empreendedorismo na educaÇÃo: reflexÕes sobre … · empreendedora – o ensino do...

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ANTONIO SANTOS DA LUZ EMPREENDEDORISMO NA EDUCAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL DO MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA COM A PEDAGOGIA EMPREENDEDORA CASCAVEL- PARANÁ

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ANTONIO SANTOS DA LUZ

EMPREENDEDORISMO NA EDUCAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL

DO MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA COM A PEDAGOGIA EMPREENDEDORA

CASCAVEL- PARANÁ

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OUTUBRO DE 2007

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ - UNIOESTE

EMPREENDEDORISMO NA EDUCAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL

DO MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA COM A PEDAGOGIA EMPREENDEDORA

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Antonio Santos da Luz

Monografia apresentada como requisito obrigatório para obtenção do

título de Especialista em História da Educação Brasileira na

Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste.

Orientadora: Prof. Dra. Geórgia Sobreira dos Santos Cêa

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Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem sob

circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se

defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.

Karl Marx, O 18 Brumário de Luís Bonaparte

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SUMÁRIO

Dedicatória 6

Agradecimentos 7

Introdução 8

Origens liberais da ideia do empreendedorismo 9

Pedagogia Empreendedora: principais ideias e fundamentos 10

Sonho Estruturante e Sonho Periférico 11

O sonho da história da humanidade 12

A metodologia da Pedagogia Empreendedora 13

A Pedagogia Empreendedora na Prática: a experiência de Guarapuava 16

A visão dos professores dos CMEIs sobre a proposta .20

A Pedagogia Empreendedora na visão dos alunos 24

Como e com o que sonham as crianças de Guarapuava? 26

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A Pedagogia Empreendedora, hoje, em Guarapuava 27

A Pedagogia Empreendedora no Oeste 27

Considerações finais 29

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DEDICATÓRIA

Para Maria Rosaria Rodrigues, mãe, (in memorian) mulher que,

mesmo não conhecendo o mundo das letras, me ensinou coisas que

não se aprendem nos bancos escolares e que deu a cada filho o

carinho e atenção que só uma mãe tem a capacidade de dividir com

todos seus filhos;

Para José Santos da Luz, pai, ex-posseiro, ex-lenhador, ex-pequeno

agricultor que, embora apenas garatuje o próprio nome, tem a clareza

da importância do estudo para os filhos;

Aos meus irmãos que optaram por caminhos que não são os mesmos

meus, mas que fazem parte do mesmo universo e se encontram em

todos os instantes.

Aos filhos, Maurício e Juliano, minhas obras mais perfeitas. Seres

iluminados que trazem dentro de si um coração cheio de amor e que

já trilham seus próprios caminhos.

Para Margaret, minha companheira de lutas, mulher muito especial.

AGRADECIMENTOS

Compartilho da ideia de que tudo o que produzimos não é uma

produção isolada. Ela é uma produção coletiva que nasce das

experiências e saberes acumulados ao longo da história da

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humanidade. Assim, agradeço a todos que, de uma forma ou outra,

contribuíram para a conclusão deste trabalho.

Introdução

Estudar e discutir os diversos aspectos da educação brasileira nos últimos anos tem sido uma tarefa cada

vez mais frequente e imprescindível entre os educadores. Isto permitiu que as mais diversas teorias e

ensaios sobre a educação fossem produzidos ao longo destes anos.

Esta monografia tem como objetivo iniciar uma discussão sobre uma das inúmeras propostas que surgiram

na última década do século 20 no Brasil: A Pedagogia Empreendedora – O Ensino do Empreendedorismo

na Educação, voltado para o Desenvolvimento Social Sustentável – do administrador Fernando Dolabela.

A ideia de aprofundar este tema surgiu no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Estado,

Sociedade e Educação – GP-Tese –, coordenado pela professora-doutora Geórgia Sobreira Cêa, do

Centro de Educação, Comunicação e Artes (Ceca), Colegiado de Pedagogia da Universidade Estadual do

Oeste do Paraná (Unioeste), onde são discutidos diversos aspectos ligados ao mundo do ensino e do

trabalho.

O destaque para o tema do empreendedorismo se deve, fundamentalmente, à importância que ele vem

ocupando na fundamentação de várias políticas em curso, voltadas para a formação dos diferentes sujeitos

sociais.

A pretensão aqui não é dar o assunto como encerrado. Antes, pelo contrário, é trazer ao universo da

pesquisa apenas o embrião para novas e mais ampliadas discussões e reflexões.

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A proposta é iniciar com uma breve identificação das origens clássicas da noção de empreendedorismo

para, a seguir, apresentar, de forma crítica, alguns dos principais pressupostos do empreendedorismo

aplicado à educação, a partir de uma das principais obras divulgadas no campo educacional sobre o

assunto. Ao final, são indicadas algumas perspectivas históricas fundantes da noção da “Pedagogia

Empreendedora”.

Origens liberais da ideia do empreendedorismo

A análise de textos e materiais sobre o empreendedorismo indica que a matriz teórica dessa ideia é o

pensamento liberal clássico. Por exemplo, em Adam Smith encontramos a valorização do homem frugal e

industrioso; em John Locke localizamos a aposta no interesse individual como a origem do bem comum.

Aprimorando tais elaborações, outros autores vão colaborar com a ideia do empreendedorismo. Walras

propõe a compreensão do sistema econômico a partir das ações individuais. Schumpeter desenvolve a

ideia de que as inovações que dão movimento ao capitalismo (processo de destruição criativa) resultam

das iniciativas dos agentes econômicos (CARNEIRO, 1997). Mais recentemente, atualizando as correntes

clássica e neoclássica, autores como Hayeck e Friedmann vão reafirmar o individualismo como a mola

propulsora do desenvolvimento e ratificar o pressuposto de que os interesses do capital e do trabalho se

identificam e seus antagonismos inexistem.

A apropriação desses princípios liberais é condição para a elaboração dos autores que vão se dedicar

detidamente ao tema do empreendedorismo. Para Drucker, os negócios constroem o futuro, dando a ideia

de que a forma social capitalista é natural e, portanto, eterna.

O empreendedor, para Filion, é aquele capaz de concretizar seus sonhos, como se a realidade fosse uma

projeção da mente (SEBRAE, 2005). Herdeiros da tradição idealista, tais autores se tornaram as principais

referências para a articulação entre o empreendedorismo e a educação.

No Brasil, o tema vem ganhando cada vez mais espaço e adesão, chegando a fundamentar projetos

pedagógicos de diversas escolas, por orientação das próprias secretarias de Educação. Na literatura

educacional se multiplicam as publicações voltadas para a disseminação de uma suposta superioridade do

empreendedorismo na educação frente a outras proposições pedagógicas.

A partir da análise de uma dessas obras, serão apresentadas as principais ideias dessa “nova” forma de

articulação entre economia e educação, proposta pelos ideólogos do capital, sob o nome de “Pedagogia

Empreendedora”.

