emanuel bouzon - o templo, o palácio e o pequeno produtor na baixa mesopotâmia pré-sargónica

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    O templo, o palcio e o pequeno produtor na baixa Mesopotmia Pr-Sargnica

    Autor(es): Bouzon, Emanuel

    Publicado por: Instituto Oriental da Universidade de Lisboa

    URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/24373

    Accessed : 29-Apr-2015 22:47:32

    digitalis.uc.ptimpactum.uc.pt

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    CADMO

    Revista do Instituto Oriental

    Universidade de Lisboa

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    O TEMPLO, O PALACIO E O PEQUENO PRODUTORNA BAIXA MESOPOTAMIA PR-SARGNICA

    Por EMANUEL BOUZON

    Professor da Pontifcia

    Universidade Catlica do Rio de Janeiro

    Zusammenfassung

    Die Anfnge der neolithischen Zeit bedeuteten zweifelsohne fr dieMenschheit eine tiefgreifende Vernderung in seiner Lebensweise. Der

    J ger und Nahrungssammler frherer Zeiten wird nun der Erzeuger seiner eigenen Ernhrung. Diese Vernderung verlangte vom neolithischenMenschen eine festere Beziehung zu einem bestimmten Ort. So entstehen

    die ersten neolithischen Siedlungen. Die Wirtschaft dieser Siedlungenbesteht aus Landwirtschaft und Viehzucht; sie wird in den Husern (sum.E) der groen Familien betrieben. Eine solche Wirtschaft darf man wohl,mit Finley, als Oikos-Wirtschaft beschreiben. Als die neolithische Kulturdie Gebiete der alluvialen Tiefebenen Mesopotamiens erreichte, begann,dank der neuen kologischen Ungebungen und der Erschaffung einesknstlichen Bewsserungssystems, ein rascher Entwicklungsproze, dergegen 3000 v. Chr. in der Grndung des ersten Stadt-Staates gipfelte. Die

    Struktur einer Stadt verlangte aber von den neolithischen Siedlungeneine tiefe Vernderung. Die neu entstandene Gesellschaftsordnungcharakterisierte sich durch die scharfe Trennung zwischen denFachleuten und den Nahrungserzeugern. Die ersten lieen sich imStadtzentrum nieder whrend die zweiten in den alten umliegenden

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    Siedlungen blieben. Die Stadt schaffte also eine straffere Stratifizierungder Gesellschaft, in der die Fachleute, besonders aber die Schreiber nach

    der Erfindung der Schrift, privilegiert wurden. Fr die stdtischeGesellschaft war auch das Autorittssystem der alten Siedlungen nichtmehr ausreichend. Die Stadt bentigte wegen ihrer Komplexitt neue zentralisierte Entscheidungspole, die ber den verschiedenen Siedlungenstanden. Wie die reiche Dokumentation aus dieser Zeit zeigte, wurde dasganze wirtschaftliche und soziopolitische Leben der Gesellschaft in denStdten Sdbabyloniens auf die Tempel bezogen. Der Tempel war nichtnur das kultische, sondern auch das politische und wirtschaftliche

    Zentrum der Stadt. Da die Wirtschaft auf einem Redistributionssystemberhrte, hing praktisch die ganze Bevlkerung vom Tempel ab. Sie bearbeitete die Lndereien der Tempel (GNA.EN) oder pachtete sie(GNA.APIN.L). Einige hher gestellte Funktionre bekamen auch Teiledieser Lnder als Vergtigung ihrer Dienste (GNA. SUKU). In denStdten Nordbabyloniens aber hat der Palast sich schon frh ber die

    Tempel erhoben und als politisches und wirtschftliches Zentrum durchgesetzt. Man darf aber weder von einer theokratischen Gesellschaftsform

    oder von einer Tempelstadt, noch von einer staatlichen Wirtschaftsprechen. Wie besonders die Texte aus Shuruppak zeigen, gab essowohl in Sd - wie in Nordbabylonien neben der Tempel - undPalastwirtschaft, die den groen Oikos bildeten, auch die privaten Oikoi,die in den Hnden der eizelnen Grofamilien lagen.

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    Na passagem do stimo para 0 sexto milnio da era pr-crist, oOriente Prximo foi 0 cenrio de transformaes profundas em suasestruturas scio-econmicas. O homem do Oriente Prximo passou, pau-latinamente durante esse perodo, de caador e colector de alimentos, aprodutor de seu prprio sustento. Esta mudana no modus vivendido

    homem neoltico foi to radical e suas consequncias na sociedade e naeconomia to profundas, que 0arquelogo V. Gordon Childe denominou--a revoluo neoltica(1). O cultivo de alimentos e a domesticao de ani-mais exigiu do homem neoltico uma mudana no tipo de habitao dosagrupamentos humanos. Comeou um longo e paulatino processo desedentarizao(2). Inicialmente 0homem neoltico parece ter misturado osantigos hbitos de caador e colector de alimentos com os novos hbitosde produtor de alimentos, cultivando campos em que ele permanecia

    durante um determinado perodo(3). 0tipo de posse de terra de cultura,que poderamos classificar de semi-permanente, em que 0 cultivo doscampos se alternava com perodos de caa e de transumncia com osanimais domesticados. Do campo semi-permanente surgiu a aglome-rao permanente(4).

    A arqueologia constatou, em suas escavaes, que 0homem neolti-co viveu, inicialmente, em aglomeraes de estrutura circular, que difi-cultavam qualquer tipo de desenvolvimento(5). No Oriente Prximo, con-

    tudo, este tipo de habitao parece ter sido logo substitudo pela aldeiade estrutura rectangular(). Nesta aldeia as casas eram construdas emplanta rectangular, com uma rea de 25 a 35 m2, com vrios cmodos elugares prprios para armazenamento e abrigavam, normalmente, umafamlia nuclear(7). O prprio tipo de construo rectangular facilitava even-

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    tuais acrscimos e apndices, se, por exemplo, a famlia nuclear viessea desenvolver-se em famlia extensa, como parece ter sido 0caso a par-

    tir da cultura de Samarra(8). A arqueologia mostrou, outrossim, que asprimeiras aldeias de estrutura rectangular do Oriente Prximo ocupavamuma rea de, apenas, 1 a 4 hectares().

