empoderamento e performance musical: …€¦ · a fim de compor um batuque, independentemente da...

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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X EMPODERAMENTO E PERFORMANCE MUSICAL: PESQUISADORAS EM UM BATUQUE FEMININO Harue Tanaka 1 Katiusca Lamara dos Santos Barbosa 2 Luiza Iolanda Pegado Cortez de Oliveira 3 Resumo: A presente comunicação trata da participação de três pesquisadoras em um batuque (bloco de Carnaval), na cidade de João Pessoa, nomeado pelo pseudônimo de “As Batucas”, em um processo de ensino e aprendizagem musical, formado exclusivamente por mulheres. O intuito do grupo tem sido convocar mulheres que tenham interesse em tocar algum instrumento de percussão, a fim de compor um batuque, independentemente da evidência e diferenciação dos marcadores sociais (etnia, idade/geração, classe, etc.), orientação religiosa, bem como de sua formação musical. O relato analisa sucintamente o ingresso de batuqueiras incipientes (sem experiência com instrumentos musicais), facilitado por oficineiras, promovendo uma reflexão sobre o processo no que tange à aprendizagem, memorização e consequente execução de ritmos (cerca de vinte, incluindo as viradas entre eles). Primordialmente, discute as impressões e dificuldades de quem ingressa de forma abrupta, lançando-se no mundo da performance musical, dentro de uma limitação temporal (sete oficinas) para uma apresentação pública (em forma de cortejo/arrasto). O cerne do relato é fomentar discussões sobre os meandros da aprendizagem musical, não institucional, em um espaço alternativo, liderado por mulheres, com foco para sua proposta, sua metodologia e questões de empoderamento em um universo eminentemente feminino. Nesse contexto, destacamos os desafios encontrados e os possíveis diálogos com o lugar de onde advêm as pesquisadoras e o estabelecimento de uma identidade de batuqueira. Palavras-chave: Performance musical, MUCGES, Calungas, Estudos interdisciplinares, Grupo de pesquisa. O presente relato trata da experiência de três pesquisadoras em um grupo musical formado e liderado exclusivamente por mulheres 4 “As Batucas”. O intuito era formar um grupo de arrasto/batuque para uma apresentação durante a prévia carnavalesca da cidade de João Pessoa-PB 5 . A participação de três mulheres nesse batuque ensejou o ingresso mais efetivo nas discussões sobre gênero e música (performance musical) e acabou por motivar, também, a criação de um grupo de pesquisa interdisciplinar. Traduz, ainda, o olhar e lugar social de duas batuqueiras-oficineiras e uma aspirante à batuqueira (sem experiência prévia com instrumentos de batuque/baque 6 ) que vieram a 1 Professora adjunta, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB), Brasil. 2 Mestra em Etnomusicologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB), Brasil. 3 Mestra em História, professora do Ensino Médio e Técnico, na Escola Estadual de Ensino Médio Integrado Presidente João Goulart (EEEMI), João Pessoa (PB), Brasil. 4 Cerca de 52, bloco ano II, em out. 2015/6; 59; bloco ano III, em out. 2016/7. 5 Salientamos que a cidade pessoense tem seu ponto forte, turisticamente falando, nas prévias que antecedem o Carnaval-tradição. Disponível em: <https://www.facebook.com/muricocas/posts/461350567252456>. Acesso em: 14 jun. 2017. 6 Referindo-se aos baques de maracatu (maracatu de baque solto e maracatu de baque virado).

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Page 1: EMPODERAMENTO E PERFORMANCE MUSICAL: …€¦ · a fim de compor um batuque, independentemente da evidência e diferenciação dos marcadores sociais (etnia, idade/geração, classe,

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

EMPODERAMENTO E PERFORMANCE MUSICAL: PESQUISADORAS EM UM

BATUQUE FEMININO

Harue Tanaka1

Katiusca Lamara dos Santos Barbosa2

Luiza Iolanda Pegado Cortez de Oliveira3

Resumo: A presente comunicação trata da participação de três pesquisadoras em um batuque (bloco

de Carnaval), na cidade de João Pessoa, nomeado pelo pseudônimo de “As Batucas”, em um

processo de ensino e aprendizagem musical, formado exclusivamente por mulheres. O intuito do

grupo tem sido convocar mulheres que tenham interesse em tocar algum instrumento de percussão,

a fim de compor um batuque, independentemente da evidência e diferenciação dos marcadores

sociais (etnia, idade/geração, classe, etc.), orientação religiosa, bem como de sua formação musical.

