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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes Curso de Letras Bacharelado com ênfase em Estudos da Tradução CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS ESCRITOS DE GOETHE SOBRE TRADUÇÃO WILLIAM SILVA HAACK CURITIBA 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes

Curso de Letras Bacharelado com ênfase em Estudos da Tradução

CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS ESCRITOS DE GOETHE SOBRE TRADUÇÃO

WILLIAM SILVA HAACK

CURITIBA 2009

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WILLIAM SILVA HAACK

CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS ESCRITOS DE GOETHE SOBRE TRADUÇÃO

Monografia apresentada à disciplina de Orientação Monográfica II do Curso de Letras Português-Alemão da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Letras com ênfase em Estudos da Tradução.

Orientador: Prof. Dr. Mauricio Mendonça Cardozo. CURITIBA

2009

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Em memória sincera à passagem de meu pai.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Mauricio Mendonça Cardozo, pela orientação, paciência, incentivo, amizade e principalmente por acreditar na proposta deste trabalho.

Aos amigos e colegas Leandro Dorval Cardoso, Evelyn Petersen e Simone Petry, pela amizade e colaboração na realização deste trabalho.

Aos amigos Leandro e Guilherme, pelo incentivo e apoio que me foi dado. Ao Instituto Goethe de Curitiba, por oferecer os materiais utilizados neste

trabalho. Também a bibliotecária Juliane Müller pela ajuda e indicações.

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RESUMO

Partindo, por um lado, de uma imagem homogênea do pensamento tradutório de Goethe, perpetuada por estudos teóricos e historiográficos que se fundam em um número restrito de textos do autor alemão, e, por outro lado, da constatação de uma presença marcante da tematização do ato tradutório e da reflexão sobre tradução no corpo de toda a extensa obra de Goethe, este trabalho propõe-se a discutir preliminarmente o modo como se constrói a reflexão sobre tradução na obra desse autor, apontando, em especial, para a natureza heterogênea dessa reflexão e para a variedade de formas em que esse pensamento sobre tradução encontra sua expressão. Palavras-chave: tradução; estudos da tradução; Goethe.

ZUSAMMENFASSUNG

Die vorliegende Arbeit geht von zwei Aspekten aus. Auf der einen Seite die gleichförmige Vorstellung von Goethes Sichtweise der Übersetzung, die durch theoretische und historiographische Studien verewigt wurde, welche sich auf eine beschränkte Anzahl von Goethes Texten beziehen. Auf der anderen Seite steht der Beweis für eine starke Thematisierung der Übersetzungshandlung und ihrer Reflexion im umfangreichen Werk Goethes. In dieser Arbeit schlagen wir vor, zu diskutieren, auf welche Art die Überlegungen zur Übersetzung im Werk dieses Autors geschehen und weisen insbesondere auf die Heterogenität dieser Gedanken und die vielfältigen Möglichkeiten hin, mit welchen Goethes Gedanken zur Übersetzung sich ausdrücken. Stichwörter: Übersetzung; Übersetzungswissenschaft; Goethe.

ABSTRACT

On one hand, a homogeneous image of Goethe's view of translation, perpetuated by theoretical and historiographic studies based on a limited number of texts from the German author, and, on the other hand, the evidence of a sharp presence of the thematization in the act of translation along with the reflection on translation in the body of all the extensive works of Goethe, this work proposes to discuss preliminarily how the reflection on translation is built in the work of this author pointing out in particular the heterogeneous nature of this reflection and the variety of ways in which this view of translation can be expressed. Keywords: translation; translation studies; Goethe.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ESQUEMA 1 – DELIMITAÇÃO DO LUGAR DOS ESCRITOS DE TRADUÇÃO DE GOETHE...................................................................................................................28 TABELA 1 – MODALIDADES TEXTUAIS.................................................................29

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................8 2. O CONTEXTO 2.1 O CONTEXTO......................................................................................................11 2.2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES...........................................................................15 3. GOETHE NA PERSPECTIVA DOS ESTUDOS DA TRADUÇÃO.........................18 4. O LUGAR DA TRADUÇÃO A PARTIR DOS TEXTOS DE GOETHE...................28 4.1 CARTAS.............................................................................................................. 29 4.2 DIÁRIOS...............................................................................................................31 4.3 PROSA AUTOBIOGRÁFICA................................................................................32 4.4 TEXTOS LITERÁRIOS.........................................................................................35 4.5 CONVERSAÇÕES...............................................................................................37 4.6 TEXTO CIENTÍFICO............................................................................................38 4.7 MANIFESTAÇÃO ESTÉTICA OU FILOSÓFICA..................................................38 4.8 AFORISMOS........................................................................................................39 4.9 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES...........................................................................40 5. CONLUSÃO...........................................................................................................42 REFERÊNCIAS..........................................................................................................44 OBRAS DE REFERÊNCIA........................................................................................46 ANEXOS....................................................................................................................47

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1. INTRODUÇÃO ____________________________________________________

Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) é considerado um dos autores

mais importantes da literatura alemã. Sua obra abrange o campo de estudo da

literatura, teologia, filosofia, ciência e humanismo. Obras como o Fausto e Os

sofrimentos do jovem Werther são as mais conhecidas internacionalmente e a partir

delas ele ganhou reconhecimento internacional. Além disso, ele recebeu um lugar

em antologias sobre a história da tradução e é esse lugar que nosso trabalho

pretende explorar e fazer reflexões.

Antoine Berman1 (1984/2002) define o termo Weltliteratur (literatura mundial),

cunhado por Goethe em 1827, no livro A prova do estrangeiro, no capítulo dedicado

a Goethe.

A noção goetheana de Weltliteratur é um conceito histórico que diz respeito ao estado moderno da relação entre as diversas literaturas nacionais ou regionais. Nesse sentido, é melhor falar da idade da literatura mundial. É a idade em que essas literaturas não se contentam mais em entrar em interação (fenômeno que mais ou menos sempre existiu), mas concebem abertamente sua existência e seu desdobramento no âmbito de uma interação incessantemente intensificada. (BERMAN, 1984/2002, p.101)

A partir do comentário de Berman, podemos perceber que Goethe tinha uma

preocupação com a relação à literatura mundial, tanto que, se dedicou a descrever o

crescimento da disponibilidade de textos de outras nações. Além disso, ele se

dedicou a fazer traduções de poemas épicos da literatura islâmica, também poemas

da cultura sérvia, persa e do sânscrito. É preciso mencionar que o termo foi usado

pela primeira vez por Christoph Martin Wieland2, que o aplicava com o significado de

literatura para o cidadão do mundo (Weltmann). Para Goethe, a Weltliteratur era

1 Antoine Berman (1942-1991) foi um lingüista, tradutor, historiador da tradução e pode ser considerado um teórico de tradução. 2 Christoph Marin Wieland (1733-1813) foi um poeta alemão, tradutor e editor. É considerado um dos mais significativos escritores do período do Iluminismo alemão (Aufklärung). Dentre suas traduções para o alemão, destacam-se as obras completas de Marcus Tullius Cícero, Lukian von Samosata e William Shakespeare. Sobre a Weltliteratur, há um texto de Hans J. Weitz na revista de literatura comparada Arcadia, no qual ele demonstra que Wieland já havia usado o conceito anterior a Goethe, segundo Weitz, o conceito de Weltliteratur aparece numa nota das traduções das cartas de Horácio, vide “Weltliteratur’ zuerst bei Wieland” [Weltliteratur inicialmente por Wieland] in Arcadia número 22 (1987), p. (206-208).

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entendida como uma literatura que vai além das fronteiras, ou seja, uma literatura de

espírito cosmopolita.

Se Goethe claramente ocupa uma posição de destaque como criador de uma literatura moderna alemã, isso se deve não somente ao seu grande talento, mas também a constelação histórica de suas obras. (LANGE ; 1992, p. 3, tradução nossa)

Como afirma Lange3 (1992, p. 3), Goethe aparece como uma figura central

após o reconhecimento da constelação de sua obra. No entanto, conhecemos

Goethe pela imagem e pelo lugar que a crítica constrói para ele. Esse lugar é

construído a partir dos textos a que a crítica tem acesso. A maior parte dos textos

críticos sobre Goethe – nos vários campos de estudo –, está escrita em língua

estrangeira, notadamente em língua alemã4. Percebemos que a crítica precisará

recorrer a traduções para fazer essa construção. Esse é um dos fatores

responsáveis pelo caráter fragmentário e a visão limitada aos textos de Goethe que

encontramos nos estudos da tradução.

Este trabalho quer mostrar que há muito mais textos sobre tradução escritos

por Goethe do que a construção feita pela crítica em relação a esse lugar e essa

imagem de Goethe a serem explorados, especificamente no âmbito dos estudos da

tradução. Para isso, faremos algumas reflexões sobre a seleção de textos presentes

3 Victor Lange (1908-1996) foi um germanista renomado, sendo reconhecido, primeiramente pelo seu trabalho na universidade de Princeton. Nascido em Leigzig, obteve sua pós-graduação pela universidade de Toronto e Ph.D. pela universidade de Leipzig. A citação é de um texto sobre a vida e obra de Goethe, que foi publicado numa edição de livro de bolso em comemoração aos 125 anos da coleção biblioteca universal da editora alemã Reclam em 1992, porém o texto já apareceu antes no quarto volume da obra Deutsche Dichter. Leben und Werk deutschsprachiger Autoren [Poetas alemães. Vida e Obra de autores de língua alemã] publicado em 1989 por Gunter E. Grimm e Frank Rainer Max em Stuttgard. 4 Para se ter um exemplo, a Goethe-Bibliographie 1950–1990 [Bibliografia de Goethe 1950-1990] reúne quarenta anos de publicações de 1950 até 1990 sobre a vida e a obra de Goethe, somando um total de 25 000 publicações em língua alemã. Outra obra é o Goethe-Handbuch que engloba as publicações críticas em estudos literários. Ela foi publicada pela editora Metzler em 2004 em seis volumes. Há referências de textos que discutem a relação de Goethe e tradução como: Goethe als Übersetzer (1988/89) [Goethe como tradutor] por Wolfgang Buztlaff editado no Jahrbuch des Wiener Goethe Vereins 92/93, p. 33-66; Goethes und Schillers Übertragungen antiker Dichtungen. Mit dem Urtext (1944), hg. Von Horst Rüdiger [Traduções de poemas clássicos por Goethe e Schiller com o texto fonte, editado por Horst Rüdiger] Munique; Goethe und die Übersetzung (1982) [Goethe e a tradução] por György Radó, in Babel, 28, p. 198-224; Goethe’s search for the muses. Translation and creativity (1979), por David B. Richards, editado pela John Benjamins; Weltliteratur. Die Lust am Übersetzen im Jahrhundert Goethes (1982) [Literatura mundial: o deleite pela tradução no século de Goethe], por Reinhard Tgart et alii editado pela editora Kösel em Munique. No entanto, não foi possível ter acesso integral a esses textos.

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em antologias de tradução. Esses textos demonstram noções de tradução expressas

em uma determinada época da vida de Goethe. Em seguida, apontaremos fatos que

não foram levados em conta por essa crítica. Depois de termos traçado o lugar de

Goethe nos estudos da tradução, pretendemos desmistificar a visão aforística e

metafórica através de uma descrição de dados que tratam, especificamente sobre

escritos de tradução, mas que ainda não foram abordadas pela crítica.

