A DIPLOMACIA DE MOSCOVO ...................................................................................................... 69

3.3 A ESTRATÉGIA ENERGÉTICA RUSSA ............................................................................................. 82

CAPÍTULO 4. AS DINÂMICAS DA RELAÇÃO UE-RÚSSIA ..... ............................................... 91

4.1 PARCEIROS A DIALOGAR E A COMPETIR ....................................................................................... 93

4.2 A RÚSSIA, A UE E OS PAÍSES DE TRÂNSITO ............................................................................... 104

4.3 ENERGIA NO CONFLITO E A NOVA RELAÇÃO .............................................................................. 110

CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 114

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................ 120

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Introdução A presente dissertação tem como finalidade estudar a relevância das questões

energéticas nas relações entre a União Europeia (UE) e a Federação Russa conhecida

trivialmente por Rússia. A análise incidirá na relação de interdependência entre a UE

e a Rússia. A escolha deste enfoque ocorre por três factores primordiais. Em primeiro

lugar, a UE e a Rússia são parceiros energéticos complementares, pois a UE é um

grande importador de energia e a Rússia é um dos maiores produtores e exportadores

da mesma. Em segundo lugar, apesar de muito diferentes, são duas potências que

procuram afirmar-se enquanto actores relevantes no sistema internacional. E, em

terceiro lugar, porque são dois actores vizinhos. É neste quadro que a teoria da

interdependência se apresenta como a principal base teórica da dissertação. Porém,

também se recorre às premissas do realismo estrutural ofensivo para compreender as

dinâmicas que a teoria da interdependência não consegue explicar. Deste modo, a

análise visa perceber em que medida é que a teoria da interdependência é útil para

explicar a problemática em causa. Assim, testar as teorias em causa é também um

dos objectivos da presente dissertação. Não há nenhuma teoria que consiga dar

resposta a todas as questões do sistema internacional. É preciso testá-las e verificar a

que questões conseguem dar resposta. Esta dissertação contribuirá para demonstrar

em que medida a interdependência energética influencia a relação UE-Rússia.

A delimitação temporal da análise inicia-se com a presidência Putin e estende-se até

à actualidade, passando pelas crises do gás entre a Rússia-Ucrânia e pela guerra da

Geórgia em 2008. Esta delimitação permite realizar uma análise para além da

presidência Putin, e também examinar o conflito entre a Rússia e a Geórgia à luz das

questões energéticas. De igual modo, tal delimitação permite compreender o impacto

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que o alargamento da UE, e as reformulações do próprio processo de construção

europeu, tiveram na relação entre os actores estudados.

A política energética europeia será estudada de forma a tentar analisar a sua

estratégia, os seus propósitos e as suas ideias. De igual modo, o mesmo exercício

será executado relativamente à diplomacia energética de Moscovo. De forma

transversal será estudada a interdependência, e como esta afecta ambos os actores

centrais da presente dissertação, isto é quais as semelhanças, quais as diferenças e

como é que a interdependência condiciona os agentes. Assim, analisar a questão

energética é o objectivo central da investigação, pelo que medir o seu peso na relação

entre ambos os actores é o alvo da própria dissertação. Neste sentido, a presente

dissertação apresenta-se como um estudo de uma temática pertinente no universo das

relações internacionais, porque os combustíveis fósseis são as principais fontes de

energia mundial.

O argumento do trabalho passa pela afirmação de que a Rússia e a UE são

interdependentes, mas essa interdependência atinge ambos de forma diferente. Ao

mesmo tempo, salienta-se que a interdependência ao afectar os actores condiciona-os

na sua acção. Assim, é a interdependência que leva a Rússia e a UE a adoptarem as

suas estratégias. A primeira desejando controlar o mercado de energia, e a segunda

procurando a liberalização desse mesmo mercado.

Para conseguir uma explicação mais precisa da realidade, são aqui apresentadas as

premissas da teoria da interdependência e do realismo ofensivo. Estas são teorias

abrangentes, mas o objecto de estudo da dissertação é restrito, pelo que foi necessário

simplificar e cingirmo-nos ao essencial. De acordo com a teoria da interdependência

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as relações inter-estatais, transgovernamentais e transnacionais são relevantes para

compreender a realidade. Contudo, para o estudo de caso desta dissertação efectuar

um estudo equilibrado entre os três níveis referidos seria contraproducente, pois não

são igualmente relevantes para a análise. Ademais, é de referir que, como a teoria da

interdependência não consegue explicar todos os fenómenos observados na

dissertação, recorre-se igualmente a uma vertente do realismo, teoria que recusa

outros níveis que não o inter-estatal.

O objecto de estudo da dissertação é multidisciplinar, pelo que a bibliografia

utilizada reflecte em alguma medida esse facto. Os indicadores utilizados são de

organizações e de agências internacionais, em especial das que se dedicam a

examinar as questões energéticas. A recolha de informação primária, é muito mais

difícil relativamente à Rússia, porque os dados oficiais disponíveis são inferiores e

também porque existe uma barreira linguística que dificulta a recolha. A bibliografia

de base que serve de investigação advém de vários campos, mas com especial

enfoque nas questões energéticas. E nesta matéria, existem várias abordagens. Para

Aalto é a cooperação económica que justifica o diálogo energético UE-Rússia (Aalto,

2008). Mas, para Morozov o diálogo energético não é uma parte da cooperação

económica (Morozov, 2008). No entanto para Stuemer, apesar dos diferendos que

possam existir sobre a matéria, a balança pende cada vez mais para o lado russo

(Stuermer, 2008). Mas, os indicadores demonstram que a importância relativa da

Rússia no abastecimento energético está a decrescer, e como Lo referiu a Rússia

pretende salvaguardar a sua reputação em vez de beneficiar geopoliticamente a curto-

prazo (Lo, 2008).

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Finalmente, há que explicar a estrutura da dissertação. O primeiro capítulo pretende

fornecer uma explicar os conceitos e o modelo teórico usados na análise. Neste

capítulo são referidas as potencialidades e as limitações das correntes teóricas. O

segundo capítulo reside numa análise da política energética europeia, onde se

apresentam os indicadores que corroboram a análise do capítulo e dos restantes. O

terceiro capítulo é uma análise da política energética russa, nas suas dimensões

interna e externa, realçando as suas potencialidades e as suas fragilidades. No quarto

capítulo, a análise incide nas dinâmicas e no relacionamento entre os dois actores

internacionais, abordando os principais acontecimentos que marcaram a última

década.

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Capítulo 1. Interdependência no Sistema Internacional Os dois actores internacionais sobre os quais incide esta dissertação, se bem que

diferentes, são duas grandes potências do sistema internacional. Por um lado, a UE, a

maior economia do mundo com 27 Estados-membros, com quase 500 milhões de

cidadãos, só superada pela China e pela Índia em termos populacionais. Comporta

Estados como a França e o Reino Unido que são potências nucleares e membros

permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CS/NU)1. Por outro

lado, a Federação Russa, herdeira e sucessora da superpotência União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas (URSS), que se situa no nono lugar em termos populacionais.

A Rússia é o país com maior área mundial, tem o sétimo maior Produto Interno

Bruto (PIB) mundial e detêm um assento permanente no CS/NU (CIA, 2011). Para

além disso, têm o maior arsenal nuclear (FAS, 2011). É de destacar que a Federação

Russa tem uma posição geoestratégica invejável, porque ao ocupar o ‘heartland’2

domina a maior parte dos recursos energéticos e o tráfego dos mesmos para vários

Estados da UE.

Nesse sentido, a presente dissertação apresenta-se como o estudo de uma temática

pertinente no universo das relações internacionais, porque os combustíveis fósseis

são as principais fontes de energia mundial. “A energia não é apenas um instrumento

de influência em si mesmo, mas tem impactos nas outras dimensões do poder:

1 Existe uma simplificação ao longo da dissertação, pelo que importa esclarecer que a UE não é um Estado. As características únicas da UE não estão, em larga medida, em consonância com o modelo de Vestefália. Os países da Europa Central e de Leste conheceram uma história diferente da Europa Ocidental e consequentemente existem perspectivas divergentes no interior da UE. 2 Conceito da teoria geopolítica do poder terrestre, formulada por Mackinder. Corresponde a uma enorme massa terrestre continental que se localiza na Eurásia. Esta região é rica em recursos e é fechada ao acesso marítimo. “Mackinder chega à conclusão de que o poder mundial reside na capacidade de controlar grandes massas geográficas, sejam territoriais (geografia física), sejam populacionais (geografia humana), sejam matérias-primas (geografia económica).” (Correia, 2002: 162).

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militar, político, económico, tecnológico, até mesmo cultural e normativo” (Lo,

2008: 133)3. Como o gás natural e o petróleo são recursos naturais estratégicos, são

alvo de grande procura. Há uma concentração do mercado num número restrito de

produtores, uma vez que, são poucos os países exportadores destas matérias-primas.

Uma das características destes bens é a sua assimetria em termos de concentração em

áreas geográficas. A economia mundial depende de combustíveis fósseis, mas os

produtores destas matérias-primas são poucos pelo que, os maiores consumidores

precisam de recorrer à importação.

A energia é o centro do desenvolvimento económico de cada país. Ela move-nos e dá poder às nossas fábricas, governo e edifícios públicos, escolas, e hospitais. Ela aquece lares e mantém alimentos perecíveis frios. A sua centralidade explica a sua complexidade. A energia é a fonte da saúde e competição, a base da controvérsia política e da inovação tecnológica e o núcleo de um desafio histórico para o nosso ambiente global (Pascual e Elkind, 2010: 1)4.

Actualmente, os países do Médio Oriente asseguram aproximadamente 30% da

produção de petróleo, e possuem dois terços das reservas mundiais conhecidas (IEA,

2010). Embora não haja um risco imediato de escassez, estas reservas de petróleo

estão localizadas numa região marcada por tensões e disputas. Estas afectam, por sua

vez, o mercado e criam dificuldades de abastecimento às principais economias

mundiais. Relativamente ao gás natural, o número de produtores é ainda mais

reduzido. Trata-se de um produto que comporta algumas dificuldades de transporte,

sendo distribuído principalmente através de gasodutos terrestres. Embora o Qatar e o

3 Tradução livre do autor. No original “Energy is not just an instrument of influence in itself, but impacts on other dimensions of power: military, political, economic, technological, even cultural and normative” (Lo, 2008: 133). 4 Tradução livre do autor. No original “Energy is at the heart of economic development in every country. It moves us and powers our factories, government and office buildings, schools, and hospitals. It heats homes and keeps perishable foods cold. Its centrality explains its complexity. Energy is the source of wealth and competition, the basis of political controversy and technological innovation, and the core of an epochal challenge to our global environment” (Pascual e Elkind, 2010: 1).

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Irão tenham reservas significativas, é a Rússia que detém mais reservas de gás

natural. Quanto ao petróleo, a Rússia é o segundo maior exportador e o sétimo maior

detentor de reservas. Porém, a dimensão exacta das reservas de combustíveis fósseis

é desconhecida, porque a juntar à dificuldade natural que envolve fazer uma

estimativa, é necessário acrescentar a política oficial de não divulgação de números.

Os combustíveis fósseis são essenciais ao funcionamento da economia mundial. “O

modelo actual é dominado pelo consumo de 90 por cento de combustíveis fósseis:

petróleo, gás e carvão.” (Silva, 2005: 12) Assim, se as necessidades mundiais de

energia pressionarem a oferta, os produtores podem usar estes bens para fins

estratégicos. As grandes potências mundiais precisam de energia para sustentarem as

suas economias e para prosperarem, porém a maioria das grandes potências não têm

recursos energéticos suficientes para tal. Em termos energéticos a UE, os Estados

Unidos da América (EUA), o Japão, a China e a Índia são actores internacionais que

dependem da importação para satisfazerem as suas necessidades. A UE surge neste

prisma como o actor mais frágil, dado que é o principal importador de energia. E,

com a China e a Índia a emergirem como actores relevantes do sistema internacional

e a alterarem o quadro político mundial, a UE passa a ter que competir com estes e

outros actores pelo acesso às fontes de energia. Neste quadro, evidencia-se

claramente a Rússia, enquanto grande potência, produtor de energia e grande

exportador destes recursos.

Na medida em que a energia reflecte a interdependência dos fenómenos, a presente

dissertação tem como base teórica fundamental, a teoria da interdependência. Ao dar

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relevância aos aspectos económicos do sistema internacional, a teoria da

interdependência apresenta-se como uma boa ferramenta para estudar a questão

energética. A teoria da interdependência remete para a existência de múltiplas arenas

na política internacional nas quais os actores se movem.

Esta teoria surgiu num período no qual a agenda internacional se estava a tornar mais

vasta. Durante as décadas de 1960 e 1970, a détente, entre as superpotências, desviou

as atenções para outros temas: como a descolonização, a crise monetária

internacional, os choques petrolíferos, e a economia mundial. Portanto, o facto de os

aspectos económicos estarem a adquirir uma nova importância no sistema

internacional, contribuiu para uma aproximação entre as questões de alta e pequena

política. Na détente, passou a ser visível que certas dinâmicas do sistema

internacional eram alheias aos Estados, devido às organizações internacionais, às

multinacionais e aos actores não governamentais.

Neste novo contexto internacional começaram a surgir novas abordagens que

contestavam a imagem tradicional de anarquia internacional. Novas correntes, como

o transnacionalismo ou neoliberalismo defendiam que era a cooperação

internacional, e não o conflito, a característica definidora do sistema internacional.

Para o transnacionalismo, a democratização aliada a uma crescente interdependência

económica global reduzia os benefícios dos conflitos e fomentava a cooperação.

Desta forma, os transnacionalistas introduziram “o conceito de «interdependência»

para caracterizar um mundo onde a tradicional noção absolutista de soberania,

oriunda de estudos jurídicos, era simplesmente inútil enquanto descrição da realidade

política” (Cravinho, 2002: 168). Portanto, a teoria da interdependência surgia como

uma resposta à fórmula dominante nas relações internacionais, porque os quadros

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teóricos existentes, predominantemente realistas, não conseguiam explicar as

múltiplas dinâmicas que excediam a lógica da Guerra Fria.

Para Keohane e Nye, na política internacional existem actores relevantes que não são

Estados, porque a imagem de anarquia internacional, na qual o Estado é o único actor

relevante, não está de acordo com a realidade. Nem todas as interacções

internacionais são realizadas por governos ou instituições intergovernamentais. Estes

autores alertavam que a soberania já não era o elemento decisivo para avaliar a

importância de um actor. Ademais, afirmavam que a distinção entre política interna e

internacional estava menos clara, o que ajuda a explicar a complexidade da questão

energética.

A noção de anarquia internacional é menosprezada. A concepção de permanente

conflitualidade do realismo é rejeitada e substituída pelo conceito de

interdependência. Neste sentido, a ideia de soberania como algo absoluto é inútil

enquanto descrição da realidade. “Interdependência em política internacional remete

para situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou entre actores em

diferentes países” (Keohane e Nye, 1989: 8)5. No entanto, os autores reconhecem que

um actor pode conseguir dominar uma parcela do sistema, mas não lhe é possível

dominar em absoluto um sistema que é complexo e pluralista6.

5 Tradução livre do autor. No original “Interdependence in world politics refers to situations characterized by reciprocal effects among countries or among actors in different countries” (Keohane e Nye, 1989: 8). 6 A primeira edição do livro Power and Interdependence é de 1977. Contudo, as referências e citações apresentadas são da segunda edição.

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Contudo, os autores não limitam o conceito de interdependência apenas a situações

de benefício mútuo, a sua abordagem é mais ampla. Para Keohane e Nye as relações

de interdependência envolvem sempre custos, uma vez que a interdependência reduz

a autonomia. Porém, não é possível a priori saber se os benefícios da relação

excederão os seus custos. Logo, é preciso ter cuidado e não definir interdependência

como uma situação equilibrada de dependência mútua. As situações de pura

assimetria ou simetria são raras. Os actores menos dependentes podem usar uma

relação de interdependência como uma fonte de poder numa negociação.

Em linguagem comum, dependência significa estado em que se é determinado ou afectado significativamente por forças externas. Interdependência, simplesmente definida, significa dependência mútua. Em política internacional interdependência refere-se a situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre os países ou entre actores em diferentes países (Keohane e Nye, 1997b: 123)7.

Para esta corrente, a política internacional resulta das interacções políticas entre os

actores que têm autonomia, controlo sobre recursos importantes numa determinada

área, e relações políticas que ultrapassam as fronteiras estatais. Nesta teoria as

questões de natureza político-militar são relegadas para um plano secundário. Na

óptica em que a teoria da interdependência é concebida, as matérias tradicionalmente

consideradas pequena política, como o desenvolvimento tecnológico, o comércio

internacional, o sistema financeiro internacional e as questões energéticas, são

predominantes.

7 Tradução livre do autor. No original “In common parlance, dependence means a state of being determined or significantly affected by external forces. Interdependence, most simply defined, means mutual dependence. Interdependence in world politics refers to situations characterized by reciprocal effects among countries or among actors in different countries” (Keohane e Nye, 1997b: 123).

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1.1 A Interdependência Complexa No decorrer da década de 1970 começaram a ser formuladas novas vertentes do

liberalismo. É na sequência desta tendência que Keohane e Nye formularam o

conceito de interdependência complexa, por oposição ao realismo político. O

realismo político é por eles descrito como um exemplo extremo, um tipo ideal, que

só representa a realidade em determinadas condições. Assim, Keohane e Nye

elaboraram o conceito de interdependência complexa, como a construção de outro

tipo ideal. Os autores concentraram-se em três características fundamentais para

caracterizar a interdependência complexa: a existência de múltiplos canais de ligação

entre as sociedades, formais e informais, e ao mesmo tempo intergovernamentais e

transnacionais; uma ausência de hierarquia clara entre as questões, e também uma

distinção pouco clara entre matérias de natureza interna e internacional; e a

irrelevância da força militar para resolver problemas em contextos de

interdependência complexa. Os autores sintetizam as premissas básicas do realismo e

do liberalismo, expondo os dois extremos e referindo que por vezes as relações caem

num desses extremos (Keohane e Nye, 1989).

O declínio do poder militar é uma consequência da interdependência noutras áreas,

que fomenta a cooperação entre os actores. Portanto, a força militar apenas serve

para contextos em que não predomine a cooperação. Em interdependência certas

interacções podem ser controladas por um dado actor, mas há uma pluralidade de

actores, pelo que nenhum deles é capaz de controlar o sistema. Logo, não é possível

alcançar um domínio sobre todo o sistema, pois ele é complexo, e essa complexidade

impede que um actor domine o sistema. Embora Keohane e Nye tenham reconhecido

que o realismo é um modelo útil em situações nas quais os Estados estão envolvidos

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numa competição militar intensa, eles também argumentaram que essas situações

eram cada vez mais a excepção em vez da norma (Jørgensen, 2010).

Para estes autores, na generalidade dos casos, a realidade internacional é uma

situação intermédia entre ambos os quadros de análise. Porém argumentam que a

interdependência complexa, por vezes, está mais próxima da realidade do que o

realismo. Para o realismo, os actores transnacionais não existem ou são irrelevantes,

mas em interdependência complexa desempenham um papel importante.

Os pressupostos realistas sobre a política internacional podem ser vistos e definidos como um conjunto de condições extremas ou um tipo ideal. Podem-se também conceber condições muito diferentes […] devemos construir outro tipo ideal, o oposto ao realismo. Chamamos-lhe interdependência complexa (Keohane e Nye, 1989: 23)8.

A primeira característica da interdependência complexa é a existência dos múltiplos

canais que ligam as sociedades, através de relações informais entre as elites políticas,

acordos internacionais formais, relações informais entre elites não governamentais e

organizações transnacionais. Estes canais podem ser divididos em três tipos de

relações (Keohane e Nye, 1989). As relações inter-estatais que são os canais normais

assumidos pelos realistas. As transgovernamentais que existem porque os Estados

não agem coerentemente como unidades. E as transnacionais pois os Estados não são

as únicas unidades do sistema (Keohane e Nye, 1989). Enquanto o realismo apenas

acredita na existência de um tipo de relação, a teoria da interdependência reconhece

mais dois tipos além do postulado pelos realistas.

8 Tradução livre do autor. No original “The realist assumptions about world politics can be seen as defining an extreme set of conditions or ideal type. One could also imagine very different conditions (...) we shall construct another ideal type, the opposite of realism. We call it complex interdependence” (Keohane e Nye, 1989: 23).

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A segunda característica da interdependência complexa é a inexistência de uma

hierarquia entre as questões. Para os autores realistas, as questões de segurança

sobrepõem-se às demais, mas nesta corrente não existe uma hierarquia, o que

significa que as questões económicas se equiparam às securitárias. Ademais, como a

diferença entre questões domésticas e externas é também cada vez mais complicada

de identificar, as agendas dos negócios estrangeiros tornam-se cada vez mais vastas e

diversificadas. Esta ausência de hierarquia entre as questões significa, entre outras

coisas, que a segurança militar não domina constantemente a agenda (Keohane e

Nye, 1989). Para o realismo a segurança está em primeiro lugar, mas a

interdependência retira primazia a essa matéria, porque os actores tomam consciência

de que a força ou a ameaça do uso da força acarretam consequências negativas.

A terceira característica da interdependência complexa é o não recurso à força militar

para resolver tensões e disputas entre os actores. Como nem todas as questões estão

subordinadas ao poder militar, este é irrelevante para resolver os desacordos em

questões económicas entre membros da mesma aliança (Keohane e Nye, 1989).

Assim, Keohane e Nye retiraram ao poder militar o seu lugar de destaque na análise

da política internacional, pois consideram que existem cenários em que a utilização

da força está fora de questão.

Estas características levam a novos processos políticos. Num mundo realista, as

questões militares são centrais e o objectivo principal do Estado é a segurança.

Contudo, num mundo de interdependência complexa, há uma variedade de

objectivos. Ademais, não existindo uma clara hierarquia entre as questões, os

objectivos vão variando conforme a área sendo possível que os mesmos não estejam

relacionados. Assim, manter uma linha consistente é difícil, dado que os actores

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14

transnacionais também vão introduzir novos objectivos e novas questões na agenda

(Keohane e Nye, 1989). Em situações de interdependência complexa os objectivos

variam de área para área, pois não existe hierarquia. Nestas circunstâncias, os

Estados dominantes podem tentar usar o seu poder económico para afectar os

resultados noutras questões. Além disso, os objectivos dos Estados numa

determinada área têm implicações políticas transversais. A articulação entre áreas

sem relação directa é um meio para conseguir concessões entre os actores.

É do conhecimento geral que todos os dias, representantes estatais e burocratas

comunicam e negociam diariamente diversos assuntos entre si por diversos meios.

De igual modo, membros de organizações não-governamentais, de fundações

privadas, de bancos, de empresas multinacionais interagem sem a intervenção dos

governos. Todas estas interacções afectam os actores internacionais, mesmo quando

não estão directamente envolvidos. Os agentes ao procurarem defender os interesses

dos actores que representam fortalecem a relação de interdependência entre os

países. Por conseguinte, os governos tornam-se mais sensíveis ao que acontece fora

das suas fronteiras. Assim, o número de questões relevantes na política externa

aumenta e torna-se mais difícil distinguir entre questões internas e externas.

“A diferenciação entre áreas temáticas em interdependência complexa significa que

as articulações entre as questões se tornará mais problemática e tenderá a reduzir em

vez de acentuar a hierarquia internacional” (Keohane e Nye, 1989: 31)9. Ao

negligenciarem o papel da força, os Estados têm de se servir de outros instrumentos 9 Tradução livre do autor. No original “The differentiation among issue areas in complex interdependence means that linkages among issues will become more problematic and will tend to reduce rather than reinforce international hierarchy” (Keohane e Nye, 1989: 31).

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15

para usarem o seu poder. Os Estados vão encarar a interdependência económica em

termos de ganhos conjuntos ou perdas conjuntas, por outras palavras, têm a noção de

que ‘estão no mesmo barco’. Este conhecimento mútuo de potenciais ganhos ou

perdas e o perigo de arriscar a posição faz com que os actores não se sirvam da

assimetria da relação para tentarem beneficiar em detrimento dos outros actores.

Devido à interdependência complexa as questões ficam interligadas, pelo que um

assunto doméstico pode afectar a política internacional e vice-versa. Assim, os

governos tendem a politizar mais questões ligando-as a outras matérias.

Portanto, é cada vez mais ténue a distinção entre política interna e internacional, e

isso ocorre principalmente devido à existência de múltiplos canais de ligação entre as

sociedades. O facto de as transacções, entre as sociedades, ocorrerem em especial ao

nível económico e social e menos em termos de segurança, afecta o relacionamento

dos actores internacionais. Alguns grupos ou organizações podem mesmo interagir

directamente com outros grupos ou governos fora das suas fronteiras e beneficiar

com essa interacção. Os contactos entre burocracias governamentais com

responsabilidades similares ajudam à formação de coligações transnacionais, em

determinadas áreas. De maneira a aumentarem as suas hipóteses de sucesso, as

agências governamentais tentam envolver outros actores nos seus processos de

decisão.

