emprego de verbos e modalização discursiva

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Cadernos FAPA – n. 2 – 2º sem. 2005 – www.fapa.com.br/cadernosfapa 72 EMPREGO DE VERBOS E MODALIZAÇÃO DISCURSIVA Lisiane dos Santos Rocha [email protected] Marina Corrêa Lopes [email protected] Sandra Beatriz Barbieri Hernandez [email protected] Simone Mattos Thomé [email protected] * Resumo Este trabalho mostra que há interesses do enunciador manifestados através de seu discurso, o qual será voltado para a efetivação da comunicação com o receptor e para um maior grau de persuasão. O enunciador planeja o seu discurso com base em objetivos pré estabelecidos e de acordo com a sua ideologia. Alguns dos elementos utilizados pelo enunciador para a construção de seu discurso são os tempos verbais e os verbos modais, que, servindo de estrutura para o texto, indicarão o grau de engajamento do enunciador com relação ao seu enunciado, o grau de certeza e veracidade da assertiva, bem como uma maior o menor capacidade de influenciar e persuadir o receptor. Palavras-chave: Intencionalidade. Modalização discursiva. Tempos verbais. 1 Introdução É questão de conhecimento geral que a interação social entre os homens ocorre através da linguagem, seja ela oral ou escrita. Essa linguagem, manifestada através de uma determinada língua, caracteriza-se, fundamentalmente, pela argumentatividade (KOCH, 1987, p. 17). A argumentatividade, por sua vez, está diretamente relacionada ao desejo de persuasão por parte daquele que se manifesta, através da fala ou da escrita, a fim de atingir aquele que recebe a manifestação. Assim é constituída a interação entre o emissor e o receptor, elementos chave no processo de comunicação. A argumentação e a persuasão são elementos que carregam, mesmo que implicitamente, a intencionalidade do indivíduo envolvido no processo de comunicação, sendo por isso importante destacar que o ato de argumentar representa a orientação planejada de um discurso, no sentido de conduzir a uma determinada conclusão, uma vez que todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia (KOCH, 1987, p. 19). A esse respeito, ainda cabe destacar que o discurso é o veículo que transporta as informações, fazendo a intermediação entre o emissor/escritor e o receptor/leitor, implicando, em sua constituição, o funcionamento ideológico da língua. Segundo Possenti (2002), “[...] a formação ideológica ocorre nas relações sociais, e assim percebemos que, por sua vez, o discurso também é formado na prática social e histórica. Ele afirma que a “[...] significação só pode ser explicada através de * Alunas do curso de graduação em Letras na FAPA, orientadas pela profª. Maria Luci de Mesquita Prestes na disciplina de Língua Portuguesa VII.

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EMPREGO DE VERBOS E MODALIZAÇÃO DISCURSIVA

Lisiane dos Santos Rocha

[email protected] Marina Corrêa Lopes

[email protected] Sandra Beatriz Barbieri Hernandez

[email protected] Simone Mattos Thomé

[email protected]

Resumo Este trabalho mostra que há interesses do enunciador manifestados através de seu discurso, o qual será voltado para a efetivação da comunicação com o receptor e para um maior grau de persuasão. O enunciador planeja o seu discurso com base em objetivos pré estabelecidos e de acordo com a sua ideologia. Alguns dos elementos utilizados pelo enunciador para a construção de seu discurso são os tempos verbais e os verbos modais, que, servindo de estrutura para o texto, indicarão o grau de engajamento do enunciador com relação ao seu enunciado, o grau de certeza e veracidade da assertiva, bem como uma maior o menor capacidade de influenciar e persuadir o receptor. Palavras-chave: Intencionalidade. Modalização discursiva. Tempos verbais.

1 Introdução

É questão de conhecimento geral que a interação social entre os homens ocorre através

da linguagem, seja ela oral ou escrita. Essa linguagem, manifestada através de uma determinada língua, caracteriza-se, fundamentalmente, pela argumentatividade (KOCH, 1987, p. 17).

