empoderamento na eja: a importância da …importância da relação entre educador e educandos...

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Escritos e Escritas na EJA| N.5 |2016.1 | 78 EMPODERAMENTO NA EJA: a importância da relação entre educador e educandos nesta construção Por Priscila Gomes da Silva Couto [email protected] RESUMO: Este artigo apresenta reflexões a partir das vivências no estágio curricular de docência na Educação de Jovens e Adultos, no 7° semestre do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Com este trabalho abordo principalmente a influência da relação entre educador e educando na construção do empoderamento dos sujeitos da EJA. Assim, como a importância da valorização do protagonismo, autonomia e expressão dos discentes para uma educação democrática e emancipadora. PALAVRAS-CHAVE: Educação de Jovens e Adultos. Empoderamento. Protagonismo. Autonomia. Educação Emancipadora.

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Page 1: EMPODERAMENTO NA EJA: a importância da …importância da relação entre educador e educandos nesta construção Por Priscila Gomes da Silva Couto priscilacouto.15@hotmail.com RESUMO:

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EMPODERAMENTO NA EJA: a importância da relação entre educador e educandos nesta

construção

Por Priscila Gomes da Silva Couto [email protected]

RESUMO: Este artigo apresenta reflexões a partir das vivências no estágio curricular de docência na Educação de Jovens e Adultos, no 7° semestre do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Com este trabalho abordo principalmente a influência da relação entre educador e educando na construção do empoderamento dos sujeitos da EJA. Assim, como a importância da valorização do protagonismo, autonomia e expressão dos discentes para uma educação democrática e emancipadora.

PALAVRAS-CHAVE: Educação de Jovens e Adultos. Empoderamento. Protagonismo. Autonomia. Educação Emancipadora.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo abordar algumas questões pertinentes

que surgiram ao longo da minha experiência como educadora durante o estágio

curricular na Educação de Jovens e Adultos que se deu em forma de docência

compartilhada14. A prática como docente foi desenvolvida em uma escola da rede

pública do município de Porto Alegre, referência em Educação de Jovens e Adultos. A

turma na qual atuei já possuía a experiência de docência compartilhada com as

professoras titulares, sendo que esta era composta por duas totalidades (T1 e T2).

A partir da vivência obtida neste período de estágio, pretendo apresentar

reflexões acerca da importância das relações estabelecidas entre educador e

educandos na construção do empoderamento destes indivíduos. Busco também

relacionar o empoderamento ao protagonismo, à valorização e atuação dos discentes

em sala de aula e ao papel do docente nesta afirmação.

Refletindo sobre uma educação emancipadora e empoderadora dos sujeitos na EJA

Para pensarmos em Educação de Jovens e Adultos, devemos ter em mente que

não se trata de um ensino regular em seu sentido tradicional, mas sim de uma

modalidade de educação básica nas etapas de ensino fundamental e médio com suas

especificidades e com tratamento diferenciado na questão de currículo, conteúdos e

estrutura. Um dos princípios desta modalidade de ensino é a reparação desta

realidade de desigualdade de raízes histórico-sociais instauradas no Brasil há tanto

tempo (Brasil, 2000). Por ser uma educação direcionada aos sujeitos jovens e adultos,

como educadora devo ter um olhar sensível a tais necessidades e direcionamentos.

Assim Como Dayrell (2005) quando diz que:

O nome, ao se referir a "jovens" e "adultos", está explicitando que essa modalidade de ensino abrange os sujeitos, e não simplesmente os "alunos" ou qualquer outra categoria generalizante, e mais: sujeitos que estão situados num determinado tempo da vida, possuindo assim especificidades próprias. Ou seja, deixa claro que essa modalidade lida com dois tipos de sujeitos - jovens e adultos - que, pelo lugar que ocupam nos tempos da vida, possuem

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Estágio realizado em docência compartilhada com a colega Gisele Rieger Pinto.

