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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA REGIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE/PRODEMA
EM BUSCA DO ESTADO PARTICIPATIVO: OS DESAFIOS DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO
AMBIENTAL
JOÃO BATISTA MACHADO BARBOSA
2008
Natal – RN
Brasil
i
João Batista Machado Barbosa
EM BUSCA DO ESTADO PARTICIPATIVO: OS DESAFIOS DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO AMBIENTAL
Dissertação apresentada ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PRODEMA/UFRN), como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre.
Orientador: Profa.Dra. Eliza Maria Xavier Freire
Co-Orientador: Prof.Dr. Ricardo Farias do Amaral
2008
Natal – RN
Brasil
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JOÃO BATISTA MACHADO BARBOSA
Dissertação submetida ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PRODEMA/UFRN), como requisito para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________ Profa. Dra. Eliza Maria Xavier Freire
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PRODEMA/UFRN) Presidente
______________________________________________
Prof. Dr. Rogério Pereira de Araújo Universidade Federal do Ceará (Membro externo) (PRODEMA/UFCE)
_______________________________________________ Profa. Dra. Raquel Franco de Souza Lima
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PRODEMA/UFRN)
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DEDICATÓRIA
Aos meus pais Jurandy e Maria Izabel, por terem
colocado as primeiras luzes sobre meu caminho
na eterna busca do conhecimento.
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AGRADECIMENTOS
Gostaria, penhoradamente, de agradecer às várias pessoas, parentes, amigos, ambientalistas,
professores, servidores, empresários, dentre outros, que colaboraram comigo na execução
deste trabalho, de outubro de 2005, quando do início do projeto, até março de 2008, à época
de sua apresentação, em especial: Aos amigos Borba e Sodré, colegas de turma que sempre me incentivaram durante cada
etapa do curso.
Ao amigo Francisco das Chagas Araújo Jr. e ao Prof. Marcílio Rodrigues, pelas valiosas
colaborações na tabulação e interpretação dos dados colhidos.
À Secretária do PRODEMA, Lanna, pela paciência e dedicação a nós dispensada.
Aos meus orientadores, Profa. Elisa e Prof. Ricardo, pelas sábias orientações, durante a
elaboração deste trabalho.
Finalmente, à minha esposa Lúcia e meus filhos Victor, Rodrigo e Dominick, que souberam
pacientemente suportar tantas horas de ausência para que eu pudesse concluir este trabalho.
Embora o tempo com ele gasto seja irrecuperável, espero que todo esse esforço possa-lhes
servir de estímulo para a busca de seus objetivos.
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LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Espaços públicos p. 19
FIGURA 2 Confiança na gestão ambiental participativa p. 47
FIGURA 3 Participação social em audiência pública ou
conselho de meio ambiente p. 47
FIGURA 4 Motivos pelos quais a participação social não é mais
efetiva por número de entrevistados p. 48
FIGURA 5 Instrumentos mais adequados de participação social
por número de entrevistados p. 48
FIGURA 6 Confiança no governo para defender o meio ambiente p. 49
FIGURA 7 Confiança no governo por ente da federação, por
número de entrevistados p. 49
FIGURA 8 Responsabilidade de órgãos para a proteção do meio
ambiente por número de entrevistados p. 50
FIGURA 9 Ineficiência da participação social p. 51
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LISTA DE TABELAS
TABELA I Reuniões do CONEMA em sua primeira composição p. 21
TABELA II Reuniões do CONEMA em sua segunda composição p. 22
TABELA III Reuniões do Conselho Gestor da APA dos Recifes
de Corais p. 24
TABELA IV Comparação entre as perguntas 5, 6 e 8 nos questio-
nários aplicados nas localidades de Pipa e Maracajaú p. 50
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABC – Região da Grande São Paulo, abrangendo os municípios de Santo André, São
Bernardo e São Caetano do Sul
AMIPHEC – Associação Mineira dos Portadores de Vírus de Hepatite
ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações
ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica
APA – Área de Proteção Ambiental
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
CONEMA – Conselho Estadual do Meio Ambiente
CEE – Comunidade Econômica Européia
CF – Constituição Federal
CONJUR – Consultoria Jurídica do Governo do Estado do Rio Grande do Norte
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
ECO 92 – Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento
EIA – Estudo de Impacto Ambiental
ESI – Environment Sustainability Index,
FEMURN – Federação de Municípios do Estado do Rio Grande do Norte
FIERN – Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte
IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEC – Instituto de Desenvolvimento Econômico
IDEMA – Instituto de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do
Norte (antigo IDEC)
IDH – Índice de desenvolvimento Humano
MMA – Ministério do Meio Ambiente
OEA – Organização dos Estados Americanos
ONG – Organização Não Governamental
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OS – Organização Social
OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PIB – Produto Interno Bruto
PRODES – Programa de Monitoramento do desmatamento em formações florestais na
Amazônia Legal
SAPE – Secretaria Estadual da Agricultura, da Pesca e da Pecuária
SEPLAN – Secretaria Estadual de Planejamento
SERHID – Secretaria Estadual de Recursos Hídricos
SESAU – Secretaria Estadual de Saúde
SETUR – Secretaria Estadual de Turismo
RIMA – Relatório de Impacto no Meio Ambiente
RO – Reuniões Ordinárias
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
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SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE TABELAS
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
INTRODUÇÃO GERAL 1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 4 CAPÍTULO 1. EM BUSCA DO ESTADO PARTICIPATIVO RESUMO 5 INTRODUÇÃO 6 ORIGEM DO ESTADO 9 O SURGIMENTO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO ESTADO
BRASILEIRO 12
OS DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DO ESTADO PARTICIPATIVO NO BRASIL
15
OS ESPAÇOS PÚBLICOS E A GESTÃO PARTICIPATIVA DO MEIO AMBIENTE
18
CONSELHO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE – CONEMA/RN 20 CONSELHO GESTOR DA APA DOS RECIFE DE CORAIS 23 AUDIÊNCIAS PÚBLICAS 25 CONCLUSÃO 29 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 30 CAPÍTULO 2. OS DESAFIOS DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA
GESTÃO AMBIENTAL
RESUMO 33 INTRODUÇÃO 34 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL 37 OS ESPAÇOS PÚBLICOS E SEUS PRINCIPAIS DESAFIOS 38 METODOLOGIA 39 RESULTADOS 42 DISCUSSÃO 51 CONCLUSÃO 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 55 ANEXO I
ANEXO II
ANEXO III
1. INTRODUÇÃO GERAL
Com menor ou maior liberdade, o homem sempre buscou o modelo ideal de Es-
tado, não somente para participar das decisões que refletiam diretamente em seu grupo
social, mas para refrear os abusos que não raras vezes eram cometidos, podendo-se a-
firmar que a história do homem se confunde com a história de sua luta contra o poder do
Estado.
É evidente que, na antigüidade, pouco se conhecia a respeito desta instituição que
hoje, sob a inspiração de Maquiavel1, é chamada Estado, e que normalmente se mante-
ve distante do povo, ora sob a justificativa de seus governantes serem dotados de pode-
res divinos (DALLARI, 1998), ora sob o poder da espada (MALUF, 1999)2. Nada obs-
tante, a natureza do homem não permitia que ele vivesse constantemente oprimido e
subjugado, mostrando a história vários exemplos heróicos de pessoas que, com coragem
e determinação, se insurgiram contra a tirania e o despotismo do Estado.
Com o passar dos anos, novas formas de Estado foram sendo experimentadas,
mas, nesse longo processo histórico, essas mudanças decorreram, basicamente, de revo-
luções, exercidas contra o Estado, e de reformas, exercidas pelo Estado, com base no
pressuposto de que a sociedade é problemática por natureza e deve ser adaptada às suas
proposições (SOUZA SANTOS, 1998). O Estado naturalmente assume o papel de solu-
ção do problema e o sujeito dessas reformas, ao passo que a sociedade, por conseqüên-
cia, o seu objeto.
Contrariamente, porém, propõe-se, neste estudo, demonstrar que Estado e socie-
dade estão em um processo de constantes transformações, sendo simultânea e perma-
nentemente sujeito e objeto de reformas. Se esse processo não for eficiente, o Estado se
torna uma mera estrutura formal de representação popular – um Estado Figurativo no
dizer de Cruzeiro (2006). A expressão Estado Figurativo será aqui empregada para se
referir ao modelo em que a participação social, dentro de um Estado aparentemente
Democrático, fica basicamente restrita ao plano formal, muitas vezes uma simples con-
1Conforme Bonavides (2000), a origem histórica do termo Estado remonta da célebre frase existente no Príncipe de Maquiavel: “Todos os Estados, todos os domínios que têm tido ou têm império sobre os ho-mens são Estados, e são repúblicas ou principados”. 2Segundo Maluf (1999), a teoria da força, simbolizada aqui pela espada, é uma das teorias que discute a origem do Estado, para o qual ele é uma organização de força e dominação.
2
dicionante para a formulação de leis, repasse de recursos ou divisão de responsabilida-
des (SANTOS et al., 2005).
Para superar esse modelo, é necessário discutir propostas para implementar uma
igualdade material, uma relação de equilíbrio entre as esferas pública e privada, em
busca de um verdadeiro Estado Democrático, onde haja uma efetiva participação social
– um Estado Participativo – na gestão pública do meio ambiente, principalmente com o
aperfeiçoamento dos instrumentos de controle existentes. Nele, o povo realmente é o
legítimo titular do poder, como expresso no parágrafo único do artigo primeiro da Cons-
tituição Federal: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representan-
tes eleitos ou diretamente (...)”. Além disso, a gestão participativa do meio ambiente foi
igualmente consagrada no texto constitucional, através do princípio da participação
(MACHADO, 2004), quando se impôs ao “poder público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras” (CF, art. 225, caput).
O Estado e a sociedade, entretanto, não têm sido competente para defender o
meio ambiente, de acordo com o modelo participativo fixado na matriz constitucional.
O primeiro indício desse fato pode ser verificado pela presença de alguns indica-
dores preocupantes, como o crescimento do desmatamento, da contaminação de manan-
ciais, do crescimento urbano desordenado, do fato de 48,8% dos municípios brasileiros
não terem serviço de coleta de esgoto, de 59% dos municípios brasileiros depositarem
seus resíduos em lixões (IBGE/2002), dentre outros.
Esse cenário se consolida a cada dia, a despeito de o Brasil possuir uma legislação
ambiental reconhecida como uma das melhores e mais completas do mundo, que, po-
rém, não é implementada, principalmente por ser pouco conhecida e muito desrespeita-
da (MILARÉ, 2001).
Tais dados apontam que o modelo atualmente utilizado precisa ser revisto, pois na
raiz desse problema provavelmente está o desajuste entre as estruturas formais e reais
de gestão ambiental, razão pelo qual é imprescindível redirecionar o foco das discus-
sões sobre a degradação do meio ambiente do fracasso dos resultados para as suas cau-
sas mais remotas, como o modelo de gestão do meio ambiente utilizado, pois as políti-
cas públicas relacionadas ao assunto são dele derivadas.
Este trabalho será desenvolvido com esse propósito, iniciando com uma análise
sobre o surgimento do Estado e seu conceito, como fator imprescindível para entender a
participação social no Brasil e seus principais desafios. Nessa mesma trilha será impor-
tante analisar também o conceito de espaço público, destacando as principais dificulda-
des e desafios para a sua implementação. Em um segundo momento, serão analisados os
3
principais instrumentos de controle na gestão pública do meio ambiente hoje existentes,
em uma visão global. Ao final, em uma visão particular, será feita uma avaliação da
real contribuição dos conselhos de meio ambiente e das audiências públicas como ins-
trumentos efetivos de participação social na gestão ambiental.
Também serão utilizadas, como parâmetro de estudo, as áreas de Pipa e Maraca-
jaú, dois povoados ao sul e ao norte de Natal, respectivamente, antes apenas colônias de
pescadores e que hoje enfrentam problemas semelhantes em razão da especulação imo-
biliária e do turismo.
Para esse mister, este trabalho foi dividido em dois capítulos, os quais correspon-
dem a artigos científicos a serem submetidos à publicação em periódicos qualificados: o
primeiro, referente aos caminhos a serem percorridos em busca do Estado Participativo,
e, o segundo, abordando os desafios do Estado Participativo.
4
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. 498 p. CRUZEIRO, Max Diniz. O Estado. In http://www.lenderbook.com/estado/index.asp, Acesso em 28.12.07 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 20ª ed. São Pau- lo: Saraiva, 1998. 307 p. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 1075 p. MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, 389 p. MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. 3 ed. São Paulo: RT, 2001. SANTOS, Ailton Dias et all. Metodologias participativas. (Org) Ailton Dias dos San- tos. São Paulo: Petrópolis, 2005. SOUZA SANTOS, Boaventura de. A reinvenção solidária e participativa do Estado. Tese apresentada no seminário “Sociedade e reforma do Estado” – São Paulo : Março de 1998. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/ Acesso em 15 de setembro de 2007.
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2. CAPÍTULO 1
EM BUSCA DO ESTADO PARTICIPATIVO
João Batista Machado Barbosa1, Eliza Maria Xavier Freire2 & Ricardo F. do Amaral3
1Mestrando do PRODEMA – UFRN 2Orientadora, Depto. de Botânica, Ecologia e Zoologia/UFRN
3Co-orientador, Depto. de Geologia/UFRN
RESUMO
A existência de vários indicadores negativos, como desmatamento,
poluição dos rios e crescimento urbano desordenado, aponta um cenário de
séria degradação ambiental no Brasil, permitindo-se inferir que o modelo de
gestão pública do meio ambiente aqui praticado não é eficiente, a despeito
de haver uma legislação ambiental reconhecida como uma das melhores e
mais completas do mundo. Um dos fatores que acentuam esse problema é a
incipiente participação social na gestão ambiental que, freqüentemente, exis-
te apenas no plano formal. Assim, embora definido como Estado Democrá-
tico, na prática, ele é apenas um Estado Figurativo. Partindo do estudo so-
bre a origem do Estado e da participação social no Estado Brasileiro, em
âmbito geral, e da análise de funcionamento de alguns conselhos de meio
ambiente e audiências públicas no Rio Grande do Norte, como instrumentos
de controle social, em âmbito particular, pode-se concluir que é possível
consolidar um verdadeiro Estado Democrático na gestão ambiental, um Es-
tado Participativo, em que todos os atores tenham consciência da responsa-
bilidade e estejam comprometidos com o dever a eles atribuídos pelo Texto
Constitucional com as presentes e futuras gerações.
ABSTRACT
The existence of several negative indicators such as deforestation,
pollution of rivers and urban growth disorderly suggest a scenario of seri-
6
ous environmental degradation in Brazil, allowing that the model of public
management of the environment here is not practiced efficiently, despite to
be a recognition-of environmental legislation as one of the best and most
comprehensive in the world. One of the main causes of this problem is the
low social participation in environmental management that often exists only
in the formal plan. Thus, although defined as Democratic State, in practice,
it is only a Figurative State. Based on the study of the origin of the state and
social participation in the Brazilian State, in general scope, and some envi-
ronment committees and public hearings in Rio Grande do Norte, as in-
struments of social control, in particular scope, it is possible to build a real
Democratic State in environmental management, a Participative State, in
which all players are aware of the responsibility and committed to the duty
assigned to them by the constitutional text with the present and future gen-
erations.
Introdução
Criticar o Estado talvez seja um costume tão antigo quanto as primeiras civiliza-
ções humanas organizadas. De uma forma ou de outra, com menor ou maior liberdade,
o homem sempre buscou o modelo ideal de Estado e, conseqüentemente, de Governo,
não somente para participar das decisões que refletiam diretamente em seu grupo social,
mas para refrear os abusos contra ele cometidos, podendo-se afirmar que a história do
homem se confunde com a história de sua luta contra o poder do Estado.
