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Revista E metrópolis

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  • ISSN 2177-2312

    Publicao trimestral dos alunos de ps-graduao de programas vinculados ao Observatrio das Metrpoles.

    revista eletrnica e-metropolis

    Observatrio das Metrpoles Prdio da Reitoria, sala 522Cidade Universitria Ilha do Fundo21941-590 Rio de Janeiro RJ

    Tel: (21) 2598-1932Fax: (21) 2598-1950

    E-mail:[email protected]

    Website:www.emetropolis.net

    A revista eletrnica e-metropolis uma publicao trimestral que tem como objetivo principal suscitar o debate e incentivar a divulgao de trabalhos, ensaios, resenhas, resultados parciais de pesquisas e propostas terico-metodolgicas relacionados dinmica da vida urbana contem-pornea e reas afins.

    direcionada a alunos de ps-graduao de forma a priorizar trabalhos que garantam o carter multidisciplinar e que proporcionem um meio democrtico e gil de acesso ao conhecimento, estimulando a discusso sobre os mltiplos aspectos na vida nas grandes cidades.

    A e-metropolis editada por alunos de ps-graduao de programas vincu-lados ao Observatrio das Metrpoles e conta com a colaborao de pesqui-sadores, estudiosos e interessados de diversas reas que contribuam com a discusso sobre o espao urbano de forma cada vez mais vasta e inclusiva.

    A revista apresentada atravs de uma pgina na internet e tambm disponibilizada em formato pdf, visando facilitar a impresso e leitura. Uma outra possibilidade folhear a revista.

    As edies so estruturadas atravs de uma composio que abrange um tema principal - tratado por um especialista convidado a abordar um tema especfico da atualidade -, artigos que podem ser de cunho cientfico ou opinativo e que sero selecionados pelo nosso comit editorial, entrevistas com profissionais que tratem da governana urbana, bem como resenhas de publicaes que abordem os diversos aspectos do estudo das metrpoles e que possam representar material de interesse ao nosso pblico leitor.

    A partir da segunda edio da revista inclumos a seo ensaio fotogrfico, uma tentativa de captar atravs de imagens a dinmica da vida urbana. Nessa mesma direo, a seo especial - incorporada na quarta edio - uma proposta de dilogo com o que acontece nas grandes cidades feita de forma mais livre e de maneira a explorar o cotidiano nas metrpoles.

    Os editores da revista e-metropolis acreditam que a produo acadmica deve circular de forma mais ampla possvel e estar ao alcance do maior nmero de pessoas, transcendendo os muros da universidade.

  • conselho editorialProf Dr. Ana Lcia Rodrigues (DCS/UEM)Prof Dr. Aristides Moyss (MDPT/PUC-Gois)Prof Dr. Carlos de Mattos (IEU/PUC-Chile)Prof Dr. Carlos Vainer (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Claudia Ribeiro Pfeiffer (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Emilio Pradilla Cobos (UAM do Mxico)Prof Dr. Fania Fridman (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Frederico Araujo (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Hlne Rivire dArc (IHEAL)Prof Dr. Henri Acserald (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Hermes MagalhesTavares (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Inai Maria Moreira Carvalho (UFB)Prof Dr. Joo Seixas (ICS)Prof Dr. Jorge Natal (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Jose Luis Coraggio (UNGS/Argentina)Prof Dr. Lcia Maria Machado Bgus (FAU/USP)Prof Dr. Luciana Corra do Lago (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Luciana Teixeira Andrade (PUC-Minas)Prof Dr. Luciano Fedozzi (IFCH/UFRGS)Prof Dr. Luiz Antonio Machado (IUPERJ)Prof Dr. Manuel Villaverde Cabral (ICS)Prof Dr. Marcelo Baumann Burgos (PUC-Rio/CEDES)Prof Dr. Mrcia Leite (PPCIS/UERJ)Prof Dr.Maria Julieta Nunes (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Maria Ligia de Oliveira Barbosa (IFCS/UFRJ)Prof Dr. Mauro Kleiman (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Robert Pechman (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Robert H. Wilson (University of Texas)Prof Dr. Rosa Moura (IPARDES)Ms. Rosetta Mammarella (NERU/FEE)Prof Dr. Sergio de Azevedo (LESCE/UENF)Prof Dr. Simaia do Socorro Sales das Mercs (NAEA/UFPA)Prof Dr Sol Garson (PPED/IE/UFRJ)Prof Dr. Suzana Pasternak (FAU/USP)

    editor-chefeLuiz Cesar de Queiroz Ribeiro

    editoresCarolina ZuccarelliEliana KusterFernando PinhoJuciano Martins RodriguesMarianna OlingerPaula Silva GambimRenata Brauner Ferreira

    assistenteDaphne Costa Besen

  • Editorialn 10 ano 3 | setembro de 2012

    Neste perodo de eleies mu-nicipais entregamos vocs mais um edio da Revista e-metropolis, e, claro, no podera-mos deixar de tratar sobre um tema to importante para o pas! Assim, o nosso artigo de capa debate a instau-rada tese acerca da relao entre elei-es municipais e o desempenho dos executivos estaduais e federal. Para o autor Nelson Rojas de Carvalho pouco provvel que, detidos nessa anlise, os analistas polticos discu-tam sobre a nova territorialidade dos conglomerados urbanos e os desafios implicados numa nova dinmica so-cioeconmica. O artigo As Eleies Municipais e a Questo Metropolita-na uma atenta anlise do processo partidrio brasileiro e promove uma interessante discusso sobre a qua-lidade da governana frente nova territorialidade metropolitana.

    Dando seguimento revista, o artigo A Participao Popular como Instrumentao para um Modelo de Gesto de Stios Histricos Urbanos, de Michele de Santana, analisa as disputas e os conflitos travados entre a populao e setores do empresaria-lismo urbano na gesto de stios his-tricos e destaca a importncia de um modelo de participao popular para a qualidade de vida da populao na-tiva dessas reas. A partir do estudo de caso feito no Stio Histrico de Olinda a autora ilustra a relevncia de um canal de comunicao popular para a gesto democrtica das reas histricas brasileiras.

    Uma importante contribuio no debate ainda posto no Congresso Nacional a respeito do novo Cdigo Florestal feito pelo artigo Regu-larizao Fundiria e os Conflitos

    com as Normas do Cdigo Florestal para APP Urbana. As autoras Maria do Carmo Bezerra e Tatiana Chaer tratam especialmente do conflito de gesto nas APPS - reas de Preser-vao Permanente - quando regidas pela legislao ambiental e urbana e tambm como o municpio, atravs de seu plano diretor, pode vir a assu-mir um papel de destaque na reduo dos conflitos nessas reas.

    Identificando a falta de uma referncia expressa cidade polo da rea que corresponde Regio Metropolitana do Vale do Ao, nosso ltimo artigo faz uma classificao dos 26 municpios que compem a regio na tentativa de estabelecer a cidade de maior centralidade. No artigo Conhecendo a Regio Metropolitana do Vale do Ao (MG) e seu Colar Metropolitano os autores Romerito Valeriano da Silva e Lenidas C. Barroso mapeiam as cidades de maior potencialidade e as mais vulnerveis e demonstram a elevada desigualdade de desenvolvimento na RMVA mineira.

    O entrevistado desta edio o renomado professor de sociologia da Universidade de Chicago, Terry N. Clark, que nos falou sobre uma das ideias centrais de seu livro The City as an Entertainment Machine, uma crtica a respeito dos processos causais normalmente aceitos para explicar o crescimento das cidades. Para o autor, estudar a relao entre consumo, entretenimento e poltica de desenvolvimento urbano implica numa perspectiva multicausal j que tanto fatores materiais quantos no-materiais atuam de forma interde-pendente e cada um desses processos ocorre simultaneamente.

    O debate sobre democracia partici-pativa retomado atravs da rese-nha Descentralizao e Democracia Participativa no Uruguai, feita por J. Ricardo Tranjan. A resenha dialoga com o livro Barrio Democracy in Latin America: Participatory Decen-tralization and Community Activism in Montevideo, de Eduardo Canel, que estuda a formao e as trans-formao da sociedade civil em trs bairros de Montevideo. Destaca-se na resenha tambm a oportunidade de conhecer a histria poltica do Uru-guai e a anlise dos fatores estrutu-rais que conformam a sociedade civil daquele pas.

    Na seo especial, a professora Eliana Kuster nos faz viajar um pou-co ao lanar a pergunta: at que ponto a forma das nossas cidades resul-tante da evoluo nos nossos meios de transporte? Atravs do olhar da arquiteta, acompanhamos a exposi-o Quand nos mouvements faon-nent les villes, que ocupou a Cit de larchitecture & du patrimoine, em Paris, por alguns meses de 2012. Percebemos de forma clara como, profundamente atreladas s maneiras de se fazer a circulao urbana, esto tambm as formas de se organizar e de se viver em uma cidade.

    Finalmente, o ensaio fotogrfico desta edio um registro fotogrfi-co das relaes afetivas vivenciadas nos espaos da cidade, nesse caso a periferia de Goinia. O ensaio imag-tico-potico foi feito pela professora da Faculdade de Artes Visuais (FAV/UFG) Manoela dos Anjos Afonso en-tre 2006 e 2012 e faz parte do projeto artstico Daily Routes.

    Esperamos que a leitura da dci-ma edio seja to proveitosa para o nosso leitor quanto foi para ns, edi-tores, a sua elaborao.

    Divirtam-se!60 ensaio

    56 especial

  • editorial

    Capa

    06 As eleies municipais e a questo metropolitanaMunicipal elections and the metropolitan issue

    Por Nelson Rojas de Carvalho

    Artigos

    17 A participao popular como instrumentao para um modelo de gesto de stios histricos urbanosThe popular participation as instrumentation for a management model of urban historical sites

    Por Michele dos Anjos de Santana

    26 Regularizao fundiria e os conflitos com as normas do cdigo florestal para APP urbanaLand regularization and the conflicts with urban permanent protection areas in brazilian forestry code

    Por Maria do Carmo de Lima Bezerra e Tatiana Mamede Salum Chaer

    37 Conhecendo a regio metropolitana do Vale do Ao (MG) e seu colar metropolitano.Knowing the metropolitan area of the Vale do Ao (MG) and its metropolitan collar

    Por Romerito Valeriano da Silva e Lenidas Conceio Barroso

    Entrevista

    48 A cidade do entretenimento na sociologia urbanaThe enternainment city in the urban sociology

    Por Terry Nichols Clark

    Resenha

    53 Descentralizao e democracia participativa no UruguaiDecentralization and participatory democracy in the Uruguay

    Por J. Ricardo Tranjan

    Especial

    56 Quando nossos movimentos definem as cidades: a circulao como demarcao morfolgica das metrpolesWhen our movements define the cities: circulation as morphological demarcation of metropolises

    Por Eliana Kuster

    Ensaio

    60 Daily routesDaily routes

    Por Manoela dos Anjos Afonso

    60 ensaio

    ndicen 10 ano 3 | setembro de 2012

    Projeto grfico e editorao eletrnica

    Paula Sobrino

    Reviso

    Aline Castilho

    A Ilustrao de capa foi feita por Gabriela Araujo e Eduardo Souza, ambos de Recife PE.

    http://cargocollective.com/gabrielaaraujohttp://cargocollective.com/eduardosouza

    ficha tcnica

    56 especial

  • capa

    Nelson Rojas de Carvalho

    Nelson Rojas de Carvalho historiador/cientista poltico. Professor adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e, tambm, professor no programa de Ps-graduao em cincias sociais (PPGCS) da UFRRJ, tem experincia na rea de Ci-ncia Poltica, com nfase Sistema Eleitoral e Partidrio, Congresso e Poltica Pblica. Atualmente, Coordenador da pesquisa - em convnio com o INCT- Observatrio das Metrpoles - sobre geografia do voto e governana em 15 regies metropolitanas brasileiras.