Logo após a Introdução, comentaremos sobre o contexto e a obra de Goethe.

Em relação ao contexto, comentaremos sobre a época de Goethe traçando um

panorama geral desse período. Ressaltaremos eventos pertinentes a nossa

discussão, especialmente em relação ao conceito de tradução. Em relação à obra,

faremos algumas considerações sobre as edições das obras completas e sobre a

seleção do material empregado para nossa reflexão.

Já na terceira parte abordaremos a visão aforística e metafórica representada

pela seleção de alguns excertos e pequenos textos difundidos pela crítica nos

estudos da tradução. Deixaremos evidente o caráter fragmentário, aforístico e

metafórico estabelecido por essa crítica em relação aos escritos sobre tradução de

Goethe. Além disso, pretendemos mostrar que essa seleção de textos tende a uma

sistematização de um pensamento de tradução e deixa de fora o fato que Goethe

não era um teórico de tradução.

A quarta parte trata-se de uma descrição de uma busca que foi feita em mídia

digital a partir da palavra-chave “tradução”. As mídias digitais utilizadas neste

trabalho apresentam um sistema interno de busca, o que facilitou o trabalho

consideravelmente. Descreveremos o que foi encontrado e mostraremos, a partir da

evidência de sua variedade de expressão, que as reflexões de Goethe sobre a

tradução não se oferecem como um corpo homogêneo e sistematizado. Esperamos,

assim, que nosso trabalho seja proveitoso para uma reflexão futura sobre tradução,

abrindo a possibilidade de rever o lugar e o teor do pensamento tradutório de

Goethe.

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2. O CONTEXTO ____________________________________________________

2.1 O CONTEXTO

Segundo John Milton (1998, pg. 61), com a tradução do Novo Testamento por

Martinho Lutero (1530), um padrão de escrita para os vários dialetos da língua

alemã foi aos poucos se estabelecendo. A partir desse momento, a tradução

começou a ganhar importância dentro da cultura alemã, mas é no período do

romantismo alemão que a reflexão sobre tradução se intensifica e isso se justifica

pelo grande número de traduções. As traduções, especialmente das peças de

Shakespeare, aumentam e, aliás, se tornam muito conhecidas entre os alemães

através da pena de Wieland, Eschenburg5, A. W. Schlegel6 entre outros. Ainda vale

a pena lembrar dos esforços de Voss7, por suas contribuição que marcaram a

literatura alemã significativamente.

As idéias sobre tradução destacam-se entre os intelectuais da época de

Goethe, sobretudo na literatura. Alguns nomes como Herder, os irmãos Schlegel,

Humboldt, Novalis, Schleiermacher e Tieck são representativos desse período.

Goethe se correspondia com esses intelectuais e partilhava idéias que circulavam

sobre tradução e literatura. Essas idéias de tradução estão presentes na concepção

de literatura mundial e permeiam sua obra de maneira geral. Entretanto, o recorte

escolhido nos estudos da tradução sobre esses textos que tratam de concepções de

5 Johann Joachim Eschenburg (1743-1820) nasceu em Hamburg, estudou em Leipzig e foi professor no Collegium Carolinum em Braunschweig (atualmente Universidade de Tecnologia de Braunschweig). Eschenburg ficou conhecido por tentar popularizar a literatura inglesa na Alemanha. Ele publicou várias traduções de escritores como Charles Burney, Joseph Priestley, Richard Hurd e revisou a tradução de Wieland das obras completas de Shakespeare entre (1762-1766). 6 August Wilhelm Schlegel (1767-1845) foi um poeta, tradutor, crítico, escritor, filósofo e co-fundador do movimento romântico alemão (Romantik). É irmão de Friedrich Schlegel e juntos estiveram na organização da edição da revista Athenäum. A importância de Schlegel para a literatura alemã é fundamental. Ele chamou a atenção dos franceses com o ensaio Comparaison entre la Phèdre de Racine et celle d'Euripide [Comparação entre a Fedra de Racine e aquela de Eurípedes], pois atacava o classicismo francês tendo por base o romantismo alemão. 7 Johann Heinrich Voss (1751-1826) foi um poeta e tradudor alemão. Voss ficou conhecido por traduzir a Odisséia e a Ilíada para o alemão (1781), entretanto ele também traduziu Hesíodo, Virgílio, Horácio, Teócrito, Propércio entre outros. Goethe comenta suas traduções em cartas e conversações, e se corresponde com ele por vários anos.

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tradução, em especial no caso de Goethe, restringe-se a alguns textos, que

demonstram uma linearidade e uma fragmentação de idéias.

É durante o Romantismo Alemão que o contato com literaturas estrangeiras

se tornará uma vantagem para a língua alemã. Pois, além de incorporar elementos

culturais, novas visões de mundo, acréscimo de vocabulário, a língua alemã ganhará

prestígio, que resulta do fato de a língua alemã possuir uma riqueza tradutória muito

vasta, i.e., o grande número de traduções, mas também as maneiras de se traduzir

fazem com que a língua alemã se torne uma língua de referência. Conforme Goethe:

“Os alemães têm a vantagem de que várias obras significativas de nações estrangeiras foram transpostas de um modo claro e agradável”.8 (GOETHE, 1814/1982, p. 432)

Milton (1998, pg. 62-63) comenta que o tradutor, na época de Goethe, “é

descrito de uma maneira muito distinta”, visto que ele “é o profeta, o mensageiro, o

escolhido”. Entretanto, essa distinção mencionada deve ser questionada, pois

implica em que tipo de distinção? Houve de fato um reconhecimento do tradutor

como alguém que exerce uma atividade? Isso implica dizer que o papel do tradutor

ganha importância para a discussão sobre tradução, sobretudo quando se tem em

vista a questão da autoria?

O tradutor recebe atenção no texto de Schleiermacher, “Über die

verschiedenen Methoden des Übersetzens” [Sobre os diferentes métodos de

tradução], que foi apresentado sob a forma de discurso na Academia Real das

Ciências de Berlim, em 1813, sendo publicado quatro anos após a morte do autor,

em 1838. Para o período em questão, i.e., a época de Goethe, esse texto reflete

uma abordagem sistemática e metódica da tradução.

Segundo Berman (1984/2002, pg. 259), esse texto faz uma abordagem

“metódica, pois não se trata apenas de analisar, mas deduzir, a partir de definições,

os métodos possíveis de tradução”. O texto é sistemático porque ele

8 Wir Deutsche hatten den Vorteil, daß mehrere bedeutende Werke fremder Nationen auf eine leichte und heitere Weise zuerst herübergebracht wurden.

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procura delimitar a extensão do ato de traduzir no campo total da compreensão, delimitação que se opera pela exclusão progressiva do que não é esse ato e por sua situação articulada nesse campo. (BERMAN, 1984/2002, p. 259)

Por se tratar de um dos textos mais significativos sobre tradução da época, as

idéias de Schleiermacher repercutiram nos estudos da tradução e influenciaram

teóricos. Foi o que verificou Freitas (2008) no artigo intitulado “Tradução e autoria:

de Schleiermacher a Venuti”. Freitas (2008, p. 101) propõe que Lawrence Venuti

elaborou sua estratégia de visibilidade do tradutor em consonância com o modelo

binário9 apresentado no texto de Schleiermacher (1838). Conforme Freitas:

Em consonância com o modelo binário de Schleiermacher, Venuti parte então desses conceitos para propor a sua estratégia de visibilidade do tradutor. Venuti adota os conceitos de tradução domesticadora, que naturaliza o discurso do autor deslocando-o em direção ao leitor, e estrangeirizadora, que dificulta a legibilidade do texto como estratégia de visibilidade, deslocando o leitor em direção ao autor. (FREITAS, 2008, p. 101)

Freitas (2008) enxerga também que o patriotismo de Schleiermacher está

diretamente relacionado a uma oposição à estética francesa. Backer (1998)

descreve sobre essa estética francesa nesta passagem:

In seventeenth- and eighteenth-century continental Europe, France played a leading role in politics, the sciences and the arts. French intellectuals, including translators, shared a belief in the inherent superiority of their language and culture. Because of this conviction French translators felt justified in adapting translated texts in such ways as to make them conform not only to the grammatical, lexical and semantic norms and conventions of the French language, but also to typological, generic and aesthetic models prevalent in French literature. Strict classicist norms ruled drama and (epic) poetry, whereas the more flexible conventions of Les Belles Infidèles were applied to translated prose fiction. (BAKER, 2008, p. 422)

Baker (1998) comenta que tradutores franceses estavam convictos da

superioridade francesa e essa era a justificativa para se excluir o que era

considerado textualmente perceptível como estrangeiro. Segundo o conceito de

Weltliteratur (literatura mundial) proposta por Goethe, seria muito difícil pensar nesse 9 Freitas (2008, p. 99) explica que Schleiermacher acreditava haver duas possibilidades para o tradutor: O tradutor deixa o autor em paz e leva o leitor até ele; ou o tradutor deixa o leitor em paz e leva o escritor em direção ao leitor. A autora reforça que a opção escolhida por Schleiermacher como ideal é a primeira, visto que ele via nessa escolha uma estratégia política que beneficiava o fortalecimento da cultura e língua alemãs.

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tipo de exclusão, visto que, a idéia era basicamente a oposição desse modo de

traduzir, como menciona Berman (1984/2002):

Escolhemos, de preferência, abordar a reflexão goetheana sobre a tradução a partir de um conceito que aparece nele tardiamente (1827) e ao qual ele deu seus títulos de nobreza: o de Weltliteratur, de literatura mundial. Essa reflexão integra-se, com efeito, quase que inteiramente em uma certa visão das trocas interculturais e internacionais. A tradução é o ato sui generis que encarna, ilustra e também permite esses intercâmbios, sem ter, bem entendido, o monopólio deles. Existe uma multiplicidade de atos de translação que asseguram a plenitude das interações vitais e naturais entre os indivíduos, os povos e as nações, interações pelas quais estes constroem sua identidade própria e suas relações com o estrangeiro. (BERMAN, 1984/2002, p. 99)

Apesar do conceito de literatura mundial aparecer tardiamente, Goethe

comenta e discute conceitos sobre tradução em vários textos. Além disso, ele traduz

para a língua alemã textos de Diderot, Voltaire, Eurípides, Racine, Cornéille, entre

outros. Entretanto, em que medida uma concepção de tradução pode ser verificada

a partir dos textos goetheanos?

É mais adequado falar de uma concepção de tradução do que uma teoria de

tradução, porque, segundo Huyssen10 (1969; p. 47), nesse período poucos textos

foram escritos sobre tradução de forma sistemática, sendo que um texto de

Schleiermacher aborda questões sobre tradução centralmente. Além disso, no

período em questão não figura uma comparação entre teoria e prática e nem

surgiram hipóteses de se analisar ou fazer uma teoria de tradução. Nesse sentido, o

que encontramos é uma seleção de passagens que revelam em maior ou menor

grau noções e concepções de tradução e podemos perceber isso não só nos textos

de Goethe, mas também nos textos de pensadores dessa época.

10 Andreas Huyssen (1942) é professor de literatura comparada na Universidade de Columbia (EUA). Fazemos menção ao livro Die frühromantische Konzeption von Übersetzung und Aneignung (1969) [A pré-concepção romântica de tradução e apropriação].