A argumentatividade, por sua vez, está diretamente relacionada ao desejo de persuasão por parte daquele que se manifesta, através da fala ou da escrita, a fim de atingir aquele que recebe a manifestação. Assim é constituída a interação entre o emissor e o receptor, elementos chave no processo de comunicação.

A argumentação e a persuasão são elementos que carregam, mesmo que implicitamente, a intencionalidade do indivíduo envolvido no processo de comunicação, sendo por isso importante destacar que o ato de argumentar representa a orientação planejada de um discurso, no sentido de conduzir a uma determinada conclusão, uma vez que todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia (KOCH, 1987, p. 19). A esse respeito, ainda cabe destacar que o discurso é o veículo que transporta as informações, fazendo a intermediação entre o emissor/escritor e o receptor/leitor, implicando, em sua constituição, o funcionamento ideológico da língua. Segundo Possenti (2002), “[...] a formação ideológica ocorre nas relações sociais, e assim percebemos que, por sua vez, o discurso também é formado na prática social e histórica. Ele afirma que a “[...] significação só pode ser explicada através de

∗∗∗∗ Alunas do curso de graduação em Letras na FAPA, orientadas pela profª. Maria Luci de Mesquita Prestes na

disciplina de Língua Portuguesa VII.

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uma história, concebida como luta de classes, luta que se dá tanto em torno de bens materiais quanto em torno de bens simbólicos.” (POSSENTI, 2002, p.45).

Ora, sendo a língua um bem simbólico, é natural que seja formada historicamente, e que na sua formação estejam envolvidos os elementos históricos da constituição do povo que a utiliza. Outrossim, é nas relações sociais desse povo que ocorrem as diversas formações ideológicas existentes, permitindo a compreensão de que o discurso é fenômeno que se forma, então, na prática social e histórica.

Alguns dos elementos utilizados pelo enunciador para a construção de seu discurso são os tempos verbais e os verbos modais, que, servindo de estrutura para o texto, indicarão o grau de engajamento do enunciador com relação ao seu enunciado, o grau de certeza e veracidade da assertiva, bem como uma maior o menor capacidade de influenciar e persuadir o receptor. É sobre isso então que pretendemos abordar neste artigo.

2 Intencionalidade e modalização discursiva

De acordo com os tópicos introdutórios apresentados, podemos observar que as

manifestações lingüísticas são iniciativas que se baseiam na intenção de persuadir, na argumentatividade, uma vez que, por trás de todos os discursos, existe sempre uma intencionalidade determinada.

Assim, é possível perceber que discurso e ideologia são elementos que se articulam mutuamente. Segundo Mussalim (2001, p. 125), “[...] uma formação discursiva é governada por uma formação ideológica”. Tal afirmação é passível de fácil confirmação em nosso dia-a-dia, pois é visível o fato de que, em cada enunciação feita, seja ela escrita ou oral, está presente a ideologia daquele que a produz. Os pensamentos, os objetivos e a opinião de uma pessoa sempre serão manifestados de acordo com a sua realidade social e histórica, com a finalidade de persuadir o ouvinte ou o leitor a acreditar nos elementos expostos através de seu discurso. Esse discurso, para ser persuasivo, segundo o ponto de vista do seu autor, certamente transportará suas idéias elaboradas com palavras e formas específicas para que se possa atingir o objetivo esperado.

A modalização discursiva está relacionada diretamente a essa elaboração das idéias, constituindo um processo de seleção de palavras e formas específicas, com vistas ao alcance de um objetivo específico, consistindo na escolha de termos (verbos, advérbios, substantivos, etc.), de tipologia adequada de textos (dissertativo, descritivo, persuasivo, informativo, etc.), bem como no destaque de operadores e de fatores de contextualização, entre outros, sempre com o objetivo claro de melhor influenciar o receptor da mensagem, de forma que o emissor possa fazer-se compreender, afastando ou aproximando o seu enunciado daquilo que se deseja dizer, entre outras coisas.