Na antiguidade, pouco se conhecia a respeito dessa instituição que hoje, sob a ins-
piração de Maquiavel, é chamada de Estado e, exceto na polis grega e na civitas roma-
na, onde a participação popular no poder se fez marcante, em não raros episódios histó-
ricos, a maioria banhada de muito sangue, o Estado normalmente se manteve distante do
povo, ora sob a justificativa de seus governantes serem dotados de poderes divinos
(DALLARI, 1998), ora sob o poder da espada (MALUF, 1999). Com o passar dos anos,
novas formas de Estado foram sendo experimentadas, partindo-se do Estado Mínimo ao
Estado Máximo, do Estado Liberal ao Estado Social, do Estado Policial ao Estado In-
terventor.
Mas, nesse cenário de transformações, duas perguntas precisam ser feitas.
A primeira delas: qual era o efetivo peso da participação social nas políticas pú-
blicas, entendidas por Comparato (1997) como sendo o conjunto organizado de nor-
7
mas, medidas e atos tendentes à realização de determinados objetivos e unificados pela
sua finalidade? A pergunta é relevante porque a formação histórica do Estado, desde a
sua origem, também deve ser analisada sob a ótica da participação do povo em sua
constituição e sua administração, fórmula posteriormente adotada no artigo XXI da De-
claração Universal dos Direitos Humanos, para o qual o povo deve “tomar parte no go-
verno de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhi-
dos”. No século XX, esse modelo participativo foi consagrado através do novo Estado
Democrático que, nos mais variados tamanhos ou formas, permitiu uma maior aproxi-
mação do povo com o centro de decisões do poder, reconhecendo, também com isso,
que Estado e sociedade precisam estar em constante transformação, sendo, simultânea e
permanentemente, sujeito e objeto de reformas.
Se o modelo participativo, de forma geral, foi consagrado pelo Estado Moderno,
pode-se então formular a segunda pergunta: a gestão pública do meio ambiente no Bra-
sil, que deve ser participativa, como determina a matriz constitucional, tem sido eficien-
te? A presença de indicadores ambientais negativos sugere que não, possivelmente, co-
mo poderá ser vista neste estudo, porque a participação social muitas vezes é meramen-
te figurativa, dentro de um cenário em que poder público, sociedade e mercado atuam
de forma divergente e antagônica, quando deveria ser efetivamente participativa, como
estabelece o art. 225, caput, da Constituição Federal.
A deficiente gestão ambiental pode ser inicialmente constatada a uma simples lei-
tura do quadro atual de degradação do meio ambiente no Brasil: a) 26.130 km2 de des-
matamento anual, somente na Amazônia, no período 2003-04 (PRODES/MMA); b)
89% das pessoas internadas em hospitais no Brasil vítimas de falta de acesso à água de
boa qualidade, principalmente em razão da poluição dos recursos hídricos e falta de sa-
neamento básico (O Estado Real das Águas3); c) a desertificação que atinge 1.488 mu-
nicípios no Nordeste, norte de Minas Gerais e do noroeste do Espírito Santo, área equi-
valente a 15,7% do território nacional4; d) 48,8% dos municípios brasileiros não têm
serviço de coleta de esgoto, totalizando 76,5 % de todos domicílios (IBGE/2002); e)
59% dos municípios brasileiros depositam seus resíduos em lixões (IBGE/2002); e f)
crescimento urbano desordenado.
Comparativamente a outros países, os índices brasileiros são ainda mais preocu-
pantes. As Universidades de Yale e Columbia, nos Estados Unidos da América, divul-
gam, periodicamente, o Índice de Desenvolvimento Sustentável, o ESI – Environment
3Fonte: CNBB - www.rits.org.br 4Portal do Meio Ambiente - http://www.portaldomeioambiente.org.br
8
Sustainability Index, baseado em 21 indicadores, divididos em 5 grandes componentes5.
No ESI de 2002, o Brasil ficou em 79º lugar, no item redução da geração de resíduos,
59º lugar, na redução do desmatamento, e 119º lugar, na proteção à biodiversidade, em
um total de 142 países6.
Vale ressaltar que, paradoxalmente a esse cenário adverso, o Brasil possui uma
legislação ambiental reconhecida como uma das melhores e mais completas do mundo,
que não é efetivamente implementada por ser pouco conhecida e muito desrespeitada.
Por esse motivo é importante redirecionar o foco das discussões sobre a degrada-
ção do meio ambiente, normalmente vinculado aos resultados negativos constatados,
para as suas causas mais remotas, como o modelo de gestão do meio ambiente utiliza-
do, pois as políticas públicas relacionadas ao assunto são dele derivadas.
As causas dessa deficiente gestão do patrimônio ambiental – que incumbe ao Po-
der Público (CF, art. 225, § 1º) – podem estar ligadas a diversos fatores, mas, basica-
mente, dentro de dois cenários: i) o Poder Público age sozinho ou em parceria com a
sociedade, mas, por não ter competência, fracassa em suas intervenções; ou ii) o Poder
Público age de forma dissonante com a sociedade, impedindo uma gestão eficiente do
meio ambiente, onde haja repartição de responsabilidades e compromissos7.
O objetivo deste trabalho é demonstrar que o segundo cenário predomina no Rio
Grande do Norte, principalmente porque os espaços públicos e os instrumentos de par-
ticipação e controle social aqui existentes, como os conselhos de meio ambiente e as
audiências públicas, são, muitas vezes, simples ferramentas burocráticas e alvos de
constantes manipulações. Além disso, eles não permitem que a sociedade tenha uma
participação efetiva na gestão ambiental e uma consciência de sua real dimensão e im-
portância, com a repartição de responsabilidades e de compromissos. Não se trata, por-
tanto, da inexistência de leis ou de pessoas competentes.
Por tudo isso, é imprescindível implementar-se uma efetiva gestão pública do
meio ambiente a partir da criação de um verdadeiro Estado Democrático – um Estado
Participativo – com o aperfeiçoamento dos instrumentos de controle e onde o povo re-
almente seja o legítimo titular do poder, como expresso na Constituição Federal.
Para esse objetivo, é importante analisar inicialmente a origem histórica do Esta-
do e o grau de participação social em sua estrutura.
5Para consulta aos ESI, ver http://sedac.ciesin.columbia.edu/es/esi/archive.html6No ESI de 2005, o Brasil subiu do 20° para o 11° lugar no ranking final, demonstrando uma sensível melhora na média global dos 21 indicadores. 7É importante destacar aqui, com Milaré (2001), o princípio da natureza pública da proteção ambiental que é distinto do princípio da participação comunitária na gestão ambiental.
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Origem do Estado
Nas antigas civilizações, a família, a religião, a organização econômica e o go-
verno formavam um conjunto muito confuso, segundo Streck & Morais (2000), mor-
mente nos Estados mais antigos, como o reino de Uruk, na Baixa Mesopotâmia, que te-
ria conquistado todas as cidades entre os rios Tigre e Eufrates, aproximadamente no ano
de 2.800 a.C., e no Egito. Eram as primeiras formas de Estado que surgiam, originados
e mantidos pelo poder da espada. As guerras eram freqüentes e o Estado mais forte tri-
unfava perante um inimigo mais fraco, até que este novamente se reerguesse ou fosse
conquistado por outro Estado.
Posteriormente, sobre os escombros das invasões bárbaras, surge o Estado Medie-
val, trazendo delas uma profunda influência dos costumes germânicos, particularmente
pelo fato de que, após a conquista de terras, os reis invasores passaram a distribuí-las
entre seus chefes guerreiros, fragmentando o poder da guerra originado, como aponta
Maluf (2000). Esta divisão de terras, completa o autor, criou um sistema feudal através
de uma espécie de hierarquia territorial, em que os barões, como verdadeiros conces-
sionários do rei, comprometiam-se a prestar ajuda militar, cobrar tributos e manter a fi-
delidade de seus súditos. Cria-se então uma sociedade feudal de senhores e vassalos,
dominantes e dominados, onde pouco espaço havia para o crescimento da participação
popular no Estado.
O enfraquecimento do Estado Medieval deveu-se principalmente a uma reação do
poder temporal ao poder da igreja, surgindo posteriormente o Estado Absoluto. Nesse
modelo, o Estado se destacou pela supressão dos direitos das entidades representativas
de classe, relegando a população a uma grande massa anônima, indistinta, uniforme e
afastada do poder.
O crescimento, porém, da burguesia, como uma classe social e econômica inde-
pendente, o enfraquecimento moral da nobreza e a disseminação das idéias iluministas
no Século XVIII, dentre outros fatores, derrotaram o absolutismo, surgindo então o Es-
tado Liberal. Para consolidar esse modelo, o Estado precisou formular um pacto com a
sociedade, garantindo-se assim os direitos do homem e do cidadão, a estrutura do Esta-
do e a divisão de Poderes. Tal movimento denominou-se constitucionalismo, de onde
originaram as Constituições Americana e a Francesa. Além disso, foi necessário um su-
porte normativo para a implantação do Estado Liberal: a Codificação do Direito Priva-
do. Promulga-se, na França, o Code Civil, de 1804, e o Code Commercial, de 1817, que
serviram de molde para tantas outras normas do mesmo teor, em vários países do mun-
do, inclusive no Brasil, com o Código Comercial, de 1850, e o Código Civil, de 1916.
10
Embora fossem bastante sedutoras as idéias racionalistas do Estado Liberal, elas
acabaram se distanciando da realidade, principalmente com o surgimento da revolução
industrial, onde os cidadãos se tornaram operários e, teoricamente livres, acabaram sen-
do escravizados, pois o que recebiam era suficiente apenas para a sua sobrevivência,
como lembra Carmo (2005).
Surge então o Estado Social, em busca de soluções para os novos e complexos
problemas sociais e econômicos que as civilizações industrial e pós-industrial, seduzi-
das com os ideais liberais, eram incapazes de resolver.
Com a derrocada dos regimes totalitaristas e, ao término da Segunda Guerra
Mundial, o Estado Social consolidou-se nos países centrais como Welfare State ou Es-
tado Providência, constituído-se em um novo arquétipo orientado para executar direta-
mente medidas voltadas ao bem-estar de sua população (MEDEIROS, 2001). No Brasil,
onde não havia infra-estrutura e condições para financiar esse novo modelo, foi criado o
Estado Desenvolvimentista, objetivando impulsionar a economia, predominantemente
agrária, para uma economia industrial. Essa nova forma do Estado foi, em parte, finan-
ciada pelo endividamento do Estado, aumento na carga tributária e redução das políti-
cas sociais, tendo, como resultado, a acumulação de uma elevada dívida externa (US$
238 bilhões) e uma alta carga tributária (34,7% do PIB)8, além de o Brasil se tornar o
quarto pior país em distribuição de renda do globo9. Não era difícil, portanto, prever a
falência do Estado Desenvolvimentista no Brasil e compreender o ressurgimento das
idéias liberais, como a desestatização do setor público e a abertura do mercado ao capi-
tal estrangeiro, o que, de fato ocorreu no final do século XX (GROS, 2003).
A despeito de entender-se que nunca houve, no Brasil e no mundo, um modelo
puro de Estado Liberal ou Social, o ponto de equilíbrio entre eles inevitavelmente teve
que ser então rediscutido, bem como um novo modelo de Estado para enfrentar para as
ressurgentes demandas sociais, principalmente com o aumento populacional, as mudan-
ças climáticas e a escassez de recursos na sociedade global do risco. Como aponta Sou-
za Santos (1998), um consenso, porém, parece ter surgido nos últimos anos, a partir da
idéia de que o capitalismo global não pode dispensar a existência de Estados Fortes, a-
inda que essa força seja diferente daquela que vigorou no período do reformismo. As
transformações propostas não devem ter como base a quantidade de Estado, mas a
construção de outra qualidade de Estado. Por isso, Souza Santos (1998) defende a re-
fundação democrática da administração pública, a partir da implantação de um Estado 8Conforme aponta Rosa (2007). 9Segundo a Unicef, das Nações Unidas, de todo o dinheiro que o Brasil tem, 46,7% estão nas mãos dos 10% mais ricos, enquanto os 10% mais pobres ficam com apenas 1% das riquezas (http://www.canalkids.com.br/unicef/not_renda.htm).
11
Empresário, centrado mais em objetivos e resultados do que a obediência de regras,
mais do que obter recursos do que gastá-los, transformando cidadãos em consumidores.
Ao ver deste estudo, porém, todos esses arquétipos, até então experimentados pelo Es-
tado, somente podem ser bem sucedidos se a transformação de cidadão-proprietário
para cidadão-cliente aproximar o povo do poder, ainda que seja pela ótica empresarial,
pois, é ele quem, no final, é chamado para “pagar a conta”.
No final do século XX, surge, no Brasil, o Estado Regulador, que teve com base
normativa o Plano Diretor da Reforma do Estado, posteriormente convertido na Lei
9.637/98. O Estado Brasileiro pretendia assim, paulatinamente, avançar de um modelo
de intervenção para um modelo de regulação. Uma de suas prioridades é a desestatiza-
ção, programa muito mais abrangente do que a privatização, que é apenas uma de suas
espécies, retirando-se o Estado de alguns setores, através da concessão, permissão, pri-
vatização e terceirização. Dentro deste contexto, foram criadas, no Brasil, as chamadas
agências reguladoras, visando a controlar e supervisionar os setores desestatizados,
como a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e a Agência Nacional de Tele-
comunicações (ANATEL). Essas modificações trouxeram profundas implicações no
modelo de Estado Brasileiro, transferindo parte do serviço público não exclusivo do Es-
tado para o setor privado, aproximando-o da chamada “terceira via”, ou “progressive
governance”10.
A livre transição para esse modelo regulador só foi possível, contudo, pelo fato de
a Constituição Brasileira apenas ter estabelecido o limite máximo em que o Estado Bra-
sileiro pode crescer (Estado Máximo), deixando o limite inferior (Estado Mínimo) para
o legislador infraconstitucional fixar. Pode-se aqui destacar, em apertada síntese, extra-
tos do Texto Maior que corroboram esse entendimento: o art. 21, que trata dos serviços
públicos da União, o art. 25, § 2º, em relação aos serviços do Estado, e o art. 30, V, so-
bre os serviços a cargo do Município. Fora deste quadro, onde se restringe o âmbito do
serviço público, o Estado não pode interferir na iniciativa privada e substituí-la na reali-
zação de obra ou serviço, exceto quando a exploração direta de atividade econômica for
“necessária aos imperativos da segurança nacional ou o relevante interesse coletivo,
conforme definidos em lei” (CF, art. 173). No Brasil, portanto, a distância que separa o
Estado Máximo e o Estado Mínimo depende apenas do limite inferior fixado pelo legis-
lador ordinário.
Nessa mesma época, é proposta uma nova forma de Estado, denominada de Es-
tado de Direito Ambiental, também chamado de Estado Constitucional Ecológico, no
10Cuja tradução sugere a expressão governo progressivo.
12
âmbito da União Européia. Como aponta o grande constitucionalista português Gomes
Canotilho (2004), o que caracteriza o novo modelo é o fato de que, além de ser um Es-
tado de Direito Democrático e Social, ele é movido por princípios ecológicos e funda-
mentado na participação política, condensada na expressão da democracia sustentada.
Fensterseifer (2007), por sua vez, aponta que a mais apropriada denominação desse no-
vo modelo é Estado Sócio-Ambiental de Direito, partindo do enfoque de que a proteção
ambiental deve servir de salvaguarda à dignidade da pessoa humana, fruto da conver-
gência das agendas social e ambiental em um mesmo projeto político-jurídico.
Como, porém, alertam Morato Leite & Ayala (2004), o novo Estado de Direito
Ambiental tem por finalidade proteger os direitos de terceira geração, garantindo o que
já existe (bem ambiental) e recuperar o que deixou de existir (dano ambiental), diversa-
mente com o que ocorre com o Estado focado nos tradicionais direitos sociais, pois es-
tes visam compulsoriamente a criar e realizar o que não existe (habitação, saúde, por
exemplo). Para isso, o novo modelo de Estado deve ter um perfil modificado para exigir
fundamentalmente ações de cidadania compartilhada, utilizando mecanismos preventi-
vos, de responsabilização, preservação e reconstituição. A responsabilidade solidária e
participativa da gestão ambiental, portanto, é a base fundamental para um novo Estado.