O relato analisa sucintamente o ingresso de batuqueiras incipientes (sem experiência com

instrumentos musicais), facilitado por oficineiras, promovendo uma reflexão sobre o processo no

que tange à aprendizagem, memorização e consequente execução de ritmos (cerca de vinte,

incluindo as viradas entre eles). Primordialmente, discute as impressões e dificuldades de quem

ingressa de forma abrupta, lançando-se no mundo da performance musical, dentro de uma limitação

temporal (sete oficinas) para uma apresentação pública (em forma de cortejo/arrasto). O cerne do

relato é fomentar discussões sobre os meandros da aprendizagem musical, não institucional, em um

espaço alternativo, liderado por mulheres, com foco para sua proposta, sua metodologia e questões

de empoderamento em um universo eminentemente feminino. Nesse contexto, destacamos os

desafios encontrados e os possíveis diálogos com o lugar de onde advêm as pesquisadoras e o

estabelecimento de uma identidade de batuqueira.

Palavras-chave: Performance musical, MUCGES, Calungas, Estudos interdisciplinares, Grupo de

pesquisa.

O presente relato trata da experiência de três pesquisadoras em um grupo musical formado e

liderado exclusivamente por mulheres4 – “As Batucas”. O intuito era formar um grupo de

arrasto/batuque para uma apresentação durante a prévia carnavalesca da cidade de João Pessoa-PB5.

A participação de três mulheres nesse batuque ensejou o ingresso mais efetivo nas discussões sobre

gênero e música (performance musical) e acabou por motivar, também, a criação de um grupo de

pesquisa interdisciplinar. Traduz, ainda, o olhar e lugar social de duas batuqueiras-oficineiras e uma

aspirante à batuqueira (sem experiência prévia com instrumentos de batuque/baque6) que vieram a

1 Professora adjunta, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB), Brasil. 2 Mestra em Etnomusicologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB), Brasil. 3 Mestra em História, professora do Ensino Médio e Técnico, na Escola Estadual de Ensino Médio Integrado Presidente

João Goulart (EEEMI), João Pessoa (PB), Brasil. 4 Cerca de 52, bloco ano II, em out. 2015/6; 59; bloco ano III, em out. 2016/7. 5 Salientamos que a cidade pessoense tem seu ponto forte, turisticamente falando, nas prévias que antecedem o

Carnaval-tradição. Disponível em: <https://www.facebook.com/muricocas/posts/461350567252456>. Acesso em: 14

jun. 2017. 6 Referindo-se aos baques de maracatu (maracatu de baque solto e maracatu de baque virado).

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se tornar membros efetivos do grupo – MUCGES7: a) Harue Tanaka, oficineira do grupo, doutora

em educação musical e coordenadora/líder do grupo de pesquisa supracitado; b) Katiusca Lamara,

uma das mentoras do grupo “As Batucas”, percussionista e mestra em etnomusicologia8 e c) Iolanda

Cortez, mestra em História, professora licenciada de ensino médio e técnico, tendo participado do

processo de ensino e aprendizagem musical proposto e que teve, na época, seu primeiro contato

com um instrumento musical e a sua primeira experiência como performer musical.

Em novembro de 2015, ouvi falar, pela primeira vez, de um grupo musical paraibano de

percussão formado apenas por mulheres: “As Batucas”. O primeiro contato esteve

relacionado à procura de um grupo que pudesse se apresentar na III Mostra Cultural Afro-

Brasileira e Indígena, evento que organizo na escola em que ministro aulas de História, a

EEEMI Presidente João Goulart. Após a apresentação realizada na escola, na qual

maracatu, coco e ciranda fizeram parte do repertório, discentes e docentes ficaram

encantados pela música, pelo figurino e pela atitude e confiança das mulheres do grupo.

Vimos, no palco, a manifestação de competências musicais, a valorização da cultura

nordestina e o posicionamento de um grupo de percussão formado exclusivamente por

mulheres. O caráter notadamente feminista do grupo chamou minha atenção. Como

desenvolvo trabalhos em parceria com coletivos feministas na escola, considerei a

possibilidade de me inteirar do trabalho proposto pelas “Batucas”. (IOLANDA, depoimento

para o grupo de pesquisa, 26/06/2016).