Como modalização discursiva podemos considerar a ação de proceder à seleção prévia e planejada de elementos específicos a serem utilizados na construção de um texto oral ou escrito, a fim de que o mesmo transmita a ideologia de quem o elabora e, além disso, alcance o objetivo de persuadir o leitor ou ouvinte da referida mensagem.

Esses pressupostos vêm ao encontro do que Koch (1987, p. 138) nos ensina, ao afirmar que

[...] consideram-se modalizadores todos os elementos lingüísticos diretamente ligados ao evento de produção do enunciado e que funcionam como indicadores das intenções, sentimentos e atitudes do locutor com relação ao seu discurso. Estes elementos caracterizam os tipos de atos de fala que deseja desempenhar, revelam maior ou menor grau de engajamento do falante com relação ao conteúdo proposicional veiculado, apontam as conclusões para as quais os diversos

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enunciados podem servir de argumento, selecionam os encadeamentos capazes de continuá-los, dão vida, enfim, aos diversos personagens cujas vozes se fazem ouvir no interior de cada discurso.

O conteúdo proposicional de uma enunciação, seja ela oral ou escrita, é aquilo que

realmente é dito. A modalização discursiva pode ocorrer de várias formas, sendo uma delas através da utilização de expressões modalizadoras.

As expressões modalizadoras constituem um modo de significação, ou melhor, são os modos como o conteúdo proposicional, que é aquilo que se diz, é dito, encaixando-se no universo da representação lingüística. Como exemplos de expressões modalizadoras, temos orações do tipo [Eu ordeno que] você saia daqui; [Eu prometo que] irei a sua festa; [Eu declaro que] Fernando trabalha nesta empresa; [Eu pergunto se] todos me entenderam. Tais orações identificam o tipo de ato que o locutor deseja produzir: ordem, promessa, declaração e pergunta, respectivamente. Dessa forma, as sentenças “Eu ordeno que”, “Eu prometo que”, bem como as demais exemplificadas, assinalam explicitamente a força ilocucionária, a qual é inerente a todo e qualquer ato de fala e que, nessas ocasiões, destaque-se, foram utilizadas para atender a objetivos previamente definidos pelo enunciador.

De acordo com Koch (1987), a língua oferece diversos elementos lingüísticos, através dos quais o enunciador pode manifestar suas intenções e sua atitude diante dos enunciados por ele produzidos, de várias formas. Dentre esses diversos elementos oferecidos pela língua, existem as modalidades discursivas. O maior ou o menor grau de engajamento do enunciador com relação ao conteúdo enunciado pode ser detectado através do seu posicionamento quando da produção de sua enunciação, através de sua situação em torno do eixo do crer ou do eixo do saber.

A sedimentação do enunciado através do eixo do saber revela ao receptor da mensagem o conhecimento, por parte de quem enuncia, sobre o que se diz ou sobre o que se escreve. O eixo do saber revela uma manifestação cujo conteúdo é a verdade: o enunciador sabe. Logo, segundo Prestes (2001):

Quando o produtor do texto sedimenta seu enunciado no eixo do saber – como ele sabe, então é verdade –, situa-o no terreno da necessidade, da certeza, do imperativo, das normas, procurando revelar um saber – seja ele explícito ou implícito – e obrigando o leitor à adesão ao seu discurso, ao reconhecimento desse discurso como sendo verdadeiro. (PRESTES, 2001, p. 22-23, grifo do autor).

A enunciação realizada no eixo do saber apresenta-se com argumentos incontestáveis,

convincentes e seguros, trazendo, não raro, informações procedentes de fontes de autoridades. Essa enunciação será reconhecida através do emprego de elementos lingüísticos como verbos no modo indicativo e expressões como “é certo”, “é óbvio”, “sem dúvida” e “certamente”, entre outras.