Num mundo de interdependência complexa, contudo, espera-se que alguns funcionários, em particular nos níveis mais baixos, acentuem a variedade dos objectivos estatais que devem ser perseguidos. Na ausência de uma clara hierarquia entre as questões, os objectivos variam de questão para questão, e podem até não estar relacionados. Cada uma das burocracias irá procurar defender os seus próprios interesses; e apesar de diversas agências poderem chegar a compromissos em questões que afectam as outras, elas irão perceber que é difícil de manter um padrão de

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16

coerência. Além disso, os actores transnacionais introduzem objectivos diferentes em vários grupos de questões (Keohane e Nye, 1997a: 135)10.

As redes transnacionais têm como consequência uma nova interpretação da política

internacional. E as agências governamentais podem passar a perseguir os seus

próprios interesses em vez dos interesses do Estado, o que cria problemas políticos

aos líderes governamentais. Portanto, é um mundo com múltiplas questões

articuladas de modo imperfeito.

Neste contexto, as organizações internacionais desempenham um papel na definição

da agenda internacional e favorecem, normalmente, os Estados mais fracos, devido à

regra de um voto por membro. Logo, numa situação de interdependência complexa

os actores teoricamente mais fortes são obrigados a recorrer a outros métodos além

do poder militar. O advento do poder nuclear, com a sua destruição mútua

assegurada é paradoxalmente uma razão para a diminuição da importância da força

militar.

Em interdependência complexa, os objectivos dos actores variam consoante a área

temática. As políticas transgovernamentais tornam difícil definir os objectivos. Em

interdependência complexa, as organizações internacionais, e os actores

transnacionais são os principais instrumentos de poder ao serviço dos Estados.

Assim, a agenda internacional é afectada pelas mudanças na distribuição do poder

dentro de cada área temática, pelo estatuto dos regimes internacionais, pelas

alterações na importância dos actores transnacionais, pelas ligações a partir de outras

10 Tradução livre do autor. No original “In a world of complex interdependence, however, one expects some officials, particularly at lower levels, to emphasize the variety of state goals that must be pursued. In the absence of a clear hierarchy of issues, goals will vary by issue, and may not be closely related. Each bureaucracy will pursue its own concerns; and although several agencies may reach compromises on issues that affect them all, they will find that a consistent pattern of policy is difficult to maintain. Moreover, transnational actors will introduce different goals into various groups of issues” (Keohane e Nye, 1997a: 135).

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17

questões e pela politização como um resultado da crescente sensibilidade da

interdependência. A ligação entre as questões pelos Estados mais fortes será mais

difícil de se fazer, uma vez que a força será ineficaz. Mas, a ligação entre as questões

pelos Estados mais fracos através das organizações internacionais tem um efeito de

erosão na hierarquia internacional. As organizações desempenham um papel central,

pois definem agendas, induzem a formação de coligações, e são palcos privilegiados

para a acção dos Estados mais fracos. Deste modo, a capacidade de escolher um

determinado fórum internacional para tratar uma dada questão tem um forte impacto

político e é um instrumento ao serviço dos actores.

1.2 O Poder e as suas Limitações O conceito de poder continua a ser tão central como igualmente impreciso, ou seja, é

um conceito difícil de definir, quer pelos estadistas, quer pelos analistas

internacionais. O conceito de poder é difícil de precisar porque é subjectivo, e essa

subjectividade resulta do facto de não ser possível vislumbrar totalmente o poder de

um actor até este o usar. No caso da energia, o poder da Rússia era subjectivo até ao

corte de abastecimento de gás natural à Ucrânia em 2006. Assim, até ser usado, o

poder de um actor é o resultado da percepção que ele e os outros têm do seu poder.

De acordo com a concepção clássica de poder, este é utilizado pelo Estado como

forma de fazer prevalecer o interesse nacional sobre os outros Estados. Desta

maneira, o poder pode ser exercido pela força, pela persuasão, pela discussão ou

ainda pela ameaça. Para o realismo, a política internacional é uma luta pelo poder.

Todavia, a visão realista necessita de três características para ser coerente. Primeiro,

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18

os Estados são tidos como entidades unitárias e coerentes, e são também os actores

dominantes do sistema internacional. Segundo, a força é um instrumento efectivo ao

serviço da política. Terceiro, para o realismo há uma hierarquia nas questões no

sistema internacional, liderada pelas questões militares e de segurança (Keohane e

Nye, 2008).

Num mundo caracterizado pela interdependência com novas questões na agenda que

requerem a cooperação entre os Estados, a noção de poder tem de ser adaptada à

nova realidade, porque é muito mais difícil a um actor impor a sua vontade aos

outros. O conceito de poder é muito mais multifacetado num cenário de

interdependência. O poder parece exercer-se de maneira menos coercitiva e menos

violenta (Boniface, 1997). Em situação de interdependência, o uso da força militar é

cada vez menos frequente. Os factores de poder estão cada vez mais interligados e

nenhum pode ser negligenciado.

É difícil caracterizar os elementos que configuram o poder. A hierarquia desses

elementos também muda consoante as épocas. No entanto, se outrora o factor militar

foi considerado o elemento fundamental do poder, hoje o critério económico parece

ter adquirido uma importância pelo menos tão grande como o militar (Boniface,

1997). Como os elementos do poder não são todos utilizáveis em qualquer situação,

consequentemente, nenhum Estado dispõe de um poder absoluto que lhe permita

impor a sua vontade em todas as circunstâncias.

“O poder no sistema internacional pode ser definido como a capacidade que um

Estado tem de influenciar ou controlar as acções de outros Estados” (Carey, 2010:

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19

61)11. Portanto, o poder pode ser entendido como a capacidade que um determinado

actor tem, que permite compelir os outros actores a fazerem algo que doutra forma

não fariam. Todavia, o conceito de poder pode igualmente ser considerado como a

capacidade que um dado actor possui para influenciar os resultados. Em qualquer dos

casos, não é fácil avaliar a sua relevância, mas o conceito é um elemento

incontornável do sistema internacional. “A tendência do conceito de ‘poder’ para

focar atenção nas qualidades possuídas é claramente ilustrada pela inclinação

generalizada para classificar os Estados em termos de ‘poder’” (Rosenau, 2006:

142)12.

Assim, é com base no conceito de poder que os actores são classificados como

superpotências, como grandes potências, como potências regionais ou médias

potências e ainda como pequenas potências (Rosenau, 2006). No entanto, tal

classificação apenas pode ser estabelecida para um período pré-definido, porque as

capacidades dos actores internacionais não são fixas e os elementos do poder

evoluem, tornando-se alguns mais importantes do que outros. Embora seja um

conceito abstracto é igualmente multifacetado, o que permite defini-lo de duas

formas distintas – hard power e soft power. “O hard power é a capacidade de

provocar danos físicos e é usualmente associado à força militar e à persuasão física.

O soft power é a capacidade de exercer pressão e influência sem recorrer à ameaça

física” (Carey, 2010: 62)13. O crescimento da interdependência entre os actores

11 Tradução livre do autor. No original “Power in international relations can be defined as the ability of one state to exert influence or control over the actions of other states.” (Carey, 2010: 61). 12 Tradução livre do autor. No original “The tendency of the concept of ‘power’ to focus attention on possessed qualities is clearly illustrated by the pervasive inclination to rank states in terms of their ‘power’...” (Rosenau, 2006: 142). 13 Tradução livre do autor. No original “Hard power is the ability to physical hurt and damage and is usually associated with military force and physical persuasion. Soft power is the ability to exert pressure and influence without using physical threat” (Carey, 2010: 62).

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20

internacionais tem um efeito de arrastamento relativamente ao soft power, ao mesmo

tempo que diminui a importância do hard power no sistema internacional.

O controlo sobre os recursos naturais, a sua utilização, e a sua distribuição pelos

demais actores representam um papel importante no sistema internacional. Neste

sentido, o petróleo e o gás natural detêm uma grande importância, porque os

principais consumidores não são grandes produtores. Desta forma, os produtores ao

controlarem a produção de petróleo e gás natural adquirem uma importante

ferramenta de poder. O petróleo e o gás partilham muitas características, porém

importa destacar que é mais difícil distribuir gás natural do que petróleo. Para

transportar o gás natural é necessário construir gasodutos desde a origem até ao local

de consumo. Esta característica do gás natural aumenta, de forma considerável, o

poder do produtor sobre o consumidor.

Portanto, apesar do conceito de poder, em termos convencionais, ter uma vertente

militar, desde do fim da Guerra Fria que se assistiu a um crescimento substancial da

vertente económica. Esta situação é uma consequência da liberalização dos

mercados, do processo de globalização, e do fortalecimento das organizações

internacionais14. O comércio internacional aliado às empresas multinacionais retira

poder ao Estado, pelo que a natureza do poder está a mudar, tornando-se mais difusa.

O poder está a deslocar-se dos Estados para as empresas e para os indivíduos. O

poder já não é controlado em absoluto pelo Estado, mas também não o é pelos

actores não-estatais. Contudo, os actores internacionais continuam a competir pelo

poder (Mearsheimer, 2007). Neste sentido, Mearsheimer considerou que as grandes

14 A Organização Mundial do Comércio criada depois da Guerra Fria é um exemplo do crescimento da importância da vertente económica do poder.

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21

potências raramente estão satisfeitas com a distribuição de poder; pelo contrário,

enfrentam um incentivo permanente para procurarem alterar a distribuição de poder a

seu favor.

Para compreender a função do poder num sistema caracterizado pela

interdependência, é preciso distinguir duas dimensões: sensibilidade e

vulnerabilidade. A sensibilidade compreende os níveis de resposta de um quadro

político, ou seja, com que rapidez é que as decisões num país afectam outro, e até

que ponto. “A sensibilidade interdependente é criada por interacções dentro de um

quadro de políticas. A sensibilidade assume que o quadro se mantém inalterado”

(Keohane e Nye, 1989: 12)15. Esta sensibilidade pode ser social, política ou

económica. Contudo, é necessário considerar também um cenário no qual o quadro

político se altera. É neste sentido que aparece a dimensão da vulnerabilidade. “A

dimensão vulnerabilidade da interdependência assenta na disponibilidade relativa e

nos custos das alternativas que os vários actores enfrentam” (Keohane e Nye, 1989:

13)16.

Keohane e Nye fazem uma distinção entre ambas as formas de interdependência:

sensibilidade e vulnerabilidade. A primeira acontece quando as mudanças que

ocorrem dentro de um determinado sistema político têm influência dentro de outro

sistema político. A segunda acontece quando as mudanças num sistema político

15 Tradução livre do autor. No original “Sensitivity interdependence is created by interactions within a framework of policies. Sensitivity assumes that the framework remains unchanged” (Keohane e Nye, 1989: 12). 16 Tradução livre do autor. No original “The vulnerability dimension of interdependence rests on the relative availability and costliness of the alternatives that various actors face” (Keohane e Nye, 1989: 13).

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continuam a exercer influência noutro sistema político, mesmo depois de este ter

tomado medidas para responder às mudanças ocorridas. Ora, isto significa que a

sensibilidade indica uma situação na qual os acontecimentos num sistema têm

impacto noutro sistema, mas a vulnerabilidade indica uma situação de maior conexão

entre os dois sistemas, porque o sistema político não consegue evitar as

consequências oriundas das mudanças fora do sistema político.

1.3 A Interdependência e o Realismo É de realçar que as grandes batalhas intelectuais na área das relações internacionais

ocorrem primordialmente entre dois paradigmas: o liberalismo e o realismo. Todavia,

optar exclusivamente por um dos lados seria redutor e limitaria a capacidade de

análise da temática proposta. Portanto, em termos teóricos faz-se uma análise que

não se cinge em exclusivo a uma dada corrente de pensamento. É certo que dentro de

cada uma das escolas de pensamento é possível encontrar autores com discordâncias

em questões importantes, porém existem concepções fundamentais que são

partilhadas. Arrisca-se a afirmar que os dois campos se diferenciam pela percepção

da política internacional. Por um lado temos os optimistas da política internacional,

que pertencem à corrente liberal. Por outro lado, temos os pessimistas da política

internacional, isto é, os realistas. Enquanto uns acreditam que a interdependência

económica torna os actores menos dispostos a lutarem entre si e que as instâncias

internacionais aumentam a cooperação entre os actores do sistema internacional,

outros crêem que a estrutura internacional com que os Estados têm de lidar os molda

e centram a sua análise exclusivamente nas grandes potências.

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23

Em Power and Interdependence os autores apresentaram uma definição com os

pressupostos realistas da política internacional. Para eles, o realismo é um conjunto

de condições extremas, ou seja, um tipo ideal. Dessa forma, ao considerarem o

realismo como um extremo, os autores focaram-se em ilustrar o outro tipo ideal: a

interdependência complexa. Ao estabelecerem as diferenças entre os dois tipos

ideais, Keohane e Nye concluíram que a teoria da interdependência complexa é mais

útil e correcta do que o realismo (Keohane e Nye, 1997a).

A teoria da interdependência é um contributo importante para o tema em estudo na

presente dissertação. Todavia, é preciso reconhecer as limitações da teoria. As teorias

são quadros de análise da realidade que ajudam a compreender o mundo. Assim, não

seria possível compreender ou explicar correctamente a realidade recorrendo apenas

aos conceitos de uma teoria. Como já foi explicado anteriormente, Keohane e Nye

estabeleceram a interdependência como um tipo ideal, e o realismo como o outro tipo

ideal. No entanto, seria redutor que a análise se cingisse apenas à visão destes dois

autores. Todas as teorias têm limitações, pois há sempre acontecimentos que não são

capazes de explicar, porém as teorias continuam a ser relevantes se ajudarem a

compreender os processos e o funcionamento do sistema internacional. Todas as

teorias se deparam com anomalias porque são uma forma de simplificar a realidade,

uma vez que destacam determinados factores e menosprezam outros.

A teoria da interdependência não é isenta de críticas. Aliás, Keohane viria a

reconhecer que Power and Interdependence continha uma teoria incipiente sobre as

instituições, mas que essa teoria não fora bem desenvolvida (Keohane, 2002). Em

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24

1984, com o livro After Hegemony: Cooperation and Discord in the World, procurou

apresentar uma teoria das instituições internacionais considerando que estas

desempenhavam acções importantes para os Estados permitindo-lhes cooperar

(Keohane, 2002). Assim, devido às instituições internacionais as questões

económicas adquiriam uma centralidade e predominância no sistema internacional.

“Depois de estabelecer as diferenças entre o realismo e a interdependência complexa,

nós podemos argumentar que por vezes a interdependência complexa está mais

próxima da realidade do que o realismo” (Keohane e Nye, 1997a: 133)17. É com esta

afirmação que os autores destacam que a interdependência complexa é mais realista

do que o realismo. Assim, é preciso reconhecer que ambos os conceitos existem e

podem ser observados no sistema internacional contemporâneo. Deste modo,

procurar-se-á perceber como é que a interdependência complexa e o realismo co-

existem. Dado que os dois actores internacionais estudados são grandes potências do

sistema internacional, é apropriado optar por uma corrente do realismo que tenha

como objecto de análise as grandes potências.

De todas as teorias realistas, a escolha recaiu sobre o realismo ofensivo porque, tal

como o realismo defensivo, considera que é a estrutura do sistema que leva os

Estados a competirem pelo poder. Mas, se para o realismo defensivo, os actores

concentram-se na manutenção do equilíbrio de poder, para o realismo ofensivo, os

actores procuram maximizar o poder relativo, com vista à hegemonia. Portanto, o

realismo estrutural ofensivo sustentado por Mearsheimer apresenta-se como uma

opção lógica para o desenvolvimento da presente dissertação. “A teoria centra-se nas

17 Tradução livre do autor. No original “After establishing the differences between realism and complex interdependence, we shall argue that complex interdependence sometimes comes closer to reality than does realism” (Keohane e Nye, 1997a: 133).

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grandes potências porque são esses os Estados que têm maior impacto sobre os

acontecimentos da política internacional” (Mearsheimer, 2007: 22).

Num mundo predominado pela interdependência, as questões económicas adquirem

uma centralidade e predominância. Em contrapartida, num mundo predominado pelo

realismo, são as questões de segurança que assumem a centralidade e se sobrepõem

às demais. É nesta diferença que reside a distinção entre ambos os mundos. Para o

realismo, pouco ou nada interessa a natureza dos regimes, pois as democracias e as

autocracias preocupam-se de igual forma com a segurança. As grandes potências

tendem a procurar oportunidades para alterarem a distribuição do poder mundial a

seu favor, pelo que, quando ela surge estão aptas a agarrá-la. “O realismo ofensivo

parte do princípio de que o sistema internacional molda fortemente o comportamento

dos Estados” (Mearsheimer, 2007: 27).

Portanto, as duas teorias aqui referidas diferem na sua interpretação dos actores, pois

se o realismo ofensivo vê os actores internacionais como homogéneos, a teoria da

interdependência prefere enaltecer a heterogeneidade dos actores e, por conseguinte,

cada actor é desconstruído e fragmentado em várias unidades. Se para o realismo

ofensivo não interessa qual é a estrutura interna, a forma de governo ou até quem são

os líderes da Rússia ou da UE, uma vez que os actores são entendidos como bolas de

bilhar18, para a teoria da interdependência esses factores são importantes para

compreender a acção dos actores.

Tal como o realismo defensivo, o realismo ofensivo considera que a principal

preocupação das grandes potências é perceberem como sobreviver num mundo no

18 “As grandes potências são, no essencial, como bolas de bilhar que variam apenas de tamanho” (Mearsheimer, 2007: 34)

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qual não existe nenhum organismo que as proteja umas das outras. Assim, a chave da

sobrevivência é a obtenção de poder. O realismo ofensivo separa-se do realismo

defensivo quando se chega à questão de saber quanto poder desejam os Estados. Para

o realismo defensivo, a estrutura internacional gera poucos incentivos para os

Estados procurarem aumentar significativamente o seu poder, pelo que, em vez

disso, são forçados a procurarem manter o equilíbrio de poder já existente. Por outras

palavras, pretendem preservar o poder, em vez de o aumentar. Para o realismo

ofensivo, só muito esporadicamente se encontram potências situacionistas, visto que

o sistema internacional gera poderosos incentivos para a procura de oportunidades

para conquistar poder à custa dos rivais e para se aproveitarem das situações em que

os benefícios ultrapassam os custos. Os realistas ofensivos acreditam que o objectivo

final de um actor internacional é ser o hegemon19 do sistema. No entanto,

Mearsheimer considera que é praticamente impossível um Estado alcançar a

hegemonia global, e até admite que os Estados possam cooperar, porém a cooperação

é difícil de alcançar e é sempre difícil de manter (Mearsheimer, 2007).

De acordo com o realismo ofensivo, a estrutura do sistema internacional é definida

em cinco pontos: os Estados são os actores centrais da política mundial e actuam

num sistema anárquico; as grandes potências possuem invariavelmente uma forte

capacidade militar ofensiva; os Estados nunca podem estar certos de que os outros

não têm intenções hostis em relação a eles; as grandes potências valorizam

enormemente a sobrevivência; e os Estados são actores racionais, razoavelmente

eficazes na concepção de estratégias que maximizem as suas hipóteses de

sobrevivência (Mearsheimer, 2007). As ameaças à segurança nacional não são

19 É o actor internacional com capacidade para dominar todo o sistema, ou seja tem a hegemonia sobre tudo e todos.

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apenas militares, pelo que uma matéria não militar como a energia também é

subordinada à segurança.

Apesar da importância desta corrente de pensamento realista para compreender a

acção de alguns actores internacionais, ela não consegue explicar fenómenos que

estejam para lá do campo político. Esta concepção ignora a importância da

interdependência económica actual, que não tem precedentes históricos. A economia

internacional e as transacções transnacionais há muito que têm desferido golpes na

soberania dos Estados. Como refere Susan Strange a política “não se limita aos

políticos e aos seus funcionários” (Strange, 1996: 12)20. Contudo, tal não significa

que os Estados estejam em risco de desaparecer ou que as entidades políticas estão a

desintegrar-se, mas a capacidade dos mercados e das empresas em imiscuírem-se na

esfera política tem contribuído para diminuir capacidade de actuação dos decisores

políticos.

Numa relação de interdependência existem benefícios e custos para todos os actores

envolvidos. E cada vez mais a sociedade, a cultura, a economia e a política são áreas

interdependentes. Portanto, os problemas criados pela interdependência exigem

novas soluções e novas atitudes por parte dos actores internacionais. Num mundo

interdependente as questões não podem ser resolvidas através de acções unilaterais,

porque uma acção numa dada área tem consequências noutras áreas.

Ademais, a relevância crescente dos actores não governamentais, é outra

característica deste novo modelo da política internacional. A interdependência tem 20 Tradução livre do autor. No original “it is not confined to politicians and their officials” (Strange, 1996: 12).

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uma estrutura descentralizada. Esta estrutura e o conhecimento técnico interagem no

processo de tomada de decisão. Além disso, se o processo de tomada de decisão

estiver dividido em diversas unidades, tal condição diminui a capacidade de controlo

sobre o mesmo. Assim uma estrutura burocrática fragmentada diminui a acção dos

líderes políticos no processo de tomada de decisão.

A ideia de interdependência desempenha um papel importante no pensamento liberal.

Os processos que se produzem no mundo moderno estão a tornar as entidades

políticas cada vez mais dependentes umas das outras. Desta forma, é compreensível

que os liberais se focalizem na interdependência em termos económicos e

considerem que os mercados globais se entrelaçam de uma forma crescente. Os

autores liberais destacam a importância dos actores estatais e dos transnacionais. Eles

tendem a focar-se em aspectos não-militares da política internacional, preferindo

welfare politics21. O crescimento da interdependência faz com que os actores

internacionais sejam mais sensíveis para com os interesses dos outros, aumentando

deste modo os custos dos conflitos, o que torna os conflitos menos tentadores ou

benéficos (Jørgensen, 2010).

Para Keohane e Nye, as relações de interdependência complexa baseiam-se, e são

igualmente afectadas, por um conjunto de regras, normas, e procedimentos que

regulam o comportamento dos actores e controlam os seus efeitos. Neste sentido, a

estrutura do sistema afecta profundamente a natureza do regime internacional. Por

sua vez, o regime afecta, e em alguma medida dirige, a negociação política e os

processos de decisão do sistema (Keohane e Nye, 1989). Isto significa que os

21 Termo de difícil tradução para português, devido à sua enorme abrangência, mas de forma simplista significa políticas que visem promover o bem-estar social, económico e político dos cidadãos.

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objectivos dos actores em situação de interdependência variam consoante a área. Ao

mesmo tempo, a política transgovernamental faz com que os objectivos sejam mais

difíceis de definir. A existência de actores transnacionais que perseguem os seus

próprios objectivos ajuda a tornar mais vasto e diverso o sistema internacional.

Para além disso, os instrumentos ao dispor dos actores também mudam de acordo

com as temáticas. A manipulação da interdependência por parte dos actores políticos,

as organizações internacionais, e os actores transnacionais são os principais

instrumentos ao serviço dos Estados (Keohane e Nye, 1989). Contudo, ligar as

questões será uma tarefa mais difícil de realizar pelos Estados mais fortes porque a

força militar é inútil. Todavia, a união entre os actores mais fracos, concretizada

através das organizações internacionais, ‘distorce’ a hierarquia das questões e dos

actores internacionais. É desta forma que as organizações internacionais acabam a

definir agendas, a induzir coligações e a funcionarem como arenas para a acção

política dos países.

Portanto, a interdependência leva os actores a adoptarem posições que noutro

contexto não tomariam. É preciso ter em atenção que a cooperação internacional

acontece fundamentalmente dentro de um contexto institucional, e que este pode ou

não facilitar os esforços de cooperação. Esta perspectiva tende a assentar

principalmente na lógica da interdependência económica. “As transacções

económicas fora das fronteiras nacionais expandiram-se dramaticamente ao longo

das últimas duas décadas” (Keohane e Milner, 1996: 10)22. Deste modo, é de esperar

22 Tradução livre do autor. No original “Economic transactions across national boundaries have expanded dramatically over the last two decades” (Keohane e Milner, 1996: 10).

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30

que a internacionalização aumente a integração entre os mercados domésticos e

internacionais (Keohane e Milner, 1996).

Num sistema internacional caracterizado pela interdependência há vários actores

relevantes, isto é, a política internacional não é um domínio exclusivo dos Estados. A

relevância de um actor já não está ligada à noção de soberania. Como a distinção

entre política interna e internacional é progressivamente menos clara, devido à

existência de múltiplas arenas de discussão e cooperação, os governos são cada vez

menos capazes de controlarem as acções dos seus cidadãos ao nível interno. Tal

situação aumenta o poder relativo dos actores transnacionais. Ao nível externo, os

Estados têm cada vez menos autonomia de actuação, porque as suas opções são cada

vez mais reduzidas devido à acção dos actores transnacionais23. Ao mesmo tempo, o

Estado está a transformar-se num actor mais fragmentado e menos homogéneo. Num

mundo interdependente, o Estado não tem um raciocínio único relativamente às

noções de interesse nacional ou de relacionamento externo porque é composto por

múltiplos interesses. Esses múltiplos interesses resultam das interacções constantes

entre os representantes e os burocratas dos diversos países, deste modo, os países

tornam-se mais interdependentes. Ademais, o sistema internacional aparece

configurado por múltiplas arenas de discussão e cooperação. E, de acordo com o

apresentado por Keohane e Nye, a diplomacia e a força não são os únicos recursos

disponíveis em política internacional.

23 Algumas empresas multinacionais possuem um PIB superior a Estados, pelo que desempenham um papel relevante no sistema internacional. Estas empresas conseguem escapar ao controlo dos governos porque podem relocalizar as suas indústrias fora da jurisdição do Estado a que pertencem. Os actores trasnacionais actuam fora da esfera de influência dos governos pelo que as suas acções não são dirigidas sobre a égide de uma entidade política.