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Pedagogia Empreendedora: principais ideias e fundamentos

Como já foi dito, as reflexões aqui apresentadas têm por base as ideias expostas no livro “Pedagogia

Empreendedora – O Ensino do Empreendedorismo na Educação Básica, voltado para o Desenvolvimento

Sustentável”, escrito por Fernando Dolabela, um dos autores mais referenciados no Brasil sobre o assunto.

Com a obra, o autor pretende levar para o ensino básico uma proposta que se diz inovadora e capaz de

“semear o empreendedorismo, o espírito de aprender a empreender, de tomar o destino nas próprias

mãos”, conforme sintetiza Gilberto Dimenstein no prefácio (DOLABELA, 2003, p. 13).

Empreender, na proposta apresentada no livro, é o mesmo que “modificar a realidade para dela obter a

autorrealização e oferecer valores positivos para a coletividade. Significa engendrar formas de gerar e

distribuir riquezas materiais e imateriais por meio de ideias, conhecimentos, teorias, artes, filosofia”

(DOLABELA, 2003, p. 29). Dessa forma, reedita-se a ideia liberal de que os impulsos egoístas concorrem

para o bem comum.

Num primeiro momento a proposta se apresenta com um tom sedutor, de encantamento. Encantar, aliás, é

a tônica da proposta da Pedagogia Empreendedora. A partir da afirmação que qualquer ser humano pode

ser um empreendedor, o autor sustenta o pressuposto de que o sonho precede o real, o ideal concretiza o

material.

Dessa forma, a proposição articula-se à visão idealista de mundo ao reafirmar o pensamento de que basta

ter um sonho e disposição para realizá-lo que ele se tornará realidade, o que sugere uma simplória e vulgar

apreensão do pensamento hegeliano.

O autor procura seduzir o educador para sua proposta jogando para o mesmo o desafio da autorrealização.

Mas a proposição da “Pedagogia Empreendedora” não se limita a adesões de educadores individualmente.

Várias secretarias municipais de Educação, localizadas em diferentes estados (Minas Gerais, Paraná, Rio

Grande do Sul e São Paulo), serviram de espaço para a experiência-piloto da proposta da Pedagogia

Empreendedora.

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No Paraná, o laboratório mais avançado da Pedagogia Empreendedora foi o município de Guarapuava,

onde o ex-prefeito Vitor Hugo Burko (então no PSDB e hoje – 2007 – no PSB) decidiu implantar o projeto,

alcançando 18,5 mil alunos da rede pública municipal, distribuídos em 661 turmas e atendidos por mil

professores. Com este programa o então prefeito conquistou o Prêmio Mário Covas, criado para

homenagear prefeitos empreendedores1.

A proposta de “Pedagogia Empreendedora”, através da “Teoria Empreendedora dos Sonhos”2

desenvolvida por Dolabela, parte do princípio de que o empreendedor é aquele capaz de gerar novos

conhecimentos por meio de “saberes” sintetizados em quatro pilares da educação de Jacques Dellor:

aprender a saber, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser (DOLABELA, 2003, p. 26).

Sendo assim, tal proposta se coaduna com o movimento em curso de esvaziamento do sentido científico-

tecnológico da escolarização e de individualização da condição social dos sujeitos, representado por

propostas sustentadas no pragmatismo.

O individualismo é também a tônica da “Teoria Empreendedora dos Sonhos” apresentada pelo autor. Esta

teoria, em síntese, sugere que basta que tenhamos um sonho, não interessa qual seja, para que possamos

realizá-lo. É a premissa idealista de que as coisas acontecem primeiro no mundo das ideias e não no das

necessidades materiais.

Assim, os chineses ao misturarem o enxofre, o nitrato de potássio e o carvão, para inventarem a pólvora,

não teriam partido de uma necessidade imediata de encontrar ferramentas para se defenderem dos

inimigos. Ou então, Alberto Santos Dumont, ao realizar diversas experiências até inventar o primeiro avião,

não teria partido de uma necessidade de inventar um meio mais rápido de locomoção e transporte. Pela

lógica da “Teoria Empreendedora dos Sonhos”, Santos Dumont, teria criado sua invenção apenas porque

tinha o sonho de voar como os pássaros.

O autor com a “Teoria Empreendedora dos Sonhos” divide o sonho em duas partes: Sonho Estruturante e

Sonho Periférico.

Sonho Estruturante e Sonho Periférico

1 NA - O prêmio do Sebrae é entregue uma vez por ano. Ele tem caráter nacional e os homenageados são prefeitos que desenvolvem ações consideradas inovadoras para o desenvolvimento de suas comunidades. 2 NA - Podemos afirmar que, quando o auto se refere a “sonho” no contexto da Pedagogia Empreendedora, todos os indicativos levam a crer que ele está se referindo ao projeto de vida do indivíduo.

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O Sonho Estruturante é apresentado como aquele capaz de gerar energia suficiente para conduzir o sujeito

a autorrealização, independentemente da sua condição social. Ele é capaz de fundamentar um projeto de

vida. É aquele sonho que o indivíduo faz de tudo para realizá-lo, custe o que custar. Aqui o sonho é

entendido como “um atributo da natureza humana”, que passa a assumir um “caráter estruturante quando

contém energia para impulsionar o indivíduo a realizá-lo” (DOLABELA, 2003, p. 39).

Já o sonho periférico, segundo a proposta da Pedagogia Empreendedora, é visto como aquele que não é

capaz de fundamentar um projeto de vida ou de gerar a autorrealização. O autor entende como periféricos

todos os sonhos que incluem “desejos, fantasias, vontades, caprichos, aspirações de outra dimensão que

compõem o mundo humano do para-real (não-ação)” e que, embora cumpram um papel essencial nas

relações do sujeito consigo mesmo e com o outro, se limitam ao campo da psique, não desempenhando

grande papel no campo da vida material.

O que se destaca nas reflexões do autor acerca do sonho é a compreensão de que a ideia cria a realidade,

de forma que o sonho deve ser o elemento estruturador da vida material e esta será mera reprodução do

que foi inicialmente projetado.

A mesma abstração invade também o universo do conhecimento. Isto porque, segundo o autor, as

atividades do empreendedor não se restringem à interação técnica do sujeito com seu objeto de trabalho,

por meio de conteúdos científicos ou técnicos.

Em tal interação deve prevalecer o “saber útil”, identificado como aquele que diz respeito “à capacidade de

representar a realidade de forma diferenciada e ao grau de congruência entre seu próprio eu e a realidade

individualmente construída” (DOLABELA, 2003, p. 28).

Uma vez diminuída a importância do saber cientificamente fundamentado, o “autoaprendizado” ganha

ênfase como instrumento da Pedagogia Empreendedora. Dessa forma, altera-se também a importância do

papel do professor, o qual deve, por meio de sua ação, “ampliar as referências e fontes de aprendizado e

redefinir o próprio conceito de saber” (DOLABELA, 2003, p. 103).