    Depois de uma fase incipiente de produo de alimentos, as ino-vaes bsicas que caracterizavam a cultura neoltica atingiram todas asreas do Oriente Prximo. Essas inovaes so representadas pela for-mao de comunidades aldes, pelo cultivo de algumas gramneas eleguminosas seleccionadas, pela criao de cabras, ovelhas, sunos e

    bovinos e pela introduo de tcnicas tipicamente neolticas como atecelagem e a produo cermica. A arqueologia constatou que houve,entre os anos 6000 a 4500 a. C., uma notvel expanso dos nveisdemogrficos e tecnolgicos. As tcnicas produtivas, que, com muitafadiga, tinham sido desenvolvidas nas regies aos ps das montanhas,espalhram-se, agora, pelos planaltos anatlicos e iranianos e pene-traram, finalmente, na regio do aluvio mesopotmico. Para firmar-senesta regio foi, contudo, necessrio que a colonizao agro-pastoril

    preparasse a sua nfra-estrutura com desmatamentos, drenagem eprocessos de irrigao. Mas, uma vez preparada essa infra-estrutura, aspossibilidades de produo no aluvio mesopotmico eram bem maioresdo que nas regies montanhosas, que contavam, apenas, com as varia-es pluviais dessas regies.

    Os resultados de pesquisas arqueolgicas, no Oriente Prximo,mostraram que a organizao de uma comunidade alde neoltica erabastante simples. A aldeia era, geralmente, constituda por poucas fam-

    lias extensas e havia nela, consequentemente, um parentesco generali-zado. O poder decisrio estava baseado na presena de alguns poucoschefes de famlia (ancio) e no havia diferenas substanciais de carcterscio-poltico entre esses chefes(10). No interior da comunidade 0papel decada ncleo parece ter sido, essencialmente, paritrio e seu tipo de agre-gao basicamente cumulativa("). Nessas aldeias no havia, pois, lugarpara especialistas de dedicao exclusiva; mesmo actividades no direc-tamente ligadas produo de alimentos, como a tecelagem e a cermi-

    ca, eram executadas pelas famlias de produtores de alimentos(12). A ar-queologia no encontrou elementos que pudessem ser interpretadoscomo sinais de expresso de uma unidade comunitria do tipo edifciopblico, como templos ou armazns comunitrios(13). Pode-se, pois, con

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    cluir que o prprio tipo de organizao social da comunidade neolticadificultava o processo de estratificao dessa sociedade e tornava irrele-

    vantes eventuais diferenas funcionais(14).A economia de uma comunidade alde neoltica era, essencialmente,

    uma economia de subsistncia baseada na reciprocidade(15). Sua baseera agro-pastoril, fundada em uma seleco acurada das espciesdomesticadas. Entre as plantas firmaram-se a cevada e alguns tipos detrigo; entre os animais encontravam-se 0co (para guarda, pastoreio ecaa), cabras, ovelhas, sunos, bovinos e, j no fim do perodo, os asnoscomo animais de carga. Alm de fornecer carne (sunos e animais

    machos dos caprinos e ovinos), a criao de animais contribuiu no tra-balho (bois, asnos), forneceu leite e outros produtos de lacticinios (bovi-nos, caprinos e ovinos) e fibras txteis (ovinos)(16). Paralelamente sactividades de criao de animais domesticados, continuou a prcticavenatoria, importante at para proteger a produo de alimentos contraanimais predadores e hervboras selvagens.

    A arqueologa comprova, tambm, a existncia de fibras tanto vege-tais (linho) como animais (l) que, tratadas convenientemente e transfor-

    madas em fio contnuo, possibilitaram 0 surgimento de uma indstriatxtiK17). Os tecidos produzidos pela tecelagem neoltica foram usados naconfeco de roupas, que substituram 0uso de peles de animais, comovestimentas, tpico dos perodos paleoltico e mesoltico(18). Surgem, tam-bm, novas tcnicas de transformao relacionadas com a produo dealimentos. 0caso da moagem das sementes com um tipo de m ma-nual de pedra, mtodo j conhecido anteriormente, durante a fase derecolhimento de alimentos espontneos, mas que agora vai tornar-se um

    processo normal na vida domstica. Depois do aparecimento da cer-mica, um novo mtodo de transformao de alimentos 0processo decozinh-los(19).

    Em uma aldeia neoltica, 0centro produtor era, pois, 0oikosdas fam-lias extensas. Os campos cerealferos, principais meios de produo emuma economia agrcola, pertenciam comunidade de famlias extensas.O proprietrio fundirio privado participava do direito de propriedade,provavelmente, enquanto membro dessas famlias(21). O tipo de econo-mia igualitria e distributiva da aldeia neoltica no exigia mecanismos dedeciso complexos e extra-familiares. Mesmo aps a entrada nas terrasde aluvio da Baixa Mesopotmia no foi necessrio criar logo um plodecisrio extra-familiar. As comunidades neolticas estabeleceram-se ao

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    longo dos cursos de gua e, por isso, no foram, imediatamente, neces-srias obras hidrulicas de grande porte, que, sem dvida, teriam exigido

    um tipo de governo mais centralizado.A agricultura irrigada possibilitou, contudo, um aumento considervel

    na produo de alimentos. De acordo com os clculos de K. V. Flannery,com a introduo da irrigao artificial, uma rea de 2 km2podia abrigarseis habitantes, enquanto que numa economia baseada na caa e norecolhimento de alimentos era necessrio um territrio de 26.000 hecta-res para um grupo de dez habitantes(22). A agricultura irrigada conseguiu,pois, produzir mais em uma rea menor de cultivo e, assim, alimentar

    uma populao, significativamente, maior(23). A consequncia lgica deum tal aumento substancial na produo de alimentos foi, sem dvida, 0aumento de migraes em direco Baixa Mesopotmia.

    A vinda de novos grupos populacionais para a regio causou, natu-ramente, presses demogrficas que provocaram, certamente, 0apare-cimento de uma maior estratificao social dentro da comunidade alde.

    J .-P. Gregoire est, certamente, correcto quando escreve que 0 proces-so de estratificao social determinado pela diferena, cada vez maior,

    entre 0 crescimento progressivo da populao e a rea, proporcional-mente menor, de terras que garantem a produo de alimentos24). Pode--se, pois, concluir que, com 0crescimento demogrfico, os mecanismosde controlo dos meios de produo e, consequentemente, dos recursosestratgicos, tornaram-se cada vez mais complexos(25). Esta necessidadede maior estratificao social levou, paulatinamente, a uma passagem dasociedade comunitria para uma sociedade mais estratificada, que pareceter sido a caracterstica do IV milnio(26).