Por outro lado, quando o enunciador sedimenta sua mensagem no eixo do crer, esta se apresenta de maneira a propiciar ao receptor a possibilidade de aceitar ou não a informação que é transmitida, de aderir ou não ao discurso que lhe é dirigido, uma vez que o conteúdo enunciado no eixo do crer indica possibilidade, suposição, probabilidade e hipótese, ou seja, situações não confirmadas. Para expor a sua idéia, com aparente abstenção de opinião, o enunciador utiliza recursos lingüísticos, como o emprego de verbos no modo subjuntivo, no futuro do pretérito e no imperfeito do indicativo, além de expressões como “creio”, “acho”, “possivelmente”, “provavelmente” e “talvez”, entre outras.

Para ilustrar o emprego de ambos os eixos apresentados anteriormente, existem inúmeros exemplos. Para exemplificar tais construções, destacamos trechos retirados da seção de opinião de uma revista de educação, pois nessas seções verificamos o posicionamento

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favorável ou contrário (eixo do saber) e relativo ou parcial (eixo do crer) ao questionamento proposto pela revista, qual seja “O uso do computador prejudica as crianças?” Os posicionamentos frente ao referido questionamento são os seguintes:

SIM: O computador exige raciocínio abstrato, matemático, forçando uma atividade intelectual inadequada às crianças. Isso prejudica a fantasia e a criatividade, desenvolvidas no mundo real, pois no micro tudo é bem definido. [...] Não há necessidade de crianças aprenderem a usar o computador; um adulto aprende isso rapidamente. (Valdemar Setzer, professor aposentado do Departamento de Ciência da Computação da USP/SP); NÃO: O uso constante da tecnologia faz parte do mundo contemporâneo e não podemos deixar as crianças fora disso. De forma dosada, o computador é uma ferramenta que ajuda a garotada a entender as múltiplas possibilidades de comunicação, interação e lazer. [...] O mundo funciona de forma dinâmica e a tecnologia auxilia a criança a criar um pensamento que responda a esse meio. (Nelson Pretto, diretor da Faculdade de Educação da UFBA/BA); TALVEZ: Depende de como é utilizado. O micro ajuda a desenvolver o raciocínio da criança se as atividades propostas derem a ela a chance de criar, levantar hipóteses e argumentar. Para isso, o professor pode usar estratégias [...] Se a atividade ou o programa derem tudo pronto à criança, ela se tornará um elemento passivo e não irá construir nenhum conhecimento ou desenvolver a criatividade. (Estela Kaufman, diretora da Sociedade Brasileira de Educação Matemática - RJ). (Escola, Março/2005, Seção Mural, p. 14).

Nos referidos textos, percebemos que os dois primeiros foram construídos com base

no eixo do saber, uma vez que o autor impõe certeza em sua opinião. As afirmações e negações são taxativas, consolidando tal raciocínio. Já o último texto apresenta possibilidades. A autora utiliza expressões como “depende”, “pode” e “se”, indicando a incerteza, a probabilidade e a hipótese. Nesse caso, não há a imposição da opinião da autora, mas sim um posicionamento de sugestão, o qual configura-se apoiado predominantemente no eixo do crer.

3 Emprego dos tempos verbais

Koch (1987), fundamentando-se em Weinrich, nos informa que os tempos verbais são divididos em dois grupos: o primeiro refere-se aos verbos do modo indicativo a saber, o presente, o pretérito composto, o futuro do presente simples e composto e também as locuções verbais construídas com esses tempos. O segundo grupo refere-se aos verbos conjugados no pretérito perfeito simples, no pretérito imperfeito, no pretérito mais-que-perfeito, no futuro do pretérito e às locuções verbais estruturadas com esses tempos. A autora ressalta que esses grupos pertencem ao modo indicativo, pois o subjuntivo, o imperativo, o infinitivo, o gerúndio e o particípio são considerados semitempos.