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2.2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O legado de Goethe foi difundido, primeiramente, em meio impresso e com o

passar do tempo houve a digitalização de seus escritos e gravuras. Atualmente, é

possível encontrar a reunião de suas obras em língua alemã tanto em meio

impresso, quanto digital e também na Internet11.

“Sua obra é marcada em relevo pela mesma diversidade rica e vital: ele praticou todos os gêneros poéticos e literários, produziu trabalhos que julgava estritamente científicos, escreveu diários e memórias, dirigiu revistas e jornais.” (BERMAN, 1984/2002, p. 98)

Berman (1984/2002) menciona que Goethe traduziu Cellini, Diderot, Voltaire,

Eurípedes, Racine, Cornéille e realizou numerosas traduções de poemas italianos,

ingleses, espanhóis e gregos. Isso reflete que a prática de tradução de Goethe está

diretamente relacionada com sua noção e concepção de tradução, que não foi linear

e nem sistemática.

“As idéias de Goethe sobre tradução, que são de uma enorme diversidade, nunca reúnem sob a forma de uma teoria, mas possuem uma coerência própria que deriva de sua visão de realidade natural, humana, social e cultural – visão que se fundamenta, ela própria, em uma interpretação da

11 A publicação em meio eletrônico de alguns livros de Goethe e algumas traduções estão disponíveis pelo projeto Gutenberg (Gutenberg Project) em alemão, francês, inglês e finlandês. A universidade de Trier possui um projeto para a digitalização da edição (WA) Weimarer Ausgabe e seus 133 volumes, mas ainda se encontra em fase experimental, além desse, há o Goethe-Wörterbuch [Dicionário de Goethe] um projeto em andamento, que está disponível em :http://germazope.uni-trier.de/Projects/WBB/woerterbuecher/gwb/wbgui?lemid=JA00001. Acesso em: 08/04/2009. Outras páginas reúnem coletâneas, como por exemplo: http://www.wissen-im-netz.info/literatur/goethe/index.htm e http://www.zeno.org/Literatur/M/Goethe,+Johann+Wolfgang acesso em 08/04/2009. Existem várias edições das obras completas, dentre as mais conhecidas estão: (WA) Weimarer Ausgabe que conta com 133 volumes, compilada entre (1887-1919) sob os auspícios da grã-duquesa Sophie von Sachsen, a edição é também conhecida como Sophie-Ausgabe. A edição de Weimar é considerada a mais completa, reunindo o conjunto de obras escritas por Goethe com seus escritos literários e científicos, incluindo as ilustrações e o maior aparato crítico já editado. A (HA) Harburger Ausgabe dividida em 14 volumes, conta com textos críticos e notas de Erich Trunz, publicada em (1952). A (BA) Berliner Ausgabe possui 22 volumes, publicada entre (1965-1978), esta edição deixa de fora os escritos científicos. A (FA) Frankfurter Ausgabe (1985) possui 40 volumes, sendo altamente recomendada por críticos por causa das suas 15000 páginas de comentários sobre cada livro. A (MA) Münchner Ausgabe aparece pela primeira vez em 1985 com seus 20 volumes e com tempo ganha mais treze volumes, chegando a 33 e se equivale em número de comentários com a (FA). Para nossas reflexões usaremos duas versões, a versão impressa (HA) Hamburger Ausgabe (1982) e a versão digitalizada pela Directmedia Publishing (1998), que engloba as edições da (BA) Berliner Ausgabe para a versão das obras literárias e da (WA) Weimarer Ausgabe para as cartas, diários e conversações.

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Natureza como processo de interação, de participação, de reflexo, de troca de metamorfose.” (ibidem, p.99)

Essa passagem demonstra a percepção de que essas idéias de Goethe sobre

tradução nunca se “reúnem sob a forma de uma teoria”. A proposta de Berman

(2002) é a de fazer uma relação entre a literatura mundial e noções goetheanas de

tradução. Para fazer essa relação, Berman (1984/2002) usa como estratégia uma

abordagem de textos que se encontram nos estudos da tradução. Além desses

textos, outros trechos foram escolhidos do livro de Fritz Strich12 Goethe und

Weltliteratur (1979) [Goethe e literatura mundial], como um trecho de conversações

e um poema. Esse parece ser um bom caminho para se traçar um panorama geral

das noções goetheanas de tradução, i.e., encontrar textualmente passagens que

revelam noções ou concepções de tradução tendo em vista dimensões literárias,

científicas e de prática tradutória. Entretanto, comentaremos, nos próximos

capítulos, quais são as implicações de seleção de passagens literárias para a

reflexão de noções de tradução.

O texto de Berman (1984/2002) parece fornecer indícios de algo a ser

revelado como nesta passagem:

O efeito retroativo da tradução sobre a obra traduzida é sem dúvida um fenômeno fundamental, e é mérito de Goethe tê-lo percebido como alguma coisa que nos remete ao mesmo tempo aos mistérios da vida das línguas, das obras e da tradução como tal. Esses mistérios são aqui assinalados por essas noções, ao mesmo tempo espaciais e temporais, que são reflexo em espelho, a regeneração e o retorno à origem. (ibidem, p. 120-121)

Falta ainda uma análise mais detalhada dessas noções, será mesmo que elas

são ao mesmo tempo espaciais e temporais como afirma Berman? Uma

desmistificação dessas noções de tradução traria de partida uma abordagem

tradutória mais ampla não só da época de Goethe como também revelaria algumas

questões de prática de tradução que foram tratadas por Goethe durante grande

parte de sua vida.

Ao se ter em mente a extensão textual composta por Goethe, especialmente

quando se pensa nas obras completas, parece muito improvável que possamos

12 Fritz Strich (1883-1963) atuou como professor e pesquisador literário em Munique e Bern.

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17

resumir suas noções de tradução a uma pequena seleção de textos. Um trabalho de

reunião dessas noções de tradução ainda não foi feito. Uma justificativa possível

para isso talvez se deva a grande quantidade de textos, mas ainda assim, um

recorte poderia ter sido feito a partir de uma obra específica, o que não aconteceu

até onde temos notícia.

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18

3. GOETHE NA PERSPECTIVA DOS ESTUDOS DA TRADUÇÃO ____________________________________________________

Noções de tradução abordadas nos textos de Goethe, do ponto de vista dos

estudos da tradução, são reduzidas a um caráter bastante fragmentário e estão

longe de representar, segundo Berman (1985/2007, p.71), “o mais rico e

surpreendente material para uma reflexão sobre tradução”.

“[...] são as intuições de Goethe, dispersas em seus textos, que fornecem o mais rico e surpreendente material para uma reflexão sobre a tradução, as obras e as línguas – bem como as suas próprias traduções. A meu ver, estas notas representam o que se escreveu de mais profundo sobre tradução no Ocidente – antes de Walter Benjamin.” (BERMAN, 1985/2007, p. 71)

Os fragmentos goethianos sobre tradução presentes, de maneira geral, em

um grande número de antologias sobre teoria de tradução são: Traduções em Prosa

de Dichtung und Wahrheit [Memórias: Poesia e Verdade] (1811-14), uma passagem

do texto Rede zum Andenken des edlen Dichters, Bruders und Freundes Wieland

[Em memória do nobre poeta, irmão e amigo Wieland] (1813) e o texto Traduções do

livro West-Östlicher Divan [Divã oriental-ocidental] (1819). Esses textos foram

escritos em contextos diferentes e com objetivos distintos. No entanto, quando se

propõe uma leitura desses textos em conjunto, tem-se a falsa impressão de uma

homogeneidade em relação ao pensamento sobre tradução de Goethe.

Robinson13 (2002) publicou a antologia Western Translation Theory: From

Herodotus to Nietzsche [Teoria da tradução ocidental: de Herótodo a Nietzsche].

Essa antologia contém a síntese das noções de Goethe sobre tradução, i.e., uma

síntese abordada a partir de cinco passagens textuais. Depois de dar seqüência a

uma breve introdução, ele faz menção ao período romântico alemão e comenta que

é nesse período que Goethe escreve suas “anotações” sobre tradução. Robinson

(2002) classifica-as como “fragmentárias e aforísticas” e ainda as relaciona

centralmente aos pensadores românticos.

13 Douglas Robinson é professor na Universidade do Mississippi e presidente da Associação Americana de tradutores fino-inglesa.

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Após esses comentários, Robinson (2002) apresenta as traduções dos textos

de Goethe para a língua inglesa14. Sem qualquer observação posterior, o leitor

desses textos precisa inferir sozinho qual é ou o que pretende ser o pensamento

sobre tradução de Goethe com base nesses pequenos textos ou fragmentos. Isso

também pode ser verificado em outras antologias de teoria da tradução. O que se

perde neste caso é o contexto em que esses textos aparecem, podendo deixar o

leitor sem se dar conta do que, de fato, está lendo, se uma carta, um ensaio ou um

trecho de romance. Um recorte como esse ignora o fato de estar tratando de textos

científicos e literários, se por um lado a noção tradução pode apresentar um tom

mais subjetivo até metafórico, por outro ela pode revelar um tom científico. Uma

distinção dessas noções a partir de um novo recorte pode ajudar e até mesmo

facilitar a interpretação desses textos que tangem noções de tradução.

Os teóricos de tradução procuram por evidências de uma teoria ou pelo

menos vestígios de uma teoria de tradução nos textos de Goethe. Quando os

teóricos se predispõem a encontrar evidências de teorias de tradução, eles vão

encontrar dificuldades porque Goethe não era um teórico da tradução. Entretanto,

ele é alguém que estava envolvido com uma prática de tradução, de modo que, para

Goethe, a teoria se construía a partir de sua prática. O título do livro de Robinson

(2002) demonstra de partida uma ansiedade pela busca de “teorias”, fazendo

parecer que o ocidente tinha uma tendência de pensar a tradução de modo uniforme

e metódico.

O caráter fragmentário revelado por Robinson sobre as idéias de tradução

formuladas por Goethe restringe-se essencialmente às traduções que ele fez ou teve

acesso e também a uma busca por fragmentos textuais de cunho teórico. Um

levantamento de dados menos restrito pode revelar que noções goetheanas de

tradução não possuem um caráter tão fragmentário nem tão aforístico. Tal

levantamento teria de partida como resultado a percepção de que noções de

tradução dessa época precisam de uma análise mais rigorosa e ampla, visto que as 14 A seleção consta das seguintes passagens: da autobiografia Aus meinem Leben. Dichtung und Wahrheit (1811-1833) [Memórias: poesia e verdade], de duas máximas retiradas de Rede zum Andeken des edlen Dichters, Bruders und Freudes Wieland, [Em memória do nobre poeta, irmão e amigo Wieland] (1813), de um trecho da coletânia poética West-Östlicher Divan [Divã Oriental e Ocidental] (1819), de duas máximas do livro Maximen und Reflextionen (1833) [Máximas e Reflexões] e do ensaio German Romance (1827).

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implicações de uma visão fragmentária como apresentada nos estudos da tradução

limitam tanto a interpretação de noções de tradução escritas por Goethe quanto as

que foram escritas nessa época.

O texto traduzido por Robinson (2002) intitulado “Traduções” (1819) tem sido

citado vezes e vezes sem fim e isso talvez se deva ao fato deste texto parecer

“teórico”. Milton (1998, pg. 64) sintetiza as idéias desse texto mencionando uma

divisão tríplice da tradução feita por Goethe.