Neste breve resumo sobre as origens do Estado, pôde-se perceber que as inúme-
ras denominações a ele atribuídas decorreram do perfil assumido, ora com predominân-
cia histórica, ora econômica, ora jurídica. Nessa longa trajetória até os dias atuais, po-
rém, a participação social no Estado (e, conseqüentemente, no Governo) foi mais ou
menos relevante a partir do momento em que ele assumiu seu perfil político, atingindo
seu maior grau no que é aqui definido como Estado Participativo. Nesse modelo, a par-
ticipação popular extrapola as estruturas formais de representatividade, na conhecida
fórmula do Estado Democrático, buscando, através de instrumentos de controle, uma
efetiva postura de colaboração – não apenas de contemplação – com o poder público.
Em síntese, é na medida da efetiva participação social que o Estado Democrático
passa a ser um Estado Participativo, como se verá adiante.
O surgimento da participação social no Estado Brasileiro
No Estado Brasileiro, ao longo das diversas formas que tomou no curso da histó-
ria, predominou a prática de políticas clientelistas, centralizadoras e excludentes.
Aponta Albuquerque (2004) que a evolução da participação popular foi marcada
pela luta e pode ser vista nos movimentos que percorreram toda a história do Brasil,
desde as “primeiras resistências indígenas e negras, como a Confederação dos Tamoios
13
e os Quilombos, passando pelos chamados movimentos camponeses ‘messiânicos’, co-
mo Canudos, pelas lutas abolicionistas, pela Independência, pelas revoltas urbanas
contra a carestia e contra a vacina antivariólica (...)”.
No início do século XX, predominaram os movimentos operários, urbanos e cam-
poneses, sufocados pelas perseguições políticas e por práticas estatais clientelistas, co-
mo o “populismo”, disseminado a partir dos anos 30, no governo Vargas, que se carac-
teriza pela incorporação das massas populares ao processo político, sob controle e dire-
ção do Estado, através da concessão de favores. Nos anos 50 e 60 verificou-se uma in-
tensa, porém, fragmentária participação social, basicamente restrita aos movimentos
estudantis, às lutas sindicais, às ligas camponesas e aos grupos de reivindicação pela
implantação das “reformas de base”. Esses movimentos foram calados pela revolução
de 1964, através da censura da imprensa, cassação de mandatos e fechamento do Con-
gresso. Nos anos 70, no auge do Regime Militar, a falta de interlocução dos movimen-
tos sociais, sindicatos e partidos políticos com a sociedade originou a criação de novos
espaços para esse fim, como aponta Albuquerque (2004), através da música, do cinema,
do cotidiano dos bairros e da educação popular. Neste contexto, a Igreja Católica, a
partir da Encíclica Mater e Magistra, em 1961, emerge com uma nova proposta de mu-
dar o paradigma do desenvolvimento até então adotado no Brasil, deslocando o eixo da
ação estatal para um modelo centrado na participação popular. A partir dos anos 80,
principalmente com a abertura política, surge então um novo movimento social e uma
nova cultura participativa, deflagrando um processo no qual a sociedade, que parte em
busca do direito a definir seus direitos, em paralelo às instituições formais de participa-
ção, deixou de ter uma postura predominantemente reivindicativa para ser propositiva.
Os movimentos sindicais, especialmente no ABC paulista, e as Organizações Não Go-
vernamentais (ONG) foram os principais atores dessa transformação.
Com a promulgação da atual Carta Magna, foram consagrados o Estado Demo-
crático, o pluralismo político e a soberania do poder popular, criando um ambiente
normativo para que a participação social passasse a integrar definitivamente o processo
de geração das políticas públicas em várias áreas, como na saúde, assistência social, e-
ducação e meio ambiente (art. 225).
Neste trilhar, autores já defendem a tese de que a participação popular deve ser
reconhecida como um direito fundamental (CUNHA FILHO, 1997 e SCHIER, 2002).
A participação social passou então a ser intensificada em todos os níveis de go-
verno e áreas de atuação, surgindo milhares de conselhos, comitês, fóruns, redes e ou-
tros espaços públicos de discussão de temas de interesse comum. Segundo Bava (2003),
14
até recentemente, no Brasil, havia mais de 27 mil conselhos de gestão no âmbito das
políticas públicas de saúde, assistência social, defesa dos direitos das crianças e ado-
lescentes, meio ambiente, etc, onde milhares de brasileiros, eleitos por sua comunidade,
participam na formulação de políticas públicas.
De fato, segundo o IBGE (2005), os conselhos de saúde estão em 98,5% dos mu-
nicípios, os de assistência em 91,5%, os de educação em 91,0%, os de direitos da crian-
ça e do adolescente em 71,7%, os de emprego e trabalho em 30,3%, os de meio ambien-
te em 21,4%, os de turismo em 15,6%, os de habitação em 8,0%, os de transportes em
4,1%, e os de política urbana em 3,4%11.
Nesse processo de transformação, a participação social vem experimentando no-
vas formas de relação com o poder público, não apenas no papel de colaboração, mas
de co-gestão, através de orçamentos participativos e conselhos gestores, e até mesmo de
execução direta das políticas públicas, como a Organização da Sociedade Civil de Inte-
resse Público (OSCIP) e a Organização Social (OS).
O orçamento participativo é uma experiência de co-gestão Estado/sociedade que
rapidamente se multiplicou por todo o país, a partir do exemplo do Município de Porto
Alegre, em 1990, independente do tamanho e do partido político dirigente. Em termos
geográficos, porém, é importante apontar que, de acordo com dados do projeto Demo-
cracia Participativa, da UFMG, em 2004, havia 194 experiências em andamento no Bra-
sil, infelizmente ainda concentradas no sul e sudeste no país12.
Os conselhos gestores igualmente se multiplicaram no país, principalmente ao
ser-lhes conferido poder deliberativo de assessorar o governo na elaboração de políti-
cas públicas, como os conselhos de direito da criança e adolescente, recursos hídricos,
saúde e meio ambiente, passando a ter um papel de destaque no Estado Brasileiro.
Por último, pode-se destacar outra forma de participação social na gestão pública,
através das parcerias criadas com as OSCIP e as OS, como a feita pela Secretaria Esta-
dual de Saúde de Minas Gerais com a Associação Mineira dos Portadores de Vírus de
Hepatites (AMIPHEC), com o objetivo de implementar ações de assistência aos porta-
dores do vírus de hepatite e atuar na prevenção da doença por meio da divulgação sis-
temática de informações científicas13.
11Dados de 2005, tabulados pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), e disponíveis no site http://www.ibam.org.br/publique/media/ESP023P.pdf. Acesso em 12.12.07. 12Dados colhidos no site: http://www.pnud.org.br/democracia/documentos/CPP2.esp.pdf. 13Ve-rhttp://www.conass.org.br/?page=noticias_estados&codigo=206&i=0&mesAtual=04&anoAtual=2006&diaAtual=06. Acesso em 7.10.07.
15
A despeito da existência de todos esses instrumentos e da constatação de que eles
nem sempre são eficientes, é possível então questionar: como o povo pode exercer dire-
tamente o poder soberano de decidir os destinos de seu país, conforme disposto no texto
constitucional? Como efetivar o princípio da participação social na gestão pública do
patrimônio ambiental?
Para buscar respostas a esses questionamentos, é imprescindível refletir primeira-
mente sobre os desafios do Estado Participativo.
Os desafios na construção do Estado Participativo no Brasil
A Constituição Brasileira, em seu preâmbulo, é bastante eloqüente ao instituir um
Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais,
a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
Do Texto Maior, pode-se extrair, com clareza, que o objetivo principal do Estado
Brasileiro, independente do modelo que venha a ser adotado, é instituir um verdadeiro
“Estado Democrático para assegurar os direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”14. No Brasil, o Es-
tado Democrático foi consagrado no conceito de que o povo é o verdadeiro titular da
soberania, expresso no primeiro artigo da Constituição: “Todo o poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Cons-
tituição”.
O Estado Democrático, porém, não é um modelo pronto e acabado, é um processo
contínuo de transformação, subjacente à ordem política local, moldada diariamente
pelos diversos atores envolvidos na sua construção, não podendo, portanto, ser impor-
tado de um país para outro. É um ideal supremo, no dizer de Dallari (1998), cujos fun-
damentos são a supremacia da vontade popular, a preservação da liberdade e a igual-
dade de direitos. Infelizmente, o caminho para a consolidação desse modelo de Estado é
longo e tormentoso, sendo freqüentemente interrompido por interesses contrários ao
mandamento constitucional.
Sobre esses pilares, porém, é que ele deve ser construído, sempre aberto à partici-
pação social na sua constituição e atuação, pois se o povo puder expressar livremente
sua vontade soberana, saberá garantir a liberdade e a igualdade. É nesse cenário que o
Estado Democrático se consolida e se transforma em Estado Participativo, onde a parti-
cipação social sai do plano meramente formal para o plano real.
14 Conforme o Preâmbulo da Constituição Federal.
16
Ao contrário, se esse processo não estiver sendo eficiente, o Estado se torna uma
mera estrutura formal de representação popular – um Estado Figurativo, no dizer de
Cruzeiro (2006) – aqui empregado para representar um modelo em que a participação
social, dentro de um Estado aparentemente Democrático, é convocada apenas como
condicionante para a formulação de leis, repasse de recursos ou divisão de responsabili-
dades (SANTOS et al., 2005), sem compromisso com seus objetivos.
É o que ocorre, não raras vezes, no caso brasileiro, em que o Estado ainda não tem
sido eficiente para garantir plenamente os direitos fundamentais definidos na Constitui-
ção Federal e debelar o modelo excludente e concentrador de renda, historicamente ado-
tado no Brasil.
De fato, no plano social e político, a sociedade brasileira é basicamente constituí-
da de um grande exército de excluídos, privados de seus direitos mais elementares, e de
um pequeno pelotão de incluídos, cada vez mais incluídos, revelando o lado perverso da
concentração de renda e da injustiça social15. Nesse cenário de exclusão social, o exer-
cício da cidadania fica bastante comprometido, pois, como aponta Rodrigues (2007),
“La igualdad y la solidariedad mantienen un vinculo estrecho con la ciudadania. Toda-
vía, desigualdad y injusticia son los signos distintivos del mundo actual”.
É necessário, portanto, concordando com Deluiz (1995), construir mecanismos de
controle social que garantam uma participação efetiva e democrática, pois, onde a cida-
dania não se realiza em razão da marginalização de parte da população, tanto econômica
quanto política, torna-se fundamental rediscutir os processos que geram os fenômenos
da exclusão e a forma de superá-los. Nessa perspectiva, diz a referida autora: “os rumos
da sociedade dependerão da capacidade dos indivíduos, de se perceberem enquanto
sujeitos e atores sociais e, organizados na sociedade civil, exercitarem a democracia
em todos os níveis, refletindo sobre os problemas da sociedade, interferindo, partici-
pando, dialogando, enfim buscando o consenso em torno dos interesses da maioria”.
Além do aperfeiçoamento desses mecanismos de controle, a participação social só
é possível se os agentes tiverem informação e conhecimento necessários para assumir
posições políticas sobre determinados assuntos e serem capazes de defendê-las (CA-
PELLA, 1994). Assim, o cidadão bem informado passa a ter uma valiosa ferramenta de
controle social do poder, pois, com o conhecimento da questão ambiental, ele é resgata-
do de sua condição de alienação e passividade. Conquistando sua cidadania, ele se torna
15Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano, do Programa das Nações Unidas para o Desenvol-vimento (PNUD), feito no ano de 2006, o Brasil é o 10º mais desigual numa lista com 126 países (http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=2390&lay=pde). Acesso em 12.11.07.
17
apto para envolver-se ativamente na condução de processos decisórios que hão de deci-
dir o futuro da humanidade sobre a Terra (MILARÉ, 2001).
Somem-se a esses fatos a distorção do conceito de interesse público (KRELL,
2004), freqüentemente confundido com o interesse particular do gestor público, e a falta
de sintonia dos espaços públicos de participação popular direta com as estruturas for-
mais de representação política (SANTOS et al., 2005), indicando a existência de um
longo caminho, cheio de desafios, para a concretização do Estado Participativo.
Ao ver deste estudo, porém, todos esses desafios podem ser centralizados em um
único: a ineficiência dos espaços públicos na gestão compartilhada do meio ambiente,
pois eles, de algum modo, acabam sendo o ponto de partida e chegada dos demais.
Para a compreensão desse grande desafio e proposição de medidas corretivas, é
necessário primeiro contextualizar a via participativa segundo o comando constitucio-
nal, que determina ao poder público e à coletividade o dever de proteger e preservar o
meio ambiente para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225), além de como ela foi
posteriormente consagrada no plano infraconstitucional, pelas seguintes normas:
Lei 6.938/81 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – art. 2º, X – estabe-
lece, como princípio, a participação do cidadão na defesa do meio ambiente.
Lei 9.433/97 – Lei do Sistema Nacional de Recursos Hídricos – art. 1º, VI – dis-
põe que a gestão dos recursos hídricos deve ser participativa.
Lei 9.985/00 – Lei do Sistema Nacional de Unidade de Conservação – art. 5º,
III – dispõe sobre a participação social na gestão das unidades de conservação.
Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade – art. 2º, II – institui a gestão democrática
por meio da participação social para a gestão da política urbana.
Lei 11.284/06 – Lei de Gestão de Florestas – art. 52 – participação da sociedade
civil na Comissão de Gestão de Florestas Públicas.
Lei 11.428/06 – Lei de Proteção à Mata Atlântica – art. 6º - princípio da gestão
democrática na proteção à Mata Atlântica.
Lei 11.445/07 – Lei do Saneamento Básico Brasileiro – art. 2º, X – estabelece,
como princípio, a participação na formulação de políticas de saneamento.
Se esse modelo participativo foi consagrado tanto no plano constitucional quanto
no plano legal, portanto, por que a participação social não tem sido realmente efetiva?
A resposta a essa pergunta passa necessariamente pela metodologia a ser usada na
construção do Estado Participativo, em que os espaços públicos devem ser transforma-
dos em canais diretos de diálogo entre o mercado, a sociedade civil e o poder público,
18
em busca de uma gestão ambiental eficiente, uma gestão participativa, por meio de me-
canismos que valorizem e legitimem a colaboração de todos os atores, dentro de um
ambiente de equilíbrio de deveres e poderes. É o que propõe Rodrigues (2007) para o
qual “De hecho, el Estado y el mercado poseen una relación de dependencia mutua y la
gran lucha en toda a su historia ha sido establecer un equilibrio entre las dos fuerzas”.
Para o equilíbrio dessa relação é que a participação popular não oficial deve ser fortale-
cida, como exemplifica Séguin (2006), através do fortalecimento do direito de reunião e
associação (CF, art. 5º, XVIII), bem como da opinião pública.
A gestão participativa, além do mais, deve ser pautada na idéia de uma responsa-
bilidade solidária entre os atores com as presentes (responsabilidade interpessoal) e
com as futuras gerações (responsabilidade intergeracional). Assim, a participação social
não deve ser restrita ao plano formal, mas a um plano real de co-responsabilidades, sob
pena de os espaços públicos criados para essas discussões acabarem sendo apenas ins-
trumentos de promoção política, pré-requisitos para a obtenção de recursos públicos
ou parte de um processo de elaboração de uma norma.
É nessa dimensão que deve ser aferida a distância entre o Estado Figurativo e o
Estado Participativo, pois assuntos relacionados com a educação ambiental, informação
e equilíbrio de poderes são todos convergentes e precisam de espaços públicos com re-
presentação e legitimidade para serem discutidos e aperfeiçoados.