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31

Desta forma, as características da interdependência complexa dão origem a novos

processos políticos. Como é natural um sistema assente na interdependência

complexa tem resultados distintos de um realista, porque no primeiro sistema os

actores são heterogéneos e fragmentados, e no segundo são entidades homogéneas e

coerentes. No mundo da interdependência complexa, “na ausência de uma clara

hierarquia entre as questões, os objectivos variam de acordo com a questão, e podem

não estar completamente relacionados” (Keohane e Nye, 2008: 724)24. Do mesmo

modo, as acções dos actores transnacionais introduzem novos objectivos e novas

temáticas às agendas dos governos. Em interdependência complexa, os objectivos

variam por área temática, e o mesmo sucede com a distribuição de poder e os

processos políticos (Keohane e Nye, 2008).

24 Tradução livre do autor. No original “In the albescence of a clear hierarchy of issues, goals will vary by issue, and may not be closely related” (Keohane e Nye, 2008: 724).

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32

Capítulo 2. A Política Energética Europeia A UE enfrenta grandes desafios no domínio da energia, nomeadamente, no que

respeita à segurança no abastecimento e à sua dependência das importações. A

Europa necessita de energia para sustentar a sua economia. Perante tal, tem

procurado estabelecer uma estratégia que consiste numa política energética mais

eficaz. O actual conceito de segurança energética encontra-se expresso em diversos

documentos da UE25, quer nos tratados, quer nas comunicações da Comissão

Europeia, é possível encontrar informações que permitem compreender as opções

estratégicas, os objectivos e os desafios da política energética comum.

No sentido de assegurar a segurança energética a Comissão Europeia elaborou um

plano de acção em cinco pontos: infra-estruturas e diversificação de fontes de

abastecimento; relações externas energéticas; reservas de petróleo e gás e

mecanismos de resposta a crises; eficiência energética; e optimizar a utilização dos

recursos energéticos endógenos (Comissão Europeia, 2008b).

A dependência energética é uma fonte de especial preocupação para a UE, uma vez

que é o maior importador mundial de petróleo e gás natural. No entanto, há uma

multiplicidade de situações entre os parceiros europeus, do ponto de vista do seu

abastecimento energético. A diversidade ajuda a explicar as dificuldades com que as

Instituições Europeias se deparam na elaboração de uma política energética comum.

Do ponto de vista estratégico, a política energética europeia procura a

sustentabilidade, a competitividade e a segurança no abastecimento de

25 Com os objectivos estratégicos de sustentabilidade e competitividade, a abordagem europeia procura a longo-prazo um sistema energético sem combustíveis fosseis, e com infra-estruturas flexíveis, e a curto-prazo evitar crises de abastecimento e diminuir a vulnerabilidade (Comissão Europeia, 2008b).

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33

hidrocarbonetos à Europa. O presente capítulo analisa a questão da segurança e da

dependência do abastecimento, visando igualmente compreender a evolução da

estratégia europeia.

2.1 A dependência europeia

De acordo com o referido anteriormente, as grandes potências mundiais precisam de

energia para sustentar esse estatuto e para desenvolverem as suas economias, mas a

maioria das potências mundiais não têm recursos energéticos domésticos suficientes

para as suas necessidades, pelo que necessitam de importar energia. Assim, os

combustíveis fósseis continuam a ser a principal fonte de energia a nível mundial.

Neste panorama, a UE precisa de competir com outros actores pelo acesso às fontes

de energia não renováveis. Contudo, as necessidades dos Estados-membros da UE

variam de país para país. De modo a ilustrar essa multiplicidade de situações, são

aqui apresentadas as tabelas do Eurostat que ajudam a compreender a conjectura.

A Tabela 1 representa a quantidade de energia necessária para satisfazer o consumo

interno de cada entidade geográfica, isto é o consumo interno bruto. As necessidades

totais de cada país, ou entidade, são apresentadas na referida tabela. Desta forma é

possível destacar que a dependência das importações está a aumentar, pelo que se

percebe a opinião expressa pela Comissão Europeia no Livro Verde: Estratégia

europeia para uma energia sustentável, competitiva e segura: “Se não tornarmos

mais competitiva a produção interna de energia, nos próximos 20 a 30 anos 70% –

contra os actuais 50% – das necessidades energéticas da UE serão cobertas por

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produtos importados, alguns deles provenientes de regiões ameaçadas pela

insegurança” (Comissão Europeia, 2006: 3).

Tabela 1 - Consumo interno bruto de energia por país (Eurostat, 2011b)

Os dados relativos ao consumo, na UE a 27 Estados-membros, mostram que o

consumo europeu de energia se tem mantido relativamente constante. A partir de

2007, houve uma ligeira diminuição no consumo. E nos anos anteriores, o consumo

interno bruto de energia crescera ligeiramente. Contudo, esta tabela revela que, em

termos globais, o consumo não se alterou significativamente ao longo da década

1998-2008.

A Tabela 2 apresenta a evolução da relevância de cada fonte de energia em termos

percentuais no consumo interno bruto na UE. As necessidades totais da UE por cada

fonte de energia são apresentadas na tabela seguinte.

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35

Tabela 2 - Consumo interno bruto de energia por fonte (Eurostat, 2011b)

Ora, se o consumo interno bruto de energia por país não apresenta dados que possam

revelar alterações energéticas significativas, o consumo interno bruto de energia por

fonte demonstra que se verificaram variações relevantes. Assim, é importante

salientar que, entre 1998 e 2008, houve um declínio gradual no consumo de petróleo,

de produtos petrolíferos, de combustíveis sólidos e de energia nuclear. Em sentido

inverso surgem o gás natural e as fontes de energia renováveis. O consumo total de

petróleo, produtos petrolíferos e combustíveis sólidos caiu de 59% para 53,5%. Esta

queda é, em certa medida, um reflexo das mudanças verificadas pelas políticas da UE

no sentido de substituir as fontes de energia poluentes por fontes mais limpas e

amigas do ambiente. No mesmo período de tempo, a importância do gás natural e das

energias renováveis registou uma subida de 2.9%, alcançando 24,5% e 8.4%

respectivamente (Eurostat, 2011b).

Portanto, como os dados apresentados provam, o consumo de energia na UE tem se

mantido estável, mas as fontes de energia estão a mudar. Assim, é possível atestar

que existe uma dependência energética da UE face ao petróleo e uma crescente

dependência relativamente ao gás natural. Apesar da diminuição no consumo de

petróleo, a dependência energética aumentou, em especial devido ao consumo de gás

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natural. E esta dependência energética é o pano de fundo das políticas energéticas

europeias. Assim, como é evidente, a UE precisa de energia, nomeadamente, de

petróleo e gás natural, mas a sua produção de combustíveis fósseis é insuficiente.

Na Tabela 3 é indicada a produção de energia primária da UE, com as produções

totais por cada país ou entidade em toneladas de petróleo equivalentes. Desta forma é

possível notar que a produção energética interna diminuiu na década de 1998-2008.

Portanto, se o consumo interno bruto de energia subiu ligeiramente e a produção

interna diminuiu, significa que a dependência externa de energia aumentou.

Nesta tabela estão patentes as discrepâncias entre os parceiros europeus. Os dados

apresentados comprovam que os principais produtores energéticos na UE são o

Reino Unido, a França e a Alemanha. Todavia, enquanto na França se verificou um

Tabela 3 - Produção interna de energia por país (Eurostat, 2011a)

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37

valioso aumento na produção de energia, na Alemanha esse crescimento foi muito

ligeiro. Em sentido oposto, o Reino Unido registou uma diminuição considerável na

sua produção de energia. Essa diminuição, ocorrida no Reino Unido, contribuiu

bastante para a quebra registada na produção europeia na década apresentada.

No entanto, também de acordo com o quadro anterior, é possível constatar que a

produção de energia na UE se dissemina por várias fontes. Em consonância com

esses indicadores, e com os que são expostos na tabela seguinte, constata-se que

houve uma diminuição na produção de energia nos combustíveis sólidos, no petróleo,

e no gás natural. Em contrapartida, a produção interna através de fontes de energia

renovável, e igualmente de energia nuclear, aumentou. Esse aumento ajudou a

equilibrar a balança, mas não foi suficiente para impedir um decréscimo na produção

de energia.

Por conseguinte, como a diminuição na produção interna não foi acompanhada

também por uma diminuição no consumo, a UE tornou-se mais dependente das

importações de energia, para satisfazer as suas necessidades. Referindo-se à questão

energética, o eurodeputado romeno Ion Mircea Paşcu defendeu que "este é o jogo

estratégico fundamental dos próximos 50 anos […] Devemos reagir colectivamente e

não defender egoisticamente objectivos nacionais" (Paşcu, 2009).

A Tabela 4 mostra o crescimento ou o decrescimento da produção de energia

europeia por fonte, tendo por ponto de partida o ano de 1998 e por base 100. O

aspecto mais relevante a assinalar é o crescimento da energia renovável. No entanto,

verificou-se uma diminuição na produção em especial devido à quebra nos

combustíveis fósseis, em especial o petróleo.

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Assim, compreende-se porque é que a Comissão Europeia afiançava que se estavam

a verificar mudanças importantes, e que essas mudanças no sector energético

obrigavam a que fossem adoptadas novas medidas. Entre 1998 e 2008, a necessidade

de importar combustíveis fósseis cresceu como revela a tabela abaixo.

Na Tabela 5 é apresentada a dependência externa da UE relativamente aos

combustíveis fósseis. Ao longo do período apresentado a necessidade de importação

destas fontes de energia não renováveis cresceu paulatinamente até que o volume da

produção passou a ser inferior ao volume das importações em meados da década

transacta.

Tabela 5 - Dependência Energética por fonte (Eurostat, 2011a)

Em 2008, mais de metade (54.8%) do consumo interno bruto de energia, vinha de

fontes importadas (Eurostat, 2011a). Este valor foi alcançado essencialmente devido

às altas percentagens de dependência registadas ao nível do petróleo e do gás natural.

Tabela 4 - Evolução da produção europeia de energia (Eurostat, 2011a)

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39

Não obstante, a dependência das importações energéticas na UE tem crescido a um

ritmo relativamente superior nos combustíveis sólidos e no gás natural

comparativamente com o petróleo.

A Tabela 6 demonstra o grau de dependência energética de cada país, ou entidade em

termos globais.

Tabela 6 - Dependência Energética por país (Eurostat, 2011a)

Nesta tabela, dos Estados-membros da UE, é a Dinamarca que sobressai, dado que é

o único membro da UE que têm um saldo positivo, isto é, as exportações de energia

são superiores às importações. Quanto aos restantes membros da UE, em 2008, todos

necessitavam de recorrer às importações para obterem o volume de energia de que

necessitam.

A Tabela 7 mostra a origem da energia primária que a UE importou e

consequentemente consumiu ao longo do período 2000-2008.

Ao observar os quadros com os dados da dependência energética europeia, quanto ao

carvão, petróleo e gás natural, a primeira ilação que se retira é que a Rússia é o

principal fornecedor de energia à UE. No carvão e no petróleo é visível o

crescimento das importações oriundas da Rússia. Mas, relativamente ao gás natural,

a percentagem das importações russas diminuiu. Perante este cenário, é importante

mencionar que entre 2000 e 2008 o volume das importações do gás russo

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40

permaneceu praticamente inalterado. Portanto, não se verificou uma diminuição na

importação de gás natural da Rússia, mas antes um aumento da importação de gás

natural por parte da UE, principalmente da Noruega.

Tabela 7 - Origem das Importações (Eurostat, 2011a)

Desta forma, a dependência da UE em termos energéticos é uma questão de

segurança porque os seus parceiros energéticos são reduzidos. Neste sentido, o gás

natural é pelas suas características o principal motivo de preocupação das autoridades

europeias. Os últimos dados disponíveis revelam que a UE depende para o seu

abastecimento de gás natural de três países fornecedores: a Noruega, a Rússia e a

Argélia. Porém, também o petróleo e o carvão se encontram em situações similares.

Em 2008, mais de metade das importações europeias de petróleo eram oriundas da

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Rússia, Noruega e Líbia. De igual modo, mais de metade do carvão era importado da

Rússia, da África do Sul e dos EUA.

Em síntese, a UE tem uma grande dependência energética do exterior e em especial

da Rússia. Portanto, se o consumo de energia registou um ligeiro crescimento, a

produção de energia diminuiu, e as importações aumentaram, logo a dependência

energética da UE cresceu. Essa dependência aumentou face ao declínio da produção

do Mar do Norte. Perante esta situação, a UE procura diversificar os seus

abastecimentos e reforçar a contribuição de outros países. Embora, a sua importância

ainda se mantenha reduzida, há indícios de que a UE está a adquirir novos parceiros

energéticos. Como as reservas europeias de gás são escassas, as necessidades da

Europa em termos de gás levam-na a acelerar a exploração dos seus recursos

endógenos.

2.2 A segurança energética O conceito de segurança energética, não é um conceito simples ou fácil. A política

energética da UE tem por finalidade atingir a segurança energética. Assim, poderá

parecer que os responsáveis europeus estão a submeter a energia à segurança.

Contudo, tal ideia não corresponde à verdade, uma vez que, o conceito de segurança

energética está associado aos aspectos económicos e não à segurança, tal como

sugere a teoria da interdependência.

As práticas comunitárias reforçam a legitimidade das Instituições Europeias, mas

nem sempre essas práticas são úteis aos objectivos finais da política energética. Esta

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situação é uma característica da interdependência complexa que, por causa da

multiplicidade de agentes envolvidos, tornam a política energética europeia pouco

clara. Portanto, as características da interdependência complexa em conjugação com

o aumento da necessidade de importação externa ampliaram o sentimento de

insegurança energética europeia. Desta forma, o desenvolvimento de políticas que

visassem fomentar a segurança energética tornou-se uma prioridade ao nível

europeu, em especial para os Estados-membros mais dependentes. Na UE existem

países que dependem quase exclusivamente de um fornecedor externo de energia,

pelo que foi a pensar nessa situação que a Comissão Europeia enfatizou a

necessidade e a utilidade de mecanismos que garantam a solidariedade, bem como a

diversificação das fontes e do transporte (Comissão Europeia, 2006).

Ao longo da última década, à medida que a produção interna de energia diminuía e

as importações aumentavam, a indispensabilidade de uma abordagem comum por

parte das Instituições Europeias relativamente à segurança energética foi crescendo.

O alargamento da UE para Leste veio acentuar ainda mais a necessidade de uma

resposta comum às questões energéticas. A maioria dos novos Estados-membros da

UE, por razões históricas e geográficas, depende mais do abastecimento energético

russo.

O mapa abaixo mostra as rotas dos gasodutos existentes, e dos planeados a tracejado,

em 2006. Através do mapa fica demonstrado que a Ucrânia e a Bielorrússia são os

dois principais países de trânsito do gás natural da Rússia para a UE. Deste modo,

quando a Federação Russa decidiu cortar o abastecimento de gás natural à Ucrânia

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43

no dia 1 de Janeiro de 2006, o mercado energético europeu mostrou todas as suas

fragilidades.

Mapa_1: Principais gasodutos para a UE (Comissão Europeia, 2009)

A Rússia pretendia com essa acção aumentar o preço do gás natural que vendia à

Ucrânia, dado que o preço tinha triplicado em dois anos nos mercados internacionais.

Contudo, ao cortar o abastecimento à Ucrânia, os Estados-membros da UE foram

sendo progressivamente afectados. Com esta acção, a Rússia demonstrou que não era

um fornecedor fiável de energia, uma vez que não hesitou em utilizar os seus

recursos energéticos como uma arma geopolítica. Essa atitude foi um sério aviso para

a UE (Silva, 2007). Desta maneira, ficou exposta a fragilidade da Europa, porque o

volume de gás que circula pelos gasodutos que passam pela Ucrânia e que chegam

até Frankfurt e Milão, ao ser reduzido por causa do corte russo, teve como resultado

a escassez de gás nos países europeus.

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É de ressaltar ainda que, a crise do gás desenrolou-se no pico do Inverno, isto é,

durante a época do ano em que um corte no abastecimento de energia é mais sentido.

Em Janeiro do ano seguinte, a Bielorrússia sofreu um corte no abastecimento de

petróleo. De forma consecutiva a Rússia cortou o abastecimento a dois dos seus

países de trânsito do gás e do petróleo que chega à UE.26

Estas crises afectaram seriamente a confiança europeia na Rússia. Porém, é preciso

destacar que a dependência energética da UE face à Rússia gerou-se devido à

complacência das Instituições Europeias e dos seus Estados-membros. No livro verde

da Comissão Para uma estratégia europeia para a segurança do aprovisionamento

energético de 2000 encontra-se a seguinte frase: “Note-se, aliás, que apesar de várias

dificuldades a URSS e posteriormente a Rússia sempre cumpriu as suas obrigações

de fornecimento de acordo com os contratos de longo-prazo estabelecidos com a

União Europeia” (Comissão Europeia, 2000: 23)27. Deste modo, comprova-se que as

Instituições Europeias não se preocupavam com a dependência energética da UE

para com o grande vizinho do Leste. A confiança europeia e a reputação russa foram

os factores que convenceram os dirigentes europeus de que não seria necessário agir

preventivamente. A UE estava a habituar-se à ideia de que vai depender da

importação de energia nas próximas décadas, e daí resultou a aposta na construção de

uma relação estável com a Rússia, provavelmente o seu fornecedor mais confiável

(Morozov, 2008).

26 Assunto desenvolvido no capítulo: As Dinâmicas da relação UE-Rússia. 27 Tradução livre do autor. No original “D’ailleurs, il faut noter que l’Union soviétique puis la Russie, en dépit des difficultés diverses, ont toujours rempli leurs obligations de fourniture à travers les contrats à long terme à l’égard de l’Union européenne.” (Comissão Europeia, 2000: 23)

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45

No entanto, os responsáveis europeus tomaram consciência de que a UE está numa

situação de dependência energética, e começaram a desenvolver uma estratégia de

diversificação das fontes e dos parceiros energéticos que é crucial para diminuir a

dependência energética da UE. “A Europa está numa posição vulnerável, devido à

nossa enorme dependência das importações de energia” (Rompuy, 2011)28. No

passado, a segurança energética consistia na defesa da estabilidade nos preços dos

combustíveis. Actualmente a questão tornou-se mais vasta. “De facto, sabemos que

um abastecimento de energia segura, sustentável e acessível é crucial para a

economia europeia e para os seus interesses estratégicos como um actor global”

(Oettinger, 2011)29.

Com o alargamento para Leste, começaram a ser elaborados alguns documentos que

alertavam para a necessidade de um novo quadro conceptual e uma nova política

energética. Em 2003, no documento Estratégia Europeia em Matéria de Segurança,

a UE identificou os maiores riscos à sua segurança. Nesse documento, o Conselho da

União Europeia definiu um quadro de segurança para a UE referindo quais eram os

desafios globais e as principais ameaças do mundo pós-Guerra Fria, incluindo a

segurança energética (Conselho Europeu, 2003).

A necessidade de moldar a política energética à nova situação política e

geoestratégica é perceptível no Relatório sobre a Execução da Estratégia Europeia

de Segurança. O relatório destaca que uma “maior diversificação dos combustíveis,

das fontes de abastecimento e das rotas de trânsito é tão essencial como a boa

28 Tradução livre do autor. No original “Europe is in a vulnerable position, due to our huge energy import dependency” (Rompuy, 2011). 29 Tradução livre do autor. No original “In fact, we know that a safe, secure, sustainable and affordable energy supply is crucial to Europe's economic and strategic interests as a global player” (Oettinger, 2011).

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governação, o respeito pelo Estado de direito e o investimento nos países de origem

(Conselho da União Europeia, 2008).

Embora tenha definido como seu objectivo estratégico garantir a segurança

energética, a UE apresenta ainda uma incapacidade política em concretizar esse

objectivo. A diversificação das fontes de abastecimento para evitar a dependência de

monopólios e de países que podem servir-se da energia como arma geopolítica, é

importante. “A ansiedade europeia é avivada pelo conhecimento de que as vastas

reservas russas significam que a situação provavelmente não irá mudar num futuro

próximo” (Rutlan, 2008: 203)30. Portanto, é necessário mudar de estratégia de forma

a aprovisionar hidrocarbonetos que sejam fiáveis, diversos, amplos e a preços

competitivos garantindo igualmente a existência de uma infra-estrutura adequada

para estes chegarem ao mercado. Para Bruxelas, os objectivos são a prática de preços

mais acessíveis para o consumidor com menor margem de lucro para o produtor; e

garantir que o abastecimento é partilhado por empresas concorrentes, de forma a

assegurar que nenhum dos intervenientes abusa do mercado.

É com base nestes factos que se pode declarar que a noção de segurança energética

que ainda prevalece ao nível europeu está intrinsecamente ligada à segurança do

abastecimento de petróleo e gás natural, matérias-primas essenciais para o

funcionamento da economia europeia. O conceito de segurança energética do Artigo

103.º do Tratado de Roma que criou a Comunidade Europeia é retomado no Artigo

100.º do Tratado de Maastricht. De acordo com este artigo as autoridades europeias

deveriam ponderar uma diversificação das várias fontes de energia. Assim, constata-

30 Tradução livre do autor. No original “European anxiety is exacerbated by the knowledge that Russia’s vast reserves mean the situation is unlikely to change in the foreseeable future” (Rutlan, 2008: 203).

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se que as alterações verificadas ao longo do tempo, relativamente à importação e

produção de energia, foram estimuladas pelas Instituições Europeias. O Tratado de

Lisboa introduziu várias alterações no funcionamento da UE. O Tratado que institui a

Comunidade Europeia passou a designar-se Tratado sobre o Funcionamento da

União Europeia. E a nova versão alterou o n.º 1 do artigo 100.º que passou a ser o

artigo 122.º e a ter a seguinte redacção:

Sem prejuízo de quaisquer outros procedimentos previstos nos Tratados, o Conselho, sob proposta da Comissão, pode decidir, num espírito de solidariedade entre os Estados-membros, das medidas adequadas à situação económica, nomeadamente em caso de dificuldades graves no aprovisionamento de certos produtos, designadamente no domínio da energia (União Europeia, 2007: 98).

Por outras palavras, o Tratado de Lisboa estabeleceu um mecanismo de solidariedade

entre os membros da UE. Portanto, é perceptível que a principal finalidade desse

mecanismo consista em proteger os Estados-membros da UE de uma eventual crise

do gás natural. É um reconhecimento de que existe uma forte dependência energética

e uma medida preventiva face a futuras divergências diplomáticas entre Moscovo e

Kiev.

Actualmente, a segurança energética depende do acesso a recursos naturais, à sua

distribuição e utilização. Para a UE, a segurança energética tem vindo a adquirir uma

importância crescente, dado que é o principal consumidor mundial. Neste sentido, a

UE procura diminuir a sua dependência energética para garantir a sua segurança

energética. Os dados provam que a estratégia europeia passa por variar os

fornecedores de energia e por diversificar as fontes (Comissão Europeia, 2008a).

Assim, a UE procura limitar a dependência externa dos principais produtores de

petróleo e de gás natural, através do aumento da produção interna de energia

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renovável e do aumento de países fornecedores. Não obstante, o petróleo e o gás

natural continuam a ser as principais fontes de energia.

A UE e os seus parceiros energéticos são interdependentes, o que se reflecte a nível bilateral e regional em vários diálogos energéticos específicos entre a UE e vários países produtores e de trânsito. Do mesmo modo, as questões energéticas são um aspecto crescente dos diálogos políticos da UE com outros grandes consumidores de energia (como os EUA, a China e a Índia), nomeadamente em fóruns multilaterais como o G8. Estes diálogos devem ser enquadrados na perspectiva comum oferecida pela análise (Comissão Europeia, 2006: 17).

É preciso referir que o conceito segurança energética não significa independência

energética, ou seja, a segurança energética não implica que uma dada entidade

política consiga satisfazer todas as suas necessidades energéticas através da produção

nacional. A independência energética não é desejável nem viável para a maioria dos

países (Florini, 2010). Como sugere Florini, depender de um mercado mundial que

funcione bem é benéfico e tal aplica-se à energia. Portanto, o conceito de segurança

energética passa por assegurar que o mercado funciona de forma eficiente e

confiável.

2.3 A estratégia energética europeia A UE enfrenta vários desafios em termos energéticos, para garantir que tem acesso a

fontes de energia seguras e sustentáveis. Como já foi explicado anteriormente a

energia é indispensável para a economia europeia, mas o aumento das importações

em simultâneo com o aumento dos preços demonstraram a sensibilidade europeia

face aos condicionamentos externos impostos por outros actores internacionais.

Assim, a UE teve de procurar condições para responder a todas os sectores

relacionados com a energia, como as alterações climáticas, a dependência das

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importações e o aumento dos preços da energia que afectam todos os Estados-

membros da UE.

Contudo, a política energética europeia apresenta-se imbuída de características

interdependentes. É do conhecimento geral que a UE é um actor peculiar do sistema

internacional, uma vez que não é uma organização internacional clássica, nem um

Estado supra-nacional. É uma entidade internacional pós-moderna (Manners, 2006).