Primeiro, haverá uma tradução simples e prosaica de uma obra a fim de familiarizar o público leitor com a obra estrangeira. A Bíblia de Martinho Lutero é um exemplo desse tipo de tradução. Depois, o tradutor irá se apropriar da obra estrangeira e escrever uma obra própria baseada nessas idéias importadas. Imitações e paródias entram nessa categoria, bem como muitas traduções francesas. O terceiro tipo é a forma mais elevada de tradução. O objetivo do tradutor é fazer uma versão interlinear, buscando deixar o original idêntico à tradução, mas ao mesmo tempo conservando-lhe a estranheza aparente. Esse tipo é a tradução sublime. (MILTON, 1998, p. 65)

Steiner15 (2005) também elabora alguns comentários sobre o texto Traduções

(Übersetzungen). Após sintetizar as idéias principais do texto, Steiner (2005, p. 280)

observa que “embora bastante breve, ou talvez por causa da sua concisão, o

modelo de Goethe é intricado e não de todo claro”. E levanta a seguinte questão:

“Quis Goethe realmente dizer que a leitura profundamente consciente e muitas vezes magistralmente intensa que Lutero realizou é um exemplo de estilo modesto, trazendo imperceptivelmente um espírito e um corpo de saber estrangeiro para dentro do alemão?” (STEINER, 2005, p.280)

A falta de clareza mencionada por Steiner (2005) decorre do fato de Goethe

não estar fazendo uma teoria16 de tradução, a qual teria por objetivo esclarecer

pormenores de um processo tradutório. O que se percebe nesse texto de Goethe

são noções fundamentais que faziam parte de um conjunto de idéias que iam ao

15 Francis George Steiner nasceu em Paris em 1925 e por causa da perseguição aos judeus na Europa erradicou-se nos Estados Unidos em 1940. Atuou como professor de literatura inglesa e literatura comparada, lecionando em universidades americanas e européias conseguiu prestígio internacional. 16 Goethe não desenvolve textualmente uma teoria de tradução a exemplo dos desdobramentos da década de 70 com Vinay e Dalbernet, que tem por objetivo demonstrar estratégias, métodos e técnicas de tradução.

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encontro de uma prática de tradução. Ainda é importante lembrar que essa prática

de tradução de Goethe está vinculada diretamente a textos literários e a reflexão

elaborada deveria ser entendida a partir desse ponto de vista. Além disso, na época

de Goethe estava se tornando produtivo pensar sobre tradução e implicações acerca

do ato tradutório.

A questão que Steiner (2005) deixa em aberto tende mais para uma

perspectiva do trabalho de Lutero do que ao efeito por ela causado. Como resume

Milton (1998, p. 65), o primeiro tipo de tradução é “uma tradução simples e prosaica

de uma obra a fim de familiarizar o público leitor com a obra estrangeira.” A tradução

de Lutero intencionava causar uma familiaridade por parte do leitor, sendo

considerada por Goethe, segundo Milton: “a forma menos elevada17 de tradução”.

No entanto, para compreendermos o que Goethe demonstra com isso depende de

uma melhor contextualização de suas noções de tradução. Uma abertura para esse

tipo de reflexão não é possível tendo em vista o recorte textual de três passagens

presentes, de modo geral, em antologias de tradução. Os três modelos de Goethe

têm por base as seguintes obras literárias: a tradução do Novo Testamento feita por

Lutero, como o primeiro modelo, as traduções feitas por Wieland, como segundo, e

representando o terceiro tipo, as traduções das obras de Homero feitas por Voß.

Esses modelos apresentam uma seqüência cronológica e podem ser vistos como

uma idealização da formação do processo de tradução para a língua de chegada,

neste caso, a língua alemã.

O primeiro volume da antologia Clássicos da Teoria da Tradução (2001)

apresenta três trechos que demonstram uma reflexão sobre tradução por Goethe.

Esses trechos foram difundidos primeiramente pelo lingüista e filósofo Hans Joachim

Störig (1967) e também aparecem em Robinson (2002)18. Esses textos revelam

imagens de Goethe, cada uma com sua particularidade e tendem a uma

simplificação das noções de tradução. 17 Milton (1998) quer enfatizar um caráter sublime de tradução, i.e., a um estilo nobre de escrita. 18 Os textos que aparecem tanto na antologia quanto em Robison (2002) são: Dichtung und Wahrheit [Memórias: poesia e verdade (1811-1833)], Zu brüderlichem Andenken Wielands [Em memória do nobre poeta, irmão e amigo Wieland] e Noten und Abhandlungen zu bessern Vertändnis des west-östlichen Divans [Notas e explicações para uma melhor compreensão do Divã Oriental e Ocidental – in Divã Oriental-Ocidental (1819)]

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Com objetivo semelhante ao de Robinson (2002), o teórico André Lefevere19

(1992) reuniu uma coletânea de textos sobre tradução, originalmente escritos em

inglês, francês, alemão e latim abrangendo o período entre o nascimento de Cícero

em 106 a.C. e a morte de Ulrich von Willamowitz-Mollentdorff em 1931. No capítulo

intitulado The power of patronage [O poder do patronato], Lefevere (1992) traduziu

um texto de Schriften zur Literatur [Escritos sobre literatura], que segundo Lefevere

(1992) foi publicado em 1824. No entanto, três parágrafos desse texto aparecem na

seleção de Robinson (2002) e foram extraídos de German Romance20 (1828). O fato

é que um parágrafo traduzido por Lefevere não foi localizado na edição (BA), na

edição digital e nem em Robinson (2002). Abaixo temos a tradução do parágrafo

apresentado por Levefere para o português:

Se formos capazes de nos imaginarmos diretamente numa situação distante sem termos conhecimento da cor local e sem termos compreensão da língua, se podemos observar uma literatura estrangeira sem dificuldade e sem termos que fazer uma pesquisa histórica, se na mente podemos sentir o gosto de uma época, o significado de uma nação e seu gênio, devemos agradecer ao tradutor, que na sua vida inteira treinou seu talento em nosso favor com grande dedicação. (LEFEVERE, 1992, p. 24, tradução nossa) 21

As idéias presentes nesse parágrafo misterioso revelam um desejo de trazer

para a tradução o estrangeiro e sua cultura, em outras palavras, fazer uma tradução

que não exclua ou apague traços culturais. Isso pode se relacionar diretamente com

uma oposição à estética francesa, que sem dúvida esse parágrafo poderia fazer

parte dos textos que abordam idéias sobre tradução, pois Milton (1998) comenta

que:

“Muitas vezes os elementos nacionalistas que encontramos nas idéias alemãs sobre tradução têm algo anti-francês: os tradutores franceses fazem

19 André Alphons Lefevere (1946-1996), era belga e conseguiu seu doutoramento pela universidade de Essex (Inglaterra). Suas publicações destacam-se em literatura comparada e tradução, sendo que publicou dez livros sobre tradução. 20 Na publicação digital (1998) foi possível localizar esse texto e verificar que ele está em conformidade com a referência da data de publicação apontada por Robinson (2002). Na edição da (BA) Berliner Ausgabe, o texto German Romance se encontra no volume 18 (p. 396-397). 21 Apesar da importância das idéias contidas nesse pequeno trecho, não foi possível identificá-lo como sendo um texto saído da pena de Goethe, isto é, segundo as indicações de Lefevere (1992). Ele menciona apenas o título dos livros de Goethe no índice de nomes, excluindo com isso qualquer possibilidade para se verificar de onde foi retirado o parágrafo em questão.

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com que tudo soe francês, mostrando completa falta de sensibilidade em relação ao original.” (MILTON, 1998, pg. 63)

Robinson (2002) apresenta uma tradução de German Romance (1828) feita

por Ellen von Nardorff e Ernest H. von Nardroff:

The surest way to truly achieve universal tolerance is to accept the particular characteristics of individuals and whole peoples, yet at the same time to adhere to the conviction that the truly valuable is characteristized by its being part of all mankind. For some time now the Germans have been contributing to such mediation and mutual acceptance. He who studies German finds himself in the marketplace where all nations offer their wares. He plays the role of interpreter while enriching himself. And that is how we should see the translator, as one who strives to be a mediator in this universal, intellectual trade, and makes it his business to promote exchange. For whatever one may say about the shortcomings of translations, they are and will remain most important and worthy undertakings in world communication. The Koran says: “God has given each people a prophet in its own language”. Thus every translator is a prophet among his people. Luther’s translation of the Bible has had the greatest impact, even though critics quibble and carp to this day. And what is the purpose of that gigantic effort of the Bible Society, but to transmit the gospel to every people in its own vernacular? (ROBINSON, 2002, p. 225)

Em Lefevere (1992) temos:

A true general tolerance will most certainly be reached if we respect the particular characteristics of single individuals and nations. We should, however, keep in mind that what has real merit distinguishes itself in that it belongs to humanity as a whole, and translate accordingly. Germans have contributed to such mediation and mutual recognition. Those who understand and study German find themselves on the market place where all nations offer their wares. They act as interpreters by enriching themselves. That is how we should look upon every translator: he is a man who tries to be a mediator in this general spiritual commerce and who has chosen it as his calling to advance the interchange. Whatever you may say about the deficiencies of translation, it is and remains one of the most important and dignified enterprises in the general commerce of the world. The Qur’an says: “God has given every nations a prophet in its own language.” Every translator is a prophet among his own people. The impact of Luther’s Bible translation has been enormous, even though critics still find fault with it and express their reservations about it to this very day. (LEFEVERE, 1998, p. 24-25)

Percebemos evidências de que ambos os autores Levefere (1992) e

Robinson (2002) estão fazendo menção ao texto German Romance (1828). No início

de cada parágrafo das versões em inglês encontramos a palavra tolerance que no

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original corresponde a Duldung (tolerância). Além disso, no segundo parágrafo

temos a idéia do tradutor como um mediador (mediator) e já ao final a passagem do

Alcorão “Deus tem dado a cada povo um profeta em sua própria língua”. O que não

fica evidente é de onde foi retirado o parágrafo de Lefereve (1992) que se encontra

antes desses parágrafos. Em relação ao contexto, novamente o leitor perde a

referência desse texto que foi publicado na revista Kunst und Altertum (1826,

caderno 2) [Arte e antiguidade]. Além disso, a partir dessas traduções parece menos

provável para o leitor poder fazer uma ligação entre o texto German Romance e o

Divã oriental-ocidental em relação à noção de Weltliteratur [literatura mundial]. No

entanto, Goethe faz uma analogia entre troca de produtos e um intercâmbio cultural,

que em última estância significava uma atividade de comunicação e troca entre os

povos. Entretanto, essa noção de troca só foi concebida por Goethe na composição

do Divã oriental-ocidental e sem essa obra dificilmente tais noções viriam à tona.