Portanto, torna-se necessário, neste ponto do estudo, um maior aprofundamento
do conceito de espaços públicos e de seus principais instrumentos participativos, em
busca de uma efetiva gestão ambiental.
Os espaços públicos e a gestão participativa do meio ambiente
A gestão ambiental participativa não é apenas uma proposta de modelo adminis-
trativo ou discussão doutrinária sobre a formulação de uma política, mas uma imposição
da Constituição Federal e da legislação correlata, em consonância com a tendência
mundial de se construir um Estado verdadeiramente Participativo.
De fato, propõe o Princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Am-
biente e Desenvolvimento (ECO-92): “o melhor modo de tratar as questões ambientais
é com a participação de todos os cidadãos interessados, em vários níveis”. No mesmo
sentido convergem a Diretiva 90/313/CEE, da União Européia, e o art. 34 da Carta de
Organização dos Estados Americanos (OEA).
O aperfeiçoamento do processo democrático com a inclusão da variável participa-
tiva demanda a criação de espaços públicos, onde temas de interesse público, em espe-
19
cial os relacionados ao meio ambiente, são decididos articuladamente entre o mercado,
a esfera privada e o Estado.
A idéia de espaço público, como indicam Santos et al (2005), foi desenvolvida
por Habermas, que buscou uma forma de equacionar o freqüente conflito entre esses
atores, eis que incompetentes para resolver isoladamente os problemas da sociedade a-
tual.
A solução desse conflito, portanto, exige a criação de uma estrutura intermediária,
denominada de esfera pública, onde não predominam interesses privados ou estatais e,
dentro dela, os espaços públicos, como aponta a Figura 1:
Esfera
Privada Estado . . .
. . Espaços públicos
Mercado
Figura 1 – Espaços públicos – Fonte: Santos et al. (2005)
O mais importante da teoria de Habermas, sob a ótica deste estudo, é a idéia de
que os espaços públicos, como as audiências públicas, conselhos de meio ambiente,
conselhos gestores de unidade de conservação, comitês de bacia, etc, não somente po-
dem, mas, devem influenciar efetivamente os processos políticos, tornando-se elemen-
tos cruciais para a formação do Estado Participativo.
Para o fortalecimento desses espaços públicos vários desafios devem ser venci-
dos, em especial: a falta de paridade entre as instituições públicas e privadas; a falta de
estrutura e de organização do órgão dirigente para o adequado desempenho de suas
funções; bem como a falta de capacidade e ausência de compromisso de alguns atores
com seus objetivos.
Todos esses obstáculos foram detectados a partir do estudo sobre o funcionamento
de alguns exemplos de espaços públicos no Rio Grande do Norte, tendo sido escolhido
o Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONEMA), principal conselho ambiental do
Estado, o Conselho Gestor da APA dos Recifes de Corais, por ser um dos mais atuantes
do Estado, e algumas audiências públicas, cujos resultados serão aqui analisados.
20
21
Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONEMA/RN
Foi possível observar todas as dificuldades e deficiências dos espaços públicos,
apontados anteriormente, no Conselho Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio
Grande do Norte (CONEMA), quando o autor, na condição de conselheiro no biênio
2004/06, teve a possibilidade de participar de suas sessões e conhecer o seu funciona-
mento. Além disso, para esta pesquisa foram analisadas as atas do CONEMA, de se-
tembro de 1998 até novembro de 2006 e seu regimento interno.
Preliminarmente constatou-se, nas atas de audiência, um grande rodízio dos re-
presentantes do governo no CONEMA, substituídos freqüentemente de uma reunião
para outra, dificultando a seqüência de discussões e um aprofundamento sobre os temas
relativos ao seu objeto. Tais fatos geraram uma postura apática de seus componentes,
pois, assim que surgiam problemas complexos, adiava-se o debate para a sessão seguin-
te, quando outra composição do Conselho era formada.
Outro dado observado foi a pouca assiduidade de alguns conselheiros da socie-
dade às reuniões marcadas, seja por desconhecimento da agenda, impedimento pessoal
ou simplesmente por desinteresse. Esses fatores, naturalmente, impediram a formação
de um vínculo entre esses atores e o Conselho, elementos indispensáveis para a eficiên-
cia do colegiado.
Além disso, a representatividade das instituições participantes foi muitas vezes
questionada, acarretando que, nos primeiros sete anos de funcionamento, o Conselho
teve três composições diferentes, sem ter conseguido formar um colegiado paritário.
Outro problema identificado foi a dificuldade na substituição dos conselheiros
da sociedade, que possuem mandato para apenas 2 anos, pois o segmento responsável
pelo assento no colegiado freqüentemente atrasava na indicação do novo titular, fican-
do, conseqüentemente, sem representação por um longo período.
É o que se pode verificar nas Tabelas I e II abaixo, extraídas das atas de reunião
do CONEMA, de 1998, ano de sua criação, a 2006, onde também se pode constatar a
defasagem no número de membros da sociedade e governo, bem como a quantidade de
propostas apresentadas pela sociedade e o respectivo percentual de aprovação.
22
TABELA I REUNIÕES DO CONEMA EM SUA PRIMEIRA COMPOSIÇÃO16
A B C D E Reuniões Tipo/Data
Participação do Governo Participação da Sociedade Propostas feitas pela sociedade
Percentual de propostas aprovadas
RO 03.09.98 5 5 1 100% RO 15.10.98 5 5 12 58,33% RO 01.12.98 5 5 5 60,0% RO 12.04.99 4 5 3 33,33% RO 16.06.99 4 4 2 50,0% RO 26.07.99 5 5 1 100% RO 23.08.99 6 5 2 50,0% RO 04.10.99 5 4 3 66,66% RO 16.11.99 7 5 - - RE 29.11.99 7 5 3 0 % RO 20.12.99 6 3 3 100% RO 10.04.00 6 5 - - RO 08.05.00 4 5 2 100% RO 12.06.00 6 4 3 33,33% RO 03.11.00 4 4 2 50,0% RE 27.11.00 6 5 1 0 % RO 11.12.00 5 4 2 0 % RO 08.03.01 5 3 3 100% RO 24.04.01 5 4 4 50,0% RO 14.05.01 7 5 3 66,66% RO 11.06.01 7 6 1 0 % RO 13.08.01 7 5 2 50,0% RO 10.09.01 4 3 1 100% RO 17.12.01 5 5 2 50,0% RO 18.03.02 5 5 2 100% RO 13.04.02 6 5 5 80% RE 20.05.02 5 5 2 50,0% RO 10.06.02 5 6 1 100% RO 15.07.02 5 5 1 100% RO 12.08.02 3 5 1 100% RO 09.09.02 4 4 - - RE 04.10.02 7 4 - - RO 14.10.02 4 4 1 100% RO 23.12.02 3 3 - - RO 10.03.03 5 2 3 0% RO 30.04.03 6 4 - - RO 14.05.03 7 4 2 100% RO 10.06.03 5 2 - - RO 29.07.03 3 4 1 100% RO 26.08.03 5 4 - - RO 09.12.03 5 3 1 100% MÉDIA 5,19 4,34 1,95 65,10%
16A primeira composição formou-se após o CONEMA ter sido criado pela LCE nº 140/96 e regulamenta-do pelo Dec. Estadual 13.799 de 17.2.98: Governo – 7 representantes (SEPLAN, SERHID, SETUR, SA-PE, SESAU, IDEC e IBAMA) e Sociedade – 6 representantes (Ass.Leg., FIERN, OAB, Prof. Nível Supe-rior, Inst. Ens. Sup. e ONG).
23
TABELA II REUNIÕES DO CONEMA EM SUA SEGUNDA COMPOSIÇÃO17
A B C D E Reuniões Tipo/Data
Participação do Governo Participação da Sociedade Propostas feitas pela sociedade
Percentual de propostas aprovadas
RE 27.07.04 7 6 3 33,33% RO 10.08.04 6 5 2 100% RO 14.09.04 6 5 - - RO 19.10.04 4 4 - - RO 07.12.04 3 3 - - RO 22.02.05 5 3 - - RE 18.08.05 4 5 2 100% RE 01.11.05 5 2 - - RE 17.11.05 5 3 2 50% RE 10.01.06 5 5 1 100% RE 25.01.06 7 4 1 100% RE 01.02.06 7 5 1 100% RO 14.02.06 5 3 2 100% RE 28.03.06 5 4 2 50% RE 19.04.06 6 6 2 50% RE 11.05.06 4 4 - - RE 26.07.06 4 6 2 0% RO 08.08.06 6 3 - - RO 10.10.06 5 2 - - RE 30.11.06 4 5 2 50% MÉDIA 5,25 4,15 1,1 69,44%
Dos dados acima tabulados, verifica-se que a sociedade, embora com um menor
número de assentos no colegiado, obteve uma média de comparecimento muito seme-
lhante ao governo. Além disso, os representantes da sociedade tiveram uma média de
1,53 proposições por sessão do colegiado, sendo 67,27% delas aprovadas, revelando
que a participação social no CONEMA, inobstante as dificuldades apontadas, apresen-
tou resultados significativos e que ainda há muito espaço para ser aperfeiçoada.
É importante frisar, contudo, que mesmo havendo paridade aritmética, não se
pode garantir uma participação efetiva dos representantes da sociedade, diante da desi-
gual distribuição de informações, de poder e de saber, como aponta Shiki (2007), pois a
falta de capacidade desses conselheiros amplia a sua dependência das informações, dos
recursos e da boa vontade do governo, reduzindo seu poder de se opor às tentativas de
esvaziamento e desmobilização feitas pelo poder público.
Além disso, como se observa nas Tabelas I e II acima, as datas marcadas para as
reuniões eram aleatórias, muitas vezes distantes uma das outras, como no biênio
17Sua segunda composição deveu-se à promulgação da LCE n° 272, de 3.03.04: Governo – 8 (SEPLAN, CONJUR, SERHID, SETUR, SAPE, SESAU, IDEMA e IBAMA) e Sociedade – 6 (Ass.Leg., FIERN, OAB, Prof. Nível Superior, Inst. Ens. Sup. e ONG). Sua terceira composição, após a promulgação da LCE nº 336/06, é: Governo – 8 (SEPLAN, CONJUR, SERHID, SETUR, SAPE, SESAU, IDEMA, IBA-MA e FEMURN) e Sociedade – 7 (Ass.Leg., OAB, Prof. Nível Superior, Inst. Ens. Sup., ONG, OSCIP e Fed. Patronal). Até julho de 2007, porém, essa nova composição ainda não havia sido formada.
24
2004/05, em que houve apenas 9 sessões com intervalo de quase 6 meses entre elas. A-
cresça a esses fatos um incompreensível “recesso”, nos meses de janeiro e fevereiro, a
deficiente comunicação entre os participantes, que, praticamente, só se encontravam
durante as sessões, e as constantes falhas e atrasos nas convocações.
É de se apontar que, no Regimento Interno do CONEMA, é prevista uma reuni-
ão ordinária mensal18, razão pelo qual deveria ter havido, no mínimo, 98 reuniões ordi-
nárias no período pesquisado, quando só ocorreu 45, logo, 45,91% do total previsto.
Refletindo sobre ainda sobre a metodologia participativa no CONEMA, verifica-
se que ela também é deficiente por não permitir a participação do povo em geral nas
reuniões e acompanhamento de seus trabalhos e decisões, pois, além de não haver uma
convocação pública para as suas reuniões, as informações disponibilizadas na Internet
são temporalmente defasadas, relativas a 200419. Isto ocorre porque o Governo, em ge-
ral, é normalmente à transparência de seus atos e despreparado para permitir que suas
informações, procedimentos e decisões cheguem à sociedade, fruto da falta de uma cul-
tura política para partilha de poder. Os conselhos, assim, passam a ser canais participa-
tivos burocratizados, esvaziados de conteúdo democrático e muito segmentados.
Problemas semelhantes foram também encontrados no Conselho Gestor da APA
dos Recifes de Corais.
Conselho Gestor da APA dos Recifes de Corais
A APA dos Recifes de Corais, situada no mar territorial limítrofe aos Municípios
de Maxaranguape, Rio do Fogo e Touros, no Estado do Rio Grande do Norte, foi criada
através Decreto Estadual nº 15.476, de 6.6.01, mas, somente em novembro daquele ano
foi instalado seu Conselho Gestor. Sua sede, onde se realizou parte da pesquisa, é em
Maracajaú20, Distrito de Maxaranguape. Por ser um dos mais atuantes Conselhos Gesto-
res de Unidade de Conservação do Estado, foi escolhido para compor o universo de
modelos estudados nesta pesquisa.
Pela leitura e análise das atas das 20 reuniões do referido Conselho Gestor, des-
de a sua criação, constatou-se uma baixa participação dos moradores de Maracajaú,
sede da APA, em suas reuniões, apesar de os assuntos ali discutidos serem imprescindí-
veis para o local, pois as atividades do pólo turístico que ali está se instalando – com os
famosos passeios às piscinas naturais existentes a poucos quilômetros da costa – estão
18Regimento Interno do CONEMA – Decreto 15.117, de 29 de setembro de 2000. 19Em acesso feito em 25.10.07, só havia no site atas relativas ao ano de 2004. 20Maracajaú é um Distrito, situado no litoral norte do Estado do Rio Grande do Norte, pertencente ao município de Maxaranguape, com IDH 0,61 e uma economia voltada para a pesca e turismo. Tem uma população aproximada de 2.000 habitantes, mas, com um PIB per capita de R$ 2.346,32 (IBGE/2003).
25
em conflito com a atividade pesqueira, tradicionalmente a base econômica do local. Tal
fato é o reflexo dos resultados obtidos pelo Conselho e de sua própria credibilidade.
Esses fatores, na mesma linha do que foi apontado anteriormente, estão relacionados,
com maior ou menor preponderância, à: a) falta de representatividade e legitimidade de
algumas instituições e dos atores integrantes; b) falta de estrutura e desorganização do
órgão dirigente para o funcionamento do colegiado; e c) ausência de compromisso de
alguns atores com seus objetivos.
Outro fator importante, ainda ligado a este contexto estrutural, é a irregularidade e
a baixa freqüência de participantes nas reuniões do Conselho Gestor da APA, pois, en-
quanto foram realizadas duas reuniões no mesmo mês, chegou-se a ter um intervalo
maior de 6 meses entre uma e outra, como pode ser visto na Tabela III:
TABELA III REUNIÕES DO CONSELHO GESTOR DA APA DOS RECIFES DE CORAIS
A B C E F Reuniões Tipo/Data
Participação do do governo
Participação da sociedade
Local da reunião
Direção
RO 19.11.01 6 4 Maxaranguape Presidente
RO 5.12.01 5 6 Rio do Fogo Presidente
RO 28.2.02 5 2 Touros Presidente
RO 16.10.02 3 6 Maxaranguape Presidente
RO 2.10.03 6 4 Rio do Fogo Suplente A
RO 28.1.04 3 3 Natal Suplente A
RO 13.5.04 6 4 Touros Suplente A
RO 11.11.04 5 4 Maxaranguape Suplente A
RO 30.11.04 3 4 Maxaranguape Suplente A
RO 24.2.05 3 3 Maxaranguape Suplente B
RO 5.4.05 3 2 Maxaranguape Suplente A
RO 5.5.05 7 5 Maxaranguape Suplente A
RO 30.6.05 7 5 Maxaranguape Suplente A
RO 25.10.05 6 4 Maxaranguape Suplente A
RO 12.1.06 7 4 Maxaranguape Suplente A
RE 16.2.06 8 4 Maxaranguape Presidente
RO 6.7.06 8 4 Rio do Fogo Suplente A
RO 14.9.06 7 1 Touros Suplente A
RO 17.11.06 5 4 Maxaranguape Suplente A
RE 1.6.07 4 4 Maxaranguape Suplente A
MÉDIA 5,4 3,9 Maxaranguape
65%
SuplenteA
70%
26
Pôde-se ainda verificar outras deficiências no funcionamento do Conselho Gestor,
a partir da pesquisa feita em suas atas de reunião e na Tabela III, como: a) a presidência
do Conselho freqüentemente ser exercida por suplente; b) a natureza meramente con-
sultiva do Conselho, enfraquecendo muito sua atuação; c) os constantes atrasos nas
convocações; e d) a grande demora em discutir questões cruciais da APA, como a ques-
tão das cotas de turistas para os parrachos, que levou mais de 2 anos para ser aprovada e
ainda não foi definitivamente resolvida.