Neste sentido, a UE não tem uma política externa tradicional, pois a UE não fala a

uma só voz, nem pode falar pois é uma União de Estados Europeus e não os Estados

Unidos da Europa (Chirac, 2000). Perante isto, é preciso descortinar qual é a

estratégia europeia para a segurança energética. No entanto, de forma a simplificar a

realidade, será preciso ignorar áreas de análise que influenciam em pequena escala as

questões políticas europeias. Essas áreas de análise não são as mais relevantes para

compreender a política energética europeia, pelo que a análise se centrará

primordialmente ao nível macro-europeu.

De forma a compreender quais são os desafios da política energética, identificados

pelas principais instâncias europeias, é apropriado recorrer à comunicação da

Comissão Europeia ao Conselho e ao Parlamento Europeu de Janeiro de 2007. Nessa

comunicação foram apresentados os grandes desafios que a UE enfrenta no domínio

energético.

O ponto de partida para uma política energética europeia assenta em três vertentes: combater as alterações climáticas, limitar a vulnerabilidade externa da UE face às importações de hidrocarbonetos e promover o crescimento e o emprego fornecendo aos consumidores energia segura e a preços acessíveis (Comissão Europeia, 2007a: 5).

Page 56: Energia e Interdependência³nio Frazã… · iv relações energéticas estabelecidas entre a Rússia (produtor) e UE (consumidor). Esta análise explora a contribuição das teorias

50

A Comissão Europeia estabeleceu uma política energética transversal a outros

domínios da actuação da UE, mas que exige também um forte envolvimento dos

Estados-membros no processo. Neste sentido, o estabelecimento de uma política

energética coerente e articulada entre os vários actores europeus é um grande desafio

para a UE. Todavia, este desafio esbarra num problema estrutural do próprio

processo de construção europeu. A UE divide-se internamente numa variedade de

tópicos e processos, logo não há uma estratégia europeia centralizadora (Baran,

2007). A UE não tem um enquadramento estratégico claro, porque não tem um

pensamento estratégico comum, e por conseguinte torna-se difícil estabelecer uma

estratégia europeia que permita uma redução da sua dependência energética de um

modo mais rápido. “A desunião e a hesitação da Europa são as suas maiores

fraquezas” (Baran, 2007: 139-140)31.

As fundações do projecto de construção europeu assentaram na energia. Em 1952,

com o Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, e em 1957, com o

Tratado Euratom, os Estados-membros fundadores viram a necessidade de uma

abordagem comum da energia (Comissão Europeia, 2007a). Embora se possa

reconhecer algum crédito às correntes realistas na explicação da fundação do

projecto europeu, pois a mesma também teve raízes nos domínios da segurança e do

poder militar, estas não explicam a evolução do processo até aos nossos dias. No

centro da agenda europeia, estão os aspectos económicos em que se inclui a energia,

31 Tradução livre do autor. No original “Europe’s disunity and hesitancy are its biggest weaknesses.” (Baran, 2007: 139-140)

Page 57: Energia e Interdependência³nio Frazã… · iv relações energéticas estabelecidas entre a Rússia (produtor) e UE (consumidor). Esta análise explora a contribuição das teorias

51

pelo que a teoria da interdependência se apresenta como um quadro de análise mais

próximo da realidade do que o realismo.

Em 2007, a Comissão Europeia admitia que estava a aumentar a interdependência

dos Estados-Membros da UE em matéria de energia, tal como em muitos outros

domínios, dado que um corte total a apenas um país teria efeitos imediatos à escala

europeia (Comissão Europeia, 2007a). Ao longo da primeira década do século XXI a

Comissão Europeia procurou lançar as bases para uma estratégia que pretende uma

Europa com energia sustentável, segura e competitiva. Na comunicação ao Conselho

e ao Parlamento Europeu, que a Comissão Europeia preparou, afirmava-se que a UE

precisava de agir mais eficientemente no domínio da energia, porque sem isso, os

objectivos da UE noutros domínios, como a estratégia de Lisboa para o crescimento

e o emprego e os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, também seriam mais

difíceis de alcançar (Comissão Europeia, 2007a). De acordo com o documento, a

Comissão Europeia afirmava que a UE precisa de uma nova política energética

europeia, mais ambiciosa, competitiva e que trouxesse benefícios a todos os

europeus. Portanto, existe uma percepção de que é preciso uma mudança efectiva no

modelo energético europeu, para garantir uma diminuição do consumo de

combustíveis fósseis e a diversificação das fontes de abastecimento. Muitos dos

problemas advêm do mercado energético europeu não estar integrado e liberalizado

(Silva, 2007).

Assim, a procura de uma política sustentável em termos energéticos reside

primordialmente na diminuição da emissão de gases com efeitos de estufa. Porém, a

Comissão Europeia alertou para o facto de que a política energética existente não

permitiria diminuir as emissões. Era por causa disso que a Comissão Europeia

Page 58: Energia e Interdependência³nio Frazã… · iv relações energéticas estabelecidas entre a Rússia (produtor) e UE (consumidor). Esta análise explora a contribuição das teorias

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considerava que as políticas energéticas da UE não eram sustentáveis (Comissão

Europeia, 2007a).

Relativamente à segurança no aprovisionamento de hidrocarbonetos, a Comissão

Europeia prevenia que a manter-se o status quo, a dependência energética europeia

poderia chegar aos 65% em 2030. “Pensa-se que a dependência das importações de

gás aumentará de 57% para 84% em 2030, e a de petróleo de 82% para 93%”

(Comissão Europeia, 2007a: 4). Portanto, evitar essa situação é um desafio à política

energética europeia, mas a UE está a agir muito lentamente nesta matéria, porque os

mecanismos da interdependência e a complexidade dos processos europeus de

decisão não permitem uma resposta mais impetuosa. Ademais deve-se destacar que

os mecanismos de solidariedade entre os Estados-membros estipulados pelo Tratado

de Lisboa, para responderem às crises energéticas não foram convenientemente

implementados. Desta maneira, alguns países europeus continuam em risco de

ficarem sem energia em caso de corte nos abastecimentos32. Assim, a UE precisa de

mercados internos eficientes.

Para a Comissão Europeia a vulnerabilidade da UE está a crescer, devido aos

aumentos dos preços da energia nos mercados internacionais e porque as reservas de

hidrocarbonetos estão concentradas em ‘poucas mãos’. A aposta na competitividade,

através da liberalização do mercado da energia ainda não se concretizou. Deste

modo, a UE aposta na promoção e inovação das energias renováveis, com baixas

emissões de carbono. As autoridades europeias acreditam que esta política

32 No início do mês de Julho de 2011, a Rússia cortou temporariamente o abastecimento à Bielorrússia por falta de pagamento.

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contribuirá para o crescimento e para o emprego a longo-prazo (Comissão Europeia,

2007a).

A liberalização do mercado ainda não se concretizou porque não existe um modelo

europeu nesta matéria, mas sim uma multiplicidade de modelos que se interligam,

sem qualquer coordenação evidente. Assim, coexistem vários modelos e situações,

porque enquanto no Reino Unido já existe um mercado liberalizado a funcionar, na

maioria dos países europeus, o mercado da energia continua a ser um monopólio de

empresas nacionais. Em França, a Gaz de France, domina o mercado e, na

Alemanha, são a E.on e a Ruhr. Destas empresas alemãs, a E.on tem assinado

contratos com a Gazprom o que tem vindo a aumentar a sua cota de importação de

energia russa. Portanto, a UE ainda não conseguiu construir um mercado integrado

do gás natural e da electricidade à escala europeia, mas isso não significa que não

existam contactos transnacionais entre empresas europeias e russas.

A Europa ainda não desenvolveu mercados energéticos plenamente competitivos. Só quando esses mercados existirem é que os cidadãos e empresas da UE tirarão todos os benefícios da segurança do aprovisionamento e de preços mais baixos. Para atingir este objectivo, devem ser desenvolvidas interconexões, estabelecidos e plenamente aplicados na prática quadros legislativos e regulamentares eficazes, e devem ser rigorosamente aplicadas as regras de concorrência comunitárias. Além disso, a consolidação do sector da energia deve ser orientada para o mercado se a Europa quiser responder com êxito aos muitos desafios que se lhe colocam e investir correctamente para o futuro (Comissão Europeia, 2006: 3-4).

Os vários Estados-membros da UE começaram ao longo da década transacta a

adoptar medidas de racionalidade nas suas políticas, tendo por base os três eixos de

Page 60: Energia e Interdependência³nio Frazã… · iv relações energéticas estabelecidas entre a Rússia (produtor) e UE (consumidor). Esta análise explora a contribuição das teorias

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política energética: a sustentabilidade ambiental, a competitividade e a segurança do

abastecimento. Estas medidas fazem parte da estratégia adoptada em 2007 pela UE, a

Energia 2020. De acordo com a estratégia delimitada na Energia 2020, a Europa

procura atingir uma redução de 20% das suas emissões, um aumento em 20% da sua

eficiência energética e também alcançar um crescimento de 20% no consumo de

energia renovável. Esta política tem-se reflectido no tipo de investimentos que se têm

feito na produção de energia eléctrica. Na última década assistiu-se a um

desinvestimento em centrais a carvão (menos 12.000 MW), fuelóleo (menos 13.000

MW) e centrais nucleares (menos 7200 MW) e a uma grande aposta nas centrais a

gás, porque são menos poluentes e mais eficientes (mais 81.000 MW) e em

renováveis (mais 65.000 MW) (Pimenta, 2011).

A necessidade de modernização e de investimentos no sector da energia requer uma

acção concertada de todos os actores europeus, e representa um grande desafio à

política energética europeia. Aliás, a competitividade, a segurança do

aprovisionamento e o combate às alterações climáticas dependem, em boa medida,

do sucesso da implementação da política energética europeia. Por isso, a segurança

do aprovisionamento de energia, a utilização eficiente dos recursos, o

estabelecimento de preços comportáveis e de soluções inovadoras são aspectos de

importância crucial para a UE. De forma a garantir tais desígnios, as autoridades

europeias compreenderam que necessitavam de uma política energética externa mais

coerente e interligada. Os desafios enfrentados pela UE no nível energético exigem

uma política externa coerente que lhe permita desempenhar um papel mais eficaz a

nível internacional na resolução de problemas comuns com os seus parceiros

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energéticos mundiais. “Uma política externa coerente é essencial para uma energia

sustentável, competitiva e segura. Representaria uma ruptura com o passado e

mostraria o empenhamento dos Estados-membros em encontrar soluções comuns

para problemas comuns” (Comissão Europeia, 2006: 16). No entanto, a elaboração

de uma política energética externa coerente esbarra nos obstáculos da

interdependência complexa, que condicionam os agentes.

Por isso, a UE vê-se confrontada com preocupações de segurança energética,

nomeadamente relacionadas com o domínio da energia russa nas suas importações,

com o aumento do preço destas matérias-primas e pelo facto de a maioria das fontes

de energia alternativas à Rússia estarem em áreas instáveis como o Magrebe e o

Médio Oriente. É por este conjunto de razões que a UE precisa de encontrar novas

formas de diversificar as suas fontes de energia. “Em larga medida a política

energética continua dentro das competências dos Estados-membros da UE” (Haas,

2010: 75)33. Dado que largas áreas da política energética ainda se encontram na

esfera da competência dos Estados-membros da UE isso significa que, tal como

sugere a teoria da interdependência, a acção europeia nesta área não é homogénea,

mas sim heterogénea e descentralizada.

Não obstante, a Comissão Europeia tem imposto desafios e objectivos aos Estados-

membros e à UE no seu conjunto, com o objectivo de reforçar a sua segurança

energética e diminuir a sua dependência externa. Neste sentido, a Comissão Europeia

tem sido hábil em estabelecer um modelo de relações com os principais fornecedores 33 Tradução livre do autor. No original “To a large extent energy policy remained within the competence of EU member states’ foreign policies and a matter of national sovereignty” (Haas, 2010: 75).

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internacionais de energia, incluindo a Organização dos Países Exportadores de

Petróleo (OPEP) e o Conselho de Cooperação do Golfo. Em 2006, a Comissão

Europeia considerava que seria oportuno lançar uma nova política com o maior

fornecedor de energia da UE, a Federação Russa. No entanto, a Comissão Europeia

ao referir que a UE era o principal comprador de energia russa, entendia que a Rússia

era um parceiro essencial e que a UE estava em posição de igualdade na relação.

Assim, a Comissão Europeia entendia que o desenvolvimento de uma política

externa comum no domínio da energia marcaria uma nova fase na parceria energética

com a Rússia tanto ao nível comunitário como ao nível nacional (Comissão

Europeia, 2006).

Para a Comissão Europeia uma verdadeira parceria ofereceria à UE e à Rússia

segurança e previsibilidade, abrindo o caminho aos necessários investimentos a

longo-prazo em novas capacidades (Comissão Europeia, 2006). Na perspectiva da

Comissão Europeia estava patente a ideia de que uma parceria com a Rússia permitia

aumentar a segurança energética dos Estados-membros porque o aumento da

interdependência entre os dois actores tornaria Moscovo menos susceptível a servir-

se da energia como arma política. Ademais, um envolvimento da Rússia numa

parceria forte também significaria um acesso aos mercados e às infra-estruturas fora

das suas fronteiras, incluindo às condutas situadas em território russo (Comissão

Europeia, 2006).

A Comissão Europeia pretendia iniciar trabalhos para uma parceria energética com

base nestes princípios. O fim para o qual a Comissão Europeia apontava era

claramente um aprofundamento da sua relação de interdependência com a Rússia no

quadro do Acordo de Parceria e Cooperação UE-Rússia.

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57

No contexto da sua política europeia de vizinhança e dos seus planos de acção a UE

alargou o seu mercado da energia de forma a incluir os países vizinhos e aproximou-

os de forma gradual do mercado interno europeu. A criação de um ‘espaço comum’

em torno da Europa implicaria progressivamente o desenvolvimento de regras

comuns em matéria de comércio, trânsito, harmonização do mercado e integração.

Isto criaria um mercado previsível e transparente para incentivar o investimento, o

crescimento e a segurança do aprovisionamento tanto para a UE como os seus

vizinhos. Nesta matéria, a Comissão Europeia pretendia continuar a desenvolver os

diálogos políticos, as relações comerciais e os instrumentos de financiamento

comunitários já existentes ao mesmo tempo que tencionava encontrar novos

parceiros para novos acordos ou outros tipos de iniciativas (Comissão Europeia,

2006)34.

Actualmente, os países do Cáspio e do Mediterrâneo são importantes fornecedores de

gás natural e igualmente rotas de trânsito. Do mesmo modo, tem se assistido a uma

crescente importância da Argélia como fornecedor de gás natural. Também a

Noruega surge como um dos mais importantes parceiros estratégicos da UE no

domínio da energia, o que permite à UE receber gás natural do extremo Norte da

Europa de forma sustentável.

34 A Comissão Europeia apontava algumas alternativas como por exemplo no âmbito do Tratado da Comunidade da Energia assinado com os seus parceiros do Sudeste Europeu no qual poderia apostar através do desenvolvimento de um mercado da electricidade e do gás no Magrebe. De igual modo, poderia igualmente criar uma Comunidade pan-europeia da energia no âmbito de um novo Tratado ou de acordos bilaterais. E também poderia apostar na Turquia e na Ucrânia como parceiros estratégicos essenciais e alternativos à Rússia.

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Em termos estratégicos, a UE tem apostado em desenvolver uma teia na sua orla

fronteiriça que lhe permita usufruir das redes transeuropeias da energia. Esta teia

permite, ao ser estendida a parceiros de países terceiros, maximizar o seu impacto na

segurança energética. Neste contexto, são essenciais os programas de vizinhança e os

apoios financeiros às infra-estruturas energéticas estratégicas no exterior da UE.

A política energética comum da UE passa pela integração dos seus objectivos

energéticos a uma escala mais ampla, nomeadamente com parceiros globais como os

EUA, a China, o Japão, a Organização das Nações Unidas, a Agência Internacional

de Energia ou o G-8. A UE entende que caso os outros actores internacionais optem

por reduzir a utilização de combustíveis fósseis, a segurança energética da Europa

também será beneficiada, além das vantagens ambientais. A UE aumentou

significativamente a cooperação bilateral e multilateral com estes países com o

objectivo de encorajar a utilização racional da energia em todo o mundo, reduzir a

poluição e promover a cooperação industrial e tecnológica em matéria de

desenvolvimento, através de tecnologias energeticamente eficientes, de fontes de

energia renováveis e de tecnologias livres de combustíveis fósseis com captura e

armazenagem geológica de carbono (Comissão Europeia, 2006).

Neste sentido, as prioridades da política energética externa comum, visam responder

aos desafios dos preços elevados e voláteis da energia, ao aumento da dependência

das importações, ao aumento da procura a nível internacional e ao aquecimento

global. Assim, as prioridades são: a construção de novas infra-estruturas necessárias

ao aprovisionamento energético da UE; o desenvolvimento de um Tratado da

Comunidade pan-europeia da energia; uma nova parceria energética com a Rússia;

um novo mecanismo comunitário que permita uma reacção rápida e coordenada às

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situações de emergência externa no aprovisionamento energético com impacto no

aprovisionamento da UE; o estreitar de relações no domínio energético com os

grandes produtores e consumidores; e um acordo internacional sobre eficiência

energética (Comissão Europeia, 2006).

A estratégia energética europeia enfrenta diversos desafios complexos,

nomeadamente, porque a Europa já tem poucos recursos petrolíferos, uma vez que a

produção do mar do Norte entrou em declínio. A produção petrolífera no mar do

Norte desempenhou nas últimas décadas um papel de contrapeso à OPEP35. Há ainda

a considerar o facto de as companhias nacionais de petróleo dos países produtores

que controlam cerca de 80% das reservas mundiais de petróleo. No gás natural, a UE

depende da Rússia e da maior parte dos gasodutos que cruzam a Ucrânia, cuja

estabilidade política é crucial para atenuar esta vulnerabilidade europeia. “Neste

contexto, a emergência da China e da Índia veio mudar o panorama geopolítico e está

a influenciar a economia, o modelo energético, a diplomacia, o sistema de alianças

internacionais” (Silva, 2005: 13).

A nível interno, o facto de a Rússia ocupar o primeiro lugar na tabela de

fornecedores de energia à UE está a criar tensões entre os parceiros europeus, em

particular entre a Alemanha e os Estados da Europa Central que num passado não

muito distante estavam na esfera de influência de Moscovo. Esta situação ficou

evidente particularmente após o acordo do Nord Stream, assinado durante uma

35 Ora, tal declínio tem como consequências, por exemplo o reforço da OPEP e aumento da dependência energética da Europa.

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presidência alemã da UE, que irá contornar os países de trânsito através do mar

Báltico entre a Rússia e a Alemanha.

Antes da crise financeira de 2008, a crescente procura de importações de petróleo e gás e a limitada capacidade para expandir a oferta a curto-prazo fez subir os preços, a riqueza dos fornecedores, e as vantagens dos produtores, permitiu a países como a Rússia, a Venezuela e o Irão adquirirem um peso político superior ao nível regional e internacional (Pascual e Zambetakis, 2010: 10)36.

Neste sentido, as autoridades europeias estabeleceram as três vertentes de actuação:

sustentabilidade, segurança do aprovisionamento, e competitividade. A Comissão

Europeia, ao estabelecer as prioridades estratégicas e energéticas para a presente

década através da comunicação Energia 2020, declarou que a “interdependência

energética dos Estados-membros exige mais acção a nível europeu” (Comissão

Europeia, 2010b: 3). A resposta a estes problemas terá de passar por uma política

europeia da energia que concilie as dimensões externa e interna. A UE precisa de um

mercado energético mais unificado com um nível superior de interligação, em que se

preste particular atenção aos países mais isolados e em que estejam previstos

mecanismos destinados a resolver qualquer ruptura temporária do abastecimento. A

diversificação dos combustíveis, das fontes de abastecimento e das rotas de trânsito é

tão essencial como a boa governação.

36 Tradução livre do autor. No original “Before the onset of the 2008 financial crisis, rising demand for oil and gas imports and limited capacity to expand short-term supply drove up prices, supplier wealth, and producer leverage, allowing producers such as Russia, Venezuela and Iran to punch above their weight in regional and international politics” (Pascual e Zambetakis, 2010: 10).

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Capítulo 3. A Superpotência Energética Em termos simplistas, é possível sintetizar o pensamento russo relativamente ao

domínio da energia na seguinte afirmação: o que é bom para a Gazprom é bom para a

Rússia37. A estratégia da Gazprom é a estratégia da Rússia, dado que a empresa

funciona com se fosse o Ministério do Gás, aliás é mais importante do que o

Ministério da Energia do país. Para além de controlar os gasodutos, a Gazprom

também aposta na aquisição de infra-estruturas dentro da UE. A Europa é o principal

mercado do gigante russo, que se reserva ao direito de punir países que demonstrem

pouca ‘simpatia política’ por Moscovo, como sucedeu com a Ucrânia. Estas acções

da Gazprom no abastecimento de energia levantam dúvidas quanto à sua fiabilidade.

Esta situação choca frontalmente com o previsto na Carta Europeia da Energia38,

assinada pela Rússia mas nunca ratificada39, que contempla a continuidade do

fornecimento. “A Rússia utiliza a sua política energética para fomentar o

crescimento, estender influência, evitar ameaças geopolíticas e macroeconómicas e

reduzir o risco de ser chantageada” (Larsson, 2006: 5)40. O tratado e o protocolo da

Carta Europeia da Energia obrigariam a Rússia a implementar o princípio de livre

passagem sem distinção da origem, destino e propriedade da energia, e sem tarifas

discriminatórias (Aalto, 2008). É evidente que a ratificação destes acordos não é do

interesse das autoridades russas.

37 É atribuída a Charles Erwin Wilson, Secretário de Estado da Defesa do Presidente norte-americano Dwight D. Eisenhower a seguinte afirmação: ‘What's good for General Motors is good for the country’(Pelfrey, 2006: 277) 38 Em 1991, a Carta Europeia da Energia foi assinada para fomentar a cooperação entre os países industrializados. O objectivo era desenvolver o potencial energético dos países dos países de Leste e garantir o abastecimento de energia à UE (Comissão Europeia, 2007b). 39 A Rússia assinou o Tratado da Carta e aplicou-o provisoriamente. Mas, não chegou a ratificar porque as disposições prevêem o acesso de terceiros aos oleodutos e aos gasodutos da Rússia (Dempsey, 2006). 40 Tradução livre do autor. No original “Russia utilizes its energy policy to create growth, extend influence, avert geopolitical and macroeconomic threats and to reduce the risk of being blackmailed” (Larsson, 2006: 5).

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As políticas do Kremlin no sector da energia consistem na monopolização do

mercado. “A ascensão da Gazprom ao longo da última década tem sido o verdadeiro

pilar da ascensão da Rússia” (Stuermer, 2008: 180). A empresa está ao serviço do

Kremlin, porque as suas políticas e os seus preços são determinados pelo governo

russo. A Gazprom opera a dois níveis: ao nível comercial, criando redes de

distribuição na UE para aumentar a dependência europeia; e ao nível político e

estratégico, colhendo os dividendos políticos dessa dependência.

Na primeira década do século XXI, em particular no segundo mandato da presidência

Putin, ocorreram vários cortes no fornecimento de gás natural à Ucrânia e de petróleo

à Bielorrússia. Esses cortes no abastecimento, determinados pelo governo russo,

geraram preocupações, em matéria de segurança do abastecimento à UE. A UE

tornou-se mais consciente da sua vulnerabilidade energética, que se tem acentuado

desde do declínio da produção de hidrocarbonetos no mar do Norte.

Se, do lado da Rússia, o recurso a este género de medidas parece traduzir sobretudo a

vontade daquele país em desempenhar um papel de primeiro plano nas relações

internacionais, enquanto potência energética mundial, a verdade é que também não

lhe é estranha a motivação económica de mais curto-prazo de tirar o máximo partido

de reservas de gás natural e petróleo, que sabe estarem em declínio desde há mais de

duas décadas. Por sua vez, do lado da União Europeia, a diversidade de situações dos

Estados-membros, com os países do centro e Leste europeus fortemente tributários

do gás russo, mas com outros, como a Bélgica, o Reino Unido, a Dinamarca e a

Irlanda, sem qualquer espécie de dependência, tende a privilegiar o bilateralismo nas

negociações com a Rússia e na resolução dos problemas de insegurança do

abastecimento, que vão ocorrendo (Schwarz, 2007).

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A Rússia tem as maiores reservas de gás do mundo, detém o campo de Urengoy na

Sibéria que é o maior do planeta e a Gazprom, é a maior a companhia do mundo no

sector da energia, pois controla 33,6 triliões de metros cúbicos de gás natural

(Gazprom, 2011). A juntar às suas reservas energéticas, a Rússia aos poucos vai

tomando conta da rede de gasodutos e oleodutos que abastecem a Europa, numa clara

estratégia que pretende o domínio do sistema energético europeu. Com estes

instrumentos Putin pode restabelecer o papel da Rússia como grande potência, ao

mesmo tempo que a Europa e o mundo ficam ainda mais dependentes das reservas

energéticas russas, em especial desde do início do declínio da produção em algumas

regiões petrolíferas como o mar do Norte e o Alasca.

Além disso, os diferendos com a Bielorrússia e a Ucrânia revelam um outro elemento

essencial da doutrina Putin: a Rússia quer o domínio absoluto da rede de distribuição

para a utilizar como arma política e aumentar a dependência da Europa. Seguindo as

premissas do realismo ofensivo, os responsáveis russos entendem que devem

alcançar o máximo de poder relativo possível comparativamente aos outros actores

internacionais, de forma a garantirem a segurança do Estado num ambiente

internacional anárquico.