Uma marca tênue do oriente nessas traduções é o Koran ou Qur’na [Alcorão]. Além

disso, a relação de comércio implica em um intercâmbio cultural, que parece ter uma

relação com as rotas de comércio. Essas rotas comerciais trocavam além de

produtos, também a diversidade de culturas e idéias, num movimento que vem se

expandindo desde a rota da seda. Entretanto, em que medida o leitor dessas

traduções consegue perceber o pensamento de tradução de Goethe? Devido a

fatores que em grande medida fazem parte do mercado editorial e também refletem

o escopo de um trabalho, os recortes textuais de antologias de tradução sofrem uma

tendência a mostrar a questão de forma simplificada e precisa, sendo que a locução

“ir direto ao ponto” expressa bem esse anseio. No entanto, ao tratarmos tão

pontualmente dessas questões, um contexto maior e necessário torna-se nebuloso e

temos como desdobramento uma fragmentação de noções de traduções. Se por um

lado pode ser uma vantagem ter em mãos de forma rápida algumas noções de

tradução, por outro uma reflexão sobre a época, o lugar e o contexto torna-se menos

aparente, criando uma desvantagem para o leitor, visto que, essas noções são mais

proveitosas se acompanhadas de uma contextualização e reflexão.

Mencionamos que os teóricos tenderão a encontrar dificuldades quando se

dispuserem a buscar por passagens textuais de cunho teórico, visto que Goethe não

era um teórico de tradução e não escreveu um texto que apresentasse uma

sistematização como fez Schleiermacher (1838). Cada um dos teóricos

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mencionados nesse capítulo preferiu abordar os fragmentos textuais sobre tradução

de Goethe a partir de uma perspectiva que levava em conta os interesses de revelar

particularidades de um pensamento de tradução. Em virtude disso, criou-se uma

imagem fragmentária e redutora em relação a noções de tradução, sobretudo na

escolha desses recortes que não trazem ao leitor aspectos contextuais e temporais.

Robinson (2002, p. 221-225) cria com a seleção de cinco passagens textuais

um Goethe que apresenta noções de tradução de um nível “teórico”, porém com

uma particularidade metafórica, podemos perceber isso a partir dos títulos e pela

forma que os excertos foram apresentados, sendo que na introdução aos excertos

se eleva uma característica mais científica da pessoa de Goethe. O texto mais

categórico é Translations [Traduções], já sintetizado por Milton (1998), que revela os

três tipos de traduções. No entanto, também não temos de forma explícita o contexto

desse texto, que funciona como um apêndice de notas explicativas para a melhor

compreensão da obra Divã orienta e ocidental. Goethe (1811-14/1998, p. 2046) já no

início dessas notas demonstra o pressuposto de quem quer compreender a

densidade poética, precisa ir ao país da poesia, quem quer compreender o poeta,

precisa ir ao país do poeta.22 A composição dessa obra é marcada pela influência

obra do poeta persa Hafiz23.

O texto Rede zum Andeken des edlen Dichters, Bruders und Freudes

Wieland, [Em memória do nobre poeta, irmão e amigo Wieland] (1813), manifesta a

noção dos dois tipos de tradução, uma requer que o autor de uma nação estrangeira

seja trazido para a nossa de um modo que possamos ver esse autor como nosso, a

outra requer que atravessemos a fronteira e façamos uma adaptação no lugar desse

outro, tomando consciência do uso de sua língua e suas peculiaridades. O contexto

desse texto parece estar presente no título escolhido por Robinson (2002) com a

palavra Oration [oração], mas não está explícito em alguma nota que Goethe, de

fato, leu esse texto no enterro de Wieland em 1813. E apenas com o título torna-se

22 Wer das Dichten will verstehen, Muß ins Land der Dichtung gehen; Wer den Dichter will verstehen. Muß in Dichters Lande gehen. 23 Khwajeh Shams al-Din Muhammad Hafez-e Shirazi (1310-1337), também chamado Hafiz, foi um poeta e místico persa.

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relativamente difícil encontrar essa referência, que se encontra na edição de Weimar

(WA, divisão I, volume 36, p. 434). Outro pequeno detalhe é que Schleiermacher

escreve sua conferência sobre tradução no ano de 1813, será coincidência de idéias

e fatos?

O texto Prose Translations [Traduções em prosa] que faz parte do livro

Dichtung und Wahrheit [Poesia e Verdade] expõem uma questão da tradução que

rivaliza com o original, sendo que esse tipo de tradução só tem apreciação for

scholarly circles [para o círculo acadêmico], conforme a tradução de Robinson

(2002, p. 222). Além disso, há o comentário de que a tradução de poesia em prosa

revela a essência poética do poeta. Isso se justifica por uma visão da Bildung

(formação), pois essa noção possui um tom educador e exemplar para o ensino de

poemas para jovens, visto que Goethe deixa ao encargo dos pedagogos

responderem esse pressuposto.

Robinson (2002, p.224) traduz dois aforismos, a disposição textual deixa

parecer uma unidade, principalmente por causa do título The translator as

Matchmaker [O tradutor como casamenteiro]. No entanto, o original não apresenta

essa idéia unitária e também não possui título. A tradução de Robinson (2002) para

o primeiro aforismo engloba a idéia de que quando se está traduzindo o tradutor vai

se deparar com o intraduzível e nesse momento é que ele percebe o país

estrangeiro e sua língua24. Essa idéia é interessante, mas no original não foi possível

achar o correspondente. A indicação é de 1826, portanto, esse aforismo deveria

fazer parte do terceiro caderno do quinto volume publicado na revista Kunst und

Altertum [Arte e antiguidade]. O segundo aforismo25 revela a idéia do tradutor como

um casamenteiro atarefado que exalta uma beleza velada merecedora de amor e

excita um desejo irresistível pelo original. Podemos perceber que os dois aforismos

não guardam relação entre si, apesar do título e a distribuição textual favorecerem

essa leitura.

24 In translating, quest toward the untranslatable; there you will catch your first glimpse of the foreign country and its language. 25 Translators should be thought of as busy matchmakers, praising a half-veiled beauty as worthy of our love: they excite an irresistible yearning for the original. Em alemão: Übersetzer sind als geschäftige Kuppler anzusehen, die uns eine halbverschleierte Schöne als höchst liebenswürdig anpreisen: sie erregen eine unwiderstehliche Neigung nach dem Original.

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Levefere (1992, p. 74) cria a imagem de um Goethe que tende a pensar

questões de tradução a partir de um viés literário, podemos perceber isso pela forma

de apresentação antes da ocorrência da passagem textual referente a uma noção de

tradução, visto que Goethe é denominado como poeta, dramaturgo, romancista e

crítico. Já no caso de Berman (1984/2002, p. 98), a imagem criada é mais ampla,

sendo que a abordagem de noção tradutória ocorre pelo viés da noção de literatura

mundial, além disso, a forma não fica restrita a uma coletânea de textos, mas a um

capítulo que levanta aspectos como a contextualização da época, a noção de

literatura mundial e a dimensão de um Goethe tradutor.

Percebemos diferentes imagens de Goethe a partir do recorte e abordagem

realizada por cada teórico. Sem dúvida, a implicação de um recorte sempre tende a

uma visão redutora. No entanto, características fundamentais poderiam ser

distinguidas se levássemos em conta a variedade de expressões dessas noções de

tradução e o contexto em que elas aparecem.

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4. O LUGAR DA TRADUÇÃO A PARTIR DOS TEXTOS DE GOETHE ____________________________________________________

A proposta deste capítulo é apresentar e descrever o que foi encontrado a

partir da busca pela palavra-chave “tradução” nos textos das mídias digitais. Além

disso, pretendemos demonstrar a variedade e heterogeneidade das noções de

tradução encontradas nos textos goetheanos.

Perceberemos que a reflexão sobre tradução acontece de modos e âmbitos

diferentes ao longo de toda a obra de Goethe e também que essa reflexão não é

sistemática e homogênea. Podemos mapear o lugar referente aos escritos sobre

tradução de Goethe dentro dos estudos da tradução26. Esse lugar já foi abordado

nos capítulos anteriores, mas podemos ilustrá-lo conforme o esquema abaixo:

ESQUEMA 1 – DELIMITAÇÃO DO LUGAR DOS ESCRITOS DE TRADUÇÃO DE GOETHE

Ao adotarmos a palavra-chave Übersetzung que significa tradução em alemão

como parâmetro de busca, percebemos que sua abrangência não poderia ficar

restrita exclusivamente a uma definição de simples troca de significados, visto que

sua ocorrência permeia diversas modalidades textuais e apresenta nuances

26 A noção dos estudos da tradução como área independente de estudo é relativamente recente. Segundo Arrojo (1998), uma das primeiras propostas para mapear um limite e descobrir a especificidade da tradução como uma disciplina idealmente autônoma foi feita por Holmes na década de 70.

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variadas. As modalidades textuais27 que surgiram na nossa pesquisa dizem respeito

aos textos literários, científicos, prosa autobiográfica, aforismos, manifestação

estética ou filosófica, diários, cartas e conversações. Isso implica que a palavra-

chave tradução terá uma conotação diferente para cada uma dessas modalidades,

podendo apresentar uma manifestação com traços teóricos, metafóricos, aforísticos,

etc. O número de ocorrências registradas no âmbito da busca para as modalidades

textuais ficou distribuído conforme a tabela abaixo:

TABELA 1: MODALIDADES TEXTUAIS

4.1 CARTAS

Conforme a tabela 1, o maior número de ocorrências para a palavra-chave

tradução ficou registrado para a modalidade textual “cartas”. A datação de nossa

busca para essa modalidade abrange de 1781 até 1831. Um estudo mais detalhado

dos dados encontrados pela nossa busca para essa modalidade poderia revelar que

a noção de tradução de Goethe sofre modificações com o decorrer do tempo e a

partir de uma prática de tradução ela se intensifica. Isso poderia ser facilmente

27 Esse modelo de divisão textual está presente nas mídias digitais para melhor organização da obra, apenas distribuímos as ocorrências conforme esse critério.

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comprovado porque Goethe em grande medida se correspondeu com tradutores de

suas obras, filósofos, escritores e tradutores como Voß e Wieland. Podemos deduzir

que não é uma coincidência o fato de Goethe ter escolhido as traduções desses

tradutores como exemplares para a formulação do texto “Traduções”, abordado no

capítulo anterior. Além disso, Goethe manifesta suas opiniões sobre traduções e

suas dificuldades de traduzir, sendo que em muitas cartas podemos perceber um

receio em relação as suas traduções, pois ele não recomenda lê-las caso haja outra

tradução. Esse é o caso da tradução de uma obra de Cellini, podemos perceber o

receio com esta passagem:

“Eu não devo recomendar-lhe a minha tradução de Cellini. A leitura desse homem singular só será agradável a você nessa tradução, caso ainda não conheça o original.” (GOETHE, 1796/1998, Carta a Humboldt, p. 5543, tradução nossa)28

Podemos observar também que Goethe aproveita observações feitas em

relação às suas traduções, pois ele as envia para conhecidos ou amigos para ouvir

comentários, com isso ele aumenta suas percepções em relação ao fazer tradutório

e, como conseqüência, desenvolverá suas noções futuramente.

Muitíssimo obrigado pelos seus comentários sobre minha tradução. Eu terei em vista suas observações durante o estudo da peça que estou fazendo somente por obrigação. (GOETHE, 1799/1998, Carta a Schiller, p. 7204, tradução nossa)29

Goethe se interessa por saber de traduções de suas obras em língua

estrangeira, em especial àquelas línguas que ele tem domínio, como inglês, francês

e italiano. Esse interesse muitas vezes revela sua noção de tradução, podemos

observar seus comentários sobre traduções como:

Enviaram-me uma tradução italiana do Werther. Mas que fogo-fátuo a se admirar ao longe! Este homem o entendeu bem, mas sua tradução é quase sempre uma paráfrase. A expressão mais intensa de dor e o prazer, que aflige (Werther) ininterruptamente desapareceu, deixando a gente sem saber o que (Werther) quer. Ainda transformaram meu nome adorado (Carlota/Lotte) em Annetta. Você precisa ver e julgar você mesma.