O depoimento supracitado representa as primeiras impressões da professora que entrou no

grupo para aprender um instrumento de percussão, sem ter tido nenhuma experiência anterior. Foi

um total de sete oficinas abertas ao público, sempre aos domingos (das 15h-17h30). Paralelamente,

apresentamos a discussão e análise das professoras de música, batuqueiras-oficineiras, que fazem

um contraponto, a partir dos relatos da batuqueira-iniciante, apontando para um processo de ensino

e aprendizagem musical através do marcador social da diferença – Gênero –, articulado às

categorias Corpo e Música9.

As oficinas foram gratuitas, não exigindo das integrantes nenhuma formação prévia, escolar

ou musical, e tinham como proposta integrar as mulheres em um espaço de ocupação, comumente

masculino, o da percussão. Assim como ocorre com espaços de dança, a exemplo do reggae. “[...]

sem dúvida o espaço do reggae é de domínio masculino. [...] As garotas são presença significativa

nos salões, mas elas não aparecem como figuras ‘importantes’ [...], são ‘coadjuvantes anônimos’ em

um mundo de ‘estrelas’, que são os dançarinos” (Romero, 1995, p. 92).

7 Grupo de estudo interdisciplinar sobre música, corpo, gênero, educação e saúde (cadastrado no CNPq). 8 Especialista em Extensão Universitária e Desenvolvimento Sustentável (EXTUDES). 9 Sugerimos ver a obra Estudos de gênero, corpo e música: abordagens metodológicas de Isabel Porto Nogueira

(introdução e organização) e Susan Campos Fonseca (introdução e organização) – Goiânia / Porto Alegre: ANPPOM,

2013.

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Nesse sentido, é importante destacar que alguns grupos de maracatu e de samba, por

exemplo, vem construindo em seu histórico uma participação crescente de mulheres10. Aos poucos,

elas vão adentrando nesses espaços, cuja presença era majoritariamente masculina, e imprimindo

outros significados em relações marcadas pela diferenciação de gênero. Essa presença interfere no

mundo da percussão, em suas diversas manifestações musicais (samba, maracatu, pagode, etc.),

espaço ainda visto, muitas vezes, como território masculino e de produção de masculinidades.

O caso de “As Batucas”

O grupo “As Batucas” possui uma proposta de inclusão no campo da música e de

empoderamento das mulheres, através do aprendizado de instrumentos musicais, notadamente de

percussão (batuque). Talvez a questão mais marcante do universo observado tenha sido a discussão

sobre o processo de ingresso e aprendizagem das participantes a partir de três olhares: a) De quem

não detinha nenhuma experiência com instrumentos musicais tampouco era estudante de música

(tocou o agbê); b) De quem criou a proposta de acolhimento das mulheres para uma incursão no

mundo da música como batuqueira (tocou a caixa), o que resultou em uma trajetória de

autoconhecimento e reflexão a partir da observação sobre o processo em curso, dando novos

delineamentos ao mesmo; c) De quem participou como oficineira/batuqueira (tocou a alfaia11),

provinda de uma formação escolar (professora de música), utilizando parte do conhecimento sobre

o modo de ensinar advindo, também, de sua experiência e pesquisas sobre manifestações da cultura

popular, com ênfase em grupos de performers mulheres. Lançamo-nos a discorrer sobre os desafios

de realizar as oficinas abertas com aquele grupo12 e as questões que foram suscitadas a partir dessa

interação e vivência.

Houve oficinas fechadas (cinco, exclusivamente para as oficineiras e a direção do grupo) e

abertas (sete) que assim foram subdivididas: a) Nas três primeiras houve uma sondagem das

mulheres que queriam integrar o projeto, depois disso foi proibida a entrada de qualquer nova

integrante; b) As demais oficinas, efetivamente, serviram para memorização, treinamento do cortejo

10“Quando a Mestra Joana Cavalcante e algumas outras mulheres das Nações Porto Rico e Encanto do Pina, nos

reunimos e surgiu a ideia de formamos um grupo só de mulher, na proposta de tocar e dançar Maracatu, dá

visibilidade as mulheres das duas nações, que são muitas e que estavam se destacando no baque, já que antigamente as

mulheres só dançavam, costuravam, organizavam...” (Maracatu Baque Mulher FBV, 2017). 11 Tambor de maracatu. 12 Registramos, todavia, que tal relato refere-se à participação das três pesquisadoras, no segundo ano de existência do

grupo em destaque, em que foi homenageada Dona Lenita do Coco Novo Quilombo da comunidade do Ipiranga

(Guruji/Conde-PB). Todos os anos, o grupo das Batucas homenageia uma mulher representante da cultura popular

local. Esse ano, a homenageada foi Vó Mera (Tanaka, Freitas; Rocha, 2017, p. 33-34).