    [email protected]

    As eleies municipais e a questo metropolitana

  • capa

    RESUMOCertamente menos por inapetncia analtica e muito provavelmente em razo do efeito combinado da institu-cionalizao do processo eleitoral no Pas e da volatili-dade decrescente no comportamento de nosso quadro poltico-partidrio, podemos desde j antever as chaves centrais de anlise dos resultados das eleies de outu-bro deste ano; com toda certeza, as anlises ps-eleito-rais no se furtaro de indicar o(s) partido(s) vitorioso(s) a partir da contagem do nmero bruto de prefeituras conquistado por cada agremiao partidria no conjunto do Pas ou do desempenho dos partidos nos grandes cen-tros urbanos, em especial nas capitais dos estados. de esperar, em j conhecida e duvidosa associao entres nossas eleies municipais e as eleies intermedirias (midterm elections) norte-americanas, a identificao no resultado das urnas veredito sobre o desempenho dos executivos estaduais e federal, alm da chancela sobre o futuro de lideranas polticas. No artigo analisamos uma consequncia de primeira importncia desconsiderada pelos analistas polticos: verificaremos em que medida os resultados das urnas, nos pleitos municipais, tm-se traduzido em desincentivo cooperao intermunicipal e ao estabelecimento de alguma modalidade de autori-dade poltica nas regies metropolitanas do Pas.

    Palavras-chave: Eleies municipais; Metrpole; Gover-nana metropolitana.

    AbStRACtCertainly, less for the lack of analytical appetite and probably because of the combined effect of the insti-tutionalization of the electoral process in the country and of the decreasing volatility in the behavior of our political-partisan board, we are able, since now, to foresee the central analytical keys of the results of the October elections of this year; most certainly, the post-electoral analyses will not shy away from indicating the victorious parties from the counting of the raw number of city halls attained by each partisan fellowship in the country set or of the parties performance in the big urban centers, especially in the states capitals. It is expected, in the already known and doubtful association between our municipal elections and the North-American midterm elections, the identification in the results of the elections verdict about the performance of the state and federal executives, besides the seal about the fu-ture of political leaderships. We are going to analyze in the paper, a consequence of primary importance which is not considered by the political analysts: we will verify to what extent the results of the elections, in the munici-pal disputes, have been translated in disincentive to the inter-municipal cooperation and to the establishment of certain modality of political authority at the metropoli-tan regions of the country.

    Palavras-chave: Municipal elections; Metropolis; Metro-politan governance.

    As eleies municipais e a questo metropolitana

  • 8 n 10 ano 3 | setembro de 2012 e-metropolis

    c a p a

    O SiGNifiCADO DAS ElEiES MUNiCiPAiSComo se sabe, municipalista e descentralizadora em sua orientao, a constituio de 1988 revestiu o municpio brasileiro de novas prerrogativas constitu-cionais e ampliou sua participao no conjunto do bolo tributrio do Pas, por meio de transferncias constitucionais. Caso nico nos sistemas federais, nosso municpio goza, juntamente com os estados e a Unio, da condio de ente federativo e usufrui de ampla autonomia nos campos poltico, adminis-trativo, legislativo e financeiro, tendo incorporado a partir da promulgao da carta de 1988 novas com-petncias e atribuies. Deve-se mencionar que aps a promulgao da carta de 1988, ao lado da reforma tributria que beneficiou os municpios, esses tiveram seus poderes consideravelmente ampliados, seja em relao aos instrumentos de auto-organizao, seja em relao ao exerccio da autonomia administrati-va, financeira e legislativa autonomia que reservou aos municpios reas exclusivas de legislao, como a regulamentao do uso do solo urbano, dos tributos municipais, transportes, meio ambiente e definio dos parmetros de zoneamento da cidade. Nas pala-vras de Almeida e Santos (2008, p.407):

    Como entes federativos, os municpios so dotados tambm de capacidade de auto-organizao por meio de lei orgnica municipal prpria. Possuem, alm disso, autonomia legislativa, ou seja, a capaci-dade de legislar sobre assuntos de interesse local e de complementar as legislaes estadual e federal. A autonomia administrativa implica liberdade para as atividades do governo local, criar o quadro de servidores municipais e criar ou suprimir distritos. J a autonomia financeira se materializa na prer-rogativa de criar e arrecadar os tributos prprios; elaborar, aprovar e executar o oramento munici-pal e aplicar os recursos levando em conta certas limitaes constitucionais.

    A elevao do municpio instncia dotada de re-levo dentro do nosso arcabouo federativo traduziu-se em incentivo ao autogoverno, de um lado, e na materializao desse incentivo, de outro, na eleio direta de prefeitos e vereadores por um perodo de quatro anos. Se a ditadura manteve o calendrio de eleies para prefeitos, vale lembrar que essa clusula no se estendeu s capitais, estncias hidrominerais e zonas consideradas como reas de segurana nacio-nal. Com a constituio de 1998, removeram-se tais excees e universalizou-se a eleio direta para pre-feito em todos os municpios do pas.

    Se os governos dos mais de 5500 municpios bra-sileiros se elegem pela via direta, cabem aqui duas

    observaes sobre as regras e o calendrio eleitoral que orientam o processo de constituio dos gover-nos locais. Por um lado, vale assinalar que prefeitos e vereadores, embora eleitos em pleito simultneo, so escolhidos por meio de frmulas eleitorais distintas: enquanto o sistema de pluralidade em um s turno a regra de escolha dos chefes do executivo em mu-nicpios com at 200 mil eleitores, os vereadores so eleitos segundo o sistema proporcional em lista aber-ta1. Por outro lado, um trao distintivo das eleies municipais o fato de ocorrem de forma isolada, em ciclo eleitoral prprio; se as eleies para presidente, senador, deputado federal e estadual so coinciden-tes, as eleies para prefeito e vereador ocorrem em momento distinto, com dois anos de separao dos demais pleitos.

    Importa aqui salientar que ambas as dimenses do federalismo no Brasil o significativo incremen-to das atribuies constitucionais e das receitas fis-cais dos municpios, com a consequente habilitao das instncias de poder local ao autogoverno, de um lado, e o ciclo eleitoral no coincidente das eleies para prefeitos e vereadores, de outro lado , tm des-pertado importantes questes sobre o funcionamento do sistema poltico brasileiro. Para um nmero consi-dervel de analistas, o federalismo robusto entre ns estaria na raiz da descentralizao e fragmentao das instncias de poder, na base dos altos custos de coor-denao impostos s lideranas polticas e, igualmen-te, na dificuldade de nacionalizao de nosso sistema poltico-partidrio refm de subsistemas polticos locais. Os impasses de governana e o subdesenvolvi-mento partidrio no Pas seriam, por seu turno, resul-tado do efeito combinado de um sistema partidrio fragmentado e descentralizado, do sistema eleitoral de lista aberta e de um federalismo robusto, organi-zado em trs nveis de governo, com destaque indito conferido ao municpio.

    Uma segunda peculiaridade da dinmica poltica municipal refere-se ao fato de prefeitos e vereadores estarem submetidos a um ciclo eleitoral prprio, es-colhidos em eleies solteiras. No so poucos os ana-listas que, em razo dessa caracterstica do calendrio eleitoral, pretendem atribuir s eleies municipais o significado das eleies intermedirias norte-america-nas, ou seja, identificam nessas eleies momento da aprovao ou reprovao do desempenho dos gover-nos estaduais e do governo federal. Com efeito, s vsperas das eleies de 7 de outubro, percebe-se cla-ra inteno na cobertura da imprensa de se extrair do

    1 No caso de municpios com populao superior a 200 mil eleitores, o prefeito escolhido pelo sistema majoritrio em dois turnos.

  • 9n 10 ano 3 | setembro de 2012 e-metropolis

    c a p a

    resultado das urnas indcios de apoio ou rejeio, por parte dos eleitores, orientao do Governo Dilma e dos Partidos dos Trabalhadores.

    Menos interessada na identificao de resultados polticos duvidosos e mais rigorosa no que se refere aos mtodos de anlise, a produo acadmica tem-se voltado para um outro conjunto de perguntas, ao investigar a dinmica das eleies municipais. A an-lise da latitude dos subsistemas polticos locais ou, em outros termos, o grau de coordenao observado entre os trs nveis de nosso sistema partidrio mu-nicipal, estadual e federal tem sido preocupao central de um nmero considervel de investigaes recentes. O destaque conferido ao tema de fcil compreenso: um sistema federativo robusto como o brasileiro em que os municpios se veem revesti-dos de atributos constitucionais nada desprezveis , aliado a um sistema eleitoral fraco, poderia produzir, como consequncia, cenrio marcado pela pulveriza-o dos subsistemas poltico-partidrios locais e, por-tanto, cenrio de srios desafios de coordenao s lideranas polticas e de entraves governabilidade.

    Ora, a despeito da dinmica, a um s tempo cen-trfuga e pulverizadora, que advm de nosso arca-bouo institucional, estudos recentes sugerem que a organizao dos partidos exerceria importante funo bloqueadora sobre esses incentivos: a alta correlao de votos verificada por Carneiro e Almeida (2008) en-tre as trs esferas de governo aparece como indcio su-ficiente da presena de algum grau de nacionalizao do nosso sistema partidrio. Inferem da igualmente que, longe de constiturem processo idiossincrtico, as eleies municipais se veriam condicionadas e con-dicionariam, numa rede, determinaes mltiplas e com intensidades distintas, os demais pleitos. Nas palavras de Carneiro e Almeida (2008, p. 426), a despeito dos incentivos institucionais e na contramo da sabedoria convencional, o sistema partidrio brasi-leiro apresenta indcios de vertebrao na medida em que articula a competio por votos nas trs esferas da federao. O municpio e a poltica local no podem ser adequadamente descritos como pertencentes a uma arena fechada influncia das disputas travadas em outros mbitos do sistema partidrio brasileiro.

    Assim, os dados informam que a votao para prefeito tem efeito, embora com impacto diverso, sobre as votaes para governador, deputado federal e deputado estadual. Os votos para prefeito, por seu turno, se veem determinados pela votao pretrita, no mbito local, conferida a deputados estaduais, fe-derais e prefeitos. Ressalta-se que, no caso das eleies majoritrias governador e prefeito , o fator de ar-ticulao de natureza mais importante diacrnico: a votao recebida pelos partidos em eleies anteriores

    para os cargos majoritrios o que tem maior efei-to sobre a votao do partido nas eleies seguintes para esses mesmos cargos (grifo nosso, Carneiro e Almeida, p.424). Longe, portanto, de variarem de forma errtica ao sabor da conjuntura, os resultados das eleies para prefeito se veem tributrios do de-sempenho pretrito dos partidos nas disputas pelo mesmo cargo.