Entretanto, essa importância conferida ao professor é relativa, visto que supõe-se a desqualificação do

trabalho dos profissionais da educação, uma vez que o autor argumenta que, para a implantação da

metodologia própria da Pedagogia Empreendedora, não é necessária a contratação de especialistas para

sua aplicação no sistema regular de ensino. “Pelo contrário: [a Pedagogia Empreendedora] é disseminada

por meio da preparação de docentes que já participam da rede formal implantada”.

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Dolabela não diz de onde vem esse saber e nem que saber é esse. A impressão que fica é que basta um

cursinho Walita3 e pronto: qualquer professor estará capacitado para aplicar a metodologia da Pedagogia

Empreendedora, de forte viés empirista, uma vez que sugere que a fonte do conhecimento é a própria

relação que o indivíduo estabelece com o mundo, com os outros, com os fatos e com as coisas.

Imaginemos que relação de aprendizagem terá este “educador” com seus alunos e que grau de

aprendizado se pode chegar quando se concebe o conhecimento como um resultado dos sonhos e ações

dos indivíduos.

O fundamento desse conceito a-histórico de conhecimento é o questionamento da razão como orientadora

das práticas e relações sociais, questionamento este típico do movimento pós-moderno.

Por esse caráter atomizado e individual, o espírito empreendedor é apresentado como um potencial de

qualquer ser humano. Entretanto, são apresentadas algumas condições do ambiente social, consideradas

indispensáveis para esse potencial (capital social) se materializar e produzir efeitos. Sem a “rede” formada

pela democracia, cooperação e estrutura de poder (considerados os “aminoácidos” que podem permitir a

ebulição do potencial do indivíduo), restaria “pouco espaço para o afloramento do espírito empreendedor,

que é um dos componentes do capital humano” (DOLABELA, 2003, p. 24-25). Ser empreendedor, nestes

termos, passa a ser um componente da própria natureza humana.

O sonho da história da humanidade

O sonho, ferramenta com a qual Dolabela pretende centralizar toda a sua teoria, tem sido objeto de estudos pela humanidade ao longo dos anos. Em cada cultura ele pode ter significados e conceitos diferenciados. A ciência conceitua o sonho como “processo intenso que corresponde aos estados paradoxais do sono, isto é, àqueles momentos durante os quais os registros eletroencefalográficos se aproximam dos que se caracterizam o estado de vigília. Geralmente é a parte lembrada da sucessão de imagens ou ideias fantásticas e associações, apresentadas de maneira provavelmente contínua à mente durante o sono. (Enciclopédia Mirador).

Para a psicanálise, a partir de Freud4, os sonhos são expressões disfarçadas de processos psíquicos inconscientes, profundos e extremamente significativos; revelações diretas, mas veladas, de desejos insatisfeitos. Acrescenta que, se os nossos conflitos não encontram solução, encerram-se no subconsciente e convertem-se em complexos. Uma censura, o superego, impede que regressem à consciência. No entanto, podem se manifestar em forma de sonhos, neuroses, etc.

3 NA – refiro-me aos cursos rápidos de culinária oferecidos às donas de casa pela empresa Walita, onde em poucas horas elas aprendiam como fazer receitas deliciosas utilizando os eletrodomésticos Walita. 4 Sigmund Freud (1856-1939) deu caráter científico ao sonho com a publicação, em 1900, do livro “Interpretação dos Sonhos”.

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Existem outras correntes, que veem o sonho de modo diverso. Alguns neurocientistas, de modo geral, afirmam que o sonho é apenas uma espécie de tráfego de informação sem sentido que tem por função manter o cérebro em ordem.

Essa teoria só não explica como esses enredos supostamente desconexos são responsáveis por grandes insights, como em Thomas Edison, por exemplo. Edison, que estava a desenvolver o fonógrafo e dormia muito pouco, certa vez sonhou com a manivela, finalizando o seu projeto em 1877. Francis Crick, um dos cientistas que descubriu a forma em dupla hélice da molécula de DNA, sonhou com duas cobras entrelaçadas na noite anterior à grande descoberta. O beatle Paul McCartney sonhou com uma melodia, acordou, foi para o piano e compôs “Yesterday”, um dos maiores clássicos de todos os tempos. Há muitos outros casos de sonhos reveladores em várias áreas da ciência e da arte. O que não impede que os sonhos sirvam também para recuperar a saúde do organismo e do cérebro.

Em diversas tradições culturais e religiosas o sonho aparece revestido de poderes premonitórios. A Oniromancia, a previsão do futuro pela interpretação dos sonhos, tem grande credibilidade nas religiões judaico-cristãs: consta na Torá e na Bíblia que Jacó, José e Daniel receberam de Deus a habilidade de interpretar os sonhos. No Novo Testamento, São José é avisado em sonho pelo anjo Gabriel de que sua esposa traz no ventre uma criança divina, e depois da visita dos Reis Magos um anjo em sonho o avisa para fugir ao Egito e quando seria seguro retornar a Israel.

Na história de São Patrício, na Irlanda, também figura o sonho. Quando escravizado, Patrício em sonho é avisado de que um barco o espera para que retorne a sua terra natal. No Islamismo os sonhos bons são inspirados por Alah e podem trazer mensagens divinatórias, enquanto os pesadelos são considerados armadilhas de Satã.

Filósofos ocidentais eram céticos quanto ao tema religião e sonhos, por alegarem que não haveria controle consciente durante os sonhos, mas estudos recentes analisando movimentos dos olhos (REM) durante o sono mostram resultados cientificamente comprovados com sonhos lúcidos, que se contrapõem às teorias anteriores.

Pensadores e matemáticos como René Descartes e Friedrich August Kekulé von Stradonitz também tiveram em sonhos visões reveladoras. Em 10 de novembro de 1619 Descartes em viagem à Alemanha teve uma visão em sonho de um novo sistema matemático e científico. Kekulé propôs em 1865 a fórmula hexagonal do benzeno após sonhar com uma cobra que mordia a própria cauda.

A metodologia da Pedagogia Empreendedora

A Pedagogia Empreendedora tem a pretensão de atingir a todos os níveis de ensino, da pré-escola ao

terceiro nível do ensino médio. Para atingir este objetivo ela foi planejada de forma que cada série de

ensino tenha um “caderno de atividades” a serem desenvolvidas durante o ano.

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As atividades são previstas para 36 encontros, chamados de “momentos estruturantes” em que o foco

central consiste nos registros que o aluno faz de sua trajetória e de busca de identificação e realização do

seu sonho, chamado pelo autor de Mapa do Sonho, a saber:

1 – Concepção do sonho – Identificar aquilo que gosta, que lhe trará maior

felicidade, emoção. O que lhe traz autorrealização e como fazer para conseguir.