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realidades específicas e assim apresentam demandas e necessidades também específicas. (p.53-54)

Isso, principalmente, por serem indivíduos marginalizados15 na sociedade, que

chegam na escola e sala de aula com receios, medos e baixa autoestima, em grande

parte por não terem concluído o ensino regular no período “correto”. Nessa

perspectiva, acredito que o educador tenha uma imprescindível responsabilidade

quanto ao desenvolvimento e construção dos educandos em reconhecerem que são

detentores de saberes, pois como Giroux (1990, p.04), creio que:

O desenvolvimento de uma política cultural da alfabetização e da pedagogia torna-se um ponto de partida importante para possibilitar que aqueles que têm sido silenciados ou marginalizados pelas escolas, pelos meios de comunicação de massa, pela indústria cultural e pela cultura televisiva exijam a autoria de suas próprias vidas.

Deste modo, o docente não deve ser um opressor ou ter postura de detentor

absoluto do saber, outrossim, não deve menosprezar os conhecimentos que os

discentes possuem – todos têm diferentes vivências e experiências como pessoas

pertencentes a uma sociedade, sejam elas boas ou ruins. Muitas vezes os discentes

não se enxergam como protagonistas de tais conhecimentos, assim como produtores

de cultura e saber, sejam eles escolares ou da vida. Nesse sentido, Freire (1996-p.37)

afirma que:

Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, a seu ser formando-se, à sua identidade fazendo-se, se não se levam em consideração às condições em que eles vem existindo, se não se reconhece a importância dos ‘conhecimentos de experiência feitos’ com que chegam à escola.

Para que não haja o desrespeito à existência do educando ou a seu

protagonismo na construção do aprendizado, o corpo docente deve criar espaços

democráticos, lugar onde os alunos tenham voz e explicitem/compartilhem suas

dúvidas, conhecimentos e sentimentos sem medo de serem menosprezados ou

julgados. Ou seja, docente contribui para essa criação incentivando e propiciando

momentos de debates sobre diferentes temas da sociedade, buscando sempre que os

discentes se utilizem da criticidade sobre assuntos pertinentes. Auxiliando-os a ler e a

compreender o contexto vivido para, através da constante reflexão, construir e

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Significa estar à margem da sociedade, pessoas que são excluídas e discriminadas, seja por gênero, classe social, étnica-racial ou cultural.

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transformar sua realidade com autonomia. Desse modo, ampliando e valorizando os

saberes construídos, possibilita que seja constituída uma educação emancipadora, por

meio do empoderamento dos educandos da EJA, corroborando com Giroux (1990-

p.05) que

Dentro dessa perspectiva, a alfabetização não é tratada meramente como uma habilidade técnica a ser adquirida, mas como fundamento necessário à ação cultural para a liberdade, aspecto essencial daquilo que significa ser um agente individual e socialmente constituído. Ainda da maior importância, a alfabetização para Freire é, inerentemente, um projeto político no qual homens e mulheres afirmam seu direito e sua responsabilidade não apenas de ler, compreender e transformar suas experiências pessoais, mas também de reconstituir sua relação com a sociedade mais ampla. Neste sentido, a alfabetização é fundamental para erguer agressivamente a voz de cada um como parte de um projeto mais amplo de possibilidade e de empowerment.

Segundo Baquero (2012) o empoderamento individual refere-se à ampliação

dos conhecimentos dos sujeitos para controle e ação na melhoria de suas vivências, é

o indivíduo ser e sentir-se capaz de influenciar os processos que determinam sua vida.

Nesse sentido, a alfabetização é imprescindível para a construção do

empoderamento dos sujeitos da EJA, pois, está diretamente relacionada ao poder de

leitura, compreensão e consequentemente transformação de experiências e vida.

Possibilitando ao sujeito uma visão mais ampla da sua importância e responsabilidade

quanto transformador da sociedade. E principalmente, durante esse processo da

construção de conhecimentos na alfabetização é que os educandos devem ser

motivados a refletirem constantemente e criticamente, para assim perceberem-se

como protagonistas de seu aprendizado e que são detentores e produtores de cultura

e saber.