28 Meinen Cellini darf ich Ihnen ja wol nicht empfehlen; ich hoffe, dieser sonderbare Mann soll Ihnen in der Übersetzung, wenn Sie das Original nicht kennen,noch manches Vergnügen machen. 29 Für Ihre Bemerkungen zu meiner Übersetzung danke schönstes Ich werde sie bey meinem Studium des Stücks das ich mir nun zur Pflicht mache, immer vor Augen haben.

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31

(GOETHE, 1781/1998, Carta a Charlotte von Stein, p. 2283, tradução nossa)30

Podemos perceber que Goethe observa suas traduções em língua estrangeira

e também o efeito por elas criado, não só quando foram primeiramente publicadas,

mas também as edições revisadas. Além disso, ele consegue contrastar mudanças

que aconteceram entre essas publicações em várias línguas e culturas.

Uma edição revisada da tradução de meus trabalhos dramáticos me deu grande satisfação. Relaciono-me com minhas produções de outra maneira agora, se comparado ao tempo que as compus. Ainda é bastante notável, como elas se comportam em uma nação estrangeira e com o passar do tempo, em perspectivas tão diferentes. (GOETHE, 1826/1998, Carta a Carl Friedrich Reinhard, p. 19329, tradução nossa)31

Por se tratar de um conteúdo de cunho pessoal, parece que críticos e teóricos

de tradução enxergam essa modalidade com receito, talvez por pensarem que

haveria falta de credibilidade em relação ao objeto de estudo, i.e., em que medida

seria produtivo procurar por evidências do pensamento de tradução de Goethe em

suas correspondências? Se levarmos em consideração o número de ocorrências da

tabela 1, torna-se evidente que as cartas representam um papel importante do

resultado da pesquisa do nosso trabalho, sendo uma modalidade pela qual mais se

manifesta a palavra “tradução”.

4.2 DIÁRIOS

Um alto índice de ocorrências nem sempre representa produtividade para a

questão de um pensamento sobre tradução. Esse é exatamente o caso do segundo

maior número de ocorrências, i.e., os diários. O resultado encontrado para os diários

compreende o período de 1797 até 1831 e apresenta, em grande medida, notas do

30 Man hat mir eine Italiänische Überzetzung des Werthers zugeschickt. Was hat das Irrlicht für ein Aufsehn gemacht! Auch dieser Mann hat ihn wohl verstanden, seine Übersetzung ist fast immer Umschreibung; aber der glühende Ausdruck von Schmerz und Freude, die sich unaufhaltsam in sich selbst verzehren, ist ganz verschwunden und darüber weis man nicht was der Mensch will. Auch meinen vielgeliebten Nahmen hat er in Annetta verwandelt. Du sollst es sehen und selbst urtheilen. 31 Eine Recension der Übersetzung meiner dramatischen Arbeiten hat mir auch viel Vergnügen gemacht. Verhalt' ich mich doch selbst gegen meine Productionen ganz anders, als zur Zeit, da ich sie concipirte. Nun bleibt es höchst merkwürdig, wie sie sich zu einer fremden Nation verhalten und zwar so spät, bei ganz veränderten Ansichten der Zeit.

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32

que Goethe leu, ouviu ou observou durante seu cotidiano. Nesse sentido, pouco foi

manifestado nessas anotações que revelam seu pensar sobre tradução, pois esses

comentários aparecem juntos de outras menções ou lembranças, criando uma

impressão de incoerência textual. Seus comentários são breves, em geral não

passam de três linhas. Em linhas gerais, eles fazem menção a lembranças, a

traduções que foram lidas em um dia e correções ou ajustes textuais. Alguns

exemplos dessas menções:

Tentativa de uma tradução da Teoria das Cores em francês. (GOETHE, 1807/1998, p. 24447, tradução nossa)32 Sobre a tradução de Voß do Agamêmnon. (GOETHE, 1808/1998, p. 24652, tradução nossa)33 Tradução de Os Lusíadas por Seckendorf34 (GOETHE, 1809/1998, p. 24690, tradução nossa)35

O número de ocorrências para essa modalidade prova que Goethe, de fato,

estava mais envolvido com traduções do que se supunha. Esses comentários

rápidos revelam o seu trabalho de cotejo com traduções, produção de traduções e

leitura de textos traduzidos. Demonstram, portanto, a forte presença da tradução na

vida intelectual do autor, ainda que não contribuam tão centralmente para o esboço

de alguma das facetas da concepção Goetheana de tradução.

4.3 PROSA AUTOBIOGRÁFICA

O terceiro maior número de ocorrências, i.e., a prosa autobiográfica está

representada pelas obras Aus Meinem Leben. Dichtung und Wahrheit [Memórias:

poesia e verdade] Italienische Reise [Viagem a Itália] e Tag- und Jahreshefte

[Diários e Anais] e juntas compreendem o período de 1811 até 1831.

32 Versuch einer Übersetzung der Farbenlehre ins Französische. 33 Über Voßens Übersetzung des Agamemnon. 34 Franz Karl Leopold von Seckendorf-Aberdar (1775-1809) foi um poeta alemão, formou-se em filosofia e era amigo de Goethe, Schiller e Wieland. 35 Lusiade von Camoens in der Seckendorfischen Übersetzung.

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33

Para a obra Aus Meinem Leben. Dichtung und Wahrheit [Memórias: poesia e

verdade] foram encontradas 16 ocorrências divididas entre os livros (1º; 4º; 7º; 10º;

11º; 12º; 13º; 14º e 15º). Essas ocorrências manifestam descrições sobre noções de

traduções, processos tradutórios e análises de traduções. No entanto, devemos

ressaltar que Goethe escreve esse texto no limite entre ficção e realidade. Por isso é

recomendável termos cautela com essas descrições experienciadas e relatadas,

pois alguns fatos dessa narrativa podem não ser factuais. O título do livro convida

para essa leitura, pois a palavra Dichtung pode ser interpretada também como ficção

em oposição a Wahrheit (verdade ou realidade).

Aqui conheci inicialmente Homero, mas em uma tradução prosaica adornada de cobre no sentido do teatro francês, produzida pelo Senhor von Loen em sete partes a "Nova coleção das mais estranhas histórias de viagem", sob o título "A descrição de Homero da conquista do Reino de Tróia". (GOETHE, 1809-11/1998, Dichtung und Warheit, livro 1, p. 9932, tradução nossa)36

No caso de Italienische Reise [Viagem à Itália], as ocorrências não passaram

de 3. Esse livro apresenta uma narrativa de viagem. De acordo com as ocorrências

encontratas, essa obra tem pouco a revelar sobre o pensamento de tradução de

Goethe. Essas ocorrências aparecem nas cidades de Veneza e Sicília e manifestam

lembranças de traduções já lidas.

Por fim, a tradução do Wieland das "Sátiras" deixou-me infeliz, nem li duas vezes e já estava enfurecido. (GOETHE, 1829/1998, Viagem à Itália, 11331, tradução nossa)37

A terceira obra Tag- und Jahreshefte [Diários e Anais] apresentou o maior

número de ocorrências para essa modalidade com um total de 29. Essa obra

apresenta notas autobiográficas que abrangem em grande medida a vida literária de

Goethe, sendo que a divisão do texto foi estabelecida anualmente. As ocorrências

da busca para a palavra tradução tangem o período entre 1817 e 1830, i.e., segundo

a divisão anual apresentada na obra. As passagens sobre tradução que aparecem 36 Hier lernte ich zuerst den Homer kennen, und zwar in einer prosaischen Übersetzung, wie sie im siebenten Teil der durch Herrn von Loen besorgten »Neuen Sammlung der merkwürdigsten Reisegeschichten«, unter dem Titel »Homers Beschreibung der Eroberung des Trojanischen Reichs«, zu finden ist, mit Kupfern im französischen Theatersinne geziert. 37 Noch zuletzt hat mich die Wielandsche Übersetzung der »Satiren« höchst unglücklich gemacht; ich hatte kaum zwei gelesen, so war ich schon verzückt.

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nesse texto autobiográfico são, em grande medida, comentários sobre traduções.

Esses comentários tangem tanto obras de Goethe traduzidas para outras línguas,

como inglês e francês e também a recepção de obras estrangeiras em língua alemã.

Além disso, alguns comentários sobre tradução revelam dificuldades que Goethe

tinha como tradutor em (1803):

Como eu me dediquei, durante minha vida, a nada além de palavras sem sentido e a sentenças, pelas quais nada se foi pensado ou sentido, aos outros parece insuportável, a mim impossível, consequentemente sofri de uma verdadeira agonia com a tradução do Cellini38, a qual será exigida necessariamente um propósito. (GOETHE, 1803/1998, Diários e Anais, p. 12642, tradução nossa)39

Goethe comenta sobre sua improvisação tradutória de uma obra poética:

Tenho a sorte de fazer leituras na quarta-feira para algumas Senhoras e não hesitei em dar-lhes o conhecimento desejado. De imediato, peguei o original e naquele momento trabalhei tanto com o texto que pude fazer uma tradução compreensível linha a linha. Da entonação, do ritmo e do conteúdo nada foi perdido. O sucesso dessa apresentação improvisada aconteceu porque o sentido foi preservado. Além disso, o intelecto deve atuar ativamente, enquanto uma espécie de improvisação se realiza, de fato, enquanto pensei compenetrado na unidade da obra poética não perdi o modo de me preparar e eu seria capaz de dar algumas explicações sob questionamento. (GOETHE, 1817-30/1998, Diários e Anais, p. 12791, tradução nossa)40

Seria interessante poder verificar em que medida essas noções de tradução

são usadas na composição das traduções feitas por Goethe e discutir efeito criado

por elas.

38 Goethe se refere à tradução de A Vida de Benvenuto Celline publicada em 1803. 39 Da ich mich in meinem Leben vor nichts so sehr als vor leeren Worten gehütet und mir eine Phrase, wobei nichts gedacht oder empfunden war, an andern unerträglich, an mir unmöglich schien, so litt ich bei der Übersetzung des »Cellini«, wozu durchaus unmittelbare Ansicht gefordert wird, wirkliche Pein. 40 Die Damen, denen ich das Glück hatte noch immer am Mittwoche Vorträge zu tun, erkundigten sich darnach, und ich säumte nicht, ihnen davon gewünschte Kenntnis zu geben. Unmittelbar ergriff ich das Original und arbeitete mich bald dermaßen hinein, daß ich, den Text vor mir habend, Zeile für Zeile eine verständliche Übersetzung vorlesen konnte. Es blieb der Ton, der Gang, und vom Inhalt ging auch nichts verloren. Am besten glückt ein solcher Vortrag ganz aus dem Stegreife, weil der Sinn sich beisammenhalten und der Geist lebendig-kräftig wirken muß, indem es eine Art von Improvisieren ist Doch indem ich in das Ganze des poetischen Werks auf diese Weise einzudringen dachte, so versäumte ich nicht, mich auch dergestalt vorzubereiten, daß ich auf Befragen über das einzelne einigermaßen Rechenschaft zu geben imstande wäre.