2 – Autoconhecimento - Descobrir quem você é, do que gosta, o que o

atrai e como se emociona.

3 - Rede de relações – Construir e acionar uma rede de relações. Quais as

pessoas, livros, informações podem ajudá-lo a conhecer mais sobre o seu

sonho e a realizá-lo.

4 – Conceito do ambiente dos sonhos – Conhecer profundamente o setor

escolhido. Identificar oportunidades para realizar o sonho.

5 – Análise do sonho em relação ao sonhador – O que esse sonho pode

lhe oferecer? Vai ficar alegre? Vai ficar mais feliz? Durante quanto tempo? O

sonho se adapta ao que é, às suas preferências, ao seu jeito de ser? Aos seus

hábitos?

6 – Análise do sonho em relação a outras pessoas – O seu sonho é útil

para outras pessoas e para a comunidade?

7 – Estratégia para realização do sonho (buscar recursos necessários)

– Lista de tudo o que é necessário para que o sonho seja realizado: dedicação,

perseverança, criatividade, iniciativa, relações, liderança, cooperação de outras

pessoas, leituras, conhecimento, informações, recursos financeiros, recursos

técnicos. Em síntese todos os recursos materiais e imateriais.

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8 – Análise da viabilidade do sonho considerando os recursos do

sonhador – Analise os pontos fortes e os pontos fracos do sonhador em relação à

realização do sonho. Lista dos recursos materiais e imateriais já dominados e a

adquirir pelo sonhador.

9 – Análise da viabilidade do sonho considerando recursos de

terceiros – Lista dos recursos de terceiros que o sonhador terá de buscar.

10 - Estratégia para conseguir os recursos – Como irá buscar os recursos

que você não tem? Tratar separadamente os recursos de terceiros e os próprios

(que deverá desenvolver, como, por exemplo, conhecimento).

11 – Liderança – Como você irá convencer os outros sobre a importância do

seu sonho, a sua capacidade de realizá-lo, com a finalidade de atrair

colaboradores?

12 - Como organizar e usar os recursos – Como os recursos devem ser

utilizados de forma a ajudá-lo a alcançar o sonho? A organização dos recursos.

13 – Quando será possível realizar o sonho – Distribuição no tempo dos

processos que levam à realização do sonho.

14 - Narrativa do sonho e dos processos que levam a sua realização –

Formalização e apresentação do mapa do sonho.

15 – Qual o próximo sonho? – O sonho realizado deixa de gerar a emoção

em intensidade necessária para dar sentido à vida e contribuir para a

autorrealização. Portanto, é preciso continuar sonhando.

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As 15 etapas do mapa do sonho são sintetizadas em cinco passos que devem ser seguidos na trajetória de

busca de identificação e de realização do sonho, a saber:

Mapa do Sonho I – Concepção do sonho

Mapa do Sonho II - Análise do sonho

Mapa do Sonho III – Planejamento e realização do sonho

Mapa do Sonho IV – Recursos para realização do sonho

Mapa do Sonho V – Balanço final

Naquilo que vamos chamar de primeiro caderno de atividades, aquele destinado para crianças da faixa

etária de quatro anos, o autor argumenta que as atividades são “autoexplicativas, simples e prazerosas...”.

A primeira atividade do caderno, chamada de “Convite ao Sonho” tem como objetivo “identificar o sonho

das crianças”, ou seja, descobrir qual é o projeto de vida que a criança sonha realizar quando adulta.

Nesta atividade é sugerido um tempo de 60 minutos para sua realização em sala de aula. Nela é

recomendada que o professor crie um ambiente tranquilo e aconchegante, usando almofadas, onde a

criança possa se deitar, confortavelmente ao som de uma música suave. O relaxamento é dirigido através

da seguinte narração.

“Você agora está bem tranqüilo, entrará num bosque. Entre. Você

está sendo convidado pela natureza. Sinta o cheiro do mato, o

barulho da água caindo da cachoeira, caminhe mais perto dessa

cachoeira, deixe a água respingar no seu rosto. Continue andando

pelo bosque. Olhe... olho lá no alto da árvore. Uma casinha. Uma

casinha com uma placa, escrito: Casa dos Sonhos!.

Vá subindo na árvore... força, você consegue, não desista.

Agora que você chegou na casinha bata na porta.

Opa! Olha só quem abriu a porta. O animador dos sonhos. Ele diz:

- Olá, crianças! Eu sou o Animador do Sonho, moro neste bosque e

meu trabalho é animar os sonhos das crianças. Pode me dizer o que

é o seu sonho? Que bom. Então, para que outros também possam

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conhecer o seu sonho, ao abrir os olhos, desenhe o seu sonho no

papel que está na sua mesa”.5

O autor sugere que além do desenho cada criança seja incentivada a colocar um título para seu sonho.

Depois, cada uma delas, deve, numa roda, contar o seu sonho para os demais alunos. A proposta é que, a

partir dos “sonhos” das crianças, elas possam elaborar seu projeto de vida e planejar como alcançar os

seus objetivos. Tudo isso para crianças com faixa etária de quatro anos.

A metodologia para as demais séries é a mesma. Apenas muda a forma de sua aplicação e os temas a

serem abordados em razão da idade dos alunos e de seus conhecimentos de acordo com a série em que

estudam.

A Pedagogia Empreendedora na Prática: a experiência de Guarapuava

Em Guarapuava, no Paraná, onde a proposta foi implantada com maior ênfase a partir de 2002, a iniciativa

partiu da Secretaria de Indústria e Comércio, com apoio da Secretaria de Educação. A proposta foi

implantada em todas as escolas da rede municipal de ensino e nos Centros Municipais de Educação

Infantil – Cmeis. As aulas de empreendedorismo aconteciam uma vez por semana, sempre às segundas-

feiras.

Três professores de cada escola foram selecionados para participarem de encontros de formação com o

autor da proposta, Fernando Dolabela. Estes encontros tinham como objetivo a formação de uma equipe

que faria a implantação do programa e daria sustentação ao mesmo.

A equipe foi composta por uma coordenadora, três multiplicadores, 14 monitoras e uma articuladora em

cada escola ou em cada Cmei.

A coordenadora ficou responsável por coordenar todo o programa no município. As multiplicadoras ficaram

responsáveis pelo repasse da metodologia para os demais professores da rede municipal de ensino. Os

professores ficaram responsáveis pela aplicação da metodologia junto aos alunos nas salas de aula.

A cada 15 dias era feita uma avaliação do programa, onde, através de fichas de avaliação, eram

levantadas as dificuldades da sua aplicação e sugeridas soluções para os problemas enfrentados.

5 Pedagogia Empreendedora - Caderno de Atividades para a faixa etária de quatro anos (primeiro período da Educação Infantil) - Atividade 1, pág.15

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A proposta foi implantada em 43 escolas da rede municipal de ensino e dez Centros de Educação Infantil,

envolvendo cerca de 18,5 mil alunos e mais de mil professores. Para a execução da proposta, apenas a

coordenadora foi afastada de suas funções. Os demais integrantes da equipe acumularam a função com a

que já exerciam na escola.