Durante o meu trajeto em sala de aula, fui em busca desta atuação, como uma

educadora que preza o respeito aos educandos, aos seus conhecimentos, às suas

críticas, ao protagonismo de suas construções. Procurei incentivá-los nesta trajetória,

na perspectiva de seu empoderamento, com a valorização das suas reflexões, visando

a compreensão e transformação da realidade vivida.

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Fazendo da teoria uma prática: aprendizado para minha formação como educadora e

para a vida

Durante a prática no estágio, minha colega e eu contamos constantemente

com o apoio das professoras titulares da turma, as quais foram de grande valia para

minha formação. Elas mostraram que em sala de aula pode-se fazer sim o uso da

teoria na prática. Em muitas escolas de EJA, nas quais realizei observações e práticas

não consegui perceber esse uso em sala de aula por parte dos professores ou da

própria coordenação escolar. Tanto os discentes quanto os docentes eram passivos e

não questionavam os conteúdos e métodos desenvolvidos. Tornando-se assim, uma

pedagogia tecnicista16 e que simplesmente reproduzia para a modalidade da EJA o

mesmo conteúdo e forma de ensinar que são constituídos para crianças. O que me

leva a crer que mesmo oferecendo vagas e atendendo a jovens e adultos, as

instituições e docentes não estavam preparados para receber tal público.

Corroborando com Freire quando diz que “o professor que não leve a sério sua

formação, que não estuda, que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não

tem força moral para coordenar as atividades de sua classe”. (1996, p. 56)

Por este motivo, acredito que a formação dos docentes e de toda a

comunidade escolar quanto ao discernimento sobre a Educação de Jovens e Adultos, é

imprescindível para a consciência de uma educação significativa, empoderadora e

emancipatória para os indivíduos da EJA. Propondo e apresentando o novo, contudo,

respeitando o tempo e avanço de cada um, construindo assim uma aprendizagem sem

anseios e sem sofrimento, uma constante troca entre educador-educando com

cumplicidade e amorosidade. Assim como Giroux quando cita que:

[...] os seres humanos (como são os professores tanto quanto os alunos), dentro de determinadas formações sociais e culturais, são o ponto de partida para analisar, não apenas de que modo constroem ativamente suas experiências pessoais dentro das relações de poder vigentes, mas também de que modo a construção social dessas experiências lhes proporcionam a

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A pedagogia tecnicista pode ser considerada não-dialógica, ou seja, ao aluno cabe assimilar passivamente os conteúdos transmitidos pelo professor. Essa pedagogia difere da progressista que privilegia a formação de cidadãos participativos e conscientes da sociedade em que vivem. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete pedagogia tecnicista. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/pedagogia-tecnicista/>. Acesso em: 05 de jul. 2016.

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oportunidade de dar sentido e expressão a suas necessidades e vozes como parte de um projeto de empowerment individual e social. (1990, p.5)

Em nossa profissão lidamos com seres humanos diretamente, assim temos um

desafio político e social de reconhecer as subjetividades de cada ser que compõem o

coletivo e demonstrar isso nas nossas ações em sala de aula. De tal modo que todos se

sintam acolhidos, contemplados e pertencentes àquele lugar. Isso implica

principalmente nas relações de poder que vão se estabelecendo, pois é extremamente

importante proporcionar momentos de reflexão aos discentes e instigá-los a se

expressarem para assim, auxiliarmos na construção do empoderamento individual e

social.

Para elencar o estudo teórico com a minha prática no estágio, descreverei

algumas características da turma e momentos mais significativos desta construção

com os discentes, os quais acima de tudo foram meus professores e mestres em

aprendizado da vida.

A turma

A turma na qual consolidou-se o estágio, possuía duas totalidades T1 e T2 que

correspondem a alfabetização, esta era composta por 36 discentes na lista de

chamada, sendo vinte nove mulheres e sete homens. Nas aulas compareciam cerca de

no máximo 25 educandos, devido à grande rotatividade, alguns casos de afastamento

por licença médica e também por avanços que foram acontecendo ao longo deste

período.