    II

    Pela metade do IV milnio, 0 Sul da Baixa Mesopotmia sofreu umsignificativo aumento de populao provocado, provavelmente, por imi-graes macias de novas populaes em direo ao Sul da planciemesopotmica. O aumento demogrfico, junto com 0 domnio cres-cente das tcnicas de irrigao artificial, provocou um crescimentoeconmico que trouxe consigo um desenvolvimento tecnolgico e umaintensificao do comrcio com as zonas perifricas procura de mat-ria-prima inexistente na Baixa Mesopotmia(28). A arqueologia encontrou,

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    urbana. Os diferentes especialistas, quer burocrticos (escribas, admi-nistradores etc.), que formavam a minoria da comunidade (c. 20%),

    tornaram-se os privilegiados da nova sociedade. As comunidades rurais,como unidades independentes de produo, desapareceram, tornaram--se tributrias da cidade e foram incorporadas ao sistema de produo dacidade-Estado sumria.

    Neste novo tipo de sociedade fazia-se mister criar novos plos deci-srios aceites por todos, j que 0poder dos chefes de famlia, vigente naantiga comunidade rural, era insuficiente para gerir 0 governo de umacidade-Estado. Surgiu, ento, um novo centro de governo da cidade liga-

    do inicialmente ao templo e mais tarde ao palcio, que L. Oppenheimdenominou as Grandes Organizaes(40). Nas primeiras organizaesurbanas da Baixa Mesopotamia 0templo do deus principal da cidade era0 centro poltico e econmico da cidade-Estado; mais tarde, a partir doperodo proto-dinstico Illa (c. 2600-2500 a. C.), e talvez at j um poucoantes, apareceu 0 palcio como residncia do governante da cidade eseparado do complexo(41). Em pouco tempo, 0palcio tornou-se o centroda vida social, poltica e econmica da cidade-Estado, embora os templos

    continuassem os grandes proprietrios das terras cerealferas.A base da economia da Baixa Mesopotmia continuava, essen-

    cialmente, agro-pastoril, mas os especialistas dos centros urbanos pro-duziam, agora, produtos manufacturados muito procurados pelosmecanismos de troca de bens, principalmente, com outras regies(42).Nas cidades sumrias 0sistema econmico era, eminentemente, redis-tributivo. A circulao dos bens produzidos efectuava-se por meio de umsistema bastante complexo de recolhimento, armazenamento e redistri-

    buio desses bens aos diferentes membros da comunidade da cidade--Estado(43). O templo do deus principal da cidade-Estado parece ter sido,pelo menos inicialmente, 0 centro para 0 qual fluiam a produo dosgrandes domnios templrios, as contribuies e os tributos que eramarmazenados nos silos e depsitos da administrao central e onde,tambm, se iniciava 0 processo de redistribuio. Continuava, pois, omesmo sistema oikos(em sumrio = casa) de economia j encontra-do nas comunidades rurais do perodo neoltico. O oikos indica, em si,

    uma comunidade domstica e representa uma unidade scio-econmica.Mas agora toda a cidade-Estado era gerida como um grande oikos(.GAL) administrado pelo governante da cidade e todos os habitantesdessa cidade-Estado dependiam, de uma ou de outra maneira, desse

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    o/tos(44). O centro administrativo desse grande oikos foi, inicialmente, otemplo e mais tarde o palcio(45) e o governante da cidade-Estado sumria

    recebeu nomes diferentes de acordo com o modelo de cidade-Estado emquesto(46).

    Na cidade sumria a propriedade de grande parte das terras produti-vas, to importante em uma economia essencialmente agrcola, pareceter sido atribuda aos deuses da cidade-Estado, que as exploravam pormeio dos templos. O governante da cidade-Estado no era, necessaria-mente um sacerdote, mas, em todos os textos conhecidos, ele era con-siderado o representante da divindade, e como tal o responsvel pela

    explorao dessas terras(47). Enquanto responsveis pela produo dealimentos, os grandes domnios templrios desempenhavam um papelcentral na vida econmica e social da cidade-Estado sumria. O centrourbano era, tambm, responsvel pelo mecanismo de redistribuo dosbens produzidos entre os membros da comunidade. A acumulao debens nos tesouros dos templos e palcios no servia, apenas, para ali-mentar a mquina redistributiva da cidade-Estado, ela era, tambm, fontede poder scio-econmico e alimentava aquilo que S. Morenz denomi-

    nou economia de prestgio tpica no Antigo Oriente(48).As terras dos grandes domnios administrados pelos templos eram

    divididas, desde 0perodo Djemdet Nasr, em GNA.EN(campo do EN)e GNA.SUKU(campo de sustento)(49). O primeiro tipo de campo, querepresentava cerca de 80% dos campos dos domnios templrios, eracultivado pelos funcionrios da administrao central e sua produodestinava-se s necessidades dos governantes e de suas famlias, doculto e dos sacerdotes; os campos designados como GNA.SUKU,cercade 20% da totalidade, eram parcelas de terra atribudas aos altos fun-cionrios a ttulo de sustento(50). A partir da primeira dinastia de Lagas (c.2520-2355 a. C.), a documentao conhecida apresenta-nos j umadiviso tripartida das terras da administrao central: GNA.N.EN.NAque designava as terras exploradas directamente pela administraocentral para satisfazer suas necessidades; GNA.SUKU indicava dasparcelas de terra atribudas aos funcionrios a ttulo de sustento e osGNA..APIN.L,que representavam uma pequena parte de campos alu-gados a funcionrios ou a pequenos produtores em troca de uma parteda produo(51).