As situações comunicativas também se segmentam, predominantemente, em dois grupos temporais, distinguindo-se entre o mundo comentado (um texto de opinião, por exemplo), e o mundo narrado (relato de um filme, por exemplo). É através dos tempos verbais empregados pelo falante que o ouvinte terá condições de identificar essas situações comunicativas, como um comentário ou um relato. O locutor vale-se dos componentes da linguagem pertencentes aos tempos do mundo comentado, ou seja, os tempos verbais pertencentes ao primeiro grupo; ou aos do mundo relatado, que são os tempos verbais integrantes do segundo grupo, para assegurar a sua autêntica intenção ao comunicar-se. Torna-se relevante destacar que o uso dessas formas verbais no discurso não manifesta a intenção de marcar o tempo cronológico, mas sim de assinalar a circunstância comunicativa, como comentário ou como relato. Com relação a essa divisão dos tempos do mundo comentado e do mundo narrado, Koch (1987) afirma:

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O emprego dos tempos “comentadores” (grupo I) constitui um sinal de alerta para advertir o ouvinte de que se trata de algo que o afeta diretamente e de que o discurso exige a sua resposta (verbal ou não verbal); é esta a sua função, e não a de mencionar um momento no Tempo. [...] Sempre que o locutor emprega os tempos do grupo II, assume o papel de narrador, convidando o destinatário a converter-se em simples ouvinte, com que toda a situação comunicativa se desloca para outro plano, isto é, a outro plano de consciência, situado além da temporalidade do mundo comentado, que deixa de ter validez enquanto durar o relato. (KOCH, 1987, p. 38, grifo do autor).

A autora comprova que a forma verbal nem sempre tem a ver com o tempo,

cronológico citando como exemplo a gramática de M. Grevisse, “Le Bon Usage”, que apresenta a forma verbal presente com as seguintes características: “primeiro designa o tempo presente; depois, que designa um hábito; a seguir, que exprime ações atemporais; e, finalmente, que pode expressar coisas passadas e futuras” (GREVISSE, apud KOCH, 1987, p. 39).

Ao narrar algo acontecido, normalmente no tempo pretérito perfeito simples ou pretérito imperfeito, o presente será utilizado, porque resumir o ocorrido serve de suporte para a postura comentadora. As matérias jornalísticas são exemplos disso, pois geralmente apresentam, nos títulos, o verbo no presente, prendendo a atenção do leitor à notícia, para posteriormente tecer comentários. Segundo Koch (1987), “é por isso que, em descrições incorporadas a um relato, tem-se o verbo no imperfeito, ao passo que, em trechos descritivos dentro do comentário, o verbo apresenta-se no presente”. Para comprovar tais afirmações, reproduziremos um fragmento da notícia publicada no jornal Correio do Povo.

Somente o alívio pela classificação à fase semifinal do Gauchão amenizou as análises negativas da direção e comissão técnica sobre a derrota do Grêmio para o Caxias. [...] As críticas no vestiário foram em dois sentidos. Enquanto Hugo De León afirma que as orientações não foram cumpridas pelos atletas na etapa final, Paulo Odone critica a apatia do grupo no jogo. [...] O presidente do clube, por outro lado, lamentou o ar de conformismo que se abateu sobre a equipe quando o placar era de desvantagem. (Presidente critica a apatia. Correio do Povo, 14 mar. 2005, p. 23).

Como se pode perceber, no título da notícia, “Presidente critica a apatia”, apresenta-se

a forma verbal no presente do modo indicativo, assim como os verbos “afirmar” e “criticar”, que aparecem posteriormente na matéria são verbos pertencentes ao primeiro grupo (estão expostos no presente do indicativo). Tais verbos fazem parte do mundo comentado, portanto há um certo comprometimento do elaborador da matéria com o leitor. O jornalista está empenhado em chamar a atenção do leitor para a notícia a ser divulgada.

Os verbos “amenizar”, “ser”, “lamentar” e “abater”, que se encontram o pretérito perfeito simples do modo indicativo, são pertencentes ao segundo grupo, ou seja, pertencem ao mundo narrado. Essa forma verbal permite ao enunciador do discurso um “abrandamento”, porque, no relato, há um certo distanciamento com o ocorrido.