    Em desdobramento da investigao pioneira ini-ciada por Santos e Almeida (2008), Avelino, Bin-derman e Barone (2012) avaliam em que medida a eleio de prefeitos condiciona o desempenho do partido na eleio subsequente para deputado fede-ral e estadual (o desempenho partidrio nos diversos municpios em duas eleies no casadas prefeito, de um lado, deputado federal e estadual, de outro constituem o objeto da pesquisa). De forma sucinta, os autores pretendem avaliar em que extenso pre-feitos so capazes de transferir votos para candidatos de seus partidos, em eleies para deputado federal e estadual. Valendo-se dos dados das eleies de 2008 (prefeito) e 2010 (deputado estadual e federal) e ten-do por unidade de anlise todos os municpios com populao de at 200 mil habitantes, chegam con-cluso que o controle do governo municipal por um dado partido implica o expressivo incremento de 5% na participao do partido no total de votos conferi-dos a deputados federais no municpio. Se a eleio de prefeito se acha, assim, positivamente articulada com a eleio de deputado federal, apresenta efeito pouco significativo no que diz respeito ao desempe-nho dos deputados estaduais. Em uma palavra, as eleies municipais teriam impacto especial sobre a fortuna dos deputados federais. Sugerem os autores que articulao preferencial entre prefeitos e deputa-dos federais se explicaria por um motivo evidente: os ltimos seriam mais relevantes para a poltica muni-cipal, porque estariam situados em posio de agen-ciar maior volume de recursos para os municpios, j que as transferncias federais so mais importantes do que as estaduais.

    Vale aqui reforar a hiptese do referido estudo com dados de um survey (Carvalho, 2003) aplicado aos deputados federais no ano de 1999. Instados a hierarquizarem os recursos dotados de maior valor para a reeleio, em escala de 0 a 10, os deputados fe-derais que estiveram na coalizo governista PSDB, PFL e PMDB convergiam justamente ao situarem o agenciamento da demanda de prefeitos e a obten-o de recursos oramentrios para os municpios en-tre os trs recursos mais importantes para a renovao do mandato (ver tabela 1). poca na oposio e com baixa penetrao nos municpios, o PT, ao con-trrio, hierarquizava recursos distributivos e pork para

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    os municpios como secundrios vis--vis defesa de princpios ideolgicos ou ao posicionamento diante de temas no legislativo.

    Em sntese, devemos assinalar que escapando dos vereditos superficiais, informados pelo sabor da conjuntura, ciosos de identificarem no resultado das eleies municipais nada mais do que a derrota ou a aprovao dos governos estaduais e governo federal estudos acadmicos mais recentes, pela via da din-mica poltica local, trouxeram contribuies signifi-cativas, a partir do plano do municpio, no tratamen-to tanto de questes de ordem mais geral os desafios de coordenao e de governabilidade impostos por nosso federalismo como de temas mais especficos a avaliao da articulao entre a eleio de prefeitos e as eleies para a Cmara dos Deputados. Chegaram esses estudos a trs importantes concluses: a) longe de apresentarem carter errtico, as eleies para pre-feito se acham articuladas, em relao de mtua cau-salidade, com as eleies que ocorrem em instncias superiores do nosso arcabouo federativo; b) embora sofra determinao de eleies pretritas para Gover-nador e Deputado estadual, o desempenho eleitoral

    de um dado partido para eleio de prefeito tem por principal fator explicativo o desempenho desse mes-mo partido na eleio anterior para prefeito; c) o con-trole das prefeituras mostra-se de importncia central para os deputados federais, que extraem parcela subs-tantiva de seus votos pelo agenciamento dos prefeitos de apoio eleitoral em troca da destinao de verbas e projetos para suas localidades.

    Se a agenda de pesquisas sobre a dinmica e sig-nificado das eleies municipais apresentou ineg-veis avanos nos ltimos anos, a preocupao com as condies de governabilidade tem deixado a des-coberto a reflexo sobre uma dimenso de governo que, embora central, escapa aos trs nveis que distin-guem nosso federalismo; dimenso associada a uma nova geografia, a uma territorialidade nova que veio ocupar nas ltimas dcadas lugar central como sede tanto dos ativos, como dos passivos socioeconmicos do Pas: nossas regies metropolitanas. Percebe-se, nesse caso, grave descompasso entre a dinmica as-sumida pelo territrio e a formatao das instituies poltico-representativas. Est-se diante de grave pa-radoxo com efeitos sobre a governana: embora os

    Recurso Eleitoral/Partido PSDb Pfl PMDb Pt

    Atuao legislativa/como vota 6,38 6,87 6,94 7,88

    Projetos de lei apresentados 5,11 5,36 5,57 6,76

    Prestgio no congresso 5,64 5,96 6,17 5,62

    Organizao do partido 5,58 5,87 6,6 7,67

    Apoio interesses econmicos 3,55 3,82 3,15 1,83

    Atendimento pedidos eleitores 5,13 5,89 5,87 2,79

    Atendimento aos prefeitos/l. locais 7,42 7,44 8,02 3,55

    Presena na mdia estadual 6,38 7,11 7,09 6,02

    Presena na mdia nacional 4,57 5,42 4,68 4,64

    Defesa de princpios ideolgicos 6,09 5,93 6,11 8,10

    Recursos oramentrios/municpios 7,49 7,2 8,4 4,07

    Visita aos municpios onde foi votado 8,15 8,33 8,7 8,14

    Apoio do governador do estado 5,15 4,58 3,74 2,36

    Nomeao de polticos para a burocracia federal 2,7 2,24 2,17 1,02

    Nomeao de polticos para a burocracia estadual 2,83 2,51 2,6 1,29

    Nomeao de correligionrios para a burocracia municipal 2,4 2,13 2,53 1,38

    Ocupar posies de destaque no Congresso 6,19 6,2 6,36 4,98

    tabela 1 - Recursos eleitorais mais efetivos segundo os deputados federais

    Pergunta: Usando uma escala de 0 (nenhuma importncia) a 10 (muito importante), como o Sr. avalia a importncia dos seguintes recursos para sua reeleio?.

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    c a p a

    conglomerados metropolitanos apresentem crescente complexidade em razo do conjunto de ativos e pas-sivos socioeconmicos ali localizados demandando polticas regulatrias especficas , a consolidao do territrio metropolitano no se fez acompanhar da implantao de autoridade poltica congruente com essa nova territorialidade. A ausncia de uma autori-dade poltica instituda, por seu turno, traduz-se em governana subtima, marcada por intervenes de natureza ad hoc, certamente insuficiente para respon-der aos desafios sociais e s potencialidades econmi-cas inerentes a essas novas reas.

    O ensaio aqui apresentado analisa as eleies municipais sob um ngulo distinto daquele at ago-ra adotado pelos estudos sobre poder municipal. Se em outro momento Carvalho (2009) e Carvalho e Correa (2012) verificamos que o sistema eleitoral brasileiro, em sua operacionalizao, produz desin-centivos tematizao da agenda relacionada go-vernana das metrpoles seja em razo da sub-re-presentao dessas reas na Cmara dos Deputados, seja pelo fato de os representantes ali eleitos terem perfil paroquial , aqui avaliamos em que medida os resultados das eleies nos municpios metropolita-nos fragmentam partidariamente os atores polticos horizontal e verticalmente de modo a impedir uma convergncia mnima, necessria ao governo do territrio. Examinamos na seo seguinte o quadro das eleies municipais no conjunto do pas e, na se-o final, os resultados eleitorais das trs ultimas elei-es 2000, 2004 e 2008 , com o foco nas Regies Metropolitanas do Rio de Janeiro e So Paulo.

    tENDNCiA GERAl DO VOtO PARA PREfEitO MUNiCiPAl EM ElEiES RECENtES

    Para um conjunto expressivo de autores, o Brasil estaria experimentando nas ltimas dcadas decl-nio consistente, embora com variaes ao longo dos estados federados, em sua volatilidade eleitoral, ten-dncia que traduziria a consolidao progressiva de nosso sistema poltico-partidrio. De acordo com as concluses de Mainwaring e Torcal (2006), a volati-lidade eleitoral no Pas de 1982 a 2002 teria alcan-ado o percentual de 24%, valor mdio em amostra de 40 pases europeus e americanos. Cabe aqui rei-terar que, em um sistema federativo como o nosso, o declnio da volatilidade eleitoral certamente est a expressar, como querem Carneiro e Almeida (2008), grau significativo de articulao entre a dinmica po-ltica nos planos municipal, estadual e nacional ar-ticulao que se manifesta num complexo de mtuas

    determinaes, com relaes de causalidade distintas em intensidade e temporalidade.

    A tabela 2 traz o quadro sinptico do comporta-mento dos partidos polticos brasileiros nas trs lti-mas eleies para prefeito. Vale inicialmente ressaltar dos nmeros abaixo o grau de estabilidade nas curvas com duas importantes excees de desempenho dos partidos nos pleitos para chefia dos executivos. Do ponto da vista da dcada, verifica-se que, a des-peito da mudana de partido na presidncia em 2002 quando o PT chega ao poder , o quadro de dis-tribuio das prefeituras por partido se mostra pouco voltil, ao contrario, caracteriza-se por visvel estabili-dade. Enquanto os dois maiores partidos polticos do Pas PSDB e PT controlam de forma sistemtica uma mdia de 20% e 15% das prefeituras brasileiras respectivamente , os partido mdios no Congresso PP, PTB, PR, PSB, PDT e PTB se situam cada qual frente de executivos locais em faixa mdia que varia de 5% a 10% dos municpios brasileiros. O ce-nrio de baixa volatilidade nas eleies para prefeitos, ao longo da dcada, traz duas excees: de um lado, verifica-se que o PT de 2008 praticamente triplicou o nmero de prefeitos em relao s eleies de 2000; por outro lado, em deslocamento mais substantivo, o PFL de 2000 segundo partido atrs do PMDB em nmero de prefeitos tinha em 2008 o controle de 9% das prefeituras do pas, com perda percentual de 11 pontos em 8 anos (como indicado pela tabela, o PFL experimentou a queda vertiginosa do contro-le de 1026 para 496 prefeituras nesse intervalo de tempo).

    Sabemos de estudos sobre federalismo e poltica municipal aqui citados Carneiro e Almeida (2008) e Avelino, Biderman e Barone (2012) que a estabi-lidade observada no quadro poltico das trs ltimas eleies para prefeito no contingente, ao contrrio, se explica por um conjunto de fatores sistmicos: a) se a poltica local se acha entrelaada a um jogo com-plexo com as esferas estadual e nacional, isso implica dizer que os resultados das eleies para prefeito oscilam em margem estreita; b) no caso das eleies para prefeito, sabemos que o principal fator subja-cente performance de um partido num dado mu-nicpio seu desempenho em eleio anterior para prefeito, o que obviamente introduz nas eleies para os executivos locais um componente de endogenei-dade ou de dependncia de trajetria bloqueador de variaes importantes nos resultados.