Feita esta trajetória, a proposta esbarrou na questão financeira. Aqui o poder público sai de cena e joga

para a iniciativa privada a responsabilidade de financiar parte de um projeto de seu interesse.

A saída foi buscar, por meio de parceria, pessoas e entidades que estivessem dispostas a bancar os

cursos do projeto. Os parceiros da proposta – que dariam suporte financeiro para aquisição de materiais

necessários ao desenvolvimento das atividades – foram Sebrae, Acig, Unicentro, Sanepar, Sociedade

Rural de Guarapuava, Faculdades Guarapuava, Superpão, Trajano, Rede e Pérola do Oeste.

A novidade encontrou diversas resistências. E as resistências são o ponto fraco da proposta. Ela

pressupõe que todos os sujeitos envolvidos na educação se incorporem decisivamente à proposta sob

pena de o trabalho ficar prejudicado.

Durante entrevista com professores que participaram da Pedagogia Empreendedora em Guarapuava, fica

constatado que havia dois focos de resistência. Um deles é de professores que tinham claro que a

proposta não passava de um modismo, que não contribuiria para a emancipação do educando enquanto

sujeito da história.

Outra resistência vinha de profissionais que não se consideravam parte do projeto, uma vez que ele foi

desenvolvido por alguém que não é educador e que, na visão destes professores, não conhece a realidade

da escola. As resistências ficam claras num documento6 elaborado por uma das coordenadoras do

programa:

“Tivemos a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento da Pedagogia

Empreendedora por dois ângulos: como membro da equipe de

implantação e como educadora atuando dentro das escolas na aplicação

da mesma. Por isso, podemos falar que foi uma proposta implantada com

muita resistência por parte dos educadores, que atuavam dentro e fora das

instituições educacionais. Pois nós, educadores, sempre tivemos o

conceito de que empreendedorismo fazia parte do campo

empresarial/administrativo e não como algo que pudesse ser abordado e 6 Conjunto de relatórios avaliativos feitos por professores que aplicaram a metodologia junto aos alunos, encaminhados à Secretaria de Educação e também de Indústria e Comércio de Guarapuava.

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trabalhado com nossos alunos da educação infantil e ensino fundamental.

Acreditamos que deveria ser trabalhado no ensino médio e superior,

quando o aluno “já sabia o que queria”. Aí vem o Fernando Dolabela,

tentando provar o contrário, que o ensino de empreendedorismo apenas

no ensino médio e superior não consegue atingir seus objetivos, devido

aos alunos já terem alguns pré-conceitos definidos em relação ao ato de

empreender...”.

Em outro documento, a coordenadora do programa faz nova crítica à sua aplicação:

“...Uma das fortes críticas ao programa poderia ser caracterizada pela

utilização de um modelo taylorista de proposta pedagógica, pois, transfere

ao educando a responsabilidade de se tornar um vencedor por meio da

execução assertiva de um projeto de vida bem-sucedido. As críticas a

esse modelo educacional, que de certa forma, exime a responsabilidade

do fracasso social que tem origem atrelada também à carência de políticas

consistentes crescem à medida que, o Estado, por meio da violência

simbólica exercida através dos mass media, transfere a responsabilidade

de ascensão à população...”

“...Grande parte dos professores demonstra empatia à proposta,

desenvolvendo as atividades de maneira satisfatória. Percebe-se, porém,

certa resistência por parte, ainda, de alguns profissionais. Tais professores

alegam que as atividades “não condizem com a realidade do

educando”ou que “as atividades tomam muito tempo...” ou ainda que

“não há materiais necessários”...”.

Em outro relatório sobre o tema uma professora faz a seguinte avaliação:

“Trabalhar com a Pedagogia Empreendedora nestes dois anos foi algo de

novo e diria até mesmo “ousada”. Sabemos que tudo o que é novo implica

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em mudanças, implica em resistência, em mudança de olhar. Neste

contexto, gostaria de enfatizar algumas críticas construtivas a respeito do

projeto. Em primeiro lugar, iniciamos com uma formação precária. O

“pacote” veio fechado e nós profissionais da educação que trabalhamos

com a construção de conhecimentos, resistimos às receitas. Ainda bem!.

Particularmente penso que ele foi projetado para uma outra realidade,

dessa forma, algumas dinâmicas tornam-se difíceis de aplicar à nossa

realidade...”

A análise dos documentos e relatórios elaborados por professores e coordenadores das escolas envolvidas

na aplicação da Pedagogia Empreendedora, aponta que o projeto não nasceu da discussão com este

grupo de educadores e educadoras. A proposta foi adquirida em forma de pacotes educacionais iguais

àqueles impostos por organismos internacionais aos países periféricos. Coube aos professores a aplicação

da proposta depois de orientações e tomarem conhecimento do “manual de instrução”, em forma de

apostilas.

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A visão dos professores dos CMEIs sobre a proposta

Observando os relatórios encaminhados pelos professores das escolas municipais e Centros Municipais de

Educação Infantil de Guarapuava à Secretaria Municipal de Educação, tem-se a impressão que todos se

esforçam para elogiar a proposta, embora, nas entrelinhas deixem transparecer as diversas dificuldades

enfrentadas na sua aplicação. Na maioria dos relatórios, embora os professores manifestem que a

proposta é positiva e que deve ter continuidade, há referências em relação às dificuldades na sua

implantação, não apenas pela falta de preparo dos professores, mas pela falta de estrutura das escolas,

assim como por falhas na proposta pedagógica Frankstein, infanticida como podemos constatar a seguir:

“Este é o terceiro ano que acompanho o projeto. Não se pode dizer que foi

totalmente válido para as crianças de nossos Cmeis, devido a idade deles.

Eles estão naquela fase que para ele o importante é ter e não o ser,

muitas vezes o sonho deles é imitação do sonho dos colegas, teve aulas

que prenderam bastante a atenção deles, mas outras não despertou o

menor interesse. O que deveria acontecer para esse projeto dar mais

resultado seria que acontecesse um melhor preparo para as professoras

que trabalham em sala com as crianças. Nós sabemos que existem

professores e ‘professores’, uns fazem o possível para as aulas se

tornarem atrativas, outros não fazem a menor questão.Por isso, se elas

forem trabalhadas, com certeza o resultado será melhor...”.

Este depoimento é bastante ilustrativo. A professora em questão, provavelmente diretora de uma escola,

reconhece que o projeto não teve grande validade para seus alunos. Mas ao invés de questionar a

metodologia e a proposta da Pedagogia Empreendedora, ela acaba trazendo a culpa para o professor que,

segundo ela, não está preparado para trabalhar com as crianças em sala de aula.