A história da Rússia é rica em comportamentos expansionistas e agressivos. As

actuais fronteiras russas são o resultado de vários séculos de expansão. “Existia um

receio antigo enraizado entre os governantes russos por o seu país ser vulnerável à

invasão, e a melhor forma de lidar com esse problema era expandir as fronteiras da

Rússia” (Mearsheimer, 2007: 189). Como referiu Mearsheimer até a política externa

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soviética foi motivada fundamentalmente pelos cálculos de poder relativo, e não pela

ideologia comunista, pois para a Rússia os Estados fazem o que for necessário para

sobreviverem e as autoridades de Moscovo não são uma excepção à regra.

Portanto, o poder de veto que a Rússia dispõe no CS/NU e o seu vasto arsenal

nuclear são duas características que ajudam a classificar este país como uma grande

potência do sistema internacional. No entanto, a sua posição ímpar no fornecimento

de energia à Europa, transformou internamente a Rússia e atribui-lhe um papel de

destaque ao nível internacional. Os dados comprovam que ao nível energético a

Rússia é uma superpotência, porque é o país com maiores reservas de gás natural

comprovadas (BP, 2011). As superpotências energéticas têm enormes recursos

energéticos e podem servir-se desse facto para influenciarem as decisões

internacionais de forma a retirarem dividendos políticos ou económicos que

contribuam para a maximização do poder relativo face aos demais actores

internacionais.

3.1 A nova Rússia No momento em que a sucessão de Ieltsin começou a ser colocada a altura era

sensível. A agenda política, a situação económica e a segurança da Federação

estavam a ser dominadas pela crise financeira, pela segunda guerra da Chechénia,

pela oligarquia, pela instabilidade política e até pela desorganização administrativa.

Na viragem do milénio, a Rússia era uma potência à procura do seu novo estatuto

internacional, ainda a sofrer psicologicamente com a perda do seu império.

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A Rússia, o maior dos Estados que emergiu das ruínas da URSS, dificilmente se classifica como um sucessor de semelhante estatuto ou influência. A reconfiguração política, económica e militar da Europa que teve lugar […] não aconteceu na sua ausência. A Rússia contemporânea – tal como a URSS, e de facto, a Rússia czarista antes dela – tem reivindicado um papel na Europa e tem activamente procurado participar nos assuntos do continente (Webber, 2000: 1)41.

Em 1999, a sorte russa começou a mudar, pois o preço do petróleo começou a subir.

No entanto, apesar da recuperação económica, a oligarquia russa mantinha relações

de proximidade com o poder político, pelo que muito dificilmente se pode descrever

a Rússia desse período como um actor unitário, com uma agenda sólida e coerente,

como sugerem as perspectivas realistas. Porém, nesse momento a autoridade de

Moscovo no Cáucaso estava a ser seriamente afectada com os rebeldes chechenos a

ameaçarem afastar a Rússia da região42. Perante a eminência de uma derrota militar,

o Ieltsin nomeou um novo primeiro-ministro em Agosto de 1999, o quinto em pouco

mais de ano e meio. Com esta medida, Ieltsin fez de Vladimir Vladimirovich Putin o

seu herdeiro a poucos meses de abandonar o Kremlin.

O novo ‘czar’ formado pelos serviços secretos, mostrou-se hábil a fortalecer o poder

central, procurando os filões que conduzissem a Rússia a águas estáveis e gloriosas.

Assim, na presidência Putin implementou-se progressivamente a noção de

democracia dirigida. “O governo federal trabalhou no sentido de reforçar o seu

domínio sobre as autoridades regionais e a limitar as possibilidades de expressão

41 Tradução livre do autor. No original “Russia, the largest of the states to emerge from the ruins of the Soviet Union, hardly qualifies as a successor of similar stature and influence. The political, economic and military reconfiguration of Europe that has taken place […] has not, however, occurred in its absence. Contemporary Russia – like the Soviet Union, and indeed, Tsarist Russia before it – has claimed an important role in Europe and has actively sought an involvement in the affairs of the continent” (Webber, 2000: 1). 42 É importante relembrar que existem importantes oleodutos no mar Cáspio, pelo que a questão separatista também iria prejudicar a economia russa que estava a começar a recuperar.

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democrática da sociedade” (Daucé e Walter, 2006: 6)43. No processo de

fortalecimento do poder central encetado por Putin, é preciso referir o partido Rússia

Unida. Este partido tornou-se hegemónico na Rússia, ao dominar todas as esferas do

poder político.

Putin chegou ao poder comprometido com a ‘normalização da Rússia, no sentido de alinhar a ordem interna com as normas e práticas externas e estabelecer a política externa da Rússia como uma ‘grande potência normal’ […] Putin deixou a presidência como ordena a constituição russa, e em Maio de 2008 o poder foi transferido para o seu nomeado, Dmitri Medvedev, mas de seguida Putin assumiu as funções de primeiro-ministro e assim garantiu que o ‘Putinismo depois de Putin’ iria continuar (Wegren e Herspring, 2010: 17)44.

A nível interno, o último primeiro-ministro de Ieltsin evoluiu de um simples

desconhecido a salvador da nação. No domínio da política interna, Putin reverteu a

tendência de democratização da era Ieltsin, ao adquirir o poder de apontar os

governadores regionais, e da câmara alta do Parlamento russo, o Conselho da

Federação. Além disso, o acesso dos pequenos partidos à câmara baixa do

Parlamento russo, a Duma, também foi seriamente condicionado, devido às

alterações legais que impõe um mínimo de 5% dos votos.

No domínio externo, Putin seguiu muitas das prescrições da doutrina Primakov, do

ex-primeiro-ministro russo e rival pela nomeação presidencial em 2000. A doutrina

Primakov estabelecia uma visão do mundo em termos de ameaças à segurança russa,

e na qual a recuperação do prestígio internacional não passavam pela confrontação

43 Tradução do autor. No original “Le gouvernement fédéral s’est attaché en effet à renforcer son emprise sur les autorités régionales et à limiter les possibilités d’expression démocratique de la societé” (Daucé e Walter, 2006: 6). 44 Tradução do autor. No original “Putin came to power committed to the “normalization” of Russia, in the sense of aligning its internal order to the norms practiced elsewhere and establishing Russia’s foreign policy presence as just another “normal great power,” […]. Putin left the presidency as prescribed by Russia’s constitution, and in May 2008 power was transferred to his nominee, Dmitri Medvedev, but Putin then took up the duties of prime minister and was thus able to ensure that “Putinism after Putin” would continue” (Wegren e Herspring, 2010: 17).

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com os EUA, mas sim pelo equilíbrio de poder e pela promoção de uma ordem

multipolar (Ambrosio, 2005). Contudo, foi Putin quem procurou conter as ameaças e

aproveitou as oportunidades oferecidas no sistema internacional definidas por

Primakov. Putin fez uma aposta no sucesso geoeconómico da Rússia, em detrimento

do militar. Em 2001, na sua intervenção no Bundestag, Putin falou das relações da

Rússia com a Europa sem disfarçar a sua pouca simpatia pelos EUA, destacando que

a Rússia e os EUA estavam separados por oceanos e que a Rússia olhava para a

Europa com esperança (Putin, 2001).

Vladimir Putin beneficiou de uma conjuntura favorável, mas não é de descuidar a sua

astúcia, pois serviu-se do petróleo e do gás para refortalecer a Rússia, mas com a

consciência de que a economia russa depende da economia mundial (Stuermer,

2008). Os planos para reformar a Gazprom de forma passaram pela conservação do

controlo estatal sobre o sistema de gasodutos e oleodutos e pela consolidação do

monopólio. Ao mesmo tempo o processo Yukos prova que o governo russo está

interessado em manter e até reforçar o domínio sobre o sector energético ao nível da

produção e da exportação (Kramer, 2007)45. O governo russo, em consonância com

os princípios estipulados pelo realismo estrutural ofensivo, prefere solidificar o

domínio sobre os seus recursos naturais do que atrair investimento directo

estrangeiro.

Em Outubro de 2002, um grupo de rebeldes chechenos tomou o teatro Dubrovka na

capital russa. Este ataque dos rebeldes afectou profundamente a noção de segurança 45 A empresa Yukos do oligarca Mikhail Khodorkovsky era uma das mais bem sucedidas ao nível mundial até que foi acusada de evasão fiscal e posteriormente vendida a baixo custa a empresas controladas pelo governo russo.

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na Rússia e a forma de funcionamento das instituições. Depois do fim trágico, Putin

deu ordens no sentido de intensificar o esforço de guerra na Chechénia. De igual

modo, encetou reformas no poder militar e operou mudanças na legislação e nos

documentos de segurança de forma a fortalecer a luta da Rússia contra o terrorismo.

Em sintonia com isso, Putin procurou fortalecer o poder central ao nível político.

Assim, os novos chefes executivos nas regiões da Federação Russa passaram a ser

gradualmente escolhidos pelas autoridades centrais em vez de serem directamente

eleitos pelas populações locais. Para a administração Putin, estas reformas nas

regiões russas, além de também reequilibrarem o poder económico fortalecendo o

centro, eram um elemento fundamental na construção de um ‘poder vertical’ (Kynev,

2009). As acções da Rússia na Chechénia e no Cáucaso em geral provam que

Moscovo está disponível, se necessário, para travar guerras caso acredite que os seus

interesses vitais estão a ser ameaçados. Existe uma tentativa russa de maximizar o

seu poder relativo face aos seus vizinhos e às grandes potências internacionais.

O sistema político russo foi caracterizado por Vladislav Surkov como uma

‘democracia soberana’. Para Surkov, uma ‘democracia soberana’ actua em

consonância com os seus objectivos, delineado os métodos para os atingir, interna e

externamente, somente na base do interesse nacional, e não por pressões externas que

querem condicionar a sua conduta (Mankoff, 2009). A designação de ‘democracia

soberana’ é apenas uma entre várias existentes para descrever o sistema político

russo, mas independentemente do termo empregue, as características autocráticas na

Rússia democrática são uma evidência, nomeadamente porque existe um partido

dominante com um líder incontestado que controla o poder a todos níveis. Este novo

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modelo híbrido de regime que se erigiu na Rússia leva alguns autores a considerá-lo

um retrocesso.

A situação na Rússia não evoluiu na direcção certa. Existe um tipo de regime de ditatorial, centrado no imperialismo como é demonstrado pelo tratamento dado aos chechenos numa guerra de tipo colonial. Os espíritos livres são marginalizados, a imprensa independente foi em boa medida eliminada. O sistema económico resume-se a um ‘capitalismo de nomenclatura’ para não dizer mafioso (Verluise, 2006: 211)46.

3.2 A diplomacia de Moscovo Para compreender convenientemente a era Putin, é necessário perceber como é que a

política externa russa evoluiu deste que este chegou ao poder. Em 2000, Putin

percebeu que teria de encetar mudanças na política externa russa, uma vez que a

Rússia da década de 1990 falhou todos os seus objectivos de política externa.

Durante a era Ieltsin a política externa russa somou fracassos atrás de fracassos,

nomeadamente em benefício do Ocidente. Os protestos e as ameaças russas eram

ignorados no Ocidente. E tal como refere o realismo estrutural ofensivo, a segurança

de um actor internacional exige a aquisição de poder relativo face aos outros, e na

última década do século XX, foram os EUA e a UE que ganharam ascendência em

detrimento da Rússia47. As acções da Organização do Tratado do Atlântico Norte

(NATO) nos Balcãs e a sua expansão para Leste não agradaram aos russos, que agora 46 Tradução do autor. No original “La situation en Russie n’évolue pas dans le bon sens. On constate un régime de type dictatorial, porté sur l’impérialisme comme le montre l’écrasement des Tchétchènes dans une guerre de type colonial. Les esprits libres sont marginalisés, la presse indépendante en bonne partie éliminée. Le système économique se résume à un «capitalisme de nomenklatura», pour ne pas dire mafieux” (Verluise, 2006: 211). 47 A Rússia gostaria de tornar a OSCE o pilar da segurança europeia, mas esse papel acabou a ser desempenhado pela NATO. Ao mesmo tempo, a Rússia não conseguiu impedir os alargamentos da Aliança Atlântica, nem a intervenção da NATO contra a Sérvia. E até a relação com a UE foi essencialmente marcada por pontos de discórdia, como a Chechénia, os direitos humanos, as quotas de produção de cereais, etc. Além disso, no antigo espaço soviético, Moscovo também saboreou insucessos, pois os países Bálticos marchavam rumo à NATO e à UE sem constrangimentos de maior, e até no seio da Comunidade de Estados Independentes foram vários os países que procuraram afastar-se do abraço apertado de Moscovo.

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vêem claramente o mundo através de lentes realistas e já não defendem, aquilo a que

Gorbatchev chamou ‘uma casa comum europeia’ (Gorbatchev, 1989).

Ainda durante a presidência Ieltsin, Primakov encetou alterações na política externa

russa. Este tentou restaurar o estatuto de grande potência da Rússia. As elites e a

opinião pública apoiaram a nova política mais independente e centrada na resolução

de problemas securitários no antigo espaço soviético. A sua política não obteve

sucessos económicos, pois a Rússia continuou em estagnação (Tsygankov, 2006).

Putin teve mais sucesso. Ao melhorar as relações com o Ocidente, respondeu melhor,

usando a força, aos desafios na Chechénia, no Cáucaso e na Ásia Central. A

economia e o bem-estar social também melhoraram, devido aos preços do petróleo a

Rússia renovou o seu desejo de aderir a instituições internacionais, como a

Organização Mundial de Comércio. Putin procurou ajustar a Rússia, preservando o

seu legado cultural ao mesmo tempo que pacificava o relacionamento com o

Ocidente (Tsygankov, 2006).

Putin estabeleceu uma política externa, na qual o poder está em primeiro lugar e a

democracia é secundarizada. Apesar disso, não se desembaraçou totalmente da elite

governamental do seu antecessor, nem mudou os princípios fundamentais da política

externa russa. O propósito de Putin, tal como também de Ieltsin, passava por

recuperar a dignidade internacional de Moscovo. Na verdade, ao nível da política

externa as mudanças foram menos profundas do que na política interna, visto que o

pensamento russo se insere na escola de pensamento realista, na qual a sobrevivência

é o principal objectivo das grandes potências. Portanto, as aspirações russas a grande

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potência não surgiram com Putin. Este apenas as tornou numa realidade. Ora, se o de

sucesso de Putin se deve em parte à subida dos preços da energia, também é verdade

que a sua visão da Rússia no mundo contribuiu para o sucesso, visto que foi capaz de

mobilizar os recursos russos para atingir os fins a que se propunha.

A 28 de Junho de 2000, Putin assinou o novo Conceito de Política Externa (CPE). Os

princípios pelos quais a sua política externa se regeu foram expostos nesse CPE. A

introdução do novo CPE refere que as tendências da política internacional obrigavam

Moscovo a rever as sua política externa e de segurança.

O CPE de 2000 mencionava como princípios básicos da política externa russa, que a Federação Russa era uma grande potência, que a influência da Rússia na política internacional era para ser reforçada e que a cooperação política, militar e económica e sua integração na CEI tinha uma alta prioridade (Haas, 2010: 17)48.

No entanto, o momento decisivo da política externa russa ocorreu a 11 de Setembro

de 2001. O Presidente Putin compreendeu rapidamente que os atentados terroristas

em solo norte-americano iriam provocar alterações rápidas e bruscas no plano

internacional. Num ambiente internacional incerto a Rússia sabia que tinha de se

adaptar a essas alterações. Além disso, Putin percebeu que o estatuto internacional da

Rússia no curto-prazo iria depender da sua relação com a administração norte-

americana. Pode-se entender a aproximação como um reconhecimento oficial do

48 Tradução do autor. No original “The 2000 edition of the FPC mentioned as basic principles of Russian foreign policy, that the RF was a great power, that Russia’s influence in international politics was to be strengthened and that political, military and economic cooperation and integration within the CIS had a high priority” (Haas, 2010: 17).

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estatuto de superpotência dos EUA. Todavia, era um reconhecimento de que era

inútil e prejudicial pensar e agir noutro quadro de análise.

Depois dos ataques à América a 11 de Setembro de 2001, Putin apressou-se a oferecer cooperação, que o Ocidente agradeceu ignorando os custos: uma carta-branca para o Kremlin usar a força em casa e intimidar os vizinhos. A Rússia também ganhou com a guerra ao terror noutra frente porque enfraqueceu a Aliança Atlântica. Os países europeus estavam tão preocupados com seu descontentamento com o presidente George W. Bush que ignoraram a direcção para a qual Putin estava a levar a Rússia (Lucas, 2008: 3)49.

A Rússia e os EUA tinham um inimigo comum, pelo que a novo quadro

internacional era benéfico para Moscovo. Em 1979, a URSS invadiu o Afeganistão,

uma guerra da qual Moscovo ainda não tinha recuperado. E no início do novo

milénio, o Afeganistão continuava na mira de Moscovo, sobretudo pelo alegado

apoio dos talibãs e da Al-Qaeda à facção islamita da rebelião chechena. Estes

acontecimentos eram a oportunidade perfeita para a Aliança do Norte chegar ao

poder em Cabul50. A desvantagem clara para Moscovo era que a presença militar

norte-americana na Ásia Central e também no Cáucaso não fosse meramente

temporária, mas ainda assim as vantagens superavam esse ponto negativo, tratava-se

de aceitar o que não se podia impedir para eliminar ameaças à sua segurança (Tomé,

2004). É preciso também notar que a atenção que a Rússia dedica ao ‘estrangeiro

próximo’ está também relacionada com as minorias russas aí residentes. Ademais, as

49 Tradução do autor. No original “After the attacks on America on September 11, 2001, Putin hurried to offer cooperation, which the West gratefully accepted with little regard for the cost: A free ride for the Kremlin as it tightened the screw at home and bullied its neighbors abroad. Russia gained again in another way too: The war on terror weakened the Atlantic alliance. European countries were so preoccupied with their distaste for President George W. Bush that they all but ignored the direction that Putin was taking Russia” (Lucas, 2008: 3). 50 Aliás, a maioria dos países da região há muito que desejavam que o regime talibã fosse derrubado, especialmente as antigas repúblicas soviéticas, Turquemenistão, Uzbequistão e Tajiquistão porque existem importantes minorias étnicas turcomenas, uzbeques e tadjiques no Afeganistão.

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populações russas fora das fronteiras da Federação Russa são um excelente

instrumento de poder ao serviço de Moscovo para manter a sua hegemonia na região.

Actualmente, Moscovo é mais influente do que foi durante a era Ieltsin, mas ainda

não é o actor internacional que foi a URSS. “Para Putin e o establishment político, a

Rússia é sempre ‘equal-plus’: igual às grandes potências, incluindo os EUA, mas

merecendo um estatuto maior do que os outros Estados ‘vulgares’ do sistema

internacional” (Lo, 2008: 45)51. Assim, os três grandes objectivos da estratégia russa

ao longo da última década foram: a maximização da riqueza nacional; o

reconhecimento da Rússia como um fornecedor fiável de energia e membro

respeitável da comunidade internacional; e a projecção de poder. Embora a Rússia

tenha procurado conciliar os seus objectivos, na realidade, quando estes se

mostraram incompatíveis não hesitou em optar por servir-se da energia como

ferramenta para fins políticos. A lógica realista tende a sobrepor-se às concepções da

interdependência complexa, na tomada de decisões por parte dos responsáveis

russos.

Neste novo panorama, a Rússia apostou em aumentar significativamente a sua

capacidade de influência na esfera internacional, através da cooperação com o

Ocidente. Em 2002, entrou em funcionamento o Conselho NATO-Rússia. Assim, a

Rússia passaria a ter direito a fazer ouvir a sua voz no seio da Aliança Atlântica, mas

51 Tradução do autor. No original “For Putin and the political establishment, Russia is always “equal-plus”: equal to the greatest powers, including the United States, but meriting a much higher status than other, “ordinary” states in the international system” (Lo, 2008: 45).

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sem direito de veto sobre as decisões da NATO, pelo que não poderia proibir os

futuros alargamentos para Leste ou as acções militares indesejáveis por Moscovo.

Para contrabalançar a NATO, a Rússia apostou no fortalecimento da Organização do

Tratado de Segurança Colectiva (CSTO) enquanto organização defensiva e com

capacidade para actuar no combate ao terrorismo e ao tráfico de armas e narcóticos.

A CSTO foi uma das prioridades da política externa de Putin, porque a Rússia é de

longe o membro dominante da organização, o que a torna um útil instrumento ao

serviço da sua acção política52. “Desde 2004 que CSTO tem sido responsável pela

protecção das linhas ferroviárias que – assim como a energia - foi também

relacionada com interesses económicos estratégicos. Como a protecção de

instalações energéticas” (Haas, 2010: 68)53.

Outra organização importante na política externa russa é a Organização de

Cooperação de Xangai (SCO). “A SCO fornece cooperação nos domínios políticos,

militares, económicos, energéticos e culturais” (Haas, 2010: 42)54. Esta organização

começou por surgir para controlar as actividades terroristas na Ásia Central, mas

acabou por estender a sua área de acção à cooperação política e económica. A

importância desta organização na área da energia é alta. Os acordos energéticos entre

52 Em Agosto de 2005, o Centro Anti-terrorismo da Comunidade de Estados Independentes executou nas proximidades de Aktau no Cazaquistão, na costa do mar Cáspio, um exercício no qual se simulou a neutralização de um ataque terrorista a um petroleiro. Em Junho de 2006, um dos objectivos do exercício conjunto da CSTO na Bielorrússia era a protecção aos oleodutos e gasodutos. Em Setembro seguinte, o Centro Anti-terrorismo conduziu outro exercício, numa central de energia nuclear na Arménia, com a participação de unidades da CSTO. Estes dados confirmam a importância da protecção e da segurança das fontes de produção e das vias de transporte de energia. 53 Tradução do autor. No original “Since 2004 the CSTO had been responsible for the protection of railway lines, which – just as energy – was also related to strategic economic interests. As to the guarding of energy installations” (Haas, 2010: 68). 54 Tradução do autor. No original “The SCO provides cooperation in political, military, economic, energy and cultural fields” (Haas, 2010: 42).

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os membros da SCO são essencialmente bilaterais, mas a organização serve de

plataforma para os esses acordos.

As reservas de petróleo da SCO, incluindo do observador Irão, são cerca de 20% do total mundial. Como estes países não são membros da OPEP, as companhias ocidentais olham para as reservas da região, especialmente na Ásia Central, como muito atracção, o que leva a vários investimentos e a cooperação. A situação com o gás é ainda mais importante. As reservas de gás da Rússia, da Ásia Central – incluindo do Turquemenistão que (ainda) não é membro da SCO – e do Irão ultrapassam os 50% de reservas conhecidas […] O facto de a SCO ter os maiores exportadores energéticos – Rússia, Cazaquistão, Uzbequistão e Irão – assim como importantes importadores – China e Índia – consequentemente faz da energia um tópico da cooperação na organização (Haas, 2010: 45)55.

Para compreender a diplomacia de Moscovo e a importância da energia na execução

da mesma, é necessário estudar os documentos estratégicos sobre o assunto. Ora, é

apropriado analisar alguns dos documentos mais recentes que abordem o tema. Nos

documentos de segurança é possível destacar a importância da energia para a Rússia.

Em Março de 2007, Putin aprovou o Overview of Foreign Policy of the Russian

Federation. Este documento cobria cinco capítulos: ‘diplomacia multilateral’ –

ONU, G8, ameaças, desarmamento e gestão de crises; ‘direcções geográficas – CEI,

Europa, América do Norte, Ásia-Pacífico e outras regiões; ‘diplomacia económica’ –

liberalização do comércio, diplomacia energética; ‘diplomacia humanitária’ –

protecção dos direitos, protecção dos cidadãos russos, cooperação cultural e

55 Tradução do autor. No original “SCO oil reserves, including SCO observer Iran, are some 20 per cent of the world’s total. As these countries are not members of the OPEC, Western oil companies view the oil reserves in the region, especially in Central Asia, as very attractive, which leads to a lot of investment and cooperation. The situation with gas is even more important. Aggregate gas reserves of Russia, Central Asia – including Turkmenistan, which is not (yet) aligned to the SCO – and Iran exceed 50 per cent of the world’s known reserves [...] The fact that the SCO contains major energy exporters – Russia, Kazakhstan, Uzbekistan and Iran – as well as significant energy importers – China and India – consequently makes energy also one of the topics of cooperation of this organization” (Haas, 2010: 45).

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científica; ‘fortalecer a política externa’ – diversificar os instrumentos da política, e

cooperação regional (Haas, 2010).

Neste documento reconhece-se que a diplomacia energética está a tornar-se

importante a nível internacional devido à liderança russa nessa matéria. Igualmente,

declara-se que a energia é um factor que está a ganhar relevância na política externa

da Rússia. Logo, a Rússia deve expandir a cooperação económica dentro dos BRIC56

às áreas da energia e do contra-terrorismo (Haas, 2010). A Rússia enquanto actor

internacional que se norteia pelo realismo, associa a energia ao combate ao

terrorismo subordinando as matérias ao domínio da segurança.