    A volatilidade observada nos dados eleitorais em especial o severo decrscimo no nmero de prefeitu-ras conquistadas pelo PFL entre as eleies de 2000 e 2008 tambm acha amparo na literatura aqui tratada. A pesquisa de Avelino, Biderman e Barone

  • 12 n 10 ano 3 | setembro de 2012 e-metropolis

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    (2012) de importncia fundamental ao compro-var a conexo ou articulao entre o poder local e as esferas legislativas, em particular, a articulao entre prefeitos e deputados federais. O controle dos exe-cutivos municipais implica acrscimo de votos para deputados federais, os quais constituem pontos privi-legiados de conexo por razo j detectada em nossa pesquisa (Carvalho, 2003): encontram-se em posio privilegiada para agenciarem recursos do governo fe-deral para as municipalidades. Ora, fora da coalizo de governo no plano nacional a partir de 2002 e com baixas em importantes governos estaduais em 2006 (Bahia e Pernambuco), a conexo entre deputados federais pefelistas e prefeitos dilui-se diante da ausn-cia de recursos passveis de serem canalizados para os municpios. A quebra da articulao, por seu turno,

    produziu o previsvel desaparecimento do partido no plano municipal. Num processo de retroalimentao, a perda progressiva de cadeiras do partido na Cmara dos Deputados foi o ato lgico desse percurso.

    No exame do comportamento dos partidos nas mesmas eleies para prefeito, mas em grandes mu-nicpios (com mais de 200 mil eleitores), verifica-se tambm quadro de baixa volatilidade e algumas ten-dncias de longo prazo. Enquanto o PMDB figura de forma sistemtica como primeiro partido nas disputas por prefeitos em cidades com menos de duzentos mil eleitores cidades pequenas e mdias , esse papel nas grandes se v ocupado pelo PT. Como mostra a tabela 3, nas ltimas trs eleies para prefeito em 2000, 2004 e 2008 , o PT elegeu sempre o maior percentual de prefeitos nesse conjunto de grandes

    cidades, que inclui todas as capitais. Dos dados da tabela 3 cabe ainda comen-trio adicional: se verdade que o quadro partidrio se acha naturalmente menos fragmentado do que aquele observado no universo dos municpios do Pas, a dispu-ta para prefeito, nos maiores colgios eleitorais, nunca se aproximou de situao de bipolarizao entre PSDB e PT, como querem alguns analistas; de fato, nas cida-des com mais de 200 mil eleitores, PSDB e PT juntos nunca chegaram a conquis-tar mais de 50% das prefei-turas; nas eleies de 2000, 2004 e 2008, os dois parti-dos governaram, respectiva-mente, 28 (47%), 30 (44%) e 33(43%) cidades com mais de 200 mil eleitores. Numa palavra, mesmo em se tratando do grupo seleto dos grandes colgios eleito-rais, a conexo entre a din-mica das eleies locais, de um lado, e a dinmica das eleies nacionais, de outro, problemtica e duvidosa.

    Para aqueles que esperam dos resultados das urnas de outubro deste ano resulta-dos inauditos em funo de elementos da conjuntura, o

    Partido PrefeitosEleitos 2008 %Prefeitos

    Eleitos 2004 %Prefeitos

    Eleitos 2000 %

    PMDB 1.205 21,81% 1.059 19,07% 1256 22,62%

    PSDB 793 14,35% 870 15,67% 989 17,81%

    PT 559 10,12% 411 7,40% 187 3,37%

    PP 549 9,93% 551 9,92% 618 11,13%

    DEM 496 8,98% 789 14,21% 1026 18,48%

    PTB 413 7,47% 421 7,58% 399 7,19%

    PR 384 6,95% 382 6,88% 234 4,21%

    PDT 352 6,37% 303 5,46% 288 5,19%

    PSB 312 5,65% 175 3,15% 133 2,40%

    PPS 129 2,33% 308 5,55% 166 2,99%

    PV 76 1,38% 57 1,03% 13 0,23%

    PSC 57 1,03% 26 0,47% 33 0,59%

    PRB 54 0,98% 0 0,00% 0 0,00%

    PMN 42 0,76% 31 0,56% 14 0,25%

    PC do B 41 0,74% 10 0,18% 1 0,02%

    PRP 17 0,31% 37 0,67% 16 0,29%

    PTN 16 0,29% 5 0,09% 2 0,04%

    PSL 15 0,27% 25 0,45% 26 0,47%

    PHS 13 0,24% 26 0,47% 6 0,11%

    PTC 13 0,24% 16 0,29% 0 0,00%

    PRTB 11 0,20% 12 0,22% 4 0,07%

    PSDC 8 0,14% 13 0,23% 8 0,14%

    PT do B 8 0,14% 23 0,41% 6 0,11%

    PCB 0 0,00% 0 0,00% 0 0,00%

    PCO 0 0,00% 0 0,00% 0 0,00%

    PSOL 0 0,00% 0 0,00% 0 0,00%

    PSTU 0 0,00% 0 0,00% 0 0,00%

    PRONA 0 0,00% 7 0,13% 0 0,00%

    PRP 0 0,00% 0 0,00% 16 0,29%

    PSD 0 0,00% 0 0,00% 111 2,00%

    PAN 0 0,00% 1 0,02% 0 0,00%

    5.563 5.558 5.552

    tabela 2 - Desempenho

    dos partidos em eleies para

    prefeito

    Font

    e: e

    labo

    ra

    o pr

    pri

    a.

  • 13n 10 ano 3 | setembro de 2012 e-metropolis

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    quadro das trs ultimas eleies para prefeito leva-nos a descartar esse conjunto de expectati-vas e no nos autoriza a projetar algo muito dis-tinto dos resultados at agora observados. Com efeito, nada mais con-gruente com um sistema partidrio em processo de consolidao do que uma baixa volatilidade eleitoral, ou seja, altera-es marginais nos resul-tados entre duas ou mais eleies. Reiterados os vetores das trs ultimas eleies para prefeito, mais uma vez, confirma-remos a centralidade do PMDB por sua malha de prefeitos; mais ou uma vez, poderemos projetar, com aproximaes, o quadro partidrio da prxima C-mara dos Deputados, certamente fragmentado o su-ficiente para que o executivo continue a se organizar sob o formato de um presidencialismo de coalizo. Se tais projees dessa natureza so factveis, certa-mente ilaes sobre os desdobramentos nacionais das eleies locais sero movidas ou pela desinformao sobre as implicaes da poltica municipal, ou pelo desejo de se produzir resultados polticos na exe-crao ou exaltao de partidos e lideranas por meio dos resultados eleitorais.

    AS ElEiES MUNiCiPAiS E O DESAfiO DA GOVERNANA MEtROPOlitANA: OS ExEMPlOS DAS REGiES MEtROPOlitANAS DO RJ E SP

    Podemos desde j antever, na cobertura jornalstica dos dias posteriores s eleies de outubro, listas de partidos e lderes perdedores e vitoriosos, malaba-rismos contbeis para se determinar o sinal emitido pelas urnas ao governo federal e, finalmente, proje-es diversas sobre novas lideranas, sobre a sucesso nos estados e a disputa presidencial de 2014. Se essas indagaes so certas, certa tambm a ausncia de tema menos espetaculoso para manchetes de jornais, embora mais central vida do Pas: dificilmente se discutir a congruncia entre o formato institucional das instncias de governo do nosso federalismo em

    trs nveis e uma nova territorialidade que concen-tra nos conglomerados urbanos nas reas metro-politanas , o que consiste ao mesmo tempo como conjunto de oportunidades e de desafios decorrentes de uma nova dinmica socioeconmica que tem nas metrpoles sua base territorial. Dificilmente, encon-traremos na anlise das eleies de outubro projees sobre a possibilidade de construo de mecanismos de governana capazes de suprir o vazio regulatrio que marca a vida das metrpoles reas que, a des-peito de seus desafios e virtualidades, se governam por meio de instrumentos de interveno ad hoc, no institucionalizados.

    Nesta seo, com os exemplos extrados nas Regi-es Metropolitanas do RJ e SP, mostramos como as regies metropolitanas sistematicamente se fragmen-tam do ponto de vista da composio dos seus atores polticos. Diferentemente do que se passa no congres-so, em que partidos se veem induzidos ou obrigados a cooperar em funo dos mecanismos de induo institucional colocados nas mos de lideranas e do executivo, no caso das Regies Metropolitanas no s no h definio sobre a existncia ex ante do ator majoritrio apto e incentivado a arcar com o nus da cooperao (governo federal, estadual ou muni-cpio polo), como tambm no h a especificao de qualquer instrumento institucional de bloqueio aos vetores da fragmentao.

    De outro lado, diferentemente do quadro pouco voltil observado na alocao das prefeituras entre os partidos ao longo da dcada, o cenrio mais ou me-nos favorvel a aes concertadas entre os municpios

    PartidoPrefeitoseleitos 2008

    %Prefeitos eleitos 2004

    %Prefeitos eleitos 2000

    %

    PT 20 26% 15 22% 16 28%

    PMDB 17 22% 8 12% 9 16%

    PSDB 13 17% 15 22% 11 19%

    DEM/PFL 5 7% 4 6% 3 5%

    PDT 5 7% 8 12% 3 5%

    PP 5 7% 2 3% 2 4%

    PC do B 2 3% 1 1% 1 2%

    PSB 4 5% 7 10% 3 5%

    PR/PL 2 3% 0 0% 1 2%

    PV 1 1% 1 1% 0 0%

    PPS 0 0% 4 6% 3 5%

    PSC 0 0% 0 0% 1 2%

    PSDC 0 0% 1 1% 0 0%

    PTB 2 3% 2 3% 4 7%

    PTC 0 0% 0 0% 0 0%

    76 68 57

    tabela 3 - Resultado das eleies para prefeito em municpios com mais de 200 mil eleitores

    Fonte: elaborao prpria.

  • 14 n 10 ano 3 | setembro de 2012 e-metropolis

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    das Regies Metropolitanas pode se mostrar cenrio intrinsecamen-te voltil e circunstancial. A RM do Rio de Janeiro parece fornecer exemplo eloquente de cenrios fludos no que diz respeito co-operao dos atores. Se identifi-camos o pertencimento mesma legenda ou coalizo de partidos condio necessria cooperao de atores autnomos, verificamos que essa clusula esteve quase que absolutamente ausente no pri-meiro cenrio da eleio de 2004. Com essa eleio para prefeito, a RMRJ no s se fragmenta em mltiplos partidos, mas instaura-se uma linha vertical de vetos que ope o presidente ao governador e o governador ao prefeito do municpio polo e aos demais pre-feitos da RMRJ; no plano hori-zontal, trs blocos de partidrios distintos constituem a linha hori-zontal de oposies recprocas: o PMDB, PT e PFL.