E segue o relatório da professora:

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“...Lógico que dei o apoio necessário, até no nosso planejamento como

sendo conteúdo que fizesse parte da grade semanal, já que era

desenvolvido uma vez por semana. Só que não consegui participar de

todas as aulas, pois, além de ter duas turmas que desenvolvem o projeto,

eu ainda tinha mais afazeres para realizar, mas na medida do possível

participei junto com as turmas, inclusive registrando com fotos, alguns dos

trabalhos realizados”.

Podemos constatar que, num mesmo relatório a professora afirma que a proposta não teve validade para

seus alunos, criticou a falta de empenho dos seus colegas. Entretanto, não fez sua parte, pois não

conseguiu participar de todas as atividades em função de ter outras atividades, mas – mesmo assim – deu

apoio necessário para o projeto.

A falta de tempo para desenvolver as atividades da Pedagogia Empreendedora é fato recorrente na

maioria dos relatórios. Isto porque o projeto foi implantado como uma atividade a mais na escola. A

proposta de Dolabela é justamente esta: ela não requer a contratação de novos professores ou

especialistas para a aplicação do projeto. Ele é aplicado utilizando-se do corpo docente já existente,

bastando para isso que os professores participem de seminários de sensibilização e de compreensão da

proposta. O resto é só seguir a cartilha.

Outra professora que participou da experiência na educação infantil e no ensino fundamental, relata que a

experiência foi satisfatória, apesar de terem sido reformuladas algumas das aulas.

“...Em muitas aulas as mudanças foram tantas que o objetivo das mesmas

se perdia e a professora era obrigada a fazer ‘manobras’ que se

relacionassem com a Pedagogia Empreendedora. Para que a

improvisação não volte acontecer nos próximos anos, seria válido se

fossem realizadas algumas alterações conforme a realidade de cada

localidade escolar...”

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A proposta, da forma como o pacote é vendido, encontra sérias dificuldades de execução no Primeiro

Ciclo, onde as crianças estão não fase de alfabetização e precisam de atividades mais voltadas para sua

realidade. Nesta fase a criança não pensa em um projeto de vida. Ela quer recreação, brincadeiras e

diversão. Esta percepção acabou sendo abordada por diversos professores que atuam na educação

infantil.

“...Há aulas que são cansativas que não prendem a atenção das crianças,

mas têm outras que são interessantes, reflexivas e criativas... O que

encontramos dificuldades em relação ao projeto é que a carga horária é

muito longa, muitas aulas são desinteressantes para as crianças e não

prendem a sua atenção... No Primeiro Ciclo precisamos alfabetizar e

assim temos somente quatro dias, mais a hora atividade. Por isso nossa

grande dificuldade com o tempo...”.

“...A grande maioria dos professores diz que muitas das atividades são

incoerentes, fora da realidade. Quanto ao Mapa do Sonho, consideram-no

repetitivo nas atividades da série e no decorrer das séries, pois os alunos

se deparam com as mesmas atividades do ano anterior, que desmotiva a

realização da atividade. É visto que a realidade contemplada na apostila é

diferente da vivida em nossa cidade, por isso os professores têm que

adaptar grande parte das atividades. Neste ano, foi muito válida a

flexibilidade para as adaptações das atividades, com sugestões às

monitoras. Porém, as professoras opinaram que se for para continuar

adaptando não há necessidade de apostila...”.

Já os professores que aceitaram sem resistir à Pedagogia Empreendedora, apresentam diversos pontos

“positivos da proposta”:

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“Partindo do pressuposto de que a Pedagogia Empreendedora considera o

empreendedor como uma forma de ser, podendo estar presente em

qualquer atividade humana e que o sonho é imprescindível para o existir

humano, consideramos que o Projeto da Pedagogia Empreendedora

auxiliou a despertar nas crianças desejos de realizações pessoais e

profissionais, que poder servir no futuro, para a definição de uma profissão

bem como a idealização de negócios autônomos.

O projeto também abrange a comunidade, composta por indivíduos que

articula pessoas e recursos, e cresce em torno de ideias coletivas.

Neste sentido, a Pedagogia Empreendedora, favorece a criação de

condições em uma sociedade onde as pessoas estabelecerão critérios

para as relações entre si e a aceitação mútua, além de promover a

conversação na resolução de conflitos e de encontrar caminhos para

realização humana do indivíduo.

Portanto, a proposta atinge seus objetivos quando contribui para a

construção de uma sociedade mais justa, criativa e livre, onde seus

membros sejam cada vez mais realizados no que fazem e promovam

iniciativas para que os demais também sejam”.

Outra professora, adepta da proposta, a descreve como uma experiência nova:

“Neste ano tive uma experiência nova, trabalho a produção de texto e

empreendedorismo com as 4ªs séries. Observei que os alunos tiveram

bastante melhora quanto à leitura, interpretação e escrita, pois trabalhei

sempre de forma que englobasse as duas disciplinas, sem falar no bom

desempenho que tiveram, envolvendo a dramatização, desenho e

oralidade.

Quanto aos alunos da 1ª série observei que eles têm mais facilidade de se

expressar e relatar seus sonhos.

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Portanto a Pedagogia Empreendedora contribuiu muito para que houvesse

melhora no comportamento e autoestima das crianças”.

A Pedagogia Empreendedora na visão dos alunos

A coordenação da Pedagogia Empreendedora tomou o depoimento de cinco alunos que participaram da

proposta para saber o que elas pensavam. Embora cinco depoimentos de um total de 18,5 mil alunos não

sejam estatisticamente significantes, vejamos o que pensam os alunos pesquisados:

“As alas dos sonhos são importantes, os alunos param, pensam e refletem

sobre o sonho de cada um. A importância dessas aulas é a cidade formar

cada vez mais cidadãos com profissão. Por exemplo, o meu sonho é ser

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professora de ciências, vou trabalhar, estudar, fazer faculdade Eu gosto de

ciências e vou conseguir meu sonho e quero que todos consigam”.

Suzele, 13 anos, 4ª série, Escola Domingos Sávio.

“Eu acho que é uma aula interessante e de bom aproveitamento. É legal,

pois aprendo coisas que serão necessárias para o futuro.

Eu quase desisti do meu sonho, pois sou baixa demais pra brilhas nas

passarelas. Agora quero ser estilista. Estou no mesmo ramo.

Quis ser modelo pela curiosidade de saber o brilho da fama. Eu antes

tinha este sonho, mudei e voltei. Nunca desista do seu sonho. O agarre

com unhas e dentes”.

Yohana, nove anos, 4ª série, Escola Antonio Lustosa.

“Eu gosto muito da aula de empreendedorismo. Me fez pensar no meu

sonho e a decidir o que eu quero ser no futuro.

Antes eu não sabia que era tão importante ter um sonho e que para eu

conseguir realizar meu sonho preciso estudar muito.