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e evolução do grupo, em um percurso de cerca de 1h. Cada naipe de instrumentos contava com uma

facilitadora – oficineira –, que buscava orientar as iniciantes, apresentando os instrumentos,

ensinando como tocá-los, explicando a organização dos naipes e ensinando os ritmos (cerca de 20).

Das 52 mulheres presentes, 15 eram do naipe das alfaias (das quais, metade eram novatas) e 16 dos

agbês. Dos agbês, 10 eram totalmente iniciantes. O restante delas estava distribuído em outros

naipes (agogô, gonguê e caixa). A primeira impressão para as novatas era a de que o agbê era um

instrumento de fácil manejo. No decorrer dos ensaios, perceberam que a facilidade era ilusória e,

nesse caso, foi difícil encontrar a harmonia necessária para um aprendizado satisfatório (segundo a

batuqueira-iniciante deste relato).

O curioso é perceber a associação que se faz do agbê como sendo um instrumento

organicamente feminino. Conforme uma das integrantes do grupo, que fabricava agbês, vivenciada

no candomblé, esse instrumento é de origem africana, tendo sido presente de Iansã (orixá dos

ventos) para Oxum (orixá das águas doces, bastante vinculada a características tidas como

femininas). Já em relação aos tambores (atabaques, ilus), a situação se modifica (nesse caso a

alfaia). O maracatu mantém em suas raízes um forte vínculo religioso de matriz africana, tendo

algumas nações seguido os preceitos religiosos de Xangô; no terreiro, somente os homens na

condição de ogãs podem tocar atabaques nos rituais e cerimônias da casa. Essa imposição acabava

se estendendo, por vezes, à participação da mulher no batuque (Oliveira, 2011, p. 41).

Uma escolha marcada pelo sexismo

Como pesquisadora/oficineira, durante a experiência, tivemos a oportunidade de ouvir de

várias das integrantes do grupo que, de fato, o instrumento de sua preferência e interesse era o

tambor de maracatu (alfaia). Todavia, começavam com aqueles considerados instrumentos leves –

segundo Prass (1998, p. 105 apud Tanaka, 2009, p. 136) –, tais como o ganzá, gã (agogô), o reco-

reco, o chocalho, o abê/agbê (xequerê), mas almejando adquirir, posteriormente, a alfaia e “criar

coragem” para aprender a tocá-la. Muitas delas não creem, inicialmente, na capacidade de

“dominar” a alfaia, representativa da questão do toque atávico muito ligado ao universo masculino.

No candomblé, por exemplo, as mulheres não tocam os atabaques (ilus), pois essa é considerada

uma função dos ogãs (como supramencionado). Já na umbanda, tem sido mais comum encontrar

relatos de grupos que entendem que a mulher pode tocar os atabaques. “Na umbanda, uma mulher

tem total condições para ser uma atabaqueira. Se considerarmos que os Ogãs têm um dom divino,

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uma faculdade mediúnica musical, esta não vem com gênero, mas sim com espírito e este por ter

origem na essência divina não tem sexo” (Umbanda Sete, 2016)13.

Em uma primeira etapa de todo projeto musical, além do repertório a ser executado, há a

escolha sobre qual(is) instrumento(s) tocar. Para quem não possui conhecimento prévio sobre o

manejo dos mesmos, a escolha pode ocorrer de modo intuitivo, construído sobre primeiras

impressões: sonoridade, dimensões, feitio e aparente grau de dificuldade na execução do

instrumento. Portanto, vencer a aparente dificuldade técnica do instrumento é uma das primeiras

observações para tal escolha. Sendo assim, ao mesmo tempo, que a alfaia as atraía, de certo modo,

também, acabava repelindo-as; sendo associada a pessoas que já detinham uma experiência musical

com instrumentos, a mulheres empoderadas do ponto de vista da performance musical

(implicitamente referimo-nos à detenção de um conhecimento transmutado no poderio sobre o

domínio técnico-musical); tendo sido desenvolvida, portanto, uma relação hierárquica entre as

componentes – novatas e veteranas –, dentro do processo de ensino e aprendizagem musical como

pôde ser observada no decorrer das oficinas.

Éramos mulheres com vivências sociais, culturais, escolares diversas, de diferentes idades,

etnias e classes sociais, todavia, algumas das divergências, até certo ponto, concentraram-se sobre a

metodologia que ali se deveria aplicar. Por fim, seriam as percussionistas de ofício e/ou com

formação acadêmica que validariam a metodologia a ser adotada e que tomariam as decisões no que

se referia ao processo em termos gerais (instrumentos, repertório, coreografia do arrasto,

cronograma de ensaios, figurino, evolução do arrasto, gravação e postagem dos vídeos

demonstrativos dos modos de execução dos instrumentos, etc.).