    Se o cenrio partidrio de 2004 tornava inexequvel a coo-perao vertical e horizontal entre os atores polticos, com vistas regulao do territrio metropo-litano, esse cenrio se reverte em 2008. Estabelece-se linha vertical de cooperao entre presidente, governo do estado e municpio polo. No plano horizontal, so-mente trs municpios tinham linha partidria infensa coope-rao: os trs municpios governa-dos pelo PSDB.

    Se a RMRJ tem apresentado cenrio de alta volatilidade no que diz respeito composio dos atores polticos, volatilidade que impede a concertao mais dura-doura desses atores com vistas ao estabelecimento de pactos socio-territoriais de natureza metropo-litana, o caso da RM de So Pau-lo tem dinmica absolutamente distinta: a polarizao horizontal e vertical entre PT e PSDB cons-titui fator sistemtico de veto cooperao. o que mostra a

    MUNiCPiO Gi PARtiDO

    ITAGUA Alta PFL

    RIO DE JANEIRO Polo PFL

    SO GONALO Muito Alta PFL

    QUEIMADOS Alta PL

    BELFORD ROXO Muito Alta PMDB

    DUQUE DE CAXIAS Muito Alta PMDB

    GUAPIMIRIM Mdia PMDB

    MAG Alta PMDB

    SO JOO DE MERITI Muito Alta PMDB

    NILPOLIS Muito Alta PP

    TANGU Baixa PP

    MANGARATIBA Muito Baixa PSC

    SEROPDICA Mdia PSC

    JAPERI Alta PSDB

    ITABORA Alta PT

    MESQUITA Alta PT

    NITERI Muito Alta PT

    NOVA IGUAU Muito Alta PT

    PARACAMBI Mdia PT

    MUNiCPiO Gi PARtiDO

    NITERI Muito Alta PDT

    SO GONALO Muito Alta PDT

    ITAGUA Alta PMDB

    MAG Alta PMDB

    MANGARATIBA Muito Baixa PMDB

    QUEIMADOS Alta PMDB

    RIO DE JANEIRO Polo PMDB

    ITABORA Alta PP

    NILPOLIS Muito Alta PP

    TANGU Baixa PP

    SO JOO DE MERITI Muito Alta PR

    DUQUE DE CAXIAS Muito Alta PSDB

    JAPERI Alta PSDB

    SEROPDICA Mdia PSDB

    BELFORD ROXO Muito Alta PT

    MESQUITA Alta PT

    NOVA IGUAU Mdia PT

    PARACAMBI Mdia PT

    GUAPIMIRIM Mdia PTC

    Font

    e: e

    labo

    ra

    o pr

    pri

    a.Fo

    nte:

    ela

    bora

    o

    prp

    ria.

    tabela 5 Prefeitos da RMRJ Grau de integrao dos municpios e Partido - 2008

    tabela 4 - Prefeitos da RMRJ Grau de integrao dos Municpios e Partido - 2004

  • 15n 10 ano 3 | setembro de 2012 e-metropolis

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    tabela 6, que retrata as eleies de 2004. Nessa eleio, embo-ra se verificasse linha vertical de cooperao entre o governador e o prefeito do municpio polo, ambos conviviam com e em oposio ao governo federal. No plano horizontal, a despeito do vigor da presena do PSDB na RM, o PT j em 2004 (situao ampliada nas eleies de 2008) co-mandava importantes prefeituras locais, si-tuao que dificultava a construo de meca-nismos de cooperao.

    CONClUSO

    Como se viu na pri-meira parte deste ar-tigo, a poltica muni-cipal e os vetores mais centrfugos do nosso sistema poltico deixa-ram de ser identifica-dos como entraves governabilidade pelos estudos mais recentes sobre a arquitetura e funcionamento do sis-tema federal no Brasil. Articuladas e vertebra-das pelos diversos mo-mentos da competio estadual e nacional, as eleies municipais estariam longe de dar lugar a subsistemas polticos locais aut-nomos. A queda na volatilidade eleitoral no Brasil identificada nas duas ltimas dcadas consistiria, ademais, em forte ind-cio de nacionalizao de nosso sistema partidrio. Por fim, os impulsos centrfugos que adentrariam as arenas legislativas se veriam contrarrestados ou neu-tralizados por mecanismos indutores da cooperao, como as provises da medida provisria e do pedido

    de urgncia em projetos de lei disposio do chefe do executivo federal.

    Se esse diagnstico se afigura como plausvel em relao aos termos clssicos da discusso sobre a go-vernabilidade e aos parmetros tradicionais da arti-culao entre federalismo, governana e territrio, deixa de ser razovel, no entanto, quando a discus-

    MUNiCPiO Gi PARtiDO MUNiCiPiO

    SP SANTANA DE PARNABA Alta PFL

    SP ITAQUAQUECETUBA Muito Alta PL

    SP GUARAREMA Baixa PL

    SP SALESPOLIS Baixa PL

    SP ITAPECERICA DA SERRA Alta PMDB

    SP ARUJ Alta PMDB

    SP BARUERI Alta PPS

    SP ITAPEVI Muito Alta PPS

    SP CAJAMAR Alta PPS

    SP SO BERNARDO DO CAMPO Muito Alta PSB

    SP TABOO DA SERRA Muito Alta PSB

    SP FERRAZ DE VASCONCELOS Muito Alta PSB

    SP SO PAULO Polo PSDB

    SP DIADEMA Muito Alta PSDB

    SP CARAPICUIBA Muito Alta PSDB

    SP COTIA Alta PSDB

    SP FRANCISCO MORATO Muito Alta PSDB

    SP FRANCO DA ROCHA Alta PSDB

    SP MOGI DAS CRUZES Mdia PSDB

    SP CAIEIRAS Alta PSDB

    SP MAIRIPOR Mdia PSDB

    SP SANTA ISABEL Mdia PSDB

    SP RIO GRANDE DA SERRA Alta PSDB

    SP VARGEM GRANDE PAULISTA Alta PSDB

    SP JUQUITIBA Baixa PSDB

    SP BIRITIBA MIRIM Baixa PSDB

    SP SO LOURENO DA SERRA Mdia PSDB

    SP PIRAPORA DO BOM JESUS Alta PSDB

    SP GUARULHOS Muito Alta PT

    SP SANTO ANDR Muito Alta PT

    SP OSASCO Muito Alta PT

    SP SUZANO Alta PT

    SP EMBU Muito Alta PT

    SP JANDIRA Muito Alta PT

    SP SO CAETANO DO SUL Muito Alta PTB

    SP PO Muito Alta PTB

    SP EMBU GUAU Alta PTB

    SP MAU Muito Alta PV

    SP RIBEIRO PIRES Alta PV

    tabela 6 - Resultado das eleies para prefeito em municpios com mais de 200 mil eleitores.

    Fonte: elaborao prpria.

  • 16 n 10 ano 3 | setembro de 2012 e-metropolis

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    so avana na direo da qualidade da governana e, sobretudo, quando trata de outra dimenso da territorialidade. Se se tem em vista que a dinmica socioeconomica das ultimas dcadas produziu uma nova geografia, uma nova territorialidade, em des-compasso com a velha arquitetura do nosso sistema federal; que, em razo desse descompasso, verifica-se a ausncia de autoridade poltica instituda no terri-trio metropolitano; que se governa esse territrio es-tratgico de maneira ad hoc, consideraremos ingnua ou anacrnica o otimismo dos estudos recentes sobre nosso federalismo.

    Como vimos nos exemplos das regies metropolitana do Rio de Janeiro e So Paulo, e por razes distintas, um cenrio de cooperao entre os atores com vistas governana desse novo territrio parece bastante improvvel. O caso do Rio de Janeiro trouxe exemplo de cenrio completamente voltil na composio e capacidade de cooperao entre os atores polticos; no caso da regio metropolitana de So Paulo, verifica-se ao contrrio, cenrio estvel, mas de impossibilidade de cooperao. A nova territorialidade metropolitana requalifica assim o debate sobre governabilidade e, sobretudo, parece sugerir que as instituies representativas existentes ou no abarcam e regulam esse territrio, ou o fazem de maneira precria e insuficiente. Do ponto de vista da qualidade da governana, trata-se de governana precria, j que no otimiza os ativos econmicos dessas reas e no equaciona com consistncia seus passivos sociais.

    bibliOGRAfiA

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    artigos

  • artigos

    ResumoBusca-se com o artigo compreender em que medida os elementos da gesto democr-tica participativa tm a capacidade de serem utilizados na construo de um modelo de gesto adequado aos stios histricos urbanos brasileiros, para atender s demandas sociais da populao residente nesses lugares. Para tanto, como estudo de caso, se volta ao cenrio do Stio Histrico de Olinda: um lugar permeado por um histrico de luta pelo atendimento das questes comuns defendidas pelos apaixonados moradores e canteiro de obras de um governo que o considera fonte de rentabilidade financeira, numa fala tpica do empresarialismo urbano. Considerando-se que um dos fatores responsveis pela manuteno da identidade cultural de reas histricas a permanncia da populao nativa, as aes e programas governamentais desenvolvidos nessa rea tm sido pouco exitosos no atendimento s emergncias urbanas locais, contribuindo para a expulso branca da populao nativa. Por outro lado, a capacidade de organizao e interfern-cia no planejamento de tal stio tm permitido aos seus moradores serem considerados pelas diversas instncias do Poder Pblico, na conduo dos projetos locais. A partir desta exposio, pretende-se alimentar a construo do to desejvel modelo de gesto ade-quado s especificidades dos Stios Histricos Urbanos no Brasil.

    Palavras-chave: Gesto urbana; Participao; Stio Histrico de Olinda; Conservao urbana; Empreendedorismo urbano.

    AbstractThis paper seeks to understand to what extent the factors of the democratic and partici-patory management have the ability of being used in the construction of a management model which is adequate to the Brazilian historical urban sites, to meet the social deman-ds, of the population living in these places. Therefore, as a study case, the focus is on the scenery of the Historical Site of Olinda: a place permeated by a background of struggle for the attending of the common issues advocated by the passionate residents, building site of a government that considers it as a source of financial profitability in a typical speech of the urban entrepreneurship. Considering that one of the factors responsible for the maintenance of the cultural identity of the historical areas is the endurance of the native population, the actions and the government programs developed in this area have not been very successful in attending the urban local emergencies, contributing to the white eviction of the native population. On the other hand, the ability of organization and interference in the planning of this site, has been allowing to its residents to be considered by the different bodies of the government, in the development of the local projects. From this exposition, it is intended to feed the construction of the so desirable management model adequate to the specificities of the Historical Urban Sites in Brazil.

    Palavras-chave: Urban management; Participation; Historical Site of Olinda; Urban conservation; Urban entrepreneurship.

    ____________________Artigo submetido em 03/02/2012

    Michele dos Anjos de Santana arquiteta e Urbanista e mestre em Desenvolvimento Urbano (MDU/UFPE). Atualmente membro do grupo de pesquisa NUSARQ do LA2/UFPE (Ncleo de Estudos da Subjetividade na Arquitetura) e associada do CECI/UFPE.