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35

4.4 TEXTOS LITERÁRIOS

Os textos literários somaram um total de 17 ocorrências e são representados

pelas obras: Wilhelm Meister Lehrjahre [Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm

Meister], Die Leiden des jungen Werther [Os sofrimentos do Jovem Werther], West-

östlicher Divan [Divã oriental e ocidental], Xenien und Votivtafeln aus dem Nachlass

[Xênias e molduras ornamentais do espólio], Gedichte (Ausgabe letzter Hand)

[Poemas (da edição definitiva escolhida pelo autor)].

A obra Divã oriental e ocidental apresentou no âmbito da busca 8 ocorrências.

Apesar de a obra ser uma coletânea de poemas escritos por Goethe entre 1814 até

1819, não tivemos nenhum poema presente no resultado da pesquisa. No entanto,

essas ocorrências se concentraram em notas e ensaios que fazem parte dessa obra.

Devemos ressaltar que o texto “Traduções” se encontra entre essas anotações e

ensaios, sendo o mais expressivo em termos de reflexão sobre tradução entre os

resultados obtidos para essa obra. Isso se deve ao envolvimento de Goethe com a

cultura persa para compor os poemas da obra em questão, visto que foi possível

encontrar ocorrências de comentários sobre tradução de poemas orientais e também

sobre elementos culturais presentes nos poemas do escritor persa Hafiz.

O quanto este homem honrado tornou-se culpado pode ser comprovado em todas as partes do meu livrinho. Por longo tempo estive ocupado com Hafiz e seus poemas, mas o que aprendi de literatura, da descrição de viajem, de periódico e de conhecimento, não me concedeu nenhuma expressão, nenhum conceito de valores desse homem extraordinário. Finalmente na primavera de 1813, publicaram a tradução de suas obras completas. Senti-me tomado por um carinho especial de seu ser interior e procurei ter uma relação com ele através de sua própria obra. Essa ocupação amistosa ajudou-me na superação dos tempos difíceis e deixou-me apreciar prazerosamente os frutos de uma paz alcançada. (GOETHE, 1814-19/1998, Divã oriental-ocidental p. 2260, tradução nossa)41

41 Wie viel ich diesem würdigen Mann schuldig geworden, beweist mein Büchlein in allen seinen Teilen. Längst war ich auf Hafis und dessen Gedichte aufmerksam, aber was mir auch Literatur, Reisebeschreibung, Zeitblatt und sonst zu Gesicht brachte, gab mir keinen Begriff, keine Anschauung von dem Wert, von dem Verdienste dieses außerordentlichen Mannes. Endlich aber, als mir im Frühling 1813 die vollständige Übersetzung aller seiner Werke zukam, ergriff ich mit besonderer Vorliebe sein inneres Wesen und suchte mich durch eigene Produktion mit ihm in Verhältnis zu setzen. Diese freundliche Beschäftigung half mir über bedenkliche Zeiten hinweg und ließ mich zuletzt die Früchte des errungenen Friedens aufs angenehmste genießen.

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Foram encontradas 5 ocorrências para a palavra tradução na obra Os anos

de aprendizagem de Wilhelm Meister. Essa obra apresenta oito livros e se trata de

um Bildungsroman [romance de aprendizagem ou formação]. As ocorrências foram

encontradas no primeiro e quinto livros. Neste ponto, devemos deixar visível a

questão de uma abordagem literária, sobretudo a relação de verossimilhança, pois

em uma ocorrência o herói Wilhelm tem contato com as traduções de Shakespeare

feitas por Wieland. Uma menção a idéias de tradução partindo do contexto literário

pode comprometer a interpretação do que Goethe realiza como tradutor e pensador

de tradução. É interessante para o pesquisador e teórico perceber que Goethe sabe

explorar várias modalidades textuais e envolver em diferentes contextos noções de

tradução.

Wilhelm ocupou-se por um longo tempo de uma tradução de Hamlet. Ele fez uso do brilhante trabalho de Wieland, pelo qual ele conheceu inicialmente Shakespeare. (GOETHE, 1795-96/1998, Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister, p. 5990, tradução nossa)42

Encontramos ainda para a modalidade literária uma ocorrência para a obra

Os sofrimentos do Jovem Werther (1774) e duas para o poema Xênias e molduras

ornamentais do espólio (1796), que foi escrito em conjunto com o escritor Schiller.

– Você não tem nada pra ler? – disse ela. Ele não tinha nada. – Tenho ali na minha gaveta – prosseguiu ela – a tradução que você fez de alguns cantos de Ossian; não os li ainda, esperando sempre que você mesmo os lesse, mas nunca foi dada a ocasião para se fazer isso. (GOETHE, 1774/1998, Os Sofrimentos do Jovem Werther, p. 5280, tradução nossa)43

Percebemos uma menção a uma tradução de um canto de Ossian escrito por

Macpherson. Já no caso do poema, a palavra Xênia pode ser remetida, segundo

Houaiss, a uma acepção que na antiga Grécia significava qualidade do estrangeiro e

etimologicamente se refere ao termo grego “ksenía,as”, que dizia respeito à

qualidade de estrangeiro e a vínculos ou direito recíproco de hospitalidade, isso 42 Wilhelm hatte sich schon lange mit einer Übersetzung Hamlets abgegeben; er hatte sich dabei der geistvollen Wielandschen Arbeit bedient, durch die er überhaupt Shakespearen zuerst kennen lernte. 43 »Haben Sie nichts zu lesen?« sagte sie. - Er hatte nichts. - »Da drin in meiner Schublade«, fing sie an, »liegt Ihre Übersetzung einiger Gesänge Ossians; ich habe sie noch nicht gelesen, denn ich hoffte immer, sie von Ihnen zu hören, aber zeither hat sich's nicht finden, nicht machen wollen.«

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pode suscitar desdobramentos que não vamos entrar no mérito da discussão neste

trabalho.

4.5 CONVERSAÇÕES

Segundo a Tabela 1, as conversações apresentaram 14 ocorrências, que

datam de 1776 até 1823. Antes de fazermos comentários sobre essas ocorrências,

precisamos mencionar uma nota explicativa encontrada na versão digital. Essa nota

explica que se deve questionar a autenticidade dessas conversações, pois não há

uma garantia plena de que Goethe as tenha escrito. Já com essa notificação em

vista, podemos dizer que as ocorrências para essa modalidade se referem às

conversações de Goethe com tradutores. A abordagem dessas conversações em

relação à palavra tradução revela um conteúdo de prática de tradução, no sentido de

composição literária em suas especificidades.

A sós com Goethe divagando sobre todo tipo de conversas, ele me disse, que tinha a intenção de incorporar em sua obra a "Viagem pela Suíça no ano de 1797”. Em seguida falou do "Werther", que não o leu mais do que uma vez por cerca de dez anos após a sua publicação, mesmo com a mudança tipográfica não teve interesse de reler. Falamos sobre traduções e ele disse que para ele é muito difícil verter poemas ingleses para a língua alemã. "Se queremos expressar as palavras dos ingleses literalmente, com quatro sílabas ou explícita de modo não fragmentado, toda a força e efeito serão perdidos”. (GOETHE, 1823/1998, Conversações, p. 30069, tradução nossa) 44

Apesar da falta de garantia quanto à autenticidade dessas conversações,

Goethe teve uma participação significativa na elaboração das traduções de Voß e

Wieland, visto que o contato entre eles se deu não só por correspondências, mas

também pessoalmente. Nesses contatos pessoais ocorria a leitura das traduções e

Goethe oferecia seu parecer sobre determinados trechos. As ocorrências para essa

44 Abends mit Goethe allein, in allerlei Gesprächen. Er sagte mir, daß er die Absicht habe, seine ›Reise in die Schweiz vom Jahre 1797‹ in seine Werke aufzunehmen. Sodann war die Rede vom ›Werther‹, den er nicht wieder gelesen habe als einmal, ungefähr zehn Jahre nach seinem Erscheinen. Auch mit seinen andern Schriften habe er es so gemacht. Wir sprachen darauf von Übersetzungen, wobei er mir sagte, daß es ihm sehr schwer werde, englische Gedichte in deutschen Versen wiederzugeben. »Wenn man die schlagenden einsilbigen Worte der Engländer,« sagte er, »mit vielsilbigen oder zusammengesetzten deutschen ausdrücken will, so ist gleich alle Kraft und Wirkung verloren.«

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modalidade apresentam um conteúdo expressivo sobre o pensamento de tradução e

poderiam ser apreciadas por pesquisadores e teóricos.

4.6 TEXTO CIENTÍFICO

Com um total de 14 ocorrências, a abordagem de texto científico é

representada pela obra Zur Farbenlehre [Teoria das Cores], que foi publicada em

1811. No âmbito da busca, o pensamento de tradução para essa modalidade

oferece subsídios para uma reflexão crítica sobre tradução. Esse pensamento diz

respeito a comentários sobre algumas traduções do latim, que em alguma medida

tinham relação com o desenvolvimento da teoria das cores. Como exemplo:

A tradução precisa ter como finalidade o uso da língua latina. É preciso parafrasear muitas vezes e fazer muitas sentenças, mas talvez são justamente essas sentenças as mais fluentes, que os senhores não queriam mais pensar. (GOETHE, 1810/1998, Teoria das Cores, p. 9715, tradução nossa)45

No entanto, essas ocorrências são comentários breves, que abordam, de

modo geral, a existência de traduções de estudos sobre óptica naquela época. A

questão de tradução na passagem que mencionamos se refere a uma tradução feita

em 1706 da Óptica de Newton em latim, a qual foi vista pelos ingleses, segundo

Goethe (1810, p. 9715), “tão compreensiva quanto o original”. Naquela época, textos

científicos eram escritos ou traduzidos para o latim, mas a observação de Goethe

chama a atenção dos ingleses para perceberem a fluência de sua língua vernácula,

pois “o original foi escrito de forma clara e simples”, se comparado com a versão

latina que era “uma língua estrangeira”.

4.7 MANIFESTAÇÃO ESTÉTICA OU FILOSÓFICA

45 Die Übersetzung muß, um des lateinischen Sprachgebrauchs willen, oft umschreiben und Phrasen machen; aber vielleicht sind es eben diese Phrasen, die den Herren, welche sich nichts weiter dabei denken wollten, am besten zu Ohre gingen.

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As 7 ocorrências registradas para a manifestação estética ou filosófica

manifestam noções de tradução detalhadas e que podem contribuir para enriquecer

a compreensão das idéias sobre tradução de Goethe. Isso porque esses textos

foram publicados em revistas literárias, jornais e edições específicas escolhidas pelo

autor. Esses textos expõem sua percepção de literatura, tradução, arte, entre outros,

de modo claro e agradável e deveriam estar incluídos nas antologias dos teóricos

que vimos no capítulo anterior, visto que apenas o texto German Romance, que

aparece no âmbito da busca, consta na antologia de Robinson (2002). Nesse

sentido, os textos Shakespeare und kein Ende! [Shakespeare e sem fim!], Indische

Dichtungen [Poesias Indianas], Serbische Lieder [Canções da Sérvia] e Nachlese zu

Aristoteles »Poetik« [Retrospectiva da Poética de Aristóteles] poderiam ser

aproveitados para uma reflexão mais abrangente sobre a noção de tradução de

Goethe. Todos estes poemas chegaram até nós através de traduções, que foram retiradas mais ou menos do original, de tal modo que podemos ter somente uma visão geral sem termos consciência do limite da especificidade do original. A diferença é, de fato, muito grande, a partir de uma tradução de vários versos do sânscrito e graças ao professor Kosegarten isso se tornou mais evidente. (GOETHE, 1817-18/1998, Poesias Indianas, p. 8519, tradução nossa) 46

Podemos perceber o envolvimento de Goethe com leituras de poemas de

culturas estrangeiras, também é interessante perceber que em grande medida a

cultura estrangeira influenciou seu pensamento sobre tradução.