    Os primeiros textos que a escrita cuneiforme, criada no incio do ter-ceiro milnio, produziu, eram documentos de carcter administrativo e

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    pertenciam, sem dvida, aos arquivos da administrao central(52).Naturalmente, 0 uso indevido de elementos fornecidos por ese tipo de

    documentao corre 0risco de viciar a compreenso das estruturas so-ciais e econmicas da cidade-Estado sumria. Foi 0que aconteceu coma tese da cidade-templo defendida pela economista A. Schneider basea-da em textos de Lagas, da poca de Eannatum II (c. 2400 a. C.), deLugallanda (c. 2370 a. C.) e de Uruinimguina (c. 2355 a. C.), que lhetinham sido fornecidos pelo assirilogo A. DeimeK53). A tese da cidade--templo pode, basicamente, ser assim delineada: durante 0perodo pr--sargnico todas as terras produtivas pertenciam aos templos e a vida

    econmica da cidade sumria estava sob total controlo destes(54). Toda aargumentao de Schneider e Deimel estava construda em cima detextos provenientes de um nico arquivo de uma instituio denominada.M (literalmente: casa da mulher) da pBA.e traduzida por Deimelcomo templo da deusa Bau(s5). 0s textos deste arquivo referem-se adiferentes problemas, como irrigao, administrao dos campos cerea-lferos, produo de l, criao de animais, pescaria, tributos, aluguer decampos etc.. As terras atribudas a esta unidade econmica estavam

    divididas, como todas as terras de arquivos pblicos, em GNA.N.EN.NA,

    GNA.SUKU e GNA.APIN.L. Uma interpretao extrema destes tex-tos levou concepo de uma cidade-Estado sumria de tipo teocrtico.

    Em 1954 0ilustre sumerlogo A. Falkenstein publicava um importanteartigo, em que, mesmo aceitando a teoria da cidade-templo, matizoualguns exageros da posio de Deimel, admitindo, entre outras coisas,que ao lado da economia templria havia, tambm, outros tipos de eco-nomia e corrigindo, outrossim, 0conceito de cidade teocrtica(57).

    Inicialmente a teoria da cidade-templo teve grande aceitao entre osassirilogos. Mas logo surgiram vozes crticas que contestaram, exacta-mente, 0 frgil embasamento da teoria da cidade-templo. Diakonoff ba-seou sua crtica nos dados relativos rea dos campos da instituio.M da .^BA. fornecidos na documentao; segundo os seus cl-culos, as medidas atribudas s terras produtivas do domnio de .^BA.no podiam corresponder rea total produtiva da cidade de Lagas(58).Gelb critica a fraca fundamentao textual da teoria da cidade-templo emostra 0perigo de construir toda uma tese, que segundo seus autoresvalia para todo 0perodo pr-sargnico, em cima de um nico arquivo deuma determinada poca(59). Hoje em dia, uma anlise mais abrangentede todos os textos pr-sargnicos pode mostrar que, se 0papel do tem-

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    po na economa da cidade-Estado sumra, como principal produtor dealimentos, era fundamental na economia sumria pr-sargnica, contudo

    nem todas as terras produtivas eram propriedades templrias.

    Os kudurrusda poca cassita e ps-cassita registravam ddivas deterra dos reis a altos funcionrios da administrao cassita(63). O assiri-logo russo Diakonoff julga 0nome ancient kudurrubastante infeliz, j queh diferenas no s formais mas, tambm, no prprio gnero literriodos dois tipos de documentos. Enquanto os kudurrus cassitas e ps--cassitas registavam presentes reais de terras a altos funcionrios do

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    reino ou representavam documentos de imunidade, os documentos dapoca pr-sargnica, lavrados em pedra, conservaram 0registro de com-

    pras de terra. Diakonoff prefere, por isso, 0 antigo nome de Sammelur-kundenpara esse tipo de documentos(64).

    A assiriologia conhece, hoje, cerca de 43 exemplares desses antigosregistos colectivos de compras de terra do perodo pr-sargnico; 11 delespertencem ao perodo Uruk III ou Djemdet Nasr (c. 3100-2900 a. C.), 3aos perodos pr-dinsticos I e II (c. 2900-2600 a. C.), 10 ao perodo deFara ou pr-dinstico Illa (c. 2600-2450 a. C.) e 19 ao perodo pr--dinstico lllb (c. 2450-2340 a. C.)

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    cipal que recebe o preo do campo(69), apaream outras personagens,que so uma espcie de vendedores secundrios, contemplados, igual-

    mente, com um tipo de pagamento em prata, cobre ou em espcie(70).A interpretao mais comummente aceite que esses vendedoressecundrios seriam parentes do vendedor principal e estariam partid-

    pando do acto de venda do campo(71).Em relao ao tamanho dos campos vendidos nesse tipo de doeu-

    mento, nota-se, tambm, uma diferena entre 0Norte e 0Sul da Meso-potmia. Normalmente os campos negociados em regies ao Norte daBaixa Mesopotmia so, substancialmente, mais extensos(72). Os com-

    pradores so, geralmente, altos funcionrios da administrao centraltemplria ou palatina(73). Entre os vendedores, tambm, aparecem algunsaltos funcionrios, mas, normalmente, a profisso do vendedor no mencionada. Alis, levando-se em conta que esse tipo de documentosregista, geralmente, a compra de grandes parcelas de terra arvel efec-tuada por um mesmo comprador, no admira que este esteja entre osgrandes funcionrios da administrao central, certamente os financeira-mente mais capacitados para uma transaco comercial de tal porte.

    Em relao a esses antigos documentos lavrados em pedra pode-se,ainda, indagar sobre a sua finalidade. Por que se registariam, em umaesteia de pedra, todas as compras de terras realizadas por um mesmocidado em um determinado perodo de tempo? Como j foi mencionadaacima, a pedra era um material praticamente inexistente na BaixaMesopotmia, portanto devia ser importado e sua aquisio era dispen-diosa. Um documento lavrado em uma esteia de pedra devia ter, semdvida, um carcter oficial. Tratava-se, provavelmente, de um registo

    oficial que devia estar exposto em um lugar pblico e podia ser consul-tado em qualquer caso de dvida relativa s transaces realizadas.

    Alm dos contratos registados nas esteias de pedra (ancient kudur-rus"),acima mencionados, a assiriologia dispe, tambm, para o estudoda economia da sociedade pr-sargnica, de um outro tipo de documen-to que comea a aparecer a partir do perodo Fara (c. 2600-2450 a. C.).

    Trata-se de contratos de compra e venda de bens mveis e imveis(campo, pomar, casa, escravo, etc...) registados em tabuinhas de argila.A tbua de argila tornou-se, depois do perodo Fara, 0material preferidoda escrita cuneiforme at final da sua histria. Conhece-se, hoje, cercade 64 textos desta natureza, que podem ser com certeza datados dapoca pr-sargnica; 42 deles pertencem ao perodo Fara e 22 ao pero-

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    do pr-dinstico lllb (c. 2450-2340 a. C.)