O nosso sonho é importante para fazer a gente crescer mais rápido, por

isso quero crescer e conseguir realizar o meu sonho. Ele vai mudar muito

a minha vida, eu gosto mesmo muito da aula de empreendedorismo”.

Gabrieli, nove anos, 4ª série, Escola Julieta Anciuti

“É muito bom porque vamos conquistar os nossos sonhos, lutamos para

que se realize. Vim de uma escola particular e aqui aprendi a lutar para

alcançar o meu sonho”.

Aluno de 10 anos, 4ª série, Escola Cebula.

“Eu acho que o mapa do sonho é importante por que ele ensina como ter

uma profissão.

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Eu gosto muito do mapa do sonho por que ele é legal eu faço desenhos e

escrevo e pinto”.

Aluno de nove anos, 3ª série, Escola Conrado.

Como e com o que sonham as crianças de Guarapuava?

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Já que o sonho é a principal matéria-prima da Pedagogia Empreendedora e a cidade de Guarapuava

decidiu servir como laboratório para este experiência, vamos ver como e com o que sonham as crianças do

município que participaram das atividades de empreendedorismo.

Uma pesquisa foi realizada com 1.171 das cerca de 18,5 mil crianças que participaram do projeto. A

pesquisa compreendeu crianças com idade entre quatro e 17 anos da educação infantil e do ensino

fundamental. Dos 1.171 pesquisados, 1.170 trabalharam com a Pedagogia Empreendedora e fizeram o

registro no mapa do sonho. Foi constatado que 362 mudaram de sonho, e os demais mantiveram os

mesmos sonhos do início ao final do ano de 2004.

A pesquisa constatou ainda que, como já haviam relatados alguns professores, as crianças menores

sonham mais em ter do que ser e que, muitas vezes, se deixam levar pelos sonhos dos colegas e

personagens de TV.

Entre os sonhos mais sonhados pelos alunos pesquisados estão: ser professor, jogador de futebol, médico,

policial, bombeiro, caminhoneiro, veterinário, fazendeiro, advogado e dentista.

Fica constatado, que a maioria dos sonhos das crianças da educação infantil está relacionada ao modelo

que elas têm dos pais, professores e ao seu círculo de convivência social. Desta forma, assim como teve

criança “sonhando” em ser médico, algumas delas “escolheram” outros sonhos, como por exemplo:

recepcionista de prédio; lavador de motos; dona de casa/mãe; ter uma bicicleta; abrir valeta; ser ninja; ser

tarzan; brincar de boneca; ter uma boneca e uma mochila de rodinha; ter uma casa amarela; ficar em casa;

ser superpoderosa; ter um cavalo; ser surdo, ser grande; ser marido e ter filhos: ser milionário; ser caçador

de tubarão; ser presidente do Brasil; ir à lua; ser ministra; dona de hotéis de cães: freira; ter casa, carro, ser

pintor e ser feliz; entre outros.

Os professores que trabalharam com os sonhos das crianças também se depararam com sonhos nada

convencionais, como uma menina que queria ser “garota de programa” e um menino que sonhava em ser

“motorista de caminhão de maconha”. Nestes casos, a tarefa dos professores foi de discutir o sonho e

sugerir alternativas socialmente e moralmente melhor aceitas para elas.

A Pedagogia Empreendedora, hoje, em Guarapuava

A proposta da Pedagogia Empreendedora no município de Guarapuava perdeu força a partir de 2005,

quando da posse dos novos administradores municipais. O programa, tido como uma proposta de governo

do ex-prefeito Vitor Hugo Burko, acabou sendo desativada pela atual administração (2005-2008).

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Os agentes defensores da ideia não conseguiram se articular no sentido de manter e dar continuidade à

proposta. Isto pode ser explicado por três fatores. O fator político: com a mudança no comando

administrativo da cidade, a Pedagogia Empreendedora ficou fora das prioridades da nova administração; o

fator pedagógico: aos olhos dos educadores de Guarapuava a proposta apresentou muitas inconsistências

quer do ponto de vista ideológico e filosófico, quer do ponto de vista pedagógico; e, ainda, o fator

financeiro: embora o projeto preveja a busca de parceria para mantê-la, estas parcerias acabaram sendo

desfeitas e os recursos escassearam. Sem o suporte do político do poder público, as empresas também

abandonaram ideia, visto que a maioria dos empresários reclama das altas taxas de impostos – alegam

que elas deveriam ser menores – e as parcerias para manutenção da Pedagogia Empreendedora

representavam um item a mais nos custos das empresas.

Não é possível dizer se, do ponto de vista pedagógico, houve algum resultado positivo com a aplicação da

proposta. Mas a julgar pelo destino dado ao projeto – sua paralisação – é possível imaginar, o que

aconteceu lá na ponta, ou seja, com os alunos. Certamente, a maioria deles sequer lembra que um dia

participou de um projeto chamado Pedagogia Empreendedora ou, se lembra, talvez pouco tenha mudado

em sua vida. Mas este já é assunto para uma investigação mais aprofundada.

A Pedagogia Empreendedora no Oeste

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O mesmo pacote da Pedagogia Empreendedora implantado em Guarapuava, foi oferecido para prefeitos

da região Oeste do Paraná associados da Associação dos Municípios do Oeste do Paraná (Amop)7. A

proposta até seduziu alguns prefeitos e secretários de Educação, mas sua implementação acabou não

acontecendo. Duas são as hipóteses que podemos levantar para o fato da proposta não ter tido sucesso

no Oeste. A primeira é o fato de a Amop, durante quase 20 anos ter sido a mantenedora da Associação

Educacional do Oeste do Paraná (Assoeste)8. A Assoeste era mantida com recursos dos próprios

municípios e desenvolveu um trabalho de combate ao analfabetismo em toda sua área de atuação, tendo

como parâmetro – apesar de receber recursos do convênio MEC-Usaid – uma linha mais materialista

histórica e dialética. Isto pode ter contribuído para que a proposta não fosse aceita na região.

Outra hipótese foi o fato de, naquele momento, haver entre os professores uma maior discussão sobre os

rumos que deveriam ser dados para a educação nos municípios da região. Assim as propostas

mirabolantes do senhor Dolabela, acabaram encontrando dificuldades no Oeste.

Mesmo assim alguns municípios chegaram a comprar o pacote com todos os cadernos para a implantação

da proposta. Mas não contrataram a assessoria e a equipe técnica de Fernando Dolabela. Foi o caso do

município de Matelândia, onde o ex-secretário de Educação, Ildo Dal Pozzo, justificou a compra alegando a

necessidade de conhecer melhor a proposta. Entretanto, disse que ela encontrou resistência entre os

professores. Daí a sua não implementação.

Mesmo assim, algumas escolas, oferecem o empreendedorismo em diversos cursos em nível pós-médio,

assim como algumas faculdades particulares mantém o tema em sua grade curricular.