Por último, verificou-se que o Conselho Gestor não tem funcionado adequada-
mente por falta de compromisso pessoal de alguns atores, que sequer comparecem em
suas reuniões, como ocorrido em 05.04.04, cuja sessão não foi realizada por falta de
quorum, e em 14.9.06, realizada com apenas um integrante da sociedade.
É importante, outrossim, reconhecer os argumentos de Shiki (2007), para o qual
deve-se fortalecer esses conselhos, a partir da criação de uma instituição jurídica que
fiscalize e obrigue o Governo a acatar suas deliberações, pois, caso contrário, eles aca-
bam se tornando instâncias meramente consultivas. Além disso, para o fortalecimento
desses espaços públicos os conselheiros devem ter um contato próximo e permanente
com a comunidade que representam, pois seu poder de pressão, depende do grau de co-
nhecimento dos reais interesses que defendem e da sua capacidade de mobilização, sob
pena de fragilizar suas opiniões, em detrimento de outros atores.
Foram identificados nas audiências públicas, ainda no contexto de um Estado Fi-
gurativo, problemas igualmente graves, como se verá a seguir.
Audiências públicas
A proteção jurídica do meio ambiente se desenvolveu na exata proporção do sur-
gimento dos instrumentos de controle da gestão estatal sobre um patrimônio de valor
incalculável21, em torno do qual se criou uma terceira geração do direito, alargando a
proteção jurídica, antes restrita aos interesses interpessoais, para os de natureza metain-
dividual. Todas essas mudanças no cenário jurídico-político brasileiro tornaram a esfera
pública mais permeável à participação social, que pode ocorrer pela publicidade a que
se deve dar ao processo de licenciamento – um dos instrumentos da Política Nacional
do Meio Ambiente, e hoje cristalizado na Lei 10.650/03, também chamada Lei da De-
mocracia Ambiental – e pelas audiências públicas. Por essa razão elas foram escolhidas
21Quanto vale o sacrifício do último indivíduo, animal ou vegetal, de uma espécie? Quanto vale a conta-minação de um rio, em que uma comunidade de pescadores ficou privada de seu sustento, esportistas de seu lazer, moradores vizinhos do equilíbrio climático, turistas de seu deleite paisagístico, etc?
27
para integrar a base de estudo desta pesquisa, uma vez que são espaços públicos de ex-
trema importância criados para uma gestão participativa do meio ambiente.
As audiências públicas são regulamentadas pela Resolução CONAMA nº 09/87
com a finalidade de expor aos interessados o conteúdo do Estudo de Impacto Ambiental
(EIA) e de seu Relatório (RIMA), dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as crí-
ticas e sugestões a respeito, para empreendimentos considerados “efetiva ou potencial-
mente causadores de significativa degradação do meio”22.
Esta, portanto, é a primeira questão: por que somente para esses grandes empre-
endimentos se faculta a audiência pública? Por que não estender esse instrumento de
controle e de publicidade dos atos públicos aos demais licenciamentos? Se a obra ou
atividade é impactante, demandando uma licença ambiental – não importa que tamanho
for – pressupõe-se o interesse de todos, não apenas os residentes na área de influência,
em conhecer detalhadamente o projeto e as intenções do empreendedor, sendo, portanto,
um direito difuso a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Portanto, o órgão
ambiental precisa entender que a audiência pública é uma ferramenta que vai enriquecer
o processo de licenciamento e lhe fornecer maiores subsídios e legitimidade para con-
ceder ou negar a licença. O empreendedor, por outro lado, precisa também entender que
a ausência de publicidade e transparência desse processo pode acabar gerando um preju-
ízo maior do que se a ele se submetesse, pois a população em geral, quando tomar co-
nhecimento a posteriori de uma nova obra impactante, pode lançar mão de outros ins-
trumentos de controle, como a representação ao Ministério Público ou a ação popular,
diretamente ao Poder Judiciário, desdobramento esse que poderia ser evitado. Além dis-
so, as repercussões desse fato na imprensa criam um cenário negativo em que todos
perdem, principalmente o empreendedor, com o risco de paralisação da obra e antago-
nismo com a comunidade do entorno.
Para se ter uma idéia da dimensão dessas perdas, segundo Rocha (2005), a parali-
sação de uma obra pública está dentro de uma margem de risco que pode representar um
percentual máximo de até 3% do total de seus custos, em função de todo o tipo de para-
lisação, como greve, mau tempo, etc. Com um eventual embargo judicial, porém, esse
percentual pode facilmente ser ultrapassado, o certamente comprometerá a viabilidade
financeira do empreendimento. Assim, pode-se inferir que se parte do percentual esti-
mado para o risco for investido na fase preliminar do projeto, com a realização de audi-
ências públicas, ele deixará de ser custo para ser investimento, evitando uma paralisa-
ção ou possível extinção da obra.
22Resolução CONAMA 237/97, art. 3º.
28
A pressa em obter a licença ambiental e o alvará de construção, ademais, como
argumento para justificar a inconveniência da participação social, pode gerar desconfi-
ança sobre a idoneidade do projeto. De igual modo, a rápida aprovação de um projeto
no órgão ambiental, contrastando com o longo tempo gasto com projetos semelhantes,
pode gerar desconfiança sobre a honestidade dos gestores encarregados. Se, por outro
lado, há uma longa espera para a aprovação de um projeto, a crítica agora passa para a
incompetência do órgão ambiental.
Neste cenário, porém, pior ainda do que a presunção de ser os agentes públicos
incompetentes ou corruptos pode ser o surgimento de um sentimento geral de apatia e a
indiferença, caso prevaleça a incapacidade da Administração Pública em corrigi-los.
A segunda questão é saber se a sociedade está ou não capacitada para participar
das audiências públicas. Apontam Alonso & Costa (2004) que ela não está, a partir de
uma análise sobre as audiências públicas realizadas no processo de licenciamento do
rodoanel de São Paulo. É natural chegar-se a esta conclusão em um país com um grande
número de pessoas excluídas que não são capazes de exercer seus mais basilares direitos
de cidadania.
Outros fatores negativos, contudo, potencializam essas dificuldades, como os lo-
cais e horários estipulados para as audiências públicas, que muitas vezes não são ade-
quados para a sua realização das audiências públicas. Além disso, não há um equilíbrio
na distribuição de espaço entre os atores, como o cidadão individualmente, movimentos
sociais, ONG, Ministério Público e outras Instituições Públicas, que possuem o mesmo
tempo para intervenção, quando possuem natureza e objetivos distintos.
Acresça ainda a esses óbices, o fato de que, em algumas audiências públicas as
perguntas só podem ser feitas por escrito, o que, evidentemente restringe qualitativa-
mente a participação de pessoas que apenas sabem escrever o próprio nome. Além dis-
so, em algumas audiências públicas o prazo para cada pergunta é, no máximo de 2 min,
restringindo, agora quantitativamente, o número de participantes, já que o tempo total
para o universo de inscritos é freqüentemente restrito. Os regulamentos de duas audiên-
cias públicas, ocorridas no Rio Grande do Norte, demonstram isso (anexos I e II).
Outro obstáculo relevante é o fato de a sociedade não ter um amplo acesso aos es-
tudos de impacto ambiental de grandes empreendimentos, apenas disponibilizados para
consulta no próprio órgão ambiental – quando poderiam ser inseridos na Internet – im-
pedindo a compreensão do tema por pessoas com dificuldade de transporte ou que não
são especialistas no assunto, por exemplo, além das constantes dificuldades estruturais
da própria administração pública.
29
Assim, concluindo este estudo, verifica-se que algumas reformas estruturais nos
órgãos ambientais e procedimentais nos processos administrativos permitirão uma me-
lhor e mais qualificada participação social no licenciamento ambiental, conforme as re-
comendações abaixo sugeridas.
Conselhos de Meio Ambiente e Conselhos Gestores
1) Zelar pela paridade dos representantes da sociedade e do governo, bem como a repre-
sentatividade das instituições que têm assento no colegiado;
2) Instituir um mecanismo para penalizar as instituições e seus representantes por faltas
às suas reuniões;
3) Fixar um calendário prévio com reuniões ordinárias mensais, evitando que sejam
desmarcadas;
4) Escolher locais e horários apropriados, de preferência por sugestão da própria co-
munidade, para a realização das reuniões;
5) Propiciar e incentivar um maior canal de diálogo entre os participantes e entre a
secretaria do colegiado para troca de informações e agendamento das programações; e
6) Dar ampla publicidade de seus atos e das convocações das reuniões, por meio da
Internet e da imprensa, permitindo a participação de outras pessoas, além dos membros
do conselho e servidores.
Audiências públicas
1) Dar ampla publicidade de todos os atos do processo de licenciamento ambiental,
incluindo os estudos de impacto ambiental respectivos, através de meios alternativos ao
processo burocrático atualmente em uso, inclusive pela Internet;
2) Realizar audiências públicas conjuntas ou isoladas para todas as obras que exigem
estudo de impacto ambiental, não somente para as de grande porte, eis que, pela sua
natureza difusa, são de interesse de todos, dando maior credibilidade para órgão ambi-
ental e segurança para a sociedade e para o empreendedor;
3) Otimizar os procedimentos administrativos preparatórios e a realização das audiên-
cias públicas para não paralisar o processo de licenciamento ambiental; e
4) Permitir uma ampla participação popular nas audiências públicas, equilibrando o
espaço a ela destinado, em relação aos outros participantes, sem fazer restrições que
constranjam e limitem injustificadamente suas intervenções.
30
Conclusão
Do estudo sobre as origens do Estado, desde suas formas mais primitivas ao Es-
tado de Direito Ambiental ou Estado Constitucional Ecológico, pôde-se perceber que a
participação social em sua constituição sofreu profundas modificações ao longo do tem-
po. Dentro de uma análise eminentemente política dos diversos modelos estudados, a
gestão participativa atualmente atinge o seu maior grau no aqui denominado Estado
Participativo, definido como um modelo no qual a participação popular extrapola o âm-
bito das estruturas formais de representatividade, como as Câmaras de Vereadores e As-
sembléias Legislativas, na conhecida fórmula do Estado Democrático, buscando, atra-
vés do aperfeiçoamento dos instrumentos de controle, uma efetiva postura de colabora-
ção – não apenas de contemplação – com o poder público.
Nos espaços públicos pesquisados, como o Conselho Estadual do Meio Ambien-
te (CONEMA), o Conselho Gestor da APA dos Recifes de Corais e audiências públicas,
verificou-se, principalmente: a falta de paridade entre as instituições públicas e priva-
das; a deficiente estrutura e desorganização do órgão dirigente para o adequado desem-
penho de suas funções; bem como a falta de capacidade e compromisso de alguns atores
com seus objetivos. Por estes motivos, pode-se concluir que o principal desafio na cons-
trução do Estado Participativo no Brasil é a ineficiência dos espaços públicos na gestão
compartilhada do meio ambiente, razão pelo qual se propôs algumas recomendações.
Quando esses desafios não são ou não podem ser vencidos, o Estado Democráti-
co se transforma em um Estado Figurativo, onde a participação social fica restrita ao
plano formal, na maioria das vezes convocada apenas para dar legitimidade ao um pro-
cesso legislativo ou para aprovar o repasse de recursos.
Não basta, portanto, construir um Estado Democrático, se ele continuar a ser re-
fratário à participação social na sua constituição e atuação na gestão ambiental. Somente
se a sociedade, através de seus diversos atores, puder expressar livremente sua vontade
soberana, é que poderá garantir uma efetiva proteção do patrimônio ambiental, assu-
mindo definitivamente o papel constitucional a ela atribuído de co-responsável, junta-
mente com o Estado, pela sua preservação, para as presentes e futuras gerações.
É somente nesse cenário que o Estado Democrático poderá se transformar em
um Estado Participativo.
31
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34
3. CAPÍTULO 2
OS DESAFIOS DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO AMBIENTAL
João Batista Machado Barbosa1, Eliza Maria Xavier Freire2 & Ricardo F. do Amaral3
1Mestrando do PRODEMA – UFRN
2Orientadora, Depto. de Botânica, Ecologia e Zoologia/UFRN 3Co-orientador, Depto. de Geologia/UFRN
RESUMO
Nada obstante o Brasil possuir uma legislação ambiental, reconheci-
da como uma das melhores e mais completas do mundo, ela não é efetiva-
mente implementada, não somente por ser pouco conhecida, mas por ser
muito desrespeitada. Uma das principais causas desse problema é a falta de
uma efetiva participação social na gestão ambiental. A partir do aperfeiço-
amento dos vários instrumentos de controle, como os conselhos de meio
ambiente e as audiências públicas, é possível concretizar um modelo real-
mente participativo, em que todos os atores tenham consciência da respon-
sabilidade a eles atribuídos pelo Texto Constitucional. Com esse objetivo foi
realizada uma extensa pesquisa nos Conselho Estadual de Meio Ambiente,
no Conselho Gestor da APA dos Recifes de Corais e em algumas audiências
públicas no Rio Grande do Norte. A confiança na metodologia participativa
e a efetividade desses instrumentos foi também testada por questionários,
aplicado em Pipa e de Maracajaú, por serem duas antigas colônias de pesca-
dores, ao sul e ao norte de Natal/RN, respectivamente, com características
atuais semelhantes.
ABSTRACT
Although the Brazil has an environmental law recognized as one of the
best in the world, it is not effectively implemented, not only for being un-
known, but as much disrespected. One of the main causes of this problem is
35
the lack of an effective social participation in environmental management.
From the improvement of the various instruments of control, such as the en-
vironment committee and public hearings, it is possible to achieve a genu-
inely participatory model, in which all actors can be aware of the responsi-
bility assigned to them by the Brazilian’s Constitution. To achieve that goal,
an extensive search was carried out in State of the Environment Council, in
the Council Manager of Coral Reefs Environment Protection Area, and
some public hearings in Rio Grande do Norte, with the same purpose. The
effectiveness of these instruments and a effective social participation was
also tested by a questionnaire, applied in Pipa and Maracajaú, two former
colonies of fishermen, in the south and the north of Natal/RN, respectively,
with similar characteristics today.
Introdução
Para aferir o grau de eficiência da gestão pública do meio ambiente, no Brasil,
basta um simples olhar sobre vários indicadores ambientais preocupantes, como os índi-
ces de crescimento desordenado das cidades, do desmatamento23, da desertificação24,
da poluição de recursos hídricos25, dentre outros, revelando que ela precisa ser aperfei-
çoada.
Comparativamente com outros países os índices brasileiros são ainda mais preo-
cupantes. As Universidades de Yale e Columbia, nos Estados Unidos da América, di-
vulgam, periodicamente, o Índice de Desenvolvimento Sustentável, o ESI – Environ-
ment Sustainability Index – baseado em 21 indicadores, divididos em 5 grandes compo-
nentes26. No ESI de 2002, o Brasil ficou em 79º lugar, na redução da geração de resí-
duos, 59º lugar, na redução do desmatamento, e 119º lugar na proteção à biodiversida-
de, em um total de 142 países27. Esse cenário existe, nada obstante o Brasil possuir uma
legislação ambiental reconhecida como uma das melhores e mais completas do mundo.