Percebemos, contudo, que houve algumas desistências e supomos que a falta de formação

pedagógico-musical efetiva de algumas oficineiras pode ter acarretado isso ou mesmo gerado

dificuldades na aprendizagem de batuqueiras-iniciantes (até pela exiguidade do tempo), o que, na

visão destas pesquisadoras, passou a ser motivo de observação e reflexão. O intuito maior era

avançar no aprimoramento do processo em curso, sendo que as referidas consequências só foram

sentidas pela “diretoria” posteriormente (subgrupo, “Batucas-diretoria”). A participação de uma das

mentoras do batuque, no MUCGES e, posteriormente, ao processo analisado como aluna de uma

especialização em um núcleo interdisciplinar de pesquisa e extensão em educação popular14 foi

decisiva para compreender, rever e discutir os meandros do processo de preparação das batuqueiras

13 Blog. Disponível em: <http://umbanda-sete.blogspot.com.br/>. Acesso em: 25 ago. 2016. 14 Atualmente, vem cursando a licenciatura em música (graduação na UFPB).

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iniciantes para a apresentação oficial, com o grupo que, atualmente, lidera “As Batucas”. Devemos

salientar que igualmente importante foram as conversas entre as pesquisadoras deste relato.

De certo modo, o grupo que ficou no comando se mantém coeso e vem desenvolvendo

propostas e planejamentos para as futuras oficinas. O grupo sofre uma grande rotatividade já que se

trata de uma ação pontual e demarcada das “Batucas” – o bloco de arrasto –, que só acontece entre

outubro e fevereiro de cada ano (o planejamento e as apresentações do grupo, no restante do ano).

Em relação à aparente dificuldade de execução entre os instrumentos, devemos salientar que

ainda existe a crença de que o corpo feminino esteja despreparado para “enfrentar” qualquer tipo,

seja “leve ou pesado”, seja considerando-os como sendo “para homem” ou “para mulher” 15. E,

principalmente, sobre como a capacidade de intérprete/performer (e mesmo como compositora) está

sendo sempre posta à prova. Nesse sentido, acabavam inevitavelmente passando pelo crivo de

músicos e músicas; quando não, sofriam o preconceito das próprias mulheres (que não tocavam ou

não estavam no grupo), por acreditarem que as mulheres do batuque são “feministas” (em termos

pejorativos), lésbicas ou têm problemas de aceitação e competitividade com os homens.

A opinião das demais colegas de naipe era sempre levada em conta. Todavia, o diálogo

aberto, muitas vezes, não se estabelecia quando se tratava de determinadas dificuldades técnicas

(memorização dos ritmos, domínio técnico-instrumental, atos combinados – dançar e tocar, andar e

tocar –, etc.) apresentadas pelas próprias iniciantes que tomavam tais questões como sendo

decorrentes de problemas isolados. Entendemos que a iniciativa de dar esclarecimentos sobre tais

aspectos caberia às facilitadoras/oficineiras, embora a maioria não tivesse experiência pedagógica

no ensino de instrumentos e nem um preparo didático para lidar com o público aprendente.

Infelizmente, esse tipo de reação advém de alguns papeis que certas mulheres acabam se

impondo por autocobrança, ou mesmo por cobrança alheia e até por uma baixa crença de

autoeficácia (Bandura, 1994), quer consciente ou inconscientemente. Roger Chartier acredita que:

[...] retomando a tese de Bourdieu, afirma que a construção da identidade feminina teria se

pautado na interiorização pelas mulheres das normas enunciadas pelos discursos

masculinos; o que corresponderia a uma violência simbólica que supõe a adesão dos

dominados às categorias que embasam sua dominação. Assim, definir a submissão imposta

às mulheres como uma violência simbólica ajuda a compreender como a relação de

dominação – que é uma relação histórica, cultural e linguisticamente construída – é sempre

afirmada como uma diferença de ordem natural, radical, irredutível, universal

(CHARTIER, 1995, p. 40-44 apud SOIHET, 2008, p. 198) 16.

15 Significa dizer, por exemplo, que “a intérprete, sobretudo aquela que estenda suas atividades a tocar um instrumento

ou um estilo musical que evoque de maneira opressiva a masculinidade, tem que superar – e seguir superando – o

transtorno evocado que produzirá sua própria interpretação” (GREEN, 2001, p. 130-131, tradução nossa). 16 V. Miranda, 2016, p. 120.