4.8 AFORISMOS

No caso dos aforismos, uma ocorrência foi encontrada no livro Maximen und

Reflexionen [Máximas e Reflexões] (1833). No entanto, devemos tomar precauções

a essa modalidade, porque a manifestação de uma noção de tradução a partir de

aforismos implica invariavelmente em uma simplificação ou fragmentação.

46 Alle diese Gedichte sind uns durch Übersetzungen mitgeteilt, die sich mehr oder weniger vom Original entfernen, so, daß wir nur ein allgemeines Bild ohne die begrenzte Eigentümlichkeit des Originals gewahr werden. Der Unterschied ist freilich sehr groß, wie aus einer Übersetzung mehrerer Verse unmittelbar aus dem Sanskrit, die ich Herrn Professor Kosegarten schuldig geworden, aufs klarste in die Augen leuchtet.

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Figuras, descrição de palavra, medida, número e símbolos ainda não apresentam nenhum fenômeno. Essa foi a doutrina newtoniana que há tanto tempo se mantém no quarto volume da tradução latina que já há séculos foi embalsamada. (GOETHE, 1907/1998, Máximas e Reflexões, p. 7802-03, tradução nossa) 47

No caso, esse aforismo faz uma crítica a Newton por usar uma tradução latina muito antiga. O cuidado que se deve ter ao realizar uma abordagem de tradução em relação aos aforismos é a implicação de uma visão redutora e simplista sobre tradução.

4.9 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O que ainda não foi levado em conta para uma reflexão sobre o pensamento

de tradução de Goethe? Em primeiro lugar, o que falta é um pensar reflexivo sobre o

que Goethe escreveu sobre tradução, tendo em vista responder perguntas como

quando, onde e por que esses textos existem. A partir disso, o trabalho se torna

produtivo porque é possível ter em vista uma abertura para desdobramentos futuros.

O levantamento de dados mostra que há, de fato, muito a ser explorado sobre

o que Goethe escreveu, pensou, falou, discutiu e fez sobre tradução. Esses dados

não encerram a discussão, pelo contrário, relatam à necessidade de uma

abordagem mais ampla sobre idéias de tradução presentes na obra goetheana. É

preciso lembrar que a busca não abrange todas as manifestações de um

pensamento tradutório e que o material utilizado não engloba a obra completa do

autor, portanto outros textos que ficaram de fora podem trazer um olhar diferente

para a questão, em especial as traduções feitas por Goethe.

A reflexão sobre tradução se manifesta mais quando Goethe escreve o Divã

oriental e ocidental. No entanto, não quer dizer que antes de compor essa obra ele

não esboça um pensamento sobre tradução. Como já comentamos nos capítulos

anteriores, a noção de tradução aparece em menor ou maior grau de detalhamento.

Goethe (1819/1998, p. 15176) mostra-se favorável em deixar de forma explícita o 47 Abbildungen, Wortbeschreibung, Maß, Zahl und Zeichen stellen noch immer kein Phänomen dar. Darum bloß konnte sich die Newtonische Lehre so lange halten, daß der Irrtum in dem Quartbande der lateinischen Übersetzung für ein paar Jahrhunderte einbalsamiert war.

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estrangeiro e sua cultura nas traduções. Um fragmento retirado de uma carta escrita

em 1819 sobre uma tradução feita por Adolf Oswalt Blumenthal48 relata que o

tradutor (Blumenthal) só vai conhecer a particularidade de uma nação, se ele

perceber como essa nação se comporta no estrangeiro. Antes de dizer isso, Goethe

comenta uma passagem do Alcorão, que diz respeito ao envio de profetas para

doutrinar os povos, sendo que os profetas só são autorizados a doutrinar em língua

vernácula, i.e., o árabe. A seguir Goethe faz um paralelo dizendo que os alemães só

se tornaram um povo por causa de Lutero e aconselha Blumenthal a não esquecer

essas considerações no exercício de seu trabalho.

Os dados revelam o que Goethe (1819/1998, p. 11998) considera ser uma

boa tradução. Uma carta endereçada ao tradutor Knebel demonstra a noção de que

uma boa tradução é aquela que deixa transparecer o original de modo fiel e sua

nação de modo compreensível.

Goethe (1818/1998, p. 14582) em carta para o músico Carl Friedrich Zelter,

relata que nunca se ofendeu com traduções de sua obra para outras línguas, mas

para a língua francesa ele se ofendeu bastante, visto que teve que ajudar o tradutor

para pelo menos encontrar o sentido do que escreveu em língua alemã. Além disso,

tem-se o comentário de que com sua ajuda o tradutor conseguiu operar as

articulações lógicas de seu idioma sem prejuízo para o sentido. Isso reforça a idéia

que Milton (1998) descreve sobre “algo anti-francês” nas noções de tradução.

Outras passagens como essas aparecem no levantamento de dados, mas

uma análise dessas noções e seus pormenores serão mais proveitosos num

trabalho futuro, que tenha por objetivo, sobretudo a tradução e contextualização

dessas ocorrências.

48 A edição digital (1998, p. 30060) menciona no índice de nomes que Adolph Oswald Blumenthal estudava direito em Breslau.

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5. CONCLUSÃO ____________________________________________________

Este trabalho pretende demonstrar que a abordagem que se faz em história

da tradução sobre os textos de Goethe é simplificada e pode ser resumida, em geral,

a algumas passagens textuais. Além disso, cada teórico que pretende abordar esses

fragmentos textuais cria uma imagem diferente de Goethe para seus leitores.

Demonstramos que o contexto de ocorrência desses textos é pouco descrito e com

isso cria-se a falsa impressão de que o pensamento de Goethe é uniforme e

fragmentário.

Evidenciamos que para a época de Goethe, poucos textos apresentam uma

sistematização da tradução, sendo um deles escrito por Schleiermacher intitulado

“Über die verschiedenen Methoden des Übersetzens” [Sobre os diferentes métodos

de tradução]. Portanto, os textos goetheanos que versam sobre tradução não

apresentam uma sistematização. Além disso, o que encontramos nesses textos são

noções de tradução, que podem apresentar maior ou menor grau de detalhamento,

dependendo da modalidade textual que se enquadram e da época que foram

escritos.

Com o levantamento de dados feito a partir da busca pela palavra-chave

“tradução” foi possível enumerar as ocorrências e dividi-las conforme sua

modalidade textual. Esse critério permitiu uma abrangência a todos os escritos que

apareceram no âmbito da busca. Além disso, conseguimos traçar conseqüências de

uma abordagem sobre tradução para cada uma dessas modalidades e suas

implicações na área de pesquisa.

O resultado revelado pela busca mostrou que a noção goetheana de tradução

muda com o tempo, com sua prática de tradução e também com seu envolvimento

com tradutores, filósofos e outras personalidades. Além disso, observamos que a

tradução foi abordada nas diversas modalidades textuais e apresenta com isso uma

conotação particular para cada uma delas.

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Percebemos ao decorrer do trabalho que o pensamento de Goethe sobre

tradução é complexo em contraste com as apresentações feitas pelos teóricos e

pesquisadores em antologias sobre teorias de tradução. Esperamos que nosso

trabalho seja proveitoso para rever o lugar e a teor do pensamento tradutório de

Goethe.

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REFERÊNCIAS

ARROJO, Rosemary (1998): “Os estudos da tradução como área de pesquisa independente: dilemas e ilusões de uma disciplina em (des)construção.” Delta, São Paulo, v. 14, n. 2. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44501998000200007&lng=en&nrm=iso Acesso em 05/05/2009. BAKER, Mona (1998): “The Routledge Encyclopedia of Translation Studies”. London, New York, Routledge, 1998. (p. 422) BERMAN, Antoine (1984/2002): “A prova do estrangeiro: cultura e tradução na Alemanha romântica: Herder, Goethe, Schlegel, Novalis, Humboldt, Schleiermacher, Hölderlin”. Trad. de Maria Emília Pereira Chanut. Bauru: EDUSC. --------------------------- (1985/2007): “A Tradução e a Letra, ou, o Albergue do Longínquo”. Tradução: Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7 letras. (p. 71)

FREITAS, L. F. (2008): “Tradução e autoria: de Schleiermacher a Venuti”. In: Cadernos de Tradução, v. 21, Florianópolis: UFSC. (p. 95-108). GOETHE, J. W. von (1998): “Briefe, Tagebücher, Gespräche”. Berlin: Directmedia Publishing. Digitale Bibliothek; Werke:10. CD-ROM. ------------------------------ (1982): “Goethes Werke, Hamburger Ausgabe in 14 Bänden”. C. H. Beck: München. --------------------------------- (1998): “Johann Wolfgang von Goethe” – Werke. Berlin: Directmedia Publishing. Digitale Bibliothek; Werke: 4. CD-ROM.

HUYSSEN, Andreas. (1968): “Die frühromantische Konzeption von Übersetzung und Aneignung. Mayer: Los Angeles. (p. 47) LEFEVERE, André. (1992): “Translation/History/Culture: A Sourcebook.” London and New York: Routledge. MILTON, John (1998): “Tradução: Teoria e Prática”. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, (p. 61) ROBINSON, Douglas (2002): “Western Translation theory: from Herodotus to Nietzsche”. Chicago – London: The University of Chicago Press. SCHLEIERMACHER, Friedrich (2001): “Sobre os diferentes métodos de tradução”. In: Antologia Bilíngüe – Clássicos da Teoria da Tradução. Volume 1 – Alemão/Português. Tradução de Margarete von Mühlen Poll. Heidermann (org.). Florianópolis: NUT (218p.)

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STEINER, George (2005): “Depois de Babel: questões de linguagem e tradução”. Trad. de Carlos. Alberto Faraco Curitiba: UFPR, 2005,. STÖRIG, Hans J. (1963): “Das Problem des Übersetzen”. Darmstadt: Wissenschaftlicher Buchgesellschaft. (p, 35-37)

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OBRAS DE REFERÊNCIA:

DUDEN. Deutsches Universalwörterbuch A-Z. Mannheim: Dudenverlag, 1996.

HOUAISS, Antônio et al. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, CD-ROM.

JENS, Walter. Kindlers Neues Literatur Lexicon. Multimedia-Ausgabe. München:

Systhema Verlag, CD-ROM.

LANGENSCHEIDT. Langenscheidts Großwörterbuch Deutsch als Fremdsprache.

Berlin: Langenscheidt, 1998.

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ANEXO

CD-ROM 1 – OCORRÊNCIAS DA PALAVRA TRADUÇÃO NA OBRA DE JOHANN

WOLFGANG GOETHE