Em relação às metáforas temporais, observamos a explicação de Gouvêa, fundamentada em Weinrich, que afirma

[...] a função dos tempos verbais não é a de determinar um momento no Tempo. O lingüista só reconhece algo relacionado com o Tempo no conceito de perspectiva comunicativa. Enquanto o presente constitui o tempo zero do mundo comentado, e os pretéritos perfeito e imperfeito, os tempos zero do relato, os demais tempos, dos dois grupos, constituem as perspectivas retrospectiva e prospectiva em relação ao zero. (GOUVÊA, p. 1).

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Quando no discurso ocorrer o uso de tempos verbais pertencentes ao argumento do

mundo comentado no mundo narrado (ou vice-versa), tem-se, segundo Weinrich (WEINRICH, apud KOCH, 1987, p. 41), uma metáfora temporal. Quando isso ocorre, tem-se momentos narrativos dentro do comentário ou instantes de ponderações dentro do mundo narrado.

4 Verbos modais

Os verbos auxiliares modais “poder”, “saber”, “querer” e “dever” têm carga semântica expressiva, pois auxiliam na interpretação das relações de poder entre o locutor e o destinatário.

Segundo Koch (1987), o verbo “poder” é um dos modais que, em língua portuguesa, apresenta maior número de matizes de significado, quer do ponto de vista puramente semântico, quer sob o ângulo de sua força ilocucionária.

A autora informa que as gramáticas tradicionais do português apresentam os verbos “poder”, “dever” e “parecer” como verbos auxiliares – auxiliares modais. Porém, esses verbos, conforme o sentido com que são empregados, nem sempre satisfazem os critérios de auxiliaridade que têm sido apontados pelos autores. Além disso, com relação ao verbo “poder”, surgem alguns problemas específicos:

a) pode ser empregado como verbo principal; b) pode ser negado independentemente sendo possível, podendo ser separá-lo do

infinitivo que o segue pelo advérbio de negação, ocorrendo mudança de sentido; c) nem sempre o verbo “poder” admite passiva, de modo que o critério da

apassivação não pode ser aplicado em todos os casos. Portanto, o comportamento sintático do verbo “poder”, em português, parece não

permitir sua inclusão entre os auxiliares. Ao analisar-se o verbo “poder” quanto ao nível semântico, percebe-se que ele pode exprimir diferentes modalidades:

a) permissão: “Você pode ir à praia de tarde.” b) possibilidade: “Pode chover hoje.” c) capacidade (física, moral ou legal) ou habilidade: “João pode caminhar muitos

quilômetros sem se cansar.” Em certos enunciados poderá ocorrer ambigüidade entre essas modalidades. Como

exemplo, temos a seguinte sentença: “A menina pode comprar o bolo.” Podemos inferir que ela pode comprar o bolo porque possui dinheiro suficiente para isso, ou então, que pode comprar porque a mãe permitiu que ela o fizesse, ou ainda, é possível que ela compre o bolo porque sabe que terá visitas hoje.

Passando-se para o campo da força ilocucionária, de acordo com Koch (1987), é possível haver uma especialização pragmática do verbo “poder”, em contextos com sujeitos em 1ª ou 2ª pessoas, de modo que os enunciados que o contêm passam a apresentar uma nova gama de significados possíveis, conforme o tipo de ato de fala que se queira realizar, entre eles:

a) oferecimento: “Posso ajudá-lo?” b) pedido de permissão: “Posso ir com você?” c) ordem: “Pode sair da sala!” d) comando: “Podem trazer o acusado.” e) permissão + desafio: “Podem me revistar!” f) pergunta + pedido: “Você pode estar aqui às 5 horas?” g) solicitação: “Você pode me ajudar?”

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h) instrução: “Pode virar mais um pouco à direita.” i) recomendação/ ordem: “Pode desistir; não adianta insistir mais.” j) sugestão (+ impaciência): “Você não pode pedir o carro emprestado?” k) ironia / censura: “Você não pode deixar de mexer nas minhas coisas?” l) conselho: “Você não pode continuar bebendo dessa maneira.” m) aviso (+ concessão): “Pode gritar à vontade que não vai adiantar nada.”