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Identidade e performance musical

Grupos como esses, formados apenas por mulheres, e principalmente de manuseio de

instrumentos ditos “masculinos”, sofrem preconceito tanto por parte de mulheres como até de

homens, que se sentem alijados da participação e chegam a fazer chistes sobre como poderiam

modificar sua aparência (parecendo mulher) para entrarem no grupo. Ou mesmo, quando surgem

assuntos sobre aceitação de transexuais ou de transgêneros. De acordo com Carvalho, Andrade e

Junqueira (2009) pessoas com essas identidades não se enquadram na sequência heteronormativa

sexo-gênero-sexualidade.

Nesse esteio, passamos a refletir sobre a própria questão da identidade e sobre como

algumas situações acabam induzindo o grupo à análise de suas propostas inclusivas e de como se

pode contemplar da melhor forma um grupo que se pretende ser exclusivamente feminino.

Também, sobre quem se considera uma “batuqueira” (Batucas), sobre que pessoa pode efetivamente

ser uma “batuca” e sobre os variados perfis com os quais haverá que se lidar. Até mesmo porque a

identidade não é fixa, uma vez que o indivíduo está sujeito a assumi-la, dependendo dos

desdobramentos das múltiplas determinações a que estiver sujeito. “A identidade, então, costura o

sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam,

tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis” (Hall, 2001, 12).

Em relação à performance musical alguns aspectos perpassam pela tentativa da construção

de uma identidade que, a princípio, pode ser efêmera (Hall, 2011), pois tais representações podem

se tornar parte da identidade como podem ser um aspecto que não se consolida à estrutura

psicológica de cada pessoa. Mas que em determinado momento tem uma representatividade

relevante. Consideramos a performance musical, no entendimento de Graver (2003), como “uma

representação da pessoa do self no interior de um domínio argumentativo da música”. A

representação do self seria o objeto direto do verbo “performatizar”. Graver aprofundou a ideia e diz

que o que os músicos “performatizam” primeiramente não é música, mas suas próprias identidades

como músicos, sua personae musical (Graver, 2003 apud Auslander, 2006, p. 102, tradução nossa).

A performance, segundo Burke (1969), é um evento interpretativo envolvendo atores, propostas,

roteiros, histórias, estágios e interações (apud Denzin, 2003, p. 8, tradução nossa). Denzin ao tecer

considerações sobre uma política prática, progressiva dos estudos culturais performativos aponta,

ainda, dentre outros tópicos, a diferença entre performatividade e performance, sobre as quais cita

Butler (1993a, p. 141 apud Denzin, 2003, p. 10) que remete-nos à ideia de que não há performances

originais ou identidades, não havendo, deste modo, uma identidade a partir da qual um ato ou

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atributo pudesse ser mensurado e, assim, cada performance seria uma imitação, uma forma de

mimesis, seria um original e, ao mesmo tempo, uma imitação (Butler, 1993a, p. 644 apud Denzin,

2003, p. 10, tradução nossa).

A questão sexista engloba muitos aspectos dentre eles sobre a identidade de quem fala, de

onde se fala, quem “pode” ou “deve” ser considerada mulher e, finalmente, sobre a “proibição” de

homens que passam a ser aceitos ou sentem-se rechaçados dos espaços ditos femininos. Essa

temática, inclusive, também, foi alvo de indagações de maridos, amigos e parentes das integrantes

do grupo. “Então, é o clube da Luluzinha?”, “Então, vou colocar uma saia e uma peruca pra poder

sair, também, no grupo!”. Surgiu, destarte, a necessidade de uma proposta embasada com uma

argumentação bem formulada para que não parecesse que as mulheres estavam se unindo para um

movimento “anti-homens”. Essa tem sido uma preocupação comum enfrentada por grupos

femininos/feministas, qual seja a questão da criação de grupos instrumentais, exclusivamente

femininos, principalmente, os que utilizam a percussão, a exemplo do Baque Mulher:

Os homens no Baque Mulher são bem vindos para ser nosso apoio, principalmente no

cortejo do Carnaval, que quem já desfilou sabe que levamos comidas, bebidas, e se outras

mulheres forem levar nosso carro, estaríamos tirando umas 10 mulheres do Baque, por isso

venho esclarecer nesse texto, que não somos um movimento anti-homens, somos mulheres

que pensamos iguais e até diferente e que unidas venceremos o machismo, o preconceito, a

homofobia, racismo, e qualquer violência que possa existir. (MARACATU BAQUE

MULHER FBV, 2017, grifo nosso).