Em Fevereiro de 2008, no documento Strategy towards 2020, são identificados os

factores político-militares com potencial destabilizador. Para Moscovo, há uma

batalha a decorrer ao nível dos recursos energéticos, pois muitos conflitos armados

ocorrem sobre jazidas de petróleo e gás. Ao mesmo tempo, Moscovo considera que

existe um interesse crescente por parte do mundo exterior na Rússia e na Ásia

Central por causa da energia. Neste documento a Rússia também considera que a UE

é o principal parceiro da Rússia na Europa; e esta espera que os actores europeus

adoptem uma política de via-dupla57 (Haas, 2010).

Em Maio de 2008, Dmitri Anatoliévitch Medvedev tomou posse como terceiro

Presidente da Federação Russa, e pouco depois disso assinou um novo CPE. Esta

nova versão é muito similar à anterior, só que o que é importante destacar não são as

56 BRIC é uma sigla que se refere a Brasil, Rússia, Índia, China. 57 Por actores europeus, a Rússia não considera apenas os Estados, mas a UE, a OSCE, o Conselho da Europa e até a NATO.

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semelhanças, mas sim as diferenças. O novo documento atribui responsabilidades na

implementação da política externa ao Conselho de Ministros, liderado pelo primeiro-

ministro Putin. Esta alteração na condução da política externa é relevante, porque

aquilo que Medvedev concedeu a Putin sempre fora recusado aos primeiros-

ministros da era Putin.

A versão de 2008 copia cerca de 80% do texto da antecessora. Contudo, as diferenças são significativas. O termo Grande Potência desapareceu, foi substituído pela referência à Rússia como ‘um dos centros do mundo contemporâneo’ e a uma repetida menção à ‘nova Rússia’ (Mankoff, 2009: 13)58.

A Rússia que Medvedev recebeu de Putin não era a mesma que Ieltsin deixara ao seu

sucessor, pelo que não foi de estranhar que a política externa de Medvedev se

apresente como de continuidade. A guerra na Geórgia e uma nova crise do gás com a

Ucrânia marcaram o início do mandato do novo Presidente. A energia manteve-se

como um dos temas fortes na agenda russa.

A 31 de Agosto de 2008, numa entrevista à estação televisiva NTV59, o presidente

Medvedev declarou os cinco princípios da sua política externa: a primazia pelo

direito internacional; a construção de um mundo multipolar, sem um dominador,

como os EUA; o não isolamento da Rússia, pelo que deve procurar construir relações

amigáveis, incluindo com o Ocidente; a protecção dos cidadãos russos, estejam eles

onde estiverem, a Rússia responderá a qualquer acto agressor contra russos ou contra

a Rússia; e os interesses privilegiados da Rússia em certas regiões (Kremlin, 2008).

58 Tradução do autor. No original “The 2008 version copies about 80 percent of the text of its predecessor verbatim. The differences, however, are significant. The term Great Power is gone, replaced by a reference to Russia as ‘one of the leading centers of the contemporary world’ and repeated mention of a ‘new Russia’” (Mankoff, 2009: 13). 59 A NTV foi a primeira televisão independente da Rússia pós-soviética. Na primeira década do século foi adquirida pela empresa estatal Gazprom.

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É de salientar que o discurso e as práticas russas nem sempre são coincidentes,

porque enquanto apela ao respeito pelo direito internacional, pela supremacia do

CS/NU, e pela resolução dos conflitos por vias pacíficas, a Rússia nem sempre

pratica tais princípios. Em diversas ocasiões, a Rússia fomentou conflitos no seu

‘estrangeiro próximo’, para depois intervir nesses mesmos conflitos. A estratégia

russa passa por tornar esses países dependentes da Rússia em termos de segurança.

Em Agosto de 2008, Moscovo demonstrou pela força das armas que a Rússia é uma

potência relevante no palco internacional. A acção na Geórgia provou que a Rússia

está de volta e que não hesita recorrer à força se necessário para atingir os seus

objectivos estratégicos.

Após a crise de Agosto, a Rússia emergiu como uma potência agressiva, que recorre

à força para intimidar os vizinhos. Pela primeira vez depois da dissolução da URSS,

Moscovo mostrou ter a capacidade e a disposição para usar a força fora das suas

fronteiras (Kakachia, 2008). Todavia, a reemergência da Rússia na cena política

internacional como potência de primeira grandeza, é alavancada pela subida do preço

do petróleo e do gás natural. Porém, a Rússia não tem os meios ideológicos, políticos

e até mesmo militares de influência global que tinha a URSS (Fernandes, 2008a).

Os objectivos russos eram vastos e a longo-prazo, e incluíam: derrubar o Presidente

georgiano Saakashvili; a renúncia da Geórgia a integrar a NATO; a destruição de

infra-estruturas na Geórgia; o reconhecimento das repúblicas separatistas; e o

monopólio no fornecimento de energia oriunda do mar Cáspio (Kakachia, 2008). Os

desejos de Moscovo, em manter o ‘estrangeiro próximo’ firmemente na sua esfera de

influência, em especial depois das ‘revoluções coloridas’ nas antigas repúblicas

soviéticas, também contribuíram para o conflito. A Geórgia serviu os propósitos de

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Moscovo, provou que a Rússia está forte militarmente no Cáucaso, interna e

externamente, e serviu de aviso aos demais actores internacionais com interesses na

região: a Rússia está de volta. Ao controlar o Cáucaso, a Rússia está em condições de

dominar os recursos energéticos da Ásia Central e do Cáspio, impedindo o acesso

dos demais países da região ao mercado energético europeu60.

A Rússia é um actor estratégico que na delineação de um mundo multipolar exige o reconhecimento do seu posicionamento e influência. A sua demonstração de força no Cáucaso do Sul, área de intersecção de grandes interesses estratégicos, é reflexo da sua política externa assertiva, do seu desejo de reconhecimento internacional, e de demonstração das suas capacidades nesta nova ordem (Freire, 2008: 53).

No entanto, a guerra também teve custos para Moscovo. Por um lado, a Rússia não

tardou a ficar isolada do ponto de vista diplomático, nomeadamente depois do

reconhecimento das independências das regiões separatistas. A UE não gostou das

acções da Rússia no Cáucaso, mas a presidência francesa encetou esforços no sentido

de alcançar uma cessação de hostilidades. E a credibilidade da UE saiu reforçada

porque durante a crise era um país como a França, com elementos diplomáticos

experientes, que assumia a presidência rotativa da UE.

A rápida reacção da UE pode ser entendida, à luz da teoria da interdependência,

como um reconhecimento da vulnerabilidade da UE na relação com a Rússia.

Contudo, a Rússia também descobriu que também é sensível às alterações do sistema

internacional. “A Rússia está a sofrer política e economicamente pela sua

intervenção militar na Geórgia. Mesmo que tenha obtido ganhos a curto-prazo,

Moscovo está agora mais isolada e é menos digna de confiança” (Kakachia, 2008:

38). A Rússia venceu no campo de batalha, porém a guerra teve consequências 60 Como consequência da guerra, o projecto do gasoduto Nabucco para abastecer a UE com gás do Azerbaijão e da Ásia Central, contornando a Rússia foi também ele posto em causa, tendo a decisão sobre o mesmo sido adiada para 2012, e não está previsto estar operacional antes de 2015.

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económicas porque as relações diplomáticas gelaram entre a Rússia e o seu principal

parceiro comercial, isto é a UE.

Não obstante, a Rússia na primeira década do século XXI tornou-se um actor global

capaz de influenciar a agenda internacional. Na qualidade de grande potência a

Rússia tem ao seu dispor um considerável poder militar, pelo que as forças armadas

russas são um instrumento ao serviço dos interesses políticos e económicos

considerados estratégicos em Moscovo. Assim, como a energia é considerada

fundamental para a sustentabilidade económica da Rússia, é natural que esta se tenha

tornado um aspecto da sua política de segurança. A energia tornou-se um

instrumento de poder porque os recursos energéticos russos contribuem para

engrandecer a força da Rússia no sistema internacional. Portanto, como os

responsáveis russos temem a reacção das outras grandes potências, tendem a encarar

os projectos energéticos europeus alternativos à Rússia como uma ameaça à sua

segurança. Neste sentido, o Ocidente ainda é, pelo menos em parte, visto em

Moscovo com os óculos da Guerra Fria, logo é uma questão de segurança nacional

manter os recursos energéticos russos debaixo da tutela do governo central.

Neste quadro de pensamento, os planos dos EUA em instalar um escudo antimíssil

na Polónia e na República Checa, e a pouca vontade de Washington em adoptar o

Tratado de Forças Convencionais na Europa foram mal recebidos em Moscovo. A

juntar à possibilidade de um novo alargamento da NATO, pois a Ucrânia de

Yushchenko e a Geórgia de Saakashvili demonstraram esse desejo, a Roménia e a

Bulgária permitiram que os EUA instalassem bases militares nos seus territórios.

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81

Assim, como a Rússia se sentia ignorada pelo sistema ocidental, voltou-se para Leste

para o seio do seu próprio sistema, apostando no desenvolvimento da CSTO e da

SCO, como meios de garantir a segurança da Rússia e dos interesses dos russos.

A diplomacia de Moscovo assenta primordialmente nas relações bilaterais com os

demais actores internacionais, os acordos e os pactos multilaterais são remetidos para

a segunda linha da diplomacia russa (Mankoff, 2009). Os responsáveis russos

preferem tratar dos assuntos transnacionais, incluindo o terrorismo, ao nível bilateral

com as grandes potências do sistema internacional porque este nível garante uma

negociação de igual para igual, evitando a formação de blocos contrários aos

interesses russos.

Em termos de política externa, Tsygankov refere que a Rússia tem quatro critérios:

segurança, bem-estar, autonomia, e identidade. A segurança visa suprimir as ameaças

à soberania e à solidez do Estado. O bem-estar na medida em que a política externa

russa procura criar as condições para um melhor nível de vida, através do

crescimento económico, emprego e serviços sociais. A autonomia quer assegurar que

as decisões de política externa russas são tomadas sem pressões externas e internas.

E a identidade pressupõe a existência de um sistema de valores culturais (Tsygankov,

2006). Por outras palavras a política externa russa consiste numa busca e na

protecção da sua economia, do seu sistema político, e da sua sociedade.

Assim, a política externa russa reflecte ao nível geopolítico o desejo russo de ser um

actor fundamental do sistema europeu e ocidental, e ao mesmo tempo preservar a sua

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posição junto do mundo muçulmano e dos seus vizinhos asiáticos. Embora a Rússia

esteja a diversificar as suas relações políticas e económicas, o Ocidente ainda é

crucial para a política externa russa. No entanto, a Rússia tem-se afastado

gradualmente do sistema Ocidental, nomeadamente após as revoluções coloridas.

3.3 A estratégia energética russa As autoridades russas apostam na energia como uma forma de projecção de poder. A

utilização da energia como um instrumento de poder e arma política, assenta no

realismo ofensivo. A estratégia energética russa visa servir-se da energia para

maximizar o seu poder relativo. Quando Putin chegou ao poder o sector estatal

energético russo era reduzido, e actualmente controla a produção, a distribuição e a

exportação no país.

Os recursos energéticos são o pilar que sustenta a Rússia61. E as potencialidades

russas são enormes, porque além de ser o segundo maior exportador mundial de

petróleo e de controlar a maior rede eléctrica à escala mundial, a Rússia também

possui as maiores reservas de gás natural conhecidas. De acordo com os dados

disponíveis, mais de um quarto das reservas mundiais estão em territórios russos

(Pascual e Zambetakis, 2010).

A energia tem uma centralidade ímpar na economia, na sociedade e na política da

Federação Russa. A possibilidade de a economia russa se tornar especializada

exclusivamente no sector energético é um risco. A manter-se o peso da energia na

economia, a Rússia pode tornar-se num petro-Estado, como a Venezuela ou a

61 O ranking das empresas russas é dominado pelas do sector energético (Forbes, 2011).

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Nigéria, mas vocacionada para o gás natural. Em 2005, o sector energético

representava cerca de 20 por cento do PIB, 55 por cento das exportações, 40 por

cento das receitas orçamentais e cambiais e 60 por cento do investimento (Nunes,

2005). Portanto, uma queda no preço do petróleo ou do gás natural pode acarretar

consequências como as da crise financeira de 1998.

Os aumentos dos preços da energia, estimularam a economia russa, nomeadamente

na indústria energética e nas actividades com ela relacionadas. Assim, diversos

sectores, como transportes, metalurgia e construção, mobilizaram as capacidades

industriais da Rússia, criando empregos nos sectores públicos e nos privados. Em

2003, Putin anunciou o objectivo de duplicar o PIB no prazo de uma década, de

eliminação a pobreza, e de modernizar as Forças Armadas (Nunes, 2005). Estes

objectivos eram uma forma de acabar com as causas da crise financeira, mas também

uma forma de centralização do poder.

Não há dúvidas de que a energia ocupa o lugar central no panorama económico e

político do país. Portanto, de forma a servir-se da energia Putin tomou medidas para

consolidar o papel do Estado na gestão do sector energético. Tal objectivo para ser

executado implicou que algumas das medidas tomadas durante o período Ieltsin

fossem revertidas, e muitas empresas foram recuperadas aos privados. Os métodos

usados para esse fim, foram variados, a começar pelas limitações à exploração

estrangeira no sector energético na Rússia, e a terminar em processos judiciais contra

oligarcas do sector como Mikhail Khodorkovsky.

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Além de consolidar o sector, Putin também tomou medidas para o controlar, ao

efectuar nomeações para as posições chave das empresas. Após ter garantido a

Presidência da Federação Russa, Putin concentrou os seus esforços na remodelação

da Gazprom, nomeando homens para a administração da empresa que lhe eram

totalmente leais, Miller e Medvedev à cabeça62. A remodelação encetada pôs um

ponto final nas relações tensas entre a empresa e o Kremlin e deu a Putin nos anos

seguintes um domínio de facto sobre a empresa. Tal domínio revelou-se importante,

pois a empresa não mais deixou de crescer, aproveitando a subida constante dos

preços do sector energético. O mercado energético permitiu a consolidação do poder

interno por parte das autoridades centrais, ao mesmo tempo que tornou a Rússia mais

resistente às pressões externas. O controlo sobre o sector energético contribuiu para a

centralização do poder (Pascual e Zambetakis, 2010).

Para Putin os recursos naturais devem ser a base do desenvolvimento económico da

Rússia. E por sua vez o desenvolvimento económico é a forma de garantir o estatuto

de grande potência no sistema internacional. Assim, os recursos naturais devem estar

ao serviço do Estado. Porém, Putin rejeita igualmente o cenário da economia russa

estar restrita à exportação de matérias-primas, dado que para melhorar o padrão de

vida da população e adquirir poder relativo no sistema internacional a Rússia precisa

de uma economia mais diversificada63. Para tal, a Rússia precisa de um poder

62 Não foi só na Gazprom que Putin substituiu a ‘velha guarda’ por pessoas próximas. Assim, o ex-presidente russo efectuou nomeações para a liderança das empresas públicas nos sectores do gás natural, do petróleo, da energia nuclear, e ainda para as áreas dos transportes e telecomunicações. 63 De acordo com a nota biográfica do Kremlin, em 1997, Putin obteve o doutoramento em economia pelo Instituto Estatal de Minas de São Petersburgo (em inglês – St Petersburg Mining Institute). A proposta de tese do futuro presidente russo tinha como tema: Os produtos minerais na estratégia de desenvolvimento da Economia Russa.

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económico dirigente que vá de encontro ao interesse nacional, pelo que a aposta na

centralização é entendida como a chave do sucesso russo. Neste sentido, uma

economia forte e estável na Rússia requer o apoio do Estado e o desenvolvimento de

complexos empresariais financeiro-industriais, integrados verticalmente, capazes de

competir com as multinacionais ocidentais (Nunes, 2005). Portanto, era preciso

estabelecer um exemplo de poder vertical que provasse que a teoria estava correcta.

E para isso a Gazprom precisava de dominar o sector do petróleo e do gás natural, e

de actuar como interlocutor e parceiro das empresas estrangeiras. Na Federação

Russa, o investimento directo estrangeiro só é aceite se controlado pelo Estado, de

maneira a que também ele possa servir os interesses nacionais russos.

O regresso do Estado ao controlo da produção, transporte e exportação de energia foi

concretizado através de vários métodos. O processo Yukos, a constituição de um

conglomerado através da fusão da Gazprom com a holding petrolífera estatal

Rosneft, e a domesticação do investimento directo estrangeiro, são manifestações do

controlo do Estado sobre a economia, em especial no domínio da energia. Estas

medidas são a consubstanciação da visão de Putin sobre o sector.

A 28 de Julho de 2000 numa reunião entre Putin e os oligarcas, que incluiu os

responsáveis da Gazprom, das companhias petrolíferas, e dos principais bancos

russos, o Presidente garantiu que os resultados das privatizações não seriam

reavaliados (Aris, 2000). “A mensagem foi que Putin não incomodaria os oligarcas

desde que eles não lhe causassem problemas e eles poderiam conduzir os seus

“A tese de Putin implica que as receitas do petróleo financiem a actividade estatal, desde logo o complexo militar-industrial. A teorização de uma «renda natural» sobre a exploração económica dos recursos naturais, que deveria contribuir mais para a sociedade, via orçamento, foi fazendo o seu caminho, justificada também por aplicações discutíveis dos lucros” (Nunes, 2005: 65).

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negócios como lhes apetecesse desde que deixassem a política para ele” (Kotz e

Weir, 2007: 275)64.

De todos os métodos usados pelo Estado para recuperar o seu poder no domínio da

energia, o caso Yukos é o mais mediático, porque o dono da empresa, Mikhail

Khodorkovski, era um apoiante da oposição liberal e comunista. O dinheiro de

Khodorkovski financiou as campanhas da oposição russa, e promoveu o lobbying

parlamentar contra os impostos cobrados às petrolíferas. Este oligarca defendia a

maximização da exportação energética, a divisão da Gazprom e a entrada dos

privados na construção e gestão dos gasodutos e dos oleodutos. Como tal, as suas

posições e acções não eram do agrado do Kremlin, especialmente porque a Yukos era

a maior empresa petrolífera na Rússia. Entre 2002 e 2006, Khodorkovski foi preso e

a empresa desmantelada. Durante este período, a Yukos foi acusada de fraude fiscal,

o governo russo reclamou impostos não pagos, congelou os bens da empresa e

obrigou-a a vender as acções que detinha de outras empresas (Oliphant, 2010). Deste

modo, os oligarcas ficaram a conhecer os riscos que correriam em caso de oposição a

Putin (Nunes, 2005). O fim da companhia pode ser entendido como uma forma de

Putin enviar uma mensagem aos oligarcas. Os oligarcas ficaram sobre uma

permanente ameaça judicial, e Putin estabeleceu as regras do jogo.

A Rosneft foi a empresa beneficiada com o desaparecimento da Yukos, pois adquiriu

boa parte da empresa a preços favoráveis, transformando-se na principal empresa

russa de extracção e refinação de petróleo. No entanto, o objectivo da estratégia

energética russa era criar uma grande empresa estatal no sector energético. A decisão

64 Tradução do autor. No original “The message was that Putin would not bother the oligarchs as long they did not cause him problems and that they could run their businesses as they pleased as long as they left state policy to him” (Kotz e Weir, 2007: 275).

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de fundir a Rosneft na Gazprom, acabou por ampliar o controlo estatal sobre a

energia, porque a operação foi concebida para permitir ao Estado aumentar a sua da

participação na gasífera de 38,37 para 50 por cento, mais uma acção65.

Assim, uma das preocupações de Moscovo é manter a sua reputação de fornecedor

fiável e seguro de energia. Portanto, a Rússia tem mantido a aposta no mercado

europeu também porque considera que está em jogo a sua credibilidade

internacional. A Federação Russa, e antes dela a URSS, e os países europeus têm

mantido por várias décadas o fluxo de energia da Rússia para a Europa. Este facto

prova a interdependência que existe entre ambos os lados, o exportador e o

importador.

No entanto, apesar da simbiose, Putin provou ser um hábil jogador, dado que tem se

servido da energia como trunfo para retirar benefícios e aumentar o poder relativo da

Rússia. Putin, explorou a dependência energética das antigas repúblicas soviéticas.

“Através de preços diferenciados para aliados (Bielorrússia), ‘amigos’ (Arménia), e

críticos/oponentes (Geórgia) reflectem a determinação da Rússia em manter

influência na sua vizinhança” (Lo, 2008: 138-139)66. Com a orientação do Kremlin, a

Gazprom e as outras empresas do sector, incluindo as privadas, servem de ferramenta

política na defesa dos interesses da política externa russa.

A energia é um instrumento de política externa mas envolve alguns riscos, pois a

Rússia depende do mercado europeu. No meio das ameaças e dos bluffs de Moscovo,

65 As revisões em baixa do valor da Rosneft permitiam ainda que outras empresas fossem incorporadas no negócio (Kramer e Myers, 2006). Assim, a Zarubezhneft e Yugansk também passaram o controlo do Estado com a operação de incorporação da Rosneft na Gazprom. 66 Tradução do autor. No original “Differential pricing for allies (Belarus), “friends” (Armenia), and critics/opponents (Georgia) reflects a determination to reassert Russia’s influence in its neighborhood” (Lo, 2008: 138-139).

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a credibilidade russa foi posta em causa por vários Estados-membros da UE devido

às crises do gás entre a Rússia e a Ucrânia. Nesta medida, a estratégia russa provou

ser contraproducente, dado que os europeus aceleraram a sua busca por alternativas

ao gás russo. Todavia, a Europa continua a comprar o gás russo, mas como os

indicadores mostraram, no capítulo anterior, o peso relativo do gás russo apresenta

uma tendência decrescente.

Este facto é preocupante para a Rússia, uma vez que apenas uma pequena quantidade

de gás e petróleo é exportado para o mercado asiático. Apenas 3% do petróleo e do

gás russo vão para a Ásia, valores irrisórios são importados pela China, pelo Japão e

pela República da Coreia, países que são dos maiores importadores de combustíveis

fósseis (Lo, 2008).

E o governo russo tem consciência da potencial ameaça que representa uma quebra

na procura do mercado europeu, quando não há um mercado asiático para o qual a

Rússia possa exportar petróleo e gás natural. Assim, o governo russo aprovou a

Estratégia energética da Rússia para o período até 2030. No documento é possível

perceber que a estratégia energética russa pretende diminuir progressivamente a

dependência das exportações para o mercado europeu e aumentar a exportação para

os mercados asiáticos.

A expansão para o mercado energético asiático está em consonância com o conceito

de segurança analisado anteriormente. É de relembrar que a economia russa é muito

dependente do sector energético e que depende em larga medida das exportações

para a UE, pelo que Moscovo não pode ignorar os potenciais perigos que podem

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advir dessa situação, dado que perderia poder relativo para a UE e por conseguinte

ficaria com a sua segurança mais ameaçada.

Nas regiões do Cáucaso, da Ásia Central e do mar Cáspio existem recursos

energéticos que se tornaram importantes devido ao crescimento da procura. O

Azerbaijão, o Cazaquistão, o Uzbequistão, e o Turquemenistão possuem reservas que

podem ser exploradas e exportadas. Assim, é vital que o Cáucaso seja uma região

estável para que o transporte de gás natural e de petróleo se possa efectuar em

segurança pelo mar Cáspio. Não obstante, vários actores têm encetado esforços para

contrariar o monopólio russo relativo ao transporte e ao abastecimento à Europa da

energia oriunda da região euro-asiática (Haas, 2010).

A Rússia continua a recusar ratificar a Carta Europeia da Energia que estabelece os

termos para a produção e para o trânsito da energia nos países signatários. Os

esforços europeus no sentido de pressionar a Rússia a ratificar o tratado têm caído

em saco roto, pois a prática russa demonstra que não existe qualquer intenção de

liberalizar o seu mercado. Os líderes russos continuam convictos de que a Rússia

manterá a posição dominante no sector, pelo que aderir à Carta Europeia da Energia

não é do interesse nacional.

A energia é uma questão de segurança porque é um instrumento de poder. Putin

transformou a energia num instrumento de poder prático ao cortar o fornecimento a

diversos países. Embora por motivos distintos, vários países sofreram cortes nos

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abastecimentos67. Além disso, a Rússia elaborou e planeou a construção de novos

gasodutos, como forma de condicionar, e evitar a implementação dos projectos

europeus alternativos à Rússia. Moscovo precisa livrar-se da sua dependência da

Ucrânia para transportar o gás para o resto da Europa, impedir a Europa de construir

alternativas ao gás russo e construir gasodutos alternativos com participação russa68.

Como referiu Elletson, ao usar da energia como uma ferramenta de política externa, a

Rússia não procura ganhar amigos, mas sim influência (Elletson, 2006). Neste

sentido, Medvedev continuou a política do seu predecessor. Tal como Putin,

Medvedev apostou na securitização da energia, e também teve de lidar com uma

disputa de gás com a Ucrânia. Todavia também imprimiu uma nova prioridade ao

estabelecer as bases de uma Estratégia para o Árctico.