7 A Amop é uma entidade que reúne 51 municípios do Oeste do Paraná 8 A Assoeste tinha um corpo docente próprio responsável pela formulação de políticas educacionais e até da elaboração de material didático-pedagógico para as escolas dos municípios de sua área de influência, inclusive com parque gráfico próprio. Devido a problemas financeiros, a Assoeste foi extinta e hoje funciona como Departamento de Educação da Amop.

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Considerações finais:

As reflexões aqui apresentadas são uma introdução ao tema da Pedagogia Empreendedora. Estudos mais

aprofundados seguem sendo realizados pelo GP-Tese. Entretanto, pode-se destacar duas ideias

facilmente identificáveis nessa nova forma de relacionar economia e educação.

Em primeiro lugar, é possível afirmar que a proposta de Pedagogia Empreendedora apresentada e

defendida na obra aqui citada não questiona e nem propõe o rompimento com o modelo perverso do modo

de produção capitalista. Pelo contrário, propõe uma relação positiva com esta realidade da forma como

está estabelecida, sem operar conflitos.

No conceito de sociedade subjacente à proposta de Pedagogia Empreendedora, a compreensão do

homem é separada do resultado de sua produção, ao mesmo tempo em que se defende que o sonho é

individual, mas que o resultado dele deve trazer benefício para a coletividade. Numa compreensão deste

tipo, o fato de uns se apropriarem do resultado do trabalho dos outros é naturalizado; isso evidencia uma

identificação da proposta com os pressupostos da Economia Política Clássica, mais explicitamente com as

teses de Adam Smith fundadas na ideia da distribuição natural da riqueza material produzida

coletivamente, em função dos hábitos, costumes e educação de cada homem tomado individualmente

(Smith, 1981).

Em segundo lugar, pode-se afirmar que a “teoria” que serve de base para a Pedagogia Empreendedora

aposta numa iniciativa individual e joga para o sujeito toda a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso do

seu sonho (projeto). A proposta não leva em conta os conflitos de classe, os quais são travestidos numa

espécie de destemor do empreendedor frente aos desafios da vida. Na tese da Pedagogia Empreendedora

não existe fracasso. O fracasso é desistir do sonho. Enquanto isso não acontecer, não há fracasso.

A proposta preconiza que o indivíduo poderá mudar de sonho quantas vezes quiser sem se sentir

fracassado. Sendo assim, se o indivíduo que sonha em ser veterinário, por exemplo, e não consegue

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realizar este sonho, é porque este sonho é um sonho periférico e não estruturante. Mas se este mesmo

indivíduo adora animais e quer trabalhar junto a eles, talvez o seu sonho seja ser o tratador dos animais,

que vai estar atuando “na mesma área”.

É o caso da estudante Yohana, de Guarapuava. No início ela sonhava em ser modelo. Mas este sonho

virou pesadelo quando ela descobriu que não poderia seguir a profissão por ser muito baixa e não atender

aos padrões exigidos para as passarelas. Então, como forma de compensação e para permanecer na

mesma área, ela agora sonha em ser estilista.

Embora a Pedagogia Empreendedora não preconize o fracasso – já que ele acontece apenas quando o

indivíduo desiste do sonho – ela corre o risco de, de acordo com a forma como for aplicada, criar uma

geração de fracassados, a partir do momento que o indivíduo, por suas condições materiais não conseguir

realizar o seu projeto de vida.

Este pedagogismo ao ser aplicado em crianças da educação infantil corre o risco de trazer sérias

consequências, visto que nesta idade, as crianças estão numa fase da vida, onde elas estão mais

dispostas para outras brincadeiras, do que para “sonhar” ou planejar o que vai ser quando crescer.

Tirar das crianças o direito de brincar, e induzi-las a planejar um futuro adulto, é trazer para a infância,

problemas que elas somente poderiam encontrar na fase adulta, quando estariam mais amadurecidas para

lidar com estas situações.

Quanto ao comportamento dos professores que aplicaram a Pedagogia Empreendedora – embora não seja

este o objeto deste estudo – vale argumentar que o pacote veio como uma proposta de Governo, como

uma política pública de ensino no município. Não coube aos professores discutir e elaborar a propostas,

apenas fazer sua aplicação. Isto, no entanto, não tira deles a responsabilidade pela reflexão e pelo

questionamento crítico do projeto, como, aliás, alguns o fizeram.

Por outro lado, a Pedagogia Empreendedora, ao preconizar o indivíduo autônomo, permeia a ideia do ser

multiuso, polivalente, politécnico, multifuncional. Vem ao encontro das diretrizes de organismos

internacionais que preconizam a empregabilidade ao pleno emprego. Trata o indivíduo como um objeto,

uma ferramenta a serviço do modo de produção capitalista, voltado para a produção da mais-valia. A

Pedagogia Empreendedora, não deixa outra alternativa para o indivíduo, a não ser sonhar e lutar

diabolicamente para realizar o seu sonho, como se ele estivesse condenado a viver eternamente num

modelo onde só é útil quem produz. Onde os excluídos dos meios de produção não encontram espaço

para atuação.

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A proposta não questiona – e este não é o objetivo dela – o fato de este modelo não oferecer um lugar ao

sol para todos, onde para uma grande maioria que está na base da pirâmide não resta – para a Pedagogia

Empreendedora – outra alternativa senão sonhar e buscar realizar o sonho. É uma forma utilizada pelos

liberais para perpetuar uma ideologia onde o sistema, na teoria, oferece a todos as mesmas condições

para conquistarem seus desejos. Onde qualquer cidadão – já que esta ideologia não preconiza a divisão

de classes – pode sair pela manhã de sua casa, pegar um avião e, dentro de algumas horas estar

aterrissando em qualquer outra parte do mundo. Ou que possa, num final de semana ensolarado, pegar

sua família descer para o litoral – se já não mora lá – e curtir um passeio de barco luxuoso.

Não leva e não levou em conta, no caso de Guarapuava – e certamente em todos os lugares onde foi

aplicado – que muitas crianças moram em casebres sem saneamento básico, ruas sem asfalto e que

muitas vezes vão à escola porque lá encontram a oportunidade de fazer uma refeição que, em muitos

casos, será a única do dia.

Questionar esta proposta é uma tarefa inadiável para professores, educadores e sonhadores

comprometidos com o indivíduo como pessoa humana e não como mero instrumento a serviço da mais-

valia.

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SMITH, Adam. Uma investigação sobre a natureza e causa da riqueza das nações. Livro 1. São Paulo :

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GADOTTI, Moacir – Historia das Ideias Pedagógicas – Série Educação, São Paulo, Ática 2002.

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SIGLAS

CMEIs - Centros Municipais de Educação Infantil

Sebrae – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

Acig – Associação Comercial e Industrial de Guarapuava

Unicentro – Universidade Estadual do Centro-Oeste

Sanepar – Companhia de Saneamento do Paraná