As professoras titulares relataram que este ano foi uma exceção em vista do

número de discentes dos anos anteriores e, também haviam chegado muitos

educandos novos de outras escolas e que não estavam estudando. Todos foram bem

recebidos pelas professoras e colegas, mas no decorrer das semanas de observação foi

perceptível que faltava mais integração entre eles e também a baixa autoestima de

alguns educandos que estavam chegando no grupo.

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Dessa forma, definimos nosso planejamento com o tema:

Identidade/Diversidade – Reconhecimento de si, do outro e do mundo. Buscando,

através da valorização e reconhecimento dos saberes, vivências dos sujeitos, que haja

também a percepção da grande diversidade (cultural, social e étnico-racial) que

abrange o espaço em comum de convivência e interação dos discentes.

A partir disso, foram surgindo outras questões que fomos abordando em sala

de aula, como: o protagonismo dos discentes em sua aprendizagem, autonomia,

liberdade de se expressarem e serem ouvidos sem julgamento.

Protagonismo, autonomia e voz

Começo por descrever uma atividade que foi realizada para que houvesse

integração entre os educandos que chegaram este ano na escola e os que já

participavam há mais tempo do grupo. A proposta era que os educandos se

movimentassem pela sala para se apropriarem dos espaços. Em duplas, cada um faria

uma pequena entrevista ao seu colega e depois o apresentaria à turma.

Figura 1 – Discentes M e E se apresentando para a turma

Arquivo pessoal

O momento das apresentações (Figura 1) foi um dos mais ricos trabalhados,

uma vez que os educandos se fizeram protagonistas da proposta, organizando-se nas

ideias e escrita de respostas, como apresentariam seus colegas e se apropriando do

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espaço “intimidador” que é o lugar visto somente como sendo do professor. A figura

acima mostra o momento de apresentação das alunas M e E17, as duas não sentavam

próximas e, a partir daquela atividade, começaram a ficar mais unidas. Relataram,

ainda, que haviam descoberto muitas coisas da vida em comum e que nasceu uma

amizade verdadeira.

Esta proposta, por sua vez, foi para principalmente enxergarem-se como

sujeitos de suas vivências e experiências e que, ao poderem se expressar e dividi-las

com a turma, puderam valorizar e desenvolver empatia uns com os outros. Esse é um

exemplo de como é importante “que os professores desenvolvam pedagogias que lhes

permitam afirmar suas próprias vozes, ao mesmo tempo que conseguem estimular os

alunos a afirmar, contar e recontar suas narrativas pessoais pelo exercício de suas

próprias vozes” (Giroux, 1990, p. 15).

Dessa forma, todas as atividades planejadas para a turma foi pensando no

educando em primeiro lugar, não só visando as construções dos saberes, mas também

em garantir que pudessem se expressar, refletir e se posicionar quanto ao

desenvolvimento da proposta. Nos momentos de leitura, em que sempre havia espaço

para reflexão e para exporem suas ideias assim como nos momentos de escrita, havia

sempre a preocupação de instigá-los a construírem suas hipóteses e que não dessem

tanta importância para o “erro” ou “acerto”, mas que fosse valorizado cada avanço

alcançado. Destaco algumas falas, as quais demonstram tal incômodo dos educandos:

“tá tudo errado” (afirmação que a escrita estava incorreta, mesmo antes de olharmos),

“não quero fazer porque sei que vou errar”, “tu não me ajuda como *fala o nome de

uma professora titular+, ela me mostra as letras e eu não erro”.

Quando surgiam algumas destas questões durante as aulas, eram momentos de

muita conversa, indagações e reflexão, pois respeitávamos a vontade dos educandos,

mas jamais deixamos de explicar e justificar o porquê das atividades propostas.

Acredito que “de nada serve, a não ser para irritar o educando e desmoralizar o

discurso hipócrita do educador, falar em democracia e liberdade, mas impor ao

educando a vontade de arrogante do mestre” (Freire, 1996, p. 36).