Mas, se ela não tem sido eficiente, quem é o responsável por isso? Em outras pa-
lavras, a quem compete a gestão do meio ambiente? Como aperfeiçoá-la? 23Recente notícia, divulgada em 24 de janeiro de 2008, pelo MMA – Ministério do Meio Ambiente e pelo INPE – Instituto de Pesquisas Espaciais apontam que foram desmatados 3.235 km2 da Amazônia entre agosto e dezembro de 2007, quatro vezes mais do que o mesmo período em 2004. 2472,5% do território do Rio Grande do Norte, ou seja, 38.630 km2 , estão em processo de moderado a muito grave estado de desertificação, atingindo mais de 1 milhão de pessoas (IDEMA, 1995). 25Ver“O Estado Real das Águas no Brasil” (http://www.unifap.br/ppgdapp/biblioteca/Estado_aguas.doc). 26Para consulta aos ESI, ver http://sedac.ciesin.columbia.edu/es/esi/archive.html27No ESI de 2005, o Brasil subiu do 20° para o 11° lugar no ranking final, demonstrando uma sensível melhora na média global dos 21 indicadores, embora tenha ficado atrás da Argentina e Guiana.
36
Segundo a matriz constitucional (CF, art. 225, § 1º), compete ao poder público,
com a participação da sociedade a defesa do meio ambiente. Se ela existe, mas não tem
sido eficiente, duas situações podem estar ocorrendo: i) o Poder Público age sozinho ou
em parceria com a sociedade, mas, por não ter competência, fracassa em suas inter-
venções; ou ii) o Poder Público age de forma dissonante com a sociedade, impedindo
uma gestão eficiente do meio ambiente, onde haja repartição de responsabilidades e
compromissos.
Essas duas situações podem estar co-existindo nos diversos Estados e Municípios
do Brasil, devendo-se investigar qual delas prepondera sobre a outra, a partir da análise
dos espaços públicos criados e os instrumentos de controle social existentes, principal-
mente os conselhos de meio ambiente e audiências públicas.
Antes, porém, deve-se analisar a própria relação do Estado com a sociedade, aqui
estudada a partir das lições de Souza Santos (1998). Para este grande sociólogo portu-
guês, as transformações do Estado surgiram, basicamente, de revoluções e de reformas.
As primeiras exercidas contra o Estado, ao passo que as segundas pelo Estado, com ba-
se no pressuposto de que a sociedade é problemática por natureza e, portanto, deve ser
adaptada às suas proposições. O Estado, em regra, é a solução do problema e o sujeito
dessas reformas; a sociedade, por conseqüência, o seu objeto.
A proposta aqui, entretanto, é demonstrar que Estado e sociedade precisam estar
em constante transformação, sendo, simultânea e permanentemente, sujeito e objeto de
reformas, em um processo integrado de parceria, com repartição de responsabilidades
entre as presentes e as futuras gerações.
É, pois, através da participação que a população aprende a transformar o Estado,
de órgão distante e superposto à sociedade, em órgão absolutamente dependente e pró-
ximo dela (BORDENAVE, 1983).
A efetiva gestão participativa deve surgir assim de um processo de articulação das
ações dos diferentes agentes sociais que interagem em um dado espaço, para garantir,
com base em princípios previamente definidos, a exploração sustentável dos recursos
ambientais (LANNA, 2002). É o que aqui será denominado como Estado Participativo,
na linha do Estado Constitucional Ecológico de Direito, como propõem Canotilho Go-
mes (2004) e Morato Leite & Ayala (2004).
No atual modelo brasileiro, porém, o Estado Democrático se apresenta como um
Estado Figurativo, onde a sociedade e o poder público, em regra, atuam de forma di-
vergente, quando muito paralela, na gestão do patrimônio ambiental, violando a matriz
37
constitucional consagrada no princípio da participação28 (MACHADO, 2004). Nele, a
participação social é basicamente restrita ao plano formal (CRUZEIRO, 2006), nor-
malmente convocada para legitimar um processo legislativo ou para o repasse de recur-
sos, como apontam Santos et al. (2005).
Para a compreensão desse problema em âmbito global, no mesmo índice ESI a-
cima citado, o Brasil ficou em 90º lugar no item capacity for debate (capacidade para o
debate), definido como a capacidade de disponibilizar informações ambientais, o grau
em que as opiniões divergentes são discutidas e a existência de estruturas que permitam
os debates entre os agentes envolvidos. Nesse item, o Brasil ficou atrás até mesmo do
Haiti (87º) e da Bósnia (67º), na lista de 142 países que termina com Cuba e China29.
Por isso, serão aqui defendidas algumas propostas para implementar um verdadei-
ro Estado Democrático – um Estado Participativo – em que haja uma efetiva participa-
ção social na gestão pública do meio ambiente com o aperfeiçoamento dos instrumentos
de controle social existentes, inclusive, com o incentivo do próprio Estado, por ser o
principal responsável pela ordem de desigualdades (TOURAINE, 1996). Nele, o povo
realmente é o legítimo titular do poder, como dispõe o art. 1º da Carta Maior: “Todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.
Visando à consecução desses objetivos, será inicialmente feito um breve resumo
sobre a participação social no Brasil e os espaços públicos30, como o Conselho Estadual
do Meio Ambiente do Rio Grande do Norte, o Conselho Gestor da APA dos Recife dos
Corais e as audiências públicas, pretendendo assim demonstrar sua importância para
uma gestão pública eficiente.
Além disso, para também aferir a efetividade dos instrumentos de participação so-
cial foi aplicado um questionário nos Distritos de Pipa e de Maracajaú, duas antigas co-
lônias de pescadores, ao sul e ao norte de Natal/RN, respectivamente, em face das gran-
des transformações ali verificadas, mormente pela especulação imobiliária e pelo turis-
mo.
Para compreensão do tema aqui proposto, serão destacados inicialmente os aspec-
tos fundamentais da participação social e os desafios dos espaços públicos no Brasil.
28Esse princípio é disposto no art. 225, caput, da CF, quando estabelece que se impõe ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. 29No site http://sedac.ciesin.columbia.edu/es/esi/ESI2002_21MAR02tot.pdf pode-se ter maiores dados sobre esses e outros indicadores. 30Apenas para efeito desta pesquisa, espaços públicos e instrumentos de controle social serão usados co-mo sinônimos.
38
A participação social no Brasil
No Brasil, nas diversas formas que o Estado tomou ao longo da história, predo-
minou a prática de políticas clientelistas e elitistas, centralizadoras e excludentes. Do
“Marechal de Ferro” ao Estado Novo, do Regime Militar ao Regime das Medidas Pro-
visórias, das Constituições Outorgadas (1824, 1937, 1967 e 1969) aos Decretos-Lei. A
história é pródiga em exemplos de instrumentos utilizados pelo Estado para manter o
povo distante do centro de decisões e do poder. Nesse processo, salvo raras exceções31,
as estruturas formais de representação popular sempre estiveram presentes, muito embo-
ra os agentes políticos estejam em freqüente oposição com interesses, projetos e aspira-
ções dos atores sociais (FERREIRA, 1999). Assim, pode-se afirmar que a participação
direta da sociedade no Estado tem sido fruto de conquistas e não de concessões.
Com a Carta Magna de 1988, contudo, consagrou-se no Brasil o conceito de Es-
tado Democrático e a soberania do poder popular, quando então a participação social
passou a fazer parte integrante do rito processual de geração das políticas públicas,
principalmente na saúde (art. 198), educação (art. 206) e meio ambiente (art. 225). Vá-
rias leis, editadas posteriormente, seguiram o mesmo modelo, como a Lei do Sistema
Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97, art. 1º, VI) e o Estatuto da Cidade (Lei
10.257/01, art. 2º, II). A participação popular passa então a ser reconhecida como um
direito fundamental (SCHIER, 2002 e CUNHA FILHO, 1997).
Nesse contexto, surgem, em todas as entidades da federação e áreas de atuação,
milhares de conselhos, comitês, fóruns, redes e outros espaços públicos de discussão de
temas de interesse comum. No dizer de Bava (2003) há, no Brasil, mais de 27 mil con-
selhos de gestão no âmbito das políticas públicas de saúde, defesa dos direitos das cri-
anças e adolescentes, meio ambiente, dentre outros, onde milhares de brasileiros, eleitos
por sua comunidade, estão participando na formulação de políticas públicas. Assim
constituídos, esses conselhos caracterizam-se como verdadeiros arranjos institucionais
que respaldam a participação paritária da sociedade e do governo (SILVA, 1993).
A gestão ambiental participativa, portanto, é uma imposição da Constituição Bra-
sileira e da legislação, não uma mera liberalidade do Estado ou um simples modelo
administrativo. A gestão participativa é também uma proposta a nível mundial, como
cita o Princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro (ECO 92), da Diretiva 90/313/CEE,
da União Européia e do art. 34 da Carta de Organização dos Estados Americanos.
Nesse processo de transformação, a sociedade vem experimentando novas formas
de relação com o poder público, saindo de um mero papel de colaboração para o de co- 31 Como fechamento do Congresso no governo Vargas, em 1937, e no governo Costa e Silva, em 1968.
39
gestão, como, por exemplo, através de orçamentos participativos32, infelizmente ainda
concentradas no sul e sudeste do país33, e até mesmo de execução direta das políticas
públicas, através das OSCIP e OS. É nesse cenário que a participação social passa a ser
realmente um processo de vivência que imprime sentido e significado a um grupo ou
movimento social, tornando-o protagonista de sua história (GOHN, 2005).
A despeito da existência desses instrumentos, a gestão ambiental participativa não
tem sido eficiente, permitindo-se então questionar: como a sociedade pode exercer dire-
tamente o poder soberano de decidir os destinos de seu país, conforme disposto no texto
constitucional? Como efetivar a participação social na gestão do patrimônio ambiental?
Os espaços públicos e seus principais desafios
O aperfeiçoamento do processo democrático com a inclusão da variável participa-
tiva naturalmente demanda a criação de espaços públicos, onde temas de interesse pú-
blico, em especial os relacionados ao meio ambiente, são decididos, de forma articula-
da, entre a sociedade, o mercado e o Estado. A idéia de espaço público, como indicam
Santos et al (2005), foi desenvolvida pelo filósofo alemão Jünger Habermas, que bus-
cou uma forma de equacionar os freqüentes conflitos gerados entre os diversos atores
sociais e políticos, eis que incompetentes para resolver, isoladamente, os problemas na-
cionais, seja pela auto-regulação do mercado, pela atuação onipotente do Estado ou pe-
las estruturas sociais institucionalizadas. Para Habermas (apud SANTOS et al., 2005), a
solução desse conflito exige a criação de uma estrutura intermediária, denominada de
esfera pública – uma intersecção entre a esfera do Estado, Sociedade e Mercado, onde
não predominam a concentração de poderes, os interesses de grupos econômicos ou de
pesadas instituições políticas. É onde deve haver o equilíbrio entre a sociedade civil, no
dizer de Gramsci, caracterizada pela elaboração de ideologias e valores simbólicos que
visa à direção, e a sociedade política, que visa à dominação (apud SEMERARO, 1999).
Dentro da esfera pública é onde surgem os espaços públicos, como os conselhos
de meio ambiente e audiências públicas, e onde a sociedade, mercado e o poder público
se conectam, pois, segundo Touraine (1996): “não há democracia sem o reconhecimen-
to de um campo político onde se exprimem os conflitos sociais e se formam, por voto
majoritário, decisões reconhecidas como legítimas pelo conjunto da sociedade”.
32De acordo com dados do projeto Democracia Participativa, da UFMG, em 2001 havia 197 experiências de orçamentos participativos em andamento, no Brasil. 33Conforme Paiva (2001, s/n), o orçamento participativo atrai do PT ao PFL e, antes vinculado só à es-querda, já vigora em 34 prefeituras de centrodireita. Aponta ainda o exemplo de Capanema/PR, onde, pelo orçamento participativo, foi definido que as prioridades da população eram a abertura de poços arte-sianos e a cessão de três vacas leiteiras para cada comunidade.
40
O mais importante da teoria de Habermas, na linha da pesquisa aqui desenvolvida,
é a idéia de que os espaços públicos não somente podem, mas, devem influenciar os
processos políticos e administrativos, tornando-se elementos cruciais para o fortaleci-
mento do Estado Participativo, eis que se tornam instrumentos de controle e participa-
ção social nas políticas públicas voltadas para o meio ambiente. Devem orientar e con-
trolar a qualidade do processo de tomada de decisão, por meio de exaustivas discussões
que nem sempre têm espaço nas estruturas formais de representação, como o parlamen-
to. Deve haver, portanto, uma integração de todos os atores e um incentivo do Estado
para o fortalecimento dos espaços públicos, pois, mesmo existindo capital social anteri-
or à sua formação, como aponta Dino (2003), em pesquisa realizada em um comitê de
bacia no Estado de Minas Gerais, a descontinuidade no estímulo do poder público en-
fraquece a participação e o comprometimento social.
No Brasil, atualmente, as principais formas de espaços públicos ambientais são a
Conferência Nacional do Meio Ambiente34, os comitês de bacia, os conselhos de meio
ambiente, existentes nos três planos federativos35, os conselhos gestores de unidade de
conservação, pelo grande número existente desses espaços protegidos, em fase de fran-
ca expansão36, e as audiências públicas, bastante disseminadas por serem parte inte-
grante do processo de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo
impacto ambiental e da formação de uma unidade de conservação.
Na pesquisa aqui apresentada, foram eleitos três tipos desses espaços públicos
para analisar a eficiência da gestão ambiental, como se verá adiante.
Metodologia
Para efetivar a participação social na gestão pública do meio ambiente com o a-
perfeiçoamento dos espaços públicos, optou-se, nesta pesquisa, analisar três deles: o
Conselho Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Norte – CONE-
MA/RN, por ser o principal conselho estadual, o Conselho Gestor da APA dos Recifes
de Corais, em razão de ser um dos conselhos gestores mais atuantes no Estado, e audi-
ências públicas, em razão dos poderes de suas decisões, da grande quantidade de pesso-
as que tem contato com elas e da relativa regularidade com que são convocadas.
O Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONEMA – é o órgão consultivo e de-
liberativo do Sistema Estadual de Meio Ambiente, cuja principal função é assessorar o
Governo na formulação e execução da política ambiental do Estado. Ao autor, como 34Já na sua terceira edição (8 a 11 de maio de 2008, em Brasília, DF). 35No plano federal é o CONAMA; no estadual é o CONEMA, no caso do Rio Grande do Norte; e, no plano municipal, o COMPLAN, no caso do Município de Natal. 36No Brasil existem hoje 198 UC cadastradas no SNUC, segundo dados no MMA. No RN são 17.
41
integrante do CONEMA, na condição de conselheiro, no biênio 04/06, foi possível fazer
uma observação cuidadosa sobre o seu funcionamento. Além disso, foi realizada uma
minuciosa leitura das 61 atas de todas as suas reuniões, desde a sua criação, em 3.9.98,
até 9.12.03, em sua primeira composição, fixada pela LCE n° 140/96, e no período de
27.7.04 a 20.11.06, já em sua segunda composição, estabelecida pela LCE n° 272/04. A
partir da promulgação da LCE n° 336/06, o CONEMA passou a ter a sua terceira com-
posição, que, entretanto, até dezembro de 2006, ainda não havia sido formada.
O Conselho Gestor da APA dos Recifes de Corais foi instalado em novembro de
2001, pelo Diretor Geral do Órgão Ambiental do Estado, para uma Unidade de Conser-
vação que abrange os Municípios de Maxaranguape, Rio do Fogo e Touros, no Estado
do Rio Grande do Norte. A APA foi criada através Decreto Estadual nº 15.476, de 6 de
junho de 2001. Para avaliar a efetividade deste espaço público, como uma verdadeira
instância de participação popular, foi feita uma análise de todas as 20 atas de reunião,
desde a sua criação, em 19.11.01, até a reunião de 1º.6.07, apontando os principais pro-
blemas e discussões ali travados, incluindo seus efetivos representantes37.