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    O TEMPLO, O PALACIO E O PEQUENO PRODUTOR

    deixou, aos poucos, de ser um simples caador e colector de alimentose tornou-se o produtor dos meios de sua prpria subsistncia. Esta si-

    tuao nova para 0homem neoltico exigiu dele mudanas substanciaisem seus hbitos de vida. Ele sentiu a necessidade de uma maior fixaoa um determinado ambiente geogrfico e vai, assim, passando de umavida nmada a uma vida sedentria. Comeou, ento, a viver em agru-pamentos humanos maiores e a formar as primeiras aglomeraes.A prpria necessidade de produzir alimentos obrigou o homem neolticoa apropriar-se de terras para cultiv-las e seme-las e a domesticaralguns tipos de animais selvagens. Surgiram, assim, as primeiras aldeias

    neolticas. Nesse tipo de aldeia 0 centro econmico parece ter sido acasa da famlia extensa (sumrio , acdico btum). Uma economiadomstica neoltica devia ser, por sua prpria estrutura, autosuficiente eproduzir, no s alimentos, mas tudo 0que uma familia precisava parasobreviver.

    De facto, a cultura material desse perodo, estudada pela arqueolo-ga, mostrou que a organizao de uma aldeia neoltica era bastantesimples. Ela era, em geral, constituda por poucas famlias extensas que

    centravam suas actividades produtivas em uma economia domstica.Todas as actividades de produo e transformao dos alimentos, bemcomo a produo textil e a produo de vasilhames (cermica) e de ou-tros instrumentos necessrios ao cultivo da terra eram realizadas dentroda economia domstica das famlias extensas de uma aldeia(80). Natural-mente, a economia de uma sociedade desta natureza era, essencial-mente, uma economia de subsistncia, baseada, fundamentalmente, nareciprocidade. A base da economia neoltica era agro-pastoril.

    Finley denominou este tipo de economia, tpico do Mundo Antigo emgeral, de economia-o/Vcos81). O termo grego oikosindica, em si, no ape-nas a casa fsica, mas a organizao scio-econmica de uma famlia.Pode-se, pois, concluir, que 0 termo oikos expressa uma comunidadedomstica e representa uma unidade scio-econmica. Os camposcerealferos, principais meios de produo neste tipo de economia, perten-ciam, certamente, comunidade de familias extensas. O chefe de umafamlia extensa era proprietrio fundirio, provavelmente, enquanto mem-bro da comunidade alde. Em uma sociedade deste tipo seria, certa-mente, anacrnico falar de direito de propriedade, direito de alienao debens imveis, bem como de economia privada ou pblica. Toda a vidaeconmica da aldeia era dirigida pela comunidade de famlias extensas.

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    Em uma sociedade desta natureza no havia lugar para um processo deestratificao social propriamente dito. O poder decisrio na aldeia era

    exercido, paritariamente, pelos chefes das famlias extensas (ancios).Em meados do quarto milnio antes da nossa era, comeou na Meso-

    potmia um processo de urbanizao, que culminou, no perodo Uruk IIIou Djemdet Nasr (3500-3100 a. C.), com a fundao da cidade-Estadosumria. Esta etapa decisiva foi precedida por diversas etapas prepa-ratrias, que provocaram, na sociedade mesopotmica, uma crescenteestratificao social. Uma dessas etapas foi, sem dvida, a diviso dapopulao activa em especialistas e produtores de alimentos. Estes con-

    tinuaram a viver nas aldeias, enquanto que os diferentes especialistas seestabeleceram no centro urbano e, aos poucos, constituram uma classeprivilegiada(82). Com a predominncia do centro urbano sobre a aldeia, asantigas comunidades aldes perderam sua auto-suficincia e homo-geneidade. Elas tornaram-se tributrias do centro urbano e dependiamdele para a sobrevivncia de seus membros. O processo de urbanizaotrouxe consigo uma mudana significativa na prpria tipologa da socie-dade. Os plos decisrios da antiga comunidade alde no eram mais

    suficientes para gerir 0governo de uma cidade-Estado. A nova estruturaestatal, com um centro urbano e diversas aldeias dependentes dessecentro, criaram a necessidade de um governo centralizado para poderresolver os novos problemas de irrigao artificial, de defesa da cidade,de soluo de conflitos internos e externos e de comrcio a longa distn-cia que surgiram com a criao da cidade-Estado. O assirilogo A. L.Oppenheim denominou esses novos plos scio-polticos e econmicos,baseados nos templos e, mais tarde, no palcio, as Grandes Organiza-

    es (the Great Organizations)83.O estudo arqueolgico de uma cidade-Estado, como Uruk, mostrou

    como 0centro urbano estava construdo em funo do grande complexotemplrio da cidade84. Os restos arqueolgicos dos edifcios do complexotemplrio demonstram, claramente, que 0 templo no era, apenas, umcentro cltico-religioso; ele era, tambm, 0centro poltico e econmico dacidade-Estado. Arquivos pr-sargnicos, provenientes de diversas cida-des sumrias, mostra-nos os templos como proprietrios de grandesextenses de terras produtivas.

    A populao activa da cidade-Estado dependia, de alguma maneira,da economia templria, e grande parte dessa populao trabalhava nocultivo dos campos classificados, nos documentos da poca, como

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    GNA.EN, cuja produo destinava-se s necessidades da adminis-trao central e ao mecanismo distributivo. Os funcionrios mais gradua-

    dos participavam do processo produtivo, enquanto trabalhavam osGNA.SUKU,campos de sustento, recebidos da administrao central attulo de pagamento pelos servios prestados. Alm disso, os templosalugavam uma boa parte das suas propriedades fundirias, osGNA.APIN.L, empregando, destarte, a modeobra de pequenos emdios produtores na explorao de parte de suas terras.