Os diferentes enunciados possuem a capacidade de demonstrar um maior ou menor grau de polidez, dependendo da situação e da distância social entre locutor e destinatário. Por exemplo:

a) “Você podia me ajudar?” (+ informal); b) “Você poderia me ajudar?” (+ formal); c) “Você bem que podia me ajudar!” (forma enfática - nível mais baixo de

polidez). Pelo exposto, percebemos a importância de saber como funciona a língua na

comunicação, pois enunciados com estruturas e elementos lexicais idênticos podem significar coisas totalmente diferentes, dependendo do contexto, da situação comunicativa, da intenção do falante, da interação entre os interlocutores, entre outras coisas. É a intersubjetividade que se cria numa determinada situação de fala que vai determinar os rumos do discurso e os significados que nele emergem. 6 Conclusão

Ao analisarmos os conteúdos teóricos sobre argumentação e linguagem propostos por Ingedore Koch, subsídio que serviu de base para a elaboração deste artigo, confirmamos que a eficiência do discurso consiste no planejamento e na escolha de termos adequados para promover a comunicação efetiva entre os interlocutores e, dessa forma, obter êxito na atitude de persuadir o receptor.

A ideologia e a intencionalidade do emissor são fatores inerentes à produção do discurso. Nessa produção, o enunciador busca recursos para atingir seus objetivos, como a escolha de verbos e de modalizadores discursivos, para enfatizar as informações que considera relevantes e, assim, atingir o receptor da mensagem, impondo sua opinião e seu posicionamento enquanto enunciador/emissor.

A modalização discursiva indica o grau de engajamento do enunciador com o seu discurso, ou seja, se o falante assume ou não o enunciado produzido. A atitude do enunciador é traduzida por seu discurso e, para isso, ele lança mão de recursos como a escolha de tempos verbais e de verbos modais, conforme já citado.

O estudo, a análise e a reflexão realizados para a elaboração do presente artigo foram de grande relevância para nós, futuras professoras de línguas e literaturas, no sentido de promover nosso desenvolvimento pessoal e profissional para uma melhor estruturação de nosso discurso e para uma compreensão mais apurada da realidade comunicativa. USE OF VERBS AND SPEECH MODALIZATION Abstract This paper shows that the speaker’s interests are expressed through a previously planned speech. The main objective is to provide an effective communication and to persuade the receptor. In order to plan the speech, the speaker considers pre-stabilished objectives and its own ideology. Some of the elements used by the speaker to build the speech are the

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appropriate verbal tenses and the modal verbs, that support the speaker’s opinion and deal with the capacity of persuade the receptor, among other things. Keywords: Intencionality. Speech modalization. Verbal tenses. Referências GOUVÊA, Lúcia Helena Martins. Função dos tempos verbais. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno14-09.html>. Acesso em: 14 mar. 2005. HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1987. ________. O verbo poder numa gramática comunicativa do português. Cadernos PUC: Arte e Linguagem. n. 8: São Paulo: Cortez, 1981. MUSSALIM, Fernanda. Análise do Discurso. In: MUSSALIN, Fernanda; Bentes, Ana Christina (Org.). Introdução à Lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. v. 2. O USO do computador prejudica as crianças? Escola, São Paulo, n.180, p. 14, mar. 2005. POSSENTI, Sírio. A linguagem politicamente correta e a análise do discurso. In: _______. Os limites do discurso: ensaios sobre discurso e sujeito. Curitiba: Criar, 2002. PRESIDENTE critica a apatia. Correio do Povo, Porto Alegre, 14 mar. 2005. PRESTES, Maria Luci de Mesquita. Leitura e (re)escritura de textos: subsídios teóricos e práticos para o seu ensino. 4. ed. Catanduva: Rêspel, 2001.