Em suma, para a Rússia a energia representa a sua segurança face aos demais actores

internacionais e é a sua principal fonte de poder no sistema internacional. Portanto, a

posse de vastas reservas de petróleo e gás é o equivalente russo em termos de poder

às armas nucleares na era soviética. Na realidade, a energia é uma fonte de poder

mais flexível e utilizável do que o poder nuclear, pois se no período soviético as

armas nucleares incutiram o medo de uma confrontação nuclear entre as duas

superpotências, em certa medida, passa-se o mesmo com a energia, com alguns

actores a recearem uma confrontação energética. 67 A Ucrânia por causa das suas aspirações de adesão à NATO é provavelmente o caso mais conhecido, mas outros países viram os seus abastecimentos temporariamente cortados por parte da Rússia, incluindo a aliada Bielorrússia. 68 A Rússia lançou os seguintes projectos: o blue stream e o south stream para substituírem os projectos ocidentais Baku–Tbilisi–Ceyhan pipeline, o Baku-Tbilisi-Erzurum pipeline e o Nabucco pipeline; o projecto do Nord Stream não serve para substituir outro projecto europeu, mas antes para contornar a Ucrânia, a Bielorrússia, a Polónia e os países bálticos, no abastecimento à Europa. A insistência de Moscovo em avançar com o pipeline no mar báltico pode ser explicada se tivermos em linha de conta que quando a Rússia deixar de depender deles para exportar a sua energia terá ao seu dispor a possibilidade de exercer pressão sobre os países de trânsito sem recear uma retaliação que consista no corte no fornecimento.

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Capítulo 4. As dinâmicas da Relação UE-Rússia A actual relação entre os dois actores primordiais desta dissertação começou a

desenhar-se após a reeleição de Putin em 2004. Nos últimos anos ocorreram

acontecimentos que modelaram a relação entre a UE e a Rússia. O alargamento da

UE para Leste, a ‘revolução laranja’ na Ucrânia, as crises energéticas, e a guerra na

Geórgia são os mais relevantes69. A distância entre os dois maiores vizinhos

europeus é essencialmente política, dado que as dificuldades no relacionamento

existem essencialmente porque têm visões distintas do mundo. “Bruxelas quer uma

Rússia mais europeia e convergente com os seus valores políticos e regras

económicas; Moscovo quer ser reconhecida como um parceiro em pé de igualdade e

com autoridade para redefinir certas regras do jogo internacional” (Fernandes,

2008b).

A relação entre a UE e a Federação Russa assenta no Acordo de Parceria e

Cooperação de 199470. Em 1997, o Acordo de Parceria e Cooperação entrou vigorou

por um período inicial de dez anos, porém este estabelecia que seria prorrogado

automaticamente por períodos de um ano, desde que nenhuma das partes o

denunciasse por escrito à outra parte pelo menos seis meses antes do seu termo

(EUR-Lex, 1997). A crescente interdependência entre os dois actores, não só no

69 Outros acontecimentos também como o apoio ocidental às ‘revoluções coloridas’ no antigo espaço soviético, o desenvolvimento do projecto do escudo de defesa anti-míssil, a intervenção norte-americana no Iraque que levantou dúvidas de legalidade e legitimidade por parte da Rússia, a independência do Kosovo contra a vontade de Moscovo e da Sérvia são também factos a recordar. 70 É de referir que a UE também assinou Acordos de Parceria e Cooperação com os países do Cáucaso, da Ásia Central e do Leste Europeu, na totalidade foram dez acordos similares que a UE estabeleceu com os países da Comunidade de Estados Independentes.

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mercado energético, mas também ao nível das trocas comerciais exigiu um

aprofundamento da relação ao nível inter-estatal.

Em Maio de 2003, na cimeira de São Petersburgo as partes acordaram o princípio de

criação de quatro Espaços Comuns71. O plano era expandir a cooperação a áreas mais

específicas, pelo que se adoptava uma agenda a médio-prazo que deveria nortear a

relação UE-Rússia. Contudo, a relação entre as partes iria tornar-se menos propícia à

cooperação, devido à ‘revolução laranja’ na Ucrânia e a posterior disputa entre Kiev

e Moscovo sobre os preços gás natural.

Nesta altura, ambos os actores ainda mantinham um diálogo construtivo, pelo que na

cimeira de Moscovo de Maio de 2005, a UE e a Rússia estabeleceram os roteiros

para a implementação dos Espaços Comuns. “Os roteiros estabeleciam objectivos

comuns, bem como as acções necessárias para tornar tais objectivos uma realidade,

determinando a agenda para a cooperação entre a UE e a Rússia para o médio-prazo”

(Haas, 2010: 56)72. Depois na cimeira de Londres de Outubro seguinte foram

abordados os aspectos práticos da implementação dos Espaços Comuns.

De acordo com Pierre Hassner, o segundo mandato de Putin foi marcado por uma

transição para a autocracia (Hassner, 2008). Na era Putin, assistiu-se à centralização

do poder, ao enfraquecimento do sistema político multipartidário, à diminuição da

liberdade de imprensa, enquanto as autoridades russas começaram a desenvolver e a

71 Os quatro Espaços Comuns eram: o Espaço Económico Comum; o Espaço Comum da Liberdade, da Segurança e da Justiça; o Espaço Comum da Segurança Externa; e o Espaço Comum da Investigação, da Educação, e da Cultura (Comissão Europeia, 2011). 72 Tradução livre do autor. No original “The road maps set out shared objectives as well as the actions necessary to make these objectives a reality, and determined the agenda for cooperation between the EU and Russia for the medium term” (Haas, 2010: 56).

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aplicar o conceito de ‘democracia soberana’. No período seguinte à presidência

Putin, a tendência anterior manteve-se. O novo conceito de política externa russo de

Julho de 2008 segue a lógica de afirmação do poder, reforçando os meios de

implementação.

A política externa russa assume-se como mais proactiva, embora num alinhamento defensivo. O pragmatismo assertivo de Medvedev, num exercício de continuação da política externa de Vladimir Putin, reforça o princípio de que a CEI é uma área preferencial de intervenção, tendo aí menor flexibilidade negocial face ao envolvimento de terceiros (Freire, 2008: 51).

A Rússia aprendeu a servir-se da questão energética no sentido de a utilizar como

forma de pressão política e económica sobre países vizinhos. A Rússia procura

demonstrar aos países da região, e aos restantes, que as decisões energéticas na

Eurásia, só podem ser tomadas com a sua aprovação. Todavia, esta estratégia russa

teve implicações directas nas políticas energéticas europeias “apesar de a resposta da

UE não ser concertada, e a «solidariedade institucional» falhar nas relações com

Moscovo” (Freire, 2008: 52). Aos poucos a Rússia passou a ser vista em várias

capitais como parceiro instável e pouco fiável.

4.1 Parceiros a dialogar e a competir A interdependência energética entre a Rússia e a UE é central no estudo da relação.

Embora, a UE e a Rússia sejam interdependentes, são também dois actores com

visões muito diferentes do mundo e da própria relação que mantêm. Nesta relação,

Bruxelas procura estabelecer um regime de reciprocidade, mas a Rússia recusa a

aceitar compromissos que não estejam de acordo com a manutenção do seu controlo

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sobre os recursos energéticos. Por seu lado, as administrações russas de Putin e de

Medvedev, por razões simultaneamente económicas e de segurança têm encetado

esforços que visam projectar a influência russa no ‘estrangeiro próximo’ e noutras

regiões estratégicas.

O período entre a segunda eleição de Putin, e a guerra na Geórgia, marca o fim do

paradigma do ‘pós-Guerra Fria’ nas relações entre a UE e a Rússia (Almeida, 2008).

Durante esse período temporal tornou-se absolutamente claro que o Kremlin não

adopta os princípios e os valores da UE, e que a Rússia não se transformará numa

democracia liberal ao estilo ocidental, pois o modelo híbrido aparenta ter-se

consolidado. Para Moscovo, a democracia depende de critérios nacionais e não de

valores universais. Além disso, o regime político deve servir os interesses da nação e

do poder político e não os direitos, o bem-estar e a liberdade dos cidadãos (Almeida,

2008). É visível que a Rússia e a UE não têm a mesma definição do que deve ser um

Estado de direito, dos princípios da liberdade de imprensa, de expressão e de

iniciativa. No entanto, não existe um conflito ideológico entre os dois lados da

‘barricada’ como no período da Guerra Fria.

Durante a maior parte do período da Guerra Fria, Moscovo teve uma atitude céptica e

hostil para com as ‘comunidades europeias’, pois não via uma distinção clara entre

elas e a NATO. Apenas a partir de Gorbatchev se assistiu a uma aproximação e a um

desejo de aprofundamento da cooperação em áreas de cariz económico. Depois com

Ieltsin, concederam o Acordo de Parceria e Cooperação, e houve o reconhecimento

de que a UE desempenha um papel de estabilização e de segurança na Europa do

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95

qual dependia a consolidação das reformas económicas e políticas russas. (Gower,

2000: 88). Porém, a relação entre a UE e a Rússia na última década do século XX era

compreendida pelos responsáveis europeus em termos de superioridade política,

económica e até moral relativamente à Rússia.

A nova Rússia de Putin e Medvedev difere da UE em pontos fundamentais, como a

concepção do que é a soberania do Estado, o que significa democracia, e qual deve

ser a ordem política europeia. O nacionalismo russo tende a querer uma Europa de

Estados independentes e onde as identidades nacionais se impõem a qualquer outro

tipo de identidade política. Esta é a visão russa para a Europa, mas Moscovo também

era o mais forte adepto da inviolabilidade das fronteiras políticas, dado que a Rússia

ainda têm várias minorias étnicas73.

A Rússia situa-se no ponto oposto da ordem pós-vestefaliana que a UE procura

construir, defendendo a visão de que o Estado deve ser absolutamente autónomo, e

não deve partilhar competências soberanas com outros Estados, pelo que rejeita a

jurisdição de autoridades supranacionais. Portanto, a visão que a Rússia tem para a

ordem política europeia, está muito distante da visão europeísta.

Para Moscovo, a ordem política europeia deveria assentar numa lógica realista que

contemplasse esferas de influência e uma hierarquização dos Estados. Essa ordem

multipolar deveria dar primazia aos interesses das grandes potências, e permitir um

equilíbrio de poder entre elas. Nesse quadro conceptual, o uso da força militar para

prosseguir interesses nacionais e estratégias expansionistas pode existir (Almeida,

73 A Federação Russa é um Estado etnicamente muito mais homogéneo do que era a URSS, uma vez que aproximadamente 80% da sua população é etnicamente russa. Todavia, existem várias minorias étnicas no seio da Federação, como por exemplo: os tártaros, os ucranianos ou os bashkires (CIA, 2011).

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2008). Deste modo, a Rússia com o seu poder centralizado numa elite, pode exercer

o poder sem constrangimentos e limites internos. Portanto, a Rússia representa uma

ordem europeia anterior ao processo de integração europeia.

Como já foi mencionado anteriormente, a Rússia afirmou-se na década transacta

como um dos maiores produtores de petróleo, gás natural e carvão. Quando Putin

tomou posse como presidente da Rússia, a maioria da produção do país estava nas

mãos de empresas privadas. A administração Putin viria a mudar drasticamente a

política relativamente às empresas de energia do sector privado e à propriedade e

investimento do sector energético.

Estas mudanças foram efectuadas, em alguma medida, para transformar a energia

num instrumento ao serviço dos propósitos políticos do Kremlin. Entre o período que

decorreu entre o início da guerra do Iraque, em 2003 e o início da crise financeira em

2008, os preços da energia não pararam de subir. Para os responsáveis russos, foi um

período de recuperação do prestígio e da influência a nível internacional. A Rússia

converteu-se numa superpotência energética, e Putin aproveitou a oportunidade para

maximizar o poder que o sistema internacional lhe oferecia.

Deste modo, Putin serviu-se do aumento dos preços da energia no mercado

internacional para exigir novos preços aos seus vizinhos, ou seja quando surgiu a

oportunidade de usar a energia como ferramenta política ela foi aproveitada. Assim,

se um vizinho da Rússia tomasse uma atitude considerada desleal pelo líder russo, os

preços iriam subir imediatamente. Até a Gazprom reconheceu publicamente que

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tinha em consideração aspectos políticos quando estabelecia preços no seio da

Comunidade de Estados Independentes (Elkind, 2010).

As principais rotas dos oleodutos e dos gasodutos que abastecem a Europa central e

oriental vêm da Rússia e são controlados pela companhia russa estatal Transneft.

Este facto é uma mais-valia para Moscovo, pois garante-lhe de uma forma simples o

domínio total sobre a rede de distribuição em parte do continente europeu. Contudo,

a Rússia também enfrenta desafios, porque para proteger o sector energético dentro

das suas próprias fronteiras acabou por afectar a dos seus vizinhos e dos seus

parceiros comerciais. Em 2006, a credibilidade russa foi posta em causa, quando os

países europeus culparam Moscovo em vez de Kiev pela crise energética74.

Não há dúvidas de que o Kremlin foi hábil a explorar a miopia dos Estados-membros

da UE (Lo, 2008). A miopia europeia reside no facto de os Estados-membros da UE

também desenvolverem relações bilaterais com a Rússia, algo que esta agradece pois

pode apelar aos interesses nacionais individuais, algo que não poderia fazer se apenas

dialogasse com as Instituições Europeias. No entanto, seria errado concluir que a

manutenção das relações bilaterais entre os Estados-membros e a Rússia representa

um fracasso europeu. Na realidade a posição russa é muito mais frágil do que

aparenta, pois se a Rússia e a UE são interdependentes isso significa que a Rússia

também pode sofrer com as crises do gás. Ora, como a Rússia depende da exportação

de energia para sustentar a sua economia e ainda não tem alternativas viáveis para

escoar o gás natural que produz, isso significa que é ela quem está mais vulnerável a

74 Em 2009, a Europa voltaria a sentir o músculo energético russo, quando a Gazprom voltou a cortar o gás à Ucrânia por duas semanas.

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uma prolongada disputa. Aliás, em certa medida a UE é menos dependente do gás do

que a Rússia.

Por exemplo, enquanto a Polónia importa quase todo o gás da Rússia, isso apenas representa menos de 7% do consumo de energia (que é esmagadoramente dominado pelo carvão). A Alemanha há muito que tem uma relação ‘especial’ com Moscovo, porém o gás compreende menos de 10% do seu consumo de energia primário. Por outro lado, a Rússia é quase inteiramente dependente (mais de 90%) da Europa para as suas exportações de gás (Lo, 2008: 150-151)75.

As disputas energéticas que a Rússia manteve com a Ucrânia e com a Bielorrússia

apenas afectaram por um breve período o abastecimento energético à UE, porém

afectaram e reputação e a credibilidade da Rússia a longo-prazo. A energia era uma

ferramenta de poder muito mais útil a Moscovo antes desta a ter utilizado, uma vez

que antes de a ter usado apenas se podia especular sobre o que aconteceria se a

usasse. Agora que já foi empregue, deixou de ser uma hipótese académica,

abandonou o domínio do desconhecido, e por conseguinte deixou de ser tão

assustadora.

No entanto, a energia só foi empregue enquanto ferramenta porque a Rússia sentiu

que tinha de tomar uma atitude face à intromissão europeia na sua área de interesses.

Os alargamentos da UE e da NATO aos países da Europa central e oriental, outrora

na esfera de influência de Moscovo, não foram bem recebidos na capital russa. Estes

países procuraram a NATO e a UE porque estas lhe garantiam segurança,

estabilidade e prosperidade ambicionadas.

75 Tradução livre do autor. No original “For example, while Poland imports nearly all its gas from Russia, this accounts for less than 7 percent of total primary energy consumption (which is overwhelmingly dominated by coal). Germany has long had a “special” relationship with Moscow, yet Russian gas comprises less than 10 percent of its primary energy consumption. Russia, on the other hand, is almost entirely dependent (more than 90 percent) on Europe as a destination for its gas exports” (Lo, 2008: 150-151).

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É importante referir que muitos dos países da região, ainda mantêm uma relação de

conflitualidade com a Rússia. E essas relações complicadas que alguns Estados-

membros da UE mantêm com a Rússia afectam o diálogo entre Bruxelas e Moscovo

e atrasam as negociações entre as partes76. O clima de tensão entre as duas partes

atingiu o pico na cimeira UE-Rússia de Maio de 2009 em Khabarovsk, devido às

divergências sobre o novo Acordo de Parceria e Cooperação. Os alargamentos da UE

para Leste tinham tido consequências negativas para a Rússia. As exportações russas

para os novos Estados-membros passaram a ter de cumprir regras mais rigorosas e

severas, o que afectou essencialmente a produção agrícola. Além disso, os

alargamentos também tiveram impacto na circulação dos cidadãos russos. A entrada

no Espaço Schengen, por parte de alguns dos novos membros da UE, dificultou a

mobilidade dos russos que sempre tinham circulado livremente no Leste europeu

(Almeida, 2008: 17-29).

Apenas em Maio de 2008, foram retomadas as negociações relativas ao novo Acordo

de Parceria e Cooperação, depois de meses de bloqueios e objecções por parte dos

novos Estados-membros que mantém relações tensas com Moscovo, devido a

ressentimentos do período soviético. No entanto, em Setembro seguinte a UE decidiu

adiar as negociações até que a Rússia retirasse as suas forças para as regiões

separatistas georgianas, isto é até que a Rússia cumprisse o armistício que tinha

assinado.

76 Em 2005, a Rússia decidiu declarar um embargo à carne polaca por razões de saúde pública, mas a Polónia considerou que o embargo se devia a razões políticas, dado que a Polónia tinha vetado o acordo comercial entre a UE e a Rússia. Apenas dois anos depois é que a Rússia levantou o embargo. Em 2007, a relação entre a Estónia e a Rússia ficou muito tensa devido à deslocalização da estátua do Soldado de bronze de Tallinn para o cemitério militar da cidade. Este monumento aos libertadores de Tallinn era visto pelos estónios como um símbolo da ocupação soviética e pelos russos como um símbolo da luta contra o nazismo. O governo russo reagiu prontamente contra a decisão da Estónia.

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Relativamente à questão energética a relação entre as partes já tem décadas. Em

1991, por proposta da Comissão Europeia, foi negociada e assinada a Carta Europeia

da Energia, pela qual se estabeleciam os princípios que garantiriam a segurança

energética do continente. Contudo, a Carta nunca entrou em vigor, porque não foi

ratificada pela Rússia. Em 2003, no European Security Strategy a UE identificou os

maiores riscos de segurança que o continente europeu enfrenta, onde se inclui o

abastecimento energético. Nesse documento, reconhecia-se que a questão do

abastecimento era um desafio que tinha de ser encarado a uma escala europeia.

Os vários documentos estratégicos da UE não referem qualquer medida concreta

relativamente à Rússia. A estratégia passa primordialmente pela mudança do modelo

energético europeu, pela diminuição do consumo de combustíveis fósseis, pela

diversificação das fontes de abastecimento. A mudança de paradigma do modelo

energético europeu passa pela utilização dos recursos endógenos e renováveis, pela

descentralização da produção, e pela criação de redes eléctricas inteligentes baseadas

na inovação e na sustentabilidade (Comissão Europeia, 2007a).

Entretanto, a Rússia estimulada pela entrada de euros nos cofres e desvinculada da

Carta Europeia da Energia, usufruiu de uma maior margem de manobra para usar a

energia como ferramenta política e para limitar a acção externa da UE nas suas

fronteiras. No mesmo sentido, Moscovo conseguiu evitar a construção de novos

gasodutos em países com os quais mantém relações hostis. Portanto, comprova-se

que existe uma vulnerabilidade da UE na área energética consequência de uma débil

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política energética. E isto permitiu que a energia fosse uma ferramenta ao serviço da

política externa russa o que por conseguinte reforçasse o seu poder geoestratégico.

Ao longo da primeira década do século XXI, as dificuldades das companhias

europeias em conseguirem aceder a novas reservas de gás natural e de petróleo foram

evidentes, nomeadamente porque levaram ao aumento da dependência energética

externa da UE. Contudo, o cenário não é tão catastrófico como alguns autores

tendem a decretar, pois as relações comerciais e económicas criam interdependência,

e esta age no sentido de prevenir a violência e os conflitos entre os actores

internacionais (Schwarz, 2007). É por isso que para a UE, as relações com a Rússia

constituem uma prioridade estratégica77. No domínio da energia, e Rússia constitui o

primeiro fornecedor de gás para a Europa e os Estados-membros da UE são os

principais compradores da energia russa.

Ao longo da década passada, a Rússia procurou fortalecer as relações bilaterais com

os principais Estados-membros da UE, pelo que as Instituições Europeias tiveram de

ser hábeis a salvaguardar o interesse europeu e a impedirem a fragmentação. A

estratégia de envolvimento da Rússia também passou pelo reforço das Parceria de

Leste, e pela relação transatlântica. O objectivo é que Moscovo perceba que não

precisa de confrontar a Europa e que há benefícios se optar pela cooperação

(Almeida, 2008). Alguns meses depois do conflito russo-georgiano, a Rússia

percebeu que necessitava de reforçar a cooperação com a UE como alternativa à

77 A Rússia é para a UE o país mais importante com quem partilha fronteiras. A proximidade territorial traz consigo problemas e oportunidades. Por exemplo, no plano económico, a UE é o maior parceiro comercial da Rússia, e esta encontra-se em quinto lugar na tabela das relações comerciais europeias (Comissão Europeia, 2010a).

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parceria UE-EUA. Por outras palavras, a Rússia sabia que era do seu interesse

estratégico fomentar a relação com a UE. O gelar de relações depois do conflito

expôs os limites do poder russo e as suas vulnerabilidades.

Tal como a UE precisa de energia para consumir, a Rússia precisa de produzir

energia. Assim, é difícil de conceber um cenário no qual a UE deixe de comprar gás

natural à Rússia, ou a Rússia deixe simplesmente de fornecer em definitivo gás

natural à Europa. A interdependência complexa apresenta-se como uma teoria

explicativa deste fenómeno, uma vez que os elos que ligam os dois actores estudados

na dissertação estão amarrados pela interdependência. Contudo, é preciso ressaltar

que ambos os lados desenvolvem estratégias ao nível inter-estatal para diminuir o

grau de dependência relativamente ao outro, pelo que é de depreender que ambos

entendam que o abraço está muito apertado. Contudo, a aposta na diversificação

exige tempo e dinheiro, dado que é preciso construir alternativas, nomeadamente ao

nível do abastecimento de gás natural.

O diálogo energético entre a UE-Rússia é um sucesso nas relações entre Moscovo e

Bruxelas. Em parte, o sucesso pode-se explicar pelo facto dos actores se

complementarem. No entanto, o diálogo não se limita a encontrar as formas mais

eficientes de transportar energia da Rússia para a UE. O diálogo energético afecta

não só os dois actores, mas também as restantes entidades políticas europeias. A

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parceria energética visava aumentar a segurança energética do continente europeu,

através do desenvolvimento de uma ligação entre a UE e a Federação Russa78.

A UE tem procurado estabelecer um mercado energético integrado como uma

condição para garantir a segurança energética no continente europeu. Contudo, esse

desejo não encontra eco na Rússia, nomeadamente porque Moscovo passou uma

década a consolidar o sector e a colocá-lo sobre controlo estatal, de maneira a torná-

lo um instrumento de política externa. Ademais, os russos recordam-se do período

em que a liberalização imperou, e não desejam encetar passos que possam ir nesse

caminho.

A UE e os seus Estados-membros actuam em simultâneo na arena internacional, o

que poderia indicar que a posição europeia estaria mais frágil à mesa de negociações,

porque não existe uma voz comum europeia. Na realidade, a complexidade também

tem as suas vantagens, pois quando um país defende os seus interesses nacionais

externamente, também está a defender os interesses da UE. Por seu turno, a Rússia

não pode focar-se apenas nas relações bilaterais com alguns países europeus e

menosprezar a UE, porque a sua balança comercial indica que o mercado comum

europeu é o principal destino das suas exportações.

A Rússia e a UE são dois actores internacionais com interesses geopolíticos na

mesma região, mas nessa competição também há espaço para o diálogo e para

entendimentos. A Europa não está dividida em duas partes, nem a cortina de ferro se

78 O diálogo energético entre a UE e a Federação Russa tem consequências para os demais actores europeus porque os entendimentos a que as partes chegam afectam todo o continente europeu, e como as demais entidades políticas não são consultadas no desenrolar do processo pode-se depreender que as duas grandes potências criaram um directório para as questões energéticas europeias.

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deslocou para Leste, porém isso não significa que não exista uma competição entre

os dois actores. A Rússia está ainda num mundo vestefaliano, pelo que não vê

vantagens em integrar o mundo pós-vestefaliano europeu. E a UE não está

interessada em desperdiçar as conquistas pós-vestefalianas para voltar ao mundo

vestefaliano em que a Federação Russa permanece. Portanto, a UE e a Rússia estão

numa relação complicada, caracterizada por uma cooperação problemática.

Na Europa existem dois grandes pólos, muito diferentes, que procuram chegar a

entendimentos políticos sobre diversas questões internacionais. Por um lado temos a

UE que procura consolidar o modelo supra-nacional, sem um centro de governação e

onde a noção de soberania está diluída e que atrai países para si. Por outro lado temos

a Rússia com um centro de governação estabelecido em Moscovo, e com o desejo de

consolidar o seu modelo híbrido de regime político e de projecção de poder além

fronteiras.

4.2 A Rússia, a UE e os países de trânsito Ao contrário dos demais países do Leste europeu, a Rússia, a Ucrânia e a

Bielorrússia nunca desenvolveram identidades nacionais distintas. Assim, a

independência destes países relativamente a Moscovo sempre foi precária, pelo que

as ‘revoluções coloridas’ nas antigas repúblicas soviéticas fizeram soar os alarmes do

Kremlin, pois não era do interesse russo aceitar a ocidentalização da região. E este

raciocínio é transversal às demais antigas repúblicas soviéticas, com excepção das

bálticas.