    O tipo de economia exercido pelo templo e pelo palcio continuava,contudo, na linha de uma economia do tipo oikos. Apenas que, agora,0 templo ou 0 palcio representavam um grande oikos, cuja produoestava destinada, dentro do mecanismo de redistribuio, subsistnciada populao da cidade-Estado. O templo ou 0palcio encarregavam-se,outrossim, do armanezamento dos excedentes necessrios para alimen-tar os especialistas, que no produziam seu prprio alimento, e para asemeadura da prxima safra bem como da armazenagem da matria--prima e de outros produtos da indstria txtil e do artesanato da cidade--Estado essenciais para 0 mecanismo de trocas no comrcio a longa

    distncia. No se pode, contudo, classificar a cidade-Estado como umacidade teocrtica e nem definir a sua economia como uma economiaestatal. Ao lado do grande oikos,representado pelo templo ou pelo pal-cio, que, certamente, dominava a economia da cidade-Estado sumria,continuavam a existir os outros oikosprivados constitudos pelas diversasfamlias de pequenos e mdios produtores. A abundante documentaorepresentada pelos documentos colectivos do tipo ancient kudurrus",que registavam um intenso movimento de compra e venda de camposcerealferos e pelas tabuinhas de argila, provenientes de Suruppak e deoutras regies, com contratos de compra e venda de bens mveis eimveis, atestam, sem dvida, a presena de pessoas particulares nosmecanismos de produo agrcola.

    verdade que os ancient kudurrus" registam, geralmente, comocompradores dos campos altos funcionrios da administrao central,dependentes, portanto, da Grande Organizao. J os contratos dastabuinhas de argila elencam entre os compradores, tambm, pessoas deoutras camadas sociais. Um outro elemento importante que se podedetectar na anlise dos dois tipos de documentos, acima mencionados, o facto de, junto com 0 vendedor principal, serem elencados outroscidados, que recebiam tambm, alguma espcie de pagamento.

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    Estes cidados eram, provavelmente, parentes do vendedor principal e,como tal, participavam, tambm, da venda do campo em questo. Esta

    meno de vendedores secundrios pode, talvez, sugerir uma pro-priedade comunitria dos meios de produo, remanescente do tempodas comunidades aldes.

    Esta mesma documentao mostra-nos, outrossim, que os camposcerealferos, negociados nos contratos desta poca, eram bem maisextensos no Norte, e nas reas vizinhas do Norte, do que no Sul da BaixaMesopotmia, que poderia sugerir a concluso de que a propriedade pri-vada de campos produtivos era mais espalhada no Norte do que no Sul.

    Baseados nestes elementos, alguns autores julgam at que a instituioda propriedade privada se tenha originado no Norte da Baixa Meso-potmia, onde predominavam, na populao, as camadas semitas(85).Os elementos fornecidos pela documentao no parecem, contudo,suficientes para sustentar esta hiptese.

    A documentao proveniente de arquivos de templos do Sul da BaixaMesopotmia parece confirmar que a economia templria, com seu modoprprio de produo e seu sistema de propriedade de terras, foi um fen-

    meno tpico, originrio do Sul, que se alastrou para 0Norte, sem, contu-do, conseguir superar a importncia da economia palatina ou anular aeconomia familiar(86).

    A partir da anlise da documentao conhecida, pode-se, provvel-mente, admitir que no Norte da Baixa Mesopotmia a economia palatinatenha superado e at controlado a economia templria. Mas 0papel daeconomia familiar privada tanto no Sul como no Norte da Baixa Meso-potmia no parece ter sido relevante na economia pr-sargnica.

    Embora os textos deste perodo atestem a presena de altos funcionriosno movimento de compra e venda de extensos campos produtivos,contudo a produo desses campos permanecia, como nos perodosseguintes at 0perodo pleobabilnico, em uma linha de subsistncia eat de prestgio da famlia em questo. Os grandes proprietriosfundirios, que dominavam e controlavam a produo agrcola de umacidade-Estado sumria eram, sem dvida, principalmente os templos.O pequeno e o mdio produtor desempenhavam, apenas, um papelsecundrio nessa economia, enquanto trabalhavam as terras dos tem-pios ou alugavam parcelas dessas terras, participando, assim, do cicloprodutivo controlado pelas Grandes Organizaes.

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    Notas

    0) Cf. V. Gordon CHILDE, A evoluo cultural do homem, Rio de J aneiro, 1981, p. 77s.; Idem,

    0 que aconteceu na historia, Rio de J aneiro, 1981, p. 51s. Esta terminologia ,semdvida, impre-cisa, j que no se trata de uma revoluo propriamente dita, mas sim de uma passagem longa e

    paulatina.

    (2) Cf. H. J . NISSEN, Grundzge einer Geschichte der Frhzeit des Vorderen Orients, Darmstadt,

    1983, p. 18s.

    (3) Cf. J .-P. GREGOIRE, LOrigine et le Dveloppement de la Civilisation Msopotamienne du Troi-sieme Millnaire avant notre re, em: C.-H., BRETEAU etc. (ed.), Production, Pouvoir et Parente

    dans le Monde Mediterraneen de Sumera nos jours, Paris, 1981, p. 50s.

    (4) Cf. J .-P. GREGOIRE, 0. c., p. 51.

    (5) Cf. J . MELLAART, The Neolithic of the Near East, 1975, pp. 35-38.

    (6) Cf. J .-P. GREGOIRE, 0. c., p. 50.

    (7) Cf. j.-p. GREGOIRE, 0. C., p. 53.

    (8) Cf. J . OATES, Choga Mami, em Iraq 31 (1969), pp. 115-152.

    (9) Cf. J . MELLAART, 0. c., pp. 35-38 e pp. 42-48.

    (1) Cf. H. J . NISSEN, 0. c., p. 41s.; J .-P. Grgoire, 0. c., p. 54.

    (11) Cf. M. LIVERANI, Antico Oriente. Storia, Societ, Economia, Roma-Bari, 1988, p. 76.

    (12) Este tipo de economia , geralmente, denominado economia-oikos.Foi o modelo tpico das eco-nomias antigas tanto pr-clssicas como tambm clssicas. Cf. M. FINLEY, A Economia Antiga,

    Porto, 1986, pp. 19-43.

    (13)C f. M. LIVERANI, 0. C., p. 77.

    (14) Cf. J .-P. GREGOIRE, 0. C., p. 54.

    (15) Cf. J .-P. GREGOIRE, 0. C., p. 54.

    (16) Cf. M. LIVERANI, 0. C., p. 72s.

    (17) Cf. M. LIVERANI, 0.C.,p. 74.