Voltando ao preconceito existente nessa divisão sexista entre instrumentos “de homens” e

“de mulheres”, podemos afirmar que a batuqueira iniciante sente-se analisada e avaliada dentro

dessa divisão binária. Sentem, ainda, que o modo das mulheres tocarem diferem da execução de

homens e nesse aspecto elas estão, por vezes, sendo comparadas ao corpo e performance

masculinas. Ou, sendo julgadas por não estarem desempenhando um “papel” destinado à mulher.

Inclusive, algumas internalizavam que suas dificuldades de memorização dos ritmos e

domínio instrumental eram individualizadas e que, portanto, não deveriam ser mencionadas; um

atestado de incompetência (na opinião de algumas) e despreparo para estar em um espaço musical

de domínio masculino em que só as mulheres empoderadas e “corajosas” teriam “legitimidade”

para ocupar. A tentativa de empoderamento e enfrentamento dentro de tais situações leva a mulher a

uma condição de dupla amarração:

O acesso ao poder, seja ele qual for, coloca as mulheres em situação de double bind: se

atuam como homens elas se expõem a perder os atributos obrigatórios da “feminilidade” e

põem em questão o direito natural dos homens às posições do poder; se elas agem como

mulheres, parecem incapazes e inadaptadas à situação. (BOURDIEU, 1999, p. 84)

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Lidamos nesses processos analíticos com vias de mão dupla, sobre o que Bourdieu nos

alerta, no caso do double bind; significa dizer que algumas mulheres no afã de conquistar seus

próprios espaços tiveram que assumir lugares masculinos, o que gerou conflitos internos (Tanaka,

2009, p. 143), bem como conflitos com seus pares, acabando por gerar uma situação de inversão em

seus tradicionais papeis sociais. Segundo Green (2001, p. 132), “[...] as mulheres músicas não

apenas têm que superar, em primeiro lugar, os prejuízos externos, senão que as posturas negativas

interiorizadas em relação à evocação musical”17. Afirma ainda que “nossas crenças e premissas

sobre o gênero não somente se estabelecem socialmente, fora da música, aplicando-se a essa mais

tarde. Também se formam através de nossa mesma experiência musical, como uma verdade

aparentemente autônoma”18.

Considerações finais

A partir do caminho feito, chegamos a alguns entendimentos iniciais sobre o estudo da

interdisciplinaridade entre gênero e música, em termos de áreas do saber que, dada a amplitude

foram descamadas para outras categorias de estudo – empoderamento feminino e performance

musical –, inclusive, devido à grande multiplicidade de aspectos a serem considerados.

Complexidade de visões, portanto, de difícil equacionamento, levando em conta a diversidade

abarcada sejam pelos marcadores sociais, sejam pelos perfis e experiências apresentados pelas

integrantes no grupo musical.

Um desses aspectos a serem observados diz respeito à evasão, recorrente também na

educação formal e em diferentes campos do fazer humano. Uma das perguntas que pode ser

formulada é: Como as mulheres dos grupos da cultura popular mantêm suas expectativas e

propostas iniciais de ensino e transmissão de seu conhecimento? Como transmitem sua

hereditariedade cultural para as gerações vindouras? Alguns dessas perguntas ensejaram vários

estudos e pesquisas no campo da etnomusicologia (estudo da música na cultura), bem como da

educação (e educação musical) e podem nos dar pistas para possíveis respostas, para nós como

educadorxs e como pesquisadorxs lato sensu.

17 [...] las mujeres músicas no sólo tienen que superar, en primer lugar, los prejuicios externos, sino las posturas

negativas interiorizadas em relación com la evocación. 18 Nuestras creencias y premisas sobre el género no sólo se establecen socialmente, fuera de la música, aplicándose a

ésta más tarde. También se foram a través de nuestra misma experiencia musical, como una verdad aparentemente

autónoma.

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Um dos fins mediatos do relato/depoimento que ora apresentamos tem o intuito de provocar

mudanças paradigmáticas de ordem metodológica e didático-pedagógica, a fim de que os estudiosos

dos fenômenos que envolvam exclusivamente mulheres tenham alguns pontos referenciais na

discussão sobre esses universos musicais. Mantemos a opinião de que se trata de um exercício de

alteridade, para que se reflita e se (re)elabore um design instrucional para o ensino que permita às

aprendizes sentirem-se motivadas, aumentando, assim, sua crença de autoeficácia. Não se trata de

uma questão de ter capacidades (inteligência, habilidades, conhecimentos, talento, etc.), mas de

desenvolver elementos que tornarão as mulheres empoderadas sobre o conhecimento que querem

adquirir, seja ele qual for.