As audiências públicas são espaços públicos utilizados em proveito de vários te-
mas, porém, na esfera ambiental, elas são regulamentadas pela Resolução Conama nº
09/87, com a finalidade de expor aos interessados o conteúdo do Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) e de seu Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA), dirimindo
dúvidas e recolhendo dos presentes críticas e sugestões a respeito. Elas são convocadas
sempre que forem julgadas necessárias pelo órgão ambiental ou quando forem solicita-
das por entidade civil, pelo Ministério Público ou por 50 ou mais cidadãos.
No Brasil, elas são aplicadas apenas para empreendimentos considerados “efetiva
ou potencialmente causadores de significativa degradação do meio ambiente”38. Por
esse motivo elas não são muito freqüentes no Estado do Rio Grande do Norte, daí por-
que foram analisadas apenas as ocorridas em Rio do Fogo e Tibau do Sul, no ano de
2007. Foram ainda colhidos dados da bibliografia e legislação sobre o assunto, além da
experiência profissional do autor, vivida ao longo dos últimos 6 anos.
Além do estudo sobre a eficiência desses três instrumentos de controle social, en-
tendeu-se necessário elaborar um questionário e submetê-lo a 400 pessoas nos Distritos
de Pipa e Maracajaú, com o fim de analisar a participação social e a efetividade dos ins-
trumentos de controle em locais com muitas semelhanças e diferenças.
37A quantidade de representantes era muito questionada nas reuniões e nas atas não há registro nominal dos participantes, razão pelo qual não foi possível apontar quais instituições tinham assento no Conselho. 38Resolução CONAMA 237/97, art. 3º.
42
O Distrito de Maracajaú foi a primeira área escolhida. Sede da APA dos Recifes
dos Corais, no litoral norte do Estado, a 60 km da capital. Este Distrito pertence ao mu-
nicípio de Maxaranguape e possui uma economia voltada para a pesca e turismo. Tem
um PIB anual per capita de apenas R$ 2.346,32 e uma população aproximada de 2.000
habitantes (IBGE/2003), com um IDH de 0,61.
A segunda área escolhida foi o Distrito de Pipa, que pertence ao município de Ti-
bau do Sul, situado no litoral do sul do Estado do Rio Grande do Norte, a 88 km de sua
capital. Possui uma economia predominantemente voltada para o turismo. Seu IDH é
0,66 (PNUD/2000) e o PIB per capita de R$ 3.423,00. Possui uma população flutuante,
em razão do grande fluxo turístico, de aproximadamente 2.300 habitantes (IBGE/2003).
Estas áreas foram escolhidas porque ambas eram antigas colônias de pescadores e
hoje vivem sob uma intensa exploração imobiliária e turismo, em razão de suas belezas
naturais, bem como por estarem em uma Unidade de Conservação: em Maracajaú, a
APA dos Recifes dos Corais e, em Pipa, a APA Bonfim-Guaraíras. A diferença entre
elas, porém, é que, em Pipa, o Conselho Gestor da APA onde está localizada ainda não
foi instalado, contrariamente ao de Maracajaú, que, inclusive, é a sede da APA dos Re-
cifes de Corais e onde ocorre a maioria de suas reuniões.
Por essas semelhanças e diferenças, decidiu-se aplicar o mesmo questionário de
entrevistas de Maracajaú em Pipa, com a mesma quantidade de pessoas, ou seja, 200,
em cada localidade, aproximadamente 10% (dez por cento) de sua população, de forma
aleatória, com pessoas de várias idades, sexo, condição social, local de moradia e esco-
laridade, entre os meses de junho e julho de 2007, conforme modelo no anexo III.
Para a determinação da confiabilidade das amostras, foi usada a seguinte fórmula
do erro (B) de uma Amostra Aleatória Simples (BOLFARINE & BUSSAB, 2005):
⎠⎞=Np/αB
Após várias deduções e suposições, obtém-se a fórmula simplificada para o cál-
culo do tamanho de uma amostra, apresentada abaixo:
qpNZ
n.)1.(B
q . p . N
2/2
2
+−=
α
43
Onde: n = Tamanho da amostra a ser determinada; N = Tamanho da população sobre a qual foi calculada a amostra; p = Proporção de sucesso de ocorrência de uma determinada carac-terística (atribuída em 0,5); q = Proporção de fracasso de ocorrência de uma determinada carac-terística (atribuída em 0,5); B = Limite para o erro de estimativa do parâmetro populacional em relação ao seu estimador;
2/2αZ = Valor do quantil da distribuição normal padrão para um
nível de confiança considerado.
O cálculo do tamanho de uma amostra deve ser realizado com um erro variando
de 1% a 10%. Quanto maior o erro, menor será o tamanho da amostra e, por conseguin-
te a sua representatividade. Em Maracajaú, com 2.000 habitantes, o percentual do erro
foi de 6,7%, ao passo que, em Pipa, com 2.300 habitantes, o percentual do erro foi de
6,8%, para uma amostra de 200 pessoas entrevistadas em cada uma dessas localidades,
com uma confiabilidade de 95%.
Nas questões 2, 4, 7 e 8, originariamente elaboradas para serem respondidas em
uma escala de valores (1º lugar, 2º lugar, etc), decidiu-se apenas computar o 1º lugar
escolhido por cada um dos entrevistados, pois muitos deles tiveram dificuldade de fazer
essa relação. Por último, importa destacar que algumas pessoas preferiram não respon-
der a uma ou outra questão, fato este que não prejudicou a pesquisa, em razão de que a
questão com menos respostas (questão 7) não passou de 2% de abstenção.
Resultados
Nas atas de reunião do CONEMA/RN, realizadas no período de 1998 a 2006, em
suas duas composições iniciais, foi possível constatar vários pontos que não dificultam
um melhor desempenho do colegiado, principalmente ligados à paridade das institui-
ções componentes, estrutura e a organização do órgão dirigente, bem como compro-
misso de seus representantes, como se verá adiante.
Inicialmente observou-se um grande rodízio dos representantes do governo e
pouca assiduidade de alguns conselheiros representantes da sociedade às sessões do
colegiado marcadas, seja por desconhecimento da data, impedimento pessoal ou, sim-
plesmente, por desinteresse. As ausências chegaram a tal ponto que foi proposto (e a-
provado) o desligamento da representante da Assembléia Legislativa do Conselho, con-
forme transcrição de trecho da ata abaixo, verbis:
44
20.12.99 – 11ª RO “(...) O quinto ponto da Pauta iniciou-se com o esclare-
cimento do Conselheiro x, no sentido de que a discussão deveria ser sobre a
ausência da representação da Assembléia Legislativa no Conselho. Ocorreu
um debate sobre o assunto entre os Conselheiros, (...), da qual resultaram
as seguintes propostas: 1) O desligamento da representante da Assembléia
Legislativa, de autoria do Conselheiro x; e 2) Reiterar ao representante ti-
tular da Assembléia sua participação regular no Conselho, de autoria do
Presidente. Em votação, a primeira proposta foi aprovada, com 5 (cinco)
votos a favor e 4 (quatro) votos contra (...).39”
Além disso, as datas marcadas das reuniões ordinárias e extraordinárias eram alea-
tórias, muitas vezes distantes uma das outras, como no biênio 2004/05, em que houve
apenas 9 sessões, com intervalo de quase 6 meses entre duas elas (22.2 a 18.8.05), bem
como um incompreensível “recesso”, nos meses de janeiro e fevereiro, esvaziando
qualquer discussão ou interesse no Conselho. Para agravar esse quadro, é importante
apontar que, no Regimento Interno do CONEMA, é prevista uma reunião ordinária
mensal40, razão pelo qual deveria ter havido, no mínimo, 98 reuniões ordinárias no pe-
ríodo pesquisado, quando só ocorreu 45, logo, 45,91% do total previsto.
Outro aspecto preocupante observado nas atas do CONEMA foi a deficiente co-
municação entre os participantes e o Conselho, provocando constantes falhas e atrasos
nas convocações, e outros transtornos, caracterizando a falta de estrutura e desorgani-
zação do órgão dirigente para o funcionamento do colegiado. Como exemplo, pode-se
apontar a sessão da 37ª RO, realizada no dia 29.7.03, em que um dos conselheiros apon-
ta claramente não ter sido comunicado da data da reunião anterior.
Além disso, nas sessões do Conselho eram freqüentes as discussões sobre a repre-
sentatividade das instituições participantes, o que se pode comprovar também pelo sim-
ples fato de que, nesses sete anos de funcionamento ele teve três composições diferen-
tes, sem ter conseguido formar um colegiado paritário41.
Outro fator importante observado relaciona-se aos conselheiros e sua capacitação
técnica. Verificou-se que, em regra, eles não tinham qualificação técnica para discutir
39Nomes propositadamente suprimidos, em razão do interesse apenas científico da pesquisa. 40Decreto 15.117, de 29 de setembro de 2000. 41Na primeira composição do CONEMA, após ter sido criado pela LCE nº 140/96 e Dec. Estadual 13.799 de 17.2.98, o Governo tinha 7 representantes e a sociedade 6. Na sua segunda composição, após a pro-mulgação da Lei Complementar n° 272, de 3 de março de 2004 o Governo passou a ter 8 representantes e a 6. Após a promulgação da LCE nº 336/06, o Conselho passou a ter sua terceira composição, com o Go-verno tendo 8 representantes e a sociedade 7. Até julho de 2007, porém, essa nova composição ainda não havia sido formada.
45
os assuntos que eram ali debatidos, razão pelo qual, freqüentemente, se valiam de con-
sultores e assessores42, favorecendo assim as posições adotadas pelo governo, em razão
de possuírem meios diversificados e mais recursos para esse fim.
Para piorar, freqüentemente conselheiros e seus respectivos suplentes, normal-
mente do governo, não podendo comparecer às sessões, mandavam, em seu lugar, re-
presentantes com limitados poderes decisórios e que não tinham conhecimento sobre os
assuntos e a dinâmica dos debates que eram ali realizados. Tal fato tornou-se tão grave a
ponto de se chegar a contestar a legitimidade de “terceiros” participarem do colegia-
do43.
Das atas do CONEMA pôde-se observar também que os conselheiros da socieda-
de obtiveram uma média de comparecimento de 65,81% em suas reuniões, muito pró-
xima à média dos representantes do governo, que foi de 69,29%, portanto, com uma ex-
pressiva participação no colegiado, a despeito de estarem em menor número.
Tais fatos, além disso, não impediram que os conselheiros da sociedade formulas-
sem uma média de 1,53 proposições por sessão do colegiado, nas 61 reuniões realiza-
das, contra apenas 1,24 dos representantes do governo. Das proposições apresentadas
pela sociedade, 67,27% delas foram aprovadas, revelando a importância da participação
social na gestão ambiental, inobstante as dificuldades apontadas, e o quanto ainda pode
ser aperfeiçoada.
Problemas semelhantes foram também detectados no Conselho Gestor da APA
dos Recifes de Corais.
Da leitura das 20 atas desse Conselho, destacam-se três itens que claramente
comprometeram o seu funcionamento, com maior ou menor preponderância: a) falta de
paridade das instituições componentes no colegiado, comprometendo o equilíbrio de
poderes; b) falta de estrutura e a desorganização do órgão dirigente para o funciona-
mento do colegiado; e c) ausência de capacidade e compromisso de alguns atores com
seus objetivos.
Pode-se comprovar o primeiro item no fato de que alguns integrantes do Conselho
Gestor, desde as suas duas primeiras sessões, reclamaram a injustificável ausência de
algumas instituições na sua composição, questionando a legitimidade do colegiado para
debater temas importantes para aquelas comunidades, como transcrito abaixo, verbis:
9.11.01 – 1ª RO “(...) Concluída a apresentação de ambos os vídeos, pro-
nunciou-se o Vereador (...), Presidente da Câmara de Vereadores de Maxa- 42É o que pode-se observar na 6ª RE, em 27.7.04 e na 16ª RE, em 26.7.06. 43Como aconteceu na 10ª RO, em 16.11.99.
46
ranguape, ressaltando que o Decreto criador da APA dos Recifes de Corais
não cita a participação de representantes das Câmaras Municipais da área
dessa APA (Touros, Maxaranguape e Rio do Fogo) (...)”
5.12.01 – 2ª RO “(...) Logo que a mesa foi composta, o (...) Presidente da
Colônia de Pescadores de Maracajaú pediu a palavra para reivindicar que
as colônias de pesca tenham direito a um representante em cada município
abrangido pela referida APA (...). O Presidente do Conselho pediu que esse
assunto fosse discutido no final da reunião, como também uma reivindica-
ção do Presidente da Câmara de Vereadores do Município de Maxaran-
guape, para que os Presidentes das Câmaras de Vereadores dos municípios
de Rio do Fogo, Maxaranguape e Touros tenham direito a assento(...)”.
O segundo item, a deficiente estrutura e desorganização do órgão condutor para
o funcionamento do conselho, pôde ser facilmente observada, a partir da falta de um
adequado rodízio no local de suas reuniões e de uma pauta de discussões que envolvam
problemas referentes a todos os municípios integrantes da APA, e não a somente um
deles. Além disso, a irregularidade nas datas e a baixa freqüência de reuniões do Conse-
lho Gestor da APA também demonstram a deficiente organização e estruturação do co-
legiado, como no fato de terem sido realizadas duas reuniões no mesmo mês (11.04), ao
passo que um intervalo maior de 6 meses entre outras duas delas (11.06 a 06.07).
Pôde-se ainda constatar outras deficiências no funcionamento do Conselho Ges-
tor, por deficiências na sua estrutura e organização, como: a) a presidência do Conselho
freqüentemente ser exercida pelo suplente, permitindo-se questionar sobre a necessida-
de de o Diretor do Órgão Ambiental do Estado presidir o colegiado; b) a natureza me-
ramente consultiva do Conselho, enfraquecendo muito sua atuação; c) os constantes
atrasos nas convocações, impedindo uma maior participação dos atores envolvidos; d) a
grande demora em discutir questões cruciais da APA, como a questão das cotas de tu-
ristas para os parrachos, que levou mais de 2 anos para ser aprovada e que, até o final de
2007, ainda não havia sido definitivamente resolvida; e e) os locais escolhidos também
não são adequados para essas reuniões o que, somando-se aos horários fixados, de-
monstram ser um dos principais obstáculos para uma participação popular mais freqüen-
te, conforme apontaram 25,3% dos entrevistados em Maracajaú, sede da APA.
Por último, outro fator observado que impediu o funcionamento adequado do
Conselho Gestor da APA é a falta de compromisso pessoal de alguns atores, que sequer
compareciam a suas reuniões, como o exemplo ocorrido em 5.4.04, em que não houve
47
sessão por falta de quorum, e em 14.9.06, cuja sessão teve apenas 1 integrante da socie-
dade.
Foram identificados problemas igualmente graves nas audiências públicas.
As audiências públicas podem ser realizadas para vários tipos de assunto, como
no caso de licitação de grandes obras (Lei 8.666/86, art. 39), e por vários órgãos legiti-
mados, dentre eles, os Entes da Federação e o Ministério Público.
Na esfera ambiental, ela pode ocorrer basicamente por dois motivos: i) para a cri-
ação de uma unidade de conservação (Lei 9.985, art. 22, § 2º e Dec. 4.340, art. 5º) e ii)
no licenciamento de grandes empreendimentos (Resolução CONAMA nº 09/87).
Para a criação de unidades de conservação no Rio Grande do Norte elas não têm
sido utilizadas com freqüência, em razão do pequeno número de novas unidades cria-
das. Por outro lado, no licenciamento de grandes empreendimentos, considerados “efeti-
va ou potencialmente causadores de significativa degradação do meio”, para o qual a
avaliação ambiental é feita através de EIA/RIMA44, as audiências públicas são realiza-
das com a finalidade de expor aos interessados o conteúdo desses estudos, dirimindo
dúvidas e recolhendo dos presentes críticas e sugestões a respeito. Basta, para isso, que
elas sejam julgadas necessárias pelo Órgão Ambiental ou quando forem solicitadas por
entidade civil, pelo Ministério Público ou por 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos.