    (18) Cf. M. L iv e r a n i, 0. C., p.74.

    (19) Cf. M. LIVERANI, 0.C.,p. 74.

    (2) Cf. H. J . NISSEN, 0.C.,p. 35s.

    (21) Cf. I. M. DIAKONOFF, The Rural Community in the Ancient Near East, JESHO18 (1975), pp.121-133; idem, Structure of Society and State in early dynastic Sumer, Los Angeles, 1974, p. 8.

    (22) Cf. K. V. FLANNERY. Origins and Ecological Effects of Early Domestication in Iran and the NearEast, em: UCKO, P. J . and DIMBLEBY, G. W. (eds.), The Domestication and Exploitation of Plantsand Animals, London, 1969, p. 62. Os seus clculos mostram que no perodo anterior havia, apro-

    ximadamente, uma densidade populacional de 0.04 habitante por km2 e, em uma economia irrigada,a densidade era de seis habitantes por km2.

    (23) Cf. K. V. FLANNERY, 0. c., p. 94. Cf. tambm, J .-P. GREGOIRE, 0. c., p. 56.

    (24) Cf. J .-P. GREGOIRE , 0. c., p. 56.

    (25) Cf. J .-P. GREGOIRE, 0. c., p. 56.

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    (26) Cf. J .-P. GREGOIRE, 0. c., p. 57.

    (27) Cf. R. Me C. ADAMS, Patterns of Urbanization in Early Southern Mesopotamia, em: P. J .UCKO, R. TRINGHAM, G. W. DIMBLEBY (eds.), Man, Settlement and Urbanism, London, 1972,

    p. 738.

    (28) Cf. J .-P. GREGOIRE . 0. c., p. 58.

    (29) Cf. H. J . NISSEN, 0. C., p. 49s.

    (30) Cf. M. LIVERANI, LOrigine delle cit, Roma, 1986, pp. 47-64; P. CHERVT, Ancient Mesopo- tamia, Praga, 1993, pp. 124-212.

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    (5) Cf. G. PETTINATO, I Sumeri,p. 251s.

    (51) Cf. P. STEINKELLER, art. cit., p. 14; G. PETTINATO, I Sumeri,p. 252.

    (52) Cf. H. J . NISSEN, P. Damerow, R. K. ENGLUND, Frhe Schrift und Techniken der Wirtschafts-

    Verwaltung im alten Vorderen Orient, Bad Salzdetfurth, 1991.

    (53) Cf. A. SCHNEIDER, Die Anfnge der Kulturwirtschaft. Die sumerische Tempelstadt,Essen 1920.Deimel publicou os textos de Laga em 1931 sob 0ttulo umerische Tempelwirtschaft zur Zeit Uruka-

    ginas und seiner Vorgnger,Analecta Orientalia 2, Roma, 1931.

    (54) Cf. A. DEIMEL. Sumerische Tempelwirtschaft, pp. 71-113. Deimel apresenta, aqui, um ptimo

    resumo da teoria da cidade-templo.

    (55) Sabe-se, hoje, que a expresso .dBA-no indica aqui um templo; a formulao .M .BA-indica uma instituio dirigida pela esposa do ENS. Cf. K. MAEKAWA, The Development of the

    .M in Lagash during Early Dinastic III em Mesopotamia,vol. 8-9, Roma, 1973-1974, pp. 77-144,B. A. FOSTER, A New Look at the Sumerian Temple State, J ESHO 24 (1981), pp. 225-241.

    (56) Cf. J . BAUER,Altsumerische Wirtschaftstexte aus Lagasch,Rome, 1972; G. J . SELZ, Altsume-

    rische Verwaltungstexte aus Lagas. Die Altsumerischen Wirtschaftsurkunden der Eremitage zu Le-

    ningrad em FAOS, 15, 1, Stuttgart, 1989.

    (57) Cf. A. FALKENSTEIN, La cit-temple sumrienne, Cahiers dHistoire Mondiale, 1 (1954),

    pp. 784-814.

    (58) Cf. I. M. DIAKONOFF, Structure o f Society and State in Ear ly Dynastie Sumer,Los Angeles 1974,

    p. 6s.

    (59) Cf. I. J . GELB, On the alleged Temple and State and State Economies in Ancient Mesopo-tamia, Stud i in onore di E. Volterra,VI, Milano, 1969, pp. 137-154.

    (6) Para uma viso crtica desta tese cf. J . NISSEN, Die Tempelstadt: Regierungsform der frh-

    dynastischen Zeit in Babylonien?, em H. KLENGEL (ed.), Gesellschaft und Kultur im alten Vordera-

    sien, Berlin 1982, pp. 195-200. Cf. tambm B. A. FOSTER, A New Look at the Sumerian Temple

    State, JESHO 24 (1981), pp. 225-241; G. PETTINATO, II binomio tempio-estato e Ieconomia

    della seconda dinastia de Lagash, Oriens Antiquus,7 (1968), pp. 39-50.

    (61) Cf. M. A. POWELL, Texts from the Time of Lugalzagesi: Problems and Perspectives in their

    Interpretation, Hebrew Union College Annual,49, Cincinnati, 1978, pp. 1-58.

    (62) Cf. I. J . GELB, On the alleged Temple and State Economies in Ancient Mesopotamia, em Studi

    in onore di E. Volterra,VI, Milano 1969, p. 141.

    (63) Cf. J . A. BRINKMAN, Kudurru, em Reallexikon der Assyriologie, vol. 6, pp. 267-274; Cf. tam-bm CAD"K, p. 495s.

    (64) Cf. I. DIAKONOFF, Oikumene3 (1982), p. 15; ... the Kassite and post-Kassite kudurru wereusually grants of land and/or charters of immunity, while the Sammelurkunden of the 3. Millenium B.C.

    are deeds of purchase.

    (65) A melhor e mais recente edio desses textos a de I. J . GELB, P. STEINKELLER, R. M.WHITING J r., Earliest Land Tenure Systems in the Near East: Ancient Kudurrus, OIP, 104,

    Chicago, 1991.(66) Cf. H. J . NISSEN, P. DAMEROW, R. K. ENGLUND, Frhe Schrift und Techniken der Wirtschafts-Verwaltung im alten Orient, Bad Salzdetfurth 1991, pp. 158-168.