Com isso, o pressuposto é de que as mulheres não atribuam, de pronto, seus eventuais

insucessos, insegurança ou despreparo, à falta de capacidade ou incompetência. Toda performance

se imbui de uma grande dose de crença de autoeficácia e preparo instrucional para tal, não podendo

se atribuir o sucesso apenas a aspectos, tais como, falta de exercício/treinamento, dedicação,

disciplina ou interesse. Há que se atentar para o conhecimento que leve as pessoas a atingirem o

patamar mínimo de autoexigência e efetivação performática, sob pena de estarmos levando-as

potencialmente a uma frustração anunciada ou a incidência de uma violência simbólica. O

empoderamento, nesse caso, está associado ao domínio da dita performance musical. Contudo, há

que se considerar os meios pelos quais conseguiremos atingir determinados objetivos. Culpabilizar

as pessoas pelo insucesso da aprendizagem é apenas uma visão parcial e reducionista do ato de

aprender e inabilidade na dialogicidade do ato de ensinar. A educação musical como área rechaça

esse tipo de comportamento por parte dos educadores, destacando que a metodologia a ser adotada

bem como as “articulações pedagógicas” é que estão no cerne do processo (Tanaka Sorrentino,

2012).

Como resultado parcial desse processo inicial das pesquisadoras do MUCGES, apontamos

que os primeiro passos estão sendo traçados para a compreensão, principalmente, sobre a condução

dos projetos educativo-musicais e inclusivos que abarquem as mulheres em um universo, como já

dito, historicamente marcado pela presença dos homens. Para que, afinal, tenhamos uma real

inclusão e ampliação sobre o empoderamento através da performance musical feminina. Alguma

perspectiva, todavia, nesse sentido já pode ser creditada, apesar de entendermos que, de fato, tais

aspectos têm raízes mais profundas e que, no entendimento do MUCGES, só o estudo

interdisciplinar dará conta de obter algumas respostas e vislumbrar resoluções.

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Temos observado que em meios compostos exclusivamente por músicas (feminino de

músicos), levamos em conta as arestas e diferenças dentro do próprio universo instaurado pela

diversidade do feminino e as relações de poder estabelecidos em seu interior. Relembrando que tal

como afirma Bourdieu, supramencionado, “a construção da identidade feminina teria se pautado na

interiorização pelas mulheres das normas enunciadas pelos discursos masculinos” (Chartier, 1995,

p. 40-44 apud Soihet, 2008, p. 198)19. As referidas relações de poder são, até certo modo,

inconscientemente reproduzidas entre as mulheres quando se disputa um espaço pelo

reconhecimento e apreensão de saberes específicos subjacentes ao empoderamento de algumas,

diante do grupo. E assim, o entrecruzamento sobre empoderamento e performance musical faz-se

presente nesse delineamento cujo entendimento requer, ainda, observações e dados que nos

permitam uma compreensão mais ampla do fenômeno estudado.

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Empowerment and musical performance: researchers in a female batuque

Abstract: The present communication deals with the participation of three researchers in a batuque

(Carnival block), in the city of João Pessoa, named by the pseudonym “As Batucas”, in a process of

teaching and learning music, formed exclusively by women. The aim of the group has been to

summon women who are interested in playing a percussion instrument in order to compose a

drumming, regardless of the evidence and differentiation of social markers (ethnicity, age /

generation, class, etc.), religious orientation as of his musical training. The report briefly analyzes

the entrance of incipient batuqueiras (without experience with musical instruments), facilitated by

monitors, promoting a reflection on the process regarding the learning, memorization and

consequent execution of rhythms (about twenty, including the turns between them). Primarily, it

discusses the impressions and difficulties of those who enter abruptly, launching themselves into

the world of musical performance, within a temporal limitation (seven workshops) for a public

presentation (in the form of courtship / drag). The heart of the story is to foster discussions about

the intricacies of musical learning, not institutional, in an alternative space, led by women; Its

proposal, its methodology and issues of empowerment in an eminently feminine universe. Mainly,

the challenges presented and possible dialogues with the place where the researchers come from and

the establishment of a batuqueira identity.

Keywords: Musical performance, MUCGES, Calungas, Interdisciplinary studies, search group.