No Rio Grande do Norte, elas não são freqüentes, pois não são comuns grandes
empreendimentos que justifiquem o uso desse instrumento. Mesmo nesse caso, não se
tem a garantia de que ela será realizada, como no caso de um mega empreendimento
imobiliário em Touros/RN, um resort de luxo para 13.000 habitações, em uma área de
4,5 milhões de metros quadrados45, para o qual não foi feita uma audiência pública.
Por outro lado, mesmo nos casos em que ela foi realizada, a preocupação prepon-
derante é cumprir uma etapa do processo de licenciamento, e não possibilitar uma efe-
tiva participação social. De fato, nos regulamentos das audiências públicas realizadas
nos dias 26.11.07 e 9.1.08, em Tibau do Sul/RN e Rio do Fogo/RN, respectivamente,
em anexo, observa-se que as perguntas somente puderam ser feitas por escrito (art. 8º, §
2º), bem como que apartes somente foram permitidos por instituições com representati-
vidade comprovada (art. 11), restringindo assim a participação de pessoas analfabetas
ou com baixa escolaridade (o que é a grande maioria nesses locais) e de cidadãos co-
muns não pertencentes a nenhuma instituição. Mesmo as pessoas com maior grau de
44Resolução CONAMA 237/97, art. 3º. 45Maiores informações no site: http://www.destinodosol.com.br/html/destinos/esquina_do_brasil/8semana.html
48
instrução demonstram não possuir capacidade para participar de audiências públicas,
por falta de informação e fatores adversos, como apontam Alonso & Costa (2004).
Esse fato também foi observado em uma audiência pública, realizada em 27.12.06
no Rio Grande do Norte para a aprovação de um mega empreendimento imobiliário. O
aviso na imprensa anunciando a audiência pública circulou no dia 22.12.06, uma sexta-
feira, restando apenas um dia útil, ou seja, o dia 26.12.07, uma quarta-feira, para que as
pessoas pudessem tomar conhecimento do EIA/RIMA e se preparar para a mesma.
Através da análise dos questionários, foi possível avaliar a confiança da
população de Pipa e Maracajaú nos instrumentos de controle social.
Inicialmente, foi detectado na pesquisa que um grande universo de pessoas, ou se-
ja, 92% dos entrevistados acreditam na gestão participativa do meio ambiente:
Acredita que uma real participação social na defesa do meio ambiente ela seria mais eficiente?
8%
SIMNÃO
92%
Figura 2 – Confiança na participação social na gestão ambiental
A confiança na metodologia participativa existe no universo de pessoas entrevis-
tadas, nada obstante a maioria nunca ter participado de uma audiência pública ou reuni-
ão de um conselho de meio ambiente, como exposto na Figura 3:
Você já participou de uma audiência pública ou conselho de meio ambiente?
38%
62% SIMNÃO
Figura 3 – Participação social em audiência pública ou conselho de meio ambiente
49
A causa dessa omissão participativa provavelmente deve-se a locais e horários i-
nadequados, enquadrado nesta pesquisa como falta de estrutura e desorganização do
órgão dirigente para o funcionamento do colegiado.
Neste trabalho detectou-se o uso de poucos instrumentos e a falta de capacidade
técnica de seus participantes, eleitos como fatores que impedem uma participação social
mais efetiva na gestão ambiental, como se vê na Figura 4:
Por que a participação social não é mais efetiva?
10797
54 54
41 38
0
20
40
60
80
100
120
Pou
cos
inst
rum
ento
s
Falta
de
capa
cida
deté
cnic
a
Não
vai
reso
lver
nad
am
esm
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Exi
stem
outra
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ades
Loca
is d
ere
uniõ
esin
adeq
uado
s
Hor
ário
s de
reun
iões
inco
mpa
tívei
s
Figura 4 – Motivos pelos quais a participação social não é mais efetiva por número de entrevistados
A despeito dessas críticas, a maioria das pessoas entrevistadas considera que os
conselhos de meio ambiente são os instrumentos mais adequados para a participação da
sociedade na gestão pública do meio ambiente, como exposto na Figura 5 abaixo.
Qual desses instrumentos de participação é o mais adequado
141
9386
63
9
0
20
40
60
80
100
120
140
160
Cons Meio Amb Denúncia ProtestosPasseatas
Audiência Pub Forum Disc Inter
Figura 5 – Instrumentos mais adequados de participação social por número de entrevistados
50
Ainda de acordo com a Figura 5, vê-se que 93 pessoas, ou seja, 23,72% dos entre-
vistados, acreditam ser a denúncia um dos instrumentos mais adequados de participação
social, quando lhe foram colocadas outras opções.
A despeito desse fato, 63% das pessoas ouvidas acreditam que se fizerem uma
denúncia por dano ambiental ela será apurada, revelando existir um amplo espaço para
incrementar a participação social por essa forma.
Paradoxalmente, a maioria dos entrevistados não confia no governo para defender
o meio ambiente, preferindo, porém, o governo federal, dentre os três entes federados,
como pode se ver nas Figuras 6 e 7.
Você confia no governo para defender o meio ambiente?
42%
58% SIMNÃO
Figura 6 – Confiança no governo para defender o meio ambiente
Confiança no governo para proteger o meio ambiente
171
117104
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
Federal Municipal Estadual
Figura 7 – Confiança no governo, por ente da federação, por número de entrevistados
Esses dados podem ser comparados com o fato de a população entrevistada tam-
bém atribuir a responsabilidade para a proteção do meio ambiente a outras instituições,
como a Polícia, o Poder Judiciário e o Ministério Público, o que se demonstrou impor-
51
tante por não caracterizar mérito ou demérito a uma determinada instituição em particu-
lar, conforme aponta a Figura 8.
Responsabilidade para a proteção do meio ambiente
283
5129
18 16
0
50
100
150
200
250
300
IBAMA/IDEMA Just Promotor Estado Polícia Município
Figura 8 – Responsabilidade de órgãos para a proteção do meio ambiente por número de entrevistados
Por último, na Tabela IV podem-se ainda observar outros dados importantes,
pois a maioria da população de Pipa (51%) apontou já ter ido a alguma audiência públi-
ca, fórum ou conselho ambiental, embora o Conselho Gestor da APA Bon-
fim/Guaraíras, onde está situada, ainda não tenha sido instalado.
Contrariamente, portanto, ao que ocorreu em Maracajaú, onde somente 25% dos
entrevistados disseram ter participado desses eventos, mesmo sendo sede do Conselho
Gestor de uma APA.
PERGUNTA
PIPA
MARACAJAÚ
5
Você já participou de alguma audiência pú-blica (como de Plano Diretor), conselhos ou fóruns de discussão sobre a proteção das florestas, dos animais, das águas, do solo, do subsolo e do ar?
SIM
51%
SIM
25%
6
Se houvesse uma real participação social na proteção das florestas, dos animais, das á-guas, do solo, do subsolo e do ar você acha que ela seria mais eficiente?
SIM
94%
SIM
90%
8
Qual desses instrumentos de participação social você acha mais adequado para isso?
Conse-lhos de meio
ambiente
Conse-lhos de meio
ambiente
28,86% 42,92%
Tabela IV – Respostas às perguntas 5, 6 e 8 dos questionários aplicados em Pipa e Maracajaú
52
Discussão
As deficiências verificadas nos espaços públicos aqui analisados refletem-se di-
retamente na gestão e nos indicadores ambientais, como representado na Figura 9.
Participação Gestão Indicadores social falha deficiente negativos
Figura 9 – Ineficiência da participação social
É verdade que uma gestão ambiental deficiente pode ter origem em outras causas,
porém, a falta de uma efetiva participação social é a que prepondera sobre as demais,
como apontado anteriormente, por envolver uma repartição de responsabilidades e de
benefícios entre a sociedade e o Estado, a partir da escolha conjunta de prioridades. Por
essa razão eles precisam ser, simultânea e permanentemente, sujeito e objeto de refor-
mas, em um processo integrado de parceria, pois, segundo Guimarães (1995), a susten-
tabilidade política do desenvolvimento encontra-se estreitamente vinculada ao processo
de construção da cidadania.
Na mesma linha aqui traçada, aponta Andrade (2001) que o desenvolvimento sus-
tentável não pode mais ser entendido apenas nas dimensões social, econômica e ambi-
ental, proposta por Ignacy Sachs, mas também em outras dimensões, como a política.
Para a autora, esse é o grande desafio da América Latina porque aqui, mais do que em
outros lugares do mundo, o desenvolvimento sustentável está ligado diretamente à con-
solidação da democracia, em que a construção de uma sociedade mais justa deve ter a
efetiva participação de todos os atores.
Verifica-se que o Estado é consciente disso, pois a gestão participativa no meio
ambiente, mais do que um modelo administrativo ou liberalidade do Estado, é uma im-
posição constitucional e de todas as normas jurídicas de regência. De igual modo, a so-
ciedade também é consciente disso, pois, neste estudo, a confiança e importância da me-
todologia participativa foi reconhecida por 92% dos entrevistados, nos dois pequenos
povoados onde foi realizada parte dela (Figura 2).
O que precisa ser aperfeiçoado é a confiança da população no governo para de-
fender o meio ambiente, pois os índices de confiabilidade foram baixos (Figura 6), prin-
cipalmente em relação aos governos locais (Figura 7).
53
Para que a gestão ambiental saia do campo da retórica e se torne real, portanto, é
preciso aperfeiçoar os espaços públicos criados para esse fim, que possuem várias defi-
ciências, resumidas neste trabalho na: a) falta de paridade das instituições componentes
nos espaços públicos, comprometendo o equilíbrio de poderes; b) falta de estrutura e a
desorganização do órgão dirigente para o funcionamento do colegiado; e c) ausência
de capacidade e compromisso de alguns atores com seus objetivos.
É o que será discutido a seguir.
Conforme constatado ao longo desta pesquisa, uma das grandes deficiências da
gestão participativa do meio ambiente é a falta de paridade das instituições nos espaços
públicos criados para esse fim, como os apontados no CONEMA/RN e Conselho Gestor
da APA dos Recifes de Corais. Esses problemas, embora sendo de natureza estrutural,
comprometem a persecução de seus objetivos, razão pela qual devem ser logo identifi-
cados, a partir de dois cenários: a) como aponta Albuquerque (2004), com a criação de
um grande número de conselhos, a oferta de participação passou a ser maior do que a
demanda, ocasionando o surgimento de canais de representação meramente burocráti-
cos, esvaziados de conteúdo democrático, pois a participação social passou a ser apenas
um requisito formal para a aprovação de uma norma ou recurso; b) contrariamente, em
outros casos, como lembra Veiga (2007), pode ocorrer um grande número de atores dis-
putando assentos nos espaços públicos, de modo que a representação da instituição elei-
ta jamais terá condições de atender satisfatoriamente os múltiplos interesses de um
mesmo segmento, como geralmente ocorre nos comitês de bacia. Para superar esse de-
safio, o Estado precisa assumir a condução desse processo, regulando, capacitando e
incentivando a participação social na gestão do meio ambiente, de modo a exercer, as-
sim, o papel que lhe é atribuído pela Constituição Federal. Além disso, esse desafio so-
mente pode ser superado se os agentes tiverem informação e conhecimento necessários
para assumir posições políticas sobre determinados assuntos nos espaços públicos cria-
dos e serem capazes de defendê-las (CAPELLA, 1994).
A falha na estruturação e desorganização do órgão dirigente dos espaços públi-
cos é outra deficiência que ficou bastante evidente, quando da análise do funcionamento
de alguns tipos e das entrevistas realizadas. Para superar esses óbices, bastam medidas
simples, como o aperfeiçoamento da comunicação com os conselheiros, a transparência
de todos os seus atos, a fixação de um calendário prévio de suas reuniões e a escolha de
locais e horários apropriados, de preferência por sugestão da própria comunidade.
Por último, constatou-se que a ausência de capacidade e compromisso de alguns
atores é também um dos fatores que mais contribuem para a ineficiência dos espaços
54
públicos. Aponta Shiki (2007), citando outros autores, que essa deficiência pode ser su-
perada se o conselheiro estiver em constante contato com a comunidade que representa,
razão pelo qual deve ser cuidadosamente escolhido para esse fim, pois somente assim
ele possuirá capacidade de pressão sobre os representantes do governo e fortalecerá a
sua atuação no processo de negociação. Caso contrário, a atuação do conselheiro passa-
rá a ser restrita à sua própria opinião, e não daqueles que representa, tornando-a poten-
cialmente mais frágil. De forma mais ampla, Arretche (2003) defende que a prévia ex-
periência de mobilização cívica e a própria experiência adquirida nos conselhos podem
também superar esse desafio, em busca de um equilíbrio de poderes da sociedade com
os executivos locais.
Conhecer e superar essas deficiências são o grande desafio que precisam ser en-
frentados pelo Estado para que haja uma verdadeira gestão ambiental participativa. Foi
verificado neste trabalho que existe um cenário favorável para isso, pois, de um modo
geral, a sociedade confia e acredita nessa metodologia, a despeito de todas as adversida-
des.
De fato, se forem confrontados os dados da Tabela IV, por exemplo, pode-se
observar que, em Maracajaú, um grande universo de pessoas entrevistadas (42,92%)
acredita nos conselhos de meio ambiente, índice maior do que em Pipa (28,82%), nada
obstante haver uma participação menos constante em Maracajaú (25%) do que em Pipa
(51%). Como existe um alto grau de confiança dos entrevistados na gestão participativa
em ambos os locais (acima dos 90%), pode-se inferir que o Conselho Gestor da APA
dos Recifes de Corais não tem sido eficiente no seu propósito de ser um verdadeiro ins-
trumento de controle social da gestão ambiental.
Em outras palavras, malgrado as pessoas acreditarem na metodologia participa-
tiva, inclusive, que os conselhos de meio ambiente são os mais adequados instrumentos
dispostos para esse fim, elas pouco participam, principalmente em Maracajaú, embora
seja sede da APA e onde a maioria de suas reuniões é realizada.
Conclusão
Conforme apontado no início deste trabalho, a presença de indicadores negativos
sugere a existência de uma gestão pública ambiental ineficiente. Esse cenário pode ter
várias causas, porém, a partir da análise de alguns espaços públicos criados no Rio
Grande do Norte, como os conselhos de meio ambiente e audiências públicas, concluiu-
se neste estudo que a causa preponderante é o fato de o poder público e a sociedade a-
girem de forma dissonante, impedindo uma gestão eficiente do meio ambiente. Para que
55
a gestão ambiental saia do campo da retórica e se torne efetiva, portanto, é preciso aper-
feiçoar os espaços públicos criados para esse fim, superando as várias deficiências a-
pontadas, como a falta de paridade das instituições componentes nos espaços públicos,
comprometendo o equilíbrio de poderes; a falta de estrutura e a desorganização do ór-
gão dirigente para o funcionamento do colegiado; e a ausência de capacidade e com-
promisso de alguns atores com seus objetivos.
É evidente que, em um país de dimensões continentais, de complexas formações
políticas, sociais e econômicas, muitas outras causas podem estar influenciando, em
menor ou maior grau, para compor os indicadores negativos anteriormente referidos.
Por esta razão os resultados aqui obtidos não necessariamente se aplicam a todos os Es-
tados e Municípios, embora seja muito provável, pois a bibliografia pesquisada relata
fatos existentes em todo o país.
De qualquer modo, este trabalho serve de alerta para a necessidade de que esses
espaços públicos sejam alvo de um constante monitoramento, pois Estado e sociedade
são inevitavelmente co-responsáveis pela gestão ambiental, não somente pela escolha
conjunta de prioridades, mas em razão do contrato social firmado na Constituição Fede-
ral com o objetivo de proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
56
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