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No final do ano de 2004, assistiu-se à ‘revolução laranja’ na Ucrânia, após a qual o

movimento pro-ocidental ucraniano chegou ao poder. A ‘revolução laranja’ inspirou-

se na ‘revolução rosa’ que forçou o presidente georgiano Eduard Shevardnadze a

resignar em Novembro de 2003. Aliás, o princípio foi idêntico, após umas eleições

consideradas fraudulentas seguiram-se protestos que forçariam os dirigentes políticos

a aceder às reivindicações79.

Perante este novo cenário, o poder político russo tirou duas conclusões. “Em

primeiro lugar, a UE contava mais do que reconhecia a doutrina oficial russa. A

partir de 2004, Moscovo passou a levar a sério o poder da UE e da unidade dos

países europeus” (Almeida, 2008: 21). Para Moscovo, a Ucrânia, é um país muito

mais importante do que os países bálticos, visto que as raízes históricas russas

remontam ao principado de Kiev, pelo que os dirigentes russos entendem que a

Ucrânia e também a Bielorrússia devem pertencer à esfera de influência russa. “Em

segundo lugar, a possibilidade de a Ucrânia reforçar a sua independência em relação

à Rússia, tornando-se um «país europeu ocidental», passou a ser levada muito a sério

em Moscovo” (Almeida, 2008: 21).

Em 2005, a Rússia e a Ucrânia começaram a discutir os novos preços do gás natural.

No entanto, as partes não conseguiram chegar a um entendimento. Assim, no início

de Janeiro de 2006, a Gazprom decidiu diminuir o fornecimento de gás natural à

Ucrânia. Esta decisão teve impacto sobre alguns Estados-membros da UE, e as

79 No caso georgiano, as eleições parlamentares tinham sido consideradas pelos observadores eleitorais internacionais como não livres e não justas (ODIHR, 2003). Na Ucrânia, as eleições presidenciais que decidiam o sucessor do presidente cessante Leonid Kuchma, foram disputadas entre o Primeiro-ministro Yanukovytch e o candidato da oposição Yushchenko. O candidato Yushchenko foi vítima de um misterioso envenenamento durante a campanha eleitoral. Numa renhida segunda volta, Yanukovytch foi declarado vencedor, e os protestos iniciaram-se, chegou a temer-se a fragmentação do país. Em Dezembro, o Supremo Tribunal ordenou a repetição da segunda volta das eleições, que Yushchenko viria a vencer (ODIHR, 2005).

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Instituições Europeias mobilizaram-se. Para os países europeus, o momento era o

menos oportuno, pois um Inverno sem abastecimento russo afectava seriamente a

Europa, e isso foi o suficiente para inquietar os europeus80. A disputa energética,

permitiu aos actores tirarem as seguintes ilações: a UE estava muito dependente da

energia russa, a Rússia estava disposta a servir-se da energia como arma política, e a

questão energética influenciava o equilíbrio de poder na Europa. No entanto, a crise

também provou que a Rússia depende da Ucrânia para abastecer a UE, pois ainda

não existem alternativas que permitam a Moscovo cortar o abastecimento energético

à Ucrânia sem afectar a restante Europa. A localização da Ucrânia com as suas infra-

estruturas do período soviético tornou o país essencial no trânsito de gás da Rússia

para a UE.

Mais de 110 mil milhões de metros cúbicos de gás natural circulam através da Ucrânia até à Europa anualmente. Enquanto isso representa menos de um quarto da produção russa, fornece dois terços dos rendimentos da Gazprom e portanto, representa uma parte importante dos lucros das exportações da Rússia e das receitas do governo. E também representa mais de 20% do gás consumido na UE (Elkind, 2010: 133)81.

O presidente ucraniano Yushchenko, encetou uma aproximação ao Ocidente, com o

objectivo de aderir à UE e à NATO. Estes seus desejos tinham levado o Kremlin a

apoiar o seu oponente. Em 2005, declarou o seu desejo de conduzir as relações com a

Rússia de uma forma diferente, e reiterou a recusa ucraniana em vender os seus

80 Em 2007, a presidência alemã do Conselho Europeu, focou-se nas questões da energia, e essa decisão deveu-se em boa medida à crise energética entre a Ucrânia e a Rússia. 81 Tradução livre do autor. No original “More than 110 billion cubic meters (bcm) of natural gas flows across Ukraine to Europe every year. While it represents less than one-quarter of Russia’s total gas production, it provides roughly two-thirds of Gazprom’s revenue and therefore accounts for a major share of Russia’s export earnings and government revenues. It also represents more than 20 percent of total gas consumption in the European Union” (Elkind, 2010: 133).

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gasodutos à Gazprom (Elkind, 2010). Entretanto, a Rússia respondeu com a ameaça

de revogação dos acordos de gás que mantinha com a Ucrânia. Assim, iniciou-se um

conflito diplomático sobre a matéria. O lado ucraniano acreditou que podia vencer o

jogo diplomático sem colocar em perigo o abastecimento. E o lado russo acreditou

que a existir uma crise a UE culparia a Ucrânia pelo sucedido. No final, provou-se

que ambos os lados estavam enganados. A Rússia cortou o abastecimento, e a UE

culpou a Rússia. Os responsáveis russos argumentaram que apenas tinham cortado o

abastecimento à Ucrânia e que o volume destinado aos demais países continuava a

circular nos gasodutos, mas não adiantou, pois a opinião pública já tinha culpado a

Moscovo pela crise. Em poucos dias o abastecimento foi restabelecido e um novo

acordo assinado entre a Rússia e a Ucrânia.

No início do ano seguinte, foi a vez da Bielorrússia, com a Gazprom a exigir um

aumento dos preços do fornecimento de gás natural. Entretanto, a Transneft cortou o

abastecimento de petróleo ao país, afectando indirectamente a Ucrânia e diversos

países do antigo Bloco de Leste, incluindo a Alemanha. A Bielorrússia acabou por

ceder, cancelando o imposto de trânsito sobre o petróleo (Finn, 2007).

Em Outubro de 2007, a Gazprom voltou a cortar o abastecimento à Ucrânia alegando

pagamentos em atraso82. Contudo, em poucos dias as partes chegaram a um

entendimento e a crise energética foi adiada. Em Janeiro de 2008, a Gazprom

anunciou que iria cortar o abastecimento à Ucrânia caso a dívida que o país tinha à

empresa não fosse liquidada. A crise arrastou-se, e a empresa russa chegou a cortar

parte do abastecimento à Ucrânia, mas evitou alarmar a Europa (Stern, Yafimava, et

al., 2009).

82 A Gazprom já tinha subido os preços à Ucrânia, à Bielorrússia e à Geórgia no ano anterior.

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Durante meses, a Rússia e a Ucrânia não foram capazes de chegar a um

entendimento83. Em Dezembro as negociações tinham fracassado, e a Rússia culpou

o presidente e a primeira-ministra da Ucrânia por serem incapazes de chegar a um

entendimento sobre a matéria. Assim, a 1 de Janeiro de 2009 a Rússia cortou o

fornecimento de gás natural pela Ucrânia, deixando a Europa gelada (Lowe, 2009).

Desta vez, os responsáveis da UE apenas destacaram que as partes tinham de

restaurar o abastecimento e evitar o desastre (Elkind, 2010).

Após três semanas de crise, as duas partes conseguiram chegar a um entendimento.

No dia 19 de Janeiro foram assinados dois acordos, um sobre a compra e venda do

gás e o outro sobre o trânsito do gás (Elkind, 2010). Contudo, estes novos acordos

não podiam deixar a UE descansada, porque não garantiam que no futuro não

surgiria uma nova crise do gás. Apesar disso, é importante realçar que de uma crise

para a outra a reacção europeia mudou, da primeira vez culpou a Rússia, mas em

2009 recusou-se a atribuir responsabilidades a um actor.

Para perceber estas crises do gás, também é preciso ter em linha de conta que a

Rússia praticava preços artificialmente baixos. Ademais, as crises tornaram-se

recorrentes porque não foi estabelecido nenhum acordo de longo-prazo entre as

partes. Na Ucrânia, os preços do gás eram subsidiados pelo dinheiro dos

contribuintes e não havia uma aposta na eficiência energética. Estes dados a juntar à

possibilidade de a Rússia usar a energia como instrumento de poder ajudam a

explicar como a Rússia explorou a vulnerabilidade da Ucrânia.

83 O governo ucraniano da primeira-ministra Tymoshenko recusou-se a aceitar o acordo entre Putin e Yushchenko.

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Para evitar constrangimentos resultantes de eventuais disputas entre Moscovo e Kiev,

a UE procurou estabelecer parcerias na região da Ásia Central e do Cáspio. Assim,

desenvolveram-se alternativas que evitavam a Rússia e o Irão. Uma dessas

alternativas é o oleoduto Baku to Ceyhan (BTC) que pode transportar petróleo do

Mar Cáspio e da Ásia Central de Baku no Azerbaijão, passando pela Geórgia, até

Ceyhan na costa turca do Mediterrâneo84. Contudo, o BTC passa relativamente perto

das regiões separatistas georgianas da Abecásia e da Ossétia do Sul, cujas lideranças

são partidárias de Moscovo. No entanto, este oleoduto com 1768km de extensão

encontra-se em funcionamento desde 2005. O apoio da UE visa aproveitar a posição

estratégica de um dos países candidatos a Estado-membro, a Turquia.

A intervenção unificada da Europa na luta geopolítica que se desenvolve em torno das rotas de escoamento do petróleo e gás do Cáspio e Ásia Central, é importante para diminuir a dependência da Rússia e assegurar rotas alternativas de abastecimento (Silva, 2007: 71).

Ademais, é importante referir a importância crescente das economias emergentes da

China e da Índia que também possuem recursos domésticos escassos. Portanto, estas

economias estão a mudar o panorama internacional e isso tem repercussões na

questão energética, dado que começam a rivalizar com as potências desenvolvidas na

luta por matérias-primas. No entanto, é de relembrar que os Estados deixaram de ser

os únicos protagonistas do sistema internacional, pelo que a ideia de competição só

entre Estados pelo acesso e controlo dos recursos naturais estratégicos, já não faz

muito sentido no mundo contemporâneo. Os Estados deixaram de ser os únicos

protagonistas do sistema internacional.

84 O traçado do oleoduto que liga Baku a Ceyhan (BTC) é claramente motivado por razões geopolíticas, pois passa pelo Azerbaijão, pela Geórgia e pela Turquia, evitando as zonas mais instáveis do Cáucaso, e evitando os congestionados estreitos do Bósforo e do Dardanelos.

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Estão a emergir, a seu lado, outros protagonistas, que em certa medida limitam o seu papel, outrora central, e o seu poder, outrora decisivo: empresas transnacionais, grupos religiosos, comunidade cientifica, movimentos pacifistas e de defesa dos direitos humanos, organizações não governamentais e do ambiente e desenvolvimento, comunicação social, redes terroristas, que contestam os interesses económicos e as práticas políticas instaladas, veiculam novos pontos de vista e marcam a agenda política internacional (Schwarz, 2007: 27).

A interdependência condiciona os actores no acesso às fontes energéticas. Apesar

disso, ainda subsistem batalhas geopolíticas entre os actores internacionais pelos

recursos energéticos. Por esse motivo, os países ocidentais criaram rotas alternativas

aos oleodutos russos que escoam o petróleo da Ásia Central. Mas estas infra-

estruturas, pelos investimentos que requerem fomentam a interdependência entre os

actores internacionais, dado que irão amarrar os produtores e os consumidores

durante muitos anos85.

4.3 Energia no conflito e a nova relação A crise entre a Rússia e a Geórgia que culminou num recurso às armas no Verão de

2008 representa um capítulo importante na compreensão da relação entre a UE e a

Rússia no final da década passada. Desde da fragmentação da URSS que as relações

entre Moscovo e Tbilissi são tensas, nomeadamente por causa das regiões

separatistas da Abecásia e da Ossétia do Sul. Os conflitos secessionistas logo após a

dissolução da URSS levaram a que as duas regiões se tornassem de facto

independentes da Geórgia com o apoio da Rússia86. Durante mais de uma década a

85 “A construção do gasoduto entre a Sibéria e a Europa Ocidental, que dividiu a Europa e os EUA na década de 80, foi um dos grandes acontecimentos na internacionalização do gás natural” (Nunes, 2005: 68-69). 86 Se formalmente, quer a Ossétia do Sul, quer a Abecásia, fazem parte da Geórgia, na prática são independentes, e possuem estruturas políticas próprias, dado que o governo georgiano não consegue exercer a sua soberania sobre os territórios.

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situação esteve latente, com Tbilissi a defender a integridade do seu território, e com

a Ossétia do Sul e a Abecásia a recusarem a soberania georgiana. Como mediador

interessado, a Rússia estabeleceu bases e manteve tropas nos territórios87.

Com a ‘revolução rosa’ a conduzir ao poder Mikheil Saakashvili, a Geórgia adoptou

uma política externa pro-NATO. Como seria de esperar, isso não foi do agrado russo,

que continua a considerar o ‘estrangeiro próximo’ como a sua área de influência

natural.

O Presidente Saakashvili, que assumiu os destinos do país após a «Revolução Rosa» [realiza] discursos inflamados contra uma Rússia descrita como agressora e imperialista, onde o factor energia não é descurável, e o aumento claro de intensidade nas referências à integração plena da Abecásia e da Ossétia do Sul no Estado georgiano, num curto prazo, são reveladores das dificuldades no relacionamento bilateral com Moscovo (Freire, 2008: 49).

A situação agravou-se após a ‘revolução rosa’ porque Tbilissi aproximou-se da UE e

da Aliança Atlântica. Simultaneamente, a tensão entre a Rússia e o Ocidente

começou a crescer até que na Primavera de 2008 atingiu o pico na cimeira de

Bucareste. Na cimeira a NATO discutia a possibilidade de estender as suas

fronteiras, nomeadamente com a adesão da Ucrânia e da Geórgia, o que enfureceu

Moscovo, que nesse mesmo mês, estabeleceu ‘relações oficiais’ com as províncias

separatistas.

A provocação russa resultou numa fuga para a frente com a Geórgia a lançar uma

ofensiva na Ossétia do Sul em Agosto de 2008. Em reacção, o governo russo enviou

tropas para a república separatista para combater as forças georgianas. E os russos

não hesitaram em ‘balcanizar’ a situação, fazendo o paralelismo entre a Geórgia e a

87 A Federação Russa considera que a Geórgia instigava e apoiava os rebeldes chechenos, pelo que se servia das bases para controlar as operações insurrectas no Cáucaso.

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Sérvia. Ao mesmo tempo, os georgianos tentaram comparar a invasão de tropas

russas com o que se passou em Budapeste em 1956, em Praga em 1968 e em Cabul

em 1979.

Este conflito foi um acontecimento marcante na relação entre a Rússia e a UE.

Existem três pontos relevantes a referir: o confronto militar; o plano de cessar-fogo

de Sarkozy; e o Conselho Europeu sobre a crise (Almeida, 2008). A crise da Geórgia

marca uma alteração substancial nas relações entre os dois actores. Durante quatro

semanas os Estados-membros e as Instituições Europeias retiraram as suas ilações

sobre o significado da crise e o impacto dela na evolução das relações entre a UE e a

Rússia. A acção militar russa na Geórgia serviu para passar a mensagem de que

Moscovo ainda tem uma esfera de influência e que tudo fará para a defender. Com a

Geórgia, Medvedev e Putin também tencionavam mostrar que existia um novo

equilíbrio de poder regional. Em oposição à visão kantiana da ordem política

europeia, a Rússia demonstrava que a força militar podia ser um instrumento para

prosseguir e defender os objectivos políticos.

A acção militar na Geórgia, em simultâneo com o arrastar da crise energética com a

Ucrânia durante o ano de 2008, está relacionada com o objectivo de travar a presença

ocidental na área da CEI, avisando as antigas repúblicas de que é a Moscovo que

devem lealdade. A curto-prazo a Rússia marcou pontos, porque enfraqueceu a

Geórgia e matou a ambição desta em aderir à NATO num futuro próximo; reafirmou-

se como a potência dominante no Cáucaso e na Ásia Central; e conteve a influência

que a UE e os EUA pretendiam exercer na CEI (Freire, 2008). Por seu lado, a

Geórgia deitou tudo a perder: o ingresso na NATO; o regresso das províncias

separatistas a soberania georgiana; a hipótese da Geórgia ser uma alternativa à

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Rússia como país de trânsito de gás e petróleo do mar Cáspio; e os potenciais

investidores externos.

A intervenção na Geórgia também mandou um sinal a Kiev, dado que Moscovo não

aceita ser marginalizada pelos líderes ucranianos. Os dois têm estreitas afinidades

culturais e linguísticas, nomeadamente porque existe uma minoria assinalável de

russos na Ucrânia, essencialmente na metade oriental do país. E a Rússia também é a

fonte de petróleo, gás natural e urânio enriquecido da Ucrânia (Rodrigues, 2008).

Do ponto de vista europeu, a reacção é de enaltecer porque agiu de forma activa,

como mediadora, conseguindo encetar conversações com ambas as partes para um

cessar-fogo. No dia 12 de Agosto, o Presidente francês apresentou um plano de paz,

que apelava à cessação das hostilidades militares, à retirada das forças da Geórgia e

da Rússia para as posições anteriores, o acesso da ajuda humanitária, e propunha o

início de discussões diplomáticas para resolver a segurança e o futuro estatuto da

Ossétia do Sul e da Abecásia (Élysée, 2008). Nem todos os pontos acordados foram

cumpridos. Mas o mais importante foi o facto de a UE tem conseguido manter uma

posição de unidade face a Moscovo. O entendimento correcto das questões essenciais

relacionadas com a Rússia e a crise da Geórgia é um ponto que interessa sublinhar na

resposta europeia. As divisões surgiram poucos meses depois do consenso europeu,

quando alguns Estados-membros da UE começaram a defender a normalização de

relações com a Rússia, enquanto outros se opunham até que ela retirasse as tropas da

Geórgia (Waterfield, 2008).

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Conclusão Os dois actores estudados na dissertação são interdependentes, mas a sua relação não

pode ser entendida exclusivamente à luz da teoria da interdependência, pois existem

dinâmicas que escapam a lógica dessa teoria. A análise incidiu primordialmente

sobre estes dois actores, mas também foi necessário abordar temas e referir outros

actores para explicar a relação. Não é possível compreender uma relação entre dois

actores internacionais sem compreender a estrutura internacional e os demais actores

internacionais, uma vez que a Rússia e a UE não existem num mundo despojado de

outros intervenientes. No final é possível referir que a UE é dependente da Rússia e

que a Rússia depende da UE, os dois actores estão envolvidos de um modo tão

profundo que por vezes desenvolvem acções que tendem a construir alternativas à

interdependência. No entanto, ambos reconhecem a importância do outro actor e

compreendem que precisam de dialogar e negociar de forma a obterem as vantagens

que o sistema lhes proporciona.

A UE e a Rússia têm visões diferentes da sua própria relação e do mundo. De acordo

com as concepções teóricas de Keohane e de Nye, isto é, o realismo político e a

interdependência complexa são tipos ideais, pontos extremos opostos e que por isso

mesmo são raros de encontrar no sistema internacional, pode-se afirmar que cada um

dos actores estudados interpreta a realidade partindo de um tipo ideal diferente.

Assim, enquanto a UE interpreta a sua relação com a Rússia numa perspectiva mais

próxima da interdependência complexa, por seu lado a Rússia tem uma percepção

mais próxima do realismo. Neste sentido, considerar que um dos actores está

correcto e o outro errado seria logicamente um erro, mas se entendermos o

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pensamento de Keohane e Nye com uma recta que liga os dois tipos ideias por eles

postulados pode-se procurar identificar o ponto no qual a realidade se situa.

Em consonância com o pensamento exposto de Keohane e de Nye a

interdependência complexa está mais próxima da realidade do que o realismo.

Assim, a interdependência entre os dois actores do sistema internacional levou à

cooperação, com vista a resolverem problemas comuns. Essa cooperação é executada

em áreas técnicas, com avanços importantes, apesar de ténues em especial porque as

noções de soberania da Rússia, baseadas nas premissas do realismo estrutural

ofensivo, impedem um aprofundar do relacionamento que permitiria atingir um nível

de interdependência mais elevado.

Portanto, a opção teórica pela interdependência complexa apresenta-se como mais

útil do que o realismo estrutural ofensivo para explicar a realidade, porém não é

possível ignorar o contributo que a corrente realista fornece ao estudo da matéria. Os

pressupostos realistas desvalorizam a existência de múltiplas arenas na política

internacional nas quais os actores se movem, e isso ajuda a explicar os processos que

envolvem o diálogo energético entre a UE e a Rússia. Mas o realismo ajuda a

explicar a política externa russa porque esta assenta na maximização do poder

relativo. Em contrapartida a teoria da interdependência contempla e valoriza o papel

dos actores internacionais não estatais, pelo que se mostra mais eficaz a explicar a

realidade do que o realismo, pois é perceptível que os Estados não são os únicos

actores relevantes do sistema internacional, dado que as interacções entre ambos os

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actores não são efectuadas, de uma forma exclusiva, pelos governos e/ou pelas

instâncias intergovernamentais.

Todos os dias, representantes dos Estados e burocratas comunicam-se, e negociam

diariamente diversos assuntos, por diversos meios. De igual modo, membros de

organizações não-governamentais, de fundações privadas, de bancos, de empresas

multinacionais interagem sem a intervenção dos governos. E estas interacções têm

efeitos internos e externos para e nos Estados. Estes actores ao procurarem promover

os seus interesses acabam por fortalecer a relação de dependência entre os países.

Desta forma, os governos tornam-se mais sensíveis ao que acontece dentro dos

outros Estados. Assim, o número de questões relevantes na política externa aumenta

e torna-se mais difícil assinalar o que são questões internas e o que são questões

externas. Portanto, como a diferença entre questões domésticas e externas é cada vez

mais difícil de fazer, as agendas dos negócios estrangeiros vão tornando-se cada vez

mais vastas e diversificadas.

Ao encetar a análise da questão energética entre a UE e a Rússia compreende-se que

é necessário ser cauteloso, de modo a não transmitir a ideia de que a

interdependência é uma situação equilibrada de dependência mútua, pois apesar de

os actores estarem interligados, a interdependência afecta-os de uma maneira

diferente. Em interdependência complexa não existe hierarquia entre as questões,

pelo que a segurança militar não domina constantemente a agenda. Embora, esta não

domine constantemente a agenda, é possível perceber que ambos os actores

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estudados na presente dissertação procuram alcançar um certo nível de segurança.

Ao estabelecerem estratégias com base em princípios de segurança, as autoridades

europeias e russas acabam por determinar uma certa ordem hierárquica. Não se

assiste a uma hierarquização rígida das questões, mas ao atribuir-se um lugar de

destaque a matérias de cariz securitário, verifica-se um afastamento do tipo ideal da

interdependência complexa.

No caso de estudo desta dissertação, sem dúvida que o poder militar não tem um

papel central, porém não se tornou inútil, uma vez que a guerra na Geórgia em 2008

também teve raízes na questão energética. A irrelevância do poder militar é uma

característica central da interdependência complexa enquanto no realismo é a sua

predominância que é central. Todavia, a força militar é muito menos relevante e

usada no mundo actual do que o realismo sugere, pelo que a interdependência

complexa se apresenta como um tipo ideal mais convincente para explicar a

realidade. O advento do poder nuclear, com a sua destruição mútua assegurada foi

paradoxalmente uma razão para a diminuição da importância da força militar.

Num mundo realista, as questões militares seriam centrais e o objectivo principal do

Estado seria a segurança. Contudo, num mundo de interdependência complexa, há

uma variedade de objectivos. Ademais, não existindo uma clara hierarquia entre as

questões, os objectivos vão variando conforme a área sendo possível que os mesmos

não estejam relacionados. Assim, manter uma linha consistente é complicado, dado

que os actores transnacionais também vão introduzir novos objectivos e novas

questões na agenda. Nestas circunstâncias, os actores dominantes podem tentar usar

o seu poder económico para afectar os resultados noutras questões. Além disso, os

objectivos dos actores numa determinada área têm implicações políticas transversais.

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A articulação entre áreas sem relação directa é um meio para conseguir concessões

entre os actores.

Deve-se referir que o gás natural e em menor escala o petróleo são o pano de fundo

das políticas energéticas da Rússia e da UE. Neste sentido, pode-se afirmar que os

dois actores compreendem as fragilidades da interdependência. A vulnerabilidade

europeia é um ponto que os próprios documentos da UE referem, porque os Estados-

membros sofrem as consequências, mesmo que adoptem medidas para as colmatar,

caso a Rússia decidisse cortar o abastecimento à Europa de uma forma radical. No

entanto, também se verifica uma vulnerabilidade russa, dado que na eventualidade de

a Europa encontrar rapidamente uma nova fonte de abastecimento e deixar de

precisar de importar combustíveis fósseis da Federação Russa o país sofrerá as

consequências das alterações provocadas pela decisão europeia. Assim, a UE é

fortemente dependente das importações russas e a Rússia fortemente dependente das

exportações para a Europa. Os dois actores internacionais estão envolvidos numa teia

da qual têm dificuldades em sair. Apesar disto, os actores também têm margem de

manobra para, em algumas circunstâncias, actuarem num quadro realista.

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