    [email protected]

    Michele dos Anjos de Santana

    A Participao Popular como instrumentao para um Modelo de Gesto de Stios Histricos Urbanos

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    iNtRODUO

    A gesto urbana um tema largamente estudado na atualidade, em busca de solucionar os problemas da cidade, cada vez mais envolta em um contexto socio-econmico complexo e global. Planejadores e estu-diosos travam um embate multifacetado para com-patibilizar o momento poltico-social brasileiro com a insero da nao dentro da dinmica global de pa-ses desenvolvidos. Para tanto, incluem as premissas do desenvolvimento sustentvel que no podem mais ser negligenciadas nas relaes entre os homens e as coisas.

    Se o ato de gerir cidades tem se apresentado como um exerccio rduo no caminho para encontrar um modelo de gesto que atenda a vrias demandas da sociedade, em reas histricas as dificuldades se so-mam a uma equao de variveis complexas, difceis de serem resolvidas. Entre elas pode-se elencar, como exemplo, o baixo poder aquisitivo da populao nativa, a favelizao das estruturas fsicas, a falta de diversidade de equipamentos urbanos, a carncia de polticas pblicas sociais e a violncia urbana.

    Em virtude do panorama descrito acima, a Admi-nistrao Pblica incluindo as esferas internacionais , no poucas vezes, uniu-se em busca de dirimir os problemas recorrentes nos stios histricos urbanos. Em diversas parcerias, as intervenes buscavam ofe-recer melhores condies sociais e infraestrutura local para que esses recortes urbanos de valor imensurvel possam prosseguir ao longo dos tempos guardando, alm de cultura, condies de estabelecer as diversas relaes necessrias ao espao urbano que pretende consolidar-se de forma sustentvel.

    Tratando-se de sustentabilidade entre os elemen-tos que estabelecem relacionamento em reas hist-ricas, coloca-se em evidncia a figura do morador nativo. Esses atores sociais so verdadeiros portado-res/transmissores de saberes por carregarem em sua individualidade as experincias que fazem parte da construo da histria urbana em uma dada localida-de. Partindo-se desse fato, razovel considerar que moradores nativos de reas histricas podem ser ver-dadeiros elementos condutores do desenvolvimento sustentvel, uma vez que estejam inseridos dentro de um modelo de gesto da cidade, onde sua opinio seja considerada. Em contraponto, a prtica da gesto de stios histricos urbanos brasileiros, tem-se realizado atravs de projetos pontuais, cujo foco se encontra no aparelhamento urbano e na valorizao das estruturas edilcias, num processo distanciado da populao.

    Como resultado do modelo de gesto adotado, esses territrios tm sido explorados especialmen-te quanto potencialidade de atrair variados inves-

    timentos econmicos sob a tica do valor cultural. Comumente as aes que beneficiam as atividades tursticas tanto em relao ao aparelhamento fsi-co da cidade quanto aos servios oferecidos para o consumidor do turismo cultural. Na prtica, as reas histricas tm sido tratadas como um ativo econ-mico, calculado quanto capacidade de explorao e submetidas a planos e programas.

    Esta estratgia de ao, por sua vez, encontra gua-rida no empresarialismo urbano, modelo de gesto amplamente empregado pelo planejamento urbano brasileiro para todas as facetas do tecido da cidade. Tal modelo utiliza-se de planos estratgicos e das operaes urbanas para valorizar o solo urbano, en-quanto capital, como estratgia de enfrentamento das dificuldades circunstanciais, vivenciadas no local.

    As experincias brasileiras de implantao do empresarialismo urbano em cidades histricas de-monstram que os recursos culturais especialmente urbansticos e arquitetnicos no foram capazes de contribuir com a melhoria da qualidade de vida da populao local, seja em relao educao, sade ou economia (ZANCHETTI, 2008). Fatores que oferecem justificativas para o fato de que boa par-te da populao nativa de reas histricas brasileiras abandona seu lugar de origem em busca de melhores condies de habitabilidade e de sobrevivncia.

    A exemplo do que se afirma, destacamos o Stio Histrico de Olinda intitulado pela Unesco como Cidade Patrimnio Histrico e Cultural da Humani-dade. Majoritariamente pertencente classe de baixa renda, considervel parcela dos moradores nativos deixou seu habitat por ausncia de polticas pbli-cas que fossem eficazes no enfrentamento s adversi-dades vivenciadas no contexto de um stio histrico urbano. Segundo Zanchetti (2008), esse quadro no uma particularidade do Stio Histrico de Olinda, mas das reas histricas de modo geral, pois em ne-nhuma dessas cidades existe uma estratgia bem defi-nida para associar a conservao cultural ao desenvol-vimento local, apesar das suas especificidades quanto patrimnio cultural.

    Ao passo que a conservao do patrimnio cul-tural uma condio sem a qual no possvel con-siderar elegvel um modelo de gesto para os stios histricos, o carter sustentvel tambm no pode ser alienado do desenvolvimento proposto. Para Novaes (2002, s.p), a ideia de sustentabilidade (...) [dentro da tica de cidades sustentveis] passa a estar referen-ciada a outros conceitos, entre os quais os de demo-cracia, participao, equidade, eficincia, cidadania, autonomia, descentralizao, e pertencimento. Esses conceitos so eixos norteadores para o enfrentamento dos problemas da cidade ao passo que nos impulsio-

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    na a quebrar os paradigmas quanto ao pragmatismo do modelo desenvolvimentista que se tem adotado.

    A participao, a cidadania e o pertencimento so conceitos intimamente ligados introduo do cidado no processo democrtico como ator que co-labora, manifesta-se e fiscaliza o cumprimento das atividades da administrao pblica. Por fim, aca-bam por introduzir o cidado no papel de cogestor na construo do desenvolvimento sustentvel da so-ciedade. No entanto, Zanchetti (2007) denuncia que o processo de interveno no patrimnio construdo tem se dado atravs de um processo de negociao entre os atores, onde as regras em que se baseia so pouco claras ou ausentes.

    nessa perspectiva que se analisa a participao popular como instrumento democratizador para a construo de um modelo de gesto sustentavelmen-te orientado em Stios Histricos Urbanos, no Bra-sil. Acredita-se que a participao popular capaz de promover uma maior equidade e eficincia na distri-buio dos recursos destinados a projetos urbanos em reas histricas, assim como promove a descentrali-zao de prioridades para originar um sistema social dinmico e atender s questes emergenciais da po-pulao residente. O desenho de um novo panorama social a partir de um modelo de gesto pode, ento, vir a contribuir para a permanncia da populao na-tiva em seu local de origem e promover a considera-o das especificidades culturais para a manuteno de identidade do lugar.

    Nessa perspectiva ofereceremos na primeira parte do artigo um referencial terico que elucida as teorias que movimentaram esta reflexo. Em seguida apre-senta-se a experincia de participao dos moradores do Stio Histrico de Olinda, como objeto de estudo para anlise de experincias no estruturadas de ges-to de stios histricos. O terceiro ponto apresenta uma anlise do modelo de gesto utilizado para os stios histricos no Brasil, alm de elucidar as prticas gerenciais efetuadas por ele, no mbito do Stio His-trico de Olinda. Por fim, esto postas as considera-es finais sobre esta reflexo.

    RElAES ENtRE DESENVOlViMENtO URbANO CUltURAlMENtE ORiENtADO E PARtiCiPAO POPUlAR

    As premissas do desenvolvimento sustentvel foram traadas a partir do Relatrio Bruntland, em 1987, que comeou a compor as noes de sustentabilidade dentro do ambiente urbano, gerando conceitos como o de cidades sustentveis. O conceito veio substituir

    a ideia de desenvolvimento econmico, ao tempo em que abarca a dimenso econmica e insere a dimen-so do indivduo, do social e das relaes indivduo-meio (ZANCHETTI, 2002). uma abordagem ho-lstica que caminha em consonncia com a produo e apropriao do espao, ao longo do tempo.

    Trazendo a temtica para o ambiente urbano, se-gundo Torres e Holzer (2008) a abordagem holstica do desenvolvimento urbano sustentvel inclui o ser humano e a cultura local no processo de investigao urbana, tendo como fim o desenvolvimento de pro-jetos que promovem formas participativas nas estra-tgias de planejamento.

    Por seus contornos, o desenvolvimento susten-tvel atribui dimenso poltica o carter de agente condicionante do estado social dos indivduos e gru-pos, de forma que, para atingir a qualidade de vida de uma dada sociedade, torna-se necessrio promo-ver a organizao dos grupos de interesse ao redor da tomada de decises sobre economia e usos comuns (GUIMARES, 1997 apud, BRASIL, 2000).

    Tratando das diversas especificidades que o tecido urbano pode apresentar, o termo desenvolvimento urbano culturalmente orientado (ZANCHETTI, 2008) vem se referir busca da sustentabilidade ur-bana em reas de interesse patrimonial. Trata-se de somar ao desenvolvimento urbano sustentvel as par-ticularidades culturais, as premissas de conservao e as especificidades legais. uma construo teri-ca que vem oferecer respostas as complexidades das questes envolvidas em reas histricas.

    Cabe salientar que, no campo da conservao ur-bana, desde 1970, na Itlia, experincias de diretrizes de planejamento urbano em stios histricos tm sido empregadas com xito na reabilitao de reas hist-ricas. Surgiu da a Conservao Integrada, orientada para a municipalizao do processo decisrio sobre as aes destinadas populao ou seja, a descentra-lizao poltica , por entender ser esse um caminho necessrio para promover a conservao das reas his-tricas, considerando as condies culturais e sociais de seus residentes. (ZANCHETTI, 2007; 2008).

    A descentralizao poltica surgiu no panorama internacional como resposta ao modelo centralizador do Estado que passava por uma conjuntura difcil em pases desenvolvidos, visto que j no conseguiam mais atingir seus objetivos quanto ao provimento do bem-estar social (LEAL, 2002). Dentro de uma estrutura econmica estvel, a administrao pblica era chamada a prover s necessidades sociais com-plementares. Uma tarefa difcil de resolver, dentro de um modelo de gesto raso e incapaz de atingir os anseios dos pequenos grupos sociais.

    O modelo da descentralizao ganhou visibilida-

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    de mundial por apresentar um rol de vantagens que procuravam sanar as lacunas deixadas pelo modelo centralizador. Borja (1988 apud LEAL, 2002) des-creve essas vantagens: permite a descentralizao do poder poltico na reapropriao e socializao das classes populares, cria condies favorveis promo-o de modelos de desenvolvimento econmico mais equilibrados e mais adaptados s necessidades sociais, permite o engajamento participativo e prtica da ci-dadania.

    No Brasil, a descentralizao poltica chega a um momento social distinto dos pases desenvolvidos. As tentativas de implementao do modelo descentrali-zado se deram em um cenrio em que a organizao da sociedade civil ainda era baixa, e que o momento poltico passava por grandes transformaes, refletin-do na pouca mobilizao poltica (LEAL, 2002).

    Mesmo diante de um prognstico negativo quan-to capacidade de implementao de um trabalho eficiente, as experincias de descentralizao no Brasil foram positivas, quanto ao trato dos problemas emer-genciais que acometiam as cidades. Alm do mais, as iniciativas apresentaram bons resultados quanto ao modelo local adotado. Regra geral, os primeiros pas-sos na aplicao da democracia participativa foram tidos como indiscutveis avanos ao processo de-mocrtico (LEAL, 2002: p.53). De exerccio peda-ggico a exerccio necessrio, a participao assume um papel insubstituvel na consubstanciao entre o governo e a sociedade civil na busca de processos de-mocraticamente eficientes.