    (67) Sobre as diferentes tipologas de documentos desta natureza cf. I. J . GELB, P. STEINKELLER,R. M. WHITING J r., Earliest Land Tenure Systems, pp. 199-203.

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    (68) Cf. I. J . GELB, P. STEINKELLER, R. M. WHITING J r., Earliest Land Tenure Systems, pp. 213

    228.

    (69) A expresso usada , geralmente, SM x GN K.BABBAR... K: 0preo de x siclos de prata

    ele recebeu (literalmente ele comeu).

    (7) Cf. p. ex. a esttua de Lupada, escrita em sumrio e originria de Guirsu no perodo de Fara, em

    I. J . GELB, P. STEINKELLER, R. M. WHITING J r., Earliest Land Tenure Systems, p. 72 e a tbuade Lummatur, tambm em sumrio e proveniente de Guirsu do perodo proto-dinstico lllb, ibid., p.

    75. Para uma traduo alem desses textos cf. D. O. EDZARD, Sumerische Rechtsurkunden des III.

    Jahrtausends aus derZeit vorder III Dynastie von Ur, Mnchen 1968, pp. 181-183 e pp. 185-191.

    (71) Cf. I. J . GELB, P. STEINKELLER, R. M. WHITING J r., Earliest Land Tenure Systems, pp. 15-20.

    (72) Cf. I. J . GELB, P. STEINKELLER, R. M. WHITING J r., Earliest Land Tenure Systems, p. 25.

    (73) Assim, aparecem entre os compradores funcionrios intitulados de LUGAL, ENS, SANGA, ENetc... Cf. a lista com a profisso dos compradores funcionrios enlencados nos documentos colec-tivos (ancient kudurru) em I. J . GELB, P. STEINKELLER, R. M. WHITING J r., Earliest Land Tenure

    Systems, pp. 18-20. Note-se, contudo, que em um ancient kudurru proveniente de Adab, regio

    mais perto do norte, aparece um SIMUG = ferreiro como comprador. Parece, contudo, tratar-se donico exemplo de um comprador, que no seja um alto funcionrio, nos ancient kudurrus.

    (74) Cf. A. DEIMEL, Wirtschaftstexte aus Fara, Leipzig 1924. Para uma edio mais actual e com-

    pleta dos textos, hoje, conhecidos cf. I. J . GELB, P. STEINKELLER, R. M. WHITING J r., Earliest Land

    Tenure Systems in the Near East: Ancient Kudurrus, Chicago 1991; D. 0. EDZARD, SumerischeRechtsurkunden des III. Jahrtausends aus der Zeit vor der III. Dynastie von Ur, Mnchen 1968; J .

    KRECHER, Neue sumerische Rechtsurkunden des 3. J ahrtausends, ZA63 (1974) 145-271.

    (75) Para a anlise econmica, que nos interessa neste contexto, trabalharemos, apenas, com os

    contratos de compra e venda de bens imveis.

    (76) Cf. J . KRECHER, ZA63 (1974), p. 151 s. Para a traduo portuguesa de um contrato de com-

    pra de um campo, do perodo Fara, que pode oferecer um bom exemplo deste tipo de contrato cf. E.BOUZON, Os modos de produo na Baixa Mesopotmia do terceiro e segundo milnios da era

    pr-crist, em C. F. Cardoso (Org.), Modo de Produo Asitico. Nova visita a um velho conceito,

    Rio de J aneiro, 1990, pp. 28-29.

    (77) Cf. D. CHARPIN, Transmission des titres de proprit et constitution des archives prives enBabylonie ancienne, em K. R. VEENHOF (ed.), Cuneiform Archives and Libraries, Leiden, 1986,

    pp. 121-140.

    (78) Cf. I. J . GELB, P. STEINKELLER, R. M. WHITING J r., Earliest Land Tenure Systems, p. 13,

    onde os autores escrevem: The lingustic distribution of sale documents presents a less varied pic-ture than that of the kudurrus. All forty-two Fara sale documents from Shuruppak (including one found

    at Uruk), all twenty PreSargonic sale documents from Lagash, and one sale document from Adabare written in Sumerian. The exception is the P re-Sargonic text n. 156a, which is of unknown prove-nience and is written in Akkadian.

    (79) Cf. a lista de nomes dos compradores e vendedores elencados nas tabuinhas de argila em I.J . GELB, P. STEINKELLER, R. M. WHITING J r., Earliest Land Tenure Systems, pp. 19-20.

    (80) A arqueologia da Baixa Mesopotmia encontrou nas casas neolticas silos escavados no solo,fornos, reas destinadas habitao, reas destinadas ao trabalho de moagem, de tecelagem e doceramista. Cf. H. J. NISSEN, Grundzge einer Geschichte der Frhzeit des vorderen Orients,

    pp. 18-40; P. CHARVT, Anc ie n t Meso potam ia , pp. 42-57.

    (81) Cf. M. I. FINLEY, Economia Antiga, pp. 19-43.

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    (82) Especialmente os especialistas clticos e, depois da inveno da escritura, os escribas, quedominaram a administrao templria e palatina, formaram uma classe privilegiada, de grande

    influncia na gesto da cidade-Estado sumria.

    (83) Cf. A. L. OPPENHEIM, Ancient Mesopotamia, p. 95s.

    (84) Cf. R. Mc C. ADAMS and H. J . NISSEN, The Uruk Countryside. The Natural Setting of Urban

    Societies, Chicago 1972; A Parrot, Archologie Msopopamienne. Technique et Problmes, Paris1953, pp. 221-237; P. STEINKELLER, Grundeigentum in Babylonien von Uruk IV bis zur frhdynas-

    tischen Periode II, J ahrbuch fr Wirtschaftsgeschichte, Sonderband: Das Grundeigentum in Meso-

    potamien, Berlin 1987, pp. 11-27.

    (85) Cf. I. J . GELB, P. STEINKELLER, R. M. WHITING J r., Earliest Land Tenure Systems, p. 25:

    On the basis of these data it can be tentatively suggested that the institution of privateValienablelanded property originated in the north, from where it spread to the south....

    (86) Cf. I. J . GELB, P. STEINKELLER, R. M. WHITING J r., Earliest Land Tenure Systems, p. 25:Conversely, the institution of the temple household and its peculiar system of land tenacy appearsto have been originally a southern phenomenon, which was eventually transmitted to the north,

    though never superseding in importance the royal and private households.