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Optei por manter apenas uma letra do nome para preservar a identidade dos alunos.

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Menciono também o caso da discente A, ela seguidamente demonstrava

insegurança de opinar ou se posicionar, quanto a certos assuntos, seja em reflexões ou

momentos de leitura e escrita. Exemplos de suas falas: “na minha ignorância, acho que

é *fala sobre algo+”, “eu sou ignorante e não sei”, “eu não sei ler, nem escrever, mal

conheço as letras do meu nome”. Nestes momentos, conversávamos muito com a

educanda, auxiliávamos no que fosse preciso, mas principalmente reforçávamos que

ela era protagonista da suas aprendizagens e conhecimentos e que deveria valorizar

cada avanço conquistado. Aos poucos ela foi refletindo, se posicionando e também nos

questionando quando não se sentia satisfeita com algo ou alguma atividade,

demonstrando então a importância de uma construção dialógica entre educador-

educando.

Nessa perspectiva, nosso objetivo como docentes era criar um espaço

democrático a partir do diálogo e do respeito aos educandos, buscando o

empoderamento dos sujeitos participantes. Principalmente, fazendo-os conscientes de

que estávamos ali para auxiliá-los em seus propósitos e que eram os protagonistas de

suas próprias escolhas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das experiências vividas como docente na EJA, percebi o quão

desafiador é a questão do empoderamento, tanto para os educandos, que estão

acostumados a uma educação opressora, quanto para o educador, que é visto por

estes como o detentor absoluto do saber. Contudo, nesta busca pela construção da

autonomia, protagonismo e expressão dos discentes, foram proporcionados espaços,

atividades para se fazer possível essa constituição de reconhecimento do educando

como ser pensante e de posição quanto aos mais diversos temas da sociedade.

Corroborando com Freire quando diz que

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em relação uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. (1996, p. 23)

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Nesse sentido, compreendi que o educador deve estar consciente de seus

deveres e usar os meios pedagógicos para o desenvolvimento de uma educação

emancipatória, com a valorização e reconhecimento dos educandos enquanto

cidadãos, com todo o seu potencial. Isso significa saber que são cidadãos de direitos,

como o de ser e de aprender. Pois não há como a prática pedagógica estar separada da

educação política, as duas devem ser a complementação uma da outra, dessa forma

instigando e possibilitando aos discentes que usem a sua criticidade quanto aos mais

diversos temas pertinentes da sociedade, assumindo-se como um ser histórico e social.

Portanto, o nosso comprometimento, a constante busca pelo aprendizado e

aperfeiçoamento da formação são essenciais para o desenrolar de uma educação

pensada e centrada no educando da EJA, pois “como professor não me é possível

ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero permanentemente a

minha” (Freire, 1996, p.59).

Sendo assim, os educandos são os principais autores de sua história, porém,

nós como educadores também temos um grande dever nesta construção, pois

segundo Giroux (1990) as relações e prática pedagógica na alfabetização, numa

perspectiva mais ampla da educação, não só empodera os sujeitos da EJA como os

fazem ter uma percepção e análise mais crítica quanto a questões culturais de gênero,

raça, classe e subjetividades que se constituem como construtos, tanto históricos

quanto sociais.

REFERÊNCIAS

BRASIL. CNE/CEB Parecer 11/2000. Carlos Roberto Jamil Cury (relator).

BAQUERO, Rute Vivian Angelo. Empoderamento: Instrumento de Emancipação Social? – Uma discussão conceitual. Revista Debates. Porto Alegre, v. 6, n. 1, p.173-187, jan.-abr. 2012.

DAYRELL, Juarez Tarcísio. A juventude e a educação de jovens e adultos: reflexões iniciais novos sujeitos. In: SOARES, Leôncio; GIOVANETTI, Maria Amélia; GOMES, Nilma Lino (Org.). Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 53-67.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra. 1996.

GIROUX, H. A. Alfabetização e a pedagogia do empowerment político. In: FREIRE, P.; MACEDO, D. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p.1-27.