    Desde ento, a participao tem adentrado por espaos distintos e tomado formas diversas de execu-o. Algumas prticas so bastante conhecidas como o oramento participativo nas plenrias de bairro e nos programas de habitao social. No entanto, as experincias de participao popular legalmente constituda so muito incipientes na gesto de stios histricos, onde, mais que um modelo de gesto, a democracia participativa pode assumir um impor-tante papel na manuteno da identidade cultural desses lugares. pertinente observar que, para Zan-chetti (2008), o patrimnio material torna-se uma categoria social quase vazia quando o separamos das relaes sociais em que est inserido, tornando-se de valor irrelevante para o planejamento do desenvolvi-mento culturalmente orientado.

    Visto sob essa tica, o valor da democracia parti-cipativa em stios histricos pode ser enxergado por dois enfoques. O primeiro deles est ligado capaci-dade de promover polticas sustentveis que buscam a equalizao da qualidade de vida entre grupos sociais distintos. O segundo aspecto est ligado possibili-dade de considerar aspectos da cultura local, que so

    desconhecidos pela administrao pblica e que, por isso, no so levados em considerao no momento do planejamento. O primeiro enfoque vem combater os dividendos sociais negativos deixados pelo empre-sarialismo urbano empregado nos stios. O segundo enfoque combate a perda da integridade do patrim-nio imaterial, representado pela quebra das relaes sociais tradicionais entre os residentes e o local, por ocasio do esvaziamento dos moradores nativos do stio.

    Em virtude disso, apesar do panorama adverso quanto introduo de um sistema democrtico para a gesto de stios histricos, preciso lembrar que historicamente o processo de participao popular regado por entraves de toda a natureza, mas que tem colhido frutos positivos para a populao envolvida, conforme pode-se observar atravs dos resultados das pesquisas empreendida por Suely Leal, sobre as prticas cogerenciais em municpios brasileiros. Leal aponta para um salto efetivo de qualidade nas condi-es infraestruturais da rea em foco, na melhoria de vida da populao, como tambm, no processo de or-ganizao social da comunidade (1997: p.147), ape-sar das limitaes estruturais da mquina pblica.

    O StiO HiStRiCO DE OliNDA: UMA ExPERiNCiA DE GEStO PARtiCiPAtiVA EM StiOS HiStRiCOS URbANOS

    Em pesquisa que buscava refletir sobre o envolvimen-to dos moradores do Stio Histrico de Olinda e a salvaguarda do patrimnio cultural, a arquiteta Julia-na Barreto (2008) revelou importantes dados acerca da participao popular na efetivao das aes de gesto pblica para o Stio Histrico de Olinda.

    O que nos interessa elucidar quanto manifesta-o da populao local registrada nesta pesquisa e que ser tratada aqui como participao so fatos levantados pela pesquisadora e que nos auxiliaro na reflexo acerca dos porqus pelos quais a participao popular deve ser considerada como um instrumento de colaborao para a criao de um modelo de ges-to sustentvel nos stios histricos brasileiros.

    Assim, os tpicos abaixo apresentam problem-ticas recorrentes em reas histricas e que devem ser enfrentadas. Tais tpicos, ora abordam conflitos en-tre moradores/poder pblico e os desfechos dados a partir do estabelecimento de uma relao entre esses atores, e ora expem fatos da conjuntura do Stio Histrico de Olinda, para alimentar a construo de possveis encaminhamentos que possam ser dados, como enfrentamento do problema exposto.

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    Valorizao da identidade local e sentimento de pertencimento

    Um dos fatores para a promoo da democracia par-ticipativa o bom grau de organizao da sociedade civil. Como exemplo local, apresenta-se o Movimen-to da Ribeira, criado em 1964, por artistas do stio que desejavam a restaurao do Mercado da Ribeira para alocao de atelis, galerias e bares. Apoiado pela municipalidade, o Movimento extrapolou os limites de sua ao, com repercusso social em larga esca-la tendo contribudo para que o Stio Histrico de Olinda, enquanto patrimnio cultural e paisagstico, viesse a ganhar maior reconhecimento junto socie-dade (BARRETO, 2008).

    A partir do fato citado, pode-se observar que o processo participativo pode colher como frutos o fortalecimento da identidade cultural local e do sen-timento de pertencimento, no apenas entre os mo-radores da localidade, mas extensvel a outras reas urbanas. De igual maneira, esta pequena parceria entre municpio e comunidade colaborou tambm para a formao de um canal de gerao de renda a partir do produto cultural local, movimentando a economia e contribuindo como forma de combate favelizao das estruturas urbanas histricas.

    Economia solidria como atividade socioeconmica

    A economia solidria tem se apresentado como solu-o para gerao de trabalho e renda na promoo da incluso social, atravs de processos que correspon-dam s expectativas do desenvolvimento sustentvel (BRASIL, 2010b). Em stios histricos o desenvol-vimento de atividades de economia solidria, basea-das na cooperao ou autogesto, pode se apresentar como soluo para o desenvolvimento econmico da populao de baixa renda residente no local, re-vertendo o processo continuado de descapitalizao, seguido de xodo ou assistencialismo.

    No Stio Histrico de Olinda, as atividades comer-ciais desenvolvidas pela populao carente so basica-mente pequenas atividades de comrcio ou servio realizadas nas dependncias da residncia, destinadas ao provimento das necessidades primrias da vizi-nhana. A criao de um canal baseado na economia solidria que possibilite criar estratgias de empreen-dimento orientado para a populao de baixa renda poder promover a manuteno do reminiscente da populao nativa de Olinda. Colabora tambm para a incluso de outras dinmicas econmicas impor-tantes para a promoo da sustentabilidade do local, no que diz respeito ao desenvolvimento econmico.

    financiamento do habitat social

    No final da dcada de 1970, ocorreu um fenmeno de expulso branca dos moradores nativos do Stio Histrico de Olinda, que venderam suas casas para cidados mais abastados, interessados em usufruir das vantagens do lugar, frente a outras localidades da regio metropolitana. O fenmeno guarda nti-ma relao com as questes econmicas, visto que os moradores nativos no dispunham de recursos para a manuteno dos imveis em virtude dos seus bai-xos rendimentos, colaborando para o abandono do habitat nativo e substituio da populao pela classe mdia alta (BARRETO, 2008).

    Esse fato reflete a necessidade de que sejam fir-madas parcerias entre o poder pblico e a comunida-de, a fim de financiar as condies de habitabilidade nos stios histricos urbanos, visto que esta relao de parceria e habitat social pouco exercitada dentro dos stios histricos brasileiros. Essa expectativa pres-supe no s a organizao de uma ao mas tambm uma mudana de mentalidade, j que a parceria tem sido enxergada como uma relao de troca mercantil entre as partes, ao contrrio da produo do habitat social que relegada s reas de baixo interesse imo-bilirio e pouca infraestrutura urbana.

    No caso de reas patrimoniais, a parceria deve ser compreendida como uma troca imaterial, no men-survel economicamente, e a produo do habitat social embasada na principal varivel em questo: a manuteno da populao nativa em seu habitat na-tural. Cabe salientar tambm que o financiamento do habitat social pode se tornar um instrumento que venha a colaborar com a manuteno da integridade fsica do casario antigo, uma vez que os acordos de fi-nanciamento sejam firmados considerando premissas de conservao patrimonial.

    Estratgias de apoio ao desenvolvimento da economia vicinal

    As estratgias para a promoo do desenvolvimento econmico do Stio Histrico de Olinda esto essen-cialmente ligadas s atividades tursticas; fato que se constitui como um panorama comum a diversas ou-tras cidades histricas no Brasil.

    No entanto, as necessidades da populao nativa so de outra ordem, conforme indica a pesquisa rea-lizada pela Fundao Centro de Preservao FCP-SHO , entidade ligada Prefeitura Municipal de Olinda. Perguntados quanto receptividade intro-duo de usos ligados ao turismo e vida noturna no casario histrico, os moradores no s repeliram a

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    iniciativa, como apontaram para a realizao de ati-vidades econmicas bem distintas daquela proposta pela instncia federal: farmcias, mercearias, consul-trios. (BARRETO, 2008: p.161).

    Indiretamente, a pesquisa aponta para o potencial do stio em absorver outros tipos de atividades eco-nmicas que no aquelas eleitas como oportunidades de sucesso pelo empresarialismo urbano. Tambm indica que a participao popular tende a revelar ca-minhos desconhecidos para o desenvolvimento eco-nmico local, em busca da sustentabilidade urbana, e que apesar de excentricidade enquanto recorte urbano as reas histricas esto abertas para rece-ber atividades to comuns vida quanto em qualquer outro lugar da cidade.

    Mediao de conflitos

    Algumas das vantagens do exerccio da democracia participativa so a possibilidade de ouvir simultanea-mente os diferentes interesses gestionados, mediar os conflitos existentes e sintetizar uma proposta que se aproxime do interesse comum. Essas vantagens evi-tam os excessivos ajustes no planejamento e implan-tao de programas, que so verdadeiros entraves ao bom andamento das polticas pblicas.

    Como exemplo, traz-se dois episdios ocorridos no Sitio Histrico de Olinda. O primeiro traz a opor-tunidade em que a populao uniu-se para combater o problema da insegurana gerada pela proliferao desenfreada dos bares no stio histrico. O segundo apresenta a oportunidade em que os moradores do Stio se motivaram para articular-se no combater presena do trfego pesado e a intensa circulao de veculos no local.

    No primeiro episdio, os moradores do Stio eram unssonos em se pronunciarem contra a pre-sena excessiva de bares, denunciando que as ativi-dades desenvolvidas no stio ameaavam a qualidade de vida dos habitantes. No segundo episdio, houve uma dissenso entre grupos de moradores: os nativos, que se apresentavam indiferentes quanto presena excessiva de caminhes por desconhecer os impac-tos desse trfego e o grupo de moradores formados por uma elite intelectual e financeira, que encabeou a movimentao para defender os interesses do grupo (BARRETO, 2008).

    Embora a organizao social contra o trfego pesado tenha obtido repercusso junto mdia e sociedade, com efeito junto municipalidade, que restringiu o fluxo de veculos dentro do Stio, a dis-senso entre moradores e usurios gerou um panora-ma de conflitos entre grupos que no concordavam com a restrio dada (BARRETO, 2008).

    Conforme pode-se observar, o panorama de con-flito corrobora para o entendimento de que a parti-cipao popular pode ser um importante instrumen-to de gesto no processo decisrio local, pois pode combater e atenuar o desequilbrio de interesses entre as relaes existentes no local. Alm disso, destaca-se a importncia de que haja diversidade de represen-tatividade entre atores envolvidos, devido ao carter pedaggico ocorrido nas trocas de informaes de intergrupos.

    * * *Nos exemplos citados buscou-se oferecer o co-

    nhecimento das oportunidades que podem ser cria-das atravs da adoo da participao popular na construo de um modelo de gesto dos stios hist-ricos, a fim de atingir o desenvolvimento sustentvel culturalmente orientado.

    Cabe enfatizar que poucas foram as vezes em que a sociedade civil agiu atravs de um canal participa-tivo legalmente institudo para enfrentar os conflitos existentes no Stio Histrico de Olinda, o que no se configurou como barreira para que os moradores criassem seus prprios mecanismos de reivindicao de direitos civis.

    As experincias de estabelecimento de um canal de troca entre o poder pblico e a populao do Stio Histrico de Olinda so exemplos de que a implanta-o de polticas pblicas, aliada a participao popu-lar, pode dar certo.

    ENtRAVES DO EMPRESARiAliSMO URbANO NA GEStO DOS StiOS HiStRiCOS

    O empreendedorismo urbano um modelo de ges-to marcado por conceitos liberalizantes de Estado Mnimo e do Pblico No-Estatal que transferem o dever de proteo social do cidado para a gesto local. No Brasil, foi marcado pela introduo de um modelo empresarialista de administrao pblica, se desdobrando na competitividade intraurbana in-corporada na gesto local. A cidade, ento, passa a ser administrada pela municipalidade objetivando a criao de oportunidades de investimentos produ-tivos, marcados pela implementao de projetos es-truturadores, tratando a cidade como um territrio de oportunidades (LEAL, 2002: p.77-76).

    Na prtica, a execuo dos projetos estruturado-res desenvolvidos por esse modelo se d por conv-nios assinados entre as diversas instncias da admi-nistrao pblica, e sugere uma contrapartida entre as partes. Se por um lado o envolvimento do muni-cpio nesse processo abarca a descentralizao como

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    elemento positivo, por outro acaba por agregar mais responsabilidades ao poder local, que sobrecarrega-do, desaparelhado e falido no consegue cumprir com suas competncias.

    O empresarialismo urbano aparece, ento, ao mu-nicpio como soluo de ao efetiva da municipali-dade junto sociedade. No entanto, cria entraves que passam pela questo de que os projetos estratgicos so concebidos numa viso genrica, macro-orienta-da e distanciada das competncias municipais, e que por isso no so capazes de atender aos interesses lo-cais que so da atribuio do municpio.

    O Programa Monumenta, atrelado ao Minist-rio da Cultura, tem um bojo tipicamente advindo do modelo do empresarialismo urbano, em que o desenvolvimento econmico e social interliga-se utilizao do patrimnio cultural enquanto fonte de conhecimento e de rentabilidade financeira (...), in-centivando a economia por meio do incremento do turismo cultural e gerao de empregos, conforme declara o Ministrio da Cultura (BRASIL, 2010a).

    Apesar de considerar como objetivos do Programa a conservao do patrimnio, a educao patrimo-nial e o desenvolvimento econmico, observa-se que a lista de intervenes realizadas pelo Monumenta, na Cidade de Olinda, foi concebida como roteiros indutores, permitindo o incremento econmico e a valorizao do patrimnio cultural1. O programa abre tambm uma linha de ao voltada para a recu-perao do casario antigo, especialmente por se tratar de uma ao dispendiosa que ficaria a cargo de fam-lias de baixa renda. No entanto, apenas dois imveis do stio foram contemplados pelo aporte financeiro, desde a criao do programa (BRASIL, 2010a).

    A adoo de uma poltica desenvolvimentis-ta voltada ao turismo no Stio Histrico de Olinda apresenta uma longa histria, iniciada em 1970 com a adoo de programas e projetos governamen-tais (...) voltado(s) populao flutuante e, assim, guardava(m) pouca relao com o modo de vida tra-dicional do lugar, que era a habitao (BARRETO, 2008).

    Desde ento, os desfavores trazidos aos moradores

    1 Das obras previstas pelo Programa Monumenta para Olin-da, at o momento j foram executadas: a recuperao do Beco Bajado, importante via de pedestres que conecta o alto da co-lina com a parte baixa do ncleo histrico; as obras do Anexo do Museu Regional, com instalao de sanitrios para visitan-tes e adequaes arquitetnicas que viabilizam a acessibilidade universal; a restaurao do Observatrio do Alto da S, que atualmente encontra-se em utilizao com funes educativas; a recuperao da Rua Saldanha Marinho, importante acesso ao Alto da S, que envolveu a recuperao da encosta, das cal-adas, balaustrada e instalao de nova iluminao pblica (BRASIL, 2010a).

    pelo aparelhamento turstico so contnuos e podem ser representados pela transformao do carnaval tradicional de Olinda em carnaval de massas; uma verdadeira ameaa estabilidade das colinas histri-cas e conservao do casario, comprometendo a in-tegridade do stio (HARCHAMBOIS; PONTUAL, 2007).

    No raras so as vezes em que os planos nacionais, que contemplam o Stio Histrico de Olinda com projetos, contradizem-se com as legislaes impostas ou desconsideram entendimentos que fazem parte do senso comum quanto preservao do patrim-nio local2. Colaborando com essa afirmao, Milet e Pontual afirmam que sejam planos diretores, se-jam programas de renovao urbana, as intervenes desenhadas e efetivadas nesse stio tm introduzido modificaes que esvanecem a memria do lugar (2007: p.18).

    No vis do Programa Monumenta, o Complexo Turstico Cultural Recife-Olinda um plano estru-turador que ir propor uma requalificao dos espa-os urbanos ao longo de todo o litoral entre o Stio Histrico de Olinda at a ZEIS Braslia Teimosa, em Recife , apesar de declarar que seus convenentes (Es-tado e municpios de Recife e Olinda) obrigam-se a articular a participao da sociedade civil atravs de fruns, conselhos, os mesmos no inserem nenhu-ma instncia participativa na sua estrutura de gesto (PEIXE, 2006).

    Alm disso, o baixo grau de investimentos des-tinados melhoria da infraestrutura bsica (esgota-mento sanitrio, redes pluviais, pavimentao e tele-comunicaes) nas reas mais carentes do territrio coberto pelo Complexo a exemplo do Setor 01/Coqueiral, Istmo, Milagres revela que o projeto est pouco comprometido com o atendimento das demandas sociais. Vale salientar que a rea uma das mais carentes contempladas no plano estratgico e que possui a menor oferta da infraestrutura citada no projeto (BRASIL, 2006).

    O projeto est implantado em reas de alta den-sidade patrimonial em Recife e Olinda bairro do Recife e Istmo , alertando quanto ateno que deve ser dada a manuteno da identidade cultural durante a proposio do projeto. No entanto, as pro-postas apresentadas so pouco elucidativas quanto s caractersticas da imagem que a cidade ir assumir.

    2 Podemos exemplificar a oportunidade da elaborao da le-gislao urbanstica para o stio histrico que indicava o uso comercial dentro do setor de proteo rigorosa, rea tradicio-nalmente residencial. Tal medida levaria a descaracterizao do patrimnio olindense, alm de levar a expulso dos mora-dores dessa rea. (BARRETO, 2008).

  • 24 n 10 ano 3 | setembro de 2012 e-metropolis

    a r t i g o s

    Fica aqui uma questo: qual o canal que ser utiliza-do pelo grupo gestor para permitir que a sociedade civil organizada se esclarea, fiscalize e se pronuncie contra possveis discrepncias entre o projeto propos-to e as necessidades da sociedade?

    CONSiDERAES

    A construo da democracia brasileira um compn-dio dos resultados das prticas polticas de pases de cultura socioeconmica distinta da brasileira. Adap-tado e aplicado, o modelo seguido pela administrao pblica tem indicado a existncia de lacunas impor-tantes para serem preenchidas, a fim de alcanar a evoluo da democracia no pas. A importncia da criao de uma poltica nacional de desenvolvimento vai alm da aparncia de um desejo baseado numa viso idealista; condio fundamental para permitir o desenvolvimento urbano, por se tratar do caminho pelo qual nos organizamos como sociedade.

    As reas histricas urbanas tm sofrido transfor-maes sociais profundas e so vtimas da estagna-o pela busca do desenvolvimento sustentvel, por falta de um modelo de gesto capaz de se adequar as especificidades do local. De maneira peculiar, em stios histricos, os modelos de gesto baseados no empresarialismo urbano e em espaas experincias de aplicao da gesto democrtica tm se dado de maneira assistemtica, e no se confirmaram, at en-to, como uma medida suficiente, nem para garantir o desenvolvimento econmico, nem para promover a sustentabilidade no local. A abertura poltica para os processos descentralizantes na administrao pblica tem permitido a experimentao da instrumentao de um modelo reformador, que permita munici-palidade o atendimento das necessidades bsicas da populao, de maneira eficaz.

    Se por um lado a descentralizao e municipaliza-o do poder trouxeram a possibilidade da formao de novos grupos de interesse, com poder de interfe-rncia na cidade, por outro observa-se corriqueira-mente a interrupo dos processos de mobilizao popular devido a embates polticos. Esse fato tem contribudo para a dissoluo do engajamento da po-pulao e causa ruptura no processo democrtico. De forma que o modelo de gesto democrtica deve pro-mover a articulao entre o poder pblico municipal, estadual e sociedade organizada, constituindo um ambiente de debate slido, diante de ameaas causa-das pelas mudanas de gesto ou enfraquecimento do poder municipal.

    A partir das exposies feitas, o desejado sistema eficaz de gesto dos stios histricos aponta para a

    criao de um modelo que oferea igual tratamen-to entre o aparelhamento da cidade para o desen-volvimento econmico e a melhoria nas condies de habitabilidade para os moradores do stio, como condio para promover a manuteno da identidade cultural do local.

    No Sitio Histrico de Olinda, a participao foi o caminho escolhido pelos moradores para denun-ciar, colaborar e reivindicar a ao da administrao pblica em prol da conservao do patrimnio e da melhoria das condies de habitabilidade. Embora as reivindicaes nem sempre tenham sido atendidas, o canal da participao demonstrou ser um importan-te instrumento daquilo que Leal (2003) chamou de publicizao do espao pblico.

    importante ressaltar que a pesquisa de Barre-to (2008) no Stio Histrico de Olinda conclui que a participao dos moradores de reas histricas se mostrou pouco eficaz na salvaguarda do bem patri-monial. Esse fato pode estar ligado conjuntura po-ltica local. A concluso desta pesquisa vem corrobo-rar com a ideia de que a democracia participativa se constri na diversidade, considerando as limitaes e potencialidade de cada um dos atores envolvidos, e que a participao popular como instrumento de gesto poder apoiar a conservao da identidade dos stios histricos atravs de outros vieses que no se-jam intrinsecamente culturais.

    Alm do carter pedaggico da prtica poltica, a criao de espaos de participao permite ao cidado envolver-se com as questes sociais comuns e garantir que a ao da administrao pblica no priorize ape-nas a criao de oportunidades de investimentos, mas que operacionalize o desenvolvimento da sociedade, redistribuindo investimentos segundo prioridades da populao.

    Projetos estratgicos so importantes fontes de capitalizao da municipalidade, no entanto, devem incluir mecanismos efetivos que permitam a partici